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A Obra de Aziz Na O RELEVO BRASILEIRO E SEUS BIBLIOGRAFIA DOCUMENTARIO FOTOGRAFICO FAC-SIMILAR PROBLEMAS Aziz Nacib Ab’Saber estudo do relevo brasileiro equivale 4 anilise de um bloco territorial correspondente & metade de um con tinente, Entretanto, para a realizagio de uma sintese dos fatos morfoldgicos essenciais de tio grande rea, existe uma bibliografia especializada ainda muito escassa e desigual. Na realidade, um século ¢ meio de estudos geolé- gicos dispersos e pouco mais de trés décadas de estudos geomorfolégicos — desiguais quanto 4 extensao ¢ a pro- fundidade de teatamento — permitiram tio somente um ligeiro reconhecimento dos tragos mais gerais do relevo ¢ da geomorfogénese do bloco continental oriental da Amé rica do Sul. No que diz respeito a mapeagao geologica, é sabido que ela é aceitivel para a compreensio das grandes provincias geologicas do territério, porém muito deficiente quanto a representacdo das condigées estruturais ¢ litolé gicas. Por outro lado, forgoso se torna reconhecer que, 2 despeito da intensificagao recente dos estudos de geologia regional, ainda sobrexistem no pais extensas areas mal co- nhecidas. Quanto a cobertura cartogrifica de escala topogré- fica suficiente, para a complementagio de estudos geomo- folégicos de campo, 2 situaso continua digna de maiores reparos. A verdade ¢ que, salvo as boas cartas topogréficas na escala de 1: 100.000, mandadas elaborar pelos governos de Sao Paulo e Minas Gerais a partir dos fins do século passado, nfo temos um acervo cartogrifico vitil para a re~ alizagio de anilises morfolégicas. Desta forma, a despeito dos esforgos do Conselho Nacional de Geografia e do Ser viiso Geogrifico do Exército para estender o recobrimento cartogrifico para o resto do pais, nao mudou muito a situ agio real desse importante setor da documentagio cienti- fica entre nds. Pode-se dizer que as condigdes tecidas por Emmanuel De Martonne a respeito do assunto, em 1940, continuam dotadas de bastante atualidade até os dias que correm, A par com estas limitag6es basicas, hé que lembrar 0 fato de boa parte do territério brasileiro j ter sido coberto por levantamentos acrofotograficos. Desta forma, antes de 1 (Carta hipsométrica do Brasil e de areas vizinhas da América do Sul. se ter mapeado 0 tertitério pelos métodos clissicos, ja se pode fotografi-lo, obtendo-se uma extraordi- natia documentagao para pesquisas geomorfoldgicas ¢ para a feitura de cartas debaixo de outros critérios téenicos e dentro de outro grau de precisto. Cumpre reconhecer, ainda, que, se realmente existem dificuldades de toda sorte para um estudo minucioso de uma érea territorial tio grande, em compensagio existem algumas faclidades, advindas da bomogeneidade e da extensidade relativas, de de- terminadas condigdes topograficas e geolégicas, do- minantes no territério. Trata-se, entretanto, de fatos que nao podem ser exagerados, ja que a experiéncia 2 demonstrou, muitas vezes, 0 cariter ilusdrio da- quela repisada monotonia que muitos pretenderam reconhecer nas paisagens morfologicas deste imenso pais intertropical, certo, porém, é que, na base dos conheci- mentos geoldgicos, topograticos ¢ geomorfologicos existentes sobre o Brasil, ¢ icito realizar uma sintese preliminar sobre o seu relevo e equacionar alguns de seus grandes problemas, Nessa tentativa, como nao poderia deixar de haver, existiri sempre um tom de marcante provisoriedade, que o tempo € 0 acimulo de novos conhecimentos se encarregario de ir corri- gindo e acertando sistematicamente. A.evolucio dos conhecimentos sobre o relevo brasileiro Se é relativamente ficil acompanhar a histéria recente da ciéncia do relevo no Brasil, bem dificil se torna a reconstituiglo de suas raizes ¢ a discrimi nagZo de suas fontes. E bastante compreensivel que a Geomorfo logia haja sido um campo de pesquisas que, s6 muito tardiamente, tenha encontrado oportunidade para se implantar em nosso pais. De fato, tendo adquirido suas bases conceituais e metodol6gicas nos Estados Unidos, na Franga ¢ na Alemanha, a partir da se~ gunda metade do século XIX, esse campo cientifico de contato entre a Geografia ¢ a Geologia, por forga das contingéncias habituais de nossa evolugio cul- tural, somente através de um grande retardo pode aqui enraizar-se e progredit. ‘Nos Estados Unidos, por exemplo, os ante cedentes da ciéncia geomorfologica se situam nos tués primeiros quartéis do século XIX, enquanto 0 nascimento e o desenvolvimento de Geomorfotogia, propriamente dita, liderada pela figura impar de William Mortis Davis (1850-1934), preenche todo © iiltimo quarto do século passado € os primeiros trinta anos de atual. Entre nds, as primeiras observagbes geo morfolégicas, mais diretas ¢ sistematicas, sobre partes do territério brasileiro, tem menos de meio século, Numa tentativa preliminar de divisto em fases, poderiamos reconhecer trés grandes perfodos, mais ou menos bem definidos, na evolugzo histérica dos estudos sobre o relevo brasileiro: 1 (period dos predecessores (1817-1910); 2. periods dos estudos pionciros (1910-1940); 3. period de implan- taséo das téonicas modernas (1940-1949). Nao fosse a negligéncia e a falta de iniciativa dos principais res- ponsiveis pelo ensino e pesquisas de Geomorfologia, nas jovens universidades brasileiras, j poderfamos falar num quarto periodo, ou seja 0 periods brasileiro contempordnee, esbogado a partir de 1949, mas que est ameacado de se comportar historicamente como mero periodo de transigio. © primeiro dos citados periodos constitui ‘como que uma “pré-histéria” dos conhecimentos ge~ omorfolégicos sobre o Brasil, representado pelos es- critos esparsos de viajantes e naturalistas que percor~ reram nosso territério na primeira metade do século XIX, ¢ documentado nas entrelinhas dos estudos € ensaios dos gedlogos estrangeiros que aqui operaram desde a segunda metade do século passado até a pri meira década do século XX. Trata-se de uma longa fase de acumulagio de fontes, de estudos morfolé- icos nao sistematicos e de contribuigées indiretas, de desigual valor cientifico. Cumpre lembrar, entretanto, que esse longo periode predecessor de nossa Geomorfologia envolve duas das mais bem definidas épocas da Geologia Brasileira (€poca dos viajantes, 1810-1875, e época das comissoes geoldgicas, 1875-1907), segundo visio recentemente proposta por Viktor Leinz’. Nio seria descabido mesmo subdividir também esse longo © complexo periodo da histéria dos estudos sobre o relevo brasileiro, em duas fases ou subperi- odes: 0 dos naturalistas-viajantes (1810-1870) e o dos gedlogos estrangeiros e das comissdes geoldgicas (1870-1910). Enquanto o primeiro representa a fase dos antecedentes remotos, 0 segundo constitui a fase dos antecedentes imediatos, responsivel pelas fontes mais objetivas e a0 qual se deve o primeiro impor- tante acervo de documentagao cartogrifica moderna para a realizagio ulterior de estudos geomorfoldgicos propriamente ditos. Pertencem ao primeiro caso os escritos e ob- servasées de Casal, Eschwege, Mawe, os irmaos Andradas, Spix ¢ Martius, Saint-Hilaire, Camara, Cunha Matos, Pohl, Humboldt, d’Orbigny, Piss Castelnau, Lund e Agassiz. No segundo se enqu dram as pesquisas, estudos e realizagoes de Hartt, Derby, Gorceix, Capanema, Katzer, Smith, Reclus, White, Evans e Branner, A mais importante sintese, que documenta os conhecimentos sobre 0 relevo brasileiro nesta época, encontra-se nos escritos de Orville Adalbert Derby inseridos na “Geographia do Império do Brasil”, edig20 portuguesa, aumentada e modificada, da obra original de J. E. Wappacus. ‘A essa primeira grande época preparatéria, longa e complexa, que durou por todo o século XIX, seguiu-se um periodo pioneito de estudos geomor- folégicos propriamente ditos, em que pesquisadores, dominantemente estrangeiros, treinados em Geo- logia c Gemorfologia, deixaram observacies de valor em seus trabalhos geolégicos ou em seus estudos ge ogrificos. A contribuigao de nacionais, durante essa fase, embora numericamente importante, em geral foi cientificamente inferior a dos pesquisadores es- trangeiros. Essa fase, por nés denominada periodo dos estudes pioneiros (1910-1940), foi iniciada com a publicacdo de um excelente estudo geografico ge olgico de Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa sobre 0 este paulista e o sul de Mato Grosso (1909) e com a divulgagdo dos resultados das pesquisas de Roderic Crandall sobre o nordeste oriental brasileiro (1910). Por seu turno, viria a culminar com os estudos ge~ morfolégicos de Preston James sobre o Brasil Sudeste (1933) e as observacdes sobre a génese do relevo do Estado de Sio Paulo, da lavra do insigne cientista brasileiro Luiz Flores de Moraes Rego (1930, 1952, 1938) Deve-se notar, de antemio, que nesses profi- cus 30 anos de atividades cientificas, a par com uns poucos trabalhos propriamente geomorfoldgicos, acumularam-se documentos geolégicos € cartogré- + Leins, Viktor. A Geologia e a Palentologia no Brasil, in As etnias no Brasil 1, pis. 243-266, 3 ficos fundamentais para o desenvolvimento da ciéncia do relevo no Brasil, Ponderivel, sobretudo, foi a con- tribuigdo indireta deixada pelos estudos geol6gicos gromorologia Brac durante ets tts décadas assim que, nos perfis, nos cortes ou sucessbes ge olégicas, nos croquis e nos pequenos levantamentos de campo, existe uma contribuigao de grande impor- tincia para a geomorfologia estrutural do territério brasileiro, numa espécie de heranca muito superior € mais valiosa do que aquela existente nos textos e es- critos da época. Entre os pesquisadores adventicios, pertencentes a esse periodo, ha que destacar: Cran- dall, Small, Sopper, Waring, Williams, Walls, Rube, ‘Marbut ¢ Maniford, Brandt, Maull, Denis, Mack, Backer, Du Toit, Passarge, Freise, Freyberg, Wash- burne ¢ Oppenheim, John Casper Branner, que es- creveu a maior parte de sua obra geol6gica sobre 0 Brasil no periodo anterior, participou ainda desse novo periodo como figura exponencial pelas suas novas contribuigdes. Tendo escrito, em 1906, uma “geologia elementar”, preparada como referéncia es- pecial aos estudantes brasileiros, legou-nos um dos poucos livros de texto para o ensino da geologia fisica editados no pais. Por outro lado, em 1919, num es- forgo notavel de compilagio ¢ consulta bibliogritica, editou o primeiro mapa geolégico de conjunto sobre o tertitério brasileiro, acompanhado por um exem- plar resumo dos conhecimentos geolégicos sobre 0 Brasil da época. Os brasileiros que, entre 1910 e 1940, con- tribuiram direta ou indiretamente para o desen- volvimento da ciéncia do relevo, entre nés, foram: Arrojado Lisboa, Delgado de Carvalho, Teodoro Sampaio, Everaldo Backheuser, Euzébio de Oliveira, Alberto Betim Paes Leme, Luciano Jacques de Mo raes, Avelino Ignacio de Oliveira, Pedro de Moura, Paulino Franco de Carvalho, Alberto Ribeiro La mego, Othon Henry Leonardos, Glycon de Paiva ¢ Luiz Flores de Moraes Rego. Os escritos de Teodoro Sampaio para o Dicionitio Histérico, Geogrifico e Etnogrifico do Brasil, em 1922, ao lado da “fisio grafia do Brasil” (1923), de Delgado de Carvalho, publicada a guisa de primeiro volume de uma Geo- grafia do Brasil preparada pelo autor, constituiram os dois principais trabalhos de sintese sobre o conjunto do relevo brasileiro, na época. Por fim, queremos referir-nos ao periodo de implantasdo da modema ciéncia geomorfoldgica no Brasil, que somente se processow apés a criagéo das primeiras faculdades de filosofia no pais ¢ apés a fun- daso do Conselho Nacional de Geografia. Cronolo- sgicamente, esta fase de iniciou com a publicagzo do famoso artigo de Emmanuel De Martonne (1940) a respeito dos ‘problemas moxfolégicos do Brasil tro: pical atlantico”, tendo-se desenvolvido, depois, por va~ ios anos, através das atividades, das publicagoes e da orientagio de Francis Ruellan, Fabio Macedo Soares 4 Guimaraes, em 1943, ¢, mais tarde, Aroldo de Aze- vedo, em 1949, redigiram trabalhos gerais a respeito do relevo brasileiro ¢ suas divisoes, procurando atu- alizar, através de artigos sintéticos, os conhecimentos novos em acumulagio. Menos de dez anos da publicagéo dos primeiros tsabalhos de De Martonne e Ruellan, comegaram a surgir estudos, ensaios ¢ monografias firmadas por jovens pesquisadores brasileiros, os quais constituem, hoje, uma equipe nao muito numerosa, porém bas- tante ativa (Fernando Flavio Marques de Almeida, Joo Dias da Silveira, Orlando Valverde, Ruy Osério de Freitas, Alfredo José Porto Domingues, Joao José Bigarella, Aziz Nacib Ab'siber, Antonio Teixeira Guerra, Pedro Pinchas Geiger, Hilgard O'rilly Sten- berg, Elina de Oliveira Santos, Vietor Antonio Peluso Jianior, Gilberto Osério de Andrade, Manuel Correia de Andrade, Carlos de Castro Botelho e outros). Dos pesquisadores mais experientes, vindos da fase anterior, por motivos diversos merecem des~ taque 0s trabalhos de publicagdo recente firmados por Reinhard Maack, Glycon de Paiva, Alberto Ribeiro Lamego, Octavio Barbosa, Silvio Froes Abreu, Djalma Guimaries, Viktor Leinz ¢ Pedro de Moura. Preston Everett James, que realizou seus primeiros estudos sobre o Brasil ha mais de trés dé- cadas, voltou a pesquisar em nossa terra por volta de 1950, escrevendo um estudo sobre a geografia fisica do nordeste. Nessa fase de implantagéo da moderna Geo- morfologia do Brasil, que de certa forma continua em aberto até nossos dias, operam em nosso terri~ t6rio, em estudos de geologia e geomorfologia, e riquecido de varios modos nossa bibliografia espe~ cializada, os seguintes cientistas estrangeiros: Francis Ruellan, John Lyon Rich, Jorge Chebataroft, Pierre Gourou, Louis Papy, Pierre Monbeig, Mariano Feio, H. Wilhelmy, H. Weber, Wilhelm Kegel, Boris Bra- jnikov, Karl Beurlen, Orlof Odman, P. Taltasse, Jean Pimienta, Hanfrit Putzer, Willi Czajka e Lester King. Entretanto, ainda esta por se fazer a verdadeira historia da evolugao da Geomorfologia no Brasil, nas iiltimas trés décadas. Para compensar um pouco essa deficiéncia de nossa historiografia cientifica, nese setor, em trés de nossos trabalhos mais recentes dei- xamos achegas para os que futuramente voltarem a0 assunto*. Durante a