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NOTAS SOBRE PAISAGEM E ENSINO DE PAISAGISMO- NOTES ON LANDSCAPE AND LANDSCAPE TEACHING Vladimir Bartalini Resumo ‘Astumese, acul, que 0 objeto do ensno de pasagism @ a pai Esta etungt, que pode parecer ebvia, simples apenas ne sp NNaverdade, ela exige uma indagasdo sobre a pasager, “objeto” Tug le por excelenca, © quese tente neste artigo sto aproxmaseer a idee de pasagem que preszupdem, por um lado, o:vneules desta com ans furezs 6 Terra por outro ta tendene's #“cotmisaagso" Sexes 26 tambem, deseciar2 paisagem da hegemonia,rerao ds exclusisde, Soveatido da visto, Nerd fo pensamento madarne, Poe fim, plies: fe a contibuigse de Sterente: format ene otticas para embasar ensino de pa ‘mers Eapactagio tenica parece nfo dar conta 38 amplisdo 6a sents que | pasagem acolhe Palavrachave:Pasagem,Paizagizme, Ensino, tee an mt rs 9M Aasrract Its ausumed here that the ebject of landscaping teaching i the landscape. This assumption, which may seem obvious, i simple only inappeorance. In fact, st requires an inquiry into the lanescape, & fugitive “object” per excellence, What iz attempted in thir article are spprowmations to te ides oF ansicape that premuppore, on tre one Hana tr inks with the nature ofthe earth and on the other hang, Ite tencency tovarde "eormiciaation” also reas to sero ae the lanaécape tom hegemony. f not exclusivity. trom the seate of vision inherites from modern thought. Finally, te contribution of sifferant forms of expression, of of poetic languages, 1s Ured to support the teaching of landscaping, since mere techrical training seems to fail te sccount forthe wide range of meanings thatthe lanaicane receives Keyword: Landscape. Landscaping. Teaching. 1, Inrropucko Ha tentos modos de enfocar © ensino de paisegismo quentas s80 13 acepsoes de palsagem, Portanto, esté aqui descart tensdo de contemplar a: questées do ensino de pal lum modo cabal. Trata-se, mais simplesmente, de considerer al- ‘guns pontos que vem & tone quando se entende @ pategem nso ome “um eteulo fechado, mat como um desdobremento”, come tlgo que “26 ¢ verdadeiramente geogr ico por seur prolonge rmentos, pelo plane de fundo real ou imaginario que 0 espace ‘bre para alem do olhee” ou entBo, ainda com Dardel, ome elge {que “se unificaem tormo de uma unidade afetiva dominante (1 {gue poe em questo a totalidade do ser humano, seus vineulot ‘existencials com a Terra, (numa) relasso que afeta a carne eo fangue” (DARDEL, 1990, p. 42), ‘bviamente, isso coloca desatios no s6 para o pensamento so- bre @ patiagem, mas tambem pare.o ensino do paizagismo. A atagem e, em esencia, aparenca,€ superficie que se apresenta ‘lante de nos, Mas com seus veus ela se vela, Remavendo-ine o: \yeus supbe-se desyelé-ia por completo. No entanto, por ser Terra, {la se fecha e novamente se vela,recolhe-se, pede culdados. Co- ‘nhecer a palsagem © atuar na palsagem tem aver, em parte, com revelagéo e, ao mesmo tempo, com um novo encobrimento: uma lbertura e um fechamento. Ese 0 verbo desvelar diz uma acao, le diz também culdar, uma relagdo ica: desvel, 2. Paisacem: Finituoe Agena {As disciplinas de paisagismo nos cursos de graduacdo de arquite- ‘ura s20, em geral, disciplinas de projeto, ou sela. supdem 0 con- tole eo direcionamento de energias —nao ¢ esse osentido de disciplina? ~ para intervr no real. transformando-o, 50 implica metodo e tecnica, o que signifies, no senso comum, ter & dispo- sic regras, normas, ferramentas e ahebilidade de utilizalas @ servigo de uma finalidade, de um