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FAZER ENSINAR SABER ENSINAR FAZER DOING TEACHING KNOWING TEACHING DOING YepowenTys 136 RESUMO Além do pionsirismo na implementacGo @ consolidacdo do ensino © pesquisa em Paisagisme no ambito universitério, Miranda Martinelli Magnoli também se destaca por sua atuagao profissional Pode-se reconhecer a professora nos trabalhos profissionais, ao mesmo tempo em que se percebem os reflexos dos questdes atinentes ao trabalho profissional na ctuagtic de professora. (O texto explora a indissociabilidade desses aspectos em sua carreira. Polavras-chave: Profissdo € ensino, projeto de paisagismo, ensino de paisagismo. ABSTRACT Miranda Martinelli Magnoli is not only @ pioneer in the implementation and development of Landscape Architecture in the academic realm; she is an outstanding professional in Landscape Design, 100 We can recognize the professor in her professional works, as well as the consideration of professional issues in her performance as « professor. The text explores the indissoluble links between these two aspects of her career Key words: Profession and teaching, landscape design, the teaching of landscape architecture. Powagen Ambienis: arssiae-n. 21 -Séo Paula -p. 125 - 140 - 2006 FAZER ENSINAR SABER ENSINAR FAZER DOING TEACHING KNOWING TEACHING DOING Distingvir, ou aproximar, os significados de professor e profissionol & torefa para etimélogos. O leigo se perderia na profustio de acidentes que poveam a evolucéo das linguas e hesitaria em associar © professum que esté na origem de professor, professoris, o que foz profissdo ou decla- rao publica de uma crenco ou idéia, com o professum de onde proveio profissio, profissionis, 0 arte, © oficio, o mode de viver. Em se tratando da professora ou da profissional Miranda Marinelli Magneli, esta dUvida ndo se coloca. E desnecessdrio e até inadequado insist na discriminacéo, porque nela esas vertentes ndo se opdem. As aguas sdo indivisas, nascem da mesma fonte € fluem juntas. Ni se frata do caso, comum nas chamadas profissées liberais, em que a experiéncia ganha no “mercado de trabalho" , na prética do olfcio, Irazida sem mediagSes para a academia. Arriscaria mesmo dizer que se dé 0 contrdrio, se isto ndo implicasse valorizar uma coisa em delrimento da outra. A profissional Miranda precedeu, cronologicamente, a professora, mas a simbiose enire as duas nao permite uma separagéo simplisia, ainda que sua aluagGo no ensino e na pesquisa seja, no geral, mais amplamente reconhecida As figuras se embaralham e a ordem se inverie também na meméria pessoal. Primeiro veio a professora, uma professora nao de Paisagismo, mas da FAUUSP, do Departamento de Projeto, em um momento em que este passava por crise grave. No curso da faculdade, toda lembranga se limitou simplesmente a isso, pois néo se criaram as condigées propicias para o trato direto entre o estudante e a docente. Recém-ingresso, | como arquiteto, no entéo Departamento de Parques e Jardins, deu-se o contoto, ainda que remoto, por meio de textos ¢ desenhos, com a profissional @ qual participara do primeiro plano espectfico de éreas verdes para Sao Paulo e da elaboragéio de mais de uma dezena de projetos executives de pracas © parques piblicos! Passados jé cinco anos de sua formulagéo, plano € os projetos cinda eram paréimetros para todos 0s que estavam no Departamento de Parques. E, apesar do pouco tempo transcorrido, plasmara-se também naquele ambiente de trabalho, além da referéncia profissional, uma per- sonagem, quase Um mifo para os que a conheceram mais de perto: intransigente nos principios, alheia aos elogios ligeiros, avessa & avtopromocio. Ressenti-me, entéo, da impossibilidace do encontro, na Escola, com a professora a qual, embora tio préxima, néo tive @ oportunidade de ter. Paisagem Ambiente: angciae -n. 21 Se Paula =p 198 - 140) 137 138 Viodini Boshi O momento favordvel para recuperar 0 que jé dava por perdido aconteceu no mestrado, quan- do a procurei como orientadora. Nao é 0 caso, agora, de relatar a experiéncia, mas apenas de ressaltar uma passagem, ainda na primeira