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UNIVERSIDADE DE BELAS

FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE DIREITO

O DIREITO À VIDA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL


SEGUNDO O ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO

TRABALHO DO FIM DE CURSO

FREDERICO LUCAS FELIZARDO

LUANDA, 2023
UNIVERSIDADE DE BELAS
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE DIREITO

O DIREITO À VIDA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL


SEGUNDO O ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO

TRABALHO DO FIM DE CURSO

Elaborado por: Frederico Lucas Felizardo

Orientado por: José Escoval

Trabalho de Fim de Curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade de
Belas como requisito para a obtenção do
Grau de Licenciado em Direito

LUANDA, 2023

i
FICHA CATALOGRÁFICA

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou electrónico para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte.

Frederico Lucas Felizardo

Data______/_____/______

FELIZARDO, Frederico Lucas

O DIREITO À VIDA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL SEGUNDO O


ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO

Trabalho do Fim de Curso apresentando à Faculdade de Direito da Universidade de Belas como


requisito para a obtenção do Grau de Licenciado em Direito.

Orientador: MsC. José Escoval

Nº de Páginas: 53

Tipo de letra: Times New Roman

Palavras-chaves: Direito. Direito à vida. Personalidade. Violação à vida. Morte

ii
FREDERICO LUCAS FELIZARDO

O DIREITO À VIDA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL


SEGUNDO O ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO

Trabalho de Fim de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de Belas como


requisito para obtenção do Grau de Licenciado em Direito.

Aprovado, __________/________/___________

BANCA EXAMINADORA

Presidente de Júri

1º Vogal

2º Vogal

Secretário

iii
iv
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha família.

v
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar Deus pela força, coragem e ânimo que tem dado para que esse
trabalho fosse concluído, mesmo passando por lutas e dificuldades. Agradeço igualmente aos
meus pais e a família em geral pela força. Aos meus professores e colegas que de forma
directa ou indirecta contribuíram para a minha formação.

vi
RESUMO

O presente estudo tem como tema o direito à vida como um direito fundamental segundo o
ordenamento jurídico angolano cujo objectivo geral consiste em caracterizar o direito à vida
como um direito fundamental segundo o ordenamento jurídico angolano. Com efeito fez-se
uma pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa, utilizando o método histórico-lógico.
Resultou do presente estudo e fruto de uma árdua investigação na realidade angolana,
portuguesa e brasileira. O direito à vida constitui a base fundante de outros direitos
igualmente assegurados. É, assim, direito pressuposto, lógica e ontologicamente antecedente a
todos os demais direitos fundamentais constantes da Constituição. Bem assim que cabe ao
Estado o dever primordial de garanti-lo de modo eficaz e amplamente. Além disso, é bem
jurídico igualmente valioso para todos os seres humanos, cuja titularidade lhes pertence
independentemente de cor, crença religiosa, convicção política, nacionalidade. Mas não é fácil
mais salvaguardar este direito, do ponto de vista privado, pelo facto do próprio detentor passar
por muitas dificuldades tanto econômicos, sociais que deveriam ser providos pelo próprio
Estado mas que no fundo passa colocar este direito fundamental em risco. De forma
conclusiva, se percebe que a vida tem uma origem bíblica que descreve como um dom de
Deus, e depois disso o homem apresenta uma descrição diferente da primeira, mas nota-se que
no decorrer do tempo esse direito passa a ser mais importante de qualquer outro direito, sendo
previsto pelos diversos ordenamentos jurídicos, conduto este países acabaram por abolir a
pena de morte que era de costume e praticado no passado, a vida humana é o bem supremo e
não lhe pode ser reconhecido um maior ou menor valor económico consoante os anos já
vívidos. Recomenda-se que a casa das leis possa criar novos instrumentos legislativos para
efectivação e proteção do direito primário (vida), e os outros internenientes como igrejas,
sociedade civil, organizações não governamentais devem fazer um trabalho árduo para maior
divulgação e conscientização do povo.

Palavras-chaves: Direito. Direito à vida. Personalidade. Violação à vida. Morte

vii
ABSTRACT

The theme studied is about the right to life as a fundamental right, being primary (primary
benefit), which is inscribed in the category of rights inherent to the human person, and has the
nature of physical support, of conditio sine qua non, of all others. legal assets. So, the right to
life constitutes the founding basis of other equally guaranteed rights. It is, therefore, a
presupposed right, logically and ontologically antecedent to all other fundamental rights
contained in the Constitution. This is exactly how the State has the primary duty to guarantee
it in an effective and comprehensive way. Furthermore, it is an equally valuable legal asset for
all human beings, whose ownership belongs to them regardless of color, religious belief,
political conviction, nationality. Since from the legislative point of view in some legal
systems this right is foreseen as the main pillar, but from the effective point of view there
have been several violations of this right that come from the State due to the fact of doing or
not doing a certain act that protects this right and making it practical, but individuals can also
create these difficulties. But it is no longer easy to safeguard this right, from a private point of
view, due to the fact that the holder himself goes through many economic and social
difficulties that should be provided by the State itself, but which ultimately puts this
fundamental right at risk.

Keywords: Fundamental right. Right to life. Human person. State.

viii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art- artigo

Al - alínea

C.C - Código civil

CRA- Constituição da República de Angola

CRP-Constituição da República Portuguesa

CPP- Código Penal Português

DUDH - Declaração Universal dos Direitos do Homem

Nº - Número

Nºs - Números

Segs. - Seguintes

ix
INDICE
Folha de rosto…………………………………………………………………………………..i

Ficha catalográfica………………………..……………………………………………………ii

Folha de aprovação……………………………………………………………………………iii

Dedicatória…………………………...………………………………………………………..iv

Epígrafe….…………………………...………………………………………………………...v

Agradecimento……………………………………………………………………………..….vi

Resumo……………………………….………………………………………………………vii

Abstract…………………………………………………………………………….………..viii

Lista de abreviaturas e siglas………………………………...………………………………..ix

I. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1

1.1. Introdução do tema .............................................................................................................. 1

1.1.1. Delimitação do tema ......................................................................................................... 2

1.1.2. Justificação do tema.......................................................................................................... 2

1.2. Formulação do problema ..................................................................................................... 3

1.3. Formulação de hipóteses ..................................................................................................... 3

1.4. Objectivos ............................................................................................................................ 3

1.4.1. Objectivo geral ................................................................................................................. 3

1.4.2. Objectivos específicos ...................................................................................................... 3

II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................................................... 4

2.1. História do direito à vida ..................................................................................................... 4

2.1.1. A antiguidade greco-romana ............................................................................................ 4

2.1.2. O Cristianismo e a Idade Média ....................................................................................... 5

2.1.3. Os primórdios da Idade Moderna ..................................................................................... 7

2.1.4. A Reforma ........................................................................................................................ 9

2.2. Conceito de vida ................................................................................................................ 10


x
2.3. O direito à vida como um direito fundamental segundo o ordenamento jurídico brasileiro
.................................................................................................................................................. 11

2.3.1. Direito humano à vida .................................................................................................... 11

2.3.2. Princípios e garantias fundamentais ............................................................................... 13

2.3.3. Dignidade da pessoa humana ......................................................................................... 13

2.3.4. Direito à vida .................................................................................................................. 15

2.3.5. Direito à morte digna ...................................................................................................... 17

2.3.6. Direito a liberdade e a autonomia privada ...................................................................... 19

2.4. O direito à vida como um direito fundamental segundo o ordenamento jurídico português
.................................................................................................................................................. 19

2.4.1. Atualidade do direito à vida no contexto Europeu ......................................................... 24

2.5. O direito à vida como um direito fundamental segundo o ordenamento jurídico angolano
.................................................................................................................................................. 27

2.5.1. Contexto político angolano ............................................................................................. 27

2.5.2. O período da paz fingida em Angola .............................................................................. 28

2.5.3. História constitucional .................................................................................................... 28

2.5.4. Lei fundamental de 1975 Governo de transição para a independência .......................... 30

2.5.5. Primeira lei constitucional de 1975, Pós-independência: soberania unipartidária ......... 31

2.5.6. Órgãos de soberania e separação de poderes no regime socialista ................................. 32

2.5.7. Separação de poderes ..................................................................................................... 32

2.5.8. Concentração de poderes e democracia monopartidária ou formal ................................ 33

2.5.9. Relações de poderes, Presidente da República e Governo Primeiro-ministro ............... 34

2.5.10. Poder judiciário ............................................................................................................ 34

2.5.11. Revisão da Lei Constitucional em 1980, os avanços e recuos nos poderes do Estado 35

2.5.12. As reformas políticas e identidade do modelo democrático comparado ...................... 35

2.5.13. Sistemas políticos ou de governos e reforma constitucional ........................................ 37

2.5.14. Anteprojeto de constituição da primeira legislatura, 1992/2008 .................................. 38

xi
2.5.15. Reforma constitucional e clarificação do sistema político e direitos fundamentais ..... 39

2.5.16. Constituição de 2010 e a nova ordem política .............................................................. 39

2.5.17. Conceito do direito à vida ............................................................................................. 40

2.5.18. A pessoa singular .......................................................................................................... 41

2.5.19. Direito de personalidade ............................................................................................... 42

2.5.20. Violação do Direito à vida ............................................................................................ 43

2.6. Quadro legal ...................................................................................................................... 43

III. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO .......................................................... 44

IV. METODOLOGIA ............................................................................................................ 47

4.1. Tipo de estudo ................................................................................................................... 47

4.2. População e amostra .......................................................................................................... 47

4.2.1. Critério de inclusão......................................................................................................... 47

4.2.2. Critério de exclusão ........................................................................................................ 47

4.3. Métodos utilizados............................................................................................................. 47

4.4. Procedimentos e instrumentos ou técnicas para a colecta de dados .................................. 48

4.5. Processamento de dados .................................................................................................... 48

V. RESULTADO E DISCUSSÃO ......................................................................................... 49

VI. CONCLUSÕES ................................................................................................................ 51

VII. RECOMENDAÇÕES..................................................................................................... 52

VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 53

xii
I. INTRODUÇÃO
1.1. Introdução do tema
Durante vários anos, a questão das raízes e das origens dos direitos fundamentais foi
considerada esclarecida, apesar de alguns debates controversos sobre aspectos específicos. No
entanto, o conhecimento de que a análise dos princípios históricos, políticos e filosóficos dos
direitos fundamentais também é de incalculável valor na práxis da nossa realidade atual
desponta nitidamente aos nossos olhos. Assim, não é de se admirar que esses princípios
estejam no foco de diversas disciplinas científicas e que exista um dilúvio de ensaios sobre a
temática.

Uma explicação para a importância essencial dos princípios dos direitos fundamentais pode
ser constatada a partir do status exponencial que estes recebem dentro dos Estados de direito
modernos. Assim, os constitutivos para um Estado constitucional democrático1 e representam
o verdadeiro núcleo de uma ordem liberal-democrática.

O trabalho está estruturado e dividido em secções:

Sendo que a primeira secção comporta a introdução onde encontramos a delimitação do tema,
a justificação do tema, a formulação do problema, a formulação de hipóteses, os objectivos
gerais e específicos. Na segunda secção comporta a fundamentação teórica sendo descrito os
aspectos ligado ao tema, como a origem, abordagem histórica, olhando também pelos
conceitos sobre o direito à vida e a comparação deste nos diversos ordenamentos jurídicos. Na
terceira secção contém a caracterização da área de estudo. Na quarta secção compreende a
metodologia que abarca o tipo de estudo, a população e amostra incluindo o critério de
inclusão e exclusão, depois vem os métodos a utilizar, com os procedimentos e instrumentos
ou técnicas para a colecta de dados, e o procedimento de dados. Na quinta secção contém s
resultados e discussão. Na sexta secção abarca as conclusões que se chegaram referentes ao
tema. Na sétima secção encontramos a recomendações. Na última secção comporta a
bibliografia sendo destacado todas referências bibliográficas nacionais e internacionais,

Os direitos fundamentais delimitam as áreas nas quais o poder estatal não deve intervir e
representam, ao mesmo tempo, os fundamentos da comunidade. Eles são a expressão e a
garantia tanto da liberdade política quanto da liberdade pessoal. Os direitos fundamentais
munem o indivíduo da garantia de organização e gerência de sua própria vida, abrindo-lhe a
possibilidade de participar da vida política da comunidade. Assim, entre os direitos
1
fundamentais e a ideia de liberdade democrática desenvolveu- se uma relação simbiótica, da
qual o rompimento conduziria ao abandono do Estado constitucional democrático.

A vida humana assume uma posição inigualável na Ordem Jurídica Angolana. É inegável que
todas as pessoas humanas merecem ser tratadas com igualdade perante o direito. O Princípio
da igualdade dispõe que situações iguais devem ser alvo de tratamento igual e situações
distintas devem ser tratadas de forma distinta.

1.1.1. Delimitação do tema


O presente estudo é analisado no âmbito do Direito Constitucional, um dos ramos do direito
público, é neste contexto que se enquadra a temática abordada.

1.1.2. Justificação do tema


Justifica-se a escolha dessa temática pelo facto, do direito à vida ser um direito fundamental
que está previsto em todas legislações à nível mundial. O direito à vida, primeiro direito
fundamental, é objeto de proteção constitucional expressa em data um tanto recente, haja vista
os acontecimentos relativos às duas Conflagrações Mundiais.

Direito à vida significa também o direito ao existir como indivíduo, como pessoa. Isso quer
dizer o direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer
vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e
inevitável. Existir é o movimento contrário ao estado de morte.

Nesse âmbito, assevera-se, com propriedade, que todo ser dotado de vida é um indivíduo, o
que não pode ser dividido. O homem é um indivíduo, mas é algo mais que isso, é uma pessoa.
Além dos caracteres biológicos, tem unidade, identidade e continuidade substanciais. Ser
pessoa é assumir a suprema manifestação do real.

O termo indivíduo compreende duas acepções: uma, com significado de atributo da


indivisibilidade, e outra, como realidade individual, diferente de qualquer outra. Ao se referir
à pessoa humana, emprega-se a palavra indivíduo não só no primeiro sentido, mas sobretudo
no segundo, vale dizer, como significado de algo singular, peculiar, único e exclusivo.

De consequência, convém, em princípio, refutar toda e qualquer consideração ética de ordem


relativista ou subjetivista, e as suas correntes (neoutilitarista, neocontratualista), que têm em
comum a exclusão de toda tentativa de transcender a materialidade contingente do real; e se
acolhe uma direção personalista, de cunho objetivo, em que o bem não resulta da opção

2
arbitrária do homem, não é construído, mas sim reconhecido. A razão humana é capaz de
discernir entre o que contribui para o bem da pessoa e o que pode prejudicá-la. Desta forma,
há ações intrinsecamente negativas, malignas ou nocivas, especialmente aquelas que atentam
contra os valores essenciais da pessoa.

Não é fácil mais salvaguardar este direito, do ponto de vista privado, pelo facto do próprio
detentor passar por muitas dificuldades tanto econômicos, sociais que deveriam ser providos
pelo próprio Estado mas que no fundo passa colocar este direito fundamental em risco, e
entendemos que se o Estado não criar as condições para que o cidadão consiga crescer e
desenvolver, estaria a colocar em risco os direitos fundamentais previstos nas legislações.

1.2. Formulação do problema


Qual é a relevância do direito à vida como um direito fundamental segundo o ordenamento
jurídico angolano?