objetivo. Ninguém duvida da importancia do dominio dos campos metodo- lgico e técnico para se realizar qualquer tarefa, qualquer proje- to, e que a transmissBo e o desenvolvimento dos conhecimentos referentes a esses campos, mediante o exercicio do projeto, esto na base do ensino académico de arquitetura e de palsagismo, possival ter acesso, hoje, a um grande, divarsficado e bem qualificado volume de informagée: sobre métodor e téenicat para amparar o ensino do palsagizmo em cursos de graduacto, 0 fue, sem dUvida, contribul ou deveria contribuir para melhores resultados em termos de projeto e de execucio de obras, patsagistcas. Temos também um grande numero de professores apacttados e de alunos interessados no campo do palsagiemo Contamos, por fim, com a cleseminagko creseente do intererse por assuntos referentes & palsagem em variados segmentos socials ¢, por vezes, também com o comprometimento efetivo esses diversos segmentos com as que:t6es que envolvem a p ‘sagem nos seus ambientes cotidianes, ndependente da sua con- dicho de vida e da posicie que ocupam na hierarquia socal Tudo isso corrobora 4 importéncia de desenvolver ¢ eprofundar fo ensino de paisagismo nes cursos de greduagso e significa tam: bbém 0 aumento da nossa responsabllidade ~ como professores, peiquisedores e profissionais na formagéo de futuro: profisto aks, professores e pesuisadores aptos a compreender as pase (ens bs quai s80 dirigides suas atengBes, No entanto, apesar dessas condicdes favorave's, corremas o isco ~ alias, sempre correremos algum rsco desde que nos mantenha- mos vivos ~de ating um alto desempenho, de sermos cada vez mais efiientes no aleance dos nossor objetvos, de atendermos a5 agendas amblentais e socials e, ainda assim, deixarmos excepar @ Patsagem entre os ded, Colocae, ento, um primeiro ponto que merece ser abordado ao se tratar dos desatio: que o ensino de palsagismo nas impe Ele se refere ao proprio objeto em torno do qual esse ensino ravita: a paisagem. Embora na cultura ocidental, notadamente a partir do inicio da Era Moderna, osentimento e 2 nosao de palsagem estejam for temente essociedos & percepséo estetice da natureze sob 0 co mend da visio, as questées que @ palsagem nos propde nao se limitam & mera visbilidade. Tampouco serviria apoiar-nos apres sadamente na assertiva de Dardel- "a palsagem no ¢ feta, em fa esséncia, para ser Vita, mae sergio do homem no mundo, lugar de um combate pela vida, manifestacdo do seu ser com ‘os outros, base do seu ser social” (DARDEL, 1990, p. 44)- para imputarmos, indiscriminadamente, tudo o que exste & pakagem ‘ou confundi-la com a propria realidade geografica. Por sinal, 0 ‘mesmo Dardel, referindo-se ao depoimento do seldado Lintier ‘ue, em 1915, entrincheirado no campo de batalha, admirava 8 ‘mana invernal com os ohos de quem pederia ndo vé-la mais dai {2 pouces minutos, arma: “All onde a Terra ¢ aqullo que se pode perder de um instante para outro, ela retoma todo seu trescor de espetaculoinico e novo” (DARDEL, 1980, p.50, rifo nosso). E. ‘algumas pagina: adiante, Dardel ainda voita a nos dizer que “O {que o homem procura na Terra é um ‘rsto’, um certo acolhimen to" (DARDEL, 1980, p. 60, ‘A paisagem pode nBo ser feta, em sua esséncla, paraser hada, ‘mas quem emprega palavras comorosto, fisionomiae espeticulo ara eferirse a ela estd usando termes relacionados 8 visio. Um Fostosé ¢ resto porque é visto. Eo resto s6 ¢ vsto quando se esta fora do corpo, por aquele que vé orosto de um outro ou 0 pré- prio rostorefletio, cicunstancia em que jase ¢ um outro. NEo ha. entdo, porque ndo inverter o sentido da frase de Dardel dizer que a exséncla da palsagem é ser vista Ela s0 existe poraue € Vista, porque nela alguém reconhece um resto e prova algum sentimento a0 reconhecé-.0 importante a considerar ¢ que tal reconhecimento ndo se e:gotarna vido. Ha, na palsagem, algo que a supera e que nfo se v8, algo que indagamos ¢ que nos indaga. O horizonte, ao definir um aqui ‘eum além, @ constitutive da paagem. A paisagem pressupbe im horizente, mat ele ze desloca armedidaem que nor desloce ‘mos. Nunca o atingimos. Queremos exprimir este excesso, que 4 essencial e constitutive da palsagem, mas 0 inefavel resiste & linguager endo ha fémulas para satisfazer a essa vontade ou necessidade de expressio. Se apaisagem for reduzida a sua mera ‘objetividade, estaremos entdo ainda mais longe de ating tal Intento. Além do mais, casoexistam respestas afirmativas que nos aproximem da meta, provavelmente elas ndo residirso em ne Inhum endereco fs A presenca dessa dimensio fugidia e, a0 mesmo tempo, to fundamental ¢reconhecida em diferentes culturas, mesmo entre aquelas que no postulam um nome expecifico para se referir palsagem. Pressentiam-na os yoruba, que a expressaram num dos, mitos mais significativos e inspiradores para nés, paisagistas: 0 e EUs. orixa do horizonte. do encontro do ceuicam a terra, do ‘ceucom omar. Eud, filha de Nang, era calada e solitaria queria Vier sozinna, dedicada a tarefa de afastar o sole fazer a noite dezcer no horizonte. Nané, preocupada,instla em casar a fila ua, para fugir dosarranjos matrimonials tramados pela mde. pe- diu socoreo aveu limo, Oxumare, ora do arconirs. que a levou consigo para tris de horizonte, onde passaram a viver juntos, Inatingiveis (PRANDI, 2008, p. 238-239) AA presensa constente, real e, no entente, inalcangével do ho: Fizonte # um trago dstintivo da paisagem, « qual # sempre cir unscrta e, 20 mesmo tempo, aberta 6 algo que 9 Ultrapessa Mesmo sendo esta ume dimensBo exzencial da palsagem, ¢cloro que cla nfo basta pera dena, aise, seria indcuo e ate empo brecedor tentar ume definigéo, mas tembém nono: interessam, ‘qui, of enfoques que, 20 iluirem @ noo de palkagem, exve Ziam a quettio, ou zeja, anulam a expecficidade da paizager or passarem a0 largo dela, como ocorre com esta definicéo de Gilles Clement, um dos nomes mais proeminentes do paisagismo contemporaneo, tanto por sua atvidade profisional quanto por ‘sae raflexBer teres Paisagemt.. designa aquilo que esté diante do nosso olhar. |.) A questo: "o que & 3 palsagem?” pode- mos responder: ¢ aquilo que guardamos na meméria depois que deixamos de olhar: € aquilo que quarda- mos na meméria quando os nossos sentidos delxam de ser exercidos dentro de um espaco investide pelo corpo. Néo ha escala na paisagem, ela pode se dar no imenso e no minusculo, ela vale para todas as matérias = vivas ou inertes -. para todos os lugares llimitades ou privados de herlzonte: podemos falar de aisagem aqui mesmo [..], nesta sala (.] (CLEMENT, 2012, p. 19-20) {Ate a penultims linha, ae consideragSer de ClémentS0 pertinen- tes a0 quesepretende abordar aqui, porém. quando ele dspensa ‘ohorizonte e admite falar de palsagem mesmo no interior de um recinto, nos afastamor bastante dele. Interessam-nor, antes, a labordagens que admitem e vasculham as peculiaridacer da pale sagem, dstinguindo-a, por exemplo. de ambiente e de tertério, ‘como fa2 Rotario Assunto, que entende a paisagem como "a for= ‘ma’ na qual se exorime a unidade sintetica a prior! da ‘materia (territérioy"e do ‘eontetido-ou-fungdo (ambiente) (ASSUNTO, 2011. p. 128). 