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Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hérster 2012 |uisouto Gongalves | WladimirBrito 1 Mario Ferreira Monte 1 Fetnandode Gravato Morais | ClaraCalheiras | Cristina AraGjo Dias ALMEDINA ESTUDOS EM HOMENAGEM ‘AO PROFESSOR DOUTOR ‘HEINRICH BWALD HORSTER [ais Coots Gongs | Wasim Retr | Maio Festa Monte | Fersandode Gavas Moras | Cha Calbtr Crit Arai Dia EDIQOES ALMEDINA, S.A ‘es Ferandes Toms, 22° 76-60 3000167 Coimben “Tels 299BS1 904: Fa: 73951901 svaledina net edtorapalnedinanet PBA pag-imtensssho EDIGOES ALMEDINA, S.A IMerREssho | ACARAMENTO PAPELMUNDE, MG, LDA. YN de Famalicho Dezembro, 2012 pergsrro LEAL ssz2i4/12 Apsir doco rigor coloesdos na labora d resent ona, devem ‘ot diplomas legis dea constants ser sere ober de confine cms st publics ofc ‘Tada srepeodato esa obra, por Fotos ow or qualquer aocts0, sem preva storia excita do Editor passe de procedimente Judi conta tater ‘oRUPOALMEDINA ninntorzea waciowa1 px roxrucA~ caraLoengto na row:tcasho [ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR DOUTOR [HEINRICH EWALD HORSTER rude em Homensgem a Pofeunr Dostr Hein: wa iter / coord, Ls Couto Gongales ral] ISBN 978-972-40-4996-0 ~GONGALVES, [ais Couto couse Direito ao divércio, direitos reciprocos dos cOnjuges ereparacao dos danos causados: liberdade individual eresponsabilidade no novo regime do divércio RITA LORO xAvIER* ‘somAnto: 1, Introdusfo. 2. Concegéo de divércio subjacente & modalidade do divdreto sem consentimento de um dos ebajuges e sua concretizagio normative 3. Devers conjugalsreelprocos e dficuldades experimentadas na concretizagéo pri- tea das novas normas. 4 Obrigngio do cOnjuge que requereu o divércio com funda- ‘mento em alteragto da facldades mentals do outro de reparar os danos causados pela dissolugSo do casamnento. 5. Reparagio de danos causados a0 outro cinjuge nos termos geris da responsibilidade civil e seus pressuposos. 1. Introdugio Em 1 de Outubro de 2008 foi publicada a Lein® 61/2008, que aleerouo regime Juridico do divércio em Portugal. Esta lei implicou mudancas nos processos de dlivérco e de separagio de pessoas e bens, mas também alreragbes substanciais * Profesorad Escola do Portada Faculdade de Dseito da Universidade Catia Prtuguest. a estent do Senor refer Deut Hetrch Ewald Herr, na dcilina dee defen ‘Universade Cates Pores Port, arene mais de des nas, pu enfiar da profndad, et fin rigor gue caracteroa ou enn, bm como da sus hese ctf leldade a lg ‘om dcntse cnt, Ne tu Ihe dedi, vito wn tema qu le ar esoneo gual eee, 1995, Receteent stad of a neh principio da falda da aration como wn fps da a pliner do dé, mut embors, do seu pnt devs, onguadrment dle eta no ‘eomalsadeuads, [BSTUDOS EM HOMBNAGBM AO PROFESSOR DOUTOR HEINRICH EWALD HORSTER relativamente as consequénctas dos mesmos, sobretudo mo que se refere aos efeitos entre os ex-cénjuges'. Na origem da reforma esteve um projeto de let subscrto por alguns deputados eleits pelo Partido Sociaista (Projecto de Lei 1 509/X). No plano das relagdes conjugais,o ponto de partida foi averiicagso do aumento do mimero de divércios ¢ a abordagem do casamento centrado nos -afectoss e no hem-estar dos individhng aderiv-se } comviegsa de que waceitar o divérciow é sinal de «valorizagio de uma conjugalidade feliz c conseguida» e propés-se «maior liberdade», «menos constrangimentos» no divércio e na se- paracao ¢ a climinagio da «carga estigmatizadora e punitiva que uma logica de {dentificagio da culpa s6 poderia agravar. Para o tema que neste momento me cua, interessa-me ressaltar os seguintes aspetos da concretizagio normativa das opgdes subjacentes