1.3. Formulação de hipóteses


Se fosse criado outras disposições legais que ajudassem a sua efectivação, então não haveria
muitos atropelos neste direito fundamental; uma das soluções seria alteração do actual código
civil, e outras legislações;

Se fosse mais divulgado este direito por meio debates, palestras, simpósios, então não haveria
o desconhecimento parcial desta temática. A divulgação consiste na interação destes entes
para maior interação com a população.

1.4. Objectivos

1.4.1. Objectivo geral


Caracterizar o direito à vida como um direito fundamental segundo o ordenamento jurídico
angolano

1.4.2. Objectivos específicos


 Abordagem histórica do direito à vida;
 As primeiras legislações que preveem o direito à vida como um direito fundamental;
 Conceituar o direito à vida;
 Comparar a realidade do direito à vida como um direito fundamental segundo outros
ordenamentos jurídicos.

3
II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. História do direito à vida

2.1.1. A antiguidade greco-romana


Na Antiguidade greco-romana, inexistiam até aonde as fontes históricas permitem tal
conclusão dos direitos fundamentais válidos para todas as pessoas. Assim, a ordem social e
econômica daquela época estava apoiada amplamente no aceito e conhecido instituto da
escravidão e dependia, de maneira geral, da divisão em diversas camadas sociais (por
exemplo: sábios, guerreiros, artesãos, agricultores e escravos). Consequentemente, na
Antiguidade greco-romana, somente os cidadãos da Pólis ou, respectivamente, os cidadãos de
Roma possuíam direitos. Um exemplo de excelente feição plástica é a concessão de direitos
dentro da Pólis. Somente os cidadãos da Pólis podiam usufruir da igualdade perante o direito
(Isonomia), da mesma liberdade da palavra (Isogoria) e do mesmo respeito (Isotimia).
“Visões que almejassem a validade do mesmo direito para todas as pessoas proporcionariam,
por conseguinte, enormes repercussões nos fundamentos da ordem estatal. Contudo, mesmo
no pensamento antigo, é possível encontrar considerações que foram importantes para o
desenvolvimento da ideia dos direitos fundamentais” (VERDROSS, 1948, p.118; SCHMALE,
1997, p. 49).

Já no século V a.C., os sofistas defendiam o entendimento de que o direito natural deveria ser
classificado como superior ao direito positivo. “A esta época pertence o enunciado de direito
natural de um sofista chamado Alkidamas, o qual afirmava que Deus criou todos os homens
livres e não fez nenhum deles como escravo” (OESTREICH,1966, p. 11). Além disso, Platão
e seu mestre Sócrates seguiam o entendimento de que somente uma ordem política obrigada
aos parâmetros éticos seria aceitável. Por isso, Platão considerava como obrigatórias somente
aquelas leis as quais eram fruto da razão (VERDROSS, 1948, p. 235). “Aristóteles, o qual
notoriamente ainda justificava a escravidão por meio das diferenças naturais entre as pessoas,
acreditava, no entanto, que tanto a proteção da vida e da propriedade dos seus cidadãos quanto
o fomento de suas capacidades naturais eram deveres do Estado” (MÜHLEISEN, 1993, p. 6).

Entretanto Aristóteles já julgava a justiça como uma virtude orientada aos semelhantes, a qual
deveria preservar a igualdade perante os outros; porém, caberia aos estoicos proclamar o
profundo princípio moral da igualdade. “Segundo os pensamentos antropológicos e éticos dos
estoicos, todas as pessoas são seres dotados de razão e iguais, os quais devem ter a mesma
possibilidade do exercício da livre vontade reconhecida” (HOFMANN, 1988, p. 842;
4
TOPITSCH,1963. p. 2; KÜBLER, 1965. p. 7-; SAMWER, 1969, p. 230; FLEINER-
GERSTER, 1980, p.64).

Os estoicos romanos, principalmente Cícero, Sêneca e Epicteto, orientavam-se, por outro


lado, aos ensinamentos básicos antropológicos e éticos dos estoicos gregos e transcreveram o
princípio da igualdade, até então fundamentado no direito natural, para o direito. Na visão dos
estoicos romanos, o direito natural (ratio naturae) é uma lei da divindade e, portanto, uma
norma absolutamente obrigatória tanto para as pessoas quanto para a autoridade divina.
“Nenhum legislador, ou seja, tanto o senado quanto o povo romano, poderia invalidar aquela
lei natural ou a ela se desobrigar” (OESTREICH, 1966, p. 12). A transição do direito natural
de um objeto da filosofia para um objeto do pensamento jurídico e da concretização jurídica
foi intensificada principalmente.

“Por conseguinte, é possível constatar que, na Antiguidade greco-romana, existiram


abordagens concretas para o surgimento dos direitos fundamentais, faltando, no entanto,
apenas o passo decisivo para a transformação em direito vigente” (JELLINEK, 1914, p. 27).
Assim, tanto a Constituição grega quanto a romana desconheciam totalmente direitos
fundamentais que determinassem os limites da força estatal e protegessem o indivíduo da
intervenção do Estado. Por conseguinte, faltou aos pensamentos greco-romanos tanto uma
vinculação universal quanto uma ressonância política.

2.1.2. O Cristianismo e a Idade Média


“Uma importante contribuição para o desenvolvimento da ideia dos direitos fundamentais foi
oferecida pelo Cristianismo” (OESTREICH, 1978, p. 19). O ensinamento do homem e a sua
semelhança à imagem de

“Deus (imago dei) conduziram não somente à formação do pensamento da dignidade da


pessoa humana e à ideia da liberdade pessoal, mas também ao reconhecimento da capacidade
humana à autodeterminação e ao princípio da igualdade de todas as pessoas perante Deus”
(AUGUSTINUS, 2001; AQUIN, 1941, p. 93). Além disso, Tomás de Aquino desenvolvia, na
alta Idade Média, pensamentos antigos, especialmente aristotélicos e estoicos, e fundamentava
assim o ensinamento da autoridade justa, a qual tinha na liberdade da vida, da pessoa e da
propriedade os seus alicerces. De acordo com Tomás de Aquino, a autoridade a qual intervém
na vida, na pessoa ou na propriedade dos seus súditos é injusta, uma vez que aqueles direitos
estão sob a proteção divina. “Como observação crítica, cabe mencionar que Tomás de Aquino

5
não sustentava uma vigência irrestrita e universal daqueles direitos (esses direitos não valiam
para os escravos e para as mulheres) e que o seu ensinamento não era dirigido à pessoa
humana como indivíduo, pressupondo apenas a vinculação coletivista do indivíduo” (STERN;
SACHS, 1988, p. 61). Devido aos enormes confrontos entre autoridade imperial e a
autoridade papal, surgiram, por volta do final da Idade Média, diversos ensaios político-
teológicos, os quais também tratavam do sistema jurídico.

Nesse contexto, Marcílio de Pádua via o sistema político comunitário como


uma comunidade de homens livres, personificada pela reunião de todos os
cidadãos, em que, por meio da pars valentior civium, surgia a lei, a qual
também vinculava a autoridade. Marcílio de Pádua foi assim um dos mais
importantes defensores da autoridade moderada (OESTREICH, 1978, p.28).

Além disso, Guilherme de Ockham classificava os direitos à liberdade e à propriedade como


direitos concedidos por Deus e pela natureza, os quais estariam intrinsecamente ligados à
pessoa humana.

De acordo com o seu entendimento, as pessoas poderiam renunciar, por sua


vez, ao exercício desses direitos naturais, os quais, porém, jamais poderiam
ser abandonados definitivamente. Com base nessas teses, Guilherme de
Ockham é frequentemente denominado como o pai da teoria dos direitos
naturais (OESTREICH, 1978, p. 22).

“Outro pensador, Nicolaus de Cusa, partia da igualdade de todos os seres humanos e


classificava a garantia de direitos iguais para todos como fundamento essencial de uma
autoridade justa. Em seus ensaios, Nicolaus de Cusa fundamentou também a ideia da
existência de um contrato entre a autoridade e os súditos e de um direito de resistência dos
subjugados” (MÜHLEISEN, 1993, p. 7).

No entanto, a posição adotada pelos genitores eclesiásticos e pela maioria dos teólogos da
Idade Média não representava aquelas ideias libertárias esporádicas. Em vez de permitir às
pessoas desfrutar do potencial libertário do Cristianismo, os Estados de cunho cristão estavam
muito mais ocupados em ganhar a guerra, na qual o poder imperial concorria com o poder
papal.

No mundo ocidental, mesmo depois de se chegar à conclusão que o imperador representaria a


autoridade máxima na esfera mundana e o papa personificaria a autoridade máxima na esfera
espiritual, não é possível alcançar nenhum progresso decisivo referente à evolução dos
direitos fundamentais. Assim, a ideia de uma autoridade que recebia a sua legitimação de
Deus foi utilizada até a Idade Moderna como forma de embasar e reforçar as estruturas
mandamentais erigidas. Consequentemente, os subjugados só tinham a chance de conquistar

6
uma liberdade maior quando eram capazes de ampliar os seus direitos nos períodos em que
existia uma debilidade no exercício do poder. Entre as mais famosas declarações de direitos
da Idade Média, temos a Magna Charta Libertatum do ano de 12154 e o Tübinger Vertrag do
ano de l5l4 (NÄF, 1975).

Evidentemente tratam tais instrumentos apenas de liberdades corporativas e privilégios de


algumas classes. Na Magna Charta Libertatum, por exemplo, estão estipulados os termos nos
quais o monarca podia executar a sua autoridade perante as castas (principalmente nobreza e
clero).

O documento também continha garantias contra a usurpação do poder por parte


da autoridade mandamental e instituía também a proibição da adoção de
medidas na esfera política, jurídica e econômica que não estivessem de acordo
com os direitos consuetudinários estipulados (direitos que garantiam os
privilégios das castas) (OESTREICH, 1978, p. 26).

A ideia da limitação do poder da autoridade mandamental por meio de um direito objetivo


ganhava aqui os primeiros contornos concretos. No entanto, direitos subjetivos e liberdades
para toda pessoa humana ainda não estavam garantidos. Finalmente, cabe ressaltar que o
Cristianismo e as declarações de direitos da Idade Média contribuíram, de certa maneira, para
o desenvolvimento da ideia dos direitos fundamentais. Porém, tanto os pensamentos
libertários isolados cristãos quanto as fragmentárias declarações de direitos da Idade Média
não podem requerer para si um significado maior do que um caráter pré-figurativo dos
direitos fundamentais na forma de simples limitações do poder da autoridade mandamental ou
na forma de direitos concedidos às castas.

2.1.3. Os primórdios da Idade Moderna


Nos primórdios da Idade Moderna, o Estado corporativo mutava, peu à peu, para um Estado
absolutista. Enquanto o monarquismo absolutista vicejava na maioria dos Estados continentais
europeus, os aristocratas ingleses lutavam contra a monarquia. No entanto, uma vez que a
aristocracia inglesa almejava igualmente o domínio do poder absoluto, também é possível
caracterizar a Inglaterra como um dos Estados absolutistas daquela época, porém com a
particularidade de possuir um absolutismo parlamentarista. A transformação para um Estado
absolutista no continente europeu ocorreu não só por meio da forçosa e crescente submissão
da vida comunitária à administração monárquica.

As mudanças no sistema financeiro, o qual servia até então como base para a independência
financeira da nobreza, também contribuíram para uma rápida transformação do Estado.

7
“Ademais, a construção do Estado absolutista foi amparada pela estatização gradativa das
parcas estruturas judiciárias e pela submissão dos senhores feudais ao poder monárquico”
(OESTREICH, 1978, p. 33). Consequentemente, é possível constatar uma mudança na relação
entre a liberdade e a obrigação para com o Estado durante a formação do Estado absolutista
em detrimento dos arduamente conquistados privilégios das castas. Assim, os representantes
de classe, os quais haviam lutado pela conquista dos privilégios e estavam atentos a sua
manutenção, foram oprimidos ou não mais convocados para as representações e, assim,
praticamente, excluídos da vida pública.

Nesse contexto, a nova filosofia da razão do Estado dominava o Estado absolutista. A


autoridade monárquica personificava unicamente, graças ao seu aparato civil e militar, a
autoridade pública e a coletividade. Juntamente, ou melhor, no lugar daqueles privilégios das
castas vigoravam agora os ditos e os mandatos promulgados pela autoridade absolutista. Essa
tutela, a repressão às castas, o cabresto vigente nas liberdades políticas da ascendente
burguesia e a prática constante da intolerância religiosa dão forma aos movimentos contrários
ao absolutismo que eclodiam no continente europeu nos primórdios da Idade Moderna.

As divergências ocorridas entre as castas e o monarca na Europa continental tinham na


Inglaterra o seu paralelo nas desavenças entre o monarca e o parlamento, o qual, a partir da
representação das castas, transformou-se gradativamente numa representação da coletividade.
A diferença essencial repousava no fato de que o parlamento aristocrático inglês conseguiu
impor a garantia dos direitos, enquanto na Europa continental os monarcas absolutistas
admitiam no máximo, por misericórdia ou favor, a retomada de alguns privilégios. Entre
aquelas garantias dos direitos, cabe citar aqui a Petition of Right, de 1627, os Agreements of
the People de 1647-1649, o Habeas-Corpus-Act de 1679 e, finalmente, a Declaration of
Rights de 1688 e a Bill of Rights de 1689.

Assim, enquanto crescia gradativamente o número de movimentos contra o absolutismo


monárquico na Europa continental, a Inglaterra seguia um caminho autônomo da garantia dos
direitos, o qual foi iniciado pela Magna Charta Libertatum. Dessa forma, é necessário
salientar que inexistiam movimentos contrários ao absolutismo parlamentarista inglês, uma
vez que a intenção principal deste era a conquista de outros direitos em detrimento do
monarca e a manutenção dos direitos já conquistados.

8
2.1.4. A Reforma
“No processo do desenvolvimento ideológico da ideia dos direitos fundamentais, a reforma
protestante desfruta de uma posição polêmica até os nossos dias” (STERN; SACHS, 1988, p.
64). A paleta de interpretações científicas sobre a reforma protestante vai desde uma
vinculação direta da ideia dos direitos fundamentais a alguns dos reformadores até uma
completa negação da conexidade entre aquela ideia e o teor do pensamento reformador.
Situados no foco das divergências, figuram os ensinamentos de Martinho Lutero. Segundo
Lutero, competia às pessoas certa independência e responsabilidade religiosa, as quais
permitiam que essas tomassem uma posição contrária àquela da autoridade mandamental em
questões de cunho religioso. No entanto, Lutero não defendia o ensinamento dos direitos
naturais e era explicitamente contra uma dedução das exigências das liberdades e igualdade
civis a partir dos três direitos fundamentais cristãos que pregava: liberdade, igualdade e
solidariedade. Lutero também defendia a posição de que o subjugado deveria ser obediente à
autoridade, mas fazia, ao mesmo tempo, uma restrição fundamental.

“Segundo Lutero, a autoridade terrena não deveria dispor sobre a alma das pessoas. Nesses
casos, seria permitida uma resistência, no entanto, somente por meio de pedidos e
formulações, ergo, desde uma obediência dolorosa até o sacrifício da própria vida”
(OESTREICH, 1966, p. 24). “Muito mais importante para o fundamento teórico e a aplicação
prática dos direitos fundamentais foi considerada a atuação do reformador Calvin”
(HOFMANN,1988, p. 843). Nos seus trabalhos, Calvin via na relação entre a autoridade e o
subjugado uma obrigação recíproca (mutua obligatio) com direitos e obrigações mútuas.

