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RILDO BENTO DE SOUZ TATIELLE BRITO NEPOMUCI LUGAR DE MEMORIA REVISTA DO ARQUIVO DO MUSEU DAS BANDEIRAS - 3° EDICKO Copyright © 2023 by Travassos Eprrora Todos os direitos reservados 4 Travassos Editora e ao autor. REVISAO Luiza VeNnTURINI CAPA Travassos Eprrora PROJETO GRAFICO E DIAGRAMAGAO ‘Travassos EDITORA OS TEXTOS DESTE LIVRO SAO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES. Dados Internacionais de Catalogacdo na Publicacdo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Museu das Bandeiras : lugar de memoria / organizacgdo Rildo Bento de Souza, Tatielle Brito Nepomuceno. -- 3. ed. -- Rio de Janeiro, RJ : Travassos Editora, 2023. Varios autores. ISBN 978-65-87290-75-1 1. Bandeiras - Historia 2. Experiéncias - Relatos 3. Memérias 4. Museus 5. Museus - Brasil - Histéria 6. Narrativas I. Souza, Rildo Bento de. II. Nepomuceno, Tatielle Brito. 23-167288 cDp-069 indices para catélogo sistemAtico: 1, Museus : Historia 069 2. Museus : Preservagaéo da meméria e cultura : Museologia 069 Tabata Alves da Silva - Bibliotecdéria - CRB-8/9253 Tel.: (21) 4126— 9826 ‘www.travassoseditora.com travassos@travassoseditora.com CONSELHO EDITORIAL DESTE LIVRO Dra. Camila Azevedo de Moraes Wichers Universidade Federal de Goias (UFG) Dr. Clovis Carvalho Britto Universidade de Brasilia (UNB) Dra. Cristina de Cassia Pereira Moraes Universidade Federal de Goids (UFG) Dr. Eder Mendes de Paula Universidade Federal de Jatai (UFJ) Dra. Fernanda Santana Rabello de Castro Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) Dr. George Leonardo Seabra Coelho Universidade Federal do Tocantins (UFT) Dr. Gleidson de Oliveira Moreira Secretaria Estadual de Educacao de Goids Dr. Leandro Carvalho Damacena Neto Instituto Federal de Educagao, Ciéncia e Tecnologia de Goids - Campus Cidade de Goias (IFG) Dra. Nadia Mendes de Moura Universidade de Brasilia (UNB) Dr. Neemias Oliveira da Silva Universidade Estadual de Goids (UEG) Dr. Rildo Bento de Souza Universidade Federal de Goias (UFG) 4 Destaco aqui a fala do geégrafo Rogério Haesbaert que diz “o territori [..] 6 sobretudo um territério politico [..] 0 territério é, antes de tu um simbélico, ou um espaco de construgdes com referéncias para Soares de identidades” (HAESBAERT, 2016. p. 35). Esse movimel € constante, envolvente, envolvendo uma gama de signos. 66 “DEBAIXO DA ESCADA TINHA UMA URNA’: REFLEXOES SOBRE UM ARTEFATO INDIGENA NO MUSEU DAS BANDEIRAS Camila Azevedo de Moraes Wichers' Inserido em uma porgao mais alta do centro hist6rico da ci- dade de Goias, 0 antigo edificio da Casa de Camara e Cadeia, que abriga ha quase sete décadas 0 Museu das Bandeiras (MUBAN), marca a paisagem de forma solene. Caminhando desde o centro que abriga as festividades e atividades culturais do municipio, 0 edificio logo se tornou visivel para mim, ao mesmo tempo em que uma ansiedade, frequente quando de minhas primeiras vi- sitas a um determinado museu, foi crescendo. Ao adentrar pela primeira vez no MUBAN, ha quase 10 anos, fui logo recebida por um dos segurangas da instituigao, que chamou um dos “guias” do museu para as orientagdes da visita. Naquele momento, em meio a imponéncia do prédio, minha atengao foi fisgada por um objeto debaixo da escada, que, localizada a esquerda, da acesso ao andar superior. Com cerca de 1 metro de altura, essa “Urna fu- neraria indigena” ser a personagem central desse texto, que traz divagagoes acerca das relagGes entre