as alteragoes legslativas: a irelevénia do lito conjugal culposo part efitos de decrtamento do divéreio, consagrando-se agora uma tnica ‘modalidade de divércio contencioso a requerer no tribunal, com fundamento na rutura do casamento ~ 0 divircio sem consentimento de um dos cénjuges (artigos 17738, n*1,€ 781° do Césdigo Civil) a eliminazto da exigenca legal de declaragto do <énjugeculpado ou principal culpado no divércio, declaragio que, na lel antiga, inluia za determinagio de alguns efeitos patrimoniats do divércio; o prinefpio de que cs peidos de reparagt de danos esultantes do divérei sto apreciados nos ermas eras da responsabilidad cite nos tibunats comuns (artigo 1792, n° I, do Cédigo Civil) 2. Concegio de divércio subjacente & modalidade do divéreio sem consen- timento de um dos edinjuges e sua coneretizagto normativa Na nova modalidade de divércio contencioso, © cénjuge que pretende obter a dissolugdo do casamento tem de propor uma ago judicial, alegando ¢ provando factos que possam constituir uma causa objetiva de divércio, a rutura do case- ‘mento (artigo 1781! do Cédigo Civil). Muito embora na exposigSo de motivos do Projecto de Lei se afirmasse que a «invocecto da ruptura definitiva da vida em ‘comuum deve ser fundamento suficiente para que o divéreio possa ser decreta- dor, 0 certo é que nao basta a manifestacio da vontade de um dos c®njuges para que 0 divércio seja decretado. Nfo foram, por isso, levadas até as suas wltimas ‘consequéncias as opgbes ideolégicas do Projecto, néo tendo sido consagrado 0 chamado adivércio-repsidion, que seria manifestamente contriio & dignidade a pessoa humana e & propria instituigio do casamento * Ow obnjuges se ntiver em caus uma separa de psoas chen * Parumaapreciago gral ertica das opgdes do Pojecso quanto exe agpets, clromente mat «das do ponto de vista eoligco alhelasa qualquer esata de polis familia cf. Reza Lo#0 2avtnn 2008), pp Se ® Gummmaags Oven fra que nis quls-aolher un regime de dvério-pod> 2010), S| Para Hames Huse, cx tia anise odvireloéconzoquénca da vontade nian ce rubjetva de um dos cbnjuges [(2010),p. 95) |Li88RDADE 1NDIVIDUAI.B RESPONSABILIDADE NO NOVO REGIME DO DIVORCIO ‘Para além das situagSes mais particulares — ¢, porventura, também de ocor- éneia mais rara~ previstas nas alineas ) ec) do artigo 1781” do Cédigo Civil, perilam-se agora outras duascausas de divéreio que manifestam a «rupture do Easamenton: a «separagéo de facto por um ano consecutivo» (sendo o conceito ide separagio de facto, para este efeito, determinado pelo artigo 1782*) [alinea fs € saoaiaquer outros factoe que, independentemente da culpa dos ednj {ges mostrem a ruptura definitiva do casumento>[alines d)), Adiviaha-se que & primeira seréa causa invocada com maior frequéncia, uma vez que os factos {que suportam ila da «ruptura do casamento» sio de mats fail comprova¢to. ‘Trata-se, na verdade, de uma caus objetva, bilateral, determinada e peentéra, na classfcagio hé muito sugerida por Pereira CoelhoF. A causa prevista na alines 1) representa a verdadeira inovasio neste ambito ¢ suscita algumas difculdades na sua aplicacéo, Muito embora, neste caso, a causa do divércio sej, igualmente, 1 sruptura do casamento», os factos que a sustentam nfo estdo sconcretamente tespecificados», sendo por isso uuma causa indeterminada’, Penso que o cénjuge aque pretenda 0 divércio sem ter obtido o consentimento do outro apenss tera {nteresse em recorrer a este fundamento quando nio se tiver iniciado a sepa- racio de facto ou quando nto quiser aguardar pelo decurso do prazo de um ano’. Com efeito, se os cdnjuges jéestiverem separados de facto e no hover urgéncta na