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came id VEG R RRO Capitulo 1 Introducdo 11 OCérebro O sistema nervoso € classicamente dividido em central ¢ periférico. O sistema nervoso central € composto pelo encéfalo, que compreende o cérebro e outros componentes, e a medula espinhal, que conduuz fibras nervosas até o encéfalo. O sistema nervoso periférico € constituido por uma malha muito ramificada de fibras nervosas aferentes (que transmitem informacao sensorial para a medula espinhal) e eferentes (que transmitem sinais motores do sistema nervoso central para 0s érgaos periféricos). Vamos descrever os componentes do encéfalo. © cérebro tem dois hemisférios, liga- dos por um corpo caloso. A superficie externa do cérebro ¢ denominada cértex, e se constitu de uma fina camada de matéria cinzenta que é bastante dobrada, formando fissuras e sulcos. O cértex ¢ dividido em lobos, com diferentes fungdes sens6rio-motoras [Fig. 1.1]: (i) lobo oc- cipital, correspondente a funcao visual; (ii) logo temporal, correspondendo a audicio; (iii) lobo parietal, igado a fungio somestésica (percepgao do tato, dor, etc. e (iv) logo frontal, correspon- dente a fungao motora. Hé, ainda, outras Areas do cortex, ligadas a outras funcdes, como o Jobo pré-frontal, ligado a fungées cognitivas como expresio de personalidade, tomada de decis6es, moderagao de comportamento social Outros componentes do encéfalo sao [Fig. 1.2I: (i) diencéfalo, formado pelo télamo, que é uma estagdo receptora ¢ transmissora de sinais sensoriais entre os receptores € o cértex cerebral; e pelo hipotélamo, que controla fungées internas como fome, sede, temperatura, ete.; (ii) sistema Iimbico, formado pela amigdala, ligada as emocoes, € 0 hipocampo, associado & meméria de curta duragao; (ii) gnglios da base, conectados ao cértex e ao télamo, entre outras 4reas, responsavel por fungdes como aprendizado e controle motor. 7 CAPITULO 1. INTRODUGAO Figura 1.2: Componentes do encéfalo. 1.2. NEURONIOS 9 Figura 1.3: Desenho feito em 1899, por S. Ramon y Cajal, de neurdnios do cérebro de um pombo. 1.2. Neurénios (Os neurénios sao células eletricamente excitéveis que processam e transmitem informacao por meio de conexdes elétricas e quimicas com outros neurdnios. Eles sao as unidades funcionais basicas do sistema nervoso, segundo . Ramon y Cajal [Fig. 1.3] No cérebro humano ha da ordem de 10!! neurénios, bem como um grande ntimero de outras células nao-neuronais como glia. A funcio das células glia ¢ alimentar e sustentar os neurOnios. NeurOnios distinguem-se de células comuns por sua capacidade de transmitir pulsos elétricos de modo a efetuar tuma comu- nicagio intercelular, além de serem capazes de processar sinais elétricos provenientes de outros neurénios e processé-los. Ha imimeros tipos de neurdnios, que se distinguem pelas diferentes ‘maneiras com que eles processam e transmitem informagao por meio de sinais elétricos. Um neurénio possui tipicamente um corpo celular, ott soma, um axdnio e dendrites [Fig. 14]. Os dendritos formam uma érvore bastante ramificada a partit do corpo celular, ¢ recebem pulsos elétricos provenientes de outros neurdnios, transmitindo-os ao soma, que pro- cessa e integra estes sinais, gerando um pulso elétrico que é transmitido ao longo do axdnio, em diregdo a outros neurdnios. A maioria dos neurdnios dos cérebros de vertebrados ¢ multipolar (com muitos dendritos e um unico ax6nio), mas hé também neurdnios bipolares (um dendrito e 10 CAPITULO 1, INTRODUGAO A Myelin Nodes of Sheath Ranvier Figura 14: Estrutura de um neurdnio tum axénio, encontrados em 6rgdos sensoriais como a retina e o bulbo olfativo), e monopolares (com um tinico ramo que se subdivide em dois). Do ponto de vista funcional os neurOnios se classificam come: (i) sensoriais, com den- dritos longos e axdnio curto, que transmitem sinais elétricos dos receptores sensoriais para 0 sistema nervoso central; (ii) motores, com dendritos curtos ¢ axénio longo, que conduzem sinais do sistema nervoso central para miisculos e glandulas do organismo; (iii) interneurénios, que conectam os neurOnios entre si, e 56 existem no sistema nervoso central. 