You are on page 1of 26
‘bbs sah \ \ BOGUUULLAL LDS \ \ 4 4 VOULELLULLESS Capitulo 2 Dinamica Neuronal 2.1 Biofisica da atividade neuronal (Os mecanismos bésicos da biofisica da atividade neuronal foram identificados por A. L. Hodgkin ¢ A. F, Huxley, dentre outros, em meados dos anos 1950 [?]. Os neurdnios, como vimos no Capitulo precedente, sio células especializadas do sistema nervoso que prodiizem sinais elétri- cos. Estes sinais elétricos sao capazes de penetrar as membranas celulares permitindo um fluxo de fons entre células diferentes. Este fluxo de ions é regulado tanto pela concentracio idnica como pela diferenca de potencial eletrostatico através da membrana celular. Estes dois fatores competem para determinar o fluxo de fons, cuja descrigao 6 a base dos modelos de atividade neuronal 2.1.1 Concentragées idnicas plasma intracelular bem como 0 meio extracelular podem ser vistos como solugoes eletroliti- cas, oUt seja, solugdes aquosas de diferentes tipos de fons, tanto positivos como negativos, tais como s6dio (Na), potassio (K*), calcio (Ca* *), ¢ eloro (Ct), bem coma fons organicos. Us- aremos a notagdo convencional em cinética quimica, que emprega colchetes para denotar a con- centragao molar de uma determinada espécie quimica 2: =3 ey onde n. 6 0 niimero de moles da espécie ¢ na solugdo, ¢ Vol é o volume correspondente, Uti- lizamos a unidade molar (IM), que representa um mol da espécie por litro de solucio: am = 1% (22) 18 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL Por exemplo, [Na representa a concentragao de fons de sédio (em M ou seus sub- muiltiplos como 0 nanomolar 10*M), |Ca**] a de fons de célcio, ¢ assim por diante. Na tabela abaixo, mostramos valores tipicos das concentragées molares intra e extra-celulares de fons im- portantes para a dinamica neuronal: fon | concentragao concentragao intracelular (nM) | extracelular (nM) _Na* 4 KF 135 | S.C ai an 2 S| Catt Tabela 2.1: Concentrages molares de alguns fons de interesse na dindmica neuronal. Podemos ver, pela tabela 2.1.1, que hd tipicamente uma grande diferenga entre as con- centragées iénicas nos meios intra ¢ intercelular. Isso implica na existéncia de uma consideravel press4o osmética agindo sobre a membrana celular dos neurénios. 21.2 Capacitancia da membrana As membranas dos neurOnios so icamadas de moléculas lipidicas, que as tornam isolantes elétricos. Do ponto de vista de um circuito equivalente, a membrana neuronal é um capacitor preenchido por um dielétrico, cuja capacitancia é Q On =H 23) onde Q ¢ a carga total armazenada e V é a diferenca de potencial associada. Um trecho de membrana celular de area AA = Iem? pode ser representado por um tinico capacitor, cuja capacitancia é C, = IF. Podemos imaginar que toda a membrana celular foi subdividida em N pedagos, cada qual de area AA, Esta 6 uma associagao em paralelo de capacitores, pois toda a associacao est sujeita a mesma diferenca de potencial. A capacitancia equivalente da associagio seré a soma das capacitancias individuals: Cae NC, A = ZAC = (ufo) x A 24) Na pratica trabalhamos com uma capacitancia espectfica da membrana, denotada por w= 8 = 1k fend 25) reerererrerererreererereereeeerer rere yyy 2.1. BIOFISICA DA ATIVIDADE NEURONAL 19 ‘Um dos terminais do capacitor est4 conectado ao meio extracelular que, devido a sua alta condutividade elétrica, pode ser considerado um equipotencial que, convencionalmente, tem potencial nulo. Jé 0 outro terminal do capacitor est sob 0 potencial V intra-celular. Nos denominamos V como o potencial de membrana do neurbnio. 2.1.3 Condutancia de canais Existem fluxos de fons através das membranas neuronais devido a presenca de canais idnicos, que sao tipos particulares de protefnas incrustradas nas membranas lipidicas. Estas moléculas formam tubos que atravessam a membrana, ¢ que so permedveis a determinados tipos de fons. [HA varios tipos de canais idnicos com caracteristicas distintas [1]: ‘© Canais de fuga: os poros esto sempre abertos, mas so permedveis apenas a uma dada espécie ionica, como Na*, K* ou Cl-. ‘* Canais com portas: os poros podem estar abertos ou fechados, eseu fechamento é regulado por “portas” controladas por varios fatores, como pelo potencial da membrana (canais de"porta de voltagem) ou pela presenca de determinadas substincias (canais de porta de ligantes) = Agonistas: sao substancias que facilitam a abertura de um canal com portas de lig- antes; ~ Antagonistas: substancias que impedem a abertura. Como um canal iénico permite a passagem de um fluxo de fons, estabelece-se ma corrente iGnica através da membrana neuronal. Por esse motivo, sob o ponto de vista de um circuito equivalente, um canal idnico k isolado comporta-se como um resistor ohmico com uma condutancia a Pm onde py é a resistividade do canal. Se esta tiltima for medida em 9.m, a unidade de condutancia 605 (Siemens). (2.6) 1% Hi varios canais idnicos incrustrados em um trecho da membrana neuronal, cada qual com uma condutancia de canal 4. Cada canal ¢ equivalente a um resistor de forma que, num trecho de drea A, com Nj canais iénicos do tipo k, hé uma associacao em paralelo de resistores. O inverso da resisténcia equivalente da associagio 6 a soma dos inversos das resistencias, de modo que a condutncia equivalente do canal iénico k, que denotamos gs, € a soma das condutancias individuais: ae = Yin = Nive = [BAM a7 =I Sesrnaeaibaees inieeeret aE REE DDN CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL lon Ce Channels fons Membrai / / eae eof a vos Naa 2” Seto: = tert a ero pe Figura 2.1: Canais iénicos na membrana neuronal ‘onde iritfoduzimos a chamada concentragao de canais (ntimero de canais do tipo k por unidade de rea): cy W= | @8) Considerando, ainda, cada trecho de membrana com area AA = lem? temos que A = Zorn =rwlemsfem?) x A 29) ‘Trabalharemos, daqui para a frente, com uma condutancia especifica, medida diretamente em mSjom? (2.10) ‘Além dos canais inicos, hé canais de fuga que esto sempre abertos para a passagem dos fons. Tais canais podem ser representados coletivamente por um resistor de condutancia gi. Na tabela 7? estao relacionadas algumas condutancias especificas em mS/cm para canais, idnicos e canais de fuga. ‘A permeabilidade de um dado canal idnico depende, em geral, da diregio da corrente ionica que passa pelo mesmo. Um canal pode permitir a passagem de corrente numa direcao, ‘mas nao em outra, de modo que ele age como se fosse um retificador de corrente, como um diodo ou transistor. Em geral, a permeabilidade de um canal ¢ wma fungao da concentragao dos fons em ambos os lados da membrana neuronal. PORLLERKKKLRKLLLKLKLKLLLLLL KEL LLL LLC LL LLL Serena agienesennnennn SAAARADD DDL 2.1. BIOFISICA DA ATIVIDADE NEURONAL, a “on | condutancia especifica” (mS/em?) 120 36 Fuga 0.8 Tabela 2.2: Condutancias de interesse na dinamica neuronal, 2.1.4 Difusao iénica pela membrana Quando incrustramos canais de fuga na membrana celular do neurOnio, esta torna-se semi- permedvel, ou seja, ela é permeével a algumas espécies de fons e impermeavel a outras. Quando ha um gradiente de concentracao iénica através de uma membrana semi-permedvel, ocorre uma difusdo deste fon pela membrana. A difusao é um fendmeno irreversivel termodinamicamente, e caracteriza-se pelo aparecimento de um fluxo de particulas que vai de uma regiao com a maior concentracao de particulas para a regido com a menor concentragao. O fluxo de particulas (ou fluxo difusivo) J é o niimero de particulas por unidade de tempo por unidade de area que pee amenirarniaennt ernekrel Se houver isotropia, a difusio € governada pela lei de Fick: 0 fluxo de particulas 6 proporcional ao gradiente da concentracio da espécie idnica. Se a concentragio do fon genérico ‘a 6 denotada (a), 0 fluxo de particulas da espécie a é dado pelo vetor Ju = —DaVi eu) onde D, é chamado coeficiente de difuso pata a espécie a, e o sinal negativo indica que a difusio ocorre no sentido de [a] decrescente, pela segunda lei da termodinamica. Numa situagao ideal podemos supor que a difusao ocorra essencialmente ao longo de ‘uma tinica dimensao (x), de modo que 0 médulo do fluxo de particulas seja dial am (2.12) Ta Se [a] € medido em niimero de moles por centimetro cibico, entao o fluxo de partfculas é me- dido em moles/cm?.s, ¢ 0 coeficiente de difuséo em cm?/s. Devido ao teorema de flutuagao- dissipacao de Einstein, o coeficiente de difusio é dado em termos da temperatura T e da viscosi- dade 1, do eletrdlito pela relagio p, =F, (2.13) Va onde ky éa constante de Boltzmann. Multiplicando o fluxo de ions pela carga qq do fon temos uma densidade de corrente 2 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL idnica difusiva (corrente de fons [, por unidade de drea) Jn _ Nata Ay a (a4) Ja onde N, 6 0 niimero de fons passando pela rea A num intervalo de tempo é¢. Dessa forma a lei de Fick (2.12) pode ser reeserita como ta) 7 (2.15) aig = — Dad Em termos de um circuito equivalente, a corrente difusiva pode ser descrita por uma fonte de corrente Jay pata a espécie iénica a. 2.1.5 Equacao de Nernst-Planck Os fluxos iGnicos pelos canais da membrana neuronal sofrem a influéncia de dois fatores que competem entre si: hé um gradiente de concentragio, provocando uma difusio de particulas, © um gradiente de potencial elétrico que resulta da propria separagao de cargas devida a di- fusio, Sabemos que, para correntes estacionarias, o gradiente de potencial é igual ao negativo do campo elétrico provocado pela separagio de cargas: By = VV. Pela lei de Ohm, o campo elétrico esta associado a uma densidade de corrente elétrica pela relacio linear Jonm = 72Es 2.16) onde a 6a condutancia do eletrélito, que é associada a concentragao e a carga pela relagao on (217) Seja dV /dz 0 gradiente (unidimensional) do potencial. Entao a lei de Ohm sera Wa Som = — 6G 2.18) A densidade total de corrente pela membrana tem, portanto, uma contribuicéo devido a difusdo (2.15), e outra contribuigao devido a condugao elétrica (2.18) dja) Ve J = ay + Jotm = ~Date Ge ~ 16g! (2.19) indo a relacao (2.17) chegamos a equagao de Nernst-Planck 2.20) LRRRKKEKLKKLKKLK KKK CLK CLL KKK LLL LL MADAMA AAAS RRMA AMAA 2.1, BIOFISICA DA ATIVIDADE NEURONAL 2 2.1.6 Equacao de Nernst A equagio de Nernst-Planck representa o efeito combinado da difusdo e da condugao elétrica no sistema. Ela tem uma solugio estacionéria, representando a situacdo onde o fluxo difusivo é compensado pelo fluxo devido a conducao elétrica através da membrana, de forma que o fluxo liquido ¢ nulo. Impondo j = 0 em (2.20) temos que dia]_ lq] ke de onde usamos a equagao de Einstein (2.13). Integramos essa relagao dos dois lados da membrana neuronal. Do lado de fora da célula, a concentragdo € dada por [a] sora 0 potencial elétrico é nulo. Do lado de dentro do Reurénio, a concentragao do fon a é dada por [alientra, € © potencial correspondente, denomi- nado potencial de Nernst (ou potencial de reversio, ou ainda potencial de repouso) é denotado Eq. O resultado é a