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, educagio ¢ Sintoma: psicanul uma introdugio Marcelo Ricardo Pereira’ harcham. Sempre No dmbito da educagio atual, os sintomas trar transbordaram, & verdade, mas hoje se tem a clara percepgio de que os possiveis reguladores sociais, ve dat mesma forma os produziam como os continham, perderam muito de sua efetividade interditiva, Sabemos que tum mundo mais liberado~ ¢ por isso mais hedonista ~ gera justamente o pessoas tanto mais angustiadas devide contnirio do que se poderia preve ao canter insuportivel do prazer desinibido. A angtistia (¢ seu corolirio, fo medo) anda d espreita de modo continuo: eis o nosso makestar, E “ele { sempre presente, num lugar ou outro por detrés de todo sintoma”’. est s O sintoma, dessa forma, revela-se como um problema, mas é tam- bém um operador verdadeiramente notdvel por meio do qual 0 sujeito tenta recobrir a angtistia ¢, ao mesmo tempo, constituirse, inscrevendo alguma forma de seu desejo, Nota-se que, com a psicandlis deixe de ser um sinal de uma doenga, como por hiibito se pensa a partir da ordem médica e psicopedagdgica, ¢ passa a ser um fendmeno subjetivo constituido pela realizagao deformada do desejo. Ele é uma “pantomima jo” ou & aquilo que nas pessoas “hé de mais real". Nesse sentido, o oe satishacio, interdi¢ao e gozo, pois, se hd alguma sa se dé de maneira enviesada. Assim, “o sintoma que nao anda bem, jé que the Ihe cabe bem, ja que ele passa o sintoma realizagéio de desejo, € para o sujeito, ao mesmo tempo, aquilo causa sofrimento; mas também aquilo que agozar ease instituir no sintoma”™. Sempre ambivalente, ele é desfuncionamento ¢ lago; é problema ¢ solucdo. O sintoma é um problema, pois incapacita 0 sujeito para aprovel- tara vida, fazé-la fruir; mas, ao mesmo tempo, étambém solugao, porque se trata da resposta a essa incapacidade, garantindo ao sujeito uma forma substitutiva de satisfagao no sofrimento (a ilusdo de ganho de poder de ‘a & tida como seu sintoma mostra bem a natu- uma pessoa cuja violénci I de Minas Get dard brasileira das: Faculdade de Educagdio da Universidade Federal ar na civilizagio. Edigao stan L.Professor da 2.Freud, §, (1930/1980). O male: Rio de Janeiro; Imago, vol. 21, p. 159. at, MAR, (2016). O nome atual do mal-estar docente pemig, p. 80 ~ grifo do autor. no Trago/ Belo Horizonte: Digitalizado com CamScanner sutiva). Sendo assim, cle € 0 Proprio Todo de de al ti A ser falante a poto de 0 Uo farce ge subjerao do Eu ou 00 reconecer ea TULUA contin para se institu rier a-solucao. Seria tolo de nossa parte intervie ng tiva e resistente de pl dicé-1o ou decifré-lo, mesmo em suas formas mais sentido de buscar err para quem o porta. Eis sua difculdade em sp els ou anda substancialzarse nele. [80 az com que sey mancjado. © si ue se espera das intervenes de ordem clinica, jg desocamento, Tew esse modo, por exemplo, aquele que diz “eu soy ig ment oes} mesmo com seu proprio sintoma, condenando-se g violent” nome fim Ele se iguala a alguma predeterminaco nosogréf. uma inércia se" alizando-se nela a ponto de elevé-la i condigio de i ializand 1 social, substancializando nto de levee a a proprio. Uma coisa é dizer “eu sou volento' outra€“eu estou em nom . Uma “eu sou ondigio de violencia (e posso nao estar)’ No universo educativo, exemplos como esse se multiplicam. Os sinto- mas sdo indisfargdveis, entre tantos, nas criancas com Problemas de esco- larizagio e de aprendizagem em instituigdes que desconhecem singulat dades; os efeitos danosos da inclusdo de pessoas com defciéncia ou com estigmas sociais numa sociedade que néo efetiva tal processo plenamente; no acolhimento de sujeitos autistas e com outros transtornos globais do desenvolvimento cujo manejo em regra é sempre delicado; nos problemas de atengdo ¢ hiperatividade numa cultura superexcitada e ultraconecta- da; no cotidiano de adolescentes com reagdes agressivas, violentas, escar- necidas, chegando ao cometimento de atos infracionais ¢ criminais; nas formas de exilio e de embarago sexual e identitério por parte de jovens; em intervengGes contra as maneiras destrutivas de la¢o social de sujeitos em condigao de fracasso escolar, de evasao, de desisténcia e de conduta