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Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier ACO TnI DIREITO E JUSTICA [REVISTA DA FACULDADE D8 DIREITO DA’ DADE CATOLICA PORTUGUESA Propriedade: Universidade Catdica Portuguesa Edigao: Faculdase de Drto Fundador oto de Castro Mendes: Antigos Diretores ‘ole de Castro Merce ‘Mario JOio de Almeica Costa ‘ctonio de Sousa Franco ‘Germano Marques da Siva ui Medeiros ‘Maria da Gléria Garcia Redagéo @ Administragao Faculdade de Direto Universidade Cardia Portuguesa Pama de Cma 1849-023 Lsboa Toler: 21.721 4176 Fax: 2172141 77 “Toda a corespondéncia destinada & revista ~ nciuindo pedidos de assinaturs, egimentos © atorapées de enderaco ~ deve ser drigida a FACULDADE DE DIRETTO LUnwersidade Catélica Portuguesa Paina de Cima 4649-025 Lisboa Execugae Grafica, ‘Seriito-Empresa Gréfica, Lda. Trager: 300 ex. Depesito legal n 128771188 ISSN: 0671-0836 IGEN: 978-072-5#-0480-7 Editora LUNIVERSIDADE CATOLICA EDITORA Paima de Cima - 1649-023 Lisboa Tol: 21 72% 4020 Fax: 21721 4029 Loe@ucedtora.ucp pt ~ wre uosdtora.ucp.pt Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier Volume Ill UNIVERSIDADE CATOLICA EDITORA, Lisboo 2015 Oportunidade perdida para a reforma dos processos judiciais de divércio no Cédigo de Processo Civil de 2013 Rira Logo Xavier* 1. A Lei n.? 61/2008, de 31 de outubro, ¢ os processos judiciais de divércio 1.1. Proceso especial de divércio por miituo consentimento A Lei n° 61 /2008, de 31 de outubro, que alterou o regime juridico do divéreio em Portugal, implicou mudancas nos processos judiciais de divércio e de separacio de pessoas e bens’. O processo de divorcio por ‘mituo consentimento passou a poder desenvolver-se no tribunal em tes hipdteses. A primeira quando, num proceso de divéreio inicialmente * Professora associada da Faculdade de Diseito da Universidade Catia Portu- guesa — Porto, ‘Cenizo de Exudes e Investigaglo em Direito da Universidade Catdica Portuguesa, Partcino, mito comovida, nesta homenagem ao meu Tio Bernardo, agradocendo-Ihe a solicitude pstemal e tanto da sue vida na mink. "or simplificagdo, a Lei n° 61/2008 anuncia apenas a alteragio do regime do mas incuis também modificagées em preceitos respeitantes ao exervicio das responsabilidedes pareatais no contexto do casamento, ro émbito ds unite de facto © sua dissolugao, ¢ainds reiativamente a fihos nascidos fora do casamento ou da unido e facto, Com esta Le foi sobretudo altorada a redago de numerosas disposigdes do Cédigo Civil, mas turém se intraduziram modifiagbes no Cédigo de Processo Civil, ‘no Caigo de Registo Civil, no Decrero-Lei n° 272/2001, de 13 de outubro, ¢ no Cédigo Penal, tendo sid aditados 20 Cdigo Civil cois novos artigos, revogedos sete reccitos 0 Cédigo Civile dois do Cédigo de Processo Civil 314 RITA L0B02AVIER contencioso, os cOnjuges acabam por acordar na modalidade de miituo consentimento, conforme o disposto no artigo 179°, n< 2, do Cédigo Civil (CC). Depois, na hipstese de o divércio ser requerido por miituo consentimento na Conservatéria do Registo Civil, mas algum dos acor- dos ter sido rejeitado (artigo 1778.° do CC). Finalmente, quando os cénjuges coincidem na vontade de se divorciarem, mas nio apresentam os “acordos complementares” respeitantes a alimentos, destino da casa de morada da familia ¢ regulagdo do exercicio das responsabilidades parentais relativamente a filhos menores (artigo 1778.°-A,n.° 1, do CC). As ‘iltimas hipéteses referidas constituem duas das mais relevantes alterages no regime do divércio, Noutra ocasio, procedi j4 A sua apre~ ciagdo preliminar e, tal como tinha antecipado, vieram a suscitar grandes dificuldades no plano processual?. Na verdade, o divércio ¢ aqui “por ‘ito consentimento” somente quanto & dissolugao do casamento, pois existe “litigio” quanto aos aspetos em que os cdnjuges nio chegaram a um consenso, Nesta situagdo, o juiz apreciard os acordos eventualmente apresentados, convidando os cénjuges a alterd-los “se esses acordos no acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos” (artigo 1778.