chamada equacio de Nernst, Ey keP , [lelfore gale ean Supondo fons monovalentes (ja = ¢ = 1,6 x 10~"C, e temperatura ambiente T = 273 +20 = 203K, a constante na equagao de Nernst (com dimensdes de potencial) vale kT _ 1,38 x 10-J/K x 293K AROSE ws 25mV. a 1,6 10-9 ey Por exemplo, da Tabela 2.1.1, para o fon de Sédio, que [Na*|dentrp = 18M (meio intracelular) ¢ que que [Na*| yor = 145M (meio intercelular). Usando a equacao de Nernst (2.21) 0 potencial de Nernst correspondente é o5mv)in (14°) x 452mv x= om) am Outros valores dos potenciais de Nernst sto encontrados na Tabela 2.1.6. Em termos do circuito equivalente cada fon, com seu potencial de repouso respectivo, pode ser representado por uma bateria, ou fonte de tensdo. Dessa forma, um canal iénico pode ser descrito por uma fonte de tensdo (igual ao potencial de repouso Ha) associada a um resistor (coma condutincia de canal gy respectiva). 2.1.7 Grampeamento de voltagem O grampeamento de voltagem (“voltage clamp") 6 uma técnica experimental, usada por Hodgkin ¢ Huxley em seu estudo do neur6nio gigante da lula, e que consiste em medir as correntes idni- cas através das membranas dos neurdnios, mantendo a diferenca de potencial entre os dois lados 24 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL Figura 2.2: Esquema de circuito equivalente para a dinamica neuronal da membrana num valor constante V. Como vimos anteriormente, na membrana ha canais idn cos cuja abertura ou fechamento ¢ ativada por voltagens. Usando 0 grampeamento de voltagem podemos fazer com que a diferenca de potencial entre os seus dois lados V seja manipulada independentemente das correntes idnicas, o que permite estudar as relagdes corrente-voltagem dos varios canais iOnicos. ‘A técnica de grampeamento de voltagem pode ser resumida no seguinte esquema: a diferenga de potencial entre os dois lados da membrana do ax6nio é medida por eletrodos intra e extracelular, sendo o sinal correspondente amplificado e enviado a um segundo amplificador de feedback. Este ultimo é também alimentado por uma tensao de comando fornecida por um gerador de sinais. O amplificador de feedback subtrai a ddp da membrana da voltagem de comando, e o resultado é amplificado e mandado de volta ao axdnio por um terceiro eletrodo. PERU RRRKKRRLKKLLLKKKLKRLL ELL KLE L ILL LLY WAAAY? 2.1. BIOFISICA DA ATIVIDADE NEURONAL 25 Oscilloscope DA] Voltage \ o electrode \\. Figura 2.3: Grampeamento de voltagem, ,, Mantendo, pois, a ddp V constante entre as faces da membrana, o canal correspondente (com condutancia ge potencial de repouso £,) é um ramo de um circuito percorrido por uma corrente J, para o qual vale a lei das malhas de Kirchhoff: v- Eye. 222) 9 Como estamos considerando tanto as capacitancias como as condutancias como sendo quanti- dades especificas (por unidade de érea da membrana), também I iré denotar a densidade super- ficial de corrente, medida em .A/em?. Por abuso de linguagem, porém, iremos nos referir a Ty simplesmente como “corrente”. Isolando seu valor teremos h I(V — Ea). (2.23) 24.8 Equagio de Goldman Vamios considerar trés tipos de canais iGnicos: s6dio, potissio e cloro, cada qual com sua respec” tiva condutincia e potencial de repouso, todos sujeitos a mesma diferenca de potencial através da membrana (a qual é mantida constante pela técnica do grampeamento da voltagem). Pode- ‘mos tepresentar essa situagdo por um circuito onde cada canal é uma condutancia associada a uma fonte de fem. Por convencéo, a parte de cima do circuito representa o meio extracelular, onde o potencial é nulo, donde o simbolo de aterramento, A parte de baixo do circuito representa o meio intracelular, onde medimos os potenci- ais de repouso, Como os potenciais de repouso do potassio e de fuga sao negativos (—T2mV e 26 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL 49mV, respectivamente) o terminal negativo das fontes de fem correspondentes esto conec- tadas a0 meio intracelular. O potencial de repouso do sédio é positivo (55mV), logo é 0 terminal positivo da sua fonte de fem que esté conectado ao interior do neurdnio. Usando (2.23) para cada canal iénico ¢ aplicando a lei dos nés de Kirchhoff, a corrente total J que passa pelo circuito 6 dada por T= IvotIx + Tet = gwalV ~ Ena) + 9x(V — Ex) + 9cu(V ~ Eon) 24) Considerando uma situagio de equilibrio onde a corrente total é nula,e isolando a ddp V chegamos, entio a chamada equagao de Goldman gab Vv t9orBet (2.25) Na+ 9K + ‘Além dos canais idnicos jé mencionados, também podemos representar por um canal, chamado canal de fuga, a permeabilidade natural da membrana aos diversos fons, com uma condutancia especifica fixa gz, = 0,3:8/em? e potencial de repouso Ey, = ~49iV. De (2.23) a corrente que passa pelo canal de fuga é dada por ti = g1(V - Ex), (2.26) onde V é dado pela equagao de Goldman (2.25), 2.1.9 Membranas ativas Os canais idnicos tem sua abertura e fechamento regulados por “portas” moleculares ativadas elas diferencas de potenciais envolvidas (“voltage-gated channels”) ou pela presenea de deter- minadas substancias (“ligant-gated channels”). Logo, as condutancias destes canais idnicos ndo so realmente constantes: elas dependem de varios fatores como os potenciais ou os tipos de fons envolvidos. Como os canais iénicos sao, na verdade, macromoléculas, a nivel microscépico a operagao dos canais ¢ quanto-mecanica. Num nivel fenomenol6gico, no entanto, podemos usar uma descrigdo estocistica (probabilistica), na qual os meios intra e extracelular formam