associal; bem como nas novas formas de mal-estar e padecimento ps{quico por parte de educadores, como as disposigdes depressivas e melancélicas, a inibigéo em ensinar, as anguistias difusas, os fendmenos de panico de sala de aula, as desordens da oralidade e da adicgao; e demais manifestagdes fronteirigas e borderlines do sintoma psiquico, que concorrem com formas clinicas j4 conhecidas. Importa dizer que, para cada uma delas, a psicanélise convencional Pode se mostrar insuficiente e requererd que a tencionemos ao seu limite. Ha que se conseguir alcangar em nosso horizonte 0 manejo de sintomas de nossa época, como outros jé o fizeram em tempos anteriores. ; E com essa mirada que este livro se apresenta. Fruto de um encontro muito proficuo que reuniu reconhecidos psicanalistas, psicdlogos, médi- isfaga ic reza de tal satisfagao substi insuporta Digitalizado com CamScanner ous, cientistas sociais, professores, pedagogos ¢ também os mais consagna Gos pesquisadores latino-americanos e eurapeus do campo da Psica ¢ Educagio, a presente obra se debruga sobre o temartitulo € nos of fo que ha de mais atual no que concerne a abordagens sobre o sintoma ea educagio de nossas dias. Em um trabalho anterior, realizado no intuito de conhecer nacional- mente a produgio do campo desde a década de 1980. quando a Psicaniilise ¢ Fducagio ganha no Brasil um recorte independente da Psicologia do Desenvolvimento, divisamos treze eixos temiticos de estudos atuais do campo, com destaque para trés deles: (1) Infancia, impasses com 0 saber, sofrimento ¢ inclusio; (2) Adolescéncia, violéncia e socioeducagio: ¢ (3) Docéncia, malestar na educagio e formagio. Os tr cixos si respon- siveis por mais de 65% dos trabalhos desenvolvides pelos pesquisadores académicos de Psicanilise ¢ Educagio dos tiltimos 30 anos. Esses dados podem ser confirmados pela Cartografia de Pesquisadores Universitarios de Psicandlise ¢ Educagdo no Brasil (2013-15), tealizada pelo Grupo de Trabalh Psicandlise ¢ Educagio, da ANPEPP (Associagio Nacional de Pesqui Pés-Graduagio em Psicologia). A cartografia revela quie, dos 157 professo- res universitarios que hoje trabalham direcamente com o campo ou o tm. entre as abordagens que desenvolvem, 119 se dedicam a esses trds eixos rematicos (sendo 58 investigando a Infincia...: 21, a Adolescéncia..; ¢ 40, a Docéncia...). Isso representa mais de 75% de tais pesquisadores. Eis aqui a chancela para que, no presente livro, analisissemos o sintoma na educa- gio com base nos tras eixos tematicos. Dai a obra estar dividida em razio disso: Parte 1, Infincia e sintomas educativus; Parte 2. intomas educativas e Parte 3, Docéncia ¢ sintomas educatics; nao sem antes nos fun- damentarmos numa genealogia do narcisismo, manancial de todo sinto- ma, e nos aspectos epistemoldgicas € metodoldgicos que refundam 1 campo hoje. Escolhemos com critério os interlocutores, alguns inclusive de fora da Psicandlise e Educagio stricto sensu, mas a ela relacionados, que hos emprestaram suas palavras ¢ seus saberes, de maneira pontual, de comporem esta obra que pretende ser referéncia no que tange & pro- posta-titulo: Os sintomas na educagiio de boje: que fazemos com “isso”? isso” € outro nome do inconsciente freudiano. niilise rece e atim ___ Lembremos que o E certo que, desde os primérdios da psicanilise, a educagio foi ema de Pesquisa ¢ intervengio por parte de estudiosos das teori sciente. 4. Pereira, MR: Silveira, W, (201 No Brasil (1987-2012 los da Clinica Scielophp?script=sci_arttext&pid=S ise ¢ Educagio ado da Arte em Psica lise do Es sn: https /pepsicdbvsalxlorgy 203) Dispontivel e 2015000300002 Digitaizado com CamScanner tar os trabalhos seminais dos médicos podemos ci i ter do escolar segundo a psicandlise, fo Brasil, por exemplo, i ero (O card rienistas Porto Carri ft coe ; ae : Arthur Ramos (Educagdo ¢ Psicandlise, de 1934, € A crianga- de 1928) ¢ ‘ problema: bigiene mental na escola primdria, i eee also) tna imultiplicidade de trabalhos se fe 20 longo oe 9 1 mtados Iricanilise da Crianga de carder desenvolvimentista, inspirados, sem Anna Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott e na éyp mericana. pela sobretud Psychologie norte: : Mas somente em fins dos