0 mesmo autor j8 se ocupara, anterlormente. em ‘esclarecer as dferencas entre palsagem e espaco (ASSUNTO. 2008, . 13:26) Para ele, apaisagem espaco endo objeto no espaco, € ‘mais, toda paisagem é espaco, mas nem todo espaco ¢ pasager. ‘A palsagem € 0 préprio espaco que se constitul em objeto de experiencia estética, sujeito de juizo estético" (ASSUNTO. 2006, . 16). No entanto, prossegue Assunto, embora uma praca, um sa Ho, cu mesmo a abébada celeste, por exemplo, possam ser espa: gossuleitasajuizo estético, eles ndo sdo palsagens, ou por serem fechades ou por serem limitados. A paisagem @ delimitada, mas ‘do fechada, abre-e ao limitado, mas néo ¢infinita. A palagem {limitadae aberta, € “finitude aberta” por abrirse ao ctu, ao in- finite, “assim como o Infiito, pasando pela fnitude (paisagem), infinitude limitada" (ASSUNTO, 2008, p. 19) Jean-Marc Besse, 2 comentar# relasdo entre palsagem ¢ infini- to, toca no ponto nevrilgice: "talvez[.] esta presensa transbor- dante do infinite no Finite sejaa forga mais intima da experiéncia abagistica” (BESSE, 2006, p. 8). Se essa presenca transbordante do infnito no finito € constitut- va da patsagem, vale questionar se 2 paisagem seria propriamen- ‘te uma “invencao” da modernicade - o que ja nos predisporia ‘a manusea-la a vontade, sem 0 devido respe'to -ou se, 20 con ‘rério, ela jando existria desde que o homem se pos a observar | natureza, ov seja, desde que comesou a tomar contato com {35 coisas, portanto, desde sempre enso somente s partir da Era Madera. E desde que © homem se viu como um ser entre outros seres, sobre a terra esob 0 ctu, e fez a distincSo entre o espaco {que Ihe ¢ préximo, familiar, e aquele que the ¢ distante e incog: nito ee reconheceu como mortal, finito perante um tempo — sea ciclico seja linear - que ultrapassa a sua existencia, ohomem do deiou de se deparar com 0 infinto, mesmo que nso o tenha formulado conceituaimente. Nem de olher com eitrannamento € admiracio 0 que se Ihe apresenta como o outro ou 0 desconhe: ‘do, seja este outro 0 proprio homem seja anatureza em geral A paisagem, ou melhor. a "vocagso palsagistica” ~recorrendo a Uma adaptacio das reflexder de Octavio Paz sobre poema e poe: sia para a palsagem ~. esse modo de delimitar anatureza como finitude que, por ser aberta,€ invadida pelo infnito ou, ainda, fesse modo de ver a natureza como algo que cresce. nas pa ras de Rilke, “em direcSo a um futuro que nés ndo viveremos” IRILKE, 2009, p. 59), come um outro absolute que not faz sentir. extranhos e ausustadoramente 6s, exa nogio de paisagem exis: tira desde sempre: “comecou com os primeiros homens e [156 acabaré quando nossa especie emudecer” (PAZ, 2012.p. 13) ou, ampliando a pardfrase, quando nossa espécie no scuber mais ‘exprimic o que sente £ possivel ir mals aldm ne argumentagéo de que a zensibilide de paisagistica e a dimensio, digamos, césmica da pabagem so Inerentes ac homem, & sua geograficidade, para usar 0 terme ‘unhado por Dardel, e que, portant, a nosso de paagem an- tecede o advento ds Modernidade, rigor, 0 que se pose im: putar & chamada civlizagdo ocidental € 0 pensamento sobre 3 atsagem, ou seja, usando as palavras de Augustin Berque, “um ensamento que tem a palsagem como objeto" (BERQUE, 2008, 98, gifo nosso), 0 que exige uma operasdo de representasio. Mas a sensibilidade paitagistica @ of vinculos da palzagem com 0 Infinit, ou com uma ordem césmica, podem ser detectados antes do Renascimento e em culturas que néo as europel Ainda