You are on page 1of 20
aa pe a tet DE VIOLENCIAS: ee tS ESTRATEGIAS eo) ea ae) ea Ce les de Beles ee rirztetn ON Retry 2 Urey Ce Beem Clee NUE Rear CRC rca} Gloria Baigorrotegui Bele [ Ae ea eter iol Josemar de Campos Maciel ENFRENTAMENTOS DE VIOLENCIAS: ALGUMAS ESTRATEGIAS DE CONHECIMENTO, DE CORPOS, TERRITORIOS E HOSPITALIDADES Organizadoras Anita Guazzelli Bernardes Camilla Fernandes Marques Neuza Maria de Fitima Guareschi Gloria Baigorrotegui Jorge Castillo Sepiilveda Josemar de Campo Maciel AbRAPSO EdITORA Florianépolis 2022 ADRAP sO Associacio Brasileira de Psicalogia Social A Associagao Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) é uma entidade civil, autdnoma ¢ sem fins econdmicos que retine ¢ organiza pessoas dedicadas ao estudo, ensino, investigagio e aplicagao da Psicologia a partir de um ponto de vista social no Brasil. Desde a sua criagao, no ano de 1980, a ABRAPSO busca ensejar a integraséo da Psicologia Social com outros campos, incentivar e apoiar o desenvolvimento de agdes no campo sociocomunitario, bem como garantir © compromisso ético-politico de profissionais, investigadores, especialistas ¢ estudantes da area com as populagses submetidas a desigualdades e exploragées sociais econdmicas, em condicéo de opressiéo ou violéncia de qualquer ordem, contribuindo para a transformagao da sociedade brasileira no sentido da justiga eda igualdade. ‘Todos os anos a ABRAPSO tealiza encontros regionais ou nacionais dedi- cados a mobilizar ¢ estimular a dialogia acerca da Psicologia Social. O seu com- promisso com a sistematizagio ¢ difusao de saberes se expressam por intermédio da publicagio de literatura especializada pela ABRAPSO Editora ¢ pela Revista Psicologia & Sociedade Site: htep://www.abrapso.org, br! Diretoria Nacional da Abrapso — Biénio 2022-2023 President Iildeberto Vieira Martins Primeira Secretéria: Lia Vainer Schucman Segundo Secretério: Samir Perez Mortada Primeira Tesourcira: Adriana Eiko Matsumoto Segundo Tesoureiro: Alexandre Barbara Soares Diretora de Comunicagao: Lilian Caroline Urnau Diretora de Relagées Externas: Céu Silva Cavalcanti AbRAPSO EdITORA Editora Geral Andrea Vicira Zanella Editora Executiva Ana Lidia Brizola Conselho Editorial ‘Ana Maria Jacé-Vilela — UERJ Andrea Vieira Zanella - UFSC Benedito Medrado-Dantas - UFPE Conceigéo Nogueira - Universidade do Minho - Portugal Francisco Portugal ~ UERJ Lupicinio [ftiguez-Rueda - UAB - Espanha Maria Livia do Nascimento - UFF Pedrinho Guareschi - UFRGS Peter Spink — FGV @os0 ‘A Editora da ABRAPSO adota a licenga da Creative Commons CC BY: Auribuigio-NaoComercial-SemDerivados - CC BY-NC-ND: Esta licenga é a mais restritiva das scis licencas principais, permitindo que os outros facam o download de suas obras ¢ compartilhem-nas desde que deem crédito a vocé, io as alterem ou fagam uso comercial delas Acesse as licengas: http://creativecommons.org/licenses! Q cares CNPq s=4 UCDB UFRGS USACH —vercurranraes SOME SeaeSy be Sot @yepri We SS802 Rance Projeto grifico - Arnoldo Bublice Design de capa - José Sarmento Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagéo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Enfrentanentos de vieléncias [Livro eletzéaice) algunas estratégias de conhecimento, de corpos, erritérios © hospitalidades / organizagao Anita Guazzelli 3ernardes...[et al.]. -~ 1. ed erianépolis, SC: ABRAPSO Fditora, 2022. POF Outros organizadores: Camilla Fernandes Marques, Neuza Maria de Fatima Guareschi, Gléria Baigorrotegui, Jorge Castilho Sepilveda, Josenar de Campo Maciel. Bibliografia, ISBN 978-65-B8473-18-4 1. Cldadania 2. Colonialidade 3, Divezsidad social 4. Inclusae social 5. Movinentos sociais 5. Resistencia a opressao 7. Territorialidade 8. Violéncia - Aspactos sociais I. Sern: Anita Guazzelli. IT. Marques, Camilla Fi TIT, Guareschi, Neuza Maria de Fatima. IV. Baigorrotegui, Cléria. ¥. Sepilveda, Jorge Castilho. Vi. Maciel, cosemar de Campos 22-138310 cpp-303.6 indices para catélogo eistenatico: 1. Violen Sociologia 303.6 Aline Graziele Benitez ~ Biblictecéria - cRS-1/3129 Em 1569, 0 cartégrafo Gerardo Mercator criou o mapa-mundi como ainda hoje conhecemos. Ao norte deste mapa se posicionavam os paises que possuiam grande poder econdmico ¢ politico, logo esta representagio acabou se perpetuando ao longo do tempo. O artista plistico uruguaio Torres Garcia, “subverteu” e a0 mesmo tempo questionou esta imagem, criando a representagio do “mapa invertido” da América do Sul em 1943 Esta representagio nao deve ser definida como uma simples inverséo de um mapa, ¢ sim percebida com mais complexidade, ou seja, a partir de um conjunto de significados, ¢, principalmente, pela