dissolugio, seré mais avisado aguardar pelo decurso do prazo de tum ano para requerer o divércio*. A lei concede ao tribunal uma «margem de apreciagio»? c, pelo menos enquanto nfo forem sedimentadas algumas linhas jurisprudenciais, o desfecho da agio ser incerto: quais 0 factos que o tribunal irk reconhecer como factos que «mostrem a ruptura definiiva do casamenton? Julgo que podem ser incluidos nestes factos aqueles que envolvam o incumpri- ‘mento dos deveres conjugais. Na verdade, apesar de 0 ilicito conjugal culposo ter perdido relevincia como fundamento do divércio, 0 casemento continua a serum contrato que gera deveresreciprocos entre os cOnjuges (artigo 16728 do ‘Cédigo Civil) que representam a concretizagio da plena comunhio de vida a Reco’ ceri du fcldade rien do sto ng, quand dre maine uman0 «pala gta comprometa sponded ida em comune ales), ¢3 asta, ‘in que dosent ain por tempo nl era ean) Gp Peua Comoe Goat Ouvas (2006p 6 se tins separ defacto coo cna aba de ico, cc, pp 6964 638 “Res lndencrnaa eo aco gus ode andar pel de i oe conte taser oped (to. 2) * Comore Panna Conia Guia Oven [208), p69) ms veresos coujges atsevp Gene spre iopee re "ada peel se sind event, un opr pr ta ar ell sobre & rca cane sor efor de rope ee wens coin "Gonenas ae Ouvtna (0) p18 [ESTUDOS Ft HOMBNAGEM AO PROFESSOR DOUTOR MEINRICH EWALD HORSTER ue se obrigam, nos seus viriose inesgotiveis aspetos®, O easamento cris ma relagio conjugal consubstanciada na «plena comunhio de vide», «uma ampla ou profunde interpenctragio da vida dos cbnjuges», «a mais estreita das relagbes comunitirias tutelada pelo direito»*, A especial regulagao legal do contrato de ceasamento s6 se explica por esta particular natureza do compromisso assumido, Com efeit, seo casamento nao fosse um contrato tipico, expressamente pre- visto pela lei, que admite esta particular vinculagio pessoal ¢ fixa imperativa- ‘mente 0 seu conteido, o consentimento prestado por cada um dos contraentes as peculiares limitagies aos seus direitos de personalidade nunca poderia ser vinculante, mas meramente autorizante ou tolerante. Basta pensar nos deveres recfprocos de fidelidade ou de coabitagio e nas suas implicagdes, desde logo na limitagéo voluntiria a liberdade sexual negativa e positiva, numa relagfo dura- ddoura. Ora, a alegagio e prova de que os deveres conjugais nfo estio a ser cum- pridos pode serum indiio de ratura da comunhtode vida, porque estes deveres slo a concretizagto da obrigagio de comunhio de vida asstmida, Tai factosse- 180 apreciados «independentemente da culpa dos conjugese,o que significa, em meu entender, nio 96 que nio havers lugar @ uma apreciagio ético-juridica do comportamento dos cénjuges, mas também, ¢ mais importante, que o incumpri- ‘mento dos deveres conjugaisserd apreciado de forma obetva, isto é, mesmo que sejam comportamentos do cbnjuge réu adesculpivels» ¢, inclusivamente, que © proprio autor pode alegar e provar incumprimentos quc the sio imputaveis Estes factos sero wobjectivos», no sentido em que se provam pela demonstra- ‘gio da sua simples ocorréncia. Os factos «que mostrem a ruptura definitiva do ‘casamento» tém de ser objetiviveis,nio pode tratar-se de simples afirmagbes sobre «sentimentos» ou «estados de almav: tais «sentimentos» ou westados de alma» terdo de refletir-se em atitudes e comportamentos comprovéveis. Por isso -mesmo, os factos alegados pelo cdnjuge autor podem ser impugnados pelo réu ‘na contestaglo. E,no caso de nfo serem provados os factosalegadios como factos ‘constisuivos do direito ao divreio, este néo poderd ser decretado. Penso asim _que 4 simples alegagio e prova de que o cdnjuge autor deixou