-A, n° 2, do CC), O juiz deverd, nfo apenas promover 0 acordo dos cén- juges, mas também té-lo em conta na determinagio das consequéncias do divéreio (artigo 1778.°-A, n.° 6, do CC). Se nfo for possivel obter acordos que acautelem os interesses de algum dos cdnjuges ou dos filhos (artigo 1778."-A, n.° 2, do CC), “o juiz fixa as consequéncias do div6reio nas questdes referidas no n.° 1 do artigo 1775. [...] como se se tratasse de um divércio sem o consentimento de um dos cénjuges” (artigo 1778.°-A, n° 3, do CC). Levantei algumas diividas quanto interpretago destas normas. ‘A primeira prendia-se com a identificagao das consequénsias que o juiz teria de “fixar", uma vez que a lei remete para as questdes referidas no n.° 1 do artigo 1775.°, abrangendo assim também a alinea a) que 2 fe. Rima Lowo Xavier (2009), pp. 18 23. Para uma apreciapo geral erica das opges ca rforma quanto alguns aspetos,claramente-marcadas do ponto de vita ideolgion e alas a qualquer essatégia de police familia, eft. pp. 38 Na altura anevi que esta tet contiad ao juz, na maior pane dos casos, no viria ter condigtes para ser bem-suedida, uma vez que, nesta hiptese, os ednjuges ccomparecem no tebunal porque nto conseguiram ehegar a acordo em algumas das consequtecias do divérco, on porque algun dos acords obtios ao foi aprovado pelo CConservador do Registo Civil ou pelo Magistrado do Ministerio POblizo (et 8 artigos 1778*-A,n2 1, € 1778* do CC) [Rita Loo Xavi (2009), p 8] (OFORTUNIDADE PERDIDA PARA A REFORMA DOS PROCESSOS 1UDICIAIS DEDIVORCIO NO CODIGO De PROCESSO CIVIL DE 2013, 315 diz respeito a apresentagdo de “relago especificada dos bens comuns, com indicagio dos respetivos valores” ou “acordo sobre a partilha” ou “pedido de elaboragao da mesma”. Na altura entendi como certo que 08 cénjuges no esto obrigados a apresentar um acordo quanto & partilha dos bens comuns, nem o tribunal deverd tomar a iniciativa de proceder 4 realizagio da partilha; no entanto, alertei para que a dissensio dos cOnjuges se poderia reportar também & mera elaborago da relago de bens comuns ¢ que o divércio por miituo consentimento no deveria ser decretado sem a apresentapio da mesma ‘Suscitou-me alguma perplexidade a ordem de tarefas cometidas a0 ‘tribunal no caso do divércio por miituo consentimento (artigo 1778.°-A, 1.2 € 3, do CC). Na verdade, no me parecia adequado que os acordos, eventualmente apresentados pelos cdnjuges pudessem ser aprociados independentemente das outras consequéncias do divéreio para as quais nao foi possivel obter consenso, antes se me afigurava deverem tais, consequéncias ser apreciadas de forma “global ¢ integrada”* ‘Coloquei ainda a questio de saber se o n.°6 do artigo 1778.°-A do CC, que impde ao juiz 0 dever de promover ¢ de tomar em conta 0 acordo os cAnjuges, embora inserido muma disposigo que diz respeito a0 pro- codimento do divéreio por mituo consentimento judicial, nfo consagraria ‘uma orientagdo de cardcter geral, mesmo para 0 caso de “divércio sem consentimento de um dos cénjuges”, ¢ a resposta pareceu-me dever ser afirmativa. Na verdade, embora tal orientagio niio conste do atual artigo 1779.° do CC, ela resultava do artigo 1407. n.°2, do Cédigo de Proceso Civil (CPC), hoje revogado’. + Enquanto o divéreio por mituo consentimento foi um processo exclusivamente judicial, ntendia-se que, sendo a rlapo de bens comuns um dos elementos que deviam instruir obrigatoriamente o requerimento de divércio, 20 easo de faltar © de nio ser suprida a omissdo, dave haga ao indeferimentoliminar (designadamente, de acordo com ‘0s texios, na altura em vigor, dos artigns 1419.