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Historia Social da Literatura Portuguesa | \ —_—_—_—_—_—_—_—_—— 1.1 1 Hade Meda: Trovadorismo (1189 ou 1198-1434); Humanismo (1434-1527) “Se outros por ventura em esta cronica buscam fremosura e novidade de palavras, # non @ certidom das estorias, desprazerihe- de nosso razoado, mu'to ligeiro a eles ouvir e nom sem gram trabalho a nés de ordenar. Mas nés, nom cuvendo de seu juizo, le'xados os compostos e afeitados razoamentos, que muito rom aqueles que ouvem, ante poemos a simprez verdade que 2 afremosentads fa'sidade.” (Ferndo LOPES — Crénica ce D. Jodo! Primeiro perfodo: Trovadorismo (1189 ou 1198-1434) Portugal: de Dona Tareja a Afonso Henriques A independéncia portuguesa foi conseguida de forma gradativa contra os reinos cristZos da Peninsula Ibérica, regido que abarca os atuais territérios de Portugal e Espanha Ao final do século XL Afonso VI, do reino de Ledo, havia conseguido uma ténue unidade politica entre esses reinos cristdos. Estreitou as fronteiras entre eles. Dentro dos principios do feudalismo, cesou Urreca, sua filha que deveria sucedéio no trono, com o conde Rai- mundo de Borgonha, que viera lutar contra os mouros. Outra filha sua. nfo legitima, D. Tarej2, cesou-se com o primo do primeiro genro, D. Henrique de Borgonha. Ao primeiro genro o rei doou a regizo da Galicia. Ao segundo, a irea entre o Miho e o Tejo, denominad2 Condado Portucalense. A trangitida- de politica era, entretanto, enganosa: com 2 morte do imperador Afonso VI, vo ocorrer novamente as lutas politico-militares entre os reinados cristios. A hegemonia politica da Peninsula Ibérica foi disputada entre Urraca ¢ 0 rei de Aregfo, com vantagem para a primeira. E 0 Condado Portucalense procurou ir 2festando-se da tutela desses reinos mais fortes, em especial cos geiegos. A revelta ocorreu com Afonso Henriques, filho de Tareja, que cio aceitzva o dominio de sua regiio. ndependéncia de Portugal esta Lgado a citer sicas d2 regio e is mvalidades entre os grupos feuds. Foi, entretanto, o povo quem participou ativaments Cesse proceso, atraves os populares. Havia reles mater Ler i. : ayo l2pSes socaas 5 zfestar do pais 2 servidfo de outras regides cristis, Os concethos propiciaram ao rei D. Afonso Henriques as forcas mili res para a Independencia. As lutas contra Afonso VII foram tares necess#iias PANT 143 foi negociado um acordo definitivo de paz, na constantes. S® Crnora, Apesar do reconhecimento de Lego e Castela, fal Correne 0 papa dese a Afonso Henriques 0 tftulo de rei. Isso s6 acontece a a . Eel tornava-se assim um pats autonomo, mas a luta pela conere- tizagdio dessa independéncia alongou-se até o reinado de D. Afonso III (1248-1279), com a expulsdo dos sarracenos. Portugal: estrutura social O feudalismo se caracteriza como um sistema social em que predo- minam grupos sociais fechados, impossibilitando uma grande mobilidade social. Além disso, ha a profunda ligacdo de dependéncia de homem para homem: relagdo entre os senhores (os que tém a propriedade da terra) e ‘os servos (os que nao tém a propriedade e estdo presos a ela). Aos servos competia trabalhar; 4 nobreza feudal competia defender asociedade; e a Igreja, orar pela sociedade. Portanto, os nobres — defensores militares — podiam ocupar esca- les superiores nessa hierarquia feudal e vassilica. O direito 4 propriedade era reservado a eles, bem como o parcelamento do poder publico, criando assim, em cada regio, uma hierarquia de instancias autonomas. A estrutura social portuguesa dos séculos XI a XIV revelava tipicos caracteres feudais. Em Portugal dentro dos “coutos” (se a propriedade fosse da Igreja) ou das “thonras” (se fosse da nobreza) os senhores eram a autoridade absolu- ta e s6 prestavam obediéncia ao rei — que detinha os direitos de justica suprema. Nesse tipo de propriedade vivia uma populacdo composta principal- mente por servos — trabalhadores impedidos de deixarem o senhorioe obri- gados ao pagamento de tributos, prestagGes de servico e de uma renda pro- porcional 4 produgao do ano. Também havia os escravos mugulmanos capturados nas campanhas militares da Reconquista que teoricamente foi a guerra contra os infiéis € na prdtica foi a luta peninsular pela ampliagdo dos dominios territoriais. Em torno da morada dos nobres (paco solar), vivia um outro tipo de servo: aquele que se dedicava a servigo doméstico ou artesanato. Era alimen- tado e vestido pelo senhor. Ainda havia os trabalhadores rurais que se distinguiam dos servos por estarem ligados ao senhor por contratos de arrendamento ou de trabalho assalariado. ___ Aparentemente podiam deixar seus senhores. Cultivavam a terra sen- tindo-se proprietdrios e com isso estavam mais estreitamente associados 10 pepsin oun dion +c, um espago que — em teoria — possufam. Na i i . pratica esse espaco pert ao ares ave nao desmembrava seus dominios. os cima desses havia os infangGes, nobres de alta linh: A h , agem, e os fidalgos (cavaleiros e escudeiros) que formavam uma pequena nobreza de iamnere de armas, ligados a casa do grande senhor. Na posigdo mais alta, havia os senh i | i ais + ores — ricos-homens — que exer- - clam dominio administrativo, militar e judicial num distrito chamado aan e aula agdo estava sempre limitada pela aco do rei. or ultimo, o clero desempenhava um i i oe iltimo, : papel importante pela in- fluéncia ‘Teligiosa e pelas riquezas que possufa. Podia ser subdividido em alto e baixo clero, clero regular e clero secular. : As terras da nobreza e do clero eram isentas de impostos, e seus domi- nios aumentavam por novas doagées ou por usurpacdo. Boa parte dos rendi- e do rei era também cedida aos nobres e ao clero, a titulo de prés- ‘imos. Em conseqiiéncia da Reconquista, os homens que trabalhavam na terra — a agricultura era a base da economia portuguesa — € que Se ofere- ciam a lutar tinham condigdes de sofrer uma promogio social. Porém, mes- mo com a perspectiva de aquisigao de um novo status social, o certo € que © sistema polftico-social dessa época se caracterizou pela intensa relagdo de dependéncia das diversas categorias, pois enquanto