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CAPÍTULO 1

Princípios, práticas e
currículo
Questões em foco
Depois de ler este capítulo, você deve
estar apto a responder às seguintes O que você vê?
perguntas:
Uma bebê de cinco meses está deitada no chão com
1 Quais são os tipos de interação muitos brinquedos ao seu alcance. Ela está contente
que se desenvolvem nas relações,
e observando os cinco outros bebês e crianças que
importantes no cuidado e na
educação de bebês e crianças?
estão na sala com ela. Pegando alguma coisa aqui
e outra ali, ela acaricia um brinquedo primeiro com
2 O que é um exemplo de
os olhos, depois com as mãos. Se olharmos mais de
comportamento adulto que demonstra
respeito por uma criança ou um bebê?
perto, podemos perceber certa umidade na região das
nádegas, sob sua roupa. A criança ouve um passo, e
3 Quais são algumas das expressões-
seus olhos se movem em direção ao som. Então ve-
-chave de, no mínimo, 5 dos 10
princípios de cuidados e educação de
mos um par de pernas e pés se movendo na direção
bebês e crianças? na criança. Uma voz diz: “Caitlin, estou vendo como
você está conseguindo se virar”.
4 Você consegue definir a palavra
currículo quanto à sua aplicação na As pernas se movem para perto do cobertor, e
educação e nos cuidados de bebês e Caitlin olha para os joelhos em sua frente. Os olhos
crianças? dela brilham à medida que o resto da pessoa aparece
5 Qual o papel dos adultos no currículo no seu campo visual. Um rosto gentil se aproxima.
de bebês e crianças? Caitlin sorri e balbucia algo. A cuidadora responde
6 Quais são as três bases de
e depois repara na umidade da roupa. “Oh, Caitlin,
conhecimento das práticas você precisa ser trocada”, ela diz. Caitlin responde
apropriadas ao desenvolvimento, sorrindo e balbuciando.
segundo a National Association for the Abrindo os braços, a cuidadora diz “Vou pegar
Education of Young Children (NAEYC, você agora”. Caitlin responde aos gestos e às pala-
dos Estados Unidos? vras com um movimento corporal leve. Ela continua
sorrindo e balbuciando. A cuidadora a retira do chão
e caminha em direção ao trocador.

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Você percebeu que há muito mais coisas acon- uma expressão-chave. Mas as relações não se
tecendo do que simplesmente uma troca de desenvolvem a partir de qualquer tipo de inte-
fraldas? A cena ilustra muitos dos princípios ração; elas se desenvolvem a partir daquelas
básicos deste livro. Pense nisso conforme que são respeitosas, positivamente reativas e
prosseguir a leitura. Você sabe o que significa recíprocas. Você pode pensar nelas como os
respeitar um bebê como pessoa? Respondere- três Rs da educação e dos cuidados com bebês
mos a esta questão quando voltarmos à cena e crianças, ou como interações de três Rs. A
descrita, mais adiante. interação da cuidadora com Caitlin foi posi-
Este livro se baseia em uma filosofia de tivamente reativa – a cuidadora respondeu à
cuidados com bebês e crianças resumida em criança, e a criança, a ela. As reações foram
um currículo (ou estrutura) de 10 princípios recíprocas, ou seja, do tipo “dar e receber”,
para a prática. Trata-se de uma filosofia ba- criando uma cadeia de interação, em que cada
seada na obra de duas pioneiras em cuidados e reação é incentivada pela anterior e leva à
educação de bebês e crianças: Emmi Pikler e próxima reação da outra pessoa. A diferença
Magda Gerber. Pikler foi uma pediatra húnga- entre positivamente reativo e recíproco pode
ra que começou a se envolver em grupos de ser difícil de entender. Quando um cuidador
assistência a crianças em 1946, depois da Se- é positivamente reativo, isso significa que ele
gunda Guerra Mundial, quando criou um orfa- presta atenção no que a criança começa a fazer
nato para crianças com menos de três anos. O e responde a isso. Reciprocidade diz respeito
local, que hoje se chama Pikler Institute, con- a toda uma cadeia de reações, que vão e vol-
tinua funcionando sob a direção da filha dela, tam, entre o cuidador e o bebê. Cada reação é
Anna Tardos. Magda Gerber, amiga e colega dependente da que a precede. E o que elas têm
de Pikler, levou os seus conhecimentos para de respeitosas?
os Estados Unidos em 1956 e criou um pro- Comportamentos que indicam respeito po-
grama chamado Resources for Infant Educa- dem não ser tão óbvios quanto aqueles que in-
rers (RIE). Os seguidores dela nos Estados dicam reações positivas e reciprocidade. Você
Unidos e no resto do mundo têm treinado cui- percebeu que a cuidadora caminhou até onde
dadores e pais desde 1976. Apesar de a abor- estava Caitlin de modo que a criança pudes-
dagem de Pikler e a filosofia de Gerber não se vê-la chegar? A cuidadora conscientemente
serem idênticas, estão em sintonia. diminuiu o passo e fez contato antes de checar
se Caitlin precisava trocar as fraldas. Não são
raros os cuidadores que correm até a criança e
Reflita Relações, interações e apalpam o bebê de modo inesperado, sentindo
Quando você esteve
envolvido em uma
os três Rs como está a fralda sem a mínima preocupação
interação respeitosa, em reconhecer quem está dentro dela. Imagi-
positivamente reativa Relacionamento é uma expres- ne como você se sentiria se fosse um bebê. É
e recíproca? Descreva são-chave no que diz respeito aos uma falta de respeito. Porém, em vez disso,
como foi. Depois
compare a descrição
cuidados e à educação de bebês e a cuidadora de Caitlin iniciou uma conversa,
com alguma expe- crianças. Na cena de abertura, você falando com a bebê. Ela deu continuidade a
riência que tenha tido viu um exemplo de como intera- isso respondendo aos sorrisos e balbucios de
com uma interação
ções como aquela entre Caitlin e Caitlin. Ela também lhe avisou sobre o que ia
desrespeitosa, nega-
tivamente reativa e o cuidador adulto podem levar a fazer antes de fazê-lo. Essa cena ilustra a ca-
não recíproca. Quais uma relação próxima e baseada deia de interações positivamente reativas, que
são as implicações de no respeito. Relações entre cuida- é a base de um cuidado eficiente. Uma série
suas experiências no
trabalho com bebês e
dores1 e crianças muito pequenas de interações como essa, da troca de fraldas,
crianças? não acontecem por acaso. Elas se constrói uma parceria entre o bebê e o cuida-
desenvolvem a partir de uma série dor. O sentimento de ser parte de um time, e
de interações. Logo, interação, isto é, o efei- não apenas um objeto manipulável, é vital para
to que uma pessoa tem sobre outra, é também o desenvolvimento como um todo. Interações

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recíprocas como essa promovem o apego entre a cena de abertura, talvez você perceba que a
a criança e o cuidador. Outro benefício de uma cuidadora estava fazendo mais do que somen-
série de interações como essa é que o bebê de- te o que parecia certo. Ela foi treinada em um
senvolve um espírito de cooperação. Os obser- tipo específico de modo de cuidar. Na ver-
vadores novatos do Pikler Institute ficam sur- dade, o que você viu foi uma cuidadora cujo
presos ao ver como os bebês em suas primeiras treinamento foi baseado no RIE, o programa
semanas de vida demonstram cooperação. E que Magda Gerber criou. Você viu uma cui-
tal espírito de cooperação não desaparece – ele dadora que poderia ter sido treinada tanto no
se torna um hábito duradouro! RIE quanto no Pikler Institute, de Budapeste.