°, b), 1420. 477.°, 2° 1, do CPC). Com ‘0 regresso do divéreio por mituo consentimento aos tribunals, nesta nova modalidade hibrida, que pode envolver “itigio” quanto a algumas das consequéncias do divéreio, nile restam dividas de que arelacio de bens eomuns, apresentada pelos ednjuges ou, de algum modo, promovida pelo tribunal € eondiggo do deercamento do divércio, 5 Bstas expressdes slo comuns na doutrina, que tamiém fala de uma “eoligayio genética”, de “uma unidade”, de uma “dependéncia bilateral” entre os acordos comple reniares da divéreo [eft, por todos, PEREIRA COELHO e GUILIIERME Ds OLIVERA, Curso cde Direio da Famitia (2008), pp. 609 © 615). © Idzaticaorientagio decorre da corespondente norma do CPC atualmente em vigor (cft- 0 artigo 931.°,n? 2, do CPC de 2013). 376 RITA1L090 XAVIER No caso de 0 juiz nfo conseguir promover 0 acordo dos cénjuges relativamente a alguma das consequéncias do divércio, havia alguma incerteza quanto aos trémites a seguir ulteriormente. A Lei n.° 61/2008, de 31 de outubro, manteve o proceso estabelecido no CPC para a “separagdio ou divércio por mituo consentimento”, que tinha sobrevivido durante 0 tempo em que esta modalidade foi da competéncia exclusiva, das Conservatérias do Registo Civil, pois seria aplicdvel ao caso de 0 divércio litigioso se converter em divéreio por mituo consentimento, na tentativa de conciliagao ou em qualquer altura do processo (artigo 14072, n? 3, do CPC revogado). Contudo, tal procedimento nao seria adequado para esta situagio em que 0s cénjuges no apresentam os acordos ou algum dos acordos exigidos para que o divéreio possa ser decretado, Na verdade, toda a tramitagio prevista pressupde que os ‘énjuges apresentam todos os acordos legalmente exigidos para o deere- tamento do divéreio’. O Cédigo Civil prevé que, naquela hipdtese, o juiz deverd fixar as consequéncias do divircio “como se se tratasse de um divércio sem 0 consentimento do outro cénjuge” (art. 1778°-A, n° 3). artigo 4.° da Lei n.° 61/2008, de 31 de outubro, procedeu a alteragtio do titulo do Capitulo XVII do CPC para “Do divarcio ¢ separagao sem consentimento do outro cénjuge”. Para esta modalidade de divércio, existia um procedimento estabelecido nos artigos 1407.° € 1408.° do CPC*. Como ento fiz notar, também este procedimento nao se ajustava A nova modalidade de divércio por miituo consentimento em que nfo se tenham alcangado os acordos exigidos quanto as consequéncias do divércio®. O juiz estd perante um requerimento apresentado por ambos 0s cOijuges, solicitando o divéreio, mas nao foram alegados quaisquer factos em que possa fundamentar as suas decisdes quanto as consequén- cias do divércio, nem foi proposta prova para os mesmos. Ao contrario do que acontece no divéreio “sem consentimento de um dos conjuges”, © juiz nfo pode aqui decretar o divéreio por miituo consentimento sem fixar as consequéncias do mesmo relativamente ds questdes referidas. De acordo com 0 n.° 4 do artigo 1778.°-A do CC, o juiz “pode determinar " 0 processo de separasao on divércio por mito eonsentimento consta hoje dos artigos 994.