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Concepe¢ao e organizagao de Carl G. Jung Edigao especial brasileira = EDITORA NOV, A FRONTEIRA A Editora Nova Fronteira apresenta a0. piblico brasileiro. uma das obras fundamentais da psicandlise. Um dos livros de maior influé ncia no progresso das ciéncias da psicologia analitica, nos seus revoluciondrios métodos atuais, 0, primeiro e tinico trabalho em que Cart G, Jwig, 0 tamoso psicdlozo ¢ filésofo suigo, explica 20 leigo aquilo que constitui a sua maior contribuiga0 a0 conhecimento da mente humana: a sua teoria a respeito da importancia do simbolismo. Sobretudo, 0 simbolismo dos sonhos. O Homem e seus Simbolos CarlG.Jung Nao fora um sonho e este Livro no teria sido escrito, Este sonho — descrito na Introdugi0 — convenceu Jung de que ele poderia e, na verdade, deveria, expor suas idéias aos que nao. tém qualquer nocio de psicologia. Aos 83 anos, Jung coneebeu este _livro, inclusive as segdes que entre gou aos cuidados dos seus quatro mais prdximos discipulos. Dedicou os titimos meses da vida a editar esta obra e a redigir 0 capitulo chave, por ele assinado. E terminou apenas dez dias antes de morrer. Em O Homem e seus Simbolos Jung acentua que 0 homem s6 se realiza através do conhecimento e aceitacio do seu ineonsciente — conhecimento que ele adquire por intermédio dos sonhos @ seus simbolos. Cada sonho ¢ uma mensagem direta, pessoal ¢ significativa enviada a0 sonhador. Uma comunicacio que utiliza " simbolos comuns a toda a_humanidade, mas sempre de maneira individual. E que s6 alcanca interpretacio através de um, “eddigo" inteiramente particular. Mais de 500__ilustracdes complementam 0 texto e fornecem um ‘comentirio visual" 20 pensamento de Jung, a quem se deve os estudos criadores sobre 0 “inconsciente coletivo". Mostram a natureza ea funco dos sonhos; exploram 0 sentido simbdlico da arte modema e revelam a significacio ——psicoldgica’ das experigneias comuns da nossa vida cotidiana. Como escreveu_o autor: " [O homem —contemporaneo] niio consegue perceber que, apesar de toda a sua racionalizagio e toda a sua eficigncia, continua possuido por ‘forgas' além do seu controle, Seus deuses e demén absolutamente nao desaparec eram; tm. apenas novos nomes. E conservam-n0 em contato intimo com a inquietude, apreensées_vagas, —_complicacées psicoligicas, —uma_—__insacidvel necessidade de pilulas, ‘leool, fumo, alimento e, acima de tudo, com uma enorme colegao de neuroses. Finalmente, em lingua portuguesa, esta obra fundamental do nosso tempo. Capa: Mandala Tetana (Peto de 1. Coweville Top) OHomeme seusSimbolos Carl G.Jung M.-L. von Franz, Joseph L. Henderson, Jolande Jacobi, Aniela Jaffé Tradugao de Maria Lucia Pinho SEDIGAO A EDITORA NOVA FRONTEIRA Editor: Cai G. Jung , apés sua morte, M. - L. von Franz Coordenador Editorial: Jom Freeman Editores daAkdus Texto: Douglas Hill Desenho: Michael Kitson Pesquisa: Margery MacLaren Auxiiares: Marian Mortis, Gibert Doei, Michael Lloyd Conselheiros: Donald Berwick, Norman MacKenzie Revisdo: Nildon Ferreira Produce Grafica: Celso Nascimento Titulo orignal em ing THE MAN AND HIS SYMBOLS (© 1964 Aldus Bocke Limited, Londres excetoo captua 2, ipuladp Gs tins Anige © Hema tee, ce Dr sept Henderson, O3 dretos deste capi sao ‘expressainerte neqados& publicayao nos Estados Unidos corns lngegeiran peamatinaten nag relat att ara Feet ern Rio dovanere Ipresso e Acsbamarto: IMPRES- SP Introdugao: John Freeman As origens deste livro, dada sta singularidhe, so por si s6 interessantes, ‘mesmo porque apresertam uma relacao intima entre o seu contetido e aquiloa queele