Para Calvin, a autoridade era obrigada a promover o bem-estar do povo e a


respeitar os direitos fundamentais. Ele também conferia um status de direito
natural ao direito à vida e à propriedade e defendia a posição que o uso da
resistência por parte dos subjugados também era legítimo na defesa daqueles
direitos (OESTREICH,1966, p. 24).

“As contribuições decisivas para a fundamentação e concretização da ideia dos direitos


fundamentais esbarram não somente nos ensinamentos do próprio Calvin, mas também na
influência peculiar daqueles que o sucederam e de seus trabalhos. Entre esses calvinistas
figuram John Milton, Sir Edward Coke, Johannes Althusius e Hugo Grotius. John Milton,
poeta e Secretário de Estado de Oliver Cromwell, exigia especialmente o direito da
autodeterminação da pessoa humana, o direito à tolerância religiosa, o direito à liberdade de
expressão e de imprensa e o direito à abolição da censura nos livros” (STERN; SACHS, 1988,
p. 76).

9
No entanto, na discussão sobre a Petition of Rights, Sir Edward Coke era o experiente Chief
Justice e expressivo parlamentar que ressaltava constantemente a importância da existência e
da validade dos chamados fundamental rights. “Entre aqueles direitos, estariam especialmente
alinhados o direito de proteção da pessoa contra prisões infundadas e o direito de proteção da
propriedade contra intervenções imotivadas” (STERN; SACHS, 1988, p. 77). Johannes
Althusius postulava, em sua obra “Política methodice digesta”, a igualdade de todas as
pessoas e a soberania do povo. Segundo Althusius, a base de toda autoridade é a livre
subordinação dos subjugados.

“Os direitos destes deveriam estar fixados por um contrato e garantidos por um direito de
resistência” (GIERKE, 1913, p. 112; STERN, 1988, p.72). “Hugo Grotius defendia, na obra
“De iure belli ac pacis libri tres”, a tese de que os direitos naturais das pessoas seriam
irrenunciáveis e não destituíveis. Uma vez que esses direitos naturais pertenceriam
intrinsecamente à natureza racional das pessoas, todo e qualquer soberano estaria
necessariamente obrigado a respeitá-los” (STERN; SACHS, 1988, p. 73).

2.2. Conceito de vida


O direito à vida é o principal direito garantido a todas as pessoas, sem nenhuma distinção,
sendo este o mais importante, já que sem ele os demais ficariam sem fundamento. Na
conceituação de Moraes, (2005. p.30), “o direito à vida é o mais fundamental de todos os
direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais”.

Desde o início dos tempos o homem vem refletindo os aspectos vinculados sobre a existência
da sua pessoa no que se refere a vida em sociedade individual, tais aspectos evoluíram e
inovaram com o passar dos tempos, sempre se sujeitando a mudanças estabelecidas por
diversas gerações e diferentes povos e culturas.

O termo vida possui inúmeros significados, podendo dizer também que é tudo aquilo que
ocorre entre a concepção e a morte, sendo muitos os direitos que por ela nos garantem,
estando expresso nas leis, princípios e doutrinas.

Na concepção de Branco (2010, p.441), em seu livro Direito Constitucional, diz que: “A
existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades disposto
na Constituição e que esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites
máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados
pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o
10
próprio direito estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital
relevância, é superior a todo outro interesse”.

Sustenta Russo, (2009, p. 91), “o direito à vida é o bem mais relevante de todo ser humano e a
dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do Brasil e não há
dignidade sem vida”.

Para Tavares, (2010, p. 569.), é o mais básico de todos os direitos, no sentido


de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos
consagrados constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais sagrado.

Miranda faz uma explanação diferente dos outros autores, este apresenta questões que são de
estrema importância para compreendermos bem o direito à vida:

O direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem direito a ela. Em relação às leis e outros
atos, normativos, dos poderes públicos, a incolumidade da vida é assegurada pelas regras
jurídicas constitucionais e garantida pela decretação da inconstitucionalidade daquelas leis ou
atos normativos. O direito à vida é direito ubíquo: existe em qualquer ramo do direito,
inclusive no sistema jurídico supra estatal; O direito à vida é inconfundível com o direito à
comida, às vestes, a remédios, à casa, que se tem de organizar na ordem política e depende do
grau de evolução do sistema jurídico constitucional ou administrativo. “O direito à vida passa
à frente do direito à integridade física ou psíquica; O direito de personalidade à integridade
física cede ao direito de personalidade à vida e à integridade psíquica” (MIRANDA, 1971,
p.14-29).

2.3. O direito à vida como um direito fundamental segundo o ordenamento jurídico


brasileiro
Sendo assim o direito à vida se tornou uma matéria muito discutida em todos os aspectos e
preceitos que englobam o Direito Brasileiro, não obstante, de suma importância no direito
fundamental reconhecido pelo Direito Internacional.

2.3.1. Direito humano à vida


O direito à vida é pauta de profundo estudo na doutrina constitucional brasileira dos últimos
tempos, a temática tem grande relatividade aos direitos fundamentais, com vários autores se
dedicando ao tema. Como já mencionado anteriormente o direito à vida é considerado um dos
mais importante dos direitos fundamentais.

11
Ainda que pareça natural os direitos fundamentais não eram positivados nas Constituições,
sendo que foi ao longo da história da humanidade que ocorreu essa positivação, a qual foi
fruto de muita luta e esforços dos povos, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 a vida foi reconhecida como supremacia maior dos direitos.

Os direitos humanos consistem em direitos naturais garantidos a todos indivíduos,


independente da etnia, gênero, nacionalidade, classe social e até mesmo posicionamento
político, eles estão determinados no ordenamento jurídico, bem como tratados internacionais e
Constituições.
Ao referir-se a tal assunto, na teoria dos direitos fundamentais, conforme sua evolução
histórica, é dado destaque à uma perspectiva histórica, reconhecida como gerações ou
dimensões; estas dimensões são conhecidas por períodos que marcaram a evolução dos
direitos fundamentais.

As dimensões dos direitos revelam a ordem cronológica do reconhecimento e


afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam gradualmente na
proporção das carências do ser humano, nascidas em função da mudança das
condições sociais (CUNHA, 2012, p.623)

Os direitos de primeira dimensão, estão diretamente associados, ao final do século XVIII,


quando ocorreu as Revoluções Americana e Francesa, levando em consideração que a
Revolução Francesa foi o marco histórico da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, os direitos de primeira geração estão relacionados à luta pela liberdade e segurança
diante do Estado, diante do abuso de poder deste com o povo, não podendo o Estado
desrespeitar a liberdade nem a vida, bem como os direitos civis e políticos.

Esta geração seria os direitos de liberdade, individuais, civis e políticos,


direitos individuais, de natureza civil e política, e foram reconhecidos para a
tutela das liberdades públicas, em razão de haver naquela época uma única
preocupação, qual seja, proteger as pessoas do poder opressivo do estado.
(JÚNIOR, 2012, p.617-618)

As diversas mudanças sociais e intelectuais nos levam aos direitos de segunda geração, não
obstante, os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais, ligados ao
valor e igualdade, entendidos como os direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que
impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar direitos positivos, como saúde,
educação, moradia, segurança pública, direitos de titularidade coletiva e com caráter positivo,
pois exigem atuações do Estado. Portando o Estado passou a prover a todos, de forma igual e
justa, com o objetivo de que toda a sociedade viva de forma digna e justa.

12
Já os direitos fundamentais de terceira geração estão ligados ao valor de fraternidade e
solidariedade, sendo relacionados ao desenvolvimento da sociedade no que se refere ao meio
ambiente e as necessidades a serem atendidas, bem como, à autodeterminação dos povos e
patrimônio comum da humanidade.

Em suma, vale ressaltar que esta geração é caracterizada por direitos transindividuais, que não
pertencem a ninguém isoladamente, e sim a várias pessoas.

2.3.2. Princípios e garantias fundamentais


Os direitos fundamentais nasceram com a ideia de limitar o poder centralizado e garantir
soberania, efetivado pelos direitos individuais, sociais e políticos. A história e evolução
constitucional destes direitos se associa diretamente ao avanço dos direitos e garantias
fundamentais. As garantias constitucionais foram conquistadas ao decorrer do tempo.

Entretanto, vale ressaltar que direitos e garantias não são sinônimos. Direitos são as normas
de conteúdo declaratório (por exemplo, direito à honra, locomoção), enquanto as garantias são
normas de conteúdo assecuratório, preservando o direito declarado (por exemplo, indenização
por dano à honra, habeas corpus para garantir a locomoção), enquanto o direito se presta a
declarar, a garantia, por sua vez, busca preservar.

Progressivamente os direitos fundamentais foram conquistando seu espaço, Novelino (2014,


p.402), ressalta que “o reconhecimento e declaração de um direito no texto constitucional são
insuficientes para assegurar a efetividade, são necessários mecanismos capazes de protegê-los
contra potenciais violações”.

Nesse sentido Bonavides (2001, p. 237) afirma que “as Constituições promulgadas detonam a
hegemonia axiológica dos princípios que são convertidos em pedestal normativo sobre qual
assenta todo o edifício jurídicos dos novos sistemas constitucionais”. Neste contexto
reconhecendo aos princípios constitucionais como uma força normativa essencial.

2.3.3. Dignidade da pessoa humana


A dignidade da pessoa humana é um conceito extremamente extensivo, desta forma sua
definição é extensa, integrando diversas concepções e significados. Plácido e Silva alude que:

Dignidade é a palavra derivada do latim dignitas (virtude, honra,


consideração), em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma
pessoa serve de base ao próprio respeito em que é tida: compreende-se
também como o próprio procedimento da pessoa pelo qual se faz merecedor
do conceito público; em sentido jurídico, também se estende como a

13
dignidade a distinção ou a honraria conferida a uma pessoa, consistente em
cargo ou título de alta graduação; no Direito Canônico, indica-se o benefício
ou prerrogativa de um cargo eclesiástico.(PLACIDO E SILVA, 1967, p.526).

O princípio da dignidade da pessoa humana está expresso na Constituição Federal, tendo o


legislador atrelado ele a todos os atos da sociedade, sendo eles públicos ou não.

No primeiro artigo da República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:

I - A soberania;
II - A cidadania;
III - A dignidade da pessoa humana;
IV - Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - O pluralismo político. (Grifos nossos) (BRASIL, 1988)

Para Moraes a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz
consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas. Sendo este valor invulnerável
devendo todo estatuto jurídico assegurar, de modo que, somente em excepcional a alguns
fatos que possam ser feitas determinadas limitações ao exercício dos direitos fundamentais,
porém sempre será necessário respeitar a estima que merecem todas as pessoas enquanto seres
humanos. (MORAES, 2002, p.128)

Dessa forma, percebe-se a importância que o legislador deu aos direitos fundamentais na
Constituição de 1988, principalmente ao direito da dignidade da pessoa humana, já que o
mesmo é um dos fundamentos da sociedade e do Estado.

Advém que o respeito à dignidade da pessoa humana compõe princípio fundamental do


Estado, sendo este vinculado em todas as relações sociais. Este princípio é intrínseco à pessoa
humana e o direito à vida.

Por fim, insta salientar que o princípio mencionado acima vai além do ‘ser pessoa’, vez que
ele representa a base a sustentação de todos aqueles que compõem a esfera social; portanto,
vale ressaltar que nenhum princípio é tão importante quanto o da dignidade da pessoa
humana, devido ao seu valor absoluto e pôr o mesmo ser norteador de todo o ordenamento
jurídico.

14
2.3.4. Direito à vida
Na atual legislação brasileira o direito à vida é tido como o alicerce para a prerrogativa
jurídica da pessoa, motivo pelo qual o Estado tem por dever resguarda a vida humana, desde a
concepção até a morte. Já mencionado no anteriormente, o direito à vida é primordial para que
todos os outros sejam fundamentados. Diniz (2006) afirma que dele deriva a dignidade
humana, o princípio da liberdade, a integridade física e psíquica. Sendo o primeiro e mais
importante direito fundamental que rege o ser humano desde o nascer ao morrer, sobretudo
com direito a uma vida digna. (DINIZ, 2006)

O Pacto Internacional dos Direitos Políticos, em seu artigo 6, item 1 declara que “O direito à
vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá
ser arbitrariamente privado de sua vida.”

A Constituição Federal, em seu artigo 5.º, caput, protege o direito à vida, como direito
fundamental, consagrando a sua inviolabilidade, no título dos Direitos e Garantias
Fundamentais, consagrado como o mais fundamental de todos os direitos.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança. (BRASIL, 1988)

A Constituição Federal ressalta ainda que quanto ao direito à vida, cabe ao Estado assegurá-lo
em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda
de se ter vida digna quanto à subsistência, nem tampouco poderá ser renunciado esse direito e
pretender a própria morte.

Nessa perspectiva, Diniz menciona que a legislação não pode apreciar norma que atende
contra a vida humana, sendo considerada inconstitucional, uma vez que, a vida deve ser
protegida contra qualquer um ou qualquer coisa que o ameace, pois se trata de um direito
personalíssimo, ou seja intransferível e inalienável. (DINIZ, 2009)

Diante de sua importância o direito à vida é uma cláusula pétrea. Para Chimenti (2008, p.60)
“O direito à vida é o direito de não ter interrompido o processo vital, senão pela morte
espontânea e inevitável”. Considerando então a morte como um processo natural da vida.
Soares e Moura, destaca na publicação do seu artigo sobre direito à vida que:

15
Quanto a sua abrangência, o direito à vida se apresenta em duas facetas: o direito de defesa e
o dever de proteção. No âmbito de defesa, o direito à vida se impõe aos poderes públicos e
aos demais indivíduos no sentido de não agredir tal bem jurídico. Por outro lado, o dever de
proteção à vida se impõe ao Estado, cabendo a este tomar as providências apropriadas para
garantir a proteção a esse bem. (MOURA, 2015)

Cretella Júnior identifica que o termo direito à vida possui dois sentidos:

Direito a continuar vivo, embora se esteja com saúde e o direito de subsistência, sendo
primeiro, ligado a segurança física da pessoa humana, quanto a agentes humanos ou não, que
possam ameaçar-lhe a existência; o segundo, ligado ao “direito de prover à própria existência,
mediante trabalho honesto. (JUNIOR, 2008)

Amparando-se no fundamento Diniz aborda em outras palavras que:


O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da
personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura a
inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, consequentemente, a
vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção,
momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa.

Se assim for, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de
direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um
dever absoluto ‘erga omnes’, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito
desobedecer. Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea, que
é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar. Tem eficácia positiva e
negativa, a vida é um bem jurídico de tal grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia
coletiva, que preconiza a legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas
impeditivas da prática de crueldades inúteis e degradantes. Estamos no limiar de um grande
desafio do século XXI, qual seja, manter o respeito à dignidade humana. (DINIZ, 2001, p. 22-
24)

No bojo desta discussão Lenza (2011, p.872) menciona que “O direito à vida, previsto de
forma genérica no art. 5º, caput, abrange tanto do direito de não ser morto, privado da vida,
portanto, o direito de continuar vivo, como também de ter uma morte digna”. A vida sempre
será considerada o supremo direito de todos, protegido por todas as constituições e tratados.

16
Em virtude do que foi mencionado, torna-se necessário dizer que, o Estado não permite a
praticada da morte provocada, assim chamada de Eutanásia, posto que este procedimento é
visivelmente tratado como uma ameaça a este direito tão consagrado.