1.3. Potencial de acio (Os neurdnios tém membranas finas (por volta de Gnm de espessura), formadas essencialmente por lipidios e proteinas [Fig. 1.5]. Os lipfdios formam uma camada dupla (duas fileiras de ‘moléculas), na qual estao incrustradas proteinas que podem atravessar a membrana, formando canais, ou potos, pelos quais fons podem passar de dentro para fora do neurdnio ou vice-versa ‘Os poros sdo seletivos para determinadas espécie de fons que podem passar por eles, como Na, K+, e podem se abrir ou fechar dependendo das condigdes quimicas ou elétricas dos meios intra ¢ intercelular. (O meio intercelular é usualmente considerado de potencial elétrico nulo. Ha uma difer- enga de potencial elétrico através da membrana, da ordem de —50mV a ~90mV em repouso, denominado potencial de membrana, e que portanto pode ser considerado o valor do potencial dentro do neurdnio, Em condigées de repouso, a concentragao dos fons de Sédio é maior fora do que dentro do neurénio, ao passo que a concentracio dos fons de Potassio é maior dentro do eo - © = “ = = ee q & e & be PICHMUMEMEIAE OLA COSERDDADD ELSI SAAD OAL g & POTENCIAL DE ACAO un Jon chanel When thy a apn onan pas hgh thm nario ving the ousise Figura 1.5: Estrutura da membrana neuronal que fora’ Logo, a tendéncia do neurénio é manter K'* dentro e Na fora. Isto ¢ possivel por um mecanismo denominado bomba de Sédio-Potéssio: moléculas grandes de protefna transportam Na* para fora e K* para dentro da célula, num processo que consome energia proveniente do metabolismo (hidrélise de ATP), Pode-se fazer passar uma corrente elétrica através da membrana por meio de um eletrodo espetado no axénio do neurénio. Essa injegio de corrente permite que se controle o valor do po- tencial de membrana. Se, devido a esta injecao de corrente, o potencial de membrana fica mais negativo do que o potencial de repouso, dizemos que 0 neurdnio esta hiperpolarizado. Se o potencial fica menos negativo, entao dizemos que ele esté despolarizado. Aplicando uma cor- rente hiperpolarizante 0 potencial de membrana do neurdnio fica ainda mais negativo, e volta a0 valor de repouso se a corrente for interrompida. Jé se for aplicada uma corrente despolar- izante, se esta for pequena o potencial de membrana fica menos negativo enquanto a corrente é aplicada, Entretanto, quando temos um certo valor critico (ou limiar) de corrente despolarizante injetada no neurdnio, ocorre um répido aumento no seu potencial de membrana, que torna-se rapidamente positivo (até cerca de +40mV, chamado amplitude), ap6s o que volta a cair subita- mente até valores um pouco abaixo do valor de repouso. O pulso dle voltagem correspondente é denominado potential de acto, também chamado de disparo ou spike, que propaga-se ao longo do axdnio como um pulso de corrente [Fig. 1.6]. O limiar de potencial para o qual ocorre tm dis- aro esta na faixa de 10 a 20mV acima do potencial de repouso. Por exemplo, se este € TOV, entao o limiar ocorre para ~60 ~~ — 50mV.. Os potenciais de agdo sao essenciais na comuni- cago entre neurdnios, pois podem se propagar sem atenuacao ao longo de grandes distancias ao longo do axénio, Outros pulsos de despolarizagao ou hiperpolarizagio sao fortemente aten- 2 CAPITULO 1. INTRODUCAO — +40. s g % | 1: Depolarization 2.Repolarization i phase phase cao) 5 B -6o. E _go{ Resting poten 2 3. Undershoot pre aa sea Time (msec) Figura 1.6: Esquema de um potencial de ago. uados e nao se propagam a grandes distancias. A existéncia de um limiar para a ocorréncia de um potencial de agio 6 chamado na literatura de “Iei do tudo ou nada”: se uma corrente (proveniente de um estimulo externo) for fraca, ou sub-limiar, ela nao produziré um potencial de agio. Ja se a corrente for forte o suficiente para vencer o limiar, um potencial de acdo é gerado. A forma e a altura desse potencial de acao sdo as mesmas, independente de quao forte for este estimulo - o que importa 6 que excedeu 0 limiat. Apés a geragao de um potencial de agio nao é possivel produzir outro: o neur6nio entra num periodo refratério, onde ele é indiferente aos estimulos externos, como se o limiar fosse infinito. Apés 0 término desse periodo refratério o potencial de membrana do neurdnio volta a seu valor de repouso. Se o estimulo (corrente) externa for mantido, serio gerados outros potenciais de agéo, na forma de um trem de disparos, com um periodo bem definido, Quando o estimulo for removido, o neurdnio deixa de produzir os potenciais de acao. Devido a lei do tudo ‘ou nada, a amplitude do estimulo nao é codificada pela amplitude do potencial de acio, pois os disparos tém a mesma forma. Na verdade, a amplitude do estimulo num neurdnio é codificada pela frequéncia com que os potenciais de agdo sto gerados. Logo, um estimulo baixo gera um. trem de disparos com uma certa frequéncia (ntimero de disparos por segundo). Um estimulo ‘maior gera 0 mesmo trem de disparos com uma frequéncia maior. Este ¢ 0 prinefpio basico do chamaclo eédigo neural, em que estimuilos externos so codificados em disparos dos neurdnios, MUDRRRAUAAAMAAASA DORR RRRRD NAMA DA 14, SINAPSES 1B ae Figura L7: Esquema de uma sinapse elétrica. 