se propie. Poristo, conio-lhe como veio a serescrito. Num dia da primavera de 1959, a BBC (British Broaleasing Corperation) convidou-me a entrevistar 0 Dr. Carl Gustav Jung para a televisio inglesa. A entrevista deveria ser feita "em profundidade”, Naquelaépoca,eu pouco sabia a respeito de Jung e de sua obra, e fli entao conhecé-lo em stua bonita casa, & beira de um lago, perto de Zurique. Iniciou-se assim uma amizade que teve enorme importéncia para mim ¢ que, espero, tenha trazido uma certa alegria a Jung nos sews tiltimos anos de vida, A entrevisi para a televisio ja ndoeabe nesta histcria a nao ser para mencionar que aleamgou sucesso e que este livio & por estranha combinagio de circunstincias, resuitadodaquele sucesso. Uma das pessoas que assist entrevista da TV foi Wolfging Fozes, diretor-gerente da Aldus Books. Desde a infancia, quando fora vizinho dos Freuds, em Viena, Foges estivera profindamente interessadlo na psicologia moderm, E enquant observava Jung falado sobre sua vida, sua obra e suas ids, pOs-se a lamentar que, enquanto as linhas gerais do trabalho de Freud eram bem conhecidasdos leitares cultos de todo 9 mundo ocidental, Jung conseguira nunca chegar ao ptiblico comum e sua leitua sempre fora consierach extremamente dificil. Na verdade, Foges & 0 criadar de © Homom 2 seus Simboloe. Tendo captado pela TV o afetuoso relacionamento que me ligava a Jung, perguntou- me se nao me uniria a ele para, juntos, tentarmos persuadir Jung a colocar algumas das suas idéias bisicas em linguagem e dimensio acessiveis ao leitor dirigi-me a Zurique decidido a convencer Jung do valor ¢ da tal trabalho, Jung, no seu jardim, ouviu-me quase sem interrupeao durante duas horas — e respondeu no. Disse-o de maneira muito gentil, mas com grande firmeza nunca tentara, no passada. popularizar a sua obra, e nao tinka certeza de poder, agora, fazé-lo com sucesso; e, de qualquer modo, estava velho, cansado e sem animo para empreender tarefa tao vasta e que tantas duvidas the inspirava, ‘Os amigos de Jung hao de concordar comigo que ele era um homem de decisoes positivas Pesava cada problema com cuidado © sem press, mas quando anunciava uma resposta, esta era habiwalmente definitiva, Voltei a Londres bastante desaportado ¢ convencido de que a recusa de Jung encerrava a questi. E assim teria acontecidb, nao fora a interferéneia de dois fatores que eu dio havia prevista, Um deles foi a pertinacia de Foges, que insistiu em mais um encontro com Jung antes de aceitar a derrota; 0 outro foi um acontecimento que ainda hoje ‘me espanta. programa da televisio, como disse, alcangou muito sucesso. Troure a Jung uma infinidede de cartas de todo tipo de gente, pessoas comuns, sem qualquer experiencia médica ou psicolégica, que ficaram faseinadas pela presenga dominadora, pelo humor e encanto despretersioso, daguele grande hhomem : pessoas que perceberam na sua visao da Vidae do ser humano alguma coisa que Ihes poderia ser ttl, E Jung ficou feliz, ndo 36 pelo grande nimero de cartes (sua conespendénia era imensa aquela época) mas também por terem sido mandadas por gente com quem normal mente ndio teria tido contatoalgum. Foi nesta ocasiao que teve um sonho da maicr importéincia para ele. (E. & medich que vocé for lendo este livra, compreenderé 0 quanto isto pode ser importante.) Sonhou que, em lugar de sentar-se no seu escritério para falar a ilustrestres médicos e psiquiatras do mundo inteino que costumavam procuré-lo, estava de pé num local puiblico dirigindo-se a uma multidio de pessoas que 0 ouviamcom extasiada atengoe que compraenciamo que ele dicia. Quando, uma ou