entrevista, que ilustre a inseparabilidade entre professora e o profissional, ov a répida converséo de uma em outra. Querendo escapar, um pouco que fosse, das limitagdes préprias ao exercicio do projeto de pai- sagismo em uma empresa de urbanizagao, imaginei um tema de pesquisa que julgava, entdo, & altura dos interesses académicos e digno da atengéo da professora. Na verdade era vago, abstrato, pretensioso. E seu Irabalho na empresa? Fale dele. De meu trabalho? Serd que vale a pena? E uma atividade menor, secundéria. Paisagismo em espago piblico é coisa complementar, 86 entra quando tudo {6 esié definido, as construgées, © sisiema vidrio... Pois justamente por isso seria um bom tema. Como assim? Um muro das lamentagées? Uma dissertagio sem valor pritico ou teérico? Nada disso, voc® deve pensar nos novos projetos; exponhe as falhas do processo e jude a criar melhores condicées! As confingéncias profissionais se tornaram, surpreendentemente, razdo suficiente, se nao condigao necesséria, para desencadear o trabalho académico. Pouco tempo depois, em meados dos anos 1980, pude acompanhé-la no projeto de transfor. magéo de uma pedreira desativada em um parque piblico®, Emergia, entéio, a professora, com preocupagses e propostas incomuns no cotidiano dos escritérios, como o de estudar a viabilidede da reproducdo, em viveiros, das plantas ruderais presentes no terreno, para usé-las como fora go. Era a pesquisa andando ao lado do projeto, com o que se atenderia, ao mesmo tempo, a conveniéncias ecolégicas @ & economia nos servigos de manutencéo do parque. Conquante integralmente empenhada na vida académica, a professora Miranda sempre soube enxergar 0 valor & as possibilidades do fazer profissional, o que talvez explique sua postura bastante critica em relagdo a esle fazer, seu inconformismo, o inesperado questionamento das unanimidades. Nao se contenta com efeitos faceis, com maias respostas. Os desafios profissio- nais nao a desanimam, ao cantrdrio, impulsionam-na, e, s@ eles ndo existem, ela os inventa, recarrendo a professora. Nem as novas tecnolagias de projeto a infimidam, mesmo formada na tradigdo do desenho & mao, pois as uliliza ela prépria © cerca-se de quem esiéi alualizada Quando decidiv encerrar suas atividades no curso de graduagée da FAUUSR sem abdicar da presenca marcante na pés-graduacéo, teve mais possibllidade de dedicar-se ao exercicio protis- sional. Ceramente haveria muito a dizer quanto aos trabalhos dos quais participou desde eniéo. Atenho-me o dois recentes, que as circunstdncias permifiram conhecer mais de perio, fazendo chegar a mim testemunhos isentos sobre o contribuigéo da profissional e professora. Refiro-me ao projeto Agua Espraiada®, de 2000, e ao Plano Regional Estratégico da Subprefeitura Lapa’, de 2003 © Plane da Lapa, como os das demais subprefeituras, foi publicado de forma condensada, na Série Documentos, pela Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura do Municipio de Sao Paulo, Mesmo na versdo resumida desse trabalho profissional insinua-se a presenga da professora da discipline de Paisagismo, nos moldes em que era oferecida nos anos 1980. Logo apés reconhecerem e analisarem as caracteristicas do espago em tomo de seus locais de mora- dia, os estudantes eram instados a tomar contato com a paisagem de Séio Paulo, detectando e representando as feicdes tipicas dos diferentes quadrantes da cidade. Produzia-se coletivamente um mosaico em que transpareciam os padrées ¢ os especificidades da paisagem urbana, um material precioso em informagées as quais, ao mesmo tempo, propiciava o estudo analttico convidava irresistivelmente & formulacéo da sintese, tipica do olhar paisagistico. Uma sintese rica, inclusive, em que compareciam os varidveis usos do solo, as disparidades sociais, as trans- formagdes em curso, as disfintas configuracdes do ambiente constrvido em suas relacdes com © suporte fisico. Uma carta hipsométrica do municipio, na escala }:10.000, era a base sobre Powagen Ambienis: arssiae-n. 21 -Séo Paula -p. 125 - 140 - 2006 Foser Evsinor Sober nsnar Foren «a qual se faziom as