1.4 Sinapses Cada neurénio recebe sinais elétricos, por meio de seus dendritos, de um grande niimero (da ordem de 10°, no cérebro) de outros neurdnios. Estes sinais sao processados pelo soma, gerando tum sinaf/elétrico que propaga-se pelo axdnio e iré ser transmitido a outros neurdnios a ele liga dos. Os contactos entre neur6nios sao denominados sinapses. Numa sinapse, o terminal axonal de um neurénio (dito pré-sinéptico) faz. contacto o terminal dendritico de outro neurénio (dito pés-sinéptico). Ha dois tipos de sinapse: elétricas e quimicas. [As sinapses elétricas se caracterizam pelo contacto direto entre as membranas de dois neurdnios adjacentes. A regiao de contacto numa sinapse elétrica € denominada jungao comu- nicante (“gap junction”), na qual ha uma interconexao dos poros (canais) existentes nas mem- branas lipidicas, de modo a criar tiineis que ligam o interior de cada céluila. Estes poros sao formados de protefnas denominadas conexinas [Fig. 1.7 [As sinapses quimicas so mais comuns, ¢ se caracterizam pela intermediacao de sub- stancias, denominadas neurotransmissores. O funcionamento de uma sinapse quimica envolve a liberacao do neurotransmissor pelo terminal axonal do neurdnio pré-sindptico, sua difusao por uma regido dita fenda sinéptica, e a ligacdo das moléculas do neurotransmissor a receptores existentes no dendrito do neurdnio pés-sinaptico. Os principais neurotransmissores no cérebro sio o glutamato e o GABA (4cido 7-aminobutirico) [Fig. 1.8]. Quando um potencial de agio chega ao terminal axonal do neurdnio pré-sinéptico, canais de Calcio Ca? se abrem e fons entram na célula, provocando a fusio de vesfculas que contém as moléculas de neurotransmissores. Essa fusdo libera os neurotransmissores na fenda sinéptica, difundindo-se pela mesma e ligando-se a receptores nos dendritos do neurénio pés- sinaptico. Quando o receptor é dito ionotr6pico canais iénicos sao abertos, deixando passar fons para dentro ou para fora do neurénio pés-sinaptico. A sinapse é dita excitat6ria, quando a pas- sagem de fons positivos para dentro provoca uma despolarizacio na membrana, e€ inibitoria se hhé tuma passagem de fons negativos para o interior, provocando uma hiperpolarizacao. rm CAPITULO 1. INTRODUCAO Neurotransmitter Figura 1.8: Esquema de uma sinapse quimica 1.5 ‘Redes neuronais As conexdes sinépticas entre os neurOnios formam uma rede complexa (rede neuronal), pois cada neurénio pode se conectar de duas formas: as sinapses elétricas envolvem neurdnios viz- inhos, ao passo que as sinapses quimicas podem conectar um grande ntimero de neurdnios [Fig 1.9. Os potenciais de acio produzidos pelo conjunto dos neurOnios pré-sinapticos produzem uma corrente sindptica de caracteristicas semelhantes a corrente injetada externamente, tal que ambas causam a formacao de um potencial de agdo no neurdnio pés-sindptico. Este potencial de aso propaga-se pelo axénio sem distorcdo ou amortecimento, e vai continuat a se propagar a0 Tongo da rede. ‘Uma hipotese devida a D. Hebb (1949) é a de que certas conexdes sinépticas entre gru- pos de neurdnios no cérebro tornam-se fortalecicas pelo uso repetitivo, de forma que estes grupos de neurdnios formem circuitos neuronais, que atuam de forma distinta em relagio a ‘massa de neurdnios existente [Fig. 1-10]. Estes circuitos neuronais seriam as unidades funcionais basicas do cérebro, e capazes de sustentar a atividade cerebral de forma auténoma, mesmo na auséncia de estimulos externos. A existéncia destes circuitos neuronais explica, por exemplo, 4 formagio de memorias que se mantém por longos periodos de tempo. Uma conexao sinaptica repetida ou persistentemente utilizada ¢ reforgada, ao passo que ‘uma conexdo pouco ou nao-utilizada 6 enfraquecida. Em particular, neuronios que disparam a0 mesmo tempo tendem a reforcar suas sinapses. A esse proceso d-se o nome de plasticidade sindptica (ou plasticidade Hebbiana), ¢ ela esta associada a processos de aprendizagem, nos quais uma dada informagio é apresentada de forma repetitiva até ser memoriza por um dado circuito neuronal. Hi varios tipos de modificacao na sinapse (fortalecimento), como o aumento EKLCKCKLKKK LLLP LELLEULE PZOKKCKELLKLKLLKKEKLL DUPEERUU CUPS SSS S SSR R REAR SANSA A sae 1.5. REDES NEURONAIS Figura 1.9: Rede neuronal. do niimero de neurotransmissores ou receptores, por exemple. Figura 1.10: Circuito neuronal. CAPITULO 1. INTRODUGAO

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