duas semanas mais tarde, Foges renovou o pedido para ‘que Kung se dedicasse a um novo livro destinado nio ao ensino clinico ou fi- loséfico, mas aguele tipo de gente que vai ao mercado, a feira, enfim, ao ho- ‘mem comum, Jung deixouse convencer. Impds duas condigees. Primeiro, que © livro nao fosse uma obra individual, mas sim coletiva, realizada em co- Jaberagan com um grupo dos seus mais fntinos seguidores através dos quais ten- tava perpetunr seus métodas ¢ ensinamentos; segundo, que me fosse destinda a tarefa de coordenar a obra e solucionar quaisquer problemas que surgissem, cent os auterese os editores Para nao parecer que esta introdugao ultrapassa os limites da mais razoével modésti, deixem-me logo confessar que esta segunda condigao me gratificou — mas moderadamente, Pois logo tomei conhecimento de que o motivo de Jung me haverescohido fora, essencialmente, por considerar-me alguém de in- teligéncia regular, € nao excepcional, e também alguém sem o menor co- nhecimento sério de psicologia. Assim, para Jung, eu seria o "leitor de nivel édlio" deste livro; © que eu pudesse entender haveria de ser inteligivel para todos os interessacos; aquilo em que eu vacilsse possivelmente parecer dificil ou obscuro para alguns, ‘Nao muito envaidecido com esta estimativa da minha fungao insisti, no entanto, escrupulosamente (al gumas ven's recdo até a exasperagao dos autores), que cada pardgrafo Fosse esenito e, se necessino, reeserito com uma tal clareza e objetividade que posso afirmar com certeza que este livro, no seu todo, € real- mente destinado ¢ dedicado ao leitor comum e que os complexos assuntos de que trata foram cuidados com rara e estimulante simplicidade. Depois de muita diseussdo concardowse que o tema geral deste livro seria o homem e seus simbolos E 0 priprioJungescolheu como seus colzboralores a Df Marie Louise von Franz, de Zurique, talvez sua mais intima confidente ¢ amiga: o Dr. Joseph L. Henderson, de Sa0 Francisco, um dos mais eminentes € creditados jungianos dos Estados Unidos; a SP Aniela Jaffé, de Zurique, que além de ser uma experiente analista, foi secretéria particular de Jung e sua bit agrafa; e 0 Dr. Jolande Jacobi, que €, depois de Jung, o autor de maior numero de publicagdes do cfrcuio jungiano de Zurique. Estas quatro pesscas foram es- colhidasem parte devido ao seu conhecimentoe prética nos assuntos espectticos ue lines foram destinados e em parte porque Jung confiava totalmente no seu trabalho escrupuloso e altruista, sob a sua direcio, como membros de um gru- po. Coube a Jung a responsabilidade de planejar a estrutura total do livro, su pervisionor ¢ dirigir 0 trabalho de seus colaboradares e escrever, ele proprio, 0 capitulo fundamental: " Chegando ao Inconsciente’, seu iiltimo ano de vida foi praticamente dedicado a este livro; quando, faleceu, em junho de 1961, a sua parte estava pronta (terminow-a apenas dez dias antes de adocear definitivamerte) ¢ ji aprovara 0 esboco de todos 0s a pitulos dos seus colegas. Depois de sua morte, a Dr? von Franz assumiu a res- ponsabilidade de concluir 0 livro, de acordo com as expressas instrugdes de Jung. A substineia de O Homem ¢ seus Simbolos e o seu plano geral foram, portanto, tragados — e detalhadsmente — por Jung. O capitulo que traz-0 seu nome & obra sua e (fora alauns extensos comentirios que facilitarzio a com- preensio do leitor comum) de mais ninguém. Foi, incidentalmente, escrito em inglés, Os capitulos restantes foram redigidos pelos vairios autores, sob a diregao e supervisio de Jung. revisao final da obra completa, depois da morte de n 2 Jung, foi feita pela