Rotinas de cuidados e Dez princípios baseados na


oportunidades para interações de filosofia do respeito
três Rs
Agora, vamos ver os 10 princípios que com-
Não é por acaso que o primeiro exemplo deste põem a base deste livro, inspirados pela obra
livro é uma interação envolvendo a troca de de Magda Gerber, que começou a formulá-los
fraldas. Há uma mensagem aqui. Relações nos anos 1970:
podem se desenvolver a partir de qualquer
tipo de interação, mas especialmente duran- 1. Envolva bebês e crianças nas coisas que
te aquelas que ocorrem enquanto os adultos dizem respeito a eles. Não os despiste ou
estão dando conta das atividades essenciais distraia para cumprir as tarefas mais rapi-
da vida diária, às vezes chamadas rotinas de damente.
cuidados. Pense em como a hora da troca de 2. Invista no tempo de qualidade, aquele em
fraldas é um momento em que cuidadores e que você fica totalmente disponível para
crianças estão frente a frente, no “um a um”. um bebê ou uma criança específica. Não
Se contar todas as trocas de fraldas da vida de se contente em participar de um grupo de
uma criança, provavelmente você chegará a supervisão que não foca (mais do que bre-
um número entre quatro e cinco mil. Imagi- vemente) em crianças específicas.
ne as oportunidades que seriam perdidas se os
adultos focassem apenas na atividade, consi- 3. Aprenda as formas únicas por meio das
derando-a apenas uma tarefa a ser cumprida, e quais as crianças se comunicam (choros,
não se importassem em interagir com a crian- palavras, movimentos, gestos, expres-
ça. E isso acontece muito, porque uma prática sões faciais, posições do corpo) e ensine
de troca de fraldas comum envolve distrair a as suas. Não subestime a capacidade da
criança de alguma forma – com frequência criança de se comunicar, mesmo que suas
com um brinquedo ou algo interessante que habilidades linguísticas sejam mínimas
ela possa ficar olhando. Então o cuidador ou inexistentes.
foca apenas na tarefa, manipulando o corpo 4. Invista tempo e energia para construir
da criança com pressa, querendo que aquilo uma pessoa completa (concentre-se na
acabe logo. Isso é oposto do que defendemos. “criança como um todo”). Não foque ape-
Pode parecer que qualquer pessoa caloro- nas no desenvolvimento cognitivo ou olhe
sa e amigável está apta a cuidar de crianças, para isso como separado do desenvolvi-
e que qualquer um que tenha paciência pode mento completo.
lidar com bebês. Com certeza essas são carac-
terísticas valiosas em cuidadores, mas cuidar 5. Respeite bebês e crianças como pessoas
de crianças menores de três anos envolve mais valiosas. Não os trate como objetos ou
do que apenas agir por instinto ou movido por pequenas pessoas fofinhas e sem cérebro
aquilo que parece funcionar. Se você retomar que podem ser manipuladas.

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6. Seja honesto em relação aos seus próprios que estava acontecendo com ele. Assim, a troca
sentimentos por bebês e crianças. Não de fraldas se tornou uma “experiência educati-
finja sentir algo que não sente ou não sen- va”, por meio da qual Caitlin ampliou a sua ca-
tir algo que sente. pacidade de atenção e cooperação, além de sua
consciência corporal. Uma série de experiên-
7. Seja o modelo do comportamento que
cias como essa oferecerá a Caitlin uma educa-
você quer ensinar. Não pregue.
ção em relações humanas, a partir da qual ela
8. Encare os problemas como oportunida- poderá construir as suas concepções de vida e a
des de aprendizado e deixe que os bebês sua própria visão sobre as pessoas.
e crianças os resolvam eles mesmos. Não Existe um rumor de que bebês e crian-
tente salvá-los de todos os problemas, não ças teriam baixa capacidade de atenção. Al-
os facilite o tempo todo nem tente prote- gumas pessoas dizem que eles não prestam
ger as crianças deles. atenção em nada durante muito tempo. Você
pode testar essa crença por si mesmo. Obser-
9. Construa segurança ensinando confiança.
ve um bebê ou uma criança realmente envol-
Não ensine desconfiança, mostrando-se
vidos em alguma coisa que lhes diz respeito
como alguém muito inconsistente ou de
e os interessa. Cronometre a quantidade de
quem não se pode depender.
tempo que ela investe na tarefa ou no que está
10. Preocupe-se com a qualidade do desen- acontecendo. Você pode se surpreender com a
volvimento em cada estágio. Não apresse quantidade de tempo que os bebês e crianças
bebês e crianças para que atinjam metas investem em algo quando estão interessados,
de desenvolvimento. justamente porque estão envolvidos.
Pense no tempo investido, na sua própria
Vamos olhar mais de perto para
vida, em algum momento em que você estava
Padrões do
cada um dos princípios.
envolvido em uma interação respeitosa, posi-
programa NAEYC tivamente reativa e recíproca. Isso pode acon-
1, 2 e 3
Princípio 1: Envolva tecer quando alguém está ensinando algo a
Relacionamento, você. Ou pode acontecer quando você está no
bebês e crianças nas
currículo e ensino
coisas que dizem consultório médico. Você consegue usar a sua
própria experiência para entender os benefí-
respeito a eles
cios que os bebês obtêm quando se envolvem
Caitlin não é apenas um recipiente das ações da em coisas que lhes dizem respeito?
cuidadora; ela participa do que acontece com
ela. Ela e sua cuidadora fazem coisas juntas.
Se a cuidadora de Caitlin tivesse dado a ela um Princípio 2: Invista no tempo de
brinquedinho para distraí-la durante a troca de qualidade
fraldas, a tônica da cena teria sido outra. O cli- O que aconteceu entre Caitlin e sua cuidadora
ma de parceria teria desaparecido, e, no seu lu- é um bom exemplo de um tempo de qualidade.
gar, teríamos uma criança distraída e uma cui- A cuidadora estava completamente presente.
dadora lidando com uma bundinha suja e uma Ou seja, ela estava prestando atenção no que
fralda molhada, em vez de com o bebê como acontecia; seus pensamentos não estavam em
um todo. Ou, se ela tivesse distraído Caitlin outro lugar. E com que frequência as tarefas
com outro tipo de entretenimento, a cuidadora de cuidado são feitas automaticamente, sem
poderia ter atraído a atenção do bebê, mas o que o cuidador e a criança estejam presentes
foco teria sido em diversão e brincadeira, e não de outra forma que não física!
na tarefa que precisa ser realizada.
O objetivo principal da cuidadora nessa Dois tipos de tempo de qualidade Magda
cena foi manter Caitlin envolvida na interação, Gerber chamou o tipo de tempo de qualidade
assim como mantê-la focada no seu corpo e no ilustrado pela cena da troca de fraldas de

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tempo de qualidade querer-algo. O adulto e espera para ver o que criança irá fazer e então
a criança estão envolvidos em uma tarefa que o responde. Trata-se do oposto da abordagem
cuidador organizou. Trocar fraldas, alimentar, comum em programas em que professores e
dar banho e vestir uma criança são tarefas que cuidadores se tornam cada vez mais direcio-
se encaixam nessa categoria de tempo de qua- nadores diante de um comportamento difícil.
lidade. Se o cuidador presta atenção na criança No Child-Family Study Cen-
e pede que a criança retribua essa atenção, a ter, os adultos são direcionadores Reflita
quantidade de qualidade de tempo aumenta. apenas quando removem alguma Pense sobre os be-
nefícios do tempo
Em programas de assistência a crianças, isso criança da sala de aula. Eles ex- de qualidade para
pode gerar interações “um a um”, o que pode plicam o que estão fazendo, mas uma criança. Você
ser difícil de ocorrer em uma configuração de não usam um tom punitivo ou que consegue se lembrar
grupo. O tempo de qualidade querer-algo é possa envergonhar a criança. Floor de alguma vez em
que alguém esteve
educativo. Você verá mais exemplos desse tipo time pode parecer algo como ser totalmente disponível
de tempo de qualidade ao longo do livro. mandado para a diretoria, mas é para você sem querer
Outro tipo de tempo de qualidade igual- mais como brincar de terapia. Con- direcionar nada? Você
consegue entender, a
mente importante é o que Magda Gerber tudo, os membros da equipe não partir da sua própria
chamou de tempo de qualidade não-querer- são terapeutas, e floor time não é experiência, como
-nada. Isso acontece quando os cuidadores terapia. É apenas um tempo de qua- isso pode beneficiar
se mostram disponíveis sem coordenar a si- lidade não querer-nada. Por meia uma criança?
tuação – por exemplo, quando um cuidador hora a criança recebe atenção total.
apenas senta junto ao bebê, totalmente dis- Será que uma atenção tão con-
ponível e positivamente reativo, porém não centrada “estraga” a criança? Não. De acordo
no comando. Apenas sentar junto aos bebês com as pesquisas, essa abordagem funciona
enquanto eles brincam e responder em vez de miraculosamente. Sua efetividade parece ter a
iniciar algo são exemplos desse tipo de tempo ver com o fato de que atende às necessidades
de qualidade (veja exemplos mais específicos da criança.
no Capítulo 4). Muitos terapeutas atestam os benefícios
Floor time*1é uma variação do tempo de de estar totalmente presente diante de alguém
qualidade não querer-nada, que o Child-Fami- sem ser direcionador, no entanto, a maioria de
ly Study Center (Centro de Estudos Criança- nós raramente recebe esse tipo de atenção das
-Família), da Universidade da Califórnia, em pessoas em nossas vidas. Pense um pouco no
Davis, usa em seu programa para bebês. Floor quanto seria prazeroso ter toda a atenção de
time é um conceito creditado à obra de Stan- alguém à sua disposição e comando por mais
ley Greenspan. Quando uma criança exibe um do que um breve momento.
comportamento difícil, em vez de colocá-la Esse tipo de tempo de qualidade é fácil
em tempo de espera tentando ignorá-la, os de oferecer, mas com frequência é mal com-
cuidadores fazem o oposto. São estipulados preendido ou subestimado. Alguns cuidadores
30 minutos de tempo “um a um” para a crian- sentem que não estão fazendo seu trabalho
ça passar com um adulto, cujo único objetivo se apenas sentam no chão onde os bebês e as
é ser positivamente reativo a essa criança, e crianças brincam. Eles querem fazer o papel
apenas a essa criança. O adulto senta no chão de professores, que interpretam como “ensi-
e fica disponível para a criança. O ambiente é nar algo”. É muito difícil para a maioria dos
convidativo à brincadeira, já que existem brin- adultos sentar ao redor de crianças pequenas e
quedos interessantes ao alcance da criança. O não dirigir a situação. Ser receptivo e positiva-
adulto não planeja nem espera nada, apenas mente reativo é uma habilidade que a maioria
dos adultos precisa aprender, pelo visto ela
não ocorre naturalmente.
*N. de R. T.: Expressão em inglês que significa, literal-
mente, tempo no chão. Ver o significado proposto pelas Outro tipo de tempo de qualidade – talvez
autoras no Glossário (p. 340). o tipo de maior conhecimento geral – é o que