de «sentir afeo- to» nio basta como fundamento para o divércio sem consentimento de um dos cOnjuges. Guilherme de Oliveira esclarece que a aplicagio da alinea d) do artigo 1781! deve ser «exigente> e endo deve permitir arelevincia de factos banis€es- porddicoso:osfactosa que se refere «devem ser actos objectivoscapazesde con vencer o tribunal de que os lagos matrimoniais se romperam definitivamente. » Riva Lono Xara (2000), p. 372A dhmenso feta no ¢o cleo Fandador do easamento ‘como inten uci, mat Sma vontae deasumir of deveres coajugas reciprocos, que ais ‘So recordados aos injges na ceriménia cl do casrento [artigo 58, I alien), do Codigo So Regito Cl "Paes bx Ista Aros VARBLA, Cédge Cn Ants, (1992) pp. 24 026. sor _LNERDADI INDIVIDUAL B RESPONSABILIDADE NO NOVO REGIME DO DINGRCIO| ugere ainda a ideia de que se tratard defactos de onde resulte que nfo € previ- sivel nem exigive orestabelecimento da vida matrimonial, sem que seja preciso aque ocbajuge inicle a separagio de facto e aguarde um ano. ‘Gostaria de relembrar ainda, a este propésito, as razdes apontadss por Pe- reira Coelho e Guilherme de Oliveira para a consagracio da causa objetiva da separagio de facto durance um determinado prazo. Se um dos céjuges se quer divorciar€ 0 outro nao, decorrido um determinado prazo de separacio defacto, ‘lei tutela o interesse do primeiro, pois «a esperanca de reconciliagéo torna- “se mais remota e a lei acha socialmente mais vantajosa a situacio dos conjuges divorciados do que a dos cOnjuges separados de facto». Estes Autores no ex- tluem que a solugSo «implica, de alguma maneira, a possbilidade de um dos ebnjuges rpudlaro outro». Contudo, sublinham, «no ¢ 0 divércio que val per~ ritiro repidio (.). Perante a realidade do repiidio, nao deve o direito ignoré-la ‘mas constati-la dando protecgio adequada aos interesses do conjuge repudia- 40 ¢ dos filhos ¢ reparando, até onde for possvel, os danos patrimoniats € no patrimoniais que o reptiio thes tena causado». Seri nesta linha que, numa acio de divéreio contencioso, 0 cbnjuge réu poderé exercer o seu direito de defesa, Eventualmente, néo teré aceitado uma sugestio no sentido do divércio por mituo consentimento, por variadas razSes, muito embora custe a suportar & {deologia dominante que um dos conjuges queira manter o vinculo matrimonial quando ooutro orejeta. A let eliminou, é certo, atutela do winteresse moral» do cénjuge inocente ou menos culpado e que enteriormente estava associada a al _gumas consequéncias do divércio. No entanto,o cOnjuge réu mantém odireito fundamental de exercer a sua defesa na ago que fol propostaapresentando a sua contestacio. A falta de contestagio nfo dispense, porém, 0 autor de provar 08 facts alegados, em atencto & natureza do direito ao divércio [artigo 1408*, nt 2, do Cédigo de Processo Civil (CPC)]. 0 interesse do réu em contestar prende-se como direito que, apesar de tudo, a lei he reconhece em que nio seja decretado 0 divércio contra sua vontade, a nfo ser no caso de serem provados factos que possam ser integrados nalguma das causas objetivas previstas no ar- {igo 1781? do Cédigo Civil. Havers igualmente casos em que o réu teréinteresse ‘em que nio sejam admitidos factos contririos & verdade, ou, pelo menos, 3 sua verslo sobre a realidade dos mesmos. Por fim, penso que, etualmente, multas das sinvagées em que tum dos ebnjuges ndo apenas rejeita a tentativa de conci- acio prevista no artigo 1779%, nl, do Codigo Civil, mas recusa hipétese de * Gunmen ps Oxivmina (2010) pp-i¢e 15 'SPauuiaa Costno ¢ GUILHERME 8 OUVETEA (2008), p. 637 ‘Himoeca HOstax (2010), p 100 "Si, por todos, Tost ALMEIDA RaMtAo (20), p 8S. 03 [ESTUDOS FM HOMENAGEM A0 PROFESSOR DOUTOR HEINKICH EWALD HORSTER conversio em divércio por mituo consentimento (artigo 17798, n® 2, do Codigo Civil) esto relacionadas com alguma incerteza quanto as consequéncias que a aceitagio do divércio poders ver em matéria de reparagio dos danos no patti- ‘moniais, questio de que darei conta mais adiante®. 