Dr? yon Franz, com tal dose de paciéncia, compreensio e bom humor que nos deixou,a mim e aos editors, em inestimsivel débito. Finalmente, quantoa esséncia do livre. pensamento de Jung coloriu o mundo da psicologia moderna muito mais intensamente do que percebem aqucles que possuem apenas co- nnhecimentos superficiais da matéria. Termos como, por exemplo, “ex- trovertido’, “introvertido” e “arquétipo” sfo todos conceitos seus que outros, tomam de empréstimo e muitas vezes empregam mal. Mas a sua mais notével ccontribuiga0 a0 conhecimento psicolvgicoé 0 conceito de inconsciente — nao (a maneira de Freud) como uma espécie de “quarto de despejos” dos desejos reprimidos, mas como um mundo que € parte tao vital ¢ real da vida de um in- dividuo quanto 0 € 0 mundo consciente © "meditador do ego. E in- finitivamente mais amplo e mais rico. A linguagem e as “pessoas” do in- consciente so 0s simbolos, ¢ 0s meios de comunicagéo com este mundo so os sonhos. Assim, um estudo do homem e dos seus simbolos &, efetivamente, um 2s- tudo da relagio do homem com o seu incomsciente. E desde que, segundo Jung, ‘© inconsciente € o grande guia, o amigo e conselheiro do consciente, este livro esta diretamente relacianado com 0 estudo do ser humano e de seus problemas espiritiais Conhecemos o inconsciente e com ele nos comunieamos (um servigo bidirecional), sobretudo através dos sonhos; e do comego ao fim deste livro (principalmente no capitulo de autoria de Jung) fica patente quanta im- portincia & dada ao papel do sonho na vida do individho. Seria impertinente da minha parte tentar interpretar a obra de Jung para 05 leitores, muitos deles decerto bem melhor qualificacos para compreendé-ta do que eu. A minha tarefa, lembremo-nos, foi simplesmente servir como uma espécie de “filtro de inteligibilidade”, e nunca como intérprete. No entanto, atrevo-me a expor dois pontos gerais que. como leigo, parecem-me importantes ‘¢ que possivelmente poderio ajudara outros, também nao especialistas na ma- {6ria. O primeism destes pontos diz respeito aos sonhos, Para 0s jungianos 0 so- nnho nao € uma espécie de criptograma padronizacio gue pode ser decifrado a- través de um glossario para a tradugao de simbolos, E, sim, uma expressio i tegral, importante e pessoal de inconsciente particular de cada um e tao “real” {quanto qualquer outro fendmeno vinculado ao individuo. © inconsciente in- dividual de quem sonha esté em comunicagéo apenas com o sonhador ¢ se~ leciona simbolos para seu propésito, com um sentido que Ihe diz respeito e a ninguém mais, Assim, a interpretagao dos sonhos, por um analista ou pela propria pessoa que sonha, € para o psicékogo jungiano uma tarefa inteiramente pessoal ¢ particular (© algumas vezes, também, uma tarefa longa ¢ ¢x- perimental) que nao pode, em hipstes alguma, ser executada empiricamente, Isto significa que as comunicagses do inconsciente sio da. maior im- portiincia para quem sonha — o que é légico desde que o inconsciente € pelo ‘menos a metade do ser total —e oferece-Ihe, quase sempre, conselhos ou orien- tagdes que nio poderiam ser obtidos de qualquer outra fonte, Assim, quando descrevi o sonho de Jung dirigindo-se a uma multidao, nao estava relatando um passe de magica ou sugerindo que Jung fosse algum quiromante amader, ¢ sim como, em simples termos de uma experiéncia cotidiana, Jung foi "acon selhado” pelo seu proprio inconsciente a reconsiderar um julgamento ina~ dequado feito pela parte consciente de sua mente. Resulta disto tudo que sonhar no é assunto que 0 jungiano considere simples casualidade. Ao contrario, a capacidade de estabelecer