infinidade de reflexes que ela ¢ capaz de gerar. Neste sentido essa nova proposicéo tem sido usada para representar alguns movimentos que se inspiram no grupo “modernidade/decolonialiadade” pois, em. certa medida, esta imagem também nos provoca no sentido que nos foi imposto, uma ideia que ajudou na construgio simbélica de uma América Latina e Africa relegadas a periferia do mundo. A ideia do sul global, como assim chamamos, subdesenvolvidos. José Sarmento. SUMARIO APRESENTACAO. UMA HISTORIA PRA CONTAR.. |. TRANSGRESSAO DISTOPICA: UM RELATO DE NAO EXISTENCIA 5 Weslley Gomes Pinheiro Il PARA NAO DEIXAR A HISTORIA DORMIR: COLONIALIDADE, BRANQUITUDE E MONUMENTALIZACAO DA VIOLENCIA 26 Giovana BarbieriGaleano Camilla Fernandes Marques. Neuza Maria de Fatima Guareschi Ill USOS £ ABUSOS DE UMA VIDA TRANS A PARTIR DO MOVIMENTO TRANSVACINADOS 38 Cabrel Luis Pereira Nolasco Carla Cristina de Souza -Anita Guazzelli Bernardes weer O ESPERANGA POR DEMARCAGAO... IV. CORPO E VIOLENCIA NA POESIA BRASILEIRA CONTEMPORANEA: UMA LEITURA DE “RONDO DA RONDA NOTURNA’, DE RICARDO ALEIXO 53 Paulo Eduardo Benites de Moraes V. CIDADE-QUEER: CORPOS DISSIDENTES PRODUZINDO NOVAS TERRITORIALIDADES. 65 Carolina dos Rels- Luis Henviqueda Silva Souza Jacinta Antonioli Testa Aline da Silveira Muniz Desario .. eT VL LA IMPRONTA POLICIAL PUESTA EN JAQUE: EXPERIENCIAS Y EXPERIMENTACIONES COLECTIVAS EN DOS TERRITORIOS INTERVENIDOS POR EL ESTADO DE CHILE... 7 ws wos wd B Patricio Azécar Donaso- Mauricio Carefio Hernandez VIL. VERDAD, ESPECULACION Y BIOPOLITICA 104 Jorge Castillo Sepdilveda. Mariana Gélvez-Ramirez- Fernanda Bywaters-Collado GUERRA ...ccssscoooocsseoerssesssnsnnsunnnnnnnnnsnnssncssssesseseesssessseesssscosocsssensseeevenssey T2Z VII A PESSOA DA COLONIALIDADE: ALGUMAS REFLEXOES NESTE AMBIENTE RESULTANTE, DO COLONIALISMO 3 José Francisco Sarmento Nogueira IX. KERESTASIA OU DAS PAIXOES ANIQUILADORAS Gillianno José Mazzetto de Castro Marcio Luis Costa MIL COISAS .......esseccsssssssseesesecseceeeee X, MONTAGENS TEXTUAIS-IMAGETICAS NA PESQUISA SOBRE TERRITORIALIDADES E RACISMO. AMBIENTAL... ssn Alison Santas da Rocka Simone Mavia Haining wwe 52 XL, ENCANTAMIENTOS, COMUNIDADES Y RESISTENCIAS EN NUESTRA AMERICA: UN ENSAYO DE ESCRITURAS POLIFONICA’ ws os Liana Parra-Valencia- Gloria Baigorrotegui- Josemar de Campos Maciel Isaura Benitez. Carmelo Marquez ‘Asocici6n de Campesinos Retornados (Asocares-Colombia) - Comunidad San Francisco (Sucre-Colombia) (UM GUERREIRO FALA DO SEU TEKOHA.........ssssssssssssscceseesssnennseseesseeeee IGT INDICE DOS AUTORES ...+sssssossses wee 192 Capitulo IV CORPO E VIOLENCIA NA POESIA BRASILEIRA CONTEMPORANEA: UMA LEITURA DE “RONDO DA RONDA NOTURNA’, DE RICARDO ALEIXO Paulo Eduardo Benites de Moraes CONSIDERAGGES INICIAIS A presente proposta de estudo em torno do tema “Corpos ¢ violéncia na poesia brasileira contemporanea” € um desdobramento de projetos anterio- res cujos interesses focalizam as relagées entre arte, literatura ¢ imagem sob perspectivas contemporaneas. Desse modo, o presente capitulo manifesta a continuidade de um trabalho de pesquisa que tem como principal linha de forca a aproximacio da literatura brasileira ao campo dos estudos das imagens a fim de formar um repertério de leituras que fundamentem as anélises de obras produzidas em contextos de violencia, recuperando resultados ja alcangados em projetos anteriores bem como apontando para a necessidade de enfoques em temas ainda pouco explorados Apresentamos aqui um recorte delimitado a poesia brasileira contemporanea produzida por poeras negros e suas relacdes com as possibilidades de configuracio das imagens. Além do recorte temporal também proponho um recorte tematico para pensar de forma mais detida algumas tendéncias estéticas que apontam para a dialética de continuidade e ruptura de temas da nossa tradigéo poética, Elenco, dentre varias tendéncias, as imagens configuradas sob o efeito da fragmentagao ¢ montagem dos corpos em contextos de violéncia. Partindo de fundamentos criticos em torno das relages de permanéncia ¢ ruptura da tradigao literdria brasileira, 0 texto se interessa a um mergulho mai profundo de reflexdo cuja concepsao de tempo se dé pela descontinuidade. Isso significa pensar que 0 curso da histéria ¢ 0 posicionamento do sujeito diante do tempo se dio numa relacio dialévica entre continuidade e ruprura, entre passado ¢ presente. A literatura, por sua vez, explora exatamente esse momento ambiguo, a conexidade entre os tempos eas possibilidades de sentidos que decorrem dessa tensio. Enranwracentos pe miouincus 54 | anus acs be Stereo coos, re No contexto da