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diz respeito à atividade compartilhada. A vez de É claro que a vida de todos está cheia de
iniciar a atividade é intercalada entre o adulto momentos que não são nem tempos de quali-
e a criança durante os períodos de brincadeira, dade nem tempos privados. As crianças preci-
enquanto um aproveita a companhia do outro. sam aprender a viver em um mundo confuso
Esses períodos são com frequência recompen- e cheio de pessoas. Elas estão fadadas a se-
sadores para o adulto, e de uma forma que os rem ignoradas algumas vezes. A questão é que
outros dois tipos de tempo de qualidade não são. existe uma diferença entre tempo de qualidade
e outros tipos de momentos, e a criança mere-
A quantidade certa de tempo de qualida- ce (e precisa de) certa quantidade de tempo de
de Um aspecto interessante do tempo de qualidade em sua vida.
qualidade é que “aos poucos se vai longe”. O tempo de qualidade é construído na
Ninguém quer (ou suporta) uma interação rotina diária, quando os momentos de trocar
intensa o tempo todo. Uma habilidade impor- fralda, vestir e alimentar a criança se tornam
tante a ser desenvolvida é a de entender as di- ocasiões para interações íntimas “um a um”.
cas do bebê que dizem “Já tive o bastante! Por Em grupos de assistência, quando um cuida-
favor, me deixe em paz”. Alguns bebês mui- dor é responsável por muitos bebês ou por um
to pequenos demonstram isso simplesmente pequeno grupo de crianças, prestar atenção
dando as costas – ou mesmo caindo no sono. em apenas uma criança pode ser difícil, a não
Crianças (e adultos) precisam ficar sozinhas ser que os cuidadores se liberem uns aos ou-
às vezes. Embora privacidade não seja uma tros, fazendo rodízio para cuidar do resto das
questão em todas as famílias, para algumas é crianças. É papel do diretor garantir que cada
um valor cultural forte. Em programas de as- cuidador seja às vezes liberado da responsabi-
sistência a bebês e crianças e no cuidado fami- lidade por outras crianças que não aquela que
liar é difícil ter um tempo sozinho. Algumas ele está trocando ou alimentando. Isso signifi-
crianças conseguem ficar sozinhas apenas ca que focar em uma criança não só deve ser
quando dormem. Outras podem se voltar para permitido como deve até mesmo ser estimula-
o próprio interior e ignorar o que acontece à do entre os cuidadores.
sua volta. Os adultos podem ajudar as crian- Nos cuidados de crianças em família em
ças pequenas a adquirirem seu tempo priva- que não há apenas um adulto, o cuidador não
do com a configuração de pequenos espaços
tem a quem recorrer quando alimenta ou tro-
(veja “Um ambiente seguro”, no Capítulo 12).
ca um bebê. No entanto, os cuidadores podem
Quando as pessoas nunca conseguem fi-
focar em apenas uma criança configurando
car sozinhas, descontam isso caindo no sono,
um ambiente seguro para ela e estimulando
não prestando atenção, permanecendo num
as outras a brincarem sozinhas. É claro que
lugar fisicamente, mas em outro mentalmente.
o cuidador em questão deve ficar de olho no
Essa atitude se torna um hábito e, então, quan-
resto do grupo – uma habilidade que pode ser
do essa pessoa passa algum tempo com ou-
desenvolvida com a prática. É lindo ver um
tras pessoas, ela parece estar ali sempre “pela
cuidador experiente dar total atenção a uma
metade”. Momentos de estar “pela metade”,
criança e ainda assim perceber uma atitude
mesmo que muitos deles, nunca se igualam
perigosa ou proibida em outra parte da sala.
aos momentos de estar “totalmente”.
Conseguir “desligar-se” é uma questão
tanto para cuidadores quanto para crianças e Princípio 3: Aprenda as formas
bebês. Nenhum adulto pode ter a expectativa únicas por meio das quais
de estar complemente presente e disponível as crianças se comunicam e
o dia inteiro, todos os dias. Tanto as necessi-
ensine-as as suas
dades dos adultos quanto as das crianças ten-
dem a ser satisfeitas nos programas em que os Repare em como funcionou a comunicação
adultos são cuidadores eficientes. entre Caitlin e sua cuidadora. A cuidadora fa-

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lou diretamente com Caitlin sobre o que iria de Caitlin (sons, expressões faciais e movi-
fazer, realizando movimentos corporais con- mentos corporais). A comunicação entre Cai-
dizentes com suas palavras. Caitlin usou o tlin e sua cuidadora foi além das palavras.
corpo, as expressões faciais e a voz para co- Pense em alguém que você Reflita
municar suas reações. A cuidadora respondeu conhece muito bem. Se você fizer Pense em alguém que
às reações dela interpretando, perguntando e uma lista das formas de comunica- você conhece muito
discutindo. A cuidadora não começou uma ta- ção não verbal que essa pessoa usa, bem. Você consegue
garelice sem fim... Ela disse pouco, mas o que você irá perceber como cada um de visualizar essa pessoa
se comunicando sem
disse tinha muito significado, e esse significa- nós possui um sistema único. Nin- usar palavras?
do foi reforçado por suas ações. Ela ensinou guém conhece tanto o sistema do
Caitlin a prestar atenção, e não a relaxar. Ela bebê ou da criança quanto aqueles
ensinou que falar é comunicação, e não distra- aos quais esse bebê ou criança é apegado. Por
ção. Ela ensinou palavras e linguagem contex- essa e por outras razões, os programas para
tualizadas, falando naturalmente, e não repe- bebês ou crianças devem estimular o apego
tindo palavras muitas vezes ou usando entre as crianças e os cuidadores.
linguajar infantil. Ela também se comunicou É também importante ressaltar aqui que
usando o corpo e com outros sons que não pa- cada um de nós utiliza um sistema de lin-
lavras e reagiu positivamente à comunicação guagem corporal que é particular da nossa

OBSERVAÇÃO EM VÍDEO 1
Choro do bebê

Veja a Observação em Vídeo 1: Choro do Bebê Questões


para uma ilustração de alguns dos princípios
expostos no Capítulo 1. Você verá um bebê • Como um bebê comunica que precisa de algo?
chorando. Não se trata de um meio único de se • Como o cuidador prepara o bebê antes de
comunicar, mas é comunicação. A cuidadora se tomá-lo nos braços?
aproxima e pega o bebê. Perceba como ela vem • Perceba que a criança está deitada de costas.
pela frente e não pelo lado ou por trás. Isso é Você sabe o motivo? Caso não, você desco-
um sinal de respeito, pois demonstra que ela não brirá ao longo deste livro.
quer assustar o bebê.
Para assistir a esse vídeo, entre em www.grupoa.com.br,
acesse a página do livro por meio do campo de busca e
clique em Conteúdo Online.