os trabalhadores eram vassalos dos senhores (nobres ¢ eclesidsticos), estes eram vassalos do rei. Cada grupo tinha seus cédigos de comportamento, deveres direitos bem diferenciados, mas todos relacionavam-se nesse nivel de dependéncia vass4- lica. Essa organizagdo social é reiterada pelo espirito teocéntrico, pois a visio de Deus como ser absoluto, capaz de ditar as normas sociais, 0 com- portamento individual, de estabelecer 0 limite entre o bem e o mal, acaba por determinar também toda uma concep¢a0 servil em que o homem nasce para obedecer, ou mesmo para seguir 0 caminho previamente determinado pelo ser absoluto. A explicagao dos atos humanos por forgas ocultas era a conseqiiéncia da ignorancia cientifica. A religiosidade do portugués medieval revelava-se pela freqiiéncia 4 missa e a outras cerimonias da Igreja, nas abstinéncias ¢ jejuns, nas peregrinagGes ou romarias. As Igrejas eram lotadas todas as ma- nhas. Havia santudrios nas cidades e no campo. Mas foi sobretudo a partir do século XIII que se notou — como no resto da Europa — uma modificagdo nas praticas religiosas: 0 homem passa a entender a necessidade de se unir mais diretamente @ Deus. O maior con- ivina — ta a ligagdo em e natureza — que € obra divina — represen’ ta a eB da cotidiana. E a fase da pre- homem e Deus. E a busca da santificagao da vida cotid gagdo do amor e humildade como esséncia do cristianismo. Porém eae do homem fadado por forgas ocultas permanece orientando o espirito homem medieval. 1 Nao haveria teocentrismo sem existir o feudalismo um est a servigo do outro da mesma forma que nfo have; se nfo houvesse 0.servo trabalhador, A Igreja, rica senhora feudal, ensinava os mistérios da fé, as or a missa, mas também teve o papel importante de divulgar a eduey Com as dificuldades de comunicagio e de transport de livros (antes da invengo da imprensa os livros eram cdpias manuscritas) e com o analfabetismo geral, 0 centro blica s6 poderia se localizar nas catedrais ou escolas episco tos e mosteiros. e vice-versa, final la 0 hobre Ociogg on educagao, ies, le, com a Taridade Teproduzidos em da instrugio pa. Pais, NOs conven. Ensinava-se a gramitica: ler e escrever o latim. Mas Portugal dos sécu- los XII a XV nfo falava o latim, a ndo ser entre embaixadores, Logo, havia a necessidade de vocabuldrios das duas linguas: a latina e a portuguesa, O portugués converteu-se em I{ngua oficial desde 0 reinado de D, Di. nis (1279-1325), mas as escolas e mestres particulares nao o ensinavam até finais da Idade Média. Os poucos que aprendiam a escrever aproximavam a linguagem escrita da linguagem falada e por isso os primeiros textos escri- tos em portugués, nos princfpios do século XIII, so quase tradugGes literais do substrato latino. As grandes massas adquiriam conhecimentos tedricos e prdticos trans- mitidos por via oral. Tradigdes populares, romances, sermées e provérbios tinham papel importante na formagio dos indiv{duos, A vida fechada, a extensio restrita dos conhecimentos, 0 conservado- rismo das crengas, a dificuldade de acompanhar o que acontecia noutros lo- cais n@o dava para estabelecer graus de ensino. Entrava na Universidade gente de qualquer idade. O estudante ndo tinha como se manter, pois nao havia possibilidade de trabalhar e estudar, e era comum o estudante pedir esmolas. Desde o reinado de D. Afonso Henriques, 0 pafs conheceu o desen- volvimento da navegacdo costeira e comercial. A dinamizagao dos portos marftimos (Lisboa e Porto) ¢ fluviais propiciou a atividade mercantil que existia na Europa. A economia portuguesa — de base essencialmente agri- cola — jd oferecia para esse comércio de exportagdo 0 azeite, o vinho, o mel, © sal, o peixe salgado e tinha de retorno o cereal e os téxteis. Casamentos entre filhos de reis e senhores franceses, a crescente ativi- dade de mercadores ambulantes propiciaram o desenvolvimento do comér- cio externo, Quanto ao comércio interno, cada latifandio mandava a cidade 86 os excedentes para serem trocados por dinheiro. Mais tarde, passou-se a enviar 0 maximo de sua produgdo, estabelecendo-se uma troca organizada entre campo e cidade. Além dos mercados havia as feiras que agilizaram o desenvolvimento do comércio interno e que chegam a atingir seu dpice no reinado de D. Dinis. Foi esse rei que fomentou a agricultura, incentivou a distribui¢do ¢ circulagdo da propriedade — favorecendo o estabelecimento de pequenos Proprietarios —, desenvolveu as feiras, fundou a Universidade portuguesa 12 1.1.3 em Lisboa (1290), transferida depois para Coimbra, mandou traduzir obras notaveis € foi, além de tudo, um grande trovador. ‘Com o inicio da dinastia de Avis (1385), o pafs comeca a sofrer trans- formagées na sua estrutura social. A ascensio de D. Joao I, depois de uma Revolugo em que 0 Mestre de Avis vence os castelhanos em Aljubarrota, marca a vitéria da burguesia e registra um novo caminho que seré trilhado pelos Descobrimentos. E a queda da antiga aristocracia — representada pela dinastia afonsina . ea substituiggo por uma gente nova, constitufda pelos burgueses merca- lores. . - ‘A tomada de Ceuta (1415), a chegada de Vasco da Gama 4s Indias (1498) ea descoberta do Brasil (1500) caracterizam a formagdo do grande império portugués. Sobre essa etapa, Fernando Pessoa registra: "0 MAR SALGADO, quanto do teu sal ‘So lagrimas de Portugal! Ke Por te cruzarmos, quantas maes choraram, Quantos filhos em vao resaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, 6 mar!” Jograis. Trovadores. Cancioneiros Desde o reinado de D. Sancho I (1185-1211), filho de Afonso Henri- ques, a literatura oral foi divulgada por jograis recitadores, cantores € misi- cos que perambulavam pelas feiras, castelos e aldeias. O jogral cantava a poesia (a poesia estava ligada a musica), que era composta pelo trovador, mediante soldo. 