literatura contemporanea os jogos entre os processos de descontinuidade do tempo acentuaram a publicagéo de obras que se detém aos espagos lacunares de nossa histéria. Os contextos de violéncia sio ricos para se pensar a tensao entre o que se mostra ¢ o que se esconde, se reprime. Diante desse contexto, as obras revisitam continuamente esses espagos, as zonas de sombras de nosso passado, para pensar o presente, O resultado é a expansio dos limites da linguagem estética e de obras marcadas pela heterogencidade de suas composigdes. Escolhemos, para o presente trabalho, o poema “Rondé da ronda noturna’, de Ricardo Aleixo. O poema selecionado situa o desaparecimento dos corpos negros © a presenga dos rastros do passado que retornam como imagens fantasmagéricas. O poema integra um quadro de obras produzidas em um contexto de violéncia cujas marcas estilisticas se revelam pela configuracéo de imagens de controle dos corpos ¢ pela fragmentacao da linguagem LITERATURA PRODUZIDA EM CONTEXTOS DE VIOLENCIA Este texto parte do pressuposto critico de que o escravismo deve ser entendido como um trauma constitutivo da formagio social brasileira. Para tanto, apresentamos reflexes sobre como a poesia brasileira contemporanea expressa a barbdrie ea violencia conta os corpos negros dizimados ao longo da histéria. Neste ponto, é imprescindivel dialogar com a tradigao critica da literatura brasileira segundo a qual é possivel fazer uma interpretagio da hist6ria nacional pautada pela violéncia, 0 que nos permitiria pensar a constituicéo formal das obras artisticas centrada na percep¢éo dos conflitos sociais que as envolve. Tal posicionamento critico aponta para a impossibilidade de uma sintese totalizante desses processos histéricos, o que nos langa para a hipétese maior de nosso estudo: a de que os contextos de violéncia sio propicios para se pensar a ambiguidade entre o que se mostra ¢ 0 que se esconde na histéria. F importante, em um primeiro momento da pesquisa, tragar um percurso de estudo que permita retomar alguns dos caminhos jé percorridos pela critica brasileira em torno do tema. Em “A dor ¢ a injustica”, texto escrito para apresentago do livro Razdes puibicas, emogoes privadas, o filésofo brasileiro Renato Janine Ribeiro aponta para o fato de haver dois traumas coletivos da sociedade brasileira, 0 que em outras palavras podemos entender como traumas fundacionais de nossa hist6- ria. Segundo o fildsofo, o processo de colonizagao e a escravidao formam a feigio politica e social do Brasil que se mantém como uma heranga ao longo dos anos Em sua conclusio aponta para o efeito de repeticéo desses traumas: “Ora, nosso problema nao é apenas que cenas primitivas como estas se tenham produzido, e reiterado, ao longo de nossa histéria; é que elas nunca tenham sido realmente claboradas ¢ extirpadas de nosso carater. Dai que se repitam, compulsivamente, ainda hoje” (Ribeiro, 1999, p. 11). ConPo EVIOLENcIA NA POESIA MRASILEIRA CONTEMPORANEA: TURMA, DE RICARDO ALEIEO ‘Ao situar tais problemas histéricos brasileiros no campo do trauma, o filé- sofo Renato Janine Ribeiro aponta para um modo particular de entendimento da histria brasileira, que ser4 ampliada ¢ confirmada por outros estudiosos. O efeito de repetig4o continua apontada por ele ¢ préprio 4 estrutura do trauma, 0 que nos permite entender que tais eventos de violéncia quando nio elaborados pela sociedade reconfiguram-se em diferentes épocas e de diferentes formas, per petuando um estado de violéncia constante. O eritico Karl E. Schollammer (2013, pp. 7-8), em uma abordagem que amplia 0 que jé fora discutido por Janine Ribeiro, afirma que “narrar a violéncia ou expressd-la em palavras ou imagens so maneiras de lidar com ela, de criar formas de protegao ou de digestao de suas consequéncias, dialogando com ela mesmo sem a pretensio de esgotamento”. Sob tais perspectivas, & possivel encarar de frente um problema de importincia para os estudos literdrios, e de modo especifico & literatura brasileira produzida sob contextos de violéncia: a eficdcia ou néo da representagao. E comum nos estudos literdrios, principalmente nas abordagens te6ricas ligadas A sociologia do texto literdrio, 0 entendimento segundo o qual as obras artisticas ¢ a histéria social na qual esto inseridas formam uma unidade formal e caracterizacéo do tempo bem definidas, cabendo ao eritico localizar os elementos que na obra produzem 0 efeito de mediacao entre o estético eo social, © que, consequentemente, implica na eficdcia de representagao dessa mesma obra. Ora, obras produzidas em contextos de violéncia devem ser lidas em suas especificidades tematicas e formais. Um