comunicayio com o inconsciente faz parte das faculdades do homem e os jungianos “en sinanse" a si préprios (no enaontto melhor temo) a tomarerrrse receptivos aos sonhos. Quando, portanto, proprio Jung teve que enfrentar a decisao critica de escrever ou ni este Livro, foi capaz de buscar recursos no consciente no in consciente para tomar uma deliberacio. B, através de toda esta obra, vocé vai encontrar 0 sonho tratado como um meio de comunicagio direto. pesscal ¢ sig- nificativo com aque que sonha — um meio de comunicagao que usa simbolos comuns a toda a humanidade, mas que os emprega sempre de modo in- teiramente individual, exigindo para a sua interpretagdo uma “chave". tam- bbém inteiramente pessoal ‘O segundo ponto que desejo assinalar é a respeito de uma particularidade de argumentagio comuma todos os que escreveram este livro— talver.a todos 5 jungianos. Aqueles que se limitam a viver inteiramente no mundo da cons- cigneiae querejetam.a comuicardo como inconsciente atamse a leis formas conscientes de vida. Com a l6gica infalivel (mas muitas veres sem sentido) de uma equagao algébrica, deduzem das premissis que adotam conclusdes in- contestavelnerte inferidas. Jung e seus colezas parecem-me (saibamelesou nao B ra disto) rejeitar as limitagdes deste método de argumentagio. Nao é que des- prezem a ldgica, mas evidenciam estar sempre arzumentando tanto com o in- consciente quanto com o consciente. O seu proprio método dialético & sim- bolicoe muitas veres sinwoso. Convencem nao por meio do foca de luz diteto do silogismo, mas contornando, repisando, apresentando uma visio repetida ‘do mesmo assunto cada vez de um angub ligeiramente diferente — até que, de repente, o leitor, que nao se dera conta de uma tinica prova convincente, des- cobre que, sem perceber. recebeue aceitou alguma verdad: maior. (Os argumentos de Jung (e os de seus colems) sobem em espiral por sobre ‘um assunto como um passaro que voeja em tomo de uma drvore. No inicio tu- do o que vé. perto do chao, é uma confusdo de galhies ¢ folhas. Gradualmerte & medida que voa mais alto, os diversos aspedtos da érvore repetindo-se formam, tum todo que se integra no ambiente em torno. Alguns leitores podem achar este método de argumentaco “em espiral” um tanto obscuro e até mesmo de- sordenado durante algumas paginas — mas penso que nao por muito tempo. E, lum processo caracteristico de Jung e logo 0 leitor vai descotrir que esta sendo transportado numa viagem persuasivae profundamente fascinante. Os diferentes captulos deste livro falampor si mesmms e nao pecem maior explicazio. O capitulo do proprio Jung apreserta o leitor ao inconsceente, aos arquatipos e simbdlos que constituem a sua linguagem e aos sonhos através dos quaiselese commica, Dr. Henderson ilustra, no capitulo seguinte, o aparecimento de varios arquétipos da antiga mitologtia, das lendes foleléricas ¢ dos ritunis primitives. A Dr* von Franz, no capitulo intitulado "O proceso da individuagao", des- Creve 0 proceso pelo qual o consciente € 0 inconsciente do individuo aprenem a conhecer, respeitar € acomodar-se um ao outro. Num certo sentido, este pitulo encema no apenas 6 ponto crucial de todo 0 livro, mastalvez, a esséneia la Filosofia de vida de Jung: o homem s6 se torna um ser integmido, tranquil, le feliz. quando (€ s6 entao) 0 seu processo de individuagao esti realizado, fe quando consciente ¢ inconseiente apreaderem a conviver em paz e completando- se um ao outro. A Sf Juffé, tal como o Dr. Henderson, preocupase em de monstrar, na estrutura familiar do consciente, o constante interesse do homem — quase uma obsessio— pelos simbolos do inconsciente. Estes simbolos exer cem no ser humano uma atragao intima profundamente significativa e quase alentadora— tanto nas lendas ¢ nos contos de fadas — que o Dr. Henderson analisa, quarto nas artes visiais que, como mosraa Sr Jaffé, nosrecreiame de- minum apeloconstinte ao ineorsciene Por fim, devo dizeralgumas breves palawras acerca do capitulo do Dr. Ja- cobi, de ceria forma um capitulo & pare neste livio. E, na verdade, a hist6ria re- sumida de um interessante e bem-sucedido caso de andise.