realizagao do XVIII Congreso In- ternacional de Geografia (Rio de Janeiro— 1956), ti vemos a excepcional oportunidade de entrar em con tato com geomorfologistas do mundo inteiro, alguns + AbSiber, Aziz Nacib, “Brat actuel des connaissances sur les niveaux derosion et les surfaces daplanissement au Brésil, “Conhecimentos sobre as futuagées climaticas do Qua- temirio no Brasil” e“A Geomorfogia no Brasil” dos quais, nas diversas excursbes realizadas por oca~ sio do aludido certame, puderam realizar pesquisas em diferentes partes do territério nacional. Ao que sabemos, naquela oportunidade, fizeram observa goes sobre o relevo brasileiro os seguintes pesquisa dores: Jean Dresch, Jean Tricart, Pierret Birot, André Cailleux, Carl Troll, René Raynal, Max Derruaus, Jacqueline Beaujeau-Garnier, Paul Fénelon, M. © Mme. Paul Veyret, Henry Enjalbert, André Journaux, Paul Macar, P. Mortensen, Lester King, I. P. Guerassimov, Louis-Edmond Hamelin, Herbert Wilhelmy, Axel Schou e outros. Dresch, Biot, Fénclon, Raynal, J. Beaujeau-Garnicr, M. Lefévre, Pardé e Veyret, publicaram, em prineipios de 1957, 0s primciros resultados de suas observagdes gcograficas € geomorfologicas sobre diversas areas do territério brasileiro. Entretanto, 0 mais notivel conjunto de observagdes publicado, por autor estrangeiro da geo- morfologia brasileira, deve-se ao pesquisador francé Jean Tricart, que, a partir de 1956, ja publicou mais de uma dezena de trabalhos referentes a diferentes reas e paisagens de nosso pais, ¢ fomentou, sobre: maneira, os estudos geomorfoldgicos na Universi- dade da Bahia (com Milton Santos, Nilda Guerra de Macedo ¢ Tereza Cardozo da Silva, do Laboratério de Geomorfologia ¢ estudos regionais). Por tiltimo, lembramos que é bastante deli- cado 0 momento atravessado pela ciéncia do relevo, entre nés, em face da crise atual da geomorfologia da visiana no mundo cientifico. Nem bem se formou a primeira equipe de geomorfologistas brasileiros e jé, com um certo retardo, se prenunciam os reflexos de uma crise de carter universal, que envolve questoes de método, de conceitos ¢ de técnicas de trabalho. Estamos na antevéspera de uma verdadeira “rev lusdo” interna nos quadros da moderna geomorfo- logia brasileira, fato que somente se concretizaré & custa de um novo apelo 4 orientasio de cientistas estrangeiros e através da fundagio de laboratérios de pesquisa, ativos e hem dirigidos. Por parte dos mais bem avisados e criteriosos hha uma grita geral para a renovasao de métodos e téc~ nicas de pesquisa e para a recuperacio de um precioso tempo perdido. E dificil, entretanto, vencer o espitito cientifico reaciondrio dos que detém em suas maos os cargos-chave ¢ bloqueiam sistematicamente 0 pro- gresso ¢ 0 desenvolvimento, entre nds, de um dos mais notiveis setores modernos das eiéncias da terra. © tertitério brasileiro € sua posigao no relevo da América do Sul No estudo de um pais, que possui uma ex- tensio territorial capaz de ser medida por uma es cala de ordem continental, impde-se como ponto de partida a andlise de seus grandes componentes topo- ‘rificos em relagio 4 unidade de ordem de grandeza mais elevada no caso representado pelo continente sul-americano. Muito embora, na ossatura rochosa da Amé- rica do Sul — dos Andes aos velhos planaltos grandes planicies — estejam representados todos os tipos de provincias estruturais e topogrificas capazes de criar blocos de relevo referiveis as unidades de se- gunda ordem de R. D. Salisbury", o Brasil esta longe de resumir todos os tragos morfoldgicos dessa parte das Américas, Realmente, nem todas as feigdes estruturais gerais que, obedecendo aos arranjos mais diversos, caracterizam os tracos essenciais dos continentes, estdo presentes no territério brasileiro. No conjunto de nosso relevo, destacam-se tio somente planaltos cristalinos, montanhas rejuvenescidas e planaltos sedimentares e basilticos, assim como grandes pls nicies continentais ¢ extensas areas de estreitas pla- nicies costeiras. A despeito da dominancia de blocos macigos de planaltos de altitude média, hé absoluta auséncia de verdadeiros relevos montanhosos de tipo alpino-himelaio, assim como de relevos vuleanicos recentes ou formas topogrificas comprovadamente ligadas a glaciagao de altitude. Por outro lado, ex- ceedo feita do Uruguai, Paraguai ¢ Guianas, o Brasil €0 iinico grande pais sul-americano que nio possui qualquer territério pertencente a area dos dobra~ mentos andinos. Pierre Denis”, em uma sintese feliz, tragou 0 panorama das grandes provincias estruturais e mor~ fologicas de relevo sul-americano, no qual retratou nosso continente. Mais tarde, Anselmo Windhauser (1931), na segunda parte de sua Geologia Argentina, incluiu um sugestivo mapa estrutural da América do Sul, enguanto alguns anos depois A. I. Levorsen (1945) © George W. Stose (1950) organizaram mapas geolégicos da América do Sul, editados pela Sociedade Geolégica da América, Recentemente, Francis Ruellan (1952), em um estudo que aborda as consequéncias dos dobramentos de fundo para com o Escudo Brasileiro e sua compartimentasao tect6: nica, em uma sintese também muito feliz, procurou retrasar o esquema dos componentes estruturais Salisbury, R.D., Physiography, 1919, pigs. 5-14. Re- centemente Jean Ticart, em seu artigo “La Géomorphologie et Ja notion déchelle "(1952), ¢ Calleux e Trieat, no ensdio inti tulado “Le probléme de la classification des fits geomorphalo- iques’ (1956), retomam o problema das ordens de grandeza do releyo, muito embora 0 que parece, sem ter tido conhecimento das observag6es pioneiras de R. D. Salisbury. A nova classifi cagio de Caillewx-Tricart em 7 classes de grandeza (de 10” kan? 21-10 km’), e mais 3 classes de microformas (hectomericas, dlecamétricas e métricas, além de feigdes microgeomorfolé- sicas, infeiores a 1 m, encontra uma rica exemphificasio no tersitorio braileiz, para quase todas as suas divisbes Denis, Pierre,"UAmérique du Sud”, I, pags. 7-26. lamentais do nosso bloco continental. Por meio de leitura ¢ anilise dessas contribui- ges, tomna-se possivel a qualquer interessado situar rapidamente o territério brasileiro no conjunto das terras sul-americanas ¢ compreender parte de sua originalidade, Aquela oposigio flagrante entre a area de dobramentos modernos de tipo alpi-himalaio da porgéo ocidental da América do Sul e a area de ma~ cigos antigos ¢ bacias sedimentares intercratonicas, sobreelevadas a diferentes alturas na porgdo central e oriental da América Tropical, como que define dois dominios no corpo territorial dessa parte do Novo Mundo. Entre a massa de relevo formada pela barreira montanhosa dos Andes, com os seus 4 ou 5.000 metros de altitude média, ¢ as extensas massas dos velhos planaltos brasileiros, com suas altitudes modestas, traduzidas por uma média que, quando muito, aleanga algumas centenas de metros, hd como que um desequilibrio em altura, compensado por um reequilibrio em extensio. Por seu turno, nos desvios entre os macigos antigos orientais da América do Sul — terras patagdnicas, uruguaio-sul-rio-grandenses, brasileiras e guianenses —estendem-se