exemplo, em literatura, de como as obras produzidas sob contextos de violéncia nao se prestam ao exercicio de organizagao esté na observacao da construcao dos narradores. O critico Jaime Ginzburg, em estudo sobre o narrador na literatura brasileira contemporanea, langa como hipétese a ideia de que “na contemporaneidade haveria uma presenga recorrente de narradores descentrados” (Ginzburg, 2012, p. 201). O descentramento discutido por Ginzburg esté intimamente ligado a questoes de representagao social e politica das narrativas. As narrativas contemporineas, na perspectiva de Jaime Ginzburg, atuam com uma forca narrativa contra um centro social e historicamente definido, representado por vozes como a “politica conservadora, a cultura patriarcal, o autoritarismo de Estado, a represséo conti nuada, a defesa de ideologias voltadas para o machismo, racismo, a pureza étnica, aheteronormatividade, a desigualdade econémica, entre outros” (Ginzburg, 2012, p. 201). Nesse contexto, os narradores descentrados séo a voz contra-hegeménica. Segundo Ginzburg, a hipétese a que se chega 6 de que esses textos literérios estejam voltados para uma concepgao de linguagem que contraria a ideia de uma articulagao direta entre palavra e referente externo, que sustentaria um efeito de real. Diferentemente, Enranwrancantos pe vioutncus, 56 | ugumas estastactas De CONHECIMENTO, DE CORPOS, TERRITORIOS E HOSPITALIDADES trata-se de uma concepgao de acordo com a qual a linguagem estabelece descontinuidade com as expectativas de referéncia habituais. (Ginzburg, 2012, p. 212) Nessa linha de entendimento da literatura brasileira a poesia de Ricardo Aleixo é central pata pensarmos os modos de construgao poéticas descentradas, mesmo que ndo seja uma obra de perfil narrativo. Neste momento podemos retomar a ideia central deste primeito ponto de interesse do texto segundo o qual é possivel um estudo da literatura brasileira pautado pela violéncia. Ainda segundo 0 critico Jaime Ginzburg (2017, p. 220), essa perspectiva de estudo “deve estar centrada na percep¢io dos conflitos sociais ¢ € incompativel com a conciliagao de forcas histéricas em uma sintese toralizante”. Hé um esforso de revisio da tradigio lite- raria brasileira sob 0 ponto de vista dos impactos da violéncia em nossa histéria. Propor uma histéria da cultura brasileira pelo prisma da violéncia é um caminho possivel e jé em curso em nossa tradigio critica. Precisamos delinear agora os modos como a literatura em sua articulasao com as poéticas das imagens produzida em contextos de violéncia pode ser operacionalizada, (A IMAGEM COMO SINTOMA Diante das possibilidades de relacionamento entre literatura e imagem propomos um recorte tedrico que parte da légica do movimento, componen- te estético muito importante para entender o conceito de imagem a partir do século XX. O tedrico Philippe Alain-Michaud (2013, p. 34), em seu livro Aby Warburg e a imagem em movimento, faz um estudo detido da composigio das imagens no cinema. Pelo prisma de Aby Warburg 0 critico francés assinala para 0 fato de que ao longo dos anos, ¢ sobretudo com advento do cinema e como o cinema encarou a imagem a partir do século XX, a questo dos movimentos “ja no designa os deslocamentos de um corpo no espago, mas seu transporte pelo universo das representacées, onde ele adquiriu uma visibilidade duradoura. A questéo do movimento passa a remeter, entao, & entrada do sujeito na imagem.” Nesse sentido, é preciso observar os pequenos detalhes, os tragos que permitem reconhecer o estado sintomal das imagens. Um dos tépicos que merece atencio neste campo de interesse pela literatura a relagéo de como cada linguagem compée suas imagens ¢ como tais imagens mantém relagdes com os movimentos sobreviventes. Quando se procura saber se um corpo que jaz esta morto ou sobreviveu, se ainda possui um resto de energia vital, é importante atentar para os movimentos: “mais para os movimentos do que para os aspectos em si’, afirma Georges Didi-Huberman (2013, p. 167), de modo que o movimento das imagens est implicado, necessariamente, & problematica da sobrevivéncia. ConPo EVIOLENGIA Na POESIA MRASILEIRA CONTEMPORANEA: TURMA, DE RICARDO ALEIEO | 7 Para colocar a imagem em movimento, contudo, a literatura — ¢ 0 cinema, por extensio, uma vez que grande parte dos impactos dessa leitura advém da critica de cinema ¢ os modos como se relaciona com a literatura — articula dois operadores estéticos, o corte ea montagem, construindo, por sua vez, um camin- ho de acesso a imagem, da aparigio da imagem, a qual, em seu estado sempre dialético, dé a ver uma ideia, Para ampliar essa proposta de entender os