0 trovador, de nivel social supe- rior, era em geral representante da nobreza. Havia também 0 menestrel, misico agregado a uma corte. A grande época da cultura trovadoresca ou das cantigas foi entre 1250 e 1350. Essa literatura cantada foi registrada em colegdes, Os Cancioneiros. Eles nos dao a mostra de uma literatura peninsular, em Ifngua galego-portu- guesa, € ndo propriamente de uma literatura portuguesa, como sé houvesse na época uma sO literatura romanica peninsular. . Trés Cancioneiros S40 conhecidos: “Cancioneiro da Ajuda” (o mais antigo, com 310 cantigas — quase todas de amor); “Cancioneiro da Biblio- teca Nacional” (também chamado de “Colloci-Brancutti”, com 1647 canti- gas distribufdas em quatro tipos); € “Cancioneiro da Vaticana” (com 1 205 cantigas, também distribufdas em quatro tipos). Cantigas de amigo e suas relagoes sociais ‘As cantigas de amigo s¢ caracterizam pelo fato de o trovador cantar a realidade da mulher: © “eu” feminino exterioriza suas emog0es, afligdes, expectativas, encontros amorosos, desencontros etc. 413 Nesse tipo de cango hé formas e objetivos bastante particulares. Observa-se que a cantiga é comumente construfda em paralelismos, a saber: a unidade ritmica nfo é a estrofe mas 0 conjunto de estrofes ou um par de disticos (duas estrofes de dois versos). Esse, par de dfsticos sempre procura dizer a mesma idéia. E 0 wltimo verso de cada estrofe é o primeiro verso da estrofe seguinte. Exemplificando com uma cantiga de D. Dinis: “+ Aj flores, ai flores do verde pino, | se sabedes novas do meu amigo? ole Sw Ai, Deus, e u é? el eo a Ai flores, ai flores do verde ramo, q se sabedes novas do meu amado? | Ai, Deus, eu 6? a Se sabedes novas do meu amigo ° Cc aquel que mentiu do que ps comigo? Ai, Deus, e u 6? Se sabedes novas do meu amado aque! que mentiu do que mi 4 jurado? Ai, Deus, eu 6? — Vos preguntades polo voss‘amigo? —- E eu ben vos digo que ¢ san’e vivo. Ai, Deus, eu é? Vos me preguntades polo voss"amado? E eu ben vos digo que é viv'e sano. Ai, Deus, eu 6? E eu ben vos digo que é san’e vivo, e seré vosc’ant‘o prazo safdo. Ai, Deus, eu 6? E eu ben vos digo que é viv'e e sano e serd vosc’ant’o prazo passado. Ai, Deus, e u 6? O paralelismo e 0 refrdo sao elementos tipicos da cantiga de amigo. Essa -forma é importante ‘porque pressupde a existéncia de um coro. As estrofes, organizadas aos pares, sugerem a alternancia de dois cantores ou mesmo de dois grupos deles. O verso da estrofe anterior, que é repetido no inicio da nova estrofe, parece ser a mesma técnica da primitiva composi¢ao improvisada, comum aos repentistas. a Essa cantiga pode ser reduzida a poucos versos se eliminarmos as repe- tigdes, mas o que interessa é que tal processo paralelfstico mostra-nos que 4 14 cantiga, enquanto texto i Spree ak Catt’ Gag aeee an eae representada pelo texto, pelo cant Pci deen Often en era auténomo. Pressupdese que ae ea ressamaeee ria a apeseentacee trés elementos dessem dinamicidade Importan . . t aistrad rap 7“ ses ee aan grande mimero de cantigas de amigo, See aeey » Tevelam sua inspiragdo na vida popular das A mulher é inci 7 rado junto a f personagem, Principal, que vai se encontrar com o namo- i junto & fonte, que vai 4 romaria e Id espera encontrar 0 amigo, que vai javar 88 TOUpas Ou 08 cabelos ete. Hi, portanto, uma agdo da personagem, = 9 © desabafo intimista, Essa ag30 se desenrola com didlogos ou em um cendrio muito simples, paisagisti imiti na iples, paisagisticamente primitivo e _ Papa caracteres, a nivel de contetido, revelam que o lirismo da can- tigs amigo confundese com as formas dramdtica e narrativa. A narra- gfo — que implica ago, personagem, tempo, espago — torna essas cangOes mais vivas, mais proximas da realidade da mulher. 7 Em outros termos, 8 vida popular da mulher torna-se material das can- tigas, e o dinamismo dessa vida (que inclui amor, decepeao, alegria, tristeza etc.) se traduz no que é cantado-narrado e na forma de cantar. Mas ha outro tipo de cantiga de amigo, 2 nivel de contetido: a moca esta restrita ao ambiente de casa, 2 discutir com a mae, com as amigas, ou mesmo a pedir autorizago para namorar. Sente citime, sabe provocé-lo, sabe conquistar. Curiosamente os trovadores que desenvolveram tal tipo de cantiga de amigo mostram a expectativa da mulher em relagdo ao namo- ro e casamento. (© enfoque mudou: 2 esse romance do amor burgués liga-se uma estru- tura formal mais complicada. Em lugar dos disticos, agora sdo estrofes de trés, quatro ou mais versos. ‘Ao invés do paralelismo, hé 0 emparelhamento (ou a segunda estrofe de cada par sO repete 2 idéia geral da anterior). O re- frdo deixa de existir. Estamos diante de uma cantiga de maestria. E ha ainda a cantiga de amigo de amor cortés, tio elaborada quanto a de amor burgués. : : | ‘As cantigas de amigo refletem 0 ambiente das comunidades agricolas onde a mulher era vista com importancia social. Mas, ja no século XI, poe- tas drabes e hebreus compunham suas carjas, que eram cantigas de mulher, compostas em lingua mogdrabe (lingua romanica fortemente influenciada por arabismos). ; Mesmo que remontemos as carjas ga de amigo, © certo é que esse tipo de ancia da mulher no ambiente rural; ; ae drvores, aves) contextualizam © ‘As figuras naturais (fonte, riacho, i tuam sobre 0 “eu” feminino, despertando 0 ae ou jo sen- ambiente e também a no, despertan ‘a confissdo do desejo. E o ambiente com a atuagdo animista integran‘ timentos e objetos. 15 as origens da canti- para buscarmos n ssivel gragas a im- lirismo se fez po: Sensuais, nfo raras vezes, as cantigas de amigo so impre, realismo amoroso que nos parece exprimir mais do que uma Situacaa j um, dual: de origens populares, reflete uma visio de mundo sem Sole, indivi. sem as artificiosas cortesias to comuns ao ambiente nobre, dad, Naquelas em que o trovador expressa o amor burgués ¢ Jou sintomaticamente existem artiffcios formais ¢ de contetido, Hg on amorosos, subterfigios de conquista e a propria Perspectiva do Joon asa. mento. O contato do trovador com a mulher simples, burguesa © corte 84, resultou no conhecimento de sua psicologia, de suas dnsias e eXpectativa’ A variedade tematica da cantiga de amigo é a comprovacao disso, Ee tivas, variagdo e na forma pela qual a mulher é configurada (mais simples — nos simples) que podemos perceber a medida do artificialismo desse owas quele ambiente, desse ou daquele objetivo feminino. = Cantigas de amigo e suas variedades QUANTO AO ASSUNTO — albas (alves ou serenas): cantigas de influéncia provencal cujo tema fala do amanhecer, — pastorelas: cantigas em que a personagem central 6 uma pastora, — barcarolas (ou marinhas): cantigas que se referem ao mar ou ao rio. — bailias (ou bailadas): cantigas em que hé danca ou baile. — romaria: cantigas que se prendem a peregrinagéo. — tengées: cantigas em que a moga dialoga com a mée, a irmé, uma amiga e até com a natureza. QUANTO A FORMA — meestria: cantiges de amigo que ndo tém refréo, sob evidente influén- cia provencal, intigas que possuem refrdo ou estribilho, = refréo: — paralel{sticas: cantigas que tém paralelismo. 