areas de sedi- mentagZo recente ou em proceso, também extensivas 208 Vaos intermedirios existentes entre esses macigos € os arcos das dobras subandinas. Criptodepressoes cortespondentes a fossas tecténicas antigas ou mo- dernas encontram-se tamponadas pelos depésitos ais recentes dessas depressoes intermedisrias, como que a desafiar os métodos de pesquisas de gedlogos geofisicos. Digno de nota, por outro lado, é a alta con- tinuidade da barreira montanhosa andina, que se estende da Patagonia até a Venemuela, quando com- parada com os escudos e nticleos de escudos que formam retalhos de macisos antigos na face oriental do continente. Isso para nao falar na presenga de vul: canismo modemno, no cinturio das dobras andinas subandinas e nos relevos esculpidos pela glaciago de altitude nas linhas de montanhas situadas acima dos altiplanos regionais, em oposi¢o notivel com a ma: cividade e estabilidade relativas dos macigos antigos brasileiros, sujeitos a processos morfoclimiticos tro- picais timidos, subtropicais timidos e subequatoriais semiaidos. Baseados no panorama geral do edificio geo- logico da América do Sul ¢ atendendo aquela velha € lit classificagao do relevo terrestre por ordens de grandeza, da lavra de R. D. Salisbury, a que ja alu- dimos, facil se torna compreender que o Brasil apre: senta um mosaico de grandes unidades topograficas, de segunda ordem, relacionadas com as principais provincias geolégicas da porsio oriental do conti- nente sul-americano. Na realidade, através da mais simples obser- vvasao das principais linhas do relevo sul-americano, facil se torna identificar os grandes miicleos topogr: 6 ficos que compSem o relevo brasileiro: ocupamos, na porsio oriental e central da américa tropical, a totali- dade do chamado planalto brasileiro, um trecho e! sideravel do planalto das guianas, uma parte do baixo planalto uriguaio-sul-rio-grandense, 4 quase totali dade da planicie amazénica, uma patcela das planscies centrais sul-americanas, representadas pelo Pantanal Mato-Grossense, além de uma série de plantcies cos teiras, alongadas ¢ descontinuas, que rendilham a nossa linha de costa atlantica, do Rio Grande do Sul 20 Amapé Entretanto, como veremos, se é ficil identificar esses grandes blocos ou micleos estruturais ¢ topogré- ficos que compem o tertitério brasileiro, fato ja bem observado por diversos autores, tem sido muito dificil subdividir tais relevos de segunda ordem em niicleos menores, visando a estabelecer unidades geomérficas de escala mais reduzida. Por outro lado, em face do desenvolvimento da geomorfologia contemporanea, ninguém mais pode contentar-se com divisoes de cariter exclusivamente geolégico-estrutural, mesmo porque, em muitas areas do globo, hé uma completa oposigao entre as diregdes estruturais bisicas ¢ a 70: nagio das provincias morfoclimaticas. Por tikimo, é de se notar que 85% a 90% do territério brasileiro so constituidos dominantemente por © imidas. Tropicais (AL, Aw) e subtro enquanto somente 8 a 12% podem ser considerados semiaridos moderados (BSw). Se é que no Chile, no N.da Argentina e na Patagénia existe uma vasta dia~ agonal arreica, no Brasil nordeste e leste se estende um ppoligono das secas, envolvendo um dominio de p. sagens semidridas de excego, dotado de drenagem exorrcica intermitente, alicergada em totais pluvio- meétricos que variam de 300 a 600 mm por ano, posto que irregularmente Dimensoes ¢ amplitudes altimétricas do relevo brasileiro ‘A despeito da enorme area abrangida pelo seu territério, o Brasil apresenta, em geral, modestas amplitudes altimétricas. A partir do nivel de suas rasas planicies fluviomarinhas até os mais elevados pontdes e macigos cristalinos do Brasil Sudeste ou 20 localmente salientes morros testemunhos do ex ‘remo norte do pais, as altitudes variam apenas entre 042.890 m. Acresce, a isto, o fato de no existir no interior de nosso territ6rio nenhuma area deprimida com niveis inferiores ao da linha de éguas ocednicas. Aqui faltam ou esto inteiramente ausentes as de- pressées absolutas, conhecidas alhures. Numa pesquisa levada a efeito pela Segao de studos Geogréficos do antigo Servico de Geografia ¢ Estatistica Fisiogréfica do Conselho Nacional de Gcografia, Fabio Macedo Soares Guimaraes" inven- + Guimaries, Fabio Macedo Soates,"O relevo do Brasil’ tariou a distribuig’o da érea do Brasil e suas uni- dades federadas por zonas hipsométricas. A despeito de aqueles dados preliminares poderem softer alte~ rages varias no futuro, devido aos progressos da car~ tografia brasileira, eles constituem até hoje a meth documentagao para o estudo das dimensées e ampli- tude altimétrica do relevo do pais. Segundo os aludidos dados de estatistica fisio~ grifica, é a seguinte a distribuicao das faixas hipso- métricas nesta parte da américa do sul: Ampiiades " Avene Arcs Porcenagem 0-100 1.896.444 22.28 100-200 1.572.829 18,48 200 = 300 1.464.385 17,20 300-600 | 2.332.253 271 600-900 980.057 1151 900-2.890 | 265.251 312 0-2.890m | 8.511.189 | — 100,00% Por esses dados, de carter geral, se deduz que 3.469.273 km?, ou sejam 40,76% de nosso terri- trio, sao formados por éerras baixas, compreendidas entre 0 ¢ 200 m, enquanto 3.796.608 km’, ou sejam 44,61%, pertencem a areas dispostas na zona hipso- métrica dos 200 a 600. Os restantes 1.245.308 km? ou 14,63% da drea do pais, correspondem a faixas de relevo situadas acima de 600 e abaixo de 2.900 m. Fabio Macedo Soares Guimardes, em seu pe- queno estudo, que jé se vai tornando clissico, apés inventariar as zonas hipsométricas que definem o conjunto do territério brasileiro, teceu os seguintes Nao é realmente o Brasil um pais de altas mon- tanhas: nenhum ponto atinge 3.000 metros de altitude. O quadro da distribuiséo da area do pais por zonas hipsométricas evidencia que ape- nas 3% do territério ultrapassam a altitude de 900 metros, ao passo que as tertas baixas, com altitude inferior a 200 metros, correspondem a 40% da area total. Aproximadamente, pode o territério brasileiro ser assim distribuido, quanto a0 relevo: 3/8 sio planicies e 5/8 sio planaltos de média altitude. © mapa esquematico do relevo mostra que no Brasil existem trés planicies distintas: planicie amazonica, planicie do Paraguai-Parané [sic] 1943, pp. 70-71 baixadas litorineas. Os planaltos, por sua ver, compreendem dois grupos: 0 Planalte Guiano, a0 norte da planicie amazénica, ¢ 0 Planalto Brasileiro, de grande extensio, rodeado pelas trés planicies. Note-se que as verdadeiras planicies no Brasil so restritas, constituindo em conjunto um total bem inferior aos 3/8 indicados inicialmente por Fabio Macedo Soares Guimaries. Bastaria lembrar que apenas 1% da Amazénia brasileira, conforme Pedro de Moura’, é constituido por planicies e que vastas 4reas do litoral brasileiro, mormente no Nordeste € no Leste, so constituidas por baixos platés arenosos (‘tabuleiros"), colinas, outeiros, morrotes € niveis de terragos fhuviais ¢ marinhos. Tais fatos nos levam a insistir em que nem todas as terras baixas de nosso pais, situadas entre 0 € 200 metros, se enquadram perfeitamente no conceito