Sarlet (2006) menciona que os princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana
não podem e nem devem ser interpretados ou aplicados de forma isolada, tendo tratamento
hermenêutico sempre como meio de harmonizar os princípios entre si.

2.3.5. Direito à morte digna


A Constituição Federal defende o direito à vida, e entende que também é necessária a
verificação do princípio da dignidade da pessoa humana, assim afirmando Pessini (2007) que
até mesmo no instante da morte do indivíduo, tem-se o direito da morte digna. Neste ínterim,
pode-se conceituar que o direito a uma morte digna é um eufemismo que é utilizado para
designar o direito que o outro nos dê a morte, sob o pretexto de não seguir nenhuma forma de
tratamento.
O conceito de morte teve sua evolução ao longo da história, segundo a obra Arq
Neuropsiquiar afirma que:

O conceito tradicional de morte, que se encontra profundamente enraizado em cada um de


nós, baseia-se principalmente em duas fortes influencias históricas culturais: a influência da
filosofia grega da antiguidade, que estabelece o coração como órgão sede da alma e, portanto,
de todas as emoções humanas (como a coragem e o amor) e a influência religiosa judaico-
cristã, muito forte durante a Idade Média, que estabelece a respiração como processo vital
fundamental, uma vez que "Deus criou o homem do barro da terra e soprou-lhe pelas narinas
o Sopro da Vida, e o homem tomou-se um ser vivente" (Genesis C 2. V 7).

O próprio Código Civil Brasileiro (Art. 4* CC) define pessoa natural como todo aquele
"nascido de mulher" com vida. Considera-se a respiração como sendo a melhor prova do
nascimento com vida7 (daí a importância médico-legal das docimásias respiratórias) *. Os
critérios médicos tradicionais para o diagnóstico de morte foram também influenciados por
esses conceitos, ressaltando a ausência de função cardiocirculatória e respiratória como
premissa básica para esse diagnóstico. (DANTA, COSTA, EIRAS, ARAÚJO, GIUSEPPE,
1996)

17
Nesse sentido Bento (2008) reitera que o conceito de morte evoluiu até 1960, com a
constatação da morte por parada cárdica e respiratória, que atualmente não se resulta somente
nisto, entretanto, hoje os sinais vitais são diferentes dos verificados antigamente.

Pessini (2007) afirma através dos seus estudos que:


Na antiguidade para se constatar a morte, a aparência das pessoas, como por exemplo palidez
e falta de respiração, e outros requisitos. Nos tempos atuais o diagnostico parte de um exame
de eletroencefalograma, que verifica os estímulos cerebrais, considerando morte, a inércia de
vibração do cérebro. (PESSINI, 2007)

Na 22º Assembleia Médica Mundial, em Sidney, no ano de 1968, foi conceituado pelos
médicos como morte encefálica quando o cérebro não tem mais funções eletroquímicas,
tornando irreversível o findar da vida.

Com a evolução da morte humana deve o princípio da dignidade da pessoa humana ser
assegurado do início da vida até o momento da morte, pois com o avanço da tecnologia, a
ciência tenta prevenir ou reverter a morte de qualquer maneira. Entretanto é necessário
compreender que a utilização da ciência deve ser limitada quando contrariar os princípios e
direitos fundamentais.

Em relação a promover a legislação da eutanásia o que deve ser levado em conta é o direito a
morrer com dignidade, sendo este a base para se formular leis que permitem a prática de tal
ato. De acordo com o que diz Monteiro (2000, p. 464) “O direito a que o outro nos dê a
morte”, é o principal eufemismo que se utiliza a esse contexto.

Montero explica que:


Os partidários da eutanásia referem-se à apelação pela “qualidade de vida”, levando em
consideração que certas vidas perderam o seu valor em algumas circunstâncias, afirmando que
o ato da eutanásia fica longe de aparentar-se com o homicídio, perfila-se como ajuda prestada
para quem perdeu toda dignidade na vida. Circunstância esta utilizada para os defensores da
prática de eutanásia. (MONTERO, 2000, p.466)

O conceito deste princípio é taxativo no quando se debate o direito à vida e a o direito à morte
digna.

18
2.3.6. Direito a liberdade e a autonomia privada
Autonomia da vontade é a liberdade de agir que a pessoa exerce para satisfazer seus anseios,
entretanto, na concepção de liberdade não deve estar ligada ao ato de que se pode fazer
qualquer coisa a qualquer momento.

Nesta perspectiva, o direito à liberdade é citado nas mais diversas formas, sempre
considerando o indivíduo como parte de um grupo, sendo este influenciado por diversos
fatores, ou seja, torna-se necessário à vida em sociedade a definição de regras claras, escritas
ou não, para um convívio harmonioso entre as pessoas.

Na nossa Magna Carta, encontram-se diversos direitos ligados à liberdade, como por
exemplo, liberdade de expressão (art. 5º, IX), liberdade de manifestação do pensamento (art.
5º, IV), entre outros. Sendo que este direito à liberdade não pode ser ofensivo ao direito do
outrem.

De acordo com Meirelles (1991), “a liberdade é inerente ao homem, e anterior à sociedade, ao


direito e ao Estado, este princípio foi concebido ao homem desde a sua formação, ou seja, é
inerente à natureza humana.”

Contudo, o direito à liberdade está associado ao direito da autonomia privada, que é


considerado sinônimo de autonomia da vontade. Sendo este o exercício que regula a vontade
própria do indivíduo. Em relação a eutanásia, deve-se ter respeito em relação à autonomia dos
pacientes terminais ao optarem pela decisão de morrer de forma digna, seguindo seus valores,
crenças e convicções.

Os cuidados demorados e a promoção do bem-estar físico, psicológico e espiritual são


fundamentais, onde a conduta do médico é importante para que o paciente se sinta pessoa, e
não objeto de terapias, que lhe trazem mais dores e sofrimentos.

2.4. O direito à vida como um direito fundamental segundo o ordenamento jurídico


português
O artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa, titulado como Direito à vida, diz-nos
que a vida humana é inviolável e que em caso algum haverá pena de morte, mas ainda assim
esta semana retomámos mais uma vez a discussão sobre a eutanásia. Pela terceira vez a
eutanásia foi aprovada no Parlamento. Quatro dos cinco projetos que se propõem regular a
despenalização da morte medicamente assistida tiveram o número suficiente de votos para
seguir para a especialidade. A proposta de referendo foi reprovada. Agora os senhores
19
deputados terão de se entender com as pequenas nuances cosméticas das respetivas propostas.
Na última vez, o Presidente da República vetou a lei, pedindo clarificação e falando numa
solução radical caso se optasse por deixar cair o critério de doença fatal. Estamos mais uma
vez no caminho haverá discussão na especialidade e uma versão final que provavelmente, a
acreditar nos projetos aprovados, deixará cair a doença fatal.

Entretanto falamos das dificuldades do SNS, da inexistência de médicos de família


suficientes, das urgências que encerram por falta de recursos. Enfim neste momento temos
grandes dificuldades em cumprir a obrigação de salvar vidas. Sei que temos dificuldades e
que não somos um país rico. Não conseguimos garantir os cuidados paliativos a quem sofre,
mas recuso-me a acreditar que alguém pense que a despenalização facilitará a boa gestão dos
recursos.

Segundo Pedro Vaz Patto (Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz), faz uma descrição
do direto à vida e como este direito é inviolável tanto pelo facto de estar previsto na
Constituição, como em outras legislações que desmitificam este direito.

A Constituição portuguesa confere à vida humana uma proteção ainda mais forte do que se
reconhecesse apenas o direito subjetivo à vida e não também um princípio objetivo de
inviolabilidade da vida.

A vida humana é inviolável é o que afirma de forma lapidar a Constituição portuguesa no


artigo que encabeça o elenco dos direitos fundamentais. Uma brecha nesse princípio
fundamental, verdadeiro alicerce, faz abalar todo o edifício desses direitos. Como
aprofundadamente demonstrou o artigo de José Lobo Moutinho Eutanásia: a inevitabilidade
da rampa deslizante, a brecha nesse alicerce torna inevitável, por razões lógicas, o fenómeno
da “rampa deslizante”, que ocorrerá sempre, mais cedo ou mais tarde.

A experiência dos países que legalizaram a eutanásia e o suicídio assistido permite verificar a
sucessão de passos cada vez mais permissivos quanto a tal prática: das situações de doença
terminal às de doença incurável ou deficiência; das situações de sofrimento físico às de
sofrimento psicológico; das situações de pessoas doentes às de pessoas não doentes mas
“cansadas de viver”; das situações de pessoas conscientes às de pessoas inconscientes que
formularam o seu pedido antecipadamente, ou que não o podem fazer devido a grave
deficiência; das situações de pessoas adultas às de crianças ou recém-nascidos.

20
Essa evolução é analisada com pormenor, no que à Holanda se refere (incluindo a evolução da
jurisprudência, que antecedeu a evolução legislativa) no clássico livro de Herbert
Hendin, Seduced by death (W.W.Norton & Company, Nova Iorque e Londres, 1997), e no
mais recente livro de Gerbert van Loenen, Do you call this a life?, Ruse Lattner, London,
Canadá, 2015.

Embora os proponentes da Lei recentemente aprovada entre nós sempre tenham dito que ela
restringe a eutanásia e o suicídio assistido a situações excecionais, excluindo muitas das que
acima se referem, importa salientar que essa Lei não se limita a dar o primeiro dos passos
mencionados: o das situações de doença terminal e de sofrimento físico. Não distingue entre
sofrimento físico e psicológico (o que significará que este também está previsto). Abrange
doenças incuráveis e fatais e Lesões definitivas, ou seja, situações em que a vida se poderia
prolongar por anos ou décadas. Apesar de, eufemisticamente, se falar em antecipação da
morte, dando a entender que está próxima (e como se provocar a morte de outrem, seja qual
for o motivo, não fosse sempre uma forma de antecipar a sua morte, pois ninguém é imortal).

Nem sempre foi dado esse passo (de ir para além da doença terminal) logo de início. Assim
sucedeu na Bélgica, mas não no Canadá. E a lei do estado de Oregon, o primeiro dos estados
norte-americanos a legalizar o auxílio ao suicídio, continua a restringir esses possível auxílio
a situações de doença terminal, fixando até um prazo de seis meses para o prognóstico da
mesma.

É verdade que no Canadá se está agora a discutir o alargamento da Lei vigente (desde 2016),
de modo a abranger as situações de doença não terminal ou deficiência. Essa discussão surge
na sequência de decisões judiciais que pretendem impor esse alargamento, invocando a
prevalência do princípio constitucional da autonomia individual e auto-determinação.

Na verdade, se é dada prevalência à autonomia sobre o valor da vida, porquê restringir a


legalização da eutanásia e do suicídio assistido às situações de doença terminal? Mas, então,
também pode dar-se o passo seguinte da rampa deslizante: porquê restringir essa legalização
às situações de doença?

Compreende-se, por isso, que, desde há vários anos e com probabilidade de aprovação, se
discuta na Holanda a legalização da eutanásia e do suicídio assistido de pessoas não doentes,
cansadas de viver ou que considerem a sua vida completada.
21
Na Bélgica, esse passo ainda não foi dado no plano legal. Mas há quem considere que, na
prática, é isso que se verifica em muitas das situações em que são invocadas polipatologias
como motivo da prática da eutanásia. É o que afirma um estudo publicado há dias no The
Journal of Medicine and Philosophy, Euthanasia in Belgium, Shortcoming of the Law and Its
Aplication and the Monitoring of Pratice, em que se denuncia, mais uma vez, a ineficácia dos
limites legais a essa prática (sendo que dois dos autores do estudo não recusam a eutanásia no
plano teórico).

É também o passo que foi dado pelo Tribunal Constitucional alemão, invocando a prevalência
do princípio da autonomia individual e autodeterminação sobre o valor da vida: não deverão
ser colocados entraves ao auxílio ao suicídio que não se relacionem com a autenticidade do
pedido (o Tribunal Constitucional austríaco, entretanto, seguiu uma orientação semelhante,
embora não tão radical). Na linha dessa orientação, foi há dias apresentado no parlamento
alemão (ver Die Tagespost, 21/1/2021) por deputados de três partidos diferentes (FDP, SDP e
Die Linke), uma proposta, que, partindo do princípio de que a proteção da vida contra a
autonomia não pode, e não deve, existir, afirma que qualquer pessoa que quiser pôr fim à sua
vida de forma autónoma tem o direito de para tal pedir ajuda (bastará que seja maior de idade
e tenha recorrido a um centro de aconselhamento).

É a este extremo da rampa deslizante que poderá chegar a brecha no princípio da


inviolabilidade da vida humana, que a Lei há dias aprovada pelo Parlamento português já
representa. A consagração claríssima e inequívoca desse princípio no artigo 24.º, n.º 1, da
Constituição portuguesa é, porém, um obstáculo a essa brecha. Essa Lei viola tal princípio
constitucional.

É isso mesmo que afirma a carta aberta da Associação dos Juristas Católicos ao Presidente da
República recentemente publicada.

A inviolabilidade da vida humana é afirmada nesse artigo 24.º, n.º 1, da Constituição de modo
assertivo, categórico e incondicional. Essa inviolabilidade não comporta exceções. Não é
exceção a essa inviolabilidade o eventual consentimento do titular da vida (consentimento
cuja autenticidade seria, de resto, nos casos de sofrimento intolerável a que se refere a Lei
aprovada, sempre questionável). A vida é inviolável mesmo com o consentimento da vítima.
Por isso, sempre têm sido puníveis o homicídio a pedido e o auxílio ao suicídio. A orientação
dos tribunais constitucionais alemão e austríaco encontra nesta afirmação absoluta um sério
obstáculo.
22
Numa audição relativa à discussão dos projetos que estão na base da Lei entretanto aprovada,
ouvi uma deputada sustentar que a inviolabilidade da vida humana consagrada na
Constituição portuguesa é apenas a da vida de quem quer viver, não a de quem lhe quer pôr
termo. Mas isso seria acrescentar, arbitrariamente, à formulação desse princípio constitucional
um limite e uma reserva que dele não constam, nem explicita nem implicitamente.

A Constituição portuguesa confere à vida humana uma proteção ainda mais forte do que se
reconhecesse (como fazem a generalidade das Constituições) apenas o direito subjetivo à vida
e não também um princípio objetivo de inviolabilidade da vida. Isto, porque poderia ser
eventualmente questionável (embora não necessariamente) a irrenunciabilidade e
indisponibilidade desse direito. Com a formulação desse princípio objetivo, não pode haver
dúvidas de que o direito à vida é irrenunciável e indisponível.

Compreende-se que o princípio da inviolabilidade da vida encabece o catálogo constitucional


dos direitos fundamentais, pois a vida é o pressuposto de todos os direitos. Atentar contra a
vida é destruir a fonte e a raiz de quaisquer direitos. Não tem sentido contrapor a
inviolabilidade da vida humana aos direitos e princípios constitucionais de liberdade e
autonomia individuais, como se estes sobre ela pudessem prevalecer, precisamente porque a
vida é o pressuposto desses direitos. A vida é o pressuposto de todos os bens e direitos e,
portanto, também da liberdade. Só é livre quem está vivo. Pôr termo à vida é pôr termo à
liberdade (podemos dizer que é o suicídio da liberdade).