3. Deveres conjugais reciprocos e dificuldades experimentadas na conere- tizagio pritica das novas normas (© Relatérto apresentado pelo Centro de Estudos Sociais/Observatorio Perma- nente da Justiga Portuguesa (CES) sobre o primeiro ano de vigencia do novo regime do divércio deu particular relevo as dificuldades experimentadas na concretizagso pritice da nova modslidade de divércio sem eonsentimento de tum dos cOnjuges. Para além das questées de natureza técnica, tanto no que diz respeito ts normas substantivas como aos aspetos processuais, notou-se sobre- tudo 0 facto de os operadores juridicas aparentemente continuarem a seguir as ~«priticasanteriorese. Verificou-se que nas agdes de divércio sem consentimento de um dos cOnjuges os mandatirios persistem em alegar factos que consubs- tanciam violagbes de deveres conjugais sempre que o fundamento normativo invocado como causa de divércio € a alinea d) do artigo 1781 do Cédigo Civil”, Para ilustrar este ponto serd interessante a leioura de dots acbrdios dos Tei- bunais da Relagio do Porto ¢ de Evora, que considero paradigméticos. No caso decidido pelo acdrdio da Relagio do Porto de 29 de Margo de 2011", 0 autor {nvocou como tinico fundamento do pedido de divéreio a rutura definitva do casamento prevista na alinea d) do artigo 1781’, alegando, para tanto, factos que no logrou provar depois de terem sido impugnados pela ré na contestagio. [Na pendéncia da agio, completou-se 0 ano de separagio de facto, previsto pela lei como causa objetiva de divércio [artigo 178, linea a). Na primeira instin- cia, o tribunal decretou o divéreio com fundamento na separagio de facto dos cnjuges por mais de um ano consecutive (alinea a) do artigo 1781), apesar de 1 agfo ter sido intentada em 25 de Junho de 2009 e de apenas se ter provado a separagio de facto a partir de Maio do mesmo ano. O tribunal fundamentou tal decisio argumentando «que nao faria sentido, seria penoso para as partes ¢ re- vyelaria um notério desajustamento social e um excessivo apego a “literalismos” vir agora dizer-se ao autor que, néo obstante estar jé separado de facto da ré ha ‘mais de um ano e nfo pretender manter o casamento», teria de intentar uma * Continuo entender que spreciaco do comportamnento anterior ds cOnjugee,concretmen- te, pror de actos que construam vslagtes dos dveres conjugsls poder: ser tmporantss para efetvos da aplicagto do a3 do artigo 2016, segundo o qual o dec a alimentos pode ser aegado “por razis manifrtas de equidade. Cle Ra Lowa Xan (2008), 4, = Boxvmrtra Sousa Saxros tal. (2010), pp. 59264. 2 Proc. 1506/09.1TBOAZ Pl, sew dep. {IBERDADE INDIVIDUAL # RESPONSABILIDADR NO NOVO REGINE DO DIVORCIO ‘nova agio, com as increntes despesus ¢ desgaste emocional, para demonstrar gull que estava demonstrado, «pela simples razdo de que quando s acgfo fot proposta ainda nto tinha decorrido um ano sobre a separacto defacto». 