de planicies; ao contratio, incluem extensdes enormes de colinas tabuliformes e niveis de terragos elevados, situados a cavaleiro das planicies e dotados de um comportamento mais pe culiar aos baixos platos do que propriamente a areas de sedimentagdo em processo. Por outro lado, cumpre Jembrar que a mais tipica ¢ homogénea das grandes planicies brasileiras € 0 Pantanal Mato-Grossense € ndo a Amazénia, como geralmente se pensa. O estudo da distribuicdo espacial das zonas hipsométricas do territério brasileiro nos d4 opor- tunidade para discutir alguns outros aspectos in teressantes de nosso relevo. Por exemplo: se € facil explicar porque 22,28% de nosso territério se sitwam entre 0 € 100 m e, mesmo, porque 18,48% corres pondem a terras situadas entre 100 e 200 m (pois af estao localizadas as principais areas de terras baixas € grandes planicies do pafs), € um tanto surpreendente 2 enorme Area de niveis altimétricos situados entre 200 e 300 m, a qual perfaz um total de 1.464.355 km’, ou seja 17,20% do territério, Para os geomor fologistas, esse fato tem especial significado, pois tais 4xeas correspondem a baixos peneplanos, altos néveis de erosto interiorizados ¢ pediplanes intermontanos modernos, que se distribuem pelas mais diversas reas do pais. Incluem-se, nesse caso, 0 pediplano do Alto Rio Branco (recentemente estudado por Francis Ruellan, Octavio Barbosa e AntOnio Teixeira Guerra), os baixos peneplanos (2) sul-amazénicos do norte de Goiis e Mato Grosso, extensas reas dos pediplanos intermontanos do Nordeste Oriental ¢ da Bahia, partes do baixo Pediplano Cuiabano (ao norte do Pantanal), partes do baixo Pediplano do Alto Araguaia e virias porgées das superficies aplai nadas gatichas distribuidas largamente pela metade meridional do Rio Grande do Sul Por tiltimo, queremos lembrar que a rea rela + Moura, Pedro de. "O relevo da Amazdnia’, 1943, p. tivamente pequena de relevos situados acima de 600 m no pais (14,63% do conjunto) corresponde a dois grupos de provineias estruturais, a saber: 1. micleas de escudo sobreelevados por arqueamentos de grande raio de curvatura ou dispostos em “dorsais”; 2. ba- cias sedimentares intercratinicas e planaltos basaltices soerguidos concomitantemente com o escudo, du- rante a fase epirogénica pés-cretacica, Desta forma, a distribuigao geografica das reas situadas acima de 600 m é muito curiosa e relativamente irregular, pois, salvo as “ilhas” de relevo mais saliente do Nordeste Oriental, representado pela Borborema e cuestas € chapadas circundantes, além das bordas orientais ¢ sul-orientais da Cuesta do Tbiapaba, destacam-se 0 Espinhago ¢ 2 Chapada Diamantina, os planaltos cristalinos do Brasil Sudeste, os altos chapadoes cen- trais do Oeste da Bahia, de Goids ¢ Mato Grosso, © os chapadées macigos da Bacia do Parana-Uru- guai, Apos uma enorme rea de terras relativamente baixas, que se estende desde o norte de Goids e Mato Grosso ¢ desde 0 Piaui e Maranhio até os confins da Amazénia Brasileira, reaparecem localmente no extremo norte, no Planalto das Guianas, areas com relevos superiores 2 600 m. Ai, na regido do Monte Roraima (2.875 m), situa-se 0 testemunho mais ele- vado das formagGes sedimentares mesozoicas no ter 1itério brasileiro Os macigos antigos: montanhas e planaltos eristalinos Diretamente relacionado com as areas de ex- posisao dos terrenos pré-devonianos, pertencentes aos trés escudos que participam do edificio geolégico do pais — Escudo Guianense ou Guidria, Escudo Brasileiro ou Brasilia e Escudo Uruguaio-Sul-Rio- Grandense ou Uruguaia —, 0 tettitério brasileiro exibe extensas areas de macigos antiges, de diversos zgraus de movimentasio de forma de relevo, em geral ‘a sucess4o complexa de monta- stalinos. ‘A Area de escudos expostos no territério brasi- leiro ultrapassa um pouco a trés milhdes de quilome- tros quadrados, fato que demonstra bem a enorme extensio de macigos antigos em nosso pais, Trata-se de um espago equivalente 2 36,29% do conjunto ter- storial do Brasil, atingindo, segundo avaliagio um pouco antiga de Arthur Cardoso de Abreu e Fabio Macedo Soares Guimaries", um total de 3.089.106 km, dos quais 32,379 referidos ao Anqueozoico e 3,92%6 tidos como proterozoicos A estrutura dos mais velhos desses terrenos + Tricare Jean, "Géomorphologie des régions de plate- formes", 1957, “ Guimardes, Fabio Macedo Soares. “Bsboso geolégico do Brasil", 1943, p46, que participam dos macigos antigos brasileros, salvo raros casos locais (centro-sul de Minas, Vale do Pa- raiba, Estado da Guanabara, arredores de Sio Paulo e pontos isolados do Nordeste Oriental), é mal conhe- ida, tanto em suas relagGes especiais como em sua disposi¢ao vertical. Em muitos lugares, os grandes feixes de gnaisses, comespondentes a velhas cordi~ Iheiras corroidas, foram transformados em massas extensivas de rochas granitizadas. Por outro lado, em raros pontos € possivel constatar-se a presenga de antigas dobras isoclinais imbricadas, injetadas por batélitos € stocks graniticos. Os fendmenos de pa- Fingénese, a0 contrario, em muitas areas destruiram © esquema das estruturas antigas, criando massas amorfas de gnaisses ¢ granitos. Lembramos de passagem que a explicagio da pequena riqueza geral apresentada pelos nossos terrenos arqueozoicos esti ligada intrinsecamente a uma atuacéo mais demorada ¢ constante de fend- meno denudacionais. E compreensivel que, em se tratando de formagées altamente metamorfisadas sgranitizadas,cuja idade remonta a mais de um bilhio € meio de anos, ja tenha sido efetuado um desgaste notavel no dorso das mesmas. Por certo, tais forma- ‘oes tiveram riquezas minerais muito mais ponde- raveis, as quais foram denudadas através de prolon gadissimos e sucessivos periodos de erosio. Esses fenémenos denudacionais antigos, constituidos por diferentes fases de aplainamentos © rebaixa~ mentos, retiraram de nossos escudos fundamentais a maior parte de suas éreas mineralizadas mais im portantes, correspondentes as cinturas de minera- lizagio das auréolas de metamorfismos pretéritas a0 séquito de stocks, apéfises ¢ diques, que deveriam interpenetrar-se pelas rochas encaixantes, extensiva~ mente removidas. A julgar pelos caleulos de alguns gedlogos, ja foram removidos varios milhares de me tos de massas rochosas da porgio superior desses macigos de consolidagio antiga cuja tendéncia epi- a positiva tem sido permanente desde a sua formasio até nossos dias. Dai a presensa de grandes extensdes de rochas granitizadas, em nossos terrenos ‘arqueanos, ¢ a relativa auséncia de provincias mine- ralogenéticas ponderiveis. Entretanto, para com- pensar essa pobreza do subsolo de uma grande area de nosso pais, os terrenos tidos como proterozoicos, assim como alguns outros referidos imprecisamente a0 Paleozoieo inferior, apresentam um quadto de ri- queza inteiramente diverso e muito mais satisfatorio sob 0 ponto de vista econdmico. Sob o ponto de vista estrutural, que mais de perto nos interessa, cumpre dizer que a estrutura de nossos terrenos proterozoicos & das mais pertur- badas. Devido a intima ligagio dos campos de pes quisa, os