%a 999:%do CPC de 2013, que mantiveram, grosso mod, 0s textos normativos anteriores, cotimuando portant, como demonstraremos adiant, a nlo se alequar a esta situagto em que 0s eBajuges alo apresentam lis acordos previstos ns Ie. "0 proceso de divércio e separaglo sem consentimento do outro ebajuge consta hoje dos artigos 931° e 932° do CPC de 2013, * Cr Rrra Lopo Xavi (2009), p. 20, ‘OPORTUNIDADE PERDIDA PARA & REFORMA DOS PROCESSOS ZUDICIAIS ‘DE IVOHCIO NO CODIGD DE PROCESO CINTL DF 2013 377 a pritica de atos e a producdo da prova eventualmente necessaria”. Na situago em que o juiz tivesse de fixar as consequéncias do divércio, parecia-me evidente que nao 0 poderia fazer sem que fossem alegados € provados factos que servissem de fundamento a sua decisio. Em meu entender, seria nevessério que os cdnjuges trouxessem a0 provesso tais factos e propusessem os respetivos meios de prova, para ser marcada uma audiéneia para a produgao da mesma, tal como aconteceria no divércio “sem consentimento do outro cénjuge”. Manifestei entéo a opinisio de ‘que o juiz deveria determinar a prética dos atos que melhor se ajustassem 20 fim do processo, de acordo com o principio da adequagao formal previsto no artigo 265.°-A do CPC, hoje revogado"”. Sugeti que o juiz deveria entiio, ouvidas as partes, estabelecer um prazo para 0s cOnjuges apresentarem os factos que julgassem relevantes para a fixago das consequéncias do divéreio, tendo em conta: para a atribuigdo da casa de morada da familia o disposto no artigo 1793.° do CC; para a fixagiio da pensio de alimentos, os artigos 2016.° ¢ 2016.°-A do CC; e para a regulago das responsabilidades parentais, os artigos 1905.° e 1906.° do CC. Para obviar & incerteza e demora, poderia ser conveniente fixar-se um regime provisdrio quanto as questées em apreciago, nos termos do artigo 1407, n.° 7, do CPC". Fiz ainda notar outras questées de indole processual igualmente duvidosas. No divércio “sem consentimento do outro cOnjuge”, cada ‘uma das consequéncias do divércio enunciadas continuou a ser tratada, com autonomia relativamente & ayo de divércio. Quanto a atribuigéo da casa de morada da familia, por exemplo, o artigo 1413°, n° 4, do CPC revogado, previa que 0 pedido fosse deduzido por apenso a agio de divércio, mas nada impedia que o procedimento tivesse lugar apés © transito em julgado da sentenga de divéreio®. Parecia assim que poderfamos vir a assistir a situagdes em que 0 proceso de divércio por ‘miituo consentimento judicial, iniciado com uma tinica pega processual 0 requetimento conjunto dos cénjuges ~ se multiplicasse nas numero- ° © ever dle adequacao formal ests hoje consagrado no artigo 547° do CPC ée 2013, que corresponde, embora com alteragdes importantes, a0 anterior artigo 265.-A. 1 Tdenticadisposigao consta hoje dc n.°7 do artigo 931° do CPC de 2013, » Em tal situagSo, o pedo devers se deduzido na Conservatéria do Regis Civil, seguindo-se o procedimemo tendente& furmasao do acordo das pares (artigo 5°, m1, 2), do Decreto-Lei n° 272/2001, de 13 de outubro). 378 RITA LOO XAVIER sas pegas processuais ¢ audiéncias de julgamento mais préprias de um divércio “sem 0 consentimento de um dos eénjuges”®. J referi também que, em meu entender, o juiz 86 poderd decretar 0 divércio por mituo consentimento depois de os eénjuges apresentarem ‘uma relagao especificada dos bens comuns. Na verdade, trata-se de um ‘inico documento, assinado por ambos os cénjuges'*. No nosso sistema, ‘0 processo de divércio por miituo consentimento ndo inclui a liquidagao do regime de bens ¢ a divisto do patriménio. A lei apenas exige que 0 rTequerimento do divércio por mituo consentimento seja acompanhado de ‘uma relagio especificada dos bens comuns, com indicagdio dos respetivos valores, prevendo-se a possibilidade de, no divércio por mituo consen- ‘timento administrativo, os cénjuges juntarem acordo sobre a partitha ou pedirem a elaborago do mesmo, se pretenderem proceder & partilha na Conservatéria, verificados os pressupostos previstos no n.