'b Tribunal da Relagio do Porto entendeu -¢,a meu ver, muito bem ~ que 0 ‘bunal da primeira instincia nao poderia ter decretado 0 divéscio com funda- mento na separagio de facto dos cdnjuges ocorrida na pendéncia da agio, nfo s6 aque separacio de facto pelo periodo de um ano consecutiv como funds- pronto do divércio sem o consentimento do outro cOnjuge se teria de verificar na {ara dapropositura da ago, como também porque a lel nfo permite amodifica- {oo ofcosa da causa de pedie Salientow ainda que o deeretamento do divéreio yom fandamento na separacio de facto por tim anto consecutivo, sem que esse freto tivesse sido alogado e provado pelo autor, supunha a presungio do facto de «que separacio iniciada em Malo de 2009 se tinha mantido ninterruptamente ‘durante um ano, presungio que nio seria admisstve. ‘De qualquer modo, jalgo que esta situacio ilstra a falta de experiéncia dos mandatirios na aplicagio do novo regime, uma vez que existem na lei processual instrursentos que permitiriam a alegaglo de factos supervenientes (artigo 506*, 1n°"2e3, do CPC), acompanhada do pedido de alteracio da causa de pedir, tudo dependendo do momento processual em que ocorreu o facto superveniente do deaurso de umm ano de separacio de facto”. Na sentenga da primeira instin~ ta fice também patente alguma desorientagio quanto a concegio do divércio subjacente & nova modalidade de divércio contencioso, bem como o desajusta- ‘mento do processo especial, que permaneceu praticamente inalterado em face ‘da modificagto da lei substantiva 'No caso decidido pelo acdrdio do ‘Tribunal da Relagio de Evora de 17 de “Margo de 2010", 2 autora propds a ago de divéreio com fundamento no artigo 1781, alinea d),alegando factos de onde resultara + suio comparticipagio do réu nas despesas familiares» e o seu adesinteressen relativamente a edecisbes sobre vida familiar. A peticio foi, no entanto, objeto de indeferimento limi ‘nar, nos termos dos artigos 234, n° 4, alinea a),¢ 234*-A do CPG, por o tribunal ter enzendido que os factos alegados no se integravam no disposto no artigo 1781",alinea d), pelo que o pedido seria manifestamente improcedente. ( Tribunal da Relagio de Evora julgou procedente a apelacto e revogou- © bem ~ a decisio recorrida, entendendo que os factos alegados pela autora na peticio inicial, mormente a «no comparticipacio do réu nas despesas domés- ticasee o seu «desinteresse quanto 4 tomada de qualquer decisto que envolva a » Fimendo eontestact, o process segue otrmas do process ordinirio (artigo 408% nl do 0) Proc. S2YO9.0IMPAR EI, wwe. 50s {ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR DOUTOR HEINRICH EWALD HORSTER Vida familiar, nfo permitiam concluir que o pedido era manifestamente impro- cedente. No seu juizo, olegislador teri pretendido «alargaro divércio is situa- ‘goes em que a ‘plena comunhio de vida’ tenha detxado de exis, seja por que ‘motivo for. © que terd de ser apurado caso a caso, dada a amplitude da norma, ‘+O casamento mantém anatureza de contrato mas a ‘ruptura definitiva’ do casa- ‘mento nio deve considerar-se hoje limitada & inobservincia dos deveres enun- ciados nos artigos 1672* e segs. do Cédigo Civil, Na verdade, ter. de admitir-se que, em face da complexidade da relagéo conjugal, ocorram outros factos que ‘Possam conduzir a rupeura definitiva do casamento». ‘Também aqui julgo que existem instrumentos na lei processvsl que permatl- iam a0 julz emitir uma decisto diferente, uma vez que ali Ihe confere o poder- ~dever de convidar a autora a corrigiro articulado [eft. os artigos S08, n= 1, alinea 8), 2¢ 3,¢ 508%A, n# 1, alinea ¢), do CPC], Fica igualmente evidenciada alguma dificuldade na compreensio da concecio de divorcio subjacente & nova ‘modalidade de divércio contencioso ¢ a cause objetiva da rutura definitiva do ca- samento manifestada em «quaisquer factos», como foi sublinhad> pela decisio dda segunda instincia. Nfo acompanho totalmente as afirmagSes nesta produzi- das, pois, como referi atris, em rigor, nfo pode dizer-se que o divdrcio deve ser ecretado qualquer que seja o motivo