Também não se respeita a liberdade quando se legaliza o consumo e tráfico de droga, porque
a toxicodependência afeta gravemente a própria liberdade. Tal como não teria sentido invocar
a liberdade para justificar a escravidão consentida.

Também não tem sentido invocar o direito ao livre desenvolvimento da personalidade,


consagrado explicitamente na Constituição alemã e reconhecido pela jurisprudência de vários
países. A morte não pode, obviamente, corresponder a algum desenvolvimento da
personalidade, é a cessação de qualquer “desenvolvimento da personalidade.

Por outro lado, como também se afirmar nessa carta aberta da Associação dos Juristas
Católicos ao Presidente da República, a Lei recentemente aprovada pelo Parlamento
português viola os princípios da dignidade humana (artigo 1º da Constituição) e da igualdade
(artigo 13.º desse diploma). Da conjugação desses princípios decorre que todas as vidas, em
todas as situações e em todas as suas fases, são igualmente dignas. A dignidade da vida nunca

23
se perde. Não há vidas indignas de ser vividas. Não há vidas que por qualquer motivo deixem
de merecer proteção. Ora, a aprovada legalização da eutanásia e do suicídio assistido parte da
ideia de que há vidas que deixariam de merecer proteção porque são marcadas pela doença e
pelo sofrimento. Essas vidas deixariam de merecer proteção porque estariam desprovidas da
dignidade que é própria de quaisquer outras vidas (as quais continuariam a merecer proteção).

Dir-se-á que se trata de combater esse sofrimento. Mas a eutanásia e o suicídio assistido não
eliminam o sofrimento, eliminam a vida da pessoa que sofre. A resposta à doença e ao
sofrimento não pode ser a morte provocada. Há de ser o acesso aos cuidados paliativos (dos
quais, de resto, ainda estão privados muitos portugueses, com o que também é violado o
princípio da igualdade).

Estes os motivos por que a Lei, há dias aprovada, que autoriza a eutanásia e o suicídio
assistido, viola a Constituição portuguesa. Neste mesmo sentido, pronunciaram-se José Souto
de Moura, no artigo da dignidade humana, natureza humana, eutanásia, e Inês Quadros, no
artigo da dignidade e liberdade, ou o que a eutanásia não é. Justifica-se, assim, que o
Presidente da República solicite, como lhe é sugerido pela Associação dos Juristas Católicos,
a fiscalização preventiva da constitucionalidade dessa Lei.

2.4.1. Atualidade do direito à vida no contexto Europeu


Teresa Violante (2021) a constitucionalista fez uma abordagem nacional e em alguns países
da Europa sobre o direito à vida olhando para a realidade legislativa e presente momento, mas
não dever de viver a todo o custo.

No mesmo dia em que a Assembleia da República aprovou a despenalização da eutanásia, deu


entrada no parlamento federal alemão uma proposta legislativa interpartidária com vista a
regulamentar as condições em que pode ser exercido o direito a uma morte digna. Esta
proposta legislativa vem dar cumprimento à decisão do Tribunal Constitucional
federal alemão que, em 26 de fevereiro de 2020, declarou inconstitucional a criminalização da
oferta de serviços profissionais de auxílio ao suicídio e estabeleceu a existência de um direito
fundamental a procurar ajuda para pôr fim à própria vida em condições de dignidade.
Segundo o Tribunal Constitucional alemão, a dignidade individual de cada ser humano
implica que cada indivíduo deve poder controlar a sua vida nos seus próprios termos e não ser
forçado a viver em condições irreconciliáveis com a sua identidade pessoal e com as suas
crenças e convicções individuais. Para os juízes alemães o direito de decidir pôr fim à própria

24
vida tem uma conexão profunda com o direito à existência e com a identidade e
individualidade de cada pessoa. Por isso, o direito à morte autodeterminada não se limita ao
direito à recusa de tratamentos, abrangendo a decisão ativa de colocar fim à própria vida.

Também o Tribunal Constitucional austríaco, em decisão de 11 de dezembro de 2020, se


pronunciou pela inconstitucionalidade da proibição do auxílio ao suicídio, a qual entrará em
vigor em 31 de dezembro de 2021. Até lá, espera-se que o parlamento austríaco intervenha e
estabeleça as condições, designadamente procedimentais, em que se pode processar o auxílio
ao suicídio.

Estas decisões não são inéditas. Já em setembro de 2018 o Tribunal Constitucional italiano
havia ordenado ao legislador a descriminalização do auxílio à antecipação do fim da vida e a
possibilidade de prestação de serviços médicos neste domínio. Em setembro de 2019, nova
decisão daquele tribunal acabou por introduzir o regime jurídico que descriminalizou, em
situações de sofrimento insuportável e incapacidade total, a atividade que permite acelerar o
processo irreversível da morte, poupando assim a pessoa ao sofrimento e indignidade maiores
que esses últimos tempos acarretam.

Nestes três casos da Alemanha, Áustria e Itália assistimos a movimentos de despenalização e


legalização da eutanásia ou do auxílio ao suicídio por impulso de tribunais. Aqui ao lado,
em Espanha, no entanto, em dezembro de 2020, o Congresso dos Deputados aprovou uma
proposta de lei da eutanásia, que se encontra a aguardar decisão pelo Senado, a qual deverá
ocorrer nos próximos dois meses.

Portugal e Espanha representam, assim, exemplos de introdução de mecanismos de


despenalização da antecipação da morte assistida por via parlamentar sem o impulso prévio da
jurisdição constitucional, ao contrário dos casos italiano, alemão e austríaco. Em qualquer das
hipóteses, a tendência é a mesma: afastar a criminalização do auxílio ao suicídio e promover o
reconhecimento do direito a uma morte autodeterminada em condições de dignidade.
Etimologicamente, aliás, eutanásia significa boa morte.

Através do diploma aprovado na passada sexta-feira, o parlamento português despenaliza, em


certas condições, a prática do homicídio a pedido da vida e o auxílio ao suicídio,
comportamentos atualmente tipificados no Código Penal. A antecipação da morte pode
ocorrer por duas vias: através da autoadministração de fármacos letais pelo doente, por um
lado, ou através da administração dos mesmos pelo médico ou profissional de saúde. Ou seja,

25
neste diploma abrangem-se as situações comumente designadas por suicídio ajudado e
eutanásia voluntária ativa.

O diploma agora aprovado não se limita, no entanto, a despenalizar aquelas condutas - aprova
também a prática da antecipação da morte medicamente assistida nos casos previstos na lei.
Esses casos abrangem as situações de pessoas, maiores de idade, em situação de sofrimento
intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico
ou doença incurável e fatal. Essencial é que se trate de cidadão português ou com residência
legal em território nacional, pretendendo evitar que Portugal se transforme, à semelhança de
outros países, em destino de turismo da morte.

O maior desafio prático do regime agora aprovado diz respeito ao facto de se garantir sempre
ao doente, querendo, o acesso a cuidados paliativos. Embora este seja um direito cuja garantia
resulta já, teoricamente, de outros diplomas, sabemos que a sua implementação prática está
longe de constituir uma realidade. Segundo o Observatório Português dos Cuidados
Paliativos, verifica-se escassez de recursos humanos com formação e competências
adequadas, assimetrias na distribuição geográfica das equipas e carências ao nível da
formação graduada e pós-graduada. Estes défices na prestação de cuidados paliativos
justificam que o PSD, o BE, a IL e outros grupos parlamentares tenham apresentado propostas
dirigidas ao governo apelando precisamente ao reforço da resposta na área dos cuidados
paliativos.

O diploma seguirá em breve para Belém. O que sucederá depois é, por enquanto, uma
incógnita. O Presidente da República pode optar por promulgar o decreto, face à inequívoca
maioria parlamentar que o aprovou (136 votos a favor, 78 contra e quatro abstenções). Ao
invés, pode optar por vetá-lo e devolvê-lo à Assembleia da República, como sucedeu
recentemente, por exemplo, com a lei da nacionalidade e a lei das petições. Neste caso, a
Assembleia pode reformular o decreto para acomodar as eventuais sugestões presidenciais ou,
ao invés, manter a redação inicial. Por fim, e numa hipótese que é tida por alguns
observadores como provável dada a delicadeza constitucional desta temática, o Presidente
pode optar por enviar o decreto em fiscalização preventiva para o Tribunal Constitucional (na
verdade, poderia também fazê-lo em fiscalização sucessiva, após promulgação, poupando ao
tribunal o fardo de decidir questões de enorme complexidade no apertado prazo de 25 dias
imposto pela Constituição). Neste caso, a decisão institucional poderá depender, em última
instância, da palavra de um tribunal, o que, numa democracia constitucional, representa o
26
normal desenvolvimento do princípio da separação de poderes, e demonstra a provisoriedade
a que mesmo as escolhas democráticas se encontram sujeitas.

Em qualquer das hipóteses, será interessante perceber se, no final desta sequência, Portugal se
manterá alinhado com a inclinação que se tem vindo a desenvolver naqueles países europeus,
no sentido de aceitar o direito a uma morte autodeterminada, ou se, pelo contrário, nos
afastaremos da tendência de reconhecer que o direito à vida não impõe um dever de viver a
todo o custo.

2.5. O direito à vida como um direito fundamental segundo o ordenamento jurídico


angolano

2.5.1. Contexto político angolano


O conflito armado em Angola ocorreu no período de 1961 a 2002. Podendo ser dividido em
duas fases como descreve Simões (2009) apud Hernandez (2005), a primeira de 1961 a 1974,
que foi a guerra de independência contra a colonização Portuguesa. A segunda de 1975 a
2002, guerra civil intensa entre os três movimentos de Libertação Nacional. Segundo
Carvalho (2010). A violência de 4 de fevereiro de 1961, colocou Angola na agenda das
Nações Unidas e chamou atenção para a situação explosiva que se instalou no país.

Traçando um percurso político, Carvalho observa que, com o derrube de Marcelo Caetano
pelo movimento das forças armadas a 25 de abril de 1974, pôs-se o fim à colonização
portuguesa nos territórios ultramar, com particularidade para Angola. Ao clarear esse ponto,
Carvalho enfatiza que “o período de transição (ano de 1975) para a independência de Angola
foi marcado por grandes desavenças ideológicas entre os três movimentos nacionalistas
angolanos MPLA, a FNLA, e a UNITA. Que viriam dar origem a uma guerra civil”.
(CARVALHO, 2010, p. 17).

Em função do panorama político vivido na altura, os três líderes dos


movimentos nacionalistas, nomeadamente Agostinho Neto, Jonas Savimbi e
Holden Roberto reuniram-se no Quénia, mais propriamente em Mombaça, a
3 de Janeiro de 1975 e comprometeram-se a cooperar para a paz e preservar a
integridade territorial de Angola para facilitar a reconciliação nacional. Na
senda de consolidarem as alianças e de manterem a paz e unidade, os três
líderes dos movimentos nacionalistas assinaram, em Portugal, o Acordo do
Alvor. O referido acordo reconheceu os três movimentos nacionalistas como
legítimos representantes do povo angolano. (CARVALHO, 2010, p.17).
27
Para Carvalho (2010, p.18), considera-se que “foi igualmente decidida à independência e a
soberania plena de Angola. Seria proclamada a 11 de novembro de 1975”. Após a
proclamação da independência, a República Popular de Angola (RPA), com um governo
formado pelo MPLA, foi de imediata reconhecida internacionalmente por vários estados, e
organizações internacionais, inclusive Organizações das Nações Unidas (ONU) como pela
Organização de Unidade Africana (OUA).

2.5.2. O período da paz fingida em Angola


Segundo Carvalho (2010, p.26), “em abril de 2001, as autoridades angolanas tinham
declarado oficialmente por João Bernardo Miranda, na altura ministro das Relações Exteriores
de Angola a caça a Jonas Savimbi”.

O mesmo já não fazia parte dos planos de paz e dos processos de reconciliação
nacional. No início de 2002, as forças do governo angolano encurralaram os
mais altos dirigentes da (UNITA) na província oriental do Moxico, Carvalho,
diz ainda que a 22 de fevereiro de 2002, em Lucusse foi confirmado à morte de
Jonas Savimbi por tropas governamentais do MPLA. (CARVALHO, 2010,
p.26).

A guerra civil em Angola, só terminou com a morte do então líder da Unita Jonas Malheiro
Savimbi, e deu-se então o início a reconstrução de uma nova Angola. Entretanto, o fim da
guerra fazia antever mudanças por que todos ansiavam.

Para Schubert (2013, p.80), “A realização das eleições parlamentares em setembro de 2008, as
primeiras desde 1992, poderia ser vista como um passo para o pluralismo democrático”.

“Embora as eleições tenham sido consideradas credíveis e transparentes pelas missões da


União Europeia (UE), e da Comunidade para o desenvolvimento da África Austral (SADC), a
vitória do MPLA não foi uma surpresa” (SCHUBERT, 2013, p.80).

2.5.3. História constitucional


A História constitucional é a narrativa, descrição da sucessão normativa jurídico-política
sobre a organização política, material ou formal do Estado, definindo os seus princípios
fundamentais, as liberdades e garantias dos cidadãos e a delimitação dos poderes dos órgãos
de soberania do Estado, num determinado território. Segundo Miranda (2003, p.25), “a
história constitucional pretende chegar às instituições através do estudo da sucessão normativa
constitucional e das correspondentes vicissitudes”.

28
Karl Popper (1957) considera que a visão segundo a qual o mundo é imutável, agarrando-se à
convicção de que é possível prever a mudança porque está se rege por uma lei imutável, é
uma pobreza historicista, é estática, pois, os tempos, interesses, mudam e os atores também,
ou seja, o mundo é dinâmico, os valores mudam de sociedade em sociedade.

É preciso ter-se cautela com o Ressentimento na História, segundo Marc Ferro (2007),
gerando conflitos entre seres ou instituições por razões axiológicas. A História é um marco,
mas nunca é para viver o passado, serve de lembrança como humanos, as vitórias e derrotas,
os heróis e vilões é a vida dinâmica que deve fazer-se através da observação para reorganizar
a sociedade na visão de Augusto Comte (1820). A questão africana e do Estado deve ir ao seu
passado buscar a coesão, memória, os feitos e defeitos para criar-se uma sociedade de paz,
democracia e justiça social, caso contrário é um recuo desnecessário, é violento, retrocesso,
pobreza, discriminação. Importa um novo homem e consequentemente uma nova sociedade
política que lembra para não cometer erros ou falhar deliberadamente, é torná-lo consócio dos
seus direitos e deveres.

Fala-se da primeira constituição de um Estado quando ela adquire a soberania ou alcança a


sua independência política, senhora do seu destino que pode resultar de uma ruptura ou
descontinuidade entre o passado e o presente/futuro ou mera reforma de continuidade. A
ruptura implica uma revolução, consequência de um golpe de Estado e consequente
afastamento compulsivo da elite política do Estado e criação de um novo regime político,
cultura política ou institucional, forma novo tipo de Estado e sujeitos liderantes. A reforma
pode resultar de pactos entre as elites que governam, influenciando o sistema político,
alterando a designação do sistema de governo, cedência de poderes ou partilha, menos ou
mais concentração, avançando para descentralização ou maior autonomia, passagem de um
sistema semi-presidencial para presidencial ou vice-versa, reforço ou diminuição de poderes
do parlamento, passagem de Estado unitário simples, para o Estado unitário regional ou
descentralizado, deum regime monolítico para pluralista.