° 2 do artigo 2728-A do Cédigo do Registo Civil (CRC) (eft. 08 artigos 17758, n° 1, ¢ 1778°- A, do CC). Tive ocasiio para Jamentar que, neste ponto, a Iei no tivesse acompanhado a maioria das legislagdes europeias, exigindo ‘a propria partilha dos bens neste contexto, embora se compreenda a reluténcia em consagrar tal imposigo que, porventura, contrariaria a intengao explicitada de facilitar agilizar os procedimentos de rutura conjugal”, Tém sido suscitadas divvidas sobre a questio de saber se 0 divércio requerido unilateralmente em tribunal pode depois seguir os termos do div6reio por miituo consentimento, mesmo sem a apresentagio conjunta da relagto especificada dos bens comuns, o que me parece ser de resolver pela negativa’® ° Nao esquecendo os procedimentosrelativos as providénciascautelares, especifice- os ou comum, mais babtusis nests litgio, como 0 do arrolamento dos bens comune (artigo 409. do CPC de 2013) ou @ fixagdo de alimentos provissrios (artigos 384° a 3872 do CPC ce 2013) ‘Tenbo consciéncia do facto de os cénjugesapresenarem decaregbesunilater relatives & sua discordincia quanto & incluso ou exchusto de determinados bens ne relagao de bens comuns, pritca que muitas verss é admitida, muito embors a fei se refi a um documento nico que ressupte 0 consenso de ambos ° Chk. Rita Lowo Xavisa (2008), p. 16. Sobre a jusifeapto da opgto pola nto cexigtocia do um acordo sobre a diviso do patriménio comum no comexto do divércio por mimo consentimento, ft. GUILNERVE De OurvezRa (2010), pp. 8 9 Sobre a relovanca juridiea da relecio egpecificeda dos bens comuns, of. RITA [Loo Xavier (2008), Ponderando a vantagem da abolico da exigenca a apresonis¢do da relaglo especificada dos bens comuns no contexto do éivéreio por miuo consentimento, tenia & sus modestautlidads e a inveblizapdo Go di6reio por mituo eonsentimento ‘OPORTUNIDADE PERDIDA PARA A REFORMA DOS PROCESSOS JUDICIAIS DEDIVORCIO NO CODIGO DE PROCESSO CIVIL P2013 379 Todas estas questdes se colocavam igualmente na hipétese de convo- lagtio do processo de divércio sem consentimento do outro cénjuge em divércio por miituo consentimento, uma vez que devem entio seguir-se 68 termos do processo de divéreio por muituo consentimento, com as necessirias adaptagées (eft. 0 artigo 1779.°, n° 2, do CC). 1.2, Processo especial de divércio sem consentimento de um dos con- Juges ALLein.61 /2008, de 31 de outubro, consagrou uma outta modalidade de divércio a requerer no tribunal: a agao de “divércio sem consentimento do outro cOnjuge” (eft. 0 artigo 1773.°, m1 e 3, do CC). No proceso especial correspondente, o juiz tentard sempre a conciliagtio dos cénjuges ¢, se esta no resultar, também se empenhard na convolagto do pro- cesso de divércio sem consentimento do outro cénjuge em divércio por ‘miituo consentimento (artigo 1779.° do CC), para 0 que seré necesséria a obtengiio dos acordos exigidos para essa modalidade. O artigo 1407.*, n™ 1,2 € 3, do anterior CPC referiam-se a este procedimento, ¢, nio sendo possivel a conciliago, nem o divéreio por mituo consentimento, © processo deveria continuar nos termos dos artigos 1407.%, n° 5, € 1408. Como se viu atrés, nesta modalidade, a sentenga que decretasse © divéreio era independente da fixagdo das consequéncias do mesmo, consequéncias que, como se disse, poderiam até ser fixadas por meio de processos auténomos (cfr. artigos 1413°, do CC, ¢ 174. da OTM), muito embora a lei referisse expressamente que 0 pedido de atribuigao ‘da casa de morada da familia poderia ser deduzido por apenso agao de divércio (artigo 14132, n° 4, do CPC revogado)"”. Com efeito, a ago ‘que 2 discordincia dos eBnjuges sobre este aspeto pode implica, eft. GULNERME DE ‘OuiverRa Q010, p. 10. A doutvinaentendia que questo do destino da casa de moreds da familia deveria. ser esolvida no tribunal e no processo em que sto discutides “problemas conexos © relevanies para a ponderagio daquels decislo™: 0 divércio ou s egulacBo do exercicio, as responsahilades parental [SALTER Cn (1996), p. 334, corroborado, em face da legislagdo processual ulterior, por Prnuza ConLMo ¢ Guitexwe: pe OLvetRA (2008), . 