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cultura e que inclui particularidades relacio- faciais e corporais dizem uma coisa e as pa-
nadas ao gênero e talvez também à classe lavras dizem outra, as crianças recebem men-
social. Um exemplo simples dessa diferença sagens dúbias, que atrapalham a verdadeira
é a forma como mulheres e homens cruzam comunicação. Elas não apenas começam a ter
as pernas na cultura dos homens brancos, problemas quanto a decidir em quem acredi-
norte-americanos e de origem europeia. Ou- tar, como também tomam o adulto como mo-
tro exemplo é o modo de andar contrastante delo e aprendem a também transmitir mensa-
entre mulheres e homens afro-americanos. gens dúbias. Por isso a comunicação clara é
Estamos falando de posições e movimentos importante.
inconscientes, mas que aqueles que perten-
cem à cultura reconhecem perfeitamente. As
crianças aprendem as bases de sua comunica- Princípio 4: Invista tempo e
ção não verbal com os adultos presentes em energia para construir uma
suas vidas, assim como ao criar sua lingua- personalidade completa
gem corporal específica.
Recentes pesquisas relacionadas ao cérebro
Por fim, os bebês passam a depender
sustentam que o objetivo deve ser construir
mais de palavras para se expressarem, em
uma personalidade completa, em vez de focar
adição a outras formas de comunicação. Eles
aprendem a expressar necessidades, vontades, apenas no desenvolvimento cognitivo. Devido
ideias e sentimentos de forma mais clara. Eles a toda polêmica a respeito de quando a criança
também aprendem a gostar da linguagem por estaria pronta para frequentar a escola, alguns
si mesma – começam a brincar com palavras, pais se dão conta de que os primeiros anos são
frases e sons. As reações dos adultos a isso e fundamentais para o crescimento intelectual.
o incentivo ao uso da linguagem facilitam o Tenham eles ou não ouvido falar de pesquisas
desenvolvimento da criança nesse aspecto. No relacionadas ao cérebro, talvez eles esperem
fim da primeira infância a maioria das crian- notar alguma evidência de que os cuidadores
ças já consegue se expressar com palavras, estão proporcionando “atividades cognitivas”.
embora continue a usar a comunicação não O conceito deles de atividades cognitivas
verbal pelo resto da vida. pode estar baseado no que sabem sobre pré-
É importante notar que algumas culturas -escola. Pode ser que eles esperem que os cui-
não só valorizam como dependem mais de tro- dadores ensinem noções como cores, formas
cas verbais do que outras. Os europeus e ameri- ou mesmo números e letras, por meio de uma
canos tendem a usar uma comunicação direta. abordagem centrada na atividade.
Como os bebês não podem falar (na verdade, a No entanto, os cuidadores, que também
origem da palavra infant já data de algo entre o se preocupam com o desenvolvimento inte-
inglês medieval e o francês antigo, em que há lectual, podem pensar que a forma de esti-
uma combinação de in [“não”] e fans [“falar”]), mular isso envolve equipamentos específi-
os pesquisadores da Universidade da Califórnia, cos, exercícios e atividades especializadas.
em Davis, descobriram que podem estabelecer Os livros e programas estão sempre prontos
comunicação direta com os bebês ensinando- a, como eles dizem, “estimular o desenvol-
-os um sistema gestual chamado baby signs vimento cognitivo”. Os catálogos e as lojas
(ACREDOLO; GOODWYN, 1996). Cuidado- estão cheios de brinquedos, equipamentos e
res provenientes de culturas altamente verbais outras engenhocas que prometem deixar os
precisam ser ainda mais atentos a crianças que bebês mais espertos. É claro que proporcio-
usam muita comunicação não verbal em vez de nar um ambiente cheio de coisas interessan-
palavras (GONZALES-MENA, 2008). tes é desejável. E, sim, isso pode acelerar o
Crianças pequenas precisam ver adul- desenvolvimento cognitivo. Mas tome cuida-
tos usando palavras que condizem com a sua do se você está pensando que pode estimular
comunicação não verbal. Se os movimentos o desenvolvimento cognitivo sem trabalhar,

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O cuidado com bebês e crianças pequenas na creche 11

ao mesmo tempo, os desenvolvimentos físi- Antes de a cuidadora fazer qualquer coisa


co, social e emocional. Não são os brinque- com Caitlin, ela explicou o que aconteceria.
dinhos inteligentes ou as conhecidas como Assim como um enfermeiro cuidadoso nos
atividades “de aprendizado” que vão fazer adverte antes de colocar um instrumento frio
diferença, e sim o dia a dia, as relações, as sobre nossa pele, a cuidadora de Caitlin a pre-
experiências, as trocas de fralda, a alimenta- parou para o que viria. Até que você perceba
ção, o treinamento no toalete, a brincadeira o quanto isso faz diferença, a tendência natu-
e a exploração livre que irão contribuir para ral é pegar a criança do chão sem dizer nada.
o desenvolvimento intelectual. E são essas Os bebês são em geral carregados por aí como
mesmas experiências que ajudarão as crian- objetos, mesmo quando têm idade suficiente
ças a progredir também fisica, social e emo- para andar e falar. Os adultos com frequência
cionalmente. retiram uma criança do chão e a colocam em
Pense no quão rica será para Caitlin a uma cadeira ou carrinho de bebê sem dizer
experiência de trocar as fraldas. Ela estará uma única palavra. Esse tipo de atitude não é
imersa em um input sensorial – visual, au- respeitosa.
ditivo, tátil, olfativo. Com que frequência Para que a noção de respeito a um bebê fi-
os pais não são aconselhados a pendurar um que mais clara, visualize como um enfermeiro
móbile em cima da mesa de trocar fraldas, a removeria um paciente inválido da cama para
fim de que a troca de fraldas seja uma “expe- a cadeira de rodas. Depois inverta os persona-
riência educativa”? E quão limitada não é a gens e imagine que um é uma cuidadora e o
experiência com o móbile quando compara- outro é um bebê. Exceto por questões de ta-
da a essa que Caitlin tem com um cuidador
manho e peso, se o adulto trata o bebê com
respeitoso, positivamente reativo e recíproco,
respeito as cenas devem ser bastante seme-
sem nada pendurado sobre sua cabeça para
lhantes.
distraí-la?
Para compreender com mais clareza a
Repare também que algumas culturas não
noção de respeito a uma criança, imagine que
são tão preocupadas com o desenvolvimento
você acabou de ver um homem caindo da es-
cognitivo quanto outras. Algumas têm uma
cada. Pense em como você reagiria. Mesmo
configuração diferente de prioridades; ape-
nas manter o bebê saudável pode ser a prin- que você tenha força o bastante, você prova-
cipal preocupação. Tais famílias não passam velmente não vai sair correndo e levantá-lo.
muito tempo se preocupando com o quanto Você primeiro falaria com ele, perguntaria se
as experiências da primeira infância podem ele se machucou e se precisa de ajuda. Você
influenciar o sucesso acadêmico, depois, na provavelmente estenderia a mão se ele desse
vida adulta. indícios de estar bem e demonstrasse vontade
de levantar. Você o confortaria se isso fosse
necessário. A maioria das pessoas não têm
Princípio 5: Respeite bebês e dificuldades em atender um adulto com res-
crianças como pessoas valiosas peito.
Respeito não era uma palavra comumente as- Então por que os adultos se apressam para
sociada a crianças pequenas até Magda Gerber levantar uma criança pequena que caiu, sem
introduzir o conceito. As preocupações mais um prévio momento de pausa? Por que não
comuns ligadas ao respeito são de outra linha, enxergar primeiro as necessidades da criança?
relativa a como os adultos exigem (ou dese- Talvez a única coisa necessária seja um pouco
jam) que as crianças os respeitem. Não existe de tranquilização – e não auxílio físico. Talvez
melhor modo de conquistar respeito para si a criança esteja brava ou constrangida e preci-
mesmo do que ser um modelo para crianças. se de um adulto que aceite esses sentimentos e
O que significa respeitar uma criança? A permita que ela os expresse. Talvez a criança
cena da troca de fraldas dá um bom exemplo. não precise de nada e se levante por si mesma.

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12 Gonzalez-Mena & Eyer

Mais aspectos relacionados ao respeito surgi- A cuidadora respeitou o direito de Brian