É com uma ruptura política que os angolanos alcançaram a sua soberania, primeiro por razões
político-militares (guerra de libertação nacional de 1961 a 1974), fragilizando o poder
português ou colonizador, como consequências das lutas seculares das autoridades africanas
ou a resistência colonial desde o século XV ao XX. Tudo isto contribuiu para a queda do
regime colonial, fragilizando-o, com a guerrilha armada comandada pelos movimentos
nacionalistas. Esta guerra dilacerou o poder luso, todas as famílias sentiram a fragilidade do
29
regime colonial com os ataques de 1961, e a aprovação da Resolução sobre a
autodeterminação dos povos dando origem às independências do pós-Segunda Guerra
Mundial.

Portugal sofre o seu maior golpe com o apoio aos Movimentos Nacionalistas (UPA/FNLA,
MPLA e, posteriormente, UNITA). Os Partidos UPA/FNLA e UNITA tiveram grande apoio
feito pelo Ocidente (EUA, França, Inglaterra e países nórdicos) e o MPLA pelo Oriente
(URSS, Cuba, Jugoslávia e China). É o resultado da guerra fria, tendo os apoios como meio
de combates ideológicos da época5. Tudo isto vai precipitar-se com a fragilidade da economia
de guerra, envelhecimento de Oliveira Salazar e a sua morte em 19706. O golpe de Estado
acelerou as independências, forçando a nova ordem política portuguesa pós-golpe a negociar
com os movimentos nacionalistas africanos, com particular destaque para a FNLA, o MPLA e
a UNITA, assinando o Acordo de Alvor, a 19 de janeiro de 1975, prevendo a criação de um
Governo de transição que deveria organizar a Independência e a aprovação da Constituição.
Por isso, parece-me que este documento deve servir de base para a nossa História
Constitucional e Soberania, afastando as polémicas e complexos de afirmação política ou
valorando um e desprezando outro facto.

A Constituição aprovada pelo então Governo de transição como consequência do Acordo de


Alvor, deve ser a primeira Constituição (Lei Fundamental de 30 de junho de 1975) na
transição para a Independência, juntamente com o Acordo de Alvor. Mas ela não foi
efetivada, executada, por não se ter organizado o poder político em coabitação por razões
ideológicas e rivalidades entre movimentos independentes e subscritores daquele Acordo. Foi
assim que, com os conflitos e conquista do poder entre os movimentos, levou ao afastamento
dos grupos que não tinham muita aderência popular ou potencial estratégico e militar na
época na capital do País, e é assim que o MPLA proclamou a independência no dia 11 de
novembro de 1975 e, consequentemente, apresentou uma Lei Constitucional, com um pendor
mais socialista, não admitindo a democracia pluralista, mas tendo o MPLA como a vanguarda
do povo angolano, e as FPLA como seu braço armado.

2.5.4. Lei fundamental de 1975 Governo de transição para a independência


Diga-se de passagem que a Lei Constitucional de 1975 teve a sua fonte na Lei Fundamental
de 1975 quanto aos princípios fundamentais, salvo nas questões mais político-ideológicas,
mas a nacionalidade, limites geográficos, discriminação, igualdade, racismo, discriminação
(artigos 3.º, 6.º, 7.º a 9.º) da Lei Fundamental de 1975, aprovada pelo Colégio Presidencial. A
30
Lei Fundamental impunha como limite aos indivíduos que tenham nascido em Angola e que
não queiram manter a nacionalidade angolana que deviam declarar através de documento
escrito a sua renúncia (artigo 9.º/3) daquela Lei Fundamental. Os órgãos de Soberania
existiam, os transitórios (Assembleia Constituinte, Colégio Presidencial e o Alto-Comissário),
Presidente da República e Poder Judicial.

Ao Alto-Comissário, que era o representante do Presidente Português e do Governo, cabia-lhe


defender os interesses portugueses (artigos 43.º a 45.º) da Lei Fundamental de 1975. O
Governo de Transição era o órgão executivo tripartido entre os Movimentos de Libertação
Nacional, subscritores do Acordo de Alvor e dos representantes do Estado Português, sendo
presidido pelo Colégio Presidencial (artigos 46.º a 58.º) da Lei Fundamental.

A Assembleia Constituinte era um órgão transitório, exerceria o Poder Legislativo, constituía


o Governo, elegeria o Presidente da República e aprovaria a Constituição de Angola, vide o
artigo 8.º O Presidente da República seria eleito até 8 de novembro de 1975, iniciando as suas
funções, depois de 11 de novembro (artigos 80.º/b e 99.º), da Lei Fundamental. O Presidente
da República seria o órgão que representaria a Nação e o defensor da soberania e guardiã da
Lei Fundamental e das leis e constituiria o Governo (artigo 106.º) da Lei Fundamental de
1975. O Governo era o resultado do Acordo de Alvor, ou seja, só os Partidos que o assinaram
podiam participar do Governo, vide alínea d) do artigo 105.º, sendo os seus membros
responsáveis perante o Presidente da República, cabendo-lhes as funções eminentemente
executivas ou regulamentares das funções do Estado. A função judicial cabia aos tribunais,
reconhecendo a independência dos juízes, defendo a independência perante os órgãos de
soberania (Governo, Assembleia e o Presidente da República), o Supremo Tribunal de Justiça
e pelos tribunais (artigos 111.º a 119.º) da Lei Fundamental. A divisão político- -
administrativa era de descentralização com órgãos locais eleitos para órgãos regionais e
locais, sendo o território dividido por Províncias, estas em concelhos, e estes em comunas
urbanos e comunas rurais (artigos 126.º a 13.º), da Lei Fundamental.

2.5.5. Primeira lei constitucional de 1975, Pós-independência: soberania unipartidária


Angola teve a primeira Constituição política efetiva com a proclamação da Independência, em
11 de novembro de 1975, aprovada em 10 de novembro, nas vésperas da independência do
país11, adotando como princípio estruturante de organização do poder político, do tipo
monolítico, esta forma de governo sustentava-se no «MPLA, constituindo a vanguarda da
classe operária e cabendo-lhe, como partido marxista-leninista, a direção política, económica
31
e social do Estado nos esforços para a construção da sociedade socialista» era o consignado
no artigo 2.º

O sistema monopartidário encontra a sua base de apoio no MPLA, era o partido do Estado
Angolano.

2.5.6. Órgãos de soberania e separação de poderes no regime socialista


A Lei Constitucional de 1975 não utilizava a expressão órgãos de soberania, pois, como já
acima dissemos, a soberania era do povo, mas cabia ao MPLA, Partido-Estado, representá-lo,
vide artigo 2.º A sociedade não se diferenciava do Estado, era uma representação forçada, era
a razão de falar-se de órgãos de Estado que devem entender-se como de soberania,

Presidente da República, Assembleia do Povo (substituída pelo Conselho da Revolução), o


Governo e os Tribunais que administravam a justiça em nome do Povo, vide artigos 31.º a
44.º da Lei Constitucional de 1975.

O Conselho da Revolução resultava da falta de estabilidade do Estado em todo o território,


vide o artigo 35.º daquele diploma fundamental. O Presidente da República era por inerência
o Presidente do MPLA e o Presidente do Conselho da Revolução.

É curioso notar que o Chefe do Governo e presidente do Conselho de Ministros não era o
Presidente da República, do MPLA e do Conselho da Revolução, era sim o Primeiro-Ministro
(artigo 39.º). Vai ser depois da revisão realizada com a Lei n.º 71/76, de 11 de Novembro. O
PR e do MPLA passou a ser o Chefe do Governo, presidindo o Conselho de Ministros e
fazendo parte dele, vide alínea a) do artigo 1.º e artigo 6.º da referida Lei de Revisão.

A Assembleia do Povo, como órgão legislativo, não estava instituída até 1980, cabendo ao
Conselho da Revolução aquela função legislativa.

2.5.7. Separação de poderes


Não havia claramente uma separação de poderes, e o governo era do tipo presidencialista de
herança soviética. Na Lei Constitucional revista consagrava a Assembleia do Povo, como
órgão supremo, órgão legislativo (art. 34.º) (instituída em 1980, revisão de 11 de agosto, com
a extinção do Conselho da Revolução); o Conselho da Revolução (era um órgão provisório
até à criação efetiva da Assembleia do Povo, art. 35.º, fazendo a vez da função legislativa em
conjunto com o Governo, art. 38.º, b) e o Governo (art. 40.º).

32
2.5.8. Concentração de poderes e democracia monopartidária ou formal
A Constituição de 1975 tinha uma forma de governo monocrática (poder concentrado em
apenas um órgão ou pessoa), do tipo presidencialista socialista, mas previa mecanismos
democráticos para a eleição de certos órgãos. É óbvio que era uma democracia popular
formal, porque tudo dependia do centralismo democrático; inquinando assim qualquer
tentativa de debate plural de ideia que caracteriza as sociedades abertas:

Debate de ideias sem que para tal seja censurado ou retalhado por ter posições diferentes da
maioria (não é absoluto), existência de diversos partidos para um projeto de sociedade,
independentemente das opções políticas; existência de tribunais como órgãos de soberania
com competência de fiscalização dos atos de outros órgãos.

Em 1975, estava-se perante um Estado «democrático» ainda que com concentração de


poderes, e não de Direito, não sendo respeitada toda e qualquer minoria nem garantida a
liberdade de opção política, o que veio depois a ser concretizado com o princípio do
centralismo democrático, consignado com a revisão Constitucional de 1980, nos artigos 31.º e
32.º, alíneas b) e d), e no artigo 32.º, que dizia: (b) «as determinações dos órgãos superiores
são de cumprimento obrigatório para os inferiores»; (d) «em todos os órgãos colegiais vigora
a liberdade de discussão, o exercício da crítica e da autocrítica e a subordinação da minoria à
maioria».

Esta democracia é claramente formal, porque reconhece que a soberania emana do povo
angolano, cabendo à sua representatividade o MPLA-PT, que constituía a vanguarda
organizada da classe operária e cabendo-lhe, como partido marxista-leninista, a direção
política para a construção de uma sociedade sem classes. Era o espírito do preceituado no
artigo 2.º

Estávamos perante uma sociedade que em termos formais reconhecia a participação popular,
mas condicionada no braço político do MPLA-PT, como partido da dianteira ou da vanguarda
na realização de uma sociedade sem classes, onde a democracia pressupõe sempre a
participação popular, até porque o seu étimo grego (Demos: Povo, Kratos: Poder) dá-nos a
ideia de poder do povo; os mecanismos da participação é que eram obstruídos pelo
centralismo democrático paradoxalmente. Mas deve reconhecer-se que existia uma
participação do povo na vida da sociedade, que era uma representação por via do partido com
a superestrutura do Estado; aí, sim, acho que a democracia do tipo ocidental e pluralista não
existia e não existiam garantias judiciais porque os magistrados eram subalternos por via do
33
centralismo democrático ainda que a lei dissesse que os magistrados eram independentes e só
deviam obediência à Lei.

Não se podia controlar os atos do partido ou dos membros, podendo ser acusado de
contrarrevolucionário.

2.5.9. Relações de poderes, Presidente da República e Governo Primeiro-ministro


A figura de Primeiro-Ministro aparece como um colaborador almofada do PR e do Partido da
vanguarda, parecendo-nos que era nomeado discricionariamente, dentre os militantes ou
colaboradores de confiança, porque o artigo 32.º-C falava-nos em nomeação e exoneração do
PM, e dos restantes membros do Governo; portanto, é de concluir que o PM não era o titular
de um órgão de soberania, Governo, depois da revisão de 1976, acima referida, era sim,
quando nomeado, um membro do governo e não tinha competências próprias, mas delegadas
(art. 43.º, n.°2).

Salvo em situações de supervisão e acompanhamento das atividades dos comissários


provinciais (art. 56.º, n.°1).

2.5.10. Poder judiciário


Na Lei Constitucional de 1975, a função dos tribunais era tratada em apenas dois artigos (44.º
e 45.º), não eram vistos como verdadeiros órgãos autónomos por razões de natureza do
próprio regime.

E na constituição revista e alterada em 1978, por aclamação pelo Comité Central do MPLA-
Partido do Trabalho, aos 7 de janeiro de 1978, não se fala dos tribunais como Órgãos do
Estado, muito menos como órgãos de soberania, no capítulo V (art. 49.º, n.°1) diz: Na
República Popular de Angola a justiça é administrada em nome do povo pelo Tribunal
Supremo Popular e pelos demais tribunais instituídos por lei.

O controlo da legalidade cabia à Procuradoria-Geral da República, que chegava ao ponto de


velar pelo estrito cumprimento da legalidade e demais disposições legais por parte dos
organismos do Estado, entidades económicas e sociais e pelos cidadãos. Era o estatuído no n.º
1 do artigo 52.º.

34
2.5.11. Revisão da Lei Constitucional em 1980, os avanços e recuos nos poderes do
Estado
Com a segunda revisão Constitucional, ocorrida em 11 de agosto de 1980, há de certa maneira
o prolongamento político da primeira, nomeadamente pela extinção do Conselho da
Revolução, já anteriormente de algumas das suas competências de direção política.

Todavia, enquanto a primeira revisão revela um pendor marcadamente presidencialista, a


segunda acentua-se no sentido da instituição de uma forma de estado de opção socialista bem
demarcado, pondo a tónica nos órgãos do poder de Estado-Assembleia do Povo, Comissão
Permanente da Assembleia do Povo e Assembleias Populares.

Em termos gerais, a segunda revisão institui a AP como órgão supremo do poder de Estado
(art. 37.º) e presidida pelo PR; suprime a figura de PM (art. 53.º, alínea d), por exclusão, como
colaborador direto do PR; institui e clarifica o princípio do centralismo democrático (arts. 31.º
e 32.º).

2.5.12. As reformas políticas e identidade do modelo democrático comparado


Como vimos, existem várias formas de Governos, tomando em conta os interesses por
proteger, as Monarquias Europeias não permitem sucessão ao trono de qualquer súbdito,
mesmo propagando-se a igualdade nos termos do artigo 1.º da DUDH. Nas Repúblicas
encontramos formas de Governo Parlamentar onde o PM ou Chanceler é nomeado tomando
em conta os resultados eleitorais ou eleito pelos Deputados eleitos pelo povo, dá grande
legitimidade ao Chanceler como acontece na Alemanha e o Presidente federal também eleito
pelo Parlamento.

Quer nas Repúblicas Federais ou unitárias e regionais existem modelos diversificados de


formas de governação e de eleição e até de sistemas de partidos (bipartidários ou
multipartidários), sistemas eleitorais de maioria simples ou maioritário, proporcional com
resultados de inflacionamento dos partidos ou deflacionando dos mesmos.

As democracias que utilizam o sistema eleitoral maioritários simples são considerados


governos unipartidários, mas pluralistas, embora quase sempre os gabinetes sejam do partido
vencedor, mesmo quando os resultados não absolutos, segundo Arend Lijphart (1999: 27)14,
quando a representação proporcional considerada de consensual, por representar melhor a
diversidade da sociedade, num estudo aturado entre os governos conservadores de 1951 a
1964, de 1970 a 1974 e ao longo do período entre 1979 e 1997 e trabalhistas de 1945 a 1951,
35
de 1964 a 1970, de 1974 a 1979, de 1997 a 2010 e a surpresa eleitoral de 2010 que forçou os
conservadores a coligarem-se com os liberais, por ter obrigado os trabalhistas a deixarem o
poder, dando origem à alternância política anómala ou coligação bipartidária de liberais com
conservadores, levando a questão se o sistema maioritário não estar a ceder a sua tendência
para a bipolarização ou se vai reduzir a força de um partido ou se a coligação vai resistir ao
mandato? Lijphart levanta a questão socioeconómica como sendo a grande diferença entre
conservadores e trabalhistas, com a crise do Estado Social e as exigências da União Europeia,
parece-me que as barreiras serão ténues. Mas, em 1997, o Primeiro-Ministro Tony Blair
defendeu que faria reformas no sentido de corrigir o sistema eleitoral, passando do maioritário
para o de Representação Proporcional.