688]. No entanto, Satta Cip faz notur que, muito embors “a fixagao do alimentos requeria curmulativamente com o pedido de divércio litigiosoe, ber assim, a Qualqver um dos ebnjuges pode fazer prosseguir 0 processo devendo inci uma proposta de regulagao sobre as consequéncias patrimoniais do divéncio (eft. artigos 257122872), 390 RITA LOBO XAVIER Nao estando prevista a sequéncia de atos a seguir pelo juiz, a questo que se coloca é a de saber se deve ser seguida a tramitagao estabelecida para cada uma das diferentes consequéncias de divorcio para 0s casos em que 0 respetivo pedido é deduzido com autonomia, bem como os correspondentes critérios orientadores da decisio; ou se deve seguir-se a tramitago prevista em geral para os incidentes da instncia nos artigos 292° a 296° do CPC”. Na auséncia de uma tramitagiio adequada a esse fim, cada juiz tem procedido @ adaptagio da sequéncia processual a8 especificidades de cada causa, tendo em conta os pedidos deduzidos. Afigura-se entiio como muito importante ‘o exercicio do dever de adequagao formal nestes processos Na verdade, © artigo 547.° do CPC permite que o juiz determine a realizagio de tos processuais ou proceda & eliminagio de atos da sequéncia prevista para o processo comum, desde que sejam ouvidas as partes ¢ realizado © fim em vista do qual foi consagrado tal dever®. 2.4, Convolacio do processo de divércio sem consentimento de um dos cénjuges em divércio por miituo consentimento ‘A auséncia de tramitagtio adequada verifica-se igualmente e talyez de forma agravada no caso da convolagio do processo de divércio sem con sentimento de um dos cOnjuges em divércio por miituo consentimento". Nesta situago, como vimos, existem duas remissOes aparentemente contraditérias: 0 n° 2 do artigo 1779.° do CC manda seguir: “os fermos: do processo de divércio por miituo consentimento, com as necessdrias adaptagdes”; 0 astigo 17782-A, n.° 3, do CC impde a0 tribunal a fixagio Sobre eta questo, ft. Ton RaviXo (2011), pp 60625 ANTONIO FaL# (2010), »p. 132, nota 27, Na opinito deste imo ator, le etibui ao juz © poder dover de ‘eterna quais os aoa procesunis necessrios a fixago das consequéncas do divor- clo como se tratesse de “ums espécie de questi incidental”, exigindo uma “deisio Incidental autGnoma” destas quests no proprio proceso, “nose torsando necessiria” 4 insturagdo de uma aso auténoma” (pp. 132 ¢ 133). Admit, porémn, que posse ser Proposa uma agho aulSoams c, nes hipétese, a apo de divirio deve suspender-se 16 ser decide a ago suinoma “© im principe, a sequacia processual prevsta na Tei dove ser tida como a que ‘melhor pene a relizagfo ds fun;30 do process. Sobre o deve de adequaso forma ‘off LEBRE De FREITAS, ntrodugdo.. 2013), pp. 228 4 231; Rut Prato 2014), pp. 329 331; RaMos Fania (2013), pp. 416 2-424; Xaviee eet 2014), pp.138-139. 4 Sobre «convolagso do div6rcoltigioso em divereio por mttuo consentimento 0 Ambito da legisla anterior, ct. PERERA CoBLAO @ GUILHERME DE OLrveiRA (2008), 610 ‘OPORTUNIDADE PERDIDA PARA A REFORMA DOS PROCESSOS JUDICIAIS 1D DIVORCIO NO CODIGO DE FROCESSO CIVIL DE 2013 391 as consequéncias do divércio sobre as quais 0s cOnjuges nao tenham chegado a acordo “como se se tratasse de um diviéreio sem consentimentor de um dos cénjuges”. Como vimos, a doutrina a jurisprudéncia tém-se empenhado em tentar dar um sentido titil 20 texto desta Ultima norma. ‘A convolagdo ¢ sugerida como preferencial, uma vez que a lei prevé que o juiz a promove. Em conformidade, deveria ser faclitada pela sim- plificagao, trazendo alguma vantagem para os eGnjuges®. Nao seria coe- rente com este objetivo obrigar as partes a instaurar processos auténomos sobre as consequéncias do divéreio sobre que nao ha acordo, Perante a lei ‘tual, na maior parte dos