a biografia dos objetos e os museus, a arte indigena, as colegées etnograficas, as ontologias amerindias, a vida e a morte. Meu encontro com esse artefato indfgena se deu em diver- sos momentos desde entao, tendo ocorrido pela tiltima vez em novembro de 2019, conforme imagem a seguir. Em um momento de perda, luto e dor, parei diante do objeto e refleti sobre a tran- sitoriedade da vida, sobre a morte e sobre as formas humanas e 67 nao humanas que habitam o cosmos. Esse artefato, inserido no “Espago Indigena” do museu (MUBAN, 2020), deflagrou em mim muitas questées. Teria aquele objeto recebido 0 corpo de uma pessoa, como recentemente um caixao havia recebido o corpo do meu filho? Quem teria sido essa pessoa? Quais cuidados foram realizados pelos parentes da pessoa morta nesse processo de enterramento? Qual 0 estatuto ontolégico desse objeto para os povos indigenas? Em quais circunstancias teria se dado aquela morte, tendo em vista o processo de violéncia colonial das ban- deiras? Como esse objeto foi encontrado, capturado e chegou ao museu? Sua exposi¢ao, sobretudo naquele lugar, debaixo de uma escada, seria adequada aos olhos dos parentes da pessoa morta? Nao espero ter respostas, mas te convido a trilharmos um pouco da histéria desse objeto-vivo. Figura 1 - Urna funeraria indigena Fonte: fotografado por Michiel Wichers (2019) 68 Itinerario do objeto Partindo do meu encontro com essa “urna funeréria indige- na” na exposic¢ao do MUBAN, passo a trilhar informacées e hip6- teses acerca do itinerario do objeto, que aparece acompanhado da seguinte legenda na exposi¢ao: Figura 2 - Detalhe da legenda do objeto Fonte: fotografado Michiel Wichers (2019) A legenda nomeia 0 objeto como “Igagaba’, eS cente a familia lingufstica Tupi-guarani, e que significa “Pote de barro ou talha grande para agua, 0 qual serve também para guar- dar outros géneros. Urna funerdria dos indigenas” (DICIO, 2023). Na legenda também é mencionado o uso para armazenamento 69 de liquidos e graos. Da mesma forma, é indicada a matéria pri- ma: “Argila (barro cozido)”; a Proveniéncia: Nazdrio-GO; ea data-_ gao: Século XIX. Examinemos esses indicios, tendo também como suporte os dados digitalizados na base Tainacan dos museus do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM)?. A importancia dos objetos de barro, ou como temos deno- minado em outros momentos como “artes do barro’, para a cons- trugao de uma historia indigena de longa-duracao no territ6rio que denominamos como Estado de Goias é significativa, posta a durabilidade desses objetos. Do barro, seja ele formado pela argila pura ou misturada com minerais, cinzas de cascas de arvores ou fragmen- tos de cacos de vasilhas quebradas, nascem, com enge- nho e arte, muitas coisas. As vasilhas de barro, voltadas a producao, armazenamento e consumo de alimentos e bebidas, o fuso de fiar, 0 cachimbo e o carimbo corpo- ral sdo alguns dos artefatos ceramicos encontrados no territério goiano (VIANA, MORAES WICHERS, DANTAS, 2022, p. 350) O municipio de Nazario, localizado a cerca de 70 km a oeste de Goiania, é indicado como procedéncia do objeto, mais precisa- mente a Fazenda Ruibarbo. Tendo sido coletada por Antonio Pi- res em 05 de agosto de 1954,a pe¢a foi doada ao museu em 1961, pelo prefeito Manoel F. Teixeira. Um periodo de sete anos separa © momento da coleta do objeto - sua captura - da sua doa¢do ao MUBAN, entao recém-criado. Parte da hist6ria de vida do objeto mantém-se desconhecida, demandando novas pesquisas. 