4
rão na próxima cena. de ter sentimentos e de expressá-los. Ela
ofereceu apoio sem exagerar na simpatia.
Brian, um bebê de 12 meses, está sentado em Como ela não o distraiu com grandes quan-
uma mesa baixa, junto a muitas outras crian- tidades de amorosidade e entretenimento, ele
ças, comendo um pedaço de banana. Ele obvia-
conseguiu prestar atenção ao que acontecia
mente está aproveitando a experiência de várias
dentro dele. Ele estava aprendendo que não
formas. Ele esmagou a banana com a mão, en-
há problemas em reagir honestamente a uma
fiou na boca e agora a está deixando escorrer
pelo meio dos dentes. Ele saboreia a banana.
situação.
Ele pega com a boca o último pedaço e… ploft! Algumas vezes a atenção dos adultos é
O pedaço cai no chão. Ele move a mão para tão baseada na recompensa que as crianças
agarrar o pedaço, mas a cuidadora é mais rápi- associam raiva, frustração ou sofrimento
da. “Desculpa, Brian, mas a banana agora está com atenção. Elas usam os sentimentos para
suja, não posso deixar você comer.” Os olhos manipular. É sempre melhor pedir direta-
de Brian estão bem abertos, ele abre a boca, e mente o que queremos do que usar demons-
lá vem um resmungo de lamentação. “Só tinha trações emocionais para ganhar abraços e
aquela banana”, acrescenta a cuidadora quando afetos. Por isso que a cuidadora permaneceu
Brian pede mais. Depois de jogar fora o pedaço disponível, mas deixou que Brian indicasse
de banana que caiu, a cuidadora volta a sentar- o que precisava. Ela não o agarrou de repen-
-se diante da mesa. Ela oferece a ele um bis- te, mas deixou que ele fosse até ela. Quando
coito, dizendo “Não temos mais bananas, mas ele estava pronto para ser confortado, ela es-
você pode comer um biscoito se quiser.” Brian tava lá para confortá-lo, mas isso não acon-
rejeita o biscoito. Consciente de que não terá teceu com precipitação, de modo que ele
mais a banana, Brian começa a gritar. pôde se expressar. Os seguintes exemplos
“Percebo como você está triste”, diz a representam formas menos respeitosas de
cuidadora tranquilamente, mas com genuína responder a Brian:
compaixão. “Eu queria ter mais bananas para
dar a você”, ela complementa. Os gritos de “Pare de gritar – não há motivo para ficar tão
Brian ficam estridentes, e ele começa a bater triste – você já estava quase terminando de
os pés. A cuidadora permanece em silêncio, qualquer forma.”
olhando para ele como alguém que realmente “Pobrezinho! Vem, Brian, vamos brincar com
se importa com seus sentimentos. o cachorrinho que você adora – olha, Brian, –
As outras crianças da mesa reagem de olha, como ele late – au, au!”
diferentes maneiras à cena. A cuidadora se
volta para elas e explica: “Brian perdeu sua
banana, e ele não gostou disso”. Ela se vira Princípio 6: Seja honesto em
novamente para Brian. Ele continua chorando. relação aos seus sentimentos
A cuidadora espera. Soluçando, ele desce da
Na última cena, a criança foi estimulada a e
cadeira, vai até a cuidadora e coloca a cabe-
ça no colo dela. Ela bate levemente nas cos-
reconhecer seus sentimentos. Ela estava com
tas dele, acariciando-o suavemente. Quando raiva e não foi incentivada a fingir outra coi-
ele finalmente fica mais calmo, ela diz: “Você sa. E quanto aos adultos? É normal que eles
precisa lavar suas mãos agora, Brian. Eu vou expressem sua raiva para crianças pequenas?
com você”. Deixando a mesa sob o controle Sim. Crianças precisam estar cercadas de pes-
de outro cuidador, ela levanta e vagarosamente soas de verdade, e não marionetes calorosas
caminha com Brian. Brian está lambendo os e vazias. Parte de ser uma pessoa real é ficar
restos de banana que ficaram em seus dedos. com raiva, assustado, com medo, triste e ner-
Um último lamento sai de seus lábios quando voso algumas vezes. Aqui temos uma cena
ele chega à pia. que apresenta um cuidador expressando raiva:

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O cuidado com bebês e crianças pequenas na creche 13

Uma cuidadora acaba de separar duas crian- Princípio 7: Seja o modelo do


ças que estavam disputando um brinque- comportamento que você quer
do. “Não posso deixar que você machuque
ensinar
Amber”, ela diz para Shawn, 18 meses mais
velho. Ela agarrou-o com firmeza, porém Todos os cuidadores das cenas anteriores se
gentilmente, pelo braço e, então, ele se virou portaram como um modelo de comportamen-
e cuspiu na cara dela. A expressão dela mu- to tanto para crianças quanto para adultos.
dou de tranquila para brava, e então ela pe- Você viu exemplos de cooperação, respeito,
gou no outro braço dele também. Olhando-o sentimentos honestos e comunicação. Veja só
diretamente nos olhos, ela disse com clareza, como esse princípio funciona em uma situa-
mas também com emoção: “Não gosto disso, ção mais difícil – que envolve agressão.
Shawn. Não quero que você cuspa em mim”.
Ela se levanta, dá as costas e vai embora. Shawn e Amber estão brigando por causa de
Quando está há alguns passos de distância uma boneca de pano outra vez. Um cuida-
dele, olha ligeiramente para trás, para ver dor começa a se aproximar deles. Antes que
o que ele está fazendo. Ele não se moveu. ele chegue até os dois, Shawn dá um tapa no
Então ela vai até a pia e lava o rosto. Ela fica braço de Amber, que começa a choramin-
de olho nele, para se certificar de que ele não gar. O cuidador se ajoelha diante das duas
voltou a bater em Amber. Quando ela volta crianças. O rosto dele está tranquilo; seus
da pia, está mais calma. Shawn está subin- movimentos são lentos e cuidadosos. Ele
do no escorregador, e as coisas voltaram ao alcança as crianças e toca em Shawn, roçan-
normal. do no braço dele no mesmo lugar onde ele
bateu em Amber. “Com delicadeza, Shawn,
Essa cuidadora demonstrou honestamen- com delicadeza”, disse o cuidador ao mes-
te o efeito da ação de Shawn nela. Perceba mo tempo em que tocava Amber. Shawn per-
como ela expressou seus sentimentos. Ela não maneceu em silêncio. O cuidador tocou na
fez disso um espetáculo que o incentivasse a menina novamente. “Alguém bateu em você,
fazer tudo de novo pelo próprio divertimen- não foi, Amber? E doeu!” Amber parou de
to – um problema que pode acontecer quan- chorar e ficou olhando pra ele. Os três fize-
do os adultos são muito dramáticos. Ela não ram silêncio por um momento. O cuidador
culpou, acusou, julgou ou diminuiu Shawn. espera pra ver o que acontece. Shawn agar-
Ela apenas verbalizou seus sentimentos e os rou a boneca e saiu com ela. Amber puxa a
conectou claramente à situação. Depois de boneca. O cuidador continua em silêncio até
expressar seus sentimentos, ela abandonou a que Shawn levanta a mão para bater na me-
cena. Resumindo, ela não mascarou nada e nina de novo. “Não posso deixar que você
nem discutiu. machuque Amber, ele disse, pegando a mão
do garoto no ar. Ele toca Shawn suavemente.
A expressão dos sentimentos dela parece
“Com delicadeza, com delicadeza.” Amber
ter sido o suficiente para que Shawn entendes-
de repente puxa a boneca com mais força e
se que seu comportamento estava sendo ina-
Shawn, desavisado, deixa. Erguendo a bone-
ceitável. Ela não teve de fazer nada além disso ca, triunfante, ela começa a correr pela sala.
– dessa vez, pelo menos. Se acontecer de novo, Shawn parece triste, mas fica no mesmo lu-
talvez ela tenha de fazer algo mais do que sim- gar. O cuidador se aproxima. “Ela está com
plesmente dizer a Shawn como se sente. a boneca”, ele observa. Amber vê uma bola
Compare a reação dessa cuidadora com aos seus pés, deixa a boneca, pega a bola e
as vezes em que você viu pessoas bravas com sai pela sala brincando com ela. Shawn se
crianças, mas ainda assim sorrindo e falando move rapidamente em direção à boneca e co-
numa voz melosa. Imagine a dificuldade que meça a balbuciar pra ela. A cena acaba com
uma criança tem de assimilar as duas mensa- ambas as crianças brincando contentes, e o
gens ao mesmo tempo. cuidador não é mais necessário.

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Repare como o cuidador foi um modelo imediatamente. Às vezes, facilitar um pouco