anos 1970 na Europa ¢ ao longo da déca- dda seguinte no Brasil € que se experimentou uma maior autonomia da Psicandlise ¢ Educagao em relacao a Psicologia do Desenvolvimento, na co inconsciente como conceito fundamental ¢ operativo pareceu ser negligenciado. Contra isso € mais independente, a Psicandlise ¢ Fducagio se tornou uma disciplina prépria. Ela passou a se interessar menos pelas ortopedias de descrigdes lineares, individualizantes ¢ quase instrumentais acerca das fases de desenvolvimento da libido e do comple- xo de Edipo, ea buscar mais abertamente o entendimento das vicissitudes do*isso”, do deseo, da pulsio, do mal-estar ¢ do sintoma no ambito educa- tivo. [sso ocorre, com efeito, em diversas universidades, instituigdes psica- nalfticas e outros érgdos de pesquisa de varias partes do mundo, incluindo 0 Brasil, que tem posi¢ao de destaque no que tange a essa nova disciplina. Como se pode constatar nas paginas que se seguem, é fato que a psica- ndlise praticada nessa interface € bem mais desentrincheirada, desinibida, aberta e amplamente experimentada nos espagos sociais ¢ educativos. Isso a coloca menos susceptivel aos efeitos grupais ¢ aos fechamentos doutri- nais quando a circunscrevemos apenas aos muros escolasticos ¢ protegidos dos pares que se encontram nas instituigées convencionais de formario de analistas. £ importante confrontar a psicandlise com outros saberes ¢ outras experiéncias. Temos, assim, de levé-la & cidade, ao vinculo social ¢ ao debate de muitos. “Ha que se passar do analista reservado, critico, a um analista que participa, capaz de entender qual foi sua fun¢io € qual Ihe corresponde agora”’. Nesse sentido, nao haveria por que herdar as pelejas paralisantes ¢ de- preciativas de que diferentes associagGes psicanalfticas podem influenciat, doutrinar ¢ colonizar scus stiditos menos livres ¢ mais demandantes de Teconhecimento institucional. Nao se corre tanto esse risco. A Psicandlise ¢ Educagdo nao é a psicandlise, nem tampouco é a educacio. Mas ¢ um campo de interface que acolhe, de uma e de outra, elementos para melhor qual, muitas vezes, 5, Laurent, (2007). A sociedade do sintoma. Rio de Janeiro: Contracapa, p. 143. Digitalizado com CamScanner analivar e intervir no real educative = sem comiseragio, sem relaxamento de rigor. Justamence devido ao seu exerciclo ocorrer sabremanelra em unt versidades, ¢ por iso menos influent a tenticulos doutrindrios © sectarios encontrado: amitide em instituigoes de formagio de anatistas, su que a Psicandlise © Educagio pe pei . sa catar mais imune as pelejas depreciati- vas que reivindicam para si, cada uma ascu modo, o trunfo esclerosado de deter a verdadeira psicanilise. © presente livro segue otra diregio, Como efeito de uma inte mitiltipla em sua origem, aereditamos que ele permita que a pric altere procedimentos © saberes da cducagio ¢, ao mesmo tempo, que a face valise educagio altere igualmente procedin paliticos. Isso ntos © saberes pic parece ser vital para que se evitem colonialismos e hicrarqttias obtusas. “Quaisquer que sejam as praticas restultantes do encontra dessas duas dre as fazenr-nas tornar simultaneamente alterante e alterada, pois cada uma, tendo sido deportada de seu campo restrito, conhecert a modilicagio de la com a outra seu proprio objeto original quando confront Para tanto, nosso norte & © sintoma; mais especificamente, o sintoma no Ambito educativo. Ele ¢ aquilo que, de saida e sem disfarce, € entado pelo sujeito na cena pedagdgica. Ea ele que primeiramente 0 apres prético da Psicanlise © Educagio ded nto para darthe um sentido ou de stravarse de scu sintoma,a desloct-lo ea elabora contramao de qualquer psicologismo © psiquiatr evocamos aqui sett caréter politico, jf que reconhecemos que tod sintoma & propriamente social ~ mesmo sendo em si um descontinuo desse social = estd inscrito num tempo ¢ numa historia, ¢ se apresenta sempre A espet de alguém que o induza a ser falado. O sintoma quer falar. Vamos disso". ard seus esforgos; estorgos esses no ré-lo, mas para auxiliar esse sujeito a se subjetivamente. Na Jo estigmatizantes, 6, Pereira, M.R., op.cil., p. 27. Digitalizado com CamScanner

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