£ evidente o valer de tal capftulo em um trabalho como este. Mas duas palavras de advertincia fa- zemse necessétias. Em primeiro lugar, comoa De von Franz ressalta, nio existe exatamente uma andlise jungiana tipica, ja que cada sonho é uma co- ‘munieag%o particular e individual, e dois sonhos nunca usam da mesma ma- neira os simbobss do inconsciente. Portanto, toda andlise jungiam € um caso Linicoe seria iluscrio considerarmos esta, retirada do fichatio do Dr. Jacobi (ou qualquer outra), como "representativa" ou "tipica’, Tudo © que se pode dizer sobre o caso de Henry € de seus sonhes por vezes sinistros € que so urn bom exemplo da aplicagéo do método jungiano a um determinado caso. Em se~ undo lugar, quero observar que a historia completa de uma analise, mesmo de um caso relativamente simples, ocuparia todo um livro para ser relatada, Ine~ vitavelmerte a histéria da andlise de Henry prejudica-se um pouco com 0 re- sumo feito, As referéneias, por exemplo, ao I Ching nao esti bastante claras & empresam-lhe um sabor de ocultisme poueo verdadeiro, por terem sido a- presentads fora do seu contexto global. Condui-se, no entanto — e estoucerto de que 0 leitor também ha de concordar —, que. apesar destas observacdes, a clareza, sem falar no interess2 humano, da andlise de Henry muito enriquece este livro. Comecei contendo como Jung veio a escrever © Homeme seus Simbolos. Termino lembrando ao leitor quao extraordinfria — talvez unica — é a pu- blicario desta obra, Carl Gustav Jung foi um dos maicres médicos de todos os tempos e um dos grandes pensadores deste século. Seu objaive sempre foi o de ‘ajudar homens e mulheres a melhor se conhecerem para que através deste co- nhecimerto ¢ de um fefletido autocomporamento pudessem usufruir vidas plenas, ricase felizes. No fim de sua propria vida, que foi tao plena ricae feliz ‘como poucas conheci, cle decidiu empregar as foreas que Ihe restavam para en- deregar a sua mensagem a um pUblico maior do que aquele que até entao al- cangara. Terminow esta tarefae a sua vida no mesmo més. Este livroé o seu le- -gado ao grande puiblico leitor. Sumatio Chegando ao inconscente CarlG. Jung Os mitos antigos o homem modemo Joseph, Henderson © processo de individuagio M.-L. von Franz O simbdlismonas artesplasticas Aniel a Jaffé Simbolos em uma aniliseindividual JolandeJacobi Conclusao: A ciéncia 0 inconsciente M.-L. von Franz Notas Fonts icomerdlica: 100 154 225 299 306 310 1 Chegando ao inconscient Carl G.Jung Chegando ao inconscierte A importancia dossonhos © homem utiliza a palavra escrita ou falala para expressir 0 que deseja transmitir. Sua linguagem € cheia de simbolos, mas ele também, nuitas vezes, faz. uso de sinais ou imagens nao estritamente descritvos. Alzuns sio simples abreviagdes ou uma série de iniciais como ONU, UNICEF ou UNESCO; outros sao marcas comerciais conhecichs, ‘nomes de remédios paterteades, divisas e insignias Apesir de nao terem nenhum sentido intrinseco. alcangaram, pelo seu uso generalizado ou por inteneao deliberada, significagio reconhecida, Nao sao. simbolos: sio sinais e