de gentileza – ele deu o exemplo do compor- ajuda a criança a resolver algum problema no
tamento que queria ensinar. Uma abordagem qual está empacada, mas a facilitação deve ser
mais comum quando um adulto surge numa o último recurso, pois a ideia é deixar a crian-
cena de disputa é tratar a criança com ainda ça livre para buscar sua própria solução.
mais agressividade do que ela está demons- Em um vídeo chamado On Their Own
trando. “Vou te mostrar o que é ser violento”, with Our Help (EDUCARING, c1987), Mag-
diz o adulto, pegando o braço da criança e da Gerber ilustra com maestria esse princípio.3
apertando. Tal abordagem dá o exemplo exato Um bebê está engatinhando embaixo da mesa
daquilo que o adulto quer evitar. e tenta se sentar. Quando percebe que não con-
O cuidador da cena da disputa entre Shawn segue, ele começa a chorar. Ele não consegue
e Amber sabia que ambas as crianças precisa- voltar à posição necessária para engatinhar e
vam da garantia de que o controle lhes seria sair de onde está, por isso fica muito assusta-
oferecido quando necessário. E é terrível tanto do. Em vez de salvá-lo (teria sido fácil apenas
para a vítima quanto para o agressor quando não erguer a mesa), Magda o guiou para que con-
há nenhum adulto por perto para impedir a ação seguisse sair dali – oferecendo a ele segurança
violenta. É preciso lidar com o agressor de ma- e o direcionando com palavras e gestos.
neira gentil e sem julgamentos. Com a vítima, é Magda está usando uma abordagem cha-
preciso lidar empaticamente, mas não compas- mada andaime. O termo foi criado por Jero-
sivamente (isto é, reconhecendo a angústia dela me Bruner e tem a ver com a teoria de Lev
sem sentir pena). Simpatia e atenção demais Vygotsky. Para atuar como um andaime, os
podem funcionar como recompensa para as ví- adultos precisam ficar constantemente de olho
timas. Desse modo elas aprendem que a vitimi- em uma criança que está numa situação na
zação é compensada pelos adultos com amor e qual existe potencial de aprendizado. O adulto
atenção. É muito triste ver que algumas crianças estrutura com sensibilidade a situação, de for-
realmente aprendem a se tornar vítimas. ma que a resolução de problemas seja apoiada
e estimulada. Algumas vezes essa abordagem
requer pouca atenção; pois em certas situa-
Princípio 8: Encare os problemas
ções a presença do adulto é todo o apoio que
como oportunidades de um bebê ou criança precisa.
aprendizado e deixe que os bebês Problemas podem ser valiosas oportuni-
e crianças os resolvam sozinhos dades de aprendizado. Outro vídeo de Gerber,
Reflita A mesma cena também ilustra este See How They Move, ilustra esse princípio. O
Você já foi ajudado princípio: deixe que as crianças, e espectador assiste, uma cena após a outra, a
na resolução de um
mesmo os bebês, lidem com seus crianças resolvendo problemas relacionados
problema de modo
frustrante? Você já próprios problemas até o ponto que à habilidade motora ampla sozinhas. Os
viu uma criança na puderem. O cuidador poderia ter se adultos ficam atrás e não interferem. O único
mesma situação? intrometido na disputa criando uma andaime oferecido é a presença adulta, o que
Como você se sentiu? é suficiente para a criança experimentar livre-
Como você acha que solução para o conflito. Contudo,
a criança se sentiu? ele não o fez. Ele deixou que as mente suas próprias formas de exploração.4
crianças tomassem sozinhas suas
decisões. (Apesar de, obviamente, ter evita- Princípio 9: Construa segurança
do que elas se machucassem mais). Crianças
ensinando confiança
muito pequenas podem resolver mais proble-
mas sozinhas do que os adultos imaginam. O Para que as crianças aprendam a confiar, elas
papel do cuidador é dar a elas tempo e liber- precisam de adultos dos quais possam depen-
dade para trabalhar em seus problemas. Isso der. Elas precisam saber que terão suas neces-
significa não responder a todas as frustrações sidades satisfeitas em um período de tempo

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O cuidado com bebês e crianças pequenas na creche 15

razoável. Se elas precisam de comida, a co- mente que a criança alcance cada etapa em um
mida deve ser oferecida no tempo certo. Se período específico, comparando o progresso
precisam de conforto, é preciso que um cui- dos filhos com aquele das crianças citadas
dador esteja ali para providenciá-lo da forma em pesquisas de desenvolvimento infantil. A
que ele funciona melhor para cada criança. Se mensagem está por todos os lugares – “Rápi-
é descanso o que a criança precisa, o cuidador do é melhor”. Os livros aconselham “Ensine
precisa estar lá para ajudar a acalmar a crian- seu bebê a ler”. Instituições de ensino prome-
ça e colocá-la em um local seguro, tranquilo e tem milagres. As crianças são terrivelmente
silencioso. Se a criança precisa se movimen- pressionadas. Quando os adultos têm uma
tar, o adulto pode ajudá-la a ficar na posição postura apressada, os bebês são colocados em
correta para isso. Quando as crianças desco- pé antes mesmo de aprenderem a sentar so-
brem que podem expressar uma necessidade zinhos, caminham por aí de mãos dadas sem
e que assim serão atendidas, elas aprendem a nem conseguirem ficar em pé por si mesmos,
confiar nos adultos que se importam com elas. são ensinados a andar de triciclo quando mal
Nesse contexto, elas aprendem que o mundo é sabem caminhar.
um local seguro para elas. Os cuidadores sentem a pressão vindo de
Os exemplos mostraram adultos confiáveis todos os lados – dos pais, às vezes mesmo dos
que satisfizeram as necessidades das crianças diretores, já que são pressionados a acelerar
e também demonstraram firmeza e apoio. Eles o desenvolvimento das crianças. Mas o de-
não enganaram as crianças. Um dos momen- senvolvimento não pode ser acelerado. Cada
tos nos quais os adultos se sentem mais ten- criança tem um tempo próprio para engati-
tados a enganar as crianças é o momento da nhar, sentar e começar a caminhar. O modo de
despedida. Quando todo mundo sabe que a os cuidadores ajudarem é estimular cada bebê
criança vai sofrer, protestar a lamentar quando a continuar fazendo seja o que esteja fazen-
o pai ou a mãe sair, alguns tendem a ludibriar do. O que conta é aprender, e não ensinar. Os
a criança para que ela não presencie a cena. aprendizados mais importantes ocorrem quan-
Contudo, é muito melhor quando o pai ou a do o bebê está pronto, e não quando os adultos
mãe sai de casa se despedindo da criança e decidem que está na hora.
expressando aceitação do direito do bebê a fi- Alguns programas prescrevem objetivos
car triste. O bebê aprende que ele pode prever para cada criança. Programas baseados na
quando os pais sairão, em vez de ficar o tempo pressa iriam prescrever objetivos baseados
todo preocupado que eles saiam enquanto ele apenas no próximo passo. Contudo, é possível
está ocupado. Ele saberá que, a não ser que o prescrever objetivos que ajudam na experiên-
pai ou a mãe se despeça, eles ainda estarão por cia da criança com o estágio pelo qual está
ali. Ele passa a depender do reconhecimento passando. Fazer alguma coisa cuidadosamente
de que os adultos ao redor dele não mentem é a melhor preparação para seguir em frente.
ou o enganam. Aprender a prever o que acon- Tome como exemplo os bebês que enga-
tecerá é uma parte importante da construção tinham. Em vez de ficar o tempo todo levan-
da confiança. Ser feliz o tempo todo não é. tando a criança e estimlando-a a caminhar, é
melhor celebrar que a criança está engatinhan-
Princípio 10: Preocupe-se com a do. A única fase da vida na qual ela estará tão
perto das coisas que estão no chão é a mesma
qualidade do desenvolvimento em
fase na qual ela estará tão curiosa sobre tudo
cada estágio que está seu alcance ou perto dela. Os cuida-
Vivemos na época da criança apressada (um dores podem oferecer experiências e oportu-
termo cunhado por David Elkind em seu livro nidades para que a criança desenvolva não só
de mesmo título). A pressão começa no nas- o seu modo de engatinhar como também sua
cimento, pois muitos pais esperam ansiosa- curiosidade.