Tal promessa foi parcialmente cumprida com a eleição para os deputados ao Parlamento
Europeu em 1999, mas não para as eleições parlamentares, embora haja conveniências
políticas dos dois maiores partidos mais beneficiados, segundo Wilson (1997: 72)15. Ou seja,
todos os sistemas políticos podem ter contradições, mas em todas elas há uma identidade ou
história, razão de ser das coisas, tradição ou cultura resultante dos valores que diferem de
sociedade em sociedade, mas até hoje reconhece-se a eficácia da democracia inglesa, mesmo
com as suas contradições é a democracia mais antiga e o modelo mais estável dos últimos
trezentos anos desde 1689 ou da Revolução Gloriosa. É a identidade inglesa. Há ainda o
modelo americano de uma democracia liberal e com um Presidente Chefe do Executivo
unipessoal, tendo apenas Secretários que são seus colaboradores e um Vice-Presidente eleito
com o Presidente e que preside o Senado que é a Câmara Alta do Poder Legislativo, tendo
direito a voto em caso de empate e pode substituir o Presidente em caso de impedimento
daquele. Coisa que seria impensável na Europa, pelo facto de haver nítida separação entre o
legislativo e o executivo; assim como para os americanos um Chefe de Estado não eleito e
que seja hereditário é contra a sua ética ou proceder político.

É isto que serve de modelo de democracias. A Índia, com as suas castas, tem uma democracia
oriental exemplar e estável, com um executivo dinâmico, mas com uma discriminação
cultural entre Hindus e Muçulmanos, não deixando de ter a sua identidade política que o
mundo admira. O Brasil de Sarney, Cardoso e Lula da Silva e agora de Dilma mostra uma
pujança respeitável no combate à pobreza, tecnologias, racismo, proteção do ambiente que o
mundo reconhece, tendo a sua particularidade carnavalesca e futebolística como sua
identidade. A Argentina de Perón, Menem e da dinastia Kitchner mostra uma pujança

36
económica e intelectual que é uma referência de cooperação internacional e de recuperação
industrial e financeira.

A China de várias culturas, economias e modelos democráticos monolíticos e pluralistas, já é


a segunda economia, arruinando a visão de Fukuyama e Huantington, segunda a qual só nas
democracias liberais pode haver alternância, desenvolvimento e estabilidade. Não há verdades
absolutas em questões de História Constitucional, há valores que diferem e influenciam as
constituições ou regimes, sejam democráticos bipartidários, multipartidários, autoritários ou
monopartidários, é a opção dos povos, embora a extravagância possa gerar pânico, mas pode
obrigar uma reflexão para melhor compreensão dos outros, olhando-os como são e não como
queremos.

O direito é resultado dos valores de um povo num determinado território e que aceitam, ou
não, os seus líderes, é isto que é a soberania e estes protegê-los. Todos os povos ou Estados
criam os seus regimes tomando em conta a sua maneira de estar e sentir, a sua história,
línguas, arte, filosofia e direito ou, melhor, a sua identidade. No mundo ainda que globalizado
onde a informação é avassaladora todos aceitam ou recebem a música, a gastronomia, a
tecnologia e as experiências políticas, históricas ou filosóficas mas a identidade é fundamental
como, por exemplo, os franceses e portugueses designam o seu Chefe de Governo por PM e
os espanhóis de Presidente do Conselho, os Alemães e Austríacos de Chanceler.

2.5.13. Sistemas políticos ou de governos e reforma constitucional


A revisão Constitucional teve sempre em conta os valores estatuídos na Lei Constitucional
23/92, de 16 de setembro, mormente nos artigos 158.º e 159.º, todos da Lei Fundamental.

Levantava-se a questão de saber se o figurino constitucional político do sistema de governo


devia manter-se ao modelo de 1992 ou romper-se, se um Presidencialismo puro, fraco ou
mitigado. Raul Araújo levantou tal questão nas suas obras sobre o Sistema de Governos e o
Presidente da República16. O Professor França Van-Dúnem (2002) levantava questões sobre
a forma republicana do governo como um dos limites de revisão Constitucional que não
constava da Lei Constitucional de 1992. Para nós, era uma questão de clarificação do sistema
de governo e não do sistema político, os avanços ou recuos não eram relevantes, o importante
seria manter a democracia pluralista, mas quanto aos atores políticos o importante era não
desvirtuar o sistema democrático e pluralista.

37
2.5.14. Anteprojeto de constituição da primeira legislatura, 1992/2008
Parece-nos que o Anteprojeto apresentado em 2004 inovara em muitas matérias como a
valorização do costume secundum legem, língua angolana equiparada com a portuguesa,
Capital; sobre os Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais; Direitos e Deveres
Económicos, Sociais e Culturais; Poder Local19; Instituições do Poder Tradicional, a Garantia
e Controlo da Constitucionalidade. Consideramos uma ousadia nestas matérias e clarificou-se
muito bem o essencial sobre os limites do Estado em relação aos administrados ou cidadãos.
Mas não foi concluído por divergências políticas entre os Partidos Políticos naquela
legislatura, tendo sido extinta aquela Comissão Constitucional no final de 2004, por retirada
da Comissão dos Partidos da oposição, por terem tido uma estratégia de exigir eleições gerais.
Embora existisse conflitos sobre as autarquias locais e governos locais.

Discutia-se também as relações entre o Poder Executivo e Legislativo. Pois a legitimidade dos
dois órgãos é democrática e, como tal, direta, implicando maior legitimidade política. Como
cabe aos dois a função política e como tal primária em relação à administração ou executivo
deveria haver maior clarificação naquilo que se pode chamar de órgãos de soberania, quanto
ao modo de eleição clássica que se previa.

Ao PR compete conduzir a Nação, representa-la interna e externamente, por isso não choca
ser o Chefe de Governo, típico dos regimes presidenciais e democráticos. Mas cabe-lhe
também à assunção da responsabilidade política da condução do Governo. Mas para evitar-se
conflitos futuros devem criar-se mecanismos que possam garantir a estabilidade política e
social de Angola. A experiência francesa tem mostrado que é possível tal equilíbrio com a
coabitação, em caso de maioria parlamentar diferente da do Chefe de Estado, vide artigo 8.º
da Constituição Francesa de 1946.

E mesmo que assim não fosse importa sim atender as relações de equilíbrio entre o Chefe de
Estado e o Parlamento, pois a função executiva é subordinada à função política e legislativa.
Nota-se que havia um reforço ou clarificação dos poderes do Chefe de Estado, próprio das
reformas políticas onde a Assembleia Constituinte é normalmente influenciada pela práxis das
elites governantes ou por figuras de autoridade excecionais ou carismáticas, como aconteceu
na França de Charle De Gaulle.

Nas relações políticas o subjetivismo é constante, e como consequência é o temor reverencial


àqueles que sempre influenciaram a vida política partidária ou do Estado, parece-me ser uma
questão de cultura política que só é fácil romper com a mudança de gerações ou
38
descontinuidade política. A grande questão não está nas funções de Chefe de Estado e do
Governo, parece-nos é na responsabilidade política entre os sujeitos da ação política do
Estado e a sua interdependência.

A História tem mostrado que os equilíbrios criam consensos, mas a nossa práxis política tende
sempre para o reforço dos poderes do Chefe de Estado. Foi assim em 1975 e 1976, a
supressão da figura do Primeiro-Ministro em 1980 e a reabilitação da figura nos anos noventa
até ao presente momento, com o reforço do Acórdão 17/1998, do Tribunal Supremo nas
vestes de Tribunal Constitucional. A identidade política resulta da nossa práxis e não como
ato acidental.

2.5.15. Reforma constitucional e clarificação do sistema político e direitos fundamentais


A reforma constitucional foi um imperativo da Lei Constitucional de 1992, que era um
documento precário, transitório, vide artigo 14.º daquela Lei de Revisão Constitucional 23/92,
e com poucas garantias no âmbito da defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias dos
Cidadãos; fragilidades quanto às garantias da Constitucionalidade. A Lei Constitucional 23/92
foi aprovada por uma Assembleia Monopartidária, ainda que tenha sido sufragada em 1992,
ela caducou com a existência de uma nova Assembleia, saída das eleições gerais de 29 e 30 de
setembro de 1992, era um documento que remetia para a nova Assembleia todos os atos
necessários para a aprovação da nova Constituição, vide o n.º 3 do artigo 154.º do referido
diploma, que admitia aprovação ou revisão Constitucional a todo o tempo, admitindo
flexibilidade e não rigidez, típica das Constituições, aprovadas com mais solenidade,
pluralidade e discussão.

2.5.16. Constituição de 2010 e a nova ordem política


Com a aprovação da Constituição de 2010, o Estado Angolano reforçou a democracia e
clarificou o sistema de governo, delimitou a soberania do Estado, definiu os Direitos,
Liberdades e Garantias Fundamentais dos Cidadãos, bem como impôs os limites dos órgãos
de soberania e o respeito pela Constituição como imperativo de uma nova era; cria-se uma
nova ética do Estado; nova República ou regime constitucional que formalmente é o primeiro
poder soberano dos Estados modernos.

A resposta é que o Poder Constituinte originário ou derivado é único, é do momento da


aprovação da Constituição, por isso é que nem o Presidente da República pode recusar-se em
promulgá-la, segundo o n.º 2 do artigo 234.º da CRA. A promulgação é um procedimento

39
obrigatório, não é possível recusar-se, vetar politicamente, por isso é que é Poder Constituinte,
é o funda ou refunda o Estado, decreta uma nova ordem social, económica, social, cultural e
política.

As datas de 30 de janeiro e de 3 de fevereiro de 2010 são resultado da continuidade de 21 de


janeiro, sem ela não haveria Constituição, assim como sem as eleições de 2008 não seria
possível legitimar a autoridade do Estado para romper com uma tradição anterior.

A História Constitucional Angolana vai servir de modelo sobre a história das reformas
políticas no Continente Africano, pois rompe com o paradigma clássico dos sistemas de
governo de sociedades democráticas e pluralistas, com o Modelo Presidencialista-
Parlamentar, onde o Chefe do Executivo e também o Presidente da República, mas como
consequência de ser o Cabeça de Lista do Partido ou coligação de Partidos com a maioria
Parlamentar. Este modelo de governação constitucional rompe com a tradição constitucional
de separar a eleição do Chefe de Estado nas Repúblicas com as eleições parlamentares,
legitimando o Chefe do Executivo ou por via da maioria Parlamentar (Presidente do Partido,
Secretário Geral do Partido ou da coligação com mais voto) ou também um Presidente da
República que é Chefe do Executivo, mas eleito em eleições diferentes ou separadas das
legislativas.

Fruto desse desenvolvimento legislativo, os direitos fundamentais acabam por seguir esse
processo, sendo que tratado o direito à vida com mais relevância e protegido, apesar que na
realidade há sempre violação desse direito, de forma directa ou indirecta.

2.5.17. Conceito do direito à vida


O direito à vida é um direito de personalidade que não está regulado em especial no Código
Civil, não encontra neste articulado legal um regime próprio. No entanto, encontramo-lo
consagrado no artigo 30.º da Constituição da República Angolana de 2010, que declara que a
vida da pessoa humana é inviolável, que é protegido e respeitado pelo Estado angolano, e que
em caso algum haverá pena de morte.

No ordenamento jurídico angolano, encontra-se previsto na sua constituição de 2010, no seu


capitulo II, direito, liberdade e garantias fundamentais, na secção I, com a seguinte descrição
Direito e liberdades individuais e colectivo no artigo 30.º CRA, com epigrafe Direito à vida,
com a seguinte descrição o Estado respeita e protege a vida da pessoa humana, que é
inviolável. Neste artigo pode notar que o Estado angolano acaba por aderir e reconhecer, um
40
dos principais direitos humanos consagrado na carta das nações unidas, sendo que a maioria
dos países democráticos acabaram por concordar e aderir com esse direito, é claro que Angola
sendo uma república democrática, contudo o legislador angolano teve cuidado de regular e até
criar uma norma especifica que acaba por proteger esse direito (isto no artigo 59.º a proibição
da pena de morte).

O direito à vida não é discutido na sua acepção típica, já que a ninguém é licito ofender a vida
de outrem, salvo as excepções legais devidamente consagradas na lei penal. Os casos onde a
discussão sobre o direito à vida apresenta maior dificuldade de consenso resultam, em regra,
de situações limite da vida das pessoas, como é o caso da eutanásia e do suicídio, ou do
auxílio ou incitamento a este, e ainda os casos de interrupção voluntária da gravidez. Das
situações referidas o suicídio consiste no único caso em que, embora não sendo lícito, não é
punível, o que não é difícil de compreender, porquanto daí não adviria prevenção nem
redenção prováveis. Muito provavelmente o sujeito, sabendo que seria punido, poderia atentar
novamente contra a sua vida.

2.5.18. A pessoa singular


A pessoa singular surge com a criação da vida, com a concepção biológica de um ser humano.
Até ao momento em que ainda não houve concepção, o Direito considera a pessoa como
concepturo (nascituro não concebido), a pessoa humana ainda não concebida, e consiste numa
figura jurídica que tem essencialmente relevância para efeitos de sucessão e de doação.
Inversamente, após a concepção e antes do nascimento, o Direito considera a pessoa humana
como nascituro, figura com relevância em várias situações jurídicas, dependendo do seu
nascimento completo e com vida.

O Direito refere-se ao nascimento das pessoas humanas no Título II, Capítulo I do Código
Civil sob a epígrafe pessoas singulares e no qual consagra as regras legais gerais relativas às
pessoas humanas. Neste, o art. 66.º, n.º 1, faz depender a personalidade jurídica da pessoa
humana de dois requisitos cumulativos, do nascimento completo e com vida. É com o
nascimento com vida do nascituro que este adquire não só personalidade jurídica, mas
também adquire capacidade jurídica de gozo de direitos.

Alguns autores entendem que o nascituro não tem quaisquer direitos pelo facto de não ser
autónomo biologicamente em relação à mãe, no entanto a maioria da doutrina entende que o

41
nascituro desde o momento da sua concepção é um ser humano que, por mais embrionária que
seja a fase em que se encontra, já goza de certos direitos.

A larga maioria da doutrina refere que a tese pela qual se defende que o nascituro não possui
direitos devido à sua dependência da mãe carece de fundamento, porque também o recém-
nascido com vida continua numa situação de enorme fragilidade, talvez mais do que antes de
nascer, e depende da mãe para quase tudo. Partilhamos desta última visão, já que igualmente
consideramos que ao nascituro na qualidade de ser humano é merecida toda a dignidade que é
reconhecida à pessoa humana, razão pela qual consideramos que é titular de certos direitos. O
nascituro não goza somente de uma protecção jurídica objectiva, porque se assim fosse apenas
seria visto como um objecto aos olhos do Direito.