ilacées que o material coletade suscitava, enfatizando a indissociabilidade entre 0 fato urbano e a fisiografia. Assim se ensinava como deveria ser 0 estudo da paisagem © do ambiente. Assim foi feito no Plano da Lapa: Consultando © material que a equipe técnica preparou para subsidiar © plano, bem como 0 relaiério correspondents ao Quadro Situacional eo Relatério Propositivo, as marcas ficam ainda mois evidentes®, Revelam-se nas associagdes entre os fatores geolégicos, morfolégicos e os problemas sociais de ocupagao dos morros, nos comentarios criticos ao tratamento setorizado da quesitio das aguas, que leva os administradores a apelarem para a “canalizacéio em geral” dos cérregos para fugirem ao “desgaste politico”, na preccupacéo em diferenciar “superficie permedvel” de “capacidade de infilragao" das dguas. Notam-se nas adverténcias contra os lugares-comuns, como o que associa qualidade do espaco & mera exisléncia de vegetagio: "Este vinculo, mal divulgade, leva a que o simples fato de se colocar vegetagio seja visto como forma de requalificagéo. A qualificagéo ou requalificagao dos espacos de uso piiblico, com ou sem ‘verde’, sé existiré se bem projetada: adequada na proposta de implantagéo e na gesiio.”* Sente-se ainda a professora na énfase dada as calgadas, por serem 0 espago “mais cotidiano” @ aos espasos livres piblicos em geral, considerando-os sempre com o crivo dos “inleresses de convivio da populago”. Percebe-se sua mao no levantamento minucioso da situacdo existente, no se deixando iludir pelos aparéncias: “Este elenco (de dreas verdes) pode passar a impressdo de uma regiéo aquinhoada de pragas. Néo é vélida, na medida em que os espagos séo em geral sobras do sistema vidvio estrufural (...), née passam de grandes rotatérias tteis para arborizagéo mas sem condicées de acessibilidade @ uso para convivie e lazer”®; na atengio dada és especificidades dos lugares; na recusa as generalizages simplificadoras: as prapostas sto aderentes as realidades paisagisticas presentes nas planicies, nos morros e vales, nos espigées do territério da subprefeitura. Para néio alongar em demasia a lista, sé mais duas particularidades do Plano da Lapa, que certamente tém a ver com a professora: a demarcacdo cuidadosa dos perimetros em que se deve dar a “gorantia de fruicéo de paisagem’ e, de modo mois caracteristico ainda, a vtlizacdo da carta hipsométrica como ferramenta para andlise e proposicées © Projeto Agua Espraiada se refere & operagéio urbana decorrente da abertura da avenida ao longo daquele cémrego. Os técnicos da Empresa Municipal de Urbanizacéo — Emurb jé vinham, hé algum tempo, dedicando-se ao assunto e estudavam meios de exercer um neces- sério controle sobre os empreendimentos que viessem a ocorrer na regio, visando garantir coeréncia, qualidade urbanistica, preservacdo ou criacdo de valores paisagisticos e ambientais, enfim, estabelecer uma idéia ou finalidade de conjunto para intervengdes as quais se dariam de mado isolado. Havia dificuldade em traduzir com clareza, pelas posturas urbanisticas, essas intengdes. A par- ficipagéio de Miranda Martinelli Magnoli na equipe, contratada pela Emurb para desenvolver © projeto da Operagao Urbana Agua Espraiada, foi decisiva para dar nifider ao que estava nebuloso®. Mas sua entrada nao foi a de um dous ex-machina. Primeiro ouviu bastante todos os que estavam envolvidos com o projeto na empresa @ tudo o que ja |hes viera ao pensamento Nao trouxe resposta pronta, formulou-a cam base no levantamento da situagGo encontrada enire os técnicos da empresa, @ no conhecimento adquirido, nao no estudo indireto da drea da operagao urbana, mas no palmilhar minucioso do terreno. Tinha, no entanto, principios firmes que Ihe davam o norle, os mesmos que ensinaya aos alunes, ao langar méo do método de enxergar © vazio, de projetar a parfir do espaso livre; ao focar o conjunio, a paisagem, sem esquecer que ela deve, em escalas apropriadas, acolher o individual © 0 colelivo; ao priorizar © piblico FPaisagem Ambiente: ngciae -n. 21 -Séo Paulo =p. 135 - 140+ 2008 139 140 Viodini Boshi Tudo isso é