estudos estruturais e tectdnicos, que estio sendo feitos sobre 0 Arqueano, estendem-se aos terrenos tidos como proterozoicos, Durante muito tempo, foi quase impossivel separar as formacdes pré-cambrianas mais recentes das mais antigas, vigo- rando to somente um impreciso critério de grau de metamorfismo ¢ cristalinidade, devido & escassez. de estudos especializados e & dificuldade para se encon- trar contatos e discordancias geol6gicas em areas su- jeitas a uma decomposigio profunda ¢ universal das rochas. Dai, por muito tempo, as massas dominante- mente granitico-gndissicas terem sido reconhecidas ‘como argucanas, enquanto as dominantemente talofilianas eram colocadas pura e simplesmente no Proterozoico, Felizmente, nos tiltimos anos, vem-se processando uma verdadcira revolugdo nos estudos do Pré-Cambriano brasileiro, em continu: estudos ja mais antigos de Djalma Guimaraes ¢ Al- berto Ribeiro Lamego. Desta forma, gragas aos es- ‘tudos de Octavio Barbosa, J. N. Dorr II, Heinz © Georges Frederick Rosier, na regio centro-sul de Minas e no Estado do Rio de Janeiro, é de se prever © estabelecimento de uma nova seriacdo para as di- versas formasées pré-cambrianas do Brasil Sudeste, assim como melhores conhecimentos para se escla recerem os efeitos da /ecténica residual, que parece ter sido particularmente ativa na elaboracio do relevo desta parte dos macigos antigos brasileiros. Indiscutivelmente, 0 estilo da tecténica an- tiga de nossos terrenos pré-cambrianos mais mo- dernos é bem mais facil de ser reconhecido no campo que 0 das estruturas propriamente arqueo- zoicas. Trata-se de feixes de xistos ¢ rochas cristalo~ filianas, dispostos em dobras isoclinais de diferentes graus de compreensio, contendo eventualmente sequéncias de camadas incompetentes amarrotadas na forma clissica de “sanduiches” — 0 conjunto em sgeral apresentando-se bastante corroido e desgastado pelos ciclos erosivos pré e pés-devonianos. Batélitos € stocks graniticos, assim como micleos de graniti 2asio, posteriores 4 formasio dos xistos e contempo- rineos 4 orogenia que criou os dobramentos, formam compos intrusivos dentro da massa de rochas crista- lofiianas (xistos de diversos tipos, filitos, quartzitos, calcérios metamérficos, marmores, anfiboloxistos ¢ cornuabinitos). Por seu turno, as formagdes paleozoicas infe- riores, dobradas ou ligeiramente deformadas, encra~ vadas no dorso dos velhos escudos, possuem estru- tura mais simples (suaves sinclinais ¢ anticlinais), ¢ de mais ficil identificago no terreno, Tais for ces, dominantemente epimetamérficas, porém nao. exclusivamente, estio via de regra anexadas as for macGes mais antigas dos escudos, deles participando como outros tantos maciges antiges, ora aplainados, ora rejuvenescidos. Quando fortemente reentalhados, dio origem a relevos de tipo apalachiano. Tal como acontece em alguns setores do centro da Bahia, do centro-norte de Mato Grosso da porgio oriental de Santa Catarina’, Em Mato Grosso,a SW do P. tanal, tais formagdes se apresentam sob a forma de notiveis montanhas-em-bloco, conforme bem as ca~ racterizou Fernando M. de Almeida. ‘Tais fatos redundam numa extrema variedade de resisténcia para a sequéncia de rochas que com- poem nossas formagées proterozoicas ¢ paleozoicas inferiores e num estimulo constante para a atuagao da crosio diferencial. Na realidade, ai, mais do que nas reas granitico-gndissicas, multiplicam-se os casos de influéncias estruturais ligadas & ossatura ro chosa da regiao, criando-se bizarras formas de cristas ¢ escarpas salientes, num arremedo constante dos re- levos ditos apalachianos. E de se notar que, nas areas tropicais imidas do pais, os processos morfoclims- ticos conseguem aperfeigoar ao extremo alguns tipos de relevos esculturais (tais como os “mares de morros” da Bacia do Paratha), sendo, porém, impotentes para rmascarar as linhas das estraturas antigas das rochas cristalofilianas, tal como € o caso das montanhas da zona auroferrifera de Minas Gerais. Em ambos os sos, porém, a andlise de fotografias aéreas verticais tem contribuido para esclarecer o rumo geral das di- regdes estruturais, a padronagem das redes hidrogré- ficas e suas relagGes com o quadto geral dos relevos. Francis Ruellan™ sintetizoumuitobemoestado atual dos conhecimentos sobre as direcGes estruturais dominantes no Escudo Brasileiro. Utilizando-se de denominasdes novas ¢ incorporando denominagoes ja utilizadas pelo geélogo B. Choubert em relacéo 2 Guiana Francesa, aquele geomorfologista francés estabelecen o seguinte quadro de diresées estruturais pré-cambrianas para a ossatura do Escudo Brasi- leiro: 1. Diregdo Brasileira (NE-SW - NNE-SSW); 2. Diregéo Caratba, de Choubert (NW-SE); 3. Di- regio Sanfranciscana (N-8); 4. Diregdo Amazinica (E — W), que aparece localmente no Nordeste Brasi Ieiro e no sudeste do Rio Grande do Sul A dizegio WNW-ESE que, na lista organ zada por Ruellan, ocupa o primeiro lugar, foi des: coberta por B. Choubert na Guiana Francesa e referida como sendo a mais antiga; tal ditegZo estru- tural, “atualmente quase apagada’, poderia receber ‘nome de protoamericana, caso seu carter de tiguidade um dia for comprovado em definitivo. E de se prevenir, entretanto, que no Brasil Central se observa localmente a direcao WNW-ESE em est turas dobradas outrora tidas como pertencentes 20 + AbSaber, Aziz Nacib. ‘O planalto dos Parecis, na re sito de Diamantino’, 1954. — Almeida, Femando FM. de. “Geomorfologia da regiio de Corumba’, 1943 (¢) “Geologia do sudoeste mato-grossense”, 1945. — Demangeot, ean. "Pro blémes motphologiques du Mato sso central", 1960, %* Rucllan, Francis. O Bicudo Brasileiro ¢ ot dabramentos de fundo, 1952, pp.27-30, Paleozoico inferior as quais, mais recentemente, alguns geélogos tendem a aplicar uma idade pro- terozoica superior ou, quando muito, eocambriana. Alias, continua a ser muito grande a imprecis’o na datagao das formagdes pré-devonianas, dobradas ou ligeiramente dobradas, referidas vagamente ao Pa- leozoico inferior (séries Bambui, Itajai, Bodoquena, Marica etc.) No Rio Grande do Sul, como no Uruguai, do mina a diresio tecténica antiga NNE para as for macées metamérficas e gndissicas do Escudo Uru- guaio-Sul-Rio-Grandense. A este rumo tecténico bem marcado talver, se pudesse denominar diregao uruguaia. Deixando de lado a anilise das condigées es truturais e passando ao estudo dos quadros morfol gicos propriamente ditos, cumpre-nos dizer que os macigos antigos brasileiros ou se apresentam sob a forma de planaltes cristalinos sitaados em abdbadas de bombeamento ou dorsais dos escudos, postadas entre as grandes bacias paleomesozoicas ou meso- zoicas, ou se destacam localmente como cristas re~ juvenescidas ow areas de relevo energético, levado uma ‘ou mais vezes ao estigio de dissecagio clissica de maturidade, Na maior parte das vezes, as verdadeiras montanhas cristalinas correspondem as bordas dos planaltos ou a zonas de maior exaltasio tectdnica, onde aparece densas redes de diiclases ¢ eventuais falhas, ou, ainda, a area de grande variedade litol6~ ica ¢ estrutural, onde eventualmente se