1.1.4 Cantigas de amor e suas relagdes sociais “eu” masculino. Na cantiga de amor o trovador fala das emog6es do que o trovador Diferentemente da maioria-das cantigas de amigo, é aqui que assume 0 ideal do“mor cortés.\O amor nfo é a experiéncia vivida ou aguar- dada as margens da fonte-mas é — acima de tudo — a experiéncia de ane sem ser correspondido, de sonhar com o objeto inaccessivel. E a a ; inatingivel se toma a figura feminina, mais ela é stmbolo de perfeigé pureza. 16 A falta de reciprocid i polgees we, ama coms ule ce Onset packs pops amor existe no plano ideal. ee a Sane assim um esteredtipo: a mulher deve ser inaccessivel, e a esse i nor corresponde um tipo fisico. E a mulher delicada, de cabel claros, de riso sutil, de gestos refinados e dignos. Como se vé, dieeaieca tudo da mulher rural que, no minimo, era estragada pelo sol, ae cida pelo trabalho rude. eee O trovador vive servilmente em fungdo da dama. A relacdo servil se consuma tal como na organizagao social. Ele deve ser fiel a um cédigo de obrigagdes € deveres como, por exemplo, jamais perder a discri¢do, pois tor- nar piiblico © objeto de amor é romper as barreiras do mundo ideal. E faltar 4 obrigacdo do autodominio. ries O amor aristocratico nao é tao objetivo e real como na cantiga de ami- go. Esconde-se 0 trovador no requinte e convencionalismo de salao. Nessa caracterizagado do amor cortés, a figura do trovador nos faz retomar algumas caracteristicas do cavaleiro medieval: defensor do senhor feudal, deveria ter coragem, lealdade e generosidade. A nivel religioso, deveria ser obediente & casto. A nivel social, deveria ser cortés, humilde. O cavaleiro nao possufa direitos, s6 deveres. Tais virtudes, que lhe permitiriam ascender socialmente, tornavam-no honrado e digno. O trovador mantém sua dignidade deveres: ama um simbolo feminino 0 que 0 nios sensuais da mulher. Em algumas cantigas em rido, 0 efeito produzido & de exaltacdo 4 pureza da mulher. O trovador se mantém honrado pela fidelidade a esse simbolo e pela discricao social. Sua cortesia é fundamentada na humildade, na certeza de que a realizagaéo amo- rosa é impossivel. Historicamente, em Portugal, os cavaleiros estdo ligados aos trovado- res. Viviam na corte com papéis e deveres bem discernidos. A corte era 0 local onde as gragas femininas nasciam, onde filhos e filhas de nobres apren- diam as artes, as maneiras proprias de donzéis e donzelas. E 0 cavaleiro, que ocupava 0 espa¢o da nobreza sem ter OS poderes do senhor feudal, acaba por ser vassalo desse tipo feminino, numa relagZo em que se evidencia 2 me- tafora social do vassalo e senhor feudal, quando nao revela a sublimagdo da posigéo social do vassalo. : -— ‘A cantiga de amor teve suas origens no sul da Franga. A influéncia francesa chega a Portugal gracas 4 atuacdo dos jograls, pelas estreitas oa goes entre a Peninsula e aquele pais (era comum © casamento entre port ue gueses ¢ princesas que foram criadas em cortes politica e culturalmente ligadas a Franga). oe Mas, se 0 amor cortés surgiu nas cortes occitanic: o certo é que el como os grandes mestres, le flete nitidamente 0 nivel das relagdes socials Se retomarmos as caracteristicas do proprio sis jdentidade o amor cortés as reflete. 4 medida que cumpre com seus dispensa de adentrar nos domi- que o sensualismo é suge- as e teve OS provencais le é expresso de um amor que Te- de um dado momento feudal. tema feudal veremos com que 17 , 0S trovadores peninsulares rompe. P ngais, yencias: prove i 5 ‘Apesat prigator dades da moda (descrever a brisa da primayer, ram com algum! ig etc.) introduziram novos aspectos: paralelismos ¢ o canto dos oe dl saqstria (artificiost © refinada) cede as influéncigs cant fl populares. iterdrio alego-portugues foi de Paio Soar e primeira mente el 189 ou 1198. Muitos outros rig San D. Dinis, 0 rei trovador, Jodo Soares de Paiva, Jogo deithade, Martim Codax, Nuno Fernandes Torneol ¢ outros, £ ; antiga de amor que apresentamos: Taveir© dores & Garcia de desse autor a squer'eu a Deus rogar de coragon, e é cuitado d’amor, fe veer mia senhor mel non quiser’ oir, n pedir: ais eno mundo viver! com’ome qui que el me leix mui ced’; ese Jogo theu querrei outra re que me non leixe m E se m’el é de fazer algum ben, oir-mi-é quanto ben no mundo’ei, E se mi-o el non quiser ‘amostrar, logo Ih'eu outra ren querrei rogar: que me non leixe mais eno mundo viver! E se m’el amostrar’a mia senhor, que am’eu mais ca 0 meu coracon, vedes, o que Ihe rogarei enton: que me dé seu ben que m’é muit mester; e roga-lh’ei que, se o non fezer’, que me non leixe mais eno mundo viver! E roga’-Ih’ ei, se me ben é fazer, que el me leixe viver en logar wa veja e Ihe possa falar, por quanta coita me por ela deu; se non, vedes que Ihe rogarei eu: ‘que me non leixe mais eno mundo viver!”” Cantigas de amor e suas variedades QUANTO AO ASSUNTO = temiti ; . um ae A “fremosa senhor” enaltecida. O amor é ye etal Provoca grande dor (coita), e o resultado € morrer QUANTO A FORMA = monstiia: contiga vam refria ou estribitho, tern ths os nies AES / regulorés, devendo submeterse # cartas formative enthtatioes (dr bre, atafinds, finda etc.) = retro: contiga com estsibitho ou refrao. = descordo ou desscorda: cantiga em que 2 intrancgilidaie te ai ora expressa pela variedade métrice, diferente extestars exritica. 