um “banho térmico” que interage com as portas moleculares dos canais iOnicos [1]. Numa descrigio estocéstica da condutancia de canais iénicos com portas nés definimos as seguintes quantidades: # Ne ntimero de canais idnicos do tipo k © 4: probabilidade de que o canal ionico k esteja aberto © Og = n4Nu: mtimero de canais abertos do tipo k (valor esperado) TERRLLEKKLKKKLLLLLKLKKKKLLLKLLLKKLKLLKKLL LLL are amma meee MRR EES ELY 2.1. BIOFISICA DA ATIVIDADE NEURONAL, 7 Desta forma, um canal iénico com porta é desctito por um resistor de condutancia 74 associado a uma chave S, que pode estar aberta ou fechada. Logo, de (2.7), a condutancia de um ‘trecho de membrana de érea A é dada por Bk = Or. (2.27) Caso todos os canais estejam fechados Oy = 0 e a condutancia serd obviamente nula. Por outro lado, se todos os canais estiverem abertos (Vj = Ox) a condutancia seré maxima Ge = NeOp = a (2.28) Dk Podemos modelar o processo estocéstico que governa a abertura ¢ fechamento dos canais por uma cadeia de Markov com dois estados: C’ (canal fechado) e O (canal aberto), na qual ay é a probabilidade de transigao entre Ce O (abertura do canal k, estando este fechado), € (% 6a probabilidade de transicio entre O e C'(fechamento do canal k, estando este aberto). A probabilidade p, de que o canal k esteja aberto satisfaz uma equagio mestra: doe ‘i AE oe (L — Pe) ~ Bee (2.29) [As taxas de transigio a4 e (J, S40, por sua vez, determinadas pela interacéo entre 0 canal e o banho térmico que representa o meio intra ¢ extracelular que 0 cerca. Supondo que este esteja a uma temperatura T’ constante, e que Woo seja a energia necesséria para que o canal seja aberto, a taxa de abertura é dada pelo fator de Boltzmann ay = eo+0/ker (2.30) onde hp € a constante de Boltzmann. Na abertura do poro, uma carga (@ é transferida de um lado a outro da membrana, sob uma ddp constante U; logo a energia potencial correspondente QU. Entio podemos escrever a energia para a abertura do poro como Weo = Woo-10 + QU (2.31) onde Wo € a parte da energia que nao depende da carga, Substituindo (2.31) em (2.30) temos Wocs0 + QU wn (Eee), ow ou seja, a taxa de abertura do canal depende também da ddp U. As taxas de fechamento 6, do canal obedecem a equacées similares a (2.30) ¢ (2.32). No circuito elétrico correspondente, um canal iénico com porta dependente da volt- agem pode ser representado por um transistor, que é um resistor dependente da voltagem. A condutancia maxima do canal g ¢ atingida quando o transistor encontra-se em saturagéio. 28 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL 2.2. Modelo de Hodgkin-Huxley 2.2.1 Versio preliminar No modelo de Hodkgin-Huxley nés consideramos dois canais iénicos com porta de voltagem: sédio (Na) e potassio (K), com condutancias méximas Jia e J, respectivamente, € um canal de fuga (sem porta de voltagem) de condutancia fixa gy. Sendo Ieor a corrente injetada no cir- cuito, Ix, Iva, In, € Ic: as correntes pelos canais de potéssio, sédio, de fuga e pelo capacitor, respectivamente, a lei dos n6s implica em Text =I + Ina + In + Toy (2.33) onde I; é dada por (2.26) e, pela definigao de capacitancia especifica de membrana temos, para uma drea de om? de membrana, que a densidade de corrente & Be 0, H (234) eee tesa Tc onde V ¢medidoem mV e¢ émedido em ms. Logoa equagao de membrana do circuito neuronal ce wv Om Sp = Ik — Ive — Ta + Heat (2.38) "ae 1 (2.35) Usando (2.23), (2.26) e (2.28), as correntes idnicas sao dadas por Ix = 9x(V ~ Ex) = pax V — Ex), (2.36) Iva PyadNalV ~ Eva), (2.37) I, (2.38) Substituindo (2.34), (2.36) e (2.37) em (2.35) obtemos wv one onde as probabilidades p14 e paw obediecem as seguintes equagies mestras: = PKGx(V — Ex) + Pragwa(V ~ Ewa) + 91(V — Ex), (2.39) dx Te = ex Pw) ~ Baa, 2.40) ava all ~ Pa) ~ BNePNe eat a (— pre) ~ BaP ean) ‘Jéas taxas de transicio para cada canal dependem da ddp U por meio da relagio (2.30): any Sten (™ ass ) (2.42) b Wow + Qua ana(V) = exp (Mone tual) (2.43) com equag6es similares para fax € Baw LERVRERKKKLLLLKLKKK KK KK HL TK ETL TTT ARR ee hee AA ALAA LAH 2.2, MODELO DE HODGKIN-HUXLEY 29 Figura 2.4: Lula e seu ax6nio gigante. 2.2.2 Versio definitiva O conjunto de equagdes (2.39)-(2.43) nao é compativel com os resultados experimentais obtidos por Hodgkin e Huxley em 1952 para 0 axonio gigante da lula [2]. O axGnio gigante da lula € uma fibra nervosa ndo-mielinizada com varios centimetros de comprimento, que controla 0 movimento do chamado manto, e um diametro por volta de meio milimetro, sendo uma das maiores células conhecidas, portanto um candidato ideal para realizar experiéncias de neurofi- siologia [Fig. 24]. Hodgkin e Huxley propuseram em seus trabalhos originais uma versio diferente do modelo que acabamos de descrever, substituindo as equagbes (2.40)-(2.43) por um conjunto de equagoes mestras suplementado por relagdes empiricas e nao-lineares, onde os coeficientes 540 ajustados aos resultados experimentais. As probabilidades de abertura dos canais iGnicos fos- sem dadas pelas seguintes relagdes: PK nf, (2.44) Pa = mh, (2.45) onde n, m e h sao chamadas, respectivamente, varivel de ativagao do Potassio, variével de ativacio do Sédio, e variavel de inativacéo do Sédio, ambas quantidades adimensionais. Estas varidveis também podem ser encaradas como probabilidades e, como tais, satisfazem a trés 30 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL equagdes mestras: dn B= nln) By = (an + fal + ny (2.46) 2 Senn) = Bem eee ne 47) Bm aylt—)— Huh = —(on + Bayh +n, 2.) onde a4 ¢ 4 tém dimensdes de ms7! Na versio definitiva do modelo de Hodgkin e Huxley as taxas de transigdo ay € Sc também depenciem da dap V, mas através de relagdes ndo-lineares que lembram (2.42)-(2.43) ‘mas nao sto similares a elas. A forma destas relagdes é a seguinte [4] an(V) = 0p (249) Bx(V) = 0,1256-(7+000/60, (2.50) V+35 anV) = Oop 51) ” fr(V) = de“ H000718, (2.52) ax(V) = 0,07¢"(V+00)/20, (2.53) 1 BA ra (2.54) Pane ‘onde os coeficientes também foram ajustados aos resultados experimentais, Substituindo as relagoes empiricas (2.44) (2.45) em (2.39) temos a equacio diferencial principal do modelo de Hodgkin-Huxley: ~ [gxn"(V— Bx) + gwamh(V — Ewa) + 9u{V -Ex)] + Text, (2.55) ‘onde n, m e h satisfazem as equagdes mestras (2.46)-(2.48), para as quais as taxas de transigao obeclecem as relagdes empiricas (2.49)-(2.54). Logo, o modelo de Hodgkin-Huxley contém qua- tro varidveis de estado: a voltagem de membrana V(t) eas varidveis de ativacao-inativacao n(t), ‘m(t)e h(t). Do ponto de vista dinamico, ¢ um fluxo quadridimensional altamente néo-linear de- vido a complicada forma da dependéncia com V’ presente nas relacdes empiricas. Usaremos, em simulagies numéricas, 0s valores da Tabela 2.2.2 para as constantes do modelo de Hodgkin- Huxley. A corrente externa Ter Seré ustialmente um parametro de controle. As equagdes mestras (2.46)-(2.48) podem ser reescritas numa forma alternativa, que & dn Tage = MoM 2.56) dm Ta Gp = Mo —m, 257) dh mG = toh, (2.58) CECKCLLLLKLKKLLKKLKLCKKCLKCKLLKLKLKKLKLKLKKK LKR 2.2, MODELO DE HODGKIN-HUXLEY 31 Gra | 120mS]em™ | Bxa | S5mV Ix | 86mSfem™ | Ex | —T2mV on, | 0,3mSfom™ || Ex | —49mV_ C_|_imifem Tabela 2.4: Valores numéricos das constantes no modelo de Hodgkin-Huxley onde definimos as constantes de tempo a t(V) ‘an(V) + Bal¥)” (2.59) 1 mV) = Oye eAVy (2.60) 1 MY) = a+) ae © 08 valores estacionétios a an(V) eS nV) + BulV) a) s am(V) Me = amlV) + BV)" ed Io elt) (2.68) an(V) + Br(V) 22.3 Solugdes numéricas do modelo de Hodgkin-Huxley O modelo de Hodgkin-Huxley, constituido pelas Equagdes (2.55), (2.46)-(2.48), ¢ (2.49)-(2.54), pode ser integrado numericamente usando, por exemplo, o método de Runge-Kutta de quarta ordem, desde que especifiquemos as condigées iniciais usadas: V(0), n(0), m(0), e h(0). Na figura 2.5 mostramos o resultado dessa integragao para uma corrente externa de densidade Text = 15A/em?, um intervalo de tempo de 50ms e as seguintes condigdes iniciais, V(0) =5mV, n(0) = m(0) = h(0) = 0,2. © comportamento do potencial de membrana V(t) [Fig. 2.5(a)] € representativo do chamado potencial de agio, que ¢ a produgao de picos (ou disparos) caracterizados por fases dis- tintas: (i) fase de subida brusca; (ii) fase excitada; (ii) fase refratéria [5]. Antes de cada disparo, VAL AA AAA AAA AMAA OY ‘© neurénio tem uma subida lenta do potencial de membrana, entre —70mV e —50mV. Durante essa subida, a varidvel de ativacao do Sédio m assume valores relativamente pequenos (entre 32 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL Evolugio temporal das variaveis de estado para o modelo de Hodgkin-Huxley com Figura Text = W5pAfen?. 6), enquanto a variavel de inativagio do Sédio / atinge valores relativamente \dio depende do produto m*h(V — Ewa), 0 0,2 [Fig. altos (por volta de 0,35) [Fig. 2.5(d)]. A corrente de S Jogo ela sera relativamente baixa No entanto, como estamos adicionando uma corrente externa Iezt, se essa for suficien- temente grande (acima do limiar de excitagio), na fase de subida brusca ha um aumento répido de me um decréscimo - também rapido - de A, o que faz.a corrente de Sédio tornar-se bastante alta, de modo que o potencial de membrana tende a atingir o potencial de Nemst do Sédie. Enguanto V < Exe = S5mV a corrente de S6dio ser& negativa, significando que os fons Nat penetram no interior do neurOnio, despolarizando-o. Na medida em que diminui, também Fecresce a corrente de sédio, provocando uma queda brusca no potencial da membrana (fase excitada), ‘Aproximadamente ao mesmo tempo em que. corrente de Sédio ¢inativada, acorrente de Potissio para fora do neurénio ¢ ativada, polarizando-o. Na Fig, 2.5(b), observe que o valor maximo da variavel de ativagao de Potassio n.¢ atingido um pouco depois do valor maximo da Jaridvel de ativacao do Sédio m. Agora ser4 a corrente de Potassio, proporcional a ni(V — Ek, que seré dominante, de modo que o potential da membrana tende a aingir 0 potencial de Nemst do Potéssio Ex = —72mV (hiperpolarizacao). Inicia-se, entio, a fase refratéria, onde o potencial de membrana leva um tempo rela- MADAMA AA AAAA AAA AA ADD AARAA AAA AAA! 2.2, MODELO DE HODGKIN-HUXLEY 33 a ooo a eer ies Te lounpal 20] 4 a ‘lms ins) Figura 2.6: Evolugio temporal do potencial de membrana no modelo de Hodgkin-Huxley para diferentes valores da corrente externa Tei tivamente alto para crescer do seu valor proximo a —70mV até —50mV. Nesta fase um novo estimulo externo nao consegue provocar uma resposta do neurdnio, pois a variavel mn muito pequena, fazendo com que os canais de Sédio estejam inativados. $6 quando m tem um valor suficientemente alto 0 neur6nio volta a tornar-se susceptivel a novo potencial de aco. ‘A geragdo dos potenciais de acio pelo neurdnio depende do valor da corrente externa injetada, o que pode ser visualizado na Figura 2.6, que mostra a evolugio do potencial de mem- brana para diferentes valores de [e,. Para um valor muito baixo, como ex: = 24A/em?, ocorre ‘um tinico potencial de aco, enquanto se Jez € suficientemente alto, observamos ma repeticao de disparos. A taxa de disparos, ou seja o ntimero de disparos por unidade de tempo, au- menta conforme também cresce a corrente externa, Por outro lado, observamos que os valores minimo e méximo do potencial de membrana mantém-se quase inalterados, entre —70mV e 40mV, aproximadamente. Isto caracteriza uma oscilagao de relaxacdo, na qual wm aumento (diminuigao) na taxa de transferéncia externa de energia reflete-se nao num aumento substan- cial da amplitude da oscilacao, mas sim no aumento (diminuigao) do seu perfodo. 