fazem sentir os efeitos de uma fecténica residual. Desta forma, a despeito de néo possuir re~ levos acentuados, de tipo alpino-himalaio, o Planalto Brasileiro apresenta relativa complexidade em suas formas topogrificas, fato vilido especialmente para as areas de exposigio de terrenos pré-devonianos ¢ pré-cambrianos. Ha, ai, verdadeiras montanhas reju- ‘venescidas, com cristas salientes e redes de drenagem complexas, as vezes de tipo apalachiano. Nao faltam, por outro lado, grandes e espetaculares escarpamentos, situados em reas litorfineas e sublitoraneas, tais como as serras do Mar e da Mantiqueira, oriundas, pelo menos em parte, de fendmenos tectonicos relativa~ mente modernos, que determinaram fraturas e falhas para aquclas massas cristalinas rigidas ¢ antigas. A frequéncia do nome “serra” na nomencla~ tura geogrifica popular do Brasil, por si s6, indica as asperezas de certas areas de relevo dos macigos an- tigos rejuvenescidos do pais, a despeito de uma ine- givel extensfo errdnea do termo. Na verdade, os ma cigos antigos brasileiros incluem areas de topografia maciga e pouco acidentada e areas de alto grau de movimentagao de formas de relevo, Dai, conforme hhébil distingao adotada por Aroldo de Azevedo", ser Azevedo, Aroldo, “O Planalto Brasileiro eo problema dda classificagio de suas formas de relevo", 1949. 10 possivel distinguir serras cristalinas e planaltos crsta~ Finos no relevo de tais macicos de consolidagao antiga, sobrelevados ¢ deformados em periodos mais recentes. Quando no se trata de planaltos cristalinos, relativa- mente bem preservados, ¢ nem tampouco de verda deiras serras cristalinas, salientes e dotadas de certa orientagio, através de cristas, espigées e espordes bem marcados e acidentados, aplica-se as vezes 0 expressivo nome de regido serrana, 0 qual, para tais formas inter: mediarias de montanhas tropicais brasileiras, possui menor mimero de inconvenientes. No caso, trata-se de Areas cristalinas de relevo enérgico, em geral ca~ racterizado por “mares de morros” mamelonares, onde 0s processos morfoclimsticos tropicais timidos de al- titude rendundaram numa cscultura muito especial, ainda que permanegam mal conhecidos os processos dinamicos ¢ as interferéncias paleoclimaticas mo- demas que responderam pela sua génese. As verdadeiras serras cristalinas brasileiras sio aquelas que correspondem a cristas de rochas resis~ tentes reuvenescidas, is escarpas de falbas ou de inka de _falba, 208 planaltos em bloco transformados em macigos acidentados, assim como aos altos divisoresd’dgua me- hor definidos ¢ dotados de maturidade marcante em suas formas de relevo, Entretanto, até mesmo as es- carpas estruturais das bordas de bacias sedimentares soerguidas eo que é mais incrivel, alguns interfhivios tabuliformes, recebem 0 pomposo nome de “scrras”, desdobrados ao extremo, numa rica e confusa topo nimia local, que desespera gedgrafos e viajantes. A expressio mais usada no Brasil para espe- cificar as formas de relevo de pequenos montes, iso ados ou semi-isolados, existentes por quase toda a parte na fachada atlantida do pais, € 0 termo morro. Entre nés, morro € 0 monte arredondado que do- mina 0s vales com suas planicies e baixos terragos. E usado principalmente no sentido de um outeiro mais amplo ¢ clevado, de vertentes arredondadas ¢, por extensio, a todas as formas de relevo intermedistias, situadas acima das baixadas e abaixo das cristas re vesnecidas ou espigées divisores que, de preferéncia, sao chamados de “serras’. No Brasil tropical atlan- tico, o morro tipico tem a forma de um mamelio, devido @ decomposigio profunda de suas rochas a0 alto grau do aperfcigoamento de suas vertentes arredondadas. Dai, quando muito isolados, serem chamados de morros com a forma de “meia-laranja”. Por seu turno, quando dispostos em sucess4o maciga, sao designados por “mares de morros", cuja area pro- totipica é encontrada na Bacia do Paraiba do Sul. No caso particular do Rio Grande do Sul, os esbatidos macigos antigos regionais, pertencentes ao Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense, apre- sentam-se na forma de um baixo planalto cristalino de altitudes médias girando em torno 200-400 m, no qual se destacam algumas superficies ou niveis de erosio modernos, talhados abaixo do paleoplano exumado pré-carbonifero”. As cristas rejuvenescidas dos baixos planaltos cristalinos da regiao, correspon- dentes a corpos intrusivos expostos ou a barras de rochas duras, recebem 0 nome de cerros, enquanto se reserva para as colinas onduladas, esculpidas nos diversos niveis de erosio epiciclicos, 0 nome igual- mente popular de coxifbas. Entretanto, em relagio aos certos mais elevados e salientes, da tegiao de Pi- ratini, Cagapava e Lavras, aplica-se também o nome de “serras’, onde a expressio Serras de Sudeste, E interessante lembrar, porém, que a expressio morres no aparece nem mesmo nas areas mais acidentadas da porgio cristalina da Campanha. Pelo contrario, tal termo s6 aparece na faixa altamente festonada das grandes escarpas basiilticas rio-grandenses. Dc resto, ao sul desta zona serrana basaltica, impera 0 termo gaticho cerro para toda e qualquer saliéncia que se destaca acima do nivel geral das coxilhas. Os mais notéveis e salientes blocos de macig do territério brasileiro situam-se nas areas de bom- beamentos regionais bem marcados dos terrenos cristalinos do Planalto Brasileiro, ou seja, nos nit cleos sul-oriental e oriental, goiano-mato-grossense © nordestino do Escudo Brasileiro”*. Estas so as areas tetos dos macigos antigos brasileiros, enquanto as porcées médias ou baixas se distribuem pelo Escudo Sul-Rio-Grandense, porgo meridional do Escudo Guianense ¢ nticleos sul-amazénico, bolivio-mato: grossense e Gurupi, do Escudo Brasileiro. ‘As areas cristalinas antigas, situadas entre as grandes bacias sedimentares intercratonicas, ou S20 aplainadas segundo o plano aproximado dos chapa~ does interiores mais altos, constituindo altas superti- cies de erosio da categoria dos peneplanos sommicales, ‘ou si0 formadas por planaltos em bloco basculados ¢ ceventuais depressbes tectonicas, constituindo relevos policiclicos complexos e acidentados, cujas altitudes nnio raro ascendem 2 1.100-1.300 m, 1.800-2,000 m, quando nao excepcionalmente a 2.800- 2.900 m (Itatiaia e Caparas) O fato de os terrenos mais movimentados ¢ = Recentemente, rexaminando o problem em “Nétula sobre as superficiesaplainadas do Rio Grande do Su!” (1960), pudemos caracterizartrés dominios de supertcies, de alta par~ ticipagio nas paisagens gatichas: a superficie da Cazapaca do Sul, de tipo cimeira (450 m em Cagapava, 300 m em Porto Alegre); a.snperficie da Campanha, de tipo interplaniica, estendida por toda a depressio perilérica gaicha (150-220 m);e as superfices alvcolaresYcais (30-80 m),representadas por niveis de coxilhas baixas, embutidas descontinvamente nas coxilhas mais alt rmodeladas na superficie da Campanha Mendes, Josué Camargo, ‘Suimula da evolucio geolé- gica do Brasil’, 1945. — Azevedo, Atolio,“O relevs, as cstas¢ ‘as dguas continentas” (cap. TIL da Geografia Humana