1.1.5 Cantigas satfricas As modalidades satiricas medievais mais conbectd: maldizer. Cantigas de escdrnio sdo aquelas em que 0 1 dualizar a personalidade criticada. Maldizer € aquela cada é individualizada. Essas cantigas revelam aspectos tipicos da vida 4 da corte. Eles levam uma vida diferente daquele de art do regime servil do trabalhador. Socialmente pariz. suas experiéa da mulher versdtil, de. uma bebedeira, do fidalgo com pr feudal, da sovinice de um senhor etc. Esse tipo de cantiga nao se restringe 20 jogral, pois qual até o rei D. Dinis, tratava dessa tematica. Ha cantiges que ™ dade entre jograis e trovadores: aqueles queriam ascender 62 00 executadores para compositores € estes defendiam 2 man) i quia. Politicamente a sdtira foi pouco utilizada, mas ela € 0 Gocumes uma época, pois 4 condigéo dos jograis. andando de castelo 2 cast feira em feira, propiciou © conhecimento da realidade sob = tos. Observemos a cangao de Joao Garcia Guilhade: “pj dona fea! foste-vos queixer porque vos nunca louv’en eu trobar mais ora quero fazer un canter en que vos loarei toda vie fe vedes como vos quero loa dona fea, velha e sendia! Ai dona fea! se Deus me percon! e pois havedes tan gran corecon que vos eu loe en este r2z0", yos quero jé loar toda via: e vedes qual seré 2 lo2con: dona fea, velha e sandia! temsies 2 semnor fe 05 eu OF! i ang 9 muito tobe! ss uobet : Saar jaun bon cantar farei rm en que vos 1o2re! toda via: 2, nunca V" Cantigas satiricas © suas variedades tiga de escérnio a ona alguém com sutileze. Process? estilistico utilizado: itonie Cantiga de maldizer cgira direta, com linguagem OBSCENS- Cantiga de seguir wn mmitagdo cmica de outra cantige- Tengo de briga — constituida por um didlogo entr gacdo de que 2 resposte de cada do verso anterior. e dois ou mais trovadores com 2 ODT um tinhe de ser iniciade com 2s rites 1.1.6 Prosa medieval Novelas de cavalaria. Foi a partir do século XIII, durante 0 AfonsSvIti;-qle apareceram as novelas de cavalaria. Neakum mente portuguesa, as novelas eram traduzidas do fran: momentos sofreram alteragoes. — Originariamente, essa prosa cavaleiresca surgiu da evolucgo das de sesnas-guetsitos (canoes de gesta) e, prosificadas, passaram 2 = * na corte. Das que & m, nofabitizaram-se “Histéria de Meziim’ versio portuguesa desapareceu), “José de Arimaté Santo Graal”. Tais narrativas, de caréter mistico, apresentam 0 cavaleiro conce}: pela Igreja: o herdi casto, fiel, dedicado, o escolhido para 2 peregrinagdo mistica. a Observamos que esta concep¢do de cavaleiro medieval contrapoe-= a do cavaleiro frequentador da corte que comumente estava envolvido amores ilicitos. Aliés, a origem do cavaleiro feudal _estd ligada 2 huts pelt a sa da Europa Ocidental contra 0s sarracénos, eslavos, magiares ¢ dint arquéses que ameacavam destruir a cristandade. Esses cavaleiros no ev=m seared pentctannc Seis de doyurae poesia, Eram animales . s de docura e i s na sua fuiria guerreira. “ poesia. Fram animsiesors Com as Cruzadas‘era preciso concebe: i lei . fo . T Outro tipo de cavaleiro mais condizente com @tealidade. As novelas de cavalaria tratam da nova versio 20 1.1.7 do cavaleiro. Daquele que tentado sexualmente, mas permanece casto. Daquele que é cortés e que tem em troca a honra e/ow a vida eterna. : _ Esse tipo de narrativa é a expresso da ideologia religiosa: para ser heréi é preciso cumprir juramentos obrigagdes ¢ s6 assim o homem ¢ levado as alturas da santidade. Opondo-se a esse tipo, surgiu a novela de cavalaria Amadis de Gaula (1508). Escrita em 12 livros, na Peninsula Ibé- rica, sua autoria é desconhecida. Amadis é 0 perfeito cavaleiro: amor cortés ¢ vassillico. Mas hd a quebra da ordem medieval, quando Amadis ¢ Oriana se casam. Essa novela reflete 0 fim da Idade Média e 0 inicio da Idade Moderna, época de transi¢o cujos marcos literdrios mais significativos foram representados por Fernao Lopes e Gil Vicente. Outras producdes A produgdo de hagiografias (narragoes que contam a vida de santos) foi comum no perfodo trovadoresco. Escritas em latim, elas refletem o espi- rito do homem medieval. Paralelamente, desenvolvia-se a crénica, que grafia portuguesa. Destacamos as Crénicas Breves do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (correspondentes a quatro fragmentos publicados por Alexandre Herculano em Portugaliae ‘Monumenta Historica) e 2 Cronica Geral de Espa- nha (1344) — que talvez tenha sido elaborada por D. Pedro, Conde de Barcelos — filho bastardo de D. Dinis. Os livros de linhagens eram relagdes genealégicas com © objetivo de estabelecer graus de parentesco. Com dupla finalidade, essa produgao evitava o casamento entre parentes proximos (até 0 79 grau) & solucionava proble- mas relativos a herangas. Sao essas produg6es que antecede! cuja obra marca transformagées da histori é a origem da historio- m a historiografia de Fernao Lopes, ia e da propria concep¢ao histérica. Humanismo (1434-1527) de Avis, em 1385, Portugal comecou a ntos. O Mestre D. Jodo I e seus sucessores que implicou 0 maior desenvolvimento eram apoiados_pela burguesia 0 sn amada de mercadores (0 que desafia 0 poder dos nobres). é o crescimento do comércio e da c: e LO O efeito imediato do desman oe ey Te é - das_cidades que passam a ganhar novas 6 Wgar de competi¢do e de vendas. | 0 espirito do homem medieval fechado no feudo, na obediéncia 20 senhor € aos principios feocentricos, gal me siio. As transforma- des sociais implicam uma nova descoberta: a consciéncia de que o! homem 21 Segundo perfodo: Com a ascensio do Mestre trilhar o caminho dos Descobrime! i i iverso (como nos : é uma forga criadora capazZ de dominar 0 unt ( descobri- mentos) € P Hé4 a consciénci mento que o homem ¢ a vid belecido no Porto ou em Lisboa, : A extensdo de seus negocios acarreta maiores CO! Conhecedor do seu rami a de que é necessdrio 0 saber: é através do conheci- vida se transformam. O mercador de tecidos esta- além de ler e escrever, aprende a contar. nhecimentos geograficos, 0, entende de tecelagem, tinturaria, decoracao de panos. Conhece 0 mercado: entende de oferta e procura; sabe do transporte, do que o pais pode fabricar, dos recursos ¢ do poder de compra das provin- cias. Seu saber nao € local (como era