modos de cnquadramento da literatura como forma de pensamento é imprescindivel atestar 0 que 0 critico de arte Didi-Huberman acena, Para ele, o efeito de corte “constitui um dos fendmenos dialéticos fundamentais do gesto”, ou seja, € jus- tamente esse trabalho formal da montagem — “recorte, interrupgio, defasagem, retardo — que, no entender de Walter Benjamin, faz aqui, um auténtico trabalho argumentativo e dialético da imagem, trabalho realizado desde o interior mesmo do gesto documentado, esse gesto cuija surpresa uma montagem fotogréfica ou uma sequéncia épica podem nos proporcionar”. (Didi-Huberman, 2010, pp. 141-142), Essa leitura contribui para o estudo das obras de interesse do presente capitulo, uma vez que sao obras produzidas sob contextos de violéncia e, portanto, apresentam-se de modo fragmentétias Georges Didi-Huberman reroma, em sua leitura, Benjamin, Ambos sio te6ricos importantes para fundamentar o modo como entendemos a constituigéo das imagens como categoria epistemoldgica e suas relagdes com 0 tempo. O texto de Didi-Huberman faz uma alusio 4 nogao de “imagem dialética” de Benjamin. Ja é bastante conhecida a afirmagio do fildsofo alemao de que “somente as imagens dialéticas séo imagens auténticas”, todavia ainda é muito dificil uma compreensio integral do sentido critico dessa nogéo benjaminiana. Talvez um dos motivos da dificuldade de compreensio da nogao de “imagem dialética” esteja ligada & prépria forma do pensamento filoséfico de Benjamin, marcado por processos fragmentados de reflexio ¢ escrita A nogio de “imagem dialética” nao pode ser pensada sem que se leve em consideracao os movimentos criticos que envolvem seus processos de elaboragio. Em O que vemos, 0 que nos olha, Didi-Huberman (2010, p. 173 grifos no origi- nal) aponta para uma provavel “estrutura em obra” nas imagens dialéticas. Tal estrutura, ao contrario do que se poderia imaginar, nao produz, ainda segundo 0 critico francés, “formas bem-formadas, estaveis ou regulares: produz formas em formagao, transformagées, portanto efeitos de perpétuas deformarées”. E preciso salientar que a “estrutura” sugerida por Didi-Huberman nao tem a pretensio de sistematizar 0 pensamento benjaminiano. Tanto ¢ verdade que a ideia de “estrutura” proposta por ele congrega varios movimentos reflexivos no sentido de reconhecer que a nosio de “imagem dialética” demanda uma dimensio critica critica no sentido de crise ¢ sintoma; critica no sentido reflexivo, de anilise critica; critica como um efeito tedrico de pensa a si mesmo, Logo, essa primeira tentativa de Enranwrancantos pe vioutncus, ss | definigéo de “imagem dialética” proposta por Didi-Huberman como forma em. perpétua deformagio aponta para o plano formal de constituigio das imagens, deixando espago para que cle proponha, na sequéncia, uma aproximacao pelos aspectos semanticos. No nivel dos sentidos, a nogio de “imagem dialética” produz “ambiguidade, nao concebida como um estado simplesmente mal determinado, mas como uma verdadcira ritmicidade do chogue” (Didi-Huberman, 2010, p. 173 grifo no ori- ginal). O critico francés ainda segue seu raciocinio afirmando que a ha, na nosio de “imagem dialética’”, uma “conjuncio fulgurante que faz a beleza mesma da imagem ¢ que lhe confere também seu valor critico, entendido doravante como valor de verdade”. O que interessa concluir para os fins deste texto é que o “valor de verdade” presente na formacéo de uma dada imagem nao é resultado de um expediente representacional da realidade, antes, a formacao de uma imagem parece estar marcada pela descontinuidade, pelos anacronismos, pelos vinculos insuspeitados que sugerem. Dai que a forma privilegiada por Benjamin para pensar as imagens seja a alegoria, como no caso da imagem da constelagio, muito frequente em seus escritos Com base nessa leitura, podemos pensar, entéo, em um estado sintomal das imagens. Para Didi-Huberman, “estamos diante de vestigios incompleros do tempo, de modo que, apenas reconhecendo tais abismos lacunares, as zonas de sombras, termo que recupera de Warburg, podemos compzeender que as imagens da histéria vive ao ritmo de repress6es e retornos, apagamentos e sobrevivéncias” (Moraes, 2020, p. 1113). Nas palavras do préprio autor, “o que no presente nos volta de muito longe, nos toca no mais intimo e, como um trabalho insistente de retorno, mas imprevisivel, vem trazer o sinal ow seu sintoma” (Didi-Huberman, 2013, p. 113). Talvez seja 0 corpo um dos elementos mais significativos para se pensar os rastros daquilo que ainda insiste em permanecer. © CORPO EM MOVIMENTO DE ETERNO RETORNO NO CORPO DO POEMA ‘Aobra do poeta mineiro Ricardo Aleixo tem