casos, 0s eOnjuges nil tém qualquer interesse ‘em optar pela convolagio do processo. Pelo contrério, existem relatos de ‘cOnjuges que, estando de acordo quanto ao divércio, optam por iniciar um divéreio contencioso por ser mais célere e nfo depender da regulagao das consequéncias do divércio. Casos ha também em que 0s cénjuges optam pelo divéreio contencioso porque apenas nessa modalidade é possivel fixar a data da separagiio de facto e fazer retrotrair os eftitos pattimoniais do divércio, nas relagoes entre os cénjuges, a essa data. 2.5, Oportunidade perdida para a reforma dos processos judiciais de divérclo no Cédigo de Processo Civil de 2013 De tudo o que venho de expor, resulta, na minha opinifio, que se jus- tifica plenamente a consagragio de dois processos especiais de divércio, tendo em conta as diferengas inerentes &s duas modalidades previstas no ‘Cédigo Civil. A elaboragio do novo CPC deveria ter sido aproveitada para aperfeigoar a respetiva tramitagao. Em ambas as modalidades trata-se de permitir 0 exercicio do mesmo dircito, 0 direito de obter o divércio, apenas diferindo a posigo dos c6a- jjuges — acordo ou desacordo — em relagdo a tal exereicio, Justfica-se a previsio de um processo de natureza contenciosa para 0s casos em que apenas um dos cOnjuges requer 0 divéreio contra a vontade do outro. ‘Nesse processo estard em causa a pretensio relativa & verificagio do fundamento do divércio, serd esse 0 objeto do processo, pelo que a lei rio prevé a regulagio das consequéncias do divéreio, Quando os oénjuges esto de acordo quanto ao divércio, o proceso deve ser diferente porque ‘© 0 favorecimento da convolagdo neste caso resiirt em nio se exigir 0 infio de ‘um novo processo, aprovediando-s os ats jépratcndos, 392 ITA L080 XAVIER no se destina a resolugto de um litigio sobre a verificago de uma causa de divércio mas & fixagiio das consequéncias do mesmo, Na minha opinio, nos casos em que 0 processo continua com 0 ‘objeto de verificagdo da causa de divércio, deveria também fazer parte do processo serem decretadas medidas provisorias; decretado 0 divércio, consolidar-se-iam como “definitivas” a menos que tenha havido oposi¢lo Jimpugnagio e serdo sempre alteriveis. Eventualmente poderia consagrar- se uma solugao semelhante & prevista no contexto do divércio por mituo consentimento em que, caso outra coisa nio resulte dos documentos apresentados, se entende que os acordos se destinam tanto ao perfodo da pendéneia do processo como ao periodo posterior (artigo 994°, n° 2). ‘Nesta ordem de ideias, também no divércio contencioso o autor deveria apresentar uma proposta para regular as consequéncias do divércio, no se compreendendo que 08 ex-cdnjuges saiam do tribunal sem que estas consequéncias estejam fixadas. Sendo cometida ao juiz a tarefa de promover a conciliagao ¢ a convo- ago do processo sem consentimento de um dos cénjuges em processo ‘por miituo consentimento, seria conveniente que fosse reforgada a ideia de que a causa apenas se iniciaré, em rigor, depois de frustrada a tentativa de conciliagao e de convolaeao. Se tal ocorrer, deixa de estar em causa a pretensdo relativa & verificagao do fundamento do divércio, jé que ambos ‘manifestam a pretensio de se divoreiar. O processo prosseguira entéo com outro objeto, centrando-se nas questées em que realmente existe conflito 3.Solugdes jurisprudenciais relativas as questdes suscitadas no Ambito da convolagao do divéreio sem consentimento de um dos cénjuges em divércio por mituo consentimento A aplicagio da modalidade de divércio por mituo consentimento judicial tem suscitado dificuldades sobretudo no que diz. respeito & con- volagao do processo de divércio sem consentimento do outro cénjuge. Irei agora cxemplificar estas dificuldades com Acérdios proferidos nos diferentes Tribunais da Relagdo. Em todos 08 casos que vou referir, foi intentada inicialmente uma ago de divércio sem consentimento de um dos cdnjuges e, tendo o respetivo juiz verificado que ambos os cdnjuges estavam de acordo quanto ao divéreio, 0 processo foi convolado em divéreio por métuo consentimento, ‘OPORTUNIDADS PERDIDA PARA A REFORMA DOS PROCESSOS JUDICIAIS ‘DE DIVORCIO NO CODICO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, 393 Comerarei por reerit 0 Acérdio do Tribunal da Relagio de Evora, de 10-11-2010 (proceso n.