para 0 servo). é nacional. ae A nogio de destino fadado por forgas ocultas comega a ser substituida pela nogao prtica do-lucro: com mais ucro ou menos, a vida é melhor ou ura se-aiiplia. Na Europa, a descoberta da_imprensa.seflete pior. A cultura crescimento de um pablico. leitor. A ifusdo de noticias se acelera. La se intensifica 0 conhecimento da cultura “préco-latina porque agora a desco- berta do-poder hiimano identifica © #16V0 ‘ao cldssico homem. Mas a cultura religiosa convive com a cultura classica, ismo_convive*com_o comércio, apesar da nitide cia do teocentrismo. : in ‘A essa fase de transi¢do chamamos Humanismo. Como toda transigao, essa também registra a decadéncia de uma éstfutura social, de um modo de vida, e 0 surgimento de outro. S6 é possivel entender o Renascimento antropocéntrico do século XVI a partir desse movimento: Trovadorismo ¢ Humanismo. Os primeiros antincios dessa transigdo foram registrados pela literatu” Cod uma das maneiras de ver e pensar o mundo): Dante Alighieri (1265: , ), Francesco Petrarca (1304-1374), Giovanni Boccaccio (1313-1375). entre outros. > E : nomea a Aattl o Humanismo teve como marco inicial, em 1434, a go de Fernfo Lopes como Cronista-mor do reino. oe 1.2.3 Poesia humanista O novo clima cultural a partir da dinastia de Avis nao deixoy 4 influenciar 0 desenvolvimento da poesia. Garcia de Resende recolhey poética do final do século no “Cancioneiro Geral” (1516). Sao poesias 4 dissociadas da miisica, elaboradas para serem lidas e recitadas nas cortes nos ser6es literérios enquanto os nobres se divertiam jogando ou ouvinas musicas. ;0_amor (ainda ligado ao sofrimento), Ha stande variedade ten i @ sdtira (a expansa0 maritima é tratada por alguns poetas como uma aven- tura desastrosa), a religido e algumas incipientes iniciativas épicas. E importante ressaltar que em algumas poesias ja aparecem reflexos da poesia italiana, principalmente de Petrarca — 1304-1374 —: a idealizacio da mulher>a-saudade do tempo em que foi feliz no amor e mesmo 0 reflexc 24 1.2.4 1.2.5 —p— sobre os lugare: . poetas;-figuram-o proprio Garch ae onde viveu seus amores, Ent Bemardim Ribeiro ow a Resende, Gil Vicente, Si de Mitands As origens do teatro portugués Nao ha documento js isténci: ' Potala ae yt an come houv 8 motivo para oe numerosas proibigdes destinadas a extinguir tal s devassiaao” an (PPOs € arcebispos portugueses protestavam contra o pecado de gar nas Igrejas ou de usar méscaras profanas. Aceitavam as represen- tages como a do presépio, dos reis magos. Evidentemente eram contra 0 teatro que as pessoas simples traziam para dentro da Igreja: a experiéncia humana exterior ao adro nao era pos- sivel encenar dentro da Igreja. Em pragas publicas e na corte havia os jograis remedadores, cujo trabalho consistia em imitar, ridicularizando, pessoas. Nao chega a constituir teatro porque nao hd a unidade texto-representacao. Havia 0 momo que era apresentacado mascarada, pomposa, fundamen- tada na mimica — comum no reinado de D. Joao II, como documentou Rui de Pina (quarto cronista-mor de Portugal) e também Garcia de Resende — poeta e compilador das poesias humanistas; 0 arremedilho que seria uma farsa curta (farsa é a pega de critica aos costumes); 0 entremez que era uma encenagao entre um ato ¢ outro; os mistérios e milagres, que eram breves quadros religiosos encenados em datas como Natal e Pascoa, foram comuns no restante da Europa. a p Fie Esses elementos compoem a fase pré-vicentina e sero fundamentais na produgao de Gil Vicente. Gil Vicente e o teatro portugués Guimaraes. Em 1509, 0 Nasceu em 1465 ou 1466, provavelmente em Gui I: rei D. Manuel 0 nomeou courives da rainha ri Leonor ae D. oe 1513 foi nomeado oficialmente mestre da balanga Ca“ : one No documento de nomeagao estd registrado Gil Vicente como tro- alana. Brat ie im pega de Gil Vicente, “Auto da Visitagao ou Sete do Vaqueiro”, foi encenada em 1502, na camara da rainha D. Maria, 25 principe (futuro D. Jodo Il). Assis A nto do a ti comemoraga0 e i 5. Manuel, D. Leonor (rma de D. Manuel ¢ viva ae 3 encenagao oc infante p. Beatriz, (mae de D. Manuel) e também a duquess de Braganga (irmd do 1 ee Gil Vicente recitou em castelhano, & ma | Encina. neira palaciana do Poe a Be D. Leonor pediu para que fosse repetida g 0 ees do Natal. Gil Vicente entdo apresenta na data rej. ence eAUtO Pastoril Castelhano”. A partir dai estava inaugurado 0 teatro Poa carreira de dramaturgo foi protegid pela Tainha D. Leonor, gua atividade foi inclusive de organizar La aime recebia tengas de D. Joao Il. Era homem de confianga e isso lhe deixa a vontade para escrever ao rei, em ‘1531, uma carta na qual se pronunciava contra a perseguicao movida aos cristos-novos ¢ judeus. E provavel que Gil Vicente tenha morrido entre 1536 e 1540. Sua ‘ltima pega — “Floresta de Enganos” — foi encenada em 1536. Seu filho, Luis Vicente, editou suas obras em 1562: Compilagam de todalas obras de Gil Vicente. A parte a omissio de algumas obras que desapareceram e outras cujo texto ele alterou, restam-nos 46 pecas, sendo uma em castelhano, 16 bilingiies e as restantes em lingua portuguesa. Gil Vicente viveu no contexto histérico marcado pelas grandes desco- bertas e a0 mesmo tempo pelo ambiente palaciano, medieval, religioso ¢ conservador. A formagdo e atuagdo do autor estdo ligadas a trés reinados que interferiram evidentemente na sua concepgio de vida. restante da Europa vivia a auténtica Revolugao Comercial, ¢ a bur- guesia se constitufa em um poder capaz de alterar a estrutura feudal, ini- ciando a Idade Moderna. Enquanto isso Portugal se debatia entre a acao dos mercadores e dos senhores que ndo aceitavam a agonia do feudalismo. D. Joao II, no seu reinado (1481-1495), tentou travar o crescente poderio das casas nobres do reino (j4 vimos que a realeza doava terras aos nobres leigos e religiosos. Por essa época o proprio rei D. Jodo II dizia que pai.o deixara “rei das estradas de Portugal”. A terra era da nobreza e do ¢lero). Ao mesmo tempo o monarca dava um grande impulso 4 navegagao. Esse rei ¢ 0 dois posteriores ndo conseguiram esmagar o poderio de algumas