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16 Gonzalez-Mena & Eyer

Se você quer combater a abordagem ba- frequentemente em conexão com os cuidados


seada na pressão, é necessário vender aos pais de bebês e crianças é currículo. O termo sig-
a ideia de que melhorar as habilidades é me- nifica literalmente “curso” – como um curso
lhor do que desenvolver novas. As novas virão estudantil. J. Ronald Lally usa a ideia de cur-
quando as crianças já tiverem praticado bas- sos estudantis para definir o currículo de be-
tante as antigas. A idade com a qual a crian- bês e crianças dando nome às categorias pelas
ça começa a caminhar não tem a ver com ela quais passam—por exemplo, Desenvolvimen-
depois se tornar ou não um corredor olímpico. to Físico 101, Relações Sociais 101, Desen-
Os dez princípios para as interações res- volvimento Intelectual 101 (Lally, 2001).
peitosas entre adultos e crianças enfatizam a Essa é uma das formas de ajudar aque-
consideração pelo indivíduo. Isso significa que les que não estão familiarizados com bebês
as diferenças são honradas. As crianças não e crianças a entender e enxergar a legitimi-
são todas iguais, e nem queremos enfatizar dade do currículo delas. Outra forma é pen-
isso. Certamente as pesquisas feitas segundo sar em como o currículo de um bebê ou uma
idades e estágios, resultando em gráficos de criança, assim como curso, aplica-se a um
etapas, podem nos levar a crer que o objetivo rio. Como um curso estudantil, existe um
de qualquer criança é ser “normal”. Contudo, padrão de movimento de uma ponta a outra.
neste livro ansiamos por nos vermos livres Usar os princípios nos quais este livro se
dessas ideias e considerar cada criança como baseia significa não só que a criança parti-
portadora de padrões únicos de desenvolvi- cipa, mas também que ela está no comando
mento. Todas as crianças têm capacidades e do próprio currículo – em parceria com os
enfrentam desafios; queremos focar mais nas cuidadores (que são parceiros das famílias).
capacidades do que nas fraquezas e apoiar a Logo, ir de A a B não é algo que os adultos
criança na superação dos desafios. Também possam controlar, a não ser configurando
queremos ressaltar que crianças pequenas es- e adaptando o ambiente de acordo com os
tão sempre envolvidas em um contexto fami- interesses e as necessidades das crianças.
liar e cultural. Quando observamos a prática Além disso, ao planejar o ambiente, os cui-
(que é o assunto deste livro), não dadores atuam como designers de currículo
Padrão do programa podemos ignorar que existem di- e também assumem papéis de facilitadores
NAEYC 2 ferentes ideias sobre o que as do aprendizado, auxiliares do desenvolvi-
Currículo crianças precisam e como elas mento e avaliadores de ambos.
crescem. Se uma prática específi- As práticas apropriadas ao desenvolvi-
ca aconselhada neste livro não se encaixar com mento se dão a partir de três bases de conhe-
o que a família acredita que é bom para os fi- cimentos. As diretrizes para tomar decisões so-
lhos, com o seu sistema de valores ou com bre as práticas apropriadas ao desenvolvimento
seus objetivos, essa diferença de valores não aconselham que os profissionais que trabalham
pode ser ignorada. Você e a família precisam com crianças considerem o seguinte:
conversar. Um dos nossos objetivos como cui- 1. Práticas baseadas em pesquisas e princí-
dadores é honrar a diversidade mesmo quando pios de desenvolvimento infantil que têm
ela não combina com o que o cuidador acredi- ligação com o desenvolvimento comum.
ta ou está em conflito com as políticas do pro- As práticas apropriadas ao desenvolvi-
grama. Outro dos nossos objetivos é ajudar mento (Developmentally Appropriate
aqueles que trabalham com bebês e crianças a Practice ou DAP) é tanto um termo geral
enxergar a importância de estabelecer parce- quanto específico dessa base de conheci-
rias com os pais. mentos em particular.
Padrão do programa Currículo e prática apropriada 2. Práticas que se adaptem às diferenças
NAEYC 4 de desenvolvimento Uma pa- individuais. Chamamos essa base de co-
Avaliação lavra que tem sido usada mais nhecimentos de prática individualmente

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O cuidado com bebês e crianças pequenas na creche 17

apropriada – Individually Appropriate vimento infantil. Uma prática não pode ser
Practice (IAP) – e isso diz respeito a to- considerada apropriada se for culturalmente
dos os tipos de diferenças, incluindo as inapropriada. Estabelecer conexões entre as
variações das normas que guiam o DAP culturas é algo defendido neste livro, e os
e as diferenças que podem ou não estar cuidadores são constantemente desafiados
especificamente relacionadas a deficiên- a procurar formas de criar ambientes cultu-
cias ou a outros tipos de desafios mentais, ralmente consistentes para bebês, crianças e
físicos ou emocionais. suas famílias sem desistir do que acreditam
serem as melhores práticas. Em vez de edu-
3. Práticas culturalmente apropriadas. car os pais que estão longe de sua cultura de
Práticas culturalmente apropriadas – origem, o objetivo é criar pontes entre as di-
Culturally Appropriate Practice (CAP) – versas famílias culturalmente diferentes e a
incluem práticas advindas das variações cultura do programa ou da primeira infância
de percepções, valores, crenças, priori- em geral.
dades e tradições para além da cultura
dominante.
Práticas apropriadas ao
É importante perceber que a prática pode desenvolvimento e currículo
se adaptar às pesquisas e aos princípios do
desenvolvimento infantil, mas pode não se Os 10 princípios do cuidado respeitoso corres-
adaptar a algumas crianças e suas famílias. pondem a um documento chamado Develop-
Nesse caso, não podemos dizer que tal prá- mentally Appropriate Practice. Em cada um
tica é apropriada em sentido amplo. É por dos parágrafos mostraremos como dois con-
isso que não devemos nos guiar unicamen- juntos de ideias se relacionam. Também apre-
te por pesquisas e princípios de desenvol- sentaremos alguns dilemas como o que segue.

Os princípios em ação
Princípio 5 Respeite bebês e crianças como todo. Ela diz que isso os faz se sentirem seguros.
pessoas de valor. Não os trate como objetos ou Na cultura dela, adultos não falam com crianças.
como pequenas pessoas fofas sem cérebro e ma- Por que falariam? Com tanta linguagem corporal,
nipuláveis. a comunicação está acontecendo o tempo todo.
O mais importante é se comunicar sem usar pa-
A cuidadora entende o quanto é importante res-
lavras. Quando você consegue fazer isso, signi-
peitar mesmo a criança. Ela sempre conversa
fica que está muito próximo de alguém. Ela diz
com os bebês para prepará-los para o que vai
que a cuidadora tem uma ideia diferente sobre
acontecer; na verdade, ela nunca faz nada com
as necessidades do bebê. A cuidadora deseja dar
eles sem avisá-los antes. Ela sempre pensa ne-
atenção ao fator cultural, mas acha que, antes,
les como pessoas. É por isso que ela conversa
precisa entender mais sobre o que o termo res-
com eles o tempo todo. Na cultura dela, as pala-
peito significa para essa mãe.
vras são consideradas a forma de comunicação
principal. Uma mãe de uma cultura diferente, na 1. A cuidadora deveria educar a mãe de acor-
classe da cuidadora, nunca conta ao bebê o que do com esse princípio do desenvolvimento
está fazendo nem os motivos disso. Além disso, infantil? Por quê?
ela adapta seu bebê de acordo com as normas 2. Uma perspectiva faz mais sentido para
de sua cultura e nunca coloca a criança no chão, você do que outra? Se sim, qual e por quê?
a não ser quando tem de trocar fraldas ou sair de 3. Você se vê tomando partido nessa situação?
casa sem o bebê. A cuidadora explicou o princí- 4. Quais você diria que são as questões-cha-
pio 5 a essa mãe. A mãe explicou à cuidadora ve nessa situação?
que, na cultura dela, eles acham que os bebês 5. O que a ideia de respeitar bebês significa
devem ficar em contato muito próximo o tempo para você?

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18 Gonzalez-Mena & Eyer

Prática apropriada

Visão
Vi ã gerall do
d desenvolvimento
d l i cendo que crianças pequenas contam com
Cuidado de qualidade tem a ver com relações. uma linguagem limitada para comunicar
Relações são parte de todos os aspectos do de- suas necessidades.
senvolvimento primário. Bebês aprendem a con- • Adultos reconhecem que tarefas de rotina,
fiar por meio de interações diárias com adultos como comer, ir ao banheiro e se vestir, são
confiáveis. Eles desenvolvem um senso de segu- importantes oportunidades para ajudar as
rança quando descobrem que podem comunicar crianças a aprenderem sobre seu próprio
suas necessidades e que assim serão recom- mundo, a adquirirem habilidades e a regu-
pensados com respostas sensíveis. Eles ficam larem o próprio comportamento. Refeições e
confiantes quando descobrem como lidar com lanches incluem usar os dedos ou utensílios
os desafios que aparecem. Tudo isso depende que facilitem a manipulação da comida para
de relações que se desenvolvem continuamente o bebê, como tigelas, colheres e diferentes
por meio do cuidado apropriado em termos de gradações de copos e garrafas. Os adultos
desenvolvimento, de individualidade e de cultura. apoiam e estimulam as tentativas dos filhos
de se vestirem e colocarem os sapatos so-
zinhos.
Práticas apropriadas ao
desenvolvimento Fonte: Copple e Bredekamp (2009)
A seguir, veremos algumas amostras de práticas
de desenvolvimento apropriadas: Prática individual apropriada
• Adultos são especialmente atenciosos às
Aqueles da área dos cuidados com bebês e
crianças durante as rotinas de cuidados,
crianças estão cada vez mais se voltando a
como trocar fraldas, alimentar e trocar a rou-
incluir crianças com habilidades e desafios
pa. O cuidador explica o que vai acontecer, o
diferentes nos programas de assistência a
que está acontecendo e qual será o próximo
crianças, que em geral atendem apenas crian-
passo, pedindo e esperando pela coopera-
ças que se desenvolvem do modo tradicional.
ção e participação da criança.
É necessário, então, que os cuidadores criem
• Adultos garantem que cada criança receba
ambientes inclusivos, certificando-se de que a
alimentação, educação e cuidados adequa-
organização espacial, os materiais e as ativi-
dos.
dades permitem que todas as crianças tenham
• Trocar as fraldas, alimentar e outras tare- uma participação ativa. Se cada criança deve
fas de rotina são vistas como experiências receber um cuidado responsável e estimulante,
de aprendizado vitais tanto para os bebês então esse cuidado deve ser individualizado. A
quanto para os cuidadores. quantidade de intervenção necessária por par-
• Adultos expressam atitudes saudáveis e de- te do adulto varia de acordo com cada criança.
monstram aceitação pelo corpo da criança e Algumas precisam de mais e outras de menos.
suas respectivas funções. Para muitas crianças é suficiente apenas criar
• Cuidadores perguntam aos pais sobre os um ambiente estimulante e deixá-las experi-
sons e as palavras que a criança pequena mentá-lo de maneira livre. Os adultos podem
usa, a fim de entender o que a criança está passar mais tempo respondendo às iniciativas
dizendo, quando ela está aprendendo a falar das crianças do que o inverso. Outras crianças
ou usa uma linguagem que o cuidador não são beneficiadas por intervenções sensíveis e
entende. seletivas. Ao longo do livro você verá exemplos
• Adultos respondem com rapidez ao choro de diversos padrões de desenvolvimento e de
ou aos sinais de angústia do bebê, reconhe- reações dos adultos a isso.