invocado: é preciso que os fictos alegados « provades convengam o julgador da «ruprura definitiva do casamiento». ‘Um outro aspeto relacionado com os deveres recfprocos dos conjuges foi discutido pelos operadores judicrios: a questto da reparagia de danos nos termos gerais da responsebilidade civil e a competéncia dos tribunals comuns revista non Ido artigo 1792, a que me dedicarei de seguida”, 4. Obrigagio do conjuge que requereu o divércio com fandamento em alteragio das faculdades mentais do outro de reparar os danos causados pela dissolugio do casamento Ont 2 do artigo 1792 do Cédigo Civil mantém a solugéo da lel anterior para 0 caso em que o divércto tena sido decretado com fundamento emalteragio das faculdades mentais do outro cOnjuge:a lei obriga a indemnizar¢ cdnjuge que tenba pedido o divércio com esse Fandamento ¢ & dedusfo do pedido na pré- pria agio de divéreio. Compreentle-se que assim soja. A fixacio desta obrigacio Foi eferdo o inconvenient de a aual solo poder -condusir a discssfo des mesmos actos era dus acyesdsinas, Por outro lad, mito dos eatevistados defenderam que estas 58 Gumseasn x Orrin 200)» 2 ‘*Ouilctos ge poem fundamenta na obsgnso de indemrtzar portant, no resutam da earn te dees pcan con trea dvi ee derempetto de ofentasadisiton de personaldade 2 ditto fundamen Por exe {im aul no em de ser fadmento para uns inden ar 0, rove, ‘sfrscompanhace de publicidad ou de qualquer frm de crusade moral (Gutzmsm 08 ‘Oxevtna 2010), p. 21, Neste caopareceme que a mcten cordate do agente enole sal ‘wemeares sgt de daveressbelstor (Se perronaldad) ededeveresconjugasoque podert sereonaieradoa Sago da eparasio exis, 2 Rajetendo a doutrina de frelidade da arnt cadmitindo expresameat a aplleasto das ‘mgr de responsable ci wilao dor deere conju, no dominio a et amero, Pnhina Conta e Gonanene# nx Osuna (2008), pp. 156357 Homvnicn HenstER (1995), lS; Doagrs Presi (2008, pp 62-714; Avcat Cexbeina 2000), p75 Outros Autores Considram inadmisie aac ca vig de dicts faire denature pesos atroés da ‘erponebldad cil extracontratual ots Masons Lareh (2020). 302) Mania Lsowox Prana Baur (98D, p12 se [ASTUDOS HM HOMENAGEM AO PROFESSOR DOUTOK HEINRICH EWALD NORSTER sentido falar-se em autorregulamentagio™.E igualmente certo gue o cumprl- mento efetivo de alguns deveres conjugais nao pode ser imposto aos cénjuges por forca de uma autoridade exterior. Com efeito, essa imposicio pode ser {ncompativel com a natureza de tas deveres ou pode pressupor ou implicar a rutura da relagio conjugal. Contudo, sea lel indica os deveres e direitos recipro- cos dos cbnjuges como contaido inalterdvel do contrato de cassmento al indi cagio nfo pode deixar de supor 2 atagfo do Dircito nos momentos patoldgicos a relagdo, principalmente por ocasifo da sua dissolugio. A determinagio des- tes deveres reciprocos permite a formulaglo de jutzos sobre o comportamento dos cdnjuges, possibilitando que os danos resultantes do incumprimento culpo- 480 daqueles deveres, por acio ou omissio, sejam repariveis. ‘Uma unlao conjugal eliz dispensa qualquer le, esta existe para intervir pre~ cisamente em situagGes de crise, quando a felicidade ¢ abalada, Se hoje & certo que a relagio conjugal pressupoe o amor, este, como tal insuscetivel de prote- so juridica. Quando o amor acaba, o que all pode tutelaré apenas a confianga due foi depositada num projeto de vida em comum,e que foi coneretizado numa ‘comunhto de esforgos, sobretudo de ordem patrimonial, E s6 0 poder fazer se ‘eforgar o cumprimento do compromissoassumido através da responsabilizagSo dde quem o nfo cumprir, Quem se acolhe 2 uma instituigdojuridies como 0 casa- ‘mento, espera