oe importantes familias, mas conseguiram criar uma nova “nobreza rte”. ; Esse grupo oferecia os funcionérios para cargos metropolitanos e ultra- marinos, para a colonizacdo, para o exército e diplomacia etc. Simultanea- mente, a grande maioria dos nobres se dedicava a atividades comerciais em franca competi¢do com a crescente burguesia. O rei era o grande exemplo- -mercador e monopolista — e os nobres investem seus rendimentos em transporte e exploracdo econédmica. Nao se tornaram verdadeiros homens de negocio (afinal reinvestiam os lucros em terra e.em atividades ndo produ- es come luxo e construgdo), mas impediam o desenvolvimento pleno da 26 1.2.6 Em Portugal o nobre se envolveu com o comércio para alargar seu cio al: poderio, enquanto na Itélia a burguesia ascendia a aristocracia. O: A eaocinat D. Manuel (1495-1521) e D. Joao II (1521-1557). aig Ce D Manuel fez voltar ao pats os nobres exilados : rentemente mais tolerante com os j date judeus D. Joao reduzira a escravatura), acaba obrigando-os 4 cainaras Sates interessava ao reino a saida dos infiéis lucrativos. ” ° D. Joao III, no seu longo reinad : 7 yt lo, teve uma atuacdo cultural que quase 0 elevou a condigdo de mecenas. Nesse perfodo a corte foi o centro de letra. dos € artistas: desenvolvia-se o teatro vicentino e simultaneamente surgia 0 Renascimento (com Sa de Miranda). - ee eee 1 536, aoe uma are a ee erasmitas . a encarai Roterdam (1469-1536) se instalar arcane ee _Incentivador do ensino, reforma a Universidade, custeia bolsas para estudantes portuguese studarem em Paris. Em contraposigao, conseguiu 0 estabelecimento da Inquisigao (1536) e entrega-se nas mos da Companhia de Jesus — 1540 — (a grande arma da Igreja contra os protestantes; 0 “exér- cito de Cristo” que atuava catequizando os homens dos novos mundos e que também atuava em escolas, nas ruas, alfabetizando qualquer camada social). Enquanto a maioria dos que recebiam instrugo sdo conservadora- mente educados pelos jesuitas, os que podem vao estudar nas universidades do exterior. O contato com novas idéias (precursoras da Reforma protes: tante) que propunham a reforma interna da Igreja (Erasmo de Roterdam), a leitura da Biblia, independente das interpretagdes da Igreja, induz 0 homem letrado a concepgoes cada vez mais distantes da orientagao medieval teocéntrica. Gil Vicente se formou ¢ atuou no ambiente politico-econdmico & cultural desses trés reinados, desse clima que gera 0 Renascimento, movi- mento ao qual ele nao esté inserido. Humanista, teflete o estado oscilante de um mundo velho e de sua decomposigao. E evidente que nessa deca- déncia estd a origem dos novos tempos. O proprio fato de receber tengas pelo trabalho artistico anuncia um tempo em que 0 artista terd sua obra transformada em objeto de consumo. Caracter(sticas da obra vicentina O teatro de Gil Vicente foi considerado, j4 na época do autor, um teatro rico e original. Foi o primeiro a fazer valer 0 texto literdrio sobre a afia eo espetdculo. : Claes buscou as idéias nas representagdes pastoris de Juan del Encina. Mas a essa experiéncia integra outros elementos tipicamente popu- lares, desenvolvidos na Idade Média: as narrativas (de origens cavaleirescas), ‘os milagres e mistérios, as farsas (género popular com finalidades satiricas), 7 gmico & religioso, a critica social eo mistérig LGgica. ma concep¢do teocéntrica numa a teologhr goes, acreditou na necessidade de desnudar 9 s e apontar 0 caminho para a redencao, (0. O homem de seu tempo. de preocupaga ° eflexdo porque vive num con- zs a as etc. jirigmo de canUgasy oxpressando w 5 suas miséria é seu objeto , é motivo de Fr época homem, O ser humano de qualquer categoria soc! texto em que oS costumes F Gil Vicente cria © retrato do casadoura, do papa, do médico, do ¢ yiteira, do marido traido e de outros 1 POPE essalta as crengas, 0 artificialismo, 2 imoralidade, as superstigdes. Critica 0 homem que abandona 0 campo € Se entrega as aventuras do mar. Os costumes sao outros. ‘Os novos valores se associam a decadéncia humana. Criador de tipos sociais, consegue definir 0 personagem a partir do studrio caracteristico, do tipo psicolégico e mesmo de uma linguagem se degradam. 7 cigano, do judeu, do camponés, da moga amponés, do fidalgo decadente, da alco- nais que compoem a realidade da seu ve peculiar. Nao perdoou nada. Acreditando na fungao moralizadora do teatro, colocou em cena fatos e situagdes que revelam a imoralidade dos frades, 0s religiosos sd mais atacados pelo autor. A ambigao, a indisciplina e 0 utilitarismo sao a contradigdo entre 0 ideal e a pritica religiosa. Ha criticos que o consideraram pré-reformista, como Teofilo Br no século XIX. Mas Gil Vicente, critico dos costumes, estava longe de expressar (ou propor) a rebeliéo dos reformistas protestantes. Esses se opuseram a Igreja porque estavam imbuidos de um espirito antropocén- trico fortalecidos e apoiados pela burguesia. Gil Vicente no se identifica com.os valores da burguesia. De espirito e formagao medievais, ele esteve enraizado numa concepgao teolégica. ‘A critica a0 homem tem como fungdo abrir sua conscigneia e reapro- ximélo de Deus. Nesse prisma, € facil perceber que 0 autor expressa os yalores sociais hierdrquicos e tradicionais. © pensamento cristo € a critica aos costumes ndo chegam a se cons- tituir uma bipolaridade: a critica existe em fungdo do pensamento cristao. ‘aga, O paraiso estd reservado ao simples ¢ humilde, 20 puro, ¢ nio ao frade que, ambicionando a ascensio, utiliza de artificios para fingir a palidez do jejum (“Romagem dos Agravados”, 1533). Ou entio, os tradicionais usurpa- dores ¢ exploradores do povo: meirinhos, corregedores, juizes — que repre sentam uma justiga com bolsos cheios (“Barca do Inferno”, 1517; “Floresta de Enganos”, 1536). ‘A esses personagens que sfo tipos sociais, opde-se a figura do lavrador (“Barca do Purgatorio”, 1518; “Romagem dos Agravados”): & sugado pelo trabalho, pelos frades ¢ pelos cobradores de renda. A corte, 0 clero, 0 homem do povo, tipos foleléricos (a aleoviteirs © bobo, a beberrona, 0 judeu etc.) sfo somados a figura da moga da vila 28 (“Quem tem Farelos”, 1515; “Farsa de Inés Pereira” tempos, elas expressam a rebeldia contra o ae ee inal dos no stico, ow dade conjugal. E hd a figura do soldado que, no “, 7 . 