2.2.4 Andlise dinamica no plano de fase répido-lento Na década de 1950, FitzHugh fez uma andlise da dinamica do modelo de Hodgkin-Huxley que, na sua forma original, apresenta quatro equacdes diferenciais altamente nao-lineares. Fitzhugh 34 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL observou que as varidveis ne h tém uma dindmica mais lenta do que m, o que pode ser en- tendido observando 0 comportamento das trés varidveis na simulagio numérica mostrada na Figura 2.5. Ficamos, entio, com apenas duas variaveis “répidas”: V e m, e duas variaveis “lentas”: hen. Além disso, Fitzhugh observou que m varia com o tempo de modo ainda mais répido do que V. Como, de (2.57), temos que din a tin V) Ge = Mao(V) ~ m, se V for aproximadamente constante entao 7» € tac também o sero, de modo que essa equacéo pode ser facilmente integrada, dando m(t) = mae — Cem, de modo que valor de m tende rapidamente para o valor estacionério max [16} |, Outra observacio de FitzHugh foi a de que, durante um disparo as varidveis h e n comportam-se de maneira aproximadamente simétrica, o que pode ser verificado examinando a Fig. 2.5(b) e (d). De fato, observa-se que h ~ 0,8 ~n. Usando-se estas aproximacdes, reduzimos nosso sistema de equagdes para apenas duas varidveis: V (“répida”) e n (“Ienta”), com equagoes de evolugio dadas por (2.55) e (2.56), usando-se m = too @€ h = 0,8 — m: wv 4 3 3 r a Cu ‘e = —gxn"(V —Ex) — Gvamgn(0,8 — n)(V ~ Ewa) — 94(V — Bt) + Test, (2.65) dn mE = Men (2.66) Dessa forma, 0 modelo de Hodgkin-Hunley pode ser analisado no chamado plano de fase “répido-lento”, o que permite o uso de algumas técnicas da dinamica ndo-linear para a inter pretagao dos resultados obtidos na integracao numérica. Vamos reescrever o sistema reduzido na forma w W = V;n) T= Lins 267) dn = on a = (Vin) (2.68) onde F(Vin) = —9xn"(V — Ex) — grwam$(0,8 — n)(V - Ewa) ~ 9u(V ~ Er) + lest Mhoe(V) =n — PEKCLKLKLKKKLKATTTTLLLLKKLKLLLTR RTC LKR UIT CULL ee ESR RTS ALLA OLAS 2.2, MODELO DE HODGKIN-HUXLEY 35 ve Vv Figura 2.7: Plano de fase répide-lento para o modelo de Hodgkin-Huxley. As iséclinas nulas 580 representadas em cor preta, ¢ uma trajet6ria em cor vermelha. As is6clinas nulas (ou nulclinas) do sistema acima sdo os lugares geomeétricos dos pon- tos para 05 quais dV/dt = 0 e dii/dt = 0, que sao curvas no plano de fase, que denotaremos por A: f(V.n) = 0eB : g(V,n) = 0, respectivamente. Os pontos de equilibrio do sistema correspon- lem, portanto, as intersecoes das iséclinas. A figura 2.7 mostra esquematicamente estas is6clinas bem como sua intersegao (V*,n*) (para os valores de parametros de interesse ha somente um ponto de equilibrio). O valor V* corresponde ao potencial de membrana de tepouso, da ordem de —70mV, ao passo que n* é da ordem de 0,5. Se nao houver corrente externa (exe = 0), 0 sistema tende assintoticamente para 0 ponto de equilibrio (que é, consequentemente, estavel), significando a auséncia de disparos do neurOnio. Caso haja uma corrente externa pequena, como no caso de Teas = 241A/em? [Fig. 2.6(2)], endo observamos o aparecimento de um tinico disparo, seguido por uma aproximacao répida a0 potencial de repouso. Isso significa que o sistema continua convergindo para o ponto de equi- brio estavel. A posigao da iséclina A depende do valor da corrente externa Text, 40 paso qué a posigao de 8 ndo depende deste pardmetro. Em particular, na medida em que Joxe aumenta, a isGclina A desloca-se para cima no plano, de modo que 0 ponto de equilibrio é deslocado para valores ligeiramente maiores de n*, com pouca alteragao em V*. Além disso, para um valor suficientemente alto da corrente externa [ext, 0 ponto de equilfbrio torna-se instavel, e 0 sis- tema passa a ter uma trajet6ria no plano de fase répido-lento que é representada pela curva em vermelho, Ao se afastar do ponto de equilibrio, observamos que inicialmente a trajet6ria ¢ prati- 36 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL camente horizontal, ou seja, n-vatia muito pouco, enquanto V aumenta muito répido, o que representa a fase de subida brusca do potencial de agio. Essa fase termina quando a trajetéria aproxima-se da iséclina A, para a qual dV/dt = 0, portanto V dimivui lenlastenis None fase, {ue antecede uma diminuigio répida do potencial (na fase excitada), que se ‘da também numa tiijetora praticamente horizontal. Essa diminuigto do potencial vai até a trajetiria ites Ne ee te be vizinhangas da ie6clina B (hd um “overshooting”, pois 0 potencial decresce até wm valor pouco menor que o potencial de repouso), Uma vez nesta is6clina, 0 potencial cresce lentamente outra vez, o que correspondle & fase refrativia do potencial de aio, até quea trajet6ria volta as cercanias do potencial de repows® € 0 processo se repete indefinidamente. Isto leva, portanto, @ repetic#o periddica de disparos, Gute é 0 que se observa se a corrente externa for sufcientemente alta como 2a Figs. 2.6(b) a Gd, Do ponto de vista dinémico, a trajetoria no plano de fase répido-lento ¢ © aus st chama sGeto-linite”, que corresponde a trajetrias periédicas. O perfodo diminul & medida em que a conrente externa cresce, que 6 o que se verifica nas Figs. 2.6(b) a (4) ‘Ainda sob a otica da dinamica nfo-linear, hé uma bifurcagéo quando, para um dado valor da’corvente externa, 0 ponto de equiltbrio deixa de ser estavel,e passa a ser instivel, com vaio comitante aparecimento de um cilo limite estavel. Pode-se mostrar que é uma bifurcagio de Hopf subcritca, embora nao seja possivel estabelecer uma concligio anaes simples para o se eaeieo de [ray devide & complexidade das equacbes do modelo de Hodgkin Hualey. 