70 Mapa do municipio de Nazario - GO, com indicagaéo aproximada a localizagao da Fazenda Ruibarbo (circulo roxo), nas ea do Corrego Laranjeiras, afluente do cérrego Ruibarbo. Fonte: IBGE. Mapa Municipal Estatistico - Nazario - GO, 1:50.000, 2010. E recorrente a presenca de objetos arqueolégicos com itine- rarios andlogos em instituigdes Teele aa ae. es quais as informagées contextuais do “achado” sao escassas. on tiam outros objetos arqueolégicos no local? Foram a a ainda que residuais, vestigios de esqueletos humanos? Ainda qu ; a forma do objeto remeta a artefatos semelhantes, usados oa bém para enterramentos humanos, a presenga de oes yi é um indicador significativo para que 0 uso do Obici como funerdria fique demonstrado. Dadas as caracteristicas nN solos do atual territério brasileiro, a evidéncias de esqueletos tém ui grau baixo de preservacado, demandando técnicas de escavacao minuciosas, 0 que nao ocorreu com a coleta em tela. Esses objetos despertam a curiosidade das populagées lo- cais, que tendem a fazer sua coleta e colecionamento, criando ou- AL tras relagées com esses artefatos (BEZERRA, 2017). Se, por um lado, essas relagdes revelam a agéncia desses objetos na cons- tru¢ao de outras teias de significados, por outro lado, emergem olhares “exotizantes” para esses objetos e, consequentemente, Para Os povos que os produziram. Olhares que muitas vezes in- feriorizam as pessoas produtoras do objeto e quiga as pessoas enterradas, quando temos essa evidéncia confirmada. Seria essa inferioriza¢ao que explicaria os lugares que relegamos a esses ar- tefatos indigenas nos nossos museus? Essas materialidades sao, na maior parte das vezes, presas a um passado distante e “primitivo” nos discursos museais, nao sendo articuladas ao presente indigena, a suas cosmologias, lu- tas e resisténcias. Essa desarticulacdo nao é aleatéria, posto que constitutiva de polfticas de exclusdo e exterminio, pautadas no argumento de que esses povos sao “atrasados”, pertencem ao passado e impedem o desenvolvimento do pats. Qualquer seme- Ihan¢a com o que estamos acompanhando nesse infcio de 2023 com 0s povos Yanomami, que enfrentam um processo de geno- cidio perpetrado pelos tltimos anos de desgoverno, nao é mera coincidéncia. As caracteristicas do artefato, com forma piriforme, 99 cen- timetros de altura e 82 centimetros de didmetro maximo, a pre- sen¢a de nuvens de queima, reminiscéncias de sua produgao (e nao do uso da vasilha sobre o fogo), sao caracteristicas que tam- bém nos ajudam a contar um pouco da histéria desse objeto. A etiqueta do objeto, bem como a ficha disponibilizada na plataforma Tainacan, remetem ao século XIX como datacao, ain- da que nao seja indicada a fonte da referida informagao. Essas materialidades foram produzidas por povos ind{genas que ocu- param o atual territ6rio do Brasil Central pelo menos desde o século VIII (SCHMITZ et al, 1982), 0 que indica um perfodo mais amplo‘. Por sua vez, documentos histéricos, como o “Mapa ge- 72 yal da Capitania de Goids, 1753”, apresentados por mer p. 57), demonstram a presen¢a significativa de povos in one na capitania, com o predomfinio das populasées Kayand no 0 ritério onde veio a se instalar o municipio de Nazario, local de procedéncia do artefato. ' Destarte, nado sabemos ao certo quando esse objeto foi pro- duzido, utilizado, reutilizado como urna (caso essa hipdtese es- teja demonstrada) e descartado (enterrado). HE ak ooh no itinerario do objeto nao invalidam a sua importancia, mas abrem muitas narrativas possiveis para sua musealizagao. Figura 4, “Urna funeraria indigena”, no MUBAN. Foto: Michiel Wichers. 