7 Al ig” o Oriente com 0 propésito de se eatiquecer Aten hae 505), parte para Ja mulher. Sobre isso comenta Luciana Stegagno Picchio pee ia ts " teatro portugués: 0, em Histéria do “E a outra face do imperialisno: réo mais os coveleiros de F: montados em seus cavalos, de vitoriosas expadas a ros 2 i arraia-midda, para quem o Oriente 4 0 mais des Reena magro, no qual s@ se salva a pele se perde 2 mulher pelo vecon Este povo nio fala de cruzedes © apenas die: ‘Fomos ao ria de Meca, pelejamos e roubamos’ ”. -— | Nas peas religiosas © autor coloca sempre em relevo a oposi¢zo dos dois mundos: material e sobrenatural, profano e divino, trevas ¢ luzes. © “Auto da Alma” (1518) € a exemplificagao mais acabada da con- cep¢ao religiosa de Gil Vicente. A alma — que é uma entidade — é tentade pelo demonio. O pecado é€ representado por braceletes, espelho, sapatos. vestido colorido e por um tempo cronolégico, pois 0 diabo ensina 2 nogao de dias da semana, é 0 tempo material. Hd 2 oposicdo entre 0 mundo ima- terial e intemporal da alma e o mundo material ¢ temporal do deménio. A alma é despertada por esses elementos do mundo material mas nZo con- segue ser seduzida pelo demdnio porque o Anjo 2 socorre. A ordem se restabelece: a entidade divina permanece dissociada do mundo material ¢ da luxiria; transcende 0 tempo cronolégico porque 20 plano divino est ligada a intemporalidade. © teatro de Gil Vicente era representado na corte, numa época em que o Renascimento jé se fazia presente. Mas 0 teatro vicentino difere do teatro renascentista. As pegas de Gil Vicente apresentam uma sucesszo de pequenos quadros. Tudo acontece sem que 0 autor observe o tempo ¢ 0 espago. No teatro renascentista desenvolvido por autores, seus contempo- raneos (Sd de Miranda), 0 tempo historico esta associado 20 tempo drama- tico, segundo as leis cldssicas da verossimilhan¢a. Mas © teatro vicentino prenuncia 0 renascentista como quadro abaixo exemplificara: Teatro Vicentino Caracteristicas renascentistas Caracteristicas medievais 4. Emprego de alegorias e sim- 1. Atitude critica perante 0 drama bolos social e religioso da époce 29 — Teatro Vicentino (Cont.) \ Caracteristicas medievais Caractoristicas renascentistas 2. Temas espirituais, biblicos, 2 . Humanismo religioso condenan- com alusdes a vida eterna do a persegui¢So aos judeus ¢ cristdos-novos 3. Personagens populares com 3. . Emprego de figuras mitolégicas seus hdbitos e linguagem 4, Porsonagens sobrenaturais @ figuras aleg6ricas g Inclusiio de cantigas e dancas populares 6. Verso usado: redondilha maior (7 sflabas) Sugestdes para leitura Em “As relacGes de dependéncia” (Portugal na Europa do seu tempo — Histéria sécio-econémica medieval comparada. Lisboa, Seara Nova, 1977. p. 185-329), de Armando CASTRO, encontra-se um estudo em que sao esta- belecidas as relagdes de subordinacdo entre os individuos e grupos da socie- dade portuguesa medieval. Além dessas relagdes sociais de dependéncia, em “O Romantismo da cavalaria cortesa” (Hist6ria social da literatura e da arte. Sao Paulo, Ed. Mestre Jou, 1972. v.l, p. 269-312), de Arnould HAUSER, en: contra-se uma andlise de carater sécio-cultural do amor cortés e da mulher, esta como “elemento dinamizador da cultura’. Ha ainda o estudo compa rativo entre poesia cavaleiresca (do amor espiritualizado) e a novela de cavalaria (do amor sensual e erético), para concluir que houve uma inversdo das relacdes amorosas, o que implica em novo culto do amor. Em “Das origens a Fernaéo Lopes” (Histéria da literatura portuguesa. 5. ed. Porto, Porto Ed., s.d. p. 30-96), de Antdnio José SARAIVA e Oscar Lores, encontra-se um estudo social das instituic¢des de cultura, do ambiente cultural da Europa e das produgées literarias iniciais de Portugal. Em “Gil Vicente” (Histéria do teatro portugués. Lisboa, Portugélia Ed., 1964. p. 39-86), de Luciana Stegagno PICCHIO, encontra-se um estudo do homem e da obra vicentina, mostrando através de textos todo o contexto socio-cultural em que viveu o autor, justificando assim sua postura satirica em relacdo a época. Sintese ~ Perfodo Medieval Primeira fase: 11890u 1198-1434 — Origem ¢ formagio de Portugal — Portugal e estrutura social: feudalismo — Jograis, trovadores, cancioneiros: da literatura oral 4 es — Cantigas de Amigo — Cantigas de Amor — Cantigas Satfricas — tengdo de briga — Prosa Medieval — crénicas, livros de linhagens Caracteristicas © Predominio da literatura oral © Cantares de amigo associados ao canto # 4 danga; impregn realismo da vida campesina; sensualidade; queixume; euforia, amor popular e amor burgués “yasgalagern”’ amorosa; impragnaclo ¢ Cantares de amor e 0 amor corté do idealismo; “coita” de amor & idealizagao da mulher; origern prov © Cantares satiricos: escarnio, Prosa medieval; novelas de cavalaria, biografias, gem; 0 hero{smo de influéncia religiosa e feudal mal-dizer, seguir ¢ tengdo de bri cronicas, livros de linha- Principais autores Paio Soares de Taveirds D. Dinis — Trovadores Martim Codax Aires Nunes Joao Garcia de Guilhade Segunda fase: 1434-1527 Portugal e estrutura social: do feu es e seus sucessores — Lucena, Rui de Pina eiro Geral de Garcia de Resende - dalismo aos mercadores Gomes Eanes de {A)Zu- Humanismo: Ferndéo Lop rara, Vasco Fernandes de Poesia humanista: Cancion Teatro portugués: das origens a Gil Vicente 3 5. Caractoristicas Divulgagdo dos mestres da Antiguidade greco-latina Incentivo as Universidades e laicizagiio da cultura . Iw e Culto do Homem Crénicas e histérias voltadas para a coletividade 1 | ¢ Poesia palaciana ° Teatro popular 6. Principais autores — Fernao Lopes | Cronista realista Técnica literdria da narrativa Criador de perfis psicolégicos Pintor de cenas e paisagens Povo como agente da historia e Caracteristicas — Gil Vicente Teatro popular | e Caracteristicas Satira 4 sociedade portuguesa Visao religiosa medieval moralizadora

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