servem, apenas, paraindicaros objeosa que estioligades. ‘0 que chamamos simbolo & um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser far miliar na vida diatia, embora possia conctagdes es- pecizis além do seu significado evidente e conven- ciond. Implica alguma coisa vaga, descenhecida ou ‘oculta para nds. Muitos monumentos cretenses, por exemplo, trazem o desenho de um duplo enxé. Conhecemos o objet, mas ignerames suas implica- .GGes simb6licas. Tomemos como outro exemplo 0 caso de um indiano que, ap6s uma visita Inglater- 1a, contou na volta aos seus amigos que os britinicos adoravam anima, isto porque Vira intimeros ledes Aguiase bois nas velus igrejas, Nao estava informa. do (tal como mutes cristaos) que estes animais si0 simbolos dos evangelistas, simbolos provenientes de ‘uma viséo de Ezequid que, por sua vez, tem analo- ia com Horus. 0 deus egipciodo Sol e seus quatro filhos. Existem, além disso, objetos tais como roda eacruz,conhecidosno mundointeiro, masque pos- sem, sob certas condigdes, um significado sim- botico. que simbolizam exatamente ainda € motive decontroversas suposiedes. Assim, uma palavm ou uma imagem & simbo- fica quando implica alguma coisa além do seu sigri- ficado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tém um aspecto "inconsciente" mais am- plo, que nunca € precisamente definido ou de todo explicado. E nem podemes ter esperanas de defiri- 4a ou explicé-la. Quando a mente explora um sim- bolo, € conduzidaa idéias que estdo forado aleance da nossa razio. A imagem de uma roda pode levar 1noss0s pensimertos a0 conceito de um sol "divino” mas, nest ponto, nossira7ao Vai confessar a suain~ competéncia : o homem ¢ incapaz.de deserever um ser "divino". Quando, com toda a nossa limitagio intelectual, chamamos alguma coisa de “divina” estamos dando-Ihe apenas tun nome, que poderiies- tarbaseado em uma crenga, mas nunca em umaevi- dénciaconceta Por existirem iniimeras coisas fora do alcance da compreensiio humana ¢ que frequentemente uti- lizams termos simbslicos como representagio de conceitos que nao podemos defini ou compreenler integralmente, Esta é uma das razdes por que todas as religides empregam uma linguagem simbtica € ¢ exprimem através de imagens. Maseste uso.cons- cciette que fazemos de sfmbolos é apenas um aspec- to de um fato psicolégico de grande importancia: © homem também produz simboles, inconsciente € eespontaneamente, na forma de sonhos. Nio € matéria de facil compreensdo, mas & preciso entendé-la se qussemosconhecer mais a res- peito dos métodos de trabalho da mente humana. © homem, como podemos perceber ao refletirmos tum instante, nunca percebe plenamente uma coisa ou aentende por completo. Ele pode ver, ouvir, to- car e provar, Mas a que distancia pode ver, quo acuradamente consegue ouvir, o quanto Ihe signifi- ‘ca aquilo cm que toca ¢ 0 que prova, tudo isto de- pende do mimero e da capacidade dos seus senti- dos. Os sentidos do homem limitam a percepgao ‘que este tem do mundo a sua volta, Utilizando ins- trumentos cientificos pode, em parte, compensar a deficiéneia dos sentidos. Consegue, por exemplo, alongar 0 alcanoe da sua visio através do bindculo ou apurae a audigio por meio de amplificadores elé- trices. Masa maiselabarada aparelhiagem nada pode fazer além de trazer a0 seu ambito visual objetos ou muito distantes ou muito pequenos e tornar mais audiveis sons fracos. Nao importa que instru- mentos ele empregue; em um determinado mo- mento hd de chegar a um limite de evidéncias e de convicgdes que 0 conhecimento consciente nao pode transpor, ‘Acsquerda, rds dos quatio Evengalslas (oto