° 1069/08.STMSTB.E1)®. Neste caso, nfo havia consenso entre 08 cénjuges quanto a prestagdo de alimentos, & rolago especificada dos bens comuns ¢ & “atribuicdo” da casa de morada da familia, O juiz ordenow a notificagio das partes para apresentarem alegages ¢ produzitem prova quanto a fixacdo das consequéncias do divéreio, nos termos do artigo 1778.°-A, n° 4, ex vi do artigo 179°, n°2, do CC, Tendo sido marcada uma audiéncia, 08 cénjuges chegaram 4 acordo relativamente a prestagio de alimentos ¢ & relago do bens comuns, mas no quanto A questio da casa de morada da familia. De seguida, foi lavrada sentenga em que foi decretado o divércio entre 0 autor ¢ a ré, foram homologados os acordos obtidos nos autos e, quanto questo da casa de morada da famflia, foi julgado procedente o pedido da ré, tendo-the sido atribuido o direito de utilizago da mesma, com 2 condigo de “suportar, no periodo em que a habitar, o pagamento do respetivo TMI, além de todos os consumos domésticos (cletricidade, agua e gas)”. O autor recorreu, sustentando a nulidade da sentenga, uma vez que, como os cénjuges no tinham chegado a acordo quanto ao direito de permanecer na casa de morada da familia, o juiz. deveria ter seguido a tramitagio prevista no CPC para o processo de jurisdi¢ao voluntéria correndo © mesto por apenso ao processo de divéreio (eff. artigo 1413? do CPC na altura vigente) Tribunal da Relago comegou por afirmar que a lei concebeu uma modalidade de divéreio por mtituo consentimento judicial em que haja acordo dos cOnjuges quanto a dissolugo do casamento, mas nfio quanto as consequéncias do divérvio referidas no artigo 1775.°,n2 1, doCC, cabendo a0 tribunal, nesse caso, fixar tais consequéncias. Para tanto, o tribunal da 1. instancia teria de seguir a tramitago processual propria da resolugao da questo da atribuicdo da casa de morada da familia no contexto de ‘uma ago de divércio contencioso, o que implicava, como estabelecia 0 art, 1413°, n° 4, do CPC revogado, a deduyio do pedido por apenso & cdo de divéreio e a sua tramitagdo nos termos dos demais mimeros dessa isposig&o legal (€ ainda o cumprimento das disposigdes aplicéveis do regime geral dos processos de jurisdigo voluntéria, concretamente quanto 808 poderes conferidos pelo artigo 1778.°-A, n.° 4, do CC). No Acérdio, © Bate Acérdlo, que fi publicado na Cofeanea de Jurisprudéneia, Tomo V, pp. 253 ‘ seguintes, éreferido pelos aodrddos que se mencionsm a seguir no texto e foi enotado ‘por Axronto FLALHO (2010). 394 RITA LOB XAVIER recorda-se que no dominio da legislagdo anterior era entendimento comum da jurisprudéncia que a dependéncia do incidente de atribuigao da casa de ‘morada da familia, processado por spenso relativamente & aco de divéreio, doterminava que se deveria sobrestar na decisto do incidente até ser profe- rida a decisio de divércio, O Tribunal da Relagao de Evora entendeu que, tendo em conta as exigéncias legais impostas a0 requerimento inicial do incidente de atribuig0 da casa de morada da familia ¢ 05 varios prinefpios ‘gerais do processo civil, como 0s da adequago formal, do contraditério (de ‘onde decorre a proibiedo de decisées-surpresa) ¢ da igualdade das partes,

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