quc 0 Estado tuteleoinvestimento que representa o.cumprimento dos deveresligados & comunhio de vida. 4 irrelevincia do incumprimento cul- pposo dos deveres reciprocos que constituem 0 conteido do casamento civil, ‘como «acto», e que foram asstmidos pelos cdnjuges, poders levislos a adotar ‘omportamentos contirios aos valores implicades pela «plena comunho de Vida>, que é a «esséncia» do casamento civil como «estado». Na verdade, durante 4 vida conjugal, os cénjages assumem espontaneamente comportamentos de confianga de partilha, de colaboracdo, de auslio mituo: constroem wma coma shio de interesses, de esiorgos¢ de remtinciasreeiprocas™, Parece-me evidente ‘que uma lei que define © promove o cumprimento de determinados deveres ‘conjugais, em ordem & criagio dos beneficios a eles associados, e depois nio ‘obriga quem os violou a reparagao dos danos resultantes dessa violagfo, contri- ‘but para que tais comporiamentos nfo sejam verdedeiramente assumidos pelos Onjuges. Nao haverd coeréncia na disciplina legal que promova taisatitudes dorante o casamento ¢ as infirma no momento do divércio®, A lei renunciaré Porexempl, os everesdecooperagto cde cotsbuigt pars. os encargs da vidal podem sec concetizados de dferensermaneirs por cada css, ‘Ste Rota Loso2avnEe (2001), pp. 498 2442, “= Duaxre Poatsino allen avescassa preocupagSo da Let n 1/2008, de 31 de Outubro, com a turela do investimento da eonfingano profectomatrimonlale eublishando que o regime ateior «as consequéncits patrimonias do divércio centrado na culpa fol aubstitldo por eutzo regime LIBERDADE INDIVIDUAL £ RESPONSABILIDADE NO NOVO REGINE DO DIVORCIO. a sua fungio de orientagio social, pois nfo se comprometerd quanto ao tipo de relacionamento conjugal mais desejivel, do ponto de vista social. A pretensa neutralidade da lei nesta matéria agravari a desvalorizagio ¢ descaracterizagio do casamento, visto que o regime deste tltimo estaré muito proximo do regime do «nto casamento», ‘Ali, mesmo que o entendimento maioritivia vies a fixar-so na interpre ragio de que a obrigagio de indemnizar se fundaré na primeira variante de ii citude prevista no artigo 483%, n* 1, do Cédigo Civil, restringindo-se & ofensa de direitos subjetivos absolutos, penso que os tribunais terio de ter presente « especifcidade da relagdo que ligara os ex-conjuges no momento da pritica do facto ilicto culposo. Na apreciagéo do facto ilicto, da culpa, do dano e na préptia fxagio do montante da indemnizagio segundo a equidade (artigo 496°, 14, do Cédigo Civil) no poderé deixar de sertida em consideragio a particular ‘comunhio de vida a que os cénjuges estavam obrigados, o que levard necessaria~ ‘mente 2 acomodagdo do Direito comum*. ‘Quanto 2 estes aspetos de regime, €inevitével que sejam retomadas outras ch, por vs, Austnon Costa (2008), pp. 786-757 “Sore adil de ago depen paironat pr 0 so deo casanent se dsler or dvi, Rrza Lono Xaviee (2000), pp. S4-S43;coscretarente solve at cial rls [esponsabidede cl por vost do everes cong possi, DeaKrs Pvinno (2008), p77 se LIBERDADE INDIVIDUAL E RESPONSABILIDADE NO NOVO REGIME DO DIVORCIO| casnnuna, Angela, Da Responsabilidade dos injages Entre i, Cotrabrs, Coimbra Beitors, 100; Ca as etic espanol de pein den Rome io Chiig Ci, Ordem dos Advogados, Istituto da Conferénca, Lisboa, 1981 (pp. 53); a2 sans PereajOvsen, Gaerne de, Card Did Fei ira, Direto Matrimonial, # ed, Coimbra, Coimbra Editors, 2008; Cost Eva Dias, «A climinagio do dlvércio por violagio culposa dos deveres conjugals», in SOxvOMAYOR, Maria Clara, ALMEIDA, Maria Teresa Féria de (coord), Foram Fel- das para Sempre? 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