rotevo ca (Galodal co Charts) roprosantados ‘ob arma de animale aparece lr6s dos hos do deus egipcic Hows {asia aproxinacamerte ano 1260 AG.) Animas @ grupos do quatio ‘60 simboes raligesos unvarsals. a Ropresertardes do sol exprimer, om ‘mus comunidades, a indefinive’ experenciareligosa do nomem om sol. A eequerda, um monge do Jano dosecuio Kkora diane de um espoho ‘quo representa, no xintoiemo, 0 Sol iveo. Aaditeta, omos de tungstrio, ‘aumertados 200.000 de vezes por Além disso, hd aspectos inconscientes na nossa percepcao da realidade. O primeiro deles é 0 fato de que, mesmo quando os noss0s sentidos reagem a fe- nOmenos reais, a sensagdes visusts e auditivas, tudo isto, de certo modo, 6 transposto da esfera da real dade para a da mente, Dentro da mente estes fené- ‘menos tornan-se acontecimentos psiquicos cuja na- tureza extrema nos € desconhecida (pois a psique nao pode conhecer sua propria substincia), Assim. toda experigneia contém um ntimero indefinido de fatores desconhecidos, sem considerar o fato de que toda realidade concreta sempre tem alguns aspectos, ue ignorames desde que nao conhecemes a nature zaextiemada matériaem si Hai, ainda, certos acontecimentos de que tomamos conscigncia, Permanecem, por assim di zer, abaixo do limiar da consciéneia, Aconteceram, mas foram absorvidos subliminamente, sem nosso conhecimento consciente. S6 podemps perceté-ios nalgum momento de intuigio ou por um proceso de intensa reflexio que nos leve & subsequente rea- lizagao de que devem ter acontecidb. E apesar de termos ignorado originalmente a sua importincia emocional e vital, mais tarde brotam do inconscien- te como uma espécie de segundo pensamento. Este segundo pensamento pode aparecer, por exempla, na forma de um sonho. Geralmente, 0 aspecto in- consciente de um acontecimento nos é revelalo a través de sonhos, onde se manifesta nfo como um pensamento racional, mas como uma imagem sim- bolica, Do ponto de vista histcrico, foi o estudo dos sonhos que permitiu, inicialmente, aos psicslogos investigarem o aspecto inconsciente de ocorréncias psfcuicas conscientes. Fundamentados nestas observagdes & que os psicdlegos admitem a existéncia de uma psique in- consciente apesar de muitos cientistas¢ filésofos ne- ‘garem-Ihe a existéncia. Argumentam ingenuamen- te que tal pressaposigio implica a exiséncia de dois "sujeitos" ou (em linguagem comum) de duas per- sonalidades dentro do mesmo individuo. E esiao in- teiramente certos: é exatamente isio 0 que ela im- plica E uma das maldigdes do homem modemo es- ta divisao de persondlidades. Nao €, de forma algu- ‘ma, um sintoma patolbgico: & um fato normal, que pode ser observado em qualquer época e em quais- quer lugares. O neuréico cuja mao direita nao sabe (0 que faza sua mio esquerda no é 0 caso tinico. Es- ta situsedo é um sintoma de inconseiéneia geral que , imegavelmente, heranga comum de toda a huma- nidade, © homem desenvolveu vagarsa ¢ laboriosa- mente a sua conscineia num proceso que levou um tempo infindavel, até aleangar o estado civiliza- do (arbitariamente datado de quando se inventou a eserita, mais ou menos no ano 4000 A.C.). E esta evolupio esti longe da conclusio, pois granles dress dda mente humana ainda esto mergulhads em tre- yas. O que chamamos psique nao pode, de modo algum, ser identificado com a nossaconsciéncia e 0 seu contetido. Quem quer que negue a existéncia do incons- ciente esti, de fato, admitindo que hoje em dia te- mos um conhecimento total da psique. E uma su- Acsqverda as manchas aocento dda ravua sao as galxias mas

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