no seculo | da nossa era, as cartas de Plinio, o Jovem, registraram a5 amenidades de suas ville, uma delas conhecida como Laurentina, situada numa “costa maravilhosamente di versificada peles vile ell dstribuidas, de forma agrupadaout solada” (PLINIO, 1995, p. 132). Também referindo-se & villa Laurentina, escreve Pinio: Converso £6 comigo © com meus livros. Oh que vida reta e sincera, ch que otium doce @ honesto, ¢ direl quase mais belo do que todo © negotium. Oh mar, (oh praia, oh verdadeiro ¢ secreto templo dat Mussr, quantas coisas descobris, quantas me inspirais! (PERE! RA, 2006, p. 85). 4 fruigdo da beira-mar (CORBIN, 1983) a partir do século XVII seria, entao, antes uma redescoberta do que propriamente o nas- ‘imento de um nove tipo de paisagem, ‘A paizagem ("templo das Musas”) como provedora de condicbes Dropicias 20 saber ("quantas coisas desccbr's"), 20 influxo animi- 20 ("quantas me inspirai”), enfim, a experiencia contemplativa, tomar (ou retomara), a partir de meados do século XV, pleno vigor nos jardine da ville alana renascantetar e_psthadoe. e= tamente, nas descrigdes de linia, Bartolomeu Taeglo, em seus didlogos sobre a villa, de 1559, ex pressa-se em termos que relembram os de Plinio, a0 falar do Sentimento de “grande alegria e (de) felcidade humana” prove- ‘lente da contemplacdo, na qual se fundema atividade da leitu- +a, com 0 conhecimento da natureza nela implicado, © a fruiglo da paisagem: Estando na villa sozinho em meu abrigo, [1 $6 com a alma, sem mexer qualquer parte do corpo. Im tino todas a5 partes do Oceano, abraco toda esta bola redonda que se chama Terra, descubro quantos mares a inundam, quanto: lagos a banham, quantas thas, portos. recifes. montanhas, planicies castelos, cidades, provincias ¢ regises nela existem [..]. Endo contente com estas coltas balvas, alco voo nas atas ddo pensamenta ©. pazsanda por todas a2 regides do ar @ da esfera do fogo, entro no ctu «, deslizando pela intelecto de esfera em esfera, © de uma intel Géncla A outea, conduzo-me enfim a0 proprio Deus, E depois, pleno de maravilhas, comeco a retornar lordenadlamente @ consideracao das coisas que fle produziu; e subindo e descendo desta maneira atinjo © perfeito conhecimento deste mundo. Passo meus dias em grande alegria, a felicidade humana provem dessa contemplacio (TAEGIO, 1559 apud BESSE, 2006, p. 29) Outro humenistaitsliano contemporsneo de Taegio, Jecope jonfadio, ao descrever para um amigo 6 seu retito & beira do lago de Gard, declare que seu humor melhora pela simples visdo deste lago ¢ de sua prala [1 Aqui o céu @ aberto, de um brilho claro e de um vivo splendor que, sorrindo, convida-nos & alegria.[..] Varias coisas podem ser vistas aqui,requerendo um colhar diligente e muita consideracéo. Assim, acontece que, no importa quantas vezes um homem retorne ‘aqui, ele encontrara novas maravilhas e novos praze- res (BONFADIO, 1541 apud HUNT, 2000, p. 33). ‘Tudo © que Bontadio aponta para ser apreciado pela visdo, co- menta John Dixon Hunt, ¢ apenas um pretexto para se atingi. fem meio ar variagSer de formas e de aspector, alge née visivel ¢ Permanente. € uo deslizar do material para o ezpirtual, ou zea, na passagem da primeira experiencia sensivel para a contempla: (de e, subsequentemente;na retorna a dimenzSa zensivel do pro rio sitio, que reside o "coracdo da experiencia da paizagem Embora ndo sea necesarlo inst no verdadelto lugar comum de que a Antiguidade inspirou a cultura no inicio da Modernidade, Vale resealtar que tl influéncia estendeu-se ndo #0 a arte dos jar- dins