73 Cabe, ainda, apontarmos que essa categoria de artefato 6 geralmente associada a uma tradigao arqueolégica, denomina- da Aratu, e relacionada a Povos indigenas do tronco-lingufstico Macro-Jé. Uma tradi¢ao arqueolégica é um parametro classi- ficatério estabelecido pelas/os arqueélogas/os com base nas caracteristicas tecnolégicas dos artefatos, organiza¢ao espacial sua inser¢do ambiental, possuindo uma recorréncia tempo- ral, ont um territorio amplo (MORAES, 2007). O nome “Aratu” advém do distrito industrial homénimo, localizado nas imedia- 0es de Salvador (BA), quando foram encontradas vasilhas piri- formes utilizadas como urnas funerdrias. Essa tradigado arque- 8! olégica foi detectada também no Espirito Santo, Minas Gerais, p » Registrou-se, no centro-sul e leste de Goias, a presenca de grandes aldeias circulares, por vezes atingindo 500 metros de diametro, com até 90 unidades residenciais e abrigando até duas mil pessoas, onde foram encon- trados recipientes ceramicos de contorno direto e in- fletido, com predominio de bases convexas, As formas dos recipientes indicam o cultivo e o processamento de milho, algodao, tabaco e, possivelmente, de outros pro- dutos (SCHMITZ et al. 1982). (..). Uma pequena vasilha geminada, na forma de duas pequenas tigelas unidas - provavelmente de uso cerimonial e quic¢a interligada a metafisica da dualidade dos povos Jé - 6 encontrada em muitos desses contextos. (VIANA, MORAES W! . a ICH! DANTAS, 2022, p.351) ;.. As pice indicam caracterfsticas que so recorrentes para a descrigao da tradi¢ao Aratu em Goias, sendo importante res- saltar que alguns elementos se repetem no territério amplo de uma tradi¢ao arqueolégica, sempre entendida aqui como artifi- 74 cio classificatorio, mas as regionalidades, temporalidades e as diversidades das evidéncias nao devem ser ignoradas. Interessa- -nos também refletir sobre a classificagado do objeto como “Tupi” pelo museu, e 0 fato de que artefatos semelhantes, categorizados como pertencentes 4 denominada Tradi¢do Aratu, sao recorren- temente indicados como marcas de povos Macro-Jé. Os dados historicos também reforgam a hipétese de estarmos diante de um artefato indigena de uma etnia pertencente ao tronco lingufs- tico Macro-Jé, onde se inserem, por exemplo, os Kayapé. Ao chegar no museu, esse objeto, ao que parece, foi enca- minhado ao espaco expositivo. Depois, recebeu o Numero de re- gistro: 76.001/030.132. Na ficha de identificagao digitalizada, o objeto esta inserido no tema “Etnografico’, no acervo de “Artes Visuais” e classificado como “Objeto Cerimonial e Funerério”. In- teressante notar que 103 objetos do acervo sao inseridos na Co- lecado Etnografica, 0 que representa cerca de 17% da colegao do Museu das Bandeiras, que possui 590 objetos (MUBAN, 2020). Ainda que o plano museolégico da institui¢do indique a presenga de objetos arqueolégicos no acervo, parece-nos que os mesmos foram inseridos na colegao etnografica. Isso demonstra a sobre- posi¢ao de classificagdes de objetos como arqueoldgicos e etno- graficos e, no caso em tela, sua inser¢ao também como artes vi- suais, revelando uma fluidez especialmente interessante para as pesquisas museolégicas (MORAES WICHERS, 2020). Tentamos capturar esses objetos, mas eles nos escapam, revelando que sao muito mais que objetos. Sobre a musealizacao