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O cuidado com bebês e crianças pequenas na creche 19

Práticas culturalmente apropriadas qu muda é a visão do que uma criança mais


que
Os cuidadores respeitam as diferenças cul- pre
precisa para ter um bom aprendizado. Não po-
turais e familiares ao escutar o que os pais demos ignorar essa diferença porque a dimen-
querem para seus filhos e ao responder a isso são independência/interdependência influencia
de modo culturalmente sensível. Usando uma os resultados. Não podemos admitir práticas
abordagem baseada na parceria, os cuidado- que estejam em desacordo com o que as famí-
res conversam sobre todas as decisões a res- lias querem para suas crianças. Pode parecer
peito de como apoiar melhor o desenvolvimen- um dilema difícil, mas por meio da construção
to das crianças. de relações de confiança e compreensão cui-
Os princípios explicitados neste capítulo dadores e pais podem descobrir juntos o que é
podem não se encaixar para todo mundo. Algu- melhor para essa criança, que faz parte de uma
mas famílias podem achar as práticas de cuida- família e sociedade determinadas.
do demonstradas neste capítulo e em outros um
tanto distantes delas. Elas podem soar descon- Prática apropriada em ação
fortáveis para famílias nas quais o foco é ensi- Pense sobre o que você acabou de ler aqui e
nar à criança que ela é mais membro de um gru- depois volte aos Princípios em Ação, na pági-
po do que um indivíduo. As práticas de criação na 17. Você encontrará dilemas como esses ao
de filhos refletem esse foco, e alguns adultos longo do livro e será continuamente requisitado
podem menosprezar a individualidade. Em vez a honrar as diferenças. É preciso ter uma cabe-
de estimular a independência, algumas famílias ça aberta para isso. Você está disposto a tentar
podem focar na interdependência. As duas não entender como exatamente honrar as práticas
são mutuamente excludentes. Na verdade, to- desses pais? Tal resposta você não encontrará
das as famílias querem que suas crianças se neste livro. Cada caso é um caso; a resolução do
relacionem e cresçam, a fim de se tornarem in- dilema será fruto da interação e da comunicação
divíduos que caminham com os próprios pés. O entre as pessoas envolvidas.

RESUMO
Este capítulo é sobre princípios, práticas e monstrado no primeiro exemplo, da troca
currículo e é baseado em 10 princípios rela- de fraldas.
cionados à filosofia do respeito, advinda da Recursos
teoria de Magda Gerber e ligada à abordagem Dez princípios baseados na on-line
do Dr. Emmi Pikler. Uma explicação sobre filosofia do respeito Acesse o On-line
cada um dos 10 princípios ocupa a maior parte • Expressões-chave para os Learning Center
do capítulo. princípios são: (1) envolvi- (Centro de
Aprendizado On-line)
mento, (2) tempo de quali- em www.mhhe.
Relações, interações e os três Rs
dade, (3) comunicação, (4) com/itc9e, clique
• As relações são o pilar dos cuidados e pessoa completa, (5) respei- em Student Edition e
escolha o Chapter 1
da educação de bebês e crianças. Elas se to, (6) sentimentos honestos, para acessar o guia
desenvolvem a partir das interações, espe- (7) comportamento-modelo, do estudante, que
cialmente das interações três-Rs – isto é, (8) problemas como opor- inclui uma resenha do
respeitosas, positivamente reativas e recí- capítulo, links relacio-
tunidades, (9) segurança e nados, testes práticos,
procas. confiança e (10) qualidade de exercícios interativos
• As rotinas de cuidado são oportunidades desenvolvimento. e referências do
para interações de três Rs, como foi de- capítulo.

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20 Gonzalez-Mena & Eyer

Currículo e práticas apropriadas ao to da NAEYC, que estão ancoradas em


desenvolvimento três bases de conhecimento: princípios
• A palavra currículo, no que se aplica a de desenvolvimento infantil, diferenças
bebês e crianças, pode ser definida como individuais e diferenças culturais.
um curso estudantil, uma estrutura para a • Os dez príncipios do cuidado respeitoso
prática ou um plano para o aprendizado estão de acordo com a prática apropriada
totalmente inclusivo e centrado em cone- ao desenvolvimento e também podem ser
xões e relações. considerados sob a ática das diferenças
• Currículo, neste livro, está relacionado às culturais.
práticas apropriadas ao desenvolvimen-

EXPRESSÕES-CHAVE
andaime 14 habilidade motora interação 4 tempo de qualidade não
currículo 16 ampla 14 interações de três Rs 4 querer-nada 7
floor time 7 input sensorial 11 relacionamento 4 tempo de qualidade
querer-algo 7

QUESTÕES PARA REFLEXÃO/ATIVIDADES


1. Explique dois dos princípios deste capítulo. 4. Visite um desses programas e peça para ver
qualquer um dos materiais escritos que eles
2. Quais são alguns temas comuns que parecem
tiverem, como folhetos, anotações sobre os
passar por todos os princípios?
pais, materiais de registro. Compare e con-
3. Observe um programa destinado a cuidar de traste o que você leu sobre o programa com as
bebês e crianças e veja se você consegue achar informações deste capítulo.
evidências de que algum desses 10 princípios
está sendo colocado em prática.

REFERÊNCIAS
ACREDOLO, L.; GOODWYN, S. How to GONZALEZ-MENA, J. Diversity in early care
talk with your babies before they can talk. and education: honoring differences. New York:
Lincolnwood: Contemporary Books, 1996. McGraw-Hill, 2008.
COPLE, C.; BREDEKAMP, S. (Ed.). LALLY, R. (Ed.). PROGRAM FOR INFANT
Developmentally appropriate practice in early TODDLER CAREGIVERS. The next step:
childhood programs. 3. ed. Washington, DC: including the infant in the curriculum. United
National Association for the Education of States: Center for Child and Family Studies
Young Children, 2009. WestEd, 2001. 1 DVD. Duração: 22 minutos.
EDUCARING. On their own with our help. [Palo
Alto]: Educaring, c1987. 1 DVD. Duração: 13h
40 min.

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O cuidado com bebês e crianças pequenas na creche 21

LEITURAS COMPLEMENTARES
DAVID, M.; APPELL, G. Lóczy: an unusual ap- into practice. London; Philadelphia: Jessica
proach to mothering. Budapest: Association Kingsley, 2005. p. 35-49.
Pikler-Lóczy for Young Children, 2001. HAMMOND, R. A. Respecting babies: a
ELAM, P. Creating quality infant group care new look at Magda Gerber’s RIE approach.
programs. In: PETRIE, S.; OWEN, S. (Ed.). Washington, DC: Zero to Three, 2009.
Authentic relationships in group care for in- IM, J.; PARLAKIAN, R.; SANCHEZ, S.
fants and toddlers: resources for infant educar- Understanding the influence of culture on care-
ers (RIE): principles into practice. London; giving practices: from the inside out. Young
Philadelphia: Jessica Kingsley, 2005. p. 83-92. Children, v. 62, n. 5, p. 65-66, sep. 2007.
FALK, J. The importance of person-oriented KOVACH, B.; DA ROS-VOSELES, D. Being with
adult-child relationships and its basic condi- babies: understanding and responding to the
tions. In: Bringing up and providing care for infants in Your Care. Beltsville: MD, 2008.
infants and toddlers in an institution. TARDPS, MONEY, R. The RIE early years currículo. In:
A. (Ed.). Budapest: Association Pikler-Loczy PETRIE, S.; OWEN, S. (Ed.). Authentic rela-
for Young Children, 2007. p. 23-37. tionships in group care for infants and toddlers:
GERBER, M. RIE principles and practices. In: resources for infant educarers (RIE): principles
PETRIE, S.; OWEN, S. (Ed.). Authentic rela- into practice. London; Philadelphia: Jessica
tionships in group care for infants and toddlers: Kingsley, 2005. p. 51-68.
resources for infant educarers (RIE): principles

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