mas, conforme visto, a prépria paisagem enquanto recurso para ating eusufruir um estado de harmonia com 0 Todo. A evo (acio, dreta ou indireta, de Pinio ede Cicero, no que concerne a este atributo da palsagem por parte des humanistas renascentis: ‘Sipe erie teropeaoneuiermicp a ener raion, tas, contra tal vineul, o que reforca @ poskio dos defensores da idela de que a palsagem, para vi a luzno ccidente, nfo preckou ‘esperar o século XV, quandose iniciou seu desenvolvimento como ‘género auténome de pintura e apalavra que a denomina fol in- corporada ao vocabulario dat inguas europelat" Se, como visto, 0 transite continuo e reversivel do sensivel ter- reno para o <ésmico. propiciado pela paisagem. esta na base da chamada cultura ocidental, tendo repontado no século XV. ele do deixa de se manifestar tambem fora dela. Endo s6 na China ‘que, sabidamente, ¢ das mais antigas entre as cvilieagdes pale aglstas e na qual o: valores esteticos e espirtuais da palzagem ‘estiveram desde sempre associados., mas tambernna civilizacSo asteca que, embora contemperdnea & da Europa moderna, no tivera contato com estaaté o final do quatrocentes. Vejase, de pazsagem, oseguinte relato sobre parquese jrdins astecas, feito ‘com base nas fontes bibliogrsficas disponivels na Biblioteca de Estudos Pré-Colombianos, em Dumbarton Oaks, Estados Unidos: gas e snmento o traci cago pls coreenpat emote 028 9) av, rma PECL. fp 3524) Gar Een] poke guea ‘Beoaaoes be sagen oma et ge oan tinh doen fe Suse bort inasontal stm ern tame {eam beeps t fon eo des butane | aurenteee wats ee Shiels 2 roca pes hos seta se Seewiinar or concen pac cereroaty scans cota ess 03s Sco’ pcs one Stora crue arin astro es. erg ts nna dca nop aan Fora da cidade, os palécios eram construldos em local otaves pela sua beleza e pelo seu significado histori co e sagrado. Enquanto os jardins das cidades exibiam plantas e flores ornamentals e arométicas em amblentes muredos, os jardins no campo voltavam-se aos prazeres mais intelectuais da palsagem e a horticultura expe- imental: os governantes construiam palacios em bos- {ues plantado: ou em meio a vvelrcs de plantas, onde vegetals excticos eram mantidos com esmero. A agua, estes lugares, nfo se limitava a tanques e canals, mas incluia fontes © quedas d aqua cuidadosamente con cebidas, verdadeiras celebracées da engenharia e da tengenhosidade humanas. © 0s palacios campestres eram Implantados para se apreciar o espetaculo dos canals de ‘que abastecendo grandes extensoes de terrasirrigadas fu cidades intelras (EVANS, 2000. p. 206). Sao exemplos o parque de Chapultepec, implantado em uma co: lina localizada a cerca desessquilomeiros a oeste do centvo de Tenochtitlan (atual Cidade do Mexico), e 0 parque Texcotzingo, ‘também em uma coline, a leste da cidade de Texcoco’, e dele afastada por distancia similar. Os centros de ambas a5 cldades, Separedos por aproximadamente trinta quilometros, eram mar: cados por suas respectives colinesertificiais em forma de pir& mide. Afora as qualidades inerentes « cada parque, das quels, atualmente, do proves epenes as ruinas e 0: registros dos pr: meiros tempos de colonizaséo espanhola, chamam a atenséo Do alinhemento # ¢ simetria @ que obedece sue distribulg8o: eo longo de um elxo dispéem-se, em uma das extremidedes, 0 par 7 ma pn nee nfo ss meses Iratasces russe caremputas ees triton emoraondo cone auteh, Chapultepec e Tenochtitlan, ena outra, 0 par Texcoco e Texcot- 2ingo. Sabendo-se que a dualidade ¢ “um dos principios basicos e testruturadores do pensamentoreligioso