de “objetos vivos” Segundo 0 plano museoldégico do museu, 8,5% do publico visitante do museu é indigena (MUBAN, 2020). Esse dado nao 75 deve ser menosprezado na musealizacao do artefato, posto que evidencia que pessoas indigenas frequentam esse espago e cer- tamente langam olhares distintos para esse artefato, estabelecem relagées outras, seja de curiosidade, respeito, evitacdo, dentre outras. Um caminho potente para a musealizagao do objeto seria a escuta desse publico. O plano museoldégico do museu, acerta- damente, reconhece que sao necessarias mais acdes voltadas a esse acervo, as quais demandam, certamente, recursos humanos e financeiros. A musealizacao de artefatos indigenas requer da nossa parte, como ndo indigenas, a escuta e o reconhecimento das cosmologias amerindias, onde os estatutos dos objetos podem possuir atributos de humanidade e alteridades extra-humanas (SILVA, 2013). Entre natureza e cultura nao ha separa¢ao, mas gradagoes, relacionais, onde observam-se corpos humanos e nao humanos como formas instaveis e em transformacdo (ver dentre uma ampla bibliografia LIMA, 2013; LAGROU & VEL- . THEM, 2018; SOUZA LIMA et al, 2020). Nao existe separagao ontoldgica entre seres da natureza e seres culturais, mas sim gradagoes hierarquicas entre estes seres, que irao variar con- forme o coletivo indfgena enfocado, mas que nao impedem a comunicagao e a relagdo (DESCOLA, 2005 apud SILVA, 2013, p. 50). Nesse sentido, Podemos dizer que 0 estatuto dos objetos neste contex- to sociocosmolégico e histérico é bastante distinto, pois tais “objetos” possuem agéncia na constituicao de cor- Pos € pessoas, além de serem materializadores de sig- nificados socioculturais importantes e de memorias de encontros passados, num quadro teérico que encara es- tas manifestagdes de arte como o resultado do encontro com alteridades humanas e extra-humanas (animais, plantas, divindades, e outros seres do cosmos, compre- endidos enquanto personas) (SILVA, 2013, p. 48). 76 Volto ao infcio desse texto, 0 encontro entre mim e a “urna funeraria indigena” no MUBAN. Ao ser Inspitado sraneeetcin logias indigenas, meu olhar para oe objeto vivo se ar . esses pensamentos outros, que imaginam outros mundos p siveis. Em “A queda do céu: palavras de um xama yanomami’, en- contramos um manifesto do xama Davi Kopenawa, dos a mi e demais povos indigenas, que também pode ser ini lo como grito dos demais povos subalternizados pela colonialidade, contra a dissolugao da terra diante do homem Branca) Mepaneyia nos ensina que, embora tenhamos “peles de imagens - forma como os Yanomami denominam as paginas escritas e os dee mentos impressos contendo ilustragées - carecemos ae sabe nf ria, Somos 0 povo da mercadoria e nao pene nos eased e turo (KOPENAWA; ALBERT, 2015). 0 xama nos faz pensar come seriam os museus a partir da compreensao de que os aes sao rastros, restos de quem os fabricou, devem estar em movimento, fazem parte do apagamento ritual dos mortos e que esses a tos podem ficar 6rfaos (quando foram rae apés quem deu morrer)? 0 que diriam os povos indigenas acerca da urna funerdria embaixo da escada do MUBAN? Da minha parte, como mulher nao indigena, registro que 0 artefato me acolheu. Um objeto que é corpo, e que ae outro corpo, e eu, que havia acolhido um corpo/ser. Esse Dae wv lembrou da fluidez das formas de vida e da transforma¢ao - meu bebé, lancando luz sobre o ritual de passagem e de despedi- da que estavamos vivenciando. 