O nascituro não é um objecto do Direito, porque é uma pessoa humana e disto depende a sua
personalidade jurídica. Assim consideramos que as pessoas singulares adquirem a
personalidade jurídica ainda antes do seu nascimento completo e com vida e não como dispõe
o Código Civil no seu art. 66.º, n.º 1, devendo entender-se que a referência à personalidade
jurídica significa que a mesma já existe, mas será retroactivamente desconsiderada se não
houver nascimento completo e com vida.

2.5.19. Direito de personalidade


Para efeitos do presente trabalho debrucemo-nos somente no direito à vida, como espaço de
liberdade concedido à pessoa humana para regular a sua vida e nela tomar as decisões que se
lhe aprouver, desde que em respeito pelos direitos dos demais sujeitos, e não se ver privado da
sua vida. O direito à vida consiste num direito de personalidade absoluto, mas não tão
absoluto a ponto de ao seu titular ser legítimo atentar contra a sua própria vida.

O Código Civil consagra os direitos de personalidade nos artigos 70.º e seguintes, onde
começa por estabelecer uma tutela geral dos direitos de personalidade referindo que, a lei
protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade
física ou moral. Esta disposição não confere por si só um direito geral, mas somente uma
protecção geral ao conjunto de bens da personalidade, onde se insere o direito à vida. Por
conseguinte, não podemos extrair deste preceito legal um direito subjectivo, porque seria
demasiado indefinido, afastando-se a possibilidade de aplicação do regime próprio dos
direitos subjectivos. Todavia o artigo 70.º do Código Civil permite que pela sua tutela surjam

42
vários direitos, os direitos subjectivos de personalidade, onde já destacámos o direito à vida,
que adiante analisaremos.

2.5.20. Violação do Direito à vida


As violações do Direito à vida são em princípio ilícitas, salvo quando se provar que o agente
da violação actuou no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever. O juízo de
ilicitude, além de apurar a existência de um destes dois requisitos, tem igualmente de
ponderar os direitos em conflito no caso concreto. Isto significa que o exercício de um direito
só poderá prevalecer sobre o Direito à vida de outrem em circunstâncias verdadeiramente
excepcionais, como, por exemplo, no exercício do direito à legítima defesa própria ou de
terceiros. Também o cumprimento de um dever só em casos muito excepcionais poderá
prevalecer sobre o Direito à vida de outrem, como, por exemplo, quando um elemento policial
dispara sobre um sujeito, provocando-lhe a morte, em legítima defesa de terceiro cuja vida
também estava em perigo.

Por conseguinte, constatamos que o juízo de ilicitude consiste numa ponderação das
circunstâncias, designadamente a actuação do lesante, a actuação do lesado e a necessidade de
conduta lesiva. Apenas quando a lesão for necessária para afastar o perigo para a vida de
outrem é que ela pode ter lugar.

Na apreciação de uma conduta lesante é igualmente necessário um juízo de culpa, que releva
nos casos em que a ilicitude não é afastada, em que é essencial verificar se existem causas de
exclusão da culpa e, em caso contrário, graduar a culpa, apurar a medida da culpa do lesante
no caso concreto.

Estabelecido o juízo sobre a conduta do lesante e apurando-se que a mesma foi ilícita e
culposa, a título de dolo ou mera culpa, haverá lugar à responsabilidade civil por factos
ilícitos, tendo o lesante obrigação de indemnizar consoante o consagrado nos artigos 483.º do
CC.

2.6. Quadro legal


 Constituição da República de Angola, promulgada a 05 de Fevereiro de 2010;
 Código Civil angolano;
 Código Penal angolano, Lei n.º 38/20 de 11 de Novembro;
 Constituição da República de Portugal, promulgado no diário da república n.º 155 – I
Série - A, de 12 de agosto de 2005;
43
 Código Civil português, DL n.º 47344/66, de 25 de Novembro;
 Constituição Federal, Lei n.º 128/2022.

III. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO


Angola, oficialmente República de Angola, é um país da costa ocidental da África, cujo
território principal é limitado a norte e a nordeste pela República Democrática do Congo, a
leste pela Zâmbia, a sul pela Namíbia e a oeste pelo Oceano Atlântico. Inclui também o
enclave de Cabinda, que faz fronteira com a República do Congo, a norte. Tem como capital a
cidade de Luanda, e tornou-se independente de Portugal aos 11 de Novembro de 1975, tem
como língua oficial o português, e várias línguas maternas dependendo de cada região.

Tem uma área de 1.247.700 km², e uma densidade populacional de 31,83 milhões, tendo um
território composto por dezoito províncias. O país tem vastos recursos naturais, como grandes
reservas de minerais como o diamante, o ouro, o manganésio, o cobre, o mercúrio, bem como
uma bacia hidrográfica muito rica cujo seu maior rio é o Cuanza.

44
Outrossim, é um pais rico em cultura, com inúmeras tribos ou etnias, da qual destacamos os
ovimbundo, os mucongos , os kimbundos, os nganguelas, os nhanecas umbi, os ovambos, os
tchokwes, etc. A literatura de Angola nasceu antes da independência e é composta por várias
obras e muitos autores de renome.

Mas o recurso que sustenta a sua economia é o de petróleo e no corrente anos de 2022,
Angola tornar-se-á o maior produtor na África passando a Nigéria. Desde o ano de 2002, sua
economia tem apresentado taxas de crescimento que estão entre as maiores do mundo,
especialmente depois do fim da guerra civil. A sua moeda monetária é o Kwanza.

Independentemente deste crescimento económico, os padrões de vida dos angolanos


continuam baixos e cerca de 70% da população vive com menos de dois dólares por dia,
enquanto as taxas de expectativa de vida e mortalidade infantil no país continuam entre as
piores do mundo, além da presença proeminente da desigualdade económica, visto que a
maioria da riqueza do país está concentrada numa parte desproporcionalmente pequena da
população.

Angola também é considerada um dos países menos desenvolvidos do planeta pela


Organização das Nações Unidas e um dos mais corruptos do mundo pela Transparência
Internacional e nos anos tem feito alguns avanços no que toca o respeito pelos direitos
humanos.

Quanto ao clima Angola localiza-se numa zona tropical, tem um clima que não é
caracterizado para essa região devido a confluência de factores como:

1. A corrente fria de Benguela;


2. O relevo no interior;
3. O deserto do Namibe

Assim sendo o clima de Angola é caracterizado por duas:

1. Chuvosa que vai de Outubro a Abril, com grandes chuvas sobretudo no interior do
país;
2. Seca que decorre de Maio à Agosto, conhecida por cacimbo, um período muito seco
com temperaturas muito baixas.

A população de Angola em 2014, depois do primeiro censo pós independência foi de vinte
cinco milhões sendo as mulheres a maioria. O regime político vigente em Angola é o

45
presidencialismo, em que o presidente da república é igualmente chefe do executivo, que tem
ainda poderes legislativo. O sistema legal baseia-se no português.

O sistema judicial é por hoje constituído a base pelos tribunais de comarca, a seguir os
tribunais de relação e por fim o tribunal supremo, isto na jurisdição comum. Quanto a
jurisdição especial temos os tribunais de contas e o constitucional. Entretanto a guerra civil,
causou sérios danos às instituições angolanas sejam elas políticas ou sociais.

46
IV. METODOLOGIA
4.1. Tipo de estudo
O estudo feito foi realizado com base na pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa.

4.2. População e amostra


População

Constituição da República de Angola; Código Civil angolano; Constituição da República de


Portugal; Código Penal Português.

Amostra

Teve –se em consideração os seguintes artigos. Constituição da república da Angola: arts.


30.º, 59. º.

Constituição da República de Portuguesa: artigos 24.º, 25.º

Código penal português: artigos 134.º, 135.º e 150.º.

Código civil angolano: arts 66.º, 70.º, 483.º.

4.2.1. Critério de inclusão


Neste trabalho foram usados apenas os artigos que se mostraram pertinentes para responder a
pergunta de partida e os objectivos preconizados.

4.2.2. Critério de exclusão


Neste trabalho são excluídos os artigos que não têm conexão com aqueles que já foram
referenciados acima.

4.3. Métodos utilizados


Os métodos utilizados na materialização desse trabalho foram o dedutivo, histórico- lógico, o
comparativo. O dedutivo que nos permitiu, em primeira instância, elaborar incursões gerais, o
histórico-lógico foi suporte na abordagem de natureza histórica do direito do trabalho.

Quanto ao método comparativo foi utilizado na comparação da abordagem do direito à vida


como um direito fundamental em outros ordenamentos jurídicos nomeadamente o Português e
o Brasileiro.

47
4.4. Procedimentos e instrumentos ou técnicas para a colecta de dados
Para o estudo desta temática foi usado conteúdos, de bibliografia específica do direito
constitucional, trabalhos científicos sobre direto do direito em geral, usou-se também artigos
científicos e legislação nomeadamente a constituição e o código civil.

4.5. Processamento de dados


O texto foi elaborado no programa Microsoft Word 2010.

48
V. RESULTADO E DISCUSSÃO
Fruto da pesquisa realizada entendemos que conseguimos encontrar alguns resultado bastante
interessantes, mas antes disso é necessário entendermos que todo e qualquer outro direito
fundamental depende com exclusividade do direito à vida, porque sem vida não há como
materializar os outros direitos previsto nas legislações primarias e secundarias (no caso
concreto a Constituição ou a lei magna, e códigos e legislações avulsas), entre os
constitucionalistas não existe uma unanimidade quanto a questão da concretização ou
efectividade deste direito, sendo que os português apresentam um exemplo claro sobre a
violação deste direito como o caso da inexistência de médicos de família suficientes, das
urgências que encerram por falta de recursos. Enfim neste momento temos grandes
dificuldades em cumprir a obrigação de salvar vidas. Sei que temos dificuldades e que não
somos um país rico. Não conseguimos garantir os cuidados paliativos a quem sofre, mas
recuso-me a acreditar que alguém pense que a despenalização facilitará a boa gestão dos
recursos.

O mesmo problema podemos constatar em alguns países da própria Europa, como também a
desigualdade entre o estrato social e econômico de cada família, mas já tem existido um forte
esforço por parte de cada governo para solucionar esses problemas, como é o caso da França
onde muitos imigrantes não tinham determinados direitos pelo facto destes serem
estrangeiros, mas o actual presidente tem implementado políticas que visam salvaguardar
diversos direitos como é o caso da vida, tendo aqueles o mesmo tratamento nos hospitais, e
outras instituições privado ou público.

Na realidade brasileira notamos que há actualizaçao da própria constituição Federal, o que nos
leva a pensar que este Estado está bastante preocupado com os seus concidadãos, e com a
efectivação dos direitos fundamentais previsto na lei acima citada, apesar das recentes
mudanças das políticas governativas, o presente presidente tem como principal objetivo a luta
contra a fome e a desigualdade social, educação para todos, voltar a criar um bom ambiente
que permita atrair novos investidores, passando a existir mais postos de trabalho, mas o
trabalho não está ser fácil mas tem existido esforços para alcança-los, ao passo que uma
sociedade só desenvolve quando são respeitados os direitos fundamentais, e a sua proteção,
tanto do ponto de vista legislativo, como na aplicabilidade cotidiana desses direitos.

Na realidade angolana podemos notar um globo que é constituído por momentos, eu vai desde
a independência onde encontramos as formações políticas apoiadas pelos does sistemas

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políticos econômico (Sistema capitalista pertencente aos Estados Unidas da América; Sistema
socialista pertencente a União Soviética), com isso ouve uma união à nível dessas formações
para a independência, depois da conquista da mesma, verifica-se uma luta pelo poder ou seja
qual é o partido político que poderia governar em meio de uma nuvem de desconfiança e
incertezas, o MPLA já estava mais organizado tanto politicamente, como do ponto de vista
legislativo fruto disso foi com a criação da primeira Lei constitucional aprovada no mesmo
ano da proclamação da independência. Passando para o outro momento do conflito interno
pela luta do poder que levou alguns anos e notamos que os direitos fundamentais (com
exclusividade o direito à vida) foi o mais violado tanto é que o momento não havia como tal a
efectividade qualquer direito, mesmo com esse momentos de luta havia sempre uma trégua o
que levou ao crescimento da própria legislação constitucional, depois da paz havia a
necessidade de unificar o povo angolano, sendo que todos teriam os mesmo direitos e deveres
previsto na Lei mãe, fruto da mudança global do ponto de vista político, econômico e social,
foi aprovado a constituição de 2010 que é mais robusta e que traz uma nova dinâmica política,
econômica e social, até com esse avanço legislativo era um passo importante para
democratização dos direitos fundamentais, onde o direito à vida é protegido e salvaguardado
(previsto nos artigos 30.° e 59.° do CRA), mas no dia a dia tem sido uma luta para efectivação
desse direito, que cada vez mais violado basta nos olharmos pelas nossas comunidades onde
falta o básico para subsistência do cidadão a falta de saneamento básico, falta de hospitais
públicos, escolas, emprego para juventude que causa a fome e leva a pobreza extrema do
pacato cidadão, a falta da distribuição equitativa das riquezas que o país tem, o Estado com o
a apoio de outros autores tem procurado solucionar essas questões, mas não é fácil e até para
alguns entendem que é falta de interesse por parte do governo no que concerne a resolução
dos problemas sociais, e como consequência desses atropelos ao direito à vida, leva os jovens
a manifestarem-se para reivindicarem esse direito e outros, e a força de segurança pública
acaba por exceder do uso da força colocando de forma directa o direito à vida em risco.
Quando falamos na efectividade do direito à vida é uma questão muito frágil e necessita que
cada Estado analise seus princípios e há de facto está efectivação, e averiguar os atropelos
para dar solução concreta.

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VI. CONCLUSÕES
De forma conclusiva, se percebe que a vida tem uma origem bíblica que descreve como um
dom de Deus, e depois disso o homem apresenta uma descrição diferente da primeira, mas
nota-se que no decorrer do tempo esse direito passa a ser mais importante de qualquer outro
direito, sendo previsto pelos diversos ordenamentos jurídicos, conduto este países acabaram
por abolir a pena de morte que era de costume e praticado no passado, a vida humana é o bem
supremo e não lhe pode ser reconhecido um maior ou menor valor económico consoante os
anos já vívidos. A ser friccionado um valor deve o mesmo valer para todos os estádios da
vida, só podendo haver lugar à redução de um cálculo indenizatório devido à graduação da
culpa do agente.

O Estado tem sido o guardião dos direitos fundamentais, o mesmo também tem violado esses
direitos, o exemplo prático é a falta de saneamento básico nas comunidades de Luanda o que
acaba por colocar em risco o direito à vida, o que nos leva a refletir sobre o papel dos
governantes para com os governados, e quando não há seriedade e compromisso com os
governados então não a efectividade dos direitos fundamentais.

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VII. RECOMENDAÇÕES

Recomenda-se a Assembleia Nacional que produza normas mais eficientes que possam
efectivar o direito à vida, tanto para os menores e adultos que vivam em lugares precários e a
sua sobrevivência depende das políticas governativas, seria um trabalho conjuntural entre
Assembleia e o toda maquina governativa, culminando para uma distribuição equitativa dos
recursos econômicos, havendo a proteção deste direito fundamental.

A segunda recomendação vai para outros actores interveniente no processo de crescimento da


sociedade como é o caso das igrejas, universidades, associações, e todos nós, devemos
contribuir de forma a levar, informação sobre o direito à vida que cada indivíduo tem e que
ninguém pode violar sub pena de recair sobre si responsabilidades, pelo facto de existir um
dano, sendo que cada um contribuiria para que a população passa-se a ter conhecimento sobre
a temática.

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VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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