como tuma de suas linhas de forsa a presenca do corpo negro na didspora. A critica Prisca Agustoni, em artigo recente sobre a poesia de Aleixo, toca neste ponto ao afirmar que “Aleixo nao se limita a questionar apenas o espaco fisico atribuido ao negro (ou seja, aquele espago que, historicamente, 0 negro tem que ocupar, na periferia da sociedade brasileira), mas principalmente o espago que ele ocupa no imagindrio coletivo, ou ainda, aquele que cle deixa de ocupar, por ser considerado, desde a época da escravido, um sujeito “invistvel” (Agustoni, 2009, p. 43). Nesse sentido, podemos aproximar a poesia de Aleixo ¢ a leitura de Agustoni ao que afirma Frank B. Wilderson (2021, p. 23), em sua obra Afropessimismo, em relagéo aos negros: “os negros corporificam (o que é CoRPo EVIOLENGIA NA POESIA MRASILEIRA CONTEMPORANEA: ‘OMA ETTURA Dz "RONDO DA RONDA NOTURNAT, DE RICARDO ALZINO diferente de dizer que eles sempre estio dispostos a expressar ou que tém permissio de expressat) uma meta-aporia do pensamento e da agio politica.” O argumento apresentado por Wilderson se inicia com a recuperacéo do pensamento de Jacques Derrida ea nocio de aporia. Para o filésofo franco-argelino a aporia indica um estado de indecidibilidade, elemento irredutivel a qualquer Ié- gica bindria ou dialética. A marca do indecidivel, segundo Derrida, se funda como “unidades de simulacro, ‘falsas’ propricdades verbais; nominais ou seménticas, que nio se deixam mais compreender na oposigao filos6fica (binéria) e que, entretanto, habitam-na, opée-the resisténcia, desorganizam-na, mas sem nunca constituir um terceiro termo, sem nunca dar lugar a uma solugao na forma da dialética especulativa (Derrida, 2001, p. 49). Wilderson, quando retoma esta ideia a partir de Derrida, propée mais uma volta do parafuso ao acrescentar o prefixo meta-aporia, Nesse sentido, ao afirmar que os negros corporificam uma meta-aporia, Wilderson (2021, p. 24) pensa um “projeto critico que, ao utilizar a negritude como lente de interpretacio, interroga a l6gica tacita e presumida do marxismo, do pés-colonialismo, da psicandlise e do feminismo pot meio da rigorosa conside- ragao teérica de suas propriedades ¢ légicas presumiveis, como seus fundamentos, meérodos, forma e utilidade”; sua leitura leva em consideracao um ponto de vista pessimista que assinala para o fato de que o negro € parte necesséria para a ma- nutengio do curso civilizacional do mundo moderno. Sob esse enfoque podemos ler o poema de Aleixo: Trees ee egro uanto + egro + vy ees ree ie i (Aleixo, 2002, p. 69) Este poema fora publicado, originalmente, na obra Trivia, Trata-se de uma obra com fortes apelos vistais, que propde uma releitura da tradigéo concretista brasileira, O poema em questéo ocupa uma pagina inteira do livro e merece ser Enranwracentos pe vioutncus 6o | fanaa Shas be Steere oe canoe em lido na conjungao que promove entre o apelo visual ¢ 0 apelo semantico, estruturas incontornaveis para a leitura deste poema, Do ponto de vista visual, ha o impacto da antitese construida entre letras brancas sobre um fundo preto, acentuando um estado de tensio constante no poema ‘Tal estado de tensio pode ser ainda ampliado quando observamos a frag- mentacio na composicao dos versos, O hiato entre uma coluna ¢ outra abre um abismo no poema, Todas as palavras sofrem um corte abrupto — “quanto”, “n egto”, “m orto” -, algo violento nos termos de uma catéstrofe, no sentido mesmo da cisio. Percebe-se, ainda, que a fragmentagéo nao cessa, Ao contratio, ela segue tum fluxo permanente ¢ tende a retornar quando chegamos ao final do poema. Esse efeito ciclico de eterno retorno pode ser compreendido pela repeticao da expressio “quanto +” em associagio com o titulo “Rondé” O rondé é uma forma clissica de poema e, segundo Massaud Moisés (2013, p. 446), provém do “francés rondeau; latim rotundu(rn), redondo, em forma de roda, Poema lirico de forma fixa, originario da Franga, onde apareceu por volta de 1250: no principio, consistia numa can¢io que acompanhava uma danga, a ronde, de onde lhe veio 0 apelativo. Em vernaculo, o rondé vingou no atcadismo (nomeadamente na pena de Silva Alvarenga) ¢ em alguns poetas do comeco deste século XX, afeigoados as experiéncias formais do parnasianismo (Homero Prates, Goulart de Andrade, Manuel Bandeira). Além desta tradigao poética jd classica, 0 rondé também faz parte da tradigio de formas musicais. Na mtisica, “as formas-rond6 séo caracterizadas pela repeticéo de um ou mais temas separados por secdes contrastantes”. (Schoenberg, 1993, p. 229). No poema de Aleixo, notamos que a estrutura fixa que se repete € 0 verso “quanto +”, 0 qual, em