77 Referéncias BEZERRA, Marcia, Teto e Afeto: sobre as pessoas, as coisas e a arqueologia na Amazénia. Belém: GK Noronha, 2017. DIAS, ihiago, Cancelier. O lingua e as linguas: aldeamentos e mesti¢agens entre manejos de mundo indigenas em Goids (1721-1832). Tese (Doutorado em Hist6ria) - Universidade Federal de Goids, 2017. Eee eo Museolégico do Museu das Bandeiras. Instituto Brasileiro de Museus; Museu das Bandeiras: Goids, maio de 2020. KOPENAWA, David; ALBERT, Bruce. A queda do Céu - Palavras de um xama yanomami. S$4o Paulo: Companhia das Letras, 2015. ; LAGROU, Els; VELTHEM, Lucia Hussak van. Artes indigenas: olha- ise) sTuzadas, BIB (Revista Brasileira de Informagao Biblio- grafica em Ciéncias Sociais), n.87, p. 133-156, 2018. 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Docente do Bacharelado em Museologia e do Programa de P6és-graduagao em Antropologia Social da Faculdade de Ciéncias Sociais da Universidade Federal de Goids (FCS/UFG). Pesquisadora associada do Museu Antropoldgico da UFG e integrante da Rede de Ocupagées e Parce- rias Académicas (ROPA).E-mail: camilamoraes@ufg.br 2 Dispontvel em https://museusibramgoias.acervos.museus.govbr/museu- 79 i ipti = Acessado em 29 de janeiro de 2023. 3 Para mais informagées sobre a andlise das alteragdes ocasionadas pela producao e/ou pelo uso dos objetos ceramicos, ver Skibo (1992). No caso do artefato em tela, as marcas de queima nAo se tratam de marcas de coc- ¢40 pelo uso da vasilha sobre o fogo, mas de marcas acarretadas durante a — produgao, no processo de queima da vasilha. 4 Na Arqueologia os métodos de datagao mais utilizados para essa catego- ria de objeto sao a termoluminescéncia, que demandaria um fragmento da vasilha, e o Carbono 14. 80 MEMORIAS APROPRIADAS, MEMORIAS VIVIDAS Giovanna Silveira Santos" Viver museus é algo que venho aprendendo, experimentan- do e experienciando ha quase uma década, que teve como ponto de partida o ingresso na graduagao em Museologia da Universi- dade Federal de Goias - UFG. Sou a primeira bacharela, primeira mestra e em breve primeira doutora da minha familia, 0 que car- rego com a responsabilidade de celebrar minhas ancestrais, que, ao nao poderem ter esse acesso, me possibilitaram, de varias for- mas. Cabe pontuar que em 2016 as mulheres da minha familia visitaram pela primeira vez um museu, e as levei comigo para a abertura de uma exposi¢ao curricular da UFG, na qual as mesmas inclusive contribufram com 0 acervo. Essa contextualizagao é ne- cessaria para situar minha relagdéo com os museus e, neste caso, com o Museu das Bandeiras. Visitar museus foi um movimento incomum na minha traje- toria antecedente A universidade. Pela minha memoria nao mui- to boa, e cada vez pior gracas ao Coronavirus, nao me recordo de ter ido mais que uma vez através de algum passeio escolar - uma atividade comum nas escolas ptblicas do estado. No entanto, tra- tou-se de um momento disciplinar, com regras bem-estabeleci- das e objetivos delimitados. Geralmente, manter entre 35 a 45 criangas em ordem, em algum museu convencional. Mais tarde, j4 conhecendo as intimeras fungdes dos museus, pude perceber a importancia de uma equipe multidisciplinar, intercultural e in- terdisciplinar que, dentre tantas atribuigdes, podem apresentar formas outras de interagao entre os diversos ptblicos. Considero, assim, que a minha primeira visita de maneira mais consciente se deu como aluna de museologia. Logo no pri- 81

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