registrado nas pranchas do projeto, ganha forma e a possibilidade de materializar- se no espaco. A seqiéncia de espacos piblicos, ou de acesso publico, proposta ao longo do cérrego exemplifica sua capacidade de fazer as particularidades, as injungées normalmente vistas como entraves, trabalharem em prol de uma idéia mais geral, de conjunto. Os fragmentos de propriedades privadas remanescentes junto da avenida foram alinhavados em uma faixa non aedificand: continua, com um claro sentido ambiental e fruitivo, e acessivel ao piblico, embora constituida, em porte, por terrenos privados. (Os aspectos paisag(sticos em sentido esirito, que um pragmatisme tacanho e insensfvel & dimen- 860 piblica da paisagem despreze como supériluo, esto também contemplades no projeto, por meio de posturas gerais. Elas prevéem o espago necessério & arborizagéo, controlam gabaritos de altura e criam, ou preservam, aberiuras visuais. Justamente por seu cardier geral, essas posturas admitem e pressupdem a diversidade das solugdes arquiteténicas, e no obrigam a execugdo do plano em um Gnico lance, antes respondem & condigéo mais realisia de sua implantagao no decorrer do tempo. Mudangas de orientagée ocorridas na empresa levaram ao arquivamento do projeto elaborado em 2000 e & coniratagéo de um novo, com outros profissionais, em vigor aiualmente, Mas as contribuigdes contidas nas propostas do anterior néio foram esquecidas pelos técnicos, e infor mam noves projetos, como a adogdo da “contrapariide urbanistica", em vez da "contrapartida financeira’, por parle dos empreendedores que vierem a aderir a uma operagio urbana. O ensinamenio, no de mo Unica, mas resuliante do fazer conjunto, foi absorvido, propagado e poderé materializar-se em diferentes formas na paisagem. E a realizado do professor e do profissional. Durante anos, na sala do Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente da FAUUS® estiveram guar- dadas pastas com projetos eloborados por Miranda Marfinelli Magnoli que nés, entéio ocupados com dissertacées ¢ teses, nem abriamos para consuitar. Ela, discreta em relacdo ao seu trabalho profissional, nao induzia aberlamente a que o fizéssemos, deixava-os Id, 6 espera, no aguardo paciente de nosso amadurecimento, que so um professor sabe suportar Notas (1) © Plone de Areas Verdes de Recreagéo, de 1967, fo elaborade em conjunto com a arquieto Reso Grene Klatt «tove a colaboragio de orquteta Moddolene Re. (2). Projeto de poisagismo do Parque Pereira Sic Jodo, em tapev-SP, para Rino Levi Arquitetos Associados, 1985. O proto, que contou tombém com a porpagae de Moria Angele Foggin Perera Lato, no fo excevtado (9) Fora 0 alaboragio do projeto da Operagae Urbana Agua Exproiada, 0 Empresa Municipal de Urbanizagio — Emurb controtou, em um primero momento, Bote Rubin Arquteos, em consércio com o excririo Ambionto & Poisagem, este soba responsobilidede de Miranda Marineli Magas. Da equipe coordenada por ela fam porte 08 orquielos Ano Mori Antunes Coelho, Fébio Maria Gongalvese Luis Mauro Fret (4). O Plano Regional Esriégico da Subprefeitura Lape teve como autores, além da arquteta Miranda Marinelli Mog nol, © orquteto Loco Gomes Machado (coordenador © 0 orqutsta hizo Moria Toledo Antenor Confou aindo com a colaboragée des erquitetes Femande Foleon, Lie Ramee, Petrie Zandenardi, Renata Selaos © Giovanna Della Guardo, edo estogiéro Roberto Ei do Siva Bezere O acesso a esse material foi possivel gragas & colaboragio da amuiteta Milzs Mana Toledo Antunes, otual dire toro de Flanos Urbanos de Secreterio Municipal de Plonejamento da PMSP e da arquiteta Coroline de Figueiredo Bectaldi Silveira, (4) Quadro Situecional - Diagnéstico de Sitvagio da Subprefeitura Lope, p. 77. (7) Idem, 9. 78. (8). Idem, 9. 78. (9) Deve & feliz proxmidade com 2 orquitete Viacie Bortalin, gerente de Oparagdae Uskanae do Eur, 2 posabie lidade de conhecer 9 trejetéria desse projeto e recolher seu depoimento pesvoal « respeito da contibuigéo de Miranda Martinell Mognoh, Powagen Ambienis: arssiae-n. 21 -Séo Paula -p. 125 - 140 - 2006

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