associacéo com a ideia de adicao “mais um”, garante 0 efeito de eterno retorno do pocma. Vale ainda assinalar que 0 préprio titulo do poema é uma estrutura circular. A escolha por aproximar “Rondé” ¢ “Ronda” promove um eco pela repeticéo da estrutura em “Y”, inscrevendo desde o titulo um formato arredondado do pocma. A partir dessas associagSes, 0 poema de Aleixo reescreve um género cldssico ao paso que o renova, Aleixo retira o rondé de seu. lugar canénico ao romper com sua forma harménica, A fragmentagio observada no poema nio condiz com a forma clissica e esperada do rondé, mas coloca 0 poema no centro da violéncia contra corpos negros no Brasil. Se de um lado temos uma estrutura fixa, de outro os elementos de alternancia seguem o curso da morte dos corpos negros. O poema instaura uma ambiguidade nesse ponto, dirfamos mesmo uma aporia, pois a expresséo “quanto +”, ao mesmo, tempo em que garante o efeito ciclico ¢ de retorno, néo necessariamente se fixa como uma adigio. Antes, ha uma subtracéo. A cada volta do poema, portanto, temos menos um corpo negro. Ao mesmo tempo em que o poema aumenta in- cansavelmente seu fluxo, a morte opera como agente de subtragao de corpos. ‘ConPo EVIOLENGIA NA POESIA MRASILEIRA CONTEMPORANEA: TURMA, DE RICARDO ALEIEO | « interessante pensar, ainda no sentido de actimulo, nas propriedades que caracterizam os corpos dizimados: pobre, alvo, negro. Essas marcas historicamente construidas s¢ somam no poema para delinear uma imagem do negro na sociedade. No fundo, observa-se que a maquina que segue girando no poema depende, necessariamente, da morte de corpos negros, consolidando a aporia entre “mais um e menos um’. Trata-se de uma soma que subtrai. Visualmente a expresso “q uanto +” ainda nos impée outra ambiguidade aporética, com perdao do pleonasmo. A escolha por grafar a expressio “mais” por meio do simbolo “+” langa o poema para duas ldgicas que se sobrepéem. De um lado maximiza a ideia da soma, do actimulo de corpos, mas de outro, este simbolo divisa, de forma muito ténue, com a expresséo da cruz, o que aumenta a ambientagao de morte e violéncia do poema. A cruz, nesse caso, pode indicar 0 contexto de morte presente no poema, pode indicar também um peso histérico que os corpos negros carregam, mas também pode sugerir o alvo apontando para esses mesmos corpos. Em termos de efeito da imagem conseguida pela visualidade do poema, estamos diante da imagem sintoma da qual Didi-Huberman fala. Se olharmos com atengéo mais uma vez para o titulo do poema, a expressio “ronda noturna’ estabelece novas redes de significado, Em mais uma ambiguida- de do texto, a ronda noturna tanto associa-se com o fundo preto do poema, tal como um manto de huto, quanto sugere a presenga da violéncia estatal contra os negros. A ronda, como bem sabemos, é uma pratica de vigilancia e tética militar, usada em contextos urbanos do Brasil pela presenga da policia. Nao 3 toa o poema situa de forma particular o contexto noturno. O texto de Robert Willians, “night spaces: darkness, deterritorialization and social control’, nos ajuda a compreender a dimensio das implicagées politicas e sociais dos espagos noturnos, 0 que pode ampliar nosso entendimento em relagéo ao poema de Aleixo. Willians afirma que “embora a noite seja um fenédmeno natural, espagos noturnos nao o sao. Eles so socialmente mediados. Nao existem exceto por — ou por meio de — priticas humanas ¢ relagées sociais que procuram se apropriar, até mesmo controlar, a escuridéo em sua mirfade de usos ¢ significados humanos” (Willians, 2008, p. 514). Este estudo nos mostra um entendimento dos espagos noturnos como processos constituidos por tensées sociais ao observar o que deveria ou 0 que nao deveria acontecer em determinados lugares tarde da noite. Sob esse véu da ronda noturna, hé uma politica de controle dos espacos ¢ também uma facilitagéo de abuso de algumas priticas sociais ‘As manchas gréficas brancas sobre o fundo preto exaltam, no poema, uma disputa pelo controle de uns sobre os outros. Nesse sentido, 0 poema de Aleixo corporifica a discussie em torno da racializagéo dos espaos, ao passo que nos revela um ciclo perpétuo de escravidéo que marca a experiéncia da negritude no Brasil. Neste poema, o corpo negro, pobre ¢ alvo, ¢ destituido de suas condigées Enranwracentos pe miouincus 62 | iene bcs be Steere or coos, en de humanidade e de direitos humanos, O poema de Ricardo Aleixo ganha ainda mais peso de significado ao construir uma relacio inextrincavel entre as dimensées espaciais ¢ temporais. O tempo, perpétuo, em retorno constante, assinala para a permanéncia da escravidéo em nossos dias. O espago, acentuado