2.3 Modelo de Fitzhugh-Nagumo No desenvolvimento da andlise no plano de fase répido-lento, Fitzhugh observou que setia possivel aproximar a iséclina A por tuma fungdo cibica ea isclina 5 por wn linha reta, nas povnhangye do ponto de equilfbrio [3]. Esta simplificaio é bastante interessante pois facia eatudo da estabilidade do ponto de equilfbrio e da bifureagso que ocorre, Por outro lado, satém os aspectos essenciais da dindmica no plano de fase “répido-lento” e, por consequincin, {do proprio modelo de Hodgkin-Huxley. Em 1964 Nagumo construlu um crete eletronico oe oie um diedo tinel para representar um elemento no-Hinear com uma curva caracterstica tribica, de modo queo modelo ficou conhecido como FitzHugh-Nagumo ‘Usando o simbolo » para designar a varidvel répida, correspondente ao potencial de membrana adimensional e w para a variével lenta, também chamada variével de recuperacao, P correspondendo a variével de ativagio do sédio adimensional, as equacies do modelo de Fitzhugh-Nagumo sé0 dy " FE = sw) =ve— all) wHl. (2.69) dw Paes T= sles) =elv (2.70) onde 0 < a < 1¢77 > 0 sto constantes, representa a corrente externa injetada no neurOnioy¢ Pp OOPOPEPOLLTHEPELLLECLCLLCLCOCLHHCLTTTTY SHEER ARMac ALAA AAb ELSE 2.3, MODELO DE FITZHUGH-NAGUMO a7 © 1éuma constante que indica a natureza lenta da dinamica da varidvel w. Todas as variaveis neste modelo sao adimensionais. ‘Vamos introduzir a fungao #0) = ov a\(t -0), ery de modo que (2.69)-(2.70) pode ser reescrita como B= slow) = He) -w4 1 7) a Sata wpe yh 273) © ponto de equitibrio do modelo acima (v,1w*) € a solugao do sistema de equagdes F(v",w*) = bv") — w+ 1=0, (274) gv" wo") = e(v" — yw") = (2.75) que, devido a forma ctibica da fungio }, pode ser complicada para ser expressa analiticamente. Por simplicidade, porém, é mais conveniente deslocar 0 ponto de equilfbrio para a origem, definins as seguintes variaveis ov vw Sw (2.76) tal que he rag SE a Be, cettnccedt, aielin dit dt Esta substituigdo de varidveis nos leva ao seguinte sistema av Ree eet = ote) 9e") 0, (2.77) du! o) = elu’ of ge > Mew) elu’ — 70"), (2.78) de modo que, ao invés de I, podemos especificar o valor de v* como parametro. O sistema acima tem um ponto de equilibrio na origem (v’ = 0, w’ = 0), como pode ser facilmente verificado, Inicialmente vamos escolher os seguintes valores para os pardmetros do sistema acima: a = 0,139, ¢ = 0,008, 7 = 2,54 e v* = 0,07. Na figura 2.8(b) mostramos a evolugao temporal’ das variaveis w' e w', com as seguintes condig6es iniciais: xf, = 0,05 e uf, = —0.05. O potencial de membrana exibe apenas um disparo, apés 0 que tende assintoticamente para o seu valor de equilibrio igual a zero (por construgio). A varidvel lenta tem o mesmo comportamento. A dinamica desse proceso é melhor visualizada no plano de fase w/ versus v’ [Fig. 2.8(a)], onde tracamos as duas iséclinas nulas correspondentes ao sistema (2.77)-(2.78): Aru’ = (vl +0") — ol"), Br 38 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL O) 4c S300 v ‘ Figura 28: (a) Plano de fase para 0 modelo de FitzHugh-Nagumo no caso v Evolugdo temporal das variaveis w! ew’. 0,07. (b) A trajet6ria do sistema no plano de fase, a partir da condigao inicial escolhida, tende assintoti- camente para 0 ponto de equilibrio na origem, a qual é a intersecao das duas iséclinas. ‘Vamos, agora, consideraro caso em que v* = 0, 15, os demais parémetros permanecendo inalterados. Agora observamos a formacio continuada de potenciais de agao bastante parecidos com os observados no modelo de Hodgkin-Huxley [Fig, 2.9(b)], assim como um comportamento igualmente peri6dico para a variavel lenta. O comportamento peridico exibido pelo potencial de membrana pode ser explicado pelo mesmo raciocinio dinamico que empregamos anterior- mente na andlise do espaco de fase répido-lento: a trajetéria do sistema, ao passar perto da iséclina A, tem uma evolucao relativamente lenta, ao passo que exibe variagdes répidas carac- terizadas pelos trechos horizontais do seu ciclo limite [Fig. 2.9(a)]. A existéncia de um ciclo limite para o modelo de FitzHugh-Nagumo também ¢ devida a uma bifurcagZo de Hopf, mas agora a vantagem ¢ que as expressoes matematicas s40 mais simples, que permite um tratamento analitico usando os métodos da dinamica nao-linear. Neste caso, vamos considerar a 0 parametro de bifurcagao, e fixamos 0s outros parametros nos seguintes valores: ¢ = 0,008, 7 = 1,5, ev" = 0. Os detalhes serao deixados como exercicio, mas 0 resultado da andlise linear de estabilidade é simples, e indica que 0 ponto de equilibrio na origem é assintoticamente estével se a > ay = ~=7, e torna-se instavel para a < a, quando um ciclo limite estavel emerge por meio de uma bifurcagao de Hopf sub-critica. CCRKECKLEL TLL LLC CCE KLEE iieecmmaeenet VARA AMAA AAA AAA AAA » MODELOS DO TIPO “INTEGRA-E-DISPARA” 39 o ons Figura 2.9: (a) Plano de fase para o modelo de FitzHugh-Nagumo no caso v* = 0,15. (6) Evolugéo temporal das varidveis v ew’ 2.4 Modelos do tipo “integra-e-dispara” ‘Um modelo ainda mais simplificado do que o de Fitzhugh-Nagumo ¢ 0 chamado integra-e- dispara vazado (“leaky integrate-and-fire”), que dispensa todas as variveis com excecao do potencial de membrana v(t). Neste modelo, a membrana neuronal funciona como um capaci- tor que descarrega-se passivamente por um resistit, 0 qual representa coletivamente os canais, idnicos da membrana. Além disso, o capacitor pode ser carregado por correntes externas e/ou correntes sinapticas. O limiar para a geracdo de disparos (potenciais de ado) ¢ representado por uma var- iavel @: se o potencial de membrana atinge ou supera este limiar, 0 capacitor descarrega-se instantaneamente até chegar a um valor de base vresct, de modo que o neurénio disparou um potencial de aga. Esta simplificagao extrema é justificada em situagdes nas quais 0 potencial de ago € considerado uma resposta estereotipada, ou seja, n6s estamos interessados apenas ‘em saber quantidades como taxas de disparos ou intervalos de tempo entre disparos, 0 que € bastante comum em estudos do cédigo neuronal. © modelo integra-e-dispara vazado tem apenas uma equacio diferencial, a saber [17] dey at onde r = RC éa constante de tempo do circuito, E, representa o potencial de reversto da cor- rente de fuga (dai o termo “vazado”), e 6a corrente externa, injetada e/ou devido a sinapses. =-(v— Fr) +R, (2.79) 40 CAPITULO 2, DINAMICA NEURONAL 10 es SES ob) a 4 5 a Figura 2.10: Evolugio temporal do potencial de membrana no modelo integra-e-dispara vazado para (a) I =1e (b) 1 =2. Neste modelo as varidveis sdo adimensionais, mas podemos interpretar as variéveis em termos fisicos se 0 tempo t for medido em ms, de forma que v seja medido em mV, os demais paramet- ros tendo dimensdes compativeis. Além disso temos as seguintes condigdes para o disparo: UE) = tents $e ult) = 8, 280) ou seja, Se o potencial num dado instante de tempo for igual ao limiar 6, entio neurdnio dispara © potencial sobe imediatamente para o nivel de disparo vspise — 0 € é imediatamente jogado para o valor de base vesce. Valores tipicos dos parametros s40 reser = —75, Ex. = ~70,0 = ~40, R=20,7=%el=1 A anélise deste modelo é extremamente simples: h4 um tinico ponto de equilibrio, correspondente ao potencial v= By +RI si Zp, Eserevendo i = f(v),a estabilidade que, pata J = 0, leva-nos ao potencial de reversio do equilibrio ¢ determinada pela derivada: Se) =-* <0, de modo que v* é sempre um ponto de equilibrio assintoticamente estavel [Fig. 2.10(a)]. Se o ponto de equilibrio esta aquem do limiar (u* < 0), 0 neurdnio nao dispara e tende assintotica- (CLCECKLKKCLKLKLKLKCLKLKCLKLKLLLKKLKLLCLKLKLCLKLKK LK LRA AACA AAA AAR 2.5, MAPA INTEGRA-E-DISPARA VAZADO 4a mente ao valor de equilibrio. Ja se v* > 6, 01 RI>0- Ey, disparar repetidamente devido ao mecanismo (2.80) [Fig, 2.10(b)} o neurd1 2.5 Mapa integra-e-dispara vazado O modelo integra-e-dispara vazado é suficientemente simples para que possamos integré-lo numericamente usando 0 método de Euler, o que diminui consideravelmente o tempo de com- putacio. O método de Euler, por outro lado, pode ser usado para discretizar 0 tempo ¢ trans- formar a equacio diferencial (2.79) num mapa, ou equacao a diferencas finitas. Mapas sao ainda mais répidos para integracio numérica que equagbes diferenciais e seu uso é bastante comum em modelos de redes neuronais onde o ntimero de sistemas acoplados ¢ muito grande. Nés dividimos 0 intervalo de tempo de integragao t; < t < ty em Ny sub-intervalos de duragio At = (ty — t)/Np (“passo de integracao”) ¢ definimos um potencial de membrana a tempo discreto como wm =v(t=ndt), — (n= 0,1,2,...). (2.82) Naturalmente quanto menor for At em comparacao com ty ~ f; tanto melhor sera a preciso da discretizagao que fazemos. Se vn < 0 0 valor de v aumenta com 0 tempo de acordo com (2.79). Definindo uma nova varidvel [1 iz ieee U REL (2.83) temos que = —(1/7)i, de modo que (2.79) torna-se ee, ar que pode ser integrada em cada sub-intervalo, como (stan at [rr e-4 [fa nar Ty T de forma que wlt= (n+ DAM _ arr oy nA] Ott wnt = Aun, usando (2.82). De (2.83) e rearranjando os termos obtidos, resulta que Yat = hy + (L—AYRI+Er), se tp <0 (2.84) 42 CAPITULO 2. DINAMICA NEURONAL Figura 2:11: Evolugao temporal do potencial de membrana no mapa integra-e-dispara vazado para (a) =1e(b) 1 =2 Ap6s atingir o limiar, hé uma subida abrupta do potencial até um nivel de disparo Ypije, 0 que dura exatamente uma unidade de tempo. Depois de disparar, o potencial diminui ao valor vyeser essa forma podemos escrever o mapa unidimensional como (en) Unt onde hut (1—k\RI+ By), sev <8, Vepites sO << vapite, (2.85) reset, S00 > Upike © ponio fixo do mapa v* satisfaz a relacao v* = f(v"), que fornece v* = RI-+ By, que 6 exaiamente 0 mesmo ponto de equilibrio (2.81) para 0 modelo a tempo continuo. Isto nos garante que o modelo discretizado 6 compativel com o modelo original: se v' estiver abaixo do limiar 8, 0 ponto de equilibrio ¢ assintoticamente estavel, e uma drbita iniciando em vw tende a v” para tempos grandes [Fig, 2.85(a)]. J4 se v* > 8, 0 ponto de equilibrio nunca é atingido, € o sistema tende a uma trajet6ria periédica, que corresponde a uma sequéncia de disparos [Fig 2.85(b)]- ACOLKLKLLLLKLKLKLLLKLKLKLKLLKLLKKLKLLLKCLLKLKLKLLLLK LLL

You might also like