mescamericano (Jum reconhecimento da essencialinterdependéncia dos opostos"(- MILLER: TAUB, 1993, p. 81 apud EVANS, 2000, p. 213-214), ¢licito reconhecer também entre os artecassinals da correlagdo entre a truigdo estetica da palsagem e a contemplacdo de um principio abstrato de ordenagso universal ‘Assim, a interlocugSo entre os planos sensivele mental (ou espi- ritual, entre o visivel eo nfo visivel. entre o real eo imaginario, lentre o circunserito e eo incomensurdvel, entre © aqui e 0 que s@ abre além do seu horizonte, todos esses vinculos da paisagem come que a excede podem ser verficados em diferentes tempos ¢ Culturas, manifestandovse sob diversas format, Pox ma distintas que sejam entre si, essas formas de expresséo ‘tdi algo em comum: todas s80 linguagem, ou se, "sistemas ex pressives dotados de poder significativo e comunicatvo. [.]Pin- ores, musicas, arquitetos, escultores © outros atistas nBo usm ome materais de comporigso elementos radicalmente diferentes dor que o potte emprega,Suas linguagenssko diferentes, mass80 linguagens" (PAZ, 2012. p. 28), E pela forma de exprime esses con- ‘teudor, pele linguagem que se cla para expressélor que o ensine de paleagizmo poderis, primordialmente, se intere:tar. 3. Poesia € TECNICA ‘Algumas dificuldadie entio se apresentam, como aquela imposta pela usual oposicio entre a dureza, origor. 0 aprisionamente em tubor es conzequente indizponibilidade dda agua para outros usos: pederia ter apontado vantagens @ des- vantagens de sua exumacde; ter discursado sobre o ciclo hidro- logica.Preteru falar sobre o alpencre de uma casa enstente nos xo arredores e que se abria, outrora, para o cérrego hoje oculto, lm alpendre agora “desfuncionalizado", sem sentido real e, no entanto, evocative de vistas. “por cima do muro baixo”. para o rlacho, “com sua nascente vertende 4gua em abundancia, uma gua inesgotavel, de som macio” (CABRAL, 2015). Uma agua Que jd ndo existe para os olhos, que foi ressecada por camadas fe camadas de pavimentos e que, no entanto, ¢ inesgotavel, uma hascente que mora num cemiterio e que, a despeito disso, ov istamente por 0, esta Viva, O olhar vazio do alpendre este Fepleto de significado: plurals, contraditerios, mas unificados rhuma imager que nos leva a ver 0 que ndo esta visivel ea ouvir, entre as duras arestas das construcdes, a maciez do inaudivel. O alpendre tornou-se imagem poética, simbolo que reune, acolhe fe revelauma agua spectral, Ressuscita uma palsagem morta, io parece descabide que o ensino de paksagimo passe também or al. NEo poders, contudo, deixar de precaver-se contra a ten- tacho de entulhar o espaco com “imagens potticas".Afinal, se € do mundo ser inconcluso e se a poesia diz essa inconcluséo, vale atender a Clarice Lspector e proteger as enteelinhas. ReFERENcias BisLioGRAFICAS Pacem asco tae ce EERQUE Supt sass posed Chin antav vx envnanent Begone mopcieiyaneguate Awa a Ear, ee Aimee are es Tae ram Aes Enea el iD Ls AVOL ate A vag doin mia cast > dio pam en Lae nln co Pegs ses 00 ‘eve Sis, aes psp tga rae Donor oe de Fane ye, 22 ‘nd Degneg tandieapes.atnoSo-orsnames, vs h'9'B 3058, 208 OO" OMT tte Onan Grant pte Lr Tae ean, 28 a,c Oa en ir suo A foster Fine Wat 50 Falcons Rah FEREMA winaons ioe a somatic Agr eo. 708 hr tog em ome Stas re een mene ree vac Baran Universidade de so Paulo (USP Faculdade de Arquitetua ¢Urbanisme. do Lago, 875, s30 Paul, SP, Sasi, CEP 5508-080, ‘Orie tporidry0000-0002 3412-0620 Emals bartalinigueo br orto cr 2. "

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