pelo apelo visual do poema, aponta para os diferentes tipos de relagées sociais que se constroem no espaco noturno a fim de garantir o poder ¢ autoritarismo sobre determinados corpos. Toda a discussio em torno da politica de controle dos corpos se dé, contudo, necessariamente pela forma do poema. E imprescindivel considerar a fragmentagao do poema, os jogos visuais, a montagem dos simbolos, o ritmo, suas formas ¢ os espacos aporéticos que cria. Prisca Agustoni também sinaliza para a grande relevancia da ambiguidade neste poema: “o pocma deixa uma fresta de ambiguidade, no final, quando ~ ao associar 0 fato de ser negro com o fato de se tornar alvo e, finalmente, estes signos (negro ¢ alvo) com o resultado de uma morte (mais uma) — nao explicita se esta morte ocorre por conta da criminalidade ou por conta do preconceito da sociedade, que faz com que qualquer negro na noite seja visto como alvo ¢ como suspeito”. (Agustoni, 2009, p. 44). Agora é possivel reafirmar que 0 corpo talvez seja um dos elementos mais significativos para se pensar os rastros daquilo que ainda insiste em permanecer. Neste poema de Aleixo os corpos negros sinalizam para o sintoma de um trauma fundacional da sociedade brasileira, ainda que sejam corpos ausentes, ainda que © corpo do poema seja ambiguo, mas por isso mesmo potentes. CONSIDERAGOES FINAIS O presente artigo propés uma leitura do poema “Rondé da ronda notur- na’, de Ricardo Aleixo, evidenciando a relagéo entre corpos negros e violéncia na sociedade brasileira contemporinea. Acentuamos o fato de que tem sido importante os estudos de literatura em sta articulagao com as ciéncias humanas a fim de pensarmos dos modos como as mais diferentes formas de linguagens apresentam a permanéncia de determinadas imagens que perturbam a nogio de tempo ¢ de espaco, como € 0 caso da ressurgéncia dos fantasmas da escravidio no Brasil contemporaneo. Sob a perspectiva do afropessimismo, podemos dizer que o poema de Aleixo propée um efeito de exumagio e de exposicio de meta-aporias por meio da cons- trucio de sua linguagem poética. Tal como afirma Wilderson (2021, p. 24), os negros sio “ferramentas para a execuséo das fantasias e dos prazeres sadomasoquistas dos brancos e dos nao negros”, isso significa que, num nivel mais alto de abstragao, que “as afirmagées de humanidade universal subscritas por todas as teorias acima ConPo E VIOLENcIA NA POESIA MRASU [DMA.ETTURA DE "RONDO ba RONDA NOTURN scaaatans | 6 citadas séo prejudicadas por uma meta-aporia: uma contradi¢ao que se manifesta sempre que se observa a sétio a estrutura de sofrimento dos negros ¢ comparacéo com a estrutura supostamente universal de todos os seres autoconscientes”, Do mesmo modo, os efeitos de eterno retorno do poema, seus indices sintomaticos, © tempo cfclico e fragmentario que constréi ¢ os espasos socialmente controlados que sugere, nos mostram que nossa ideia de civilizagao foi e € construida com base na necessidade do exterminio dos corpos negros. 64 | EstReNtavenntos oe motEncias REFERENCIAS Agustoni, Prisca (2009). Um corpo que oscila: performance, tradiao e contempora- neidade na postica de Ricardo Aleixo. Estudos De Literatura Brasileira Contemporénea, 33(1), 25-49, https://periodicos.unb.br/index.php/ estudos/article/view/9581 Aleixo, Ricardo (2002). Trivio. Scriptum. Derrida, Jacques (2001), Posicées. Auténtica, Didi-Huberman, Georges (2010). 0 que vemos, o que nos olha. Editora 34. (2013). Diante da imagem. Editora 34, Ginzburg, Jaime (2012). O narrador na literatura brasileira contemporanea. Tintas. Quaderni di letterature iberiche e iberoameri- cane, 2(2), 199-221. https://riviste.unimi.it/ index php/tintas/article/view/2790 2017). Critica em tempos de violéncia. Edusp. Michaud, Philippe-Allain (2013) Aby Warburg ea imagem em movimento, Contraponto. Moisés, Massaud (2013). Diciondrio de Termos Literdrios. Cultrix Moraes, Paulo E. Benites (2020). Da sobrevivéncia das imagens como fantasma: ‘uma leitura de A Ocupasio, de Julian Fuks. Gragoatd, https://doi.org/10.22409/ gragoata.v25i53.42950 ibeiro, Renato Janine (1999). A dor e a injustiga. In Jurandir Freire Costa (Org), Razdes Puiblicas, emogées privadas (pp. 9-15). Rocco. Schoenberg, A (1993). Fundamentos da composigdo musical. Edusp. Schollammer, Karl Eric (2013). Cena do crime: violéncia e realismo no Brasil contem- poraneo, Civilizacao Brasileira, Wilderson III, Frank B. (2021). Afropessi- mismo. Todavia Willians, Robert (2008). Night spaces: darkness, deterritorialization and social control. Space and culture. 11(4), 514-532. https://journals.sagepub.com/doi/ paf/10.1177/1206331208320117

You might also like