de Brasil p. 40-56), 1950 — Ab’Saber, Aziz Nacib, "Notas sobre a estrutura _geol6gica do Brasil”, 1955, escarpados do pais situarem-se nos rebordos sul- orientais do grande Escudo Brasileiro redundou em marcante assimetria para 0 corpo territorial do Planalto Brasileiro, Enquanto no Brasil Sudeste ele descai através de ingremes € gigantescas escarpas de falha, no sul da Amazénia ele se traduz por uma rampa suave e imperceptivel, que vai morrer abaixo das formagGes sedimentares do sinclinal amaz6nico. Mesmo na latitude de Sao Paulo ¢ Mato Grosso, 2 despeito de menos evidente, é flagrante a assime~ tria do Planalto Brasileiro: enquanto de um lado se encontram as terras altas da Serra do Mar e da ‘Mantiqueira, com grandes escarpas voltadas para o Atlintico, desdobram-se para o interior planaltos sedimentares, dispostos cm patamarcs succssivos ¢ em geral decrescentes, que vao terminar a altura do Pantanal Mato-Grossense, através de uma série de cuestas com o front voltado para o ocidente. A des peito de aflorarem terrenos cristalinos em faixas es- treitas ¢ irregulares a partir da base das cuestas mais avangadas, faltam ali acidentes que, em sentido si- métrico ¢ oposto, pudessem corresponder As escarpas dda Serra do Mar. E de se lembrar que a famosa Serra Negra do oeste-sudoeste de Goi, onde aflora lo mente 0 embasamento, abaixo de formagées devo- nianas cuestiformes, nao passa de um ressalto médio, através do qual se passa para o peneplano localmente evertido do alto Araguaia. Mais importante, porém, € lembrar que o perfil do Planalto Brasileiro, que se poderia tragar do Rio Grande do Sul ao sul da Amazonia, nos revela um gigantesco argueamento de grande raio de curvatura, denunciando a natureza das deformagoes tectonicas pés-cretéceas que res- ponderam pela formago desse excepcional bloco de continente. Desta forma, hé uma desigualdade mar~ cantee muito significativa,como ja o fizemos notar"™, entre os perfis do grande planalto, quer se leve em consideragio 0 sentido dos paralelos quer 0 sentido dos meridianos. tos sedimentares ¢ basdlticos no Brasil Os pl tenses consideriveis do territério brasi- leiro sao formadas por planaltos sedimentares, que se desdobram através de chapadies tabuleiros, pelo in terior do pais. Faz-se necessirio dizer, desde o inicio, porém, que em diversas regides os planaltos sedi- mentares brasileiros estio intimamente associados 2 edificios basélticos de grande extensio, fato que transforma alguns deles em éreas que comportam, a ‘um tempo, terrenos geolégicos sedimentares e canicos antigos. Na realidade, bem mais da metade das areas, sedimentares que recobrem 2/3 do territorio brasi- “ Ab'Saber, Aziz Nacib.“O relevo do Brasil (Introdusio ¢ Bibliogrsfia)", 1955, p. 4 ul leiro se apresenta na forma de planaltos tabuliformes, postados 2 diferentes planos altimétricos. Tais pla- tos, cuja estrutura geolégica esté na dependéncia direta das bacias sedimentares brasileiras (paleo ¢ mesozoicas, mesozoicas e cenozcicas), soerguidas a dife rentes altitudes por movimentos epirogénicos, apre- sentam sensiveis diferencas de feicdes geomérficas, ligadas as variagdes regionais de processos morfocli- miticos No interior do Planalto Brasileiro, destacam- se na categoria de grandes planaltos sedimentares: os chapaddes sedimentares e basdlticos da Bacia do Pa- rand-Uruguai (300-900 m); 0s chapadées dominan- temente sedimentares do Maranhao-Piaui (200-600 m);as chapadas isoladas no Nordeste Oriental (700- 900 m); as chapadas e os chapadées de Pernambuco da Bahia, igados & area sedimentar Jatob4-Moxot6 (400-800 m); os chapadoes da porgio ocidental da Bahia e do Espigio Mestre, na fronteira goiana (700-900); os baixos chapadées calcérios do médio Sao Francisco (500-650 m); e as chapadas centrais da area do Roncador e dos Parecis (550-700 m). E de se lembrar que, tanto nos planaltos sedimentares do Brasil Meridional, como nos do Maranhio-Piaui (porsao sul-sudoeste da bacia), é comum a presenga de derrames basilticos, tridssicos ou jurissicos, as sociados 4s formagdes sedimentares dos principios © meados do Mesozoico (respectivamente série S40 Bento e Formagio Pastos Bons). © Planalto das Guianas, 10 contritio do que acontece com 0 Planalto Brasileiro, até ha pouco tempo era tido como um bloco de macigos antigos, na categoria de velho escudo de terrenos pré-cam: brianos, praticamente destituido de capeamento sedimentar. Entretanto, se € que a porgao Brasileira do teferido planalto € menos sedimentar do que a rea vizinha do territério venezuelano, ponderével € a extensio de terrenos sedimentares mesozoicos nos altos das serras divisorias entre o Brasil, a Vene- muela e as Guianas. De hi muito, os geélogos norte- americanos ¢ venezuelanos constataram a nature7: sedimentiria do Monte Roraima (2.875 m), 0 qual parece ser formado por um alto pacote residual de sedimentos tridssicos, bastante consolidados, rma nescente de uma bacia sedimentar mesozoica, hoje muito desnudada no setor brasileiro, Cumpre lem: brar, por outro lado, que nos confins setentrionais do Planalto das Guianas, em nosso territério, des- ‘tacam-se chapaddes sedimentares, em patamares in~ clinados e sucessivos, na zona que precede o famoso Roraima, Trata-se de sedimentos ainda nao datados, a despeito de terem suas ocorréncias sido constatadas campo, jé ha algum tempo. Por iitimo, nessa discriminagao rapida dos di- versos planaltos sedimentares brasileiros, temos que referir os tabuleiros areniticos que recobrem extensa faixa da zona litorinea ¢ sublitorinea do Leste, do 12 Nordeste ¢ do Norte do pais, assim como a gran rea de baixos platés que penetra fundo ¢ extensi vamente pela Amazénia Brasileira, Trata-se de uma enorme extensio de colinas tabuliformes oriundas da sobrelevacao das formasdes areniticas ¢ areno- argilosas dos fins do Terciario. Tais depésitos, de origem marcadamente terrigena (fluviais e lacustres) formam uma boa parte das terras firmes amazénicas ¢ o cinturao extensfssimo dos tabuleiros costeiros existentes por mais da metade de nosso litoral, na forma de antigas planttiescosteiras levantadas Na minguada linguagem geografica popular do Brasil, destacam-se como termos habituais para designar as formas de terrenos de nossos planaltos sedimentares, as palavras: chapadas, chapadoes, tabu- Leiros e coxithas, enquanto para os mortos-testemu- nhos isolados se empregam termos outros, aos quais faremos referéncias no estudo especial do relevo de cuestas, E assim que a todos os tipos de grandes “mesas” ou “mesetas”, dotadas de ladeiras ingremes © topo plano, se reserva 0 expressivo nome de cha- ‘pada, mais usual no Nordeste do que em qualquer outra parte do pais. Entretanto, devido a existéncia, em Areas cristalinas, de plainos elevados, oriundos de fendmenos erosivos antigos, é comum na Bahia eno Nordeste a aplicasio errénea do termo chapada a areas ndo sedimentares (como, por exemplo, “Cha- pada” Diamantina, “Chapada” da Borborema etc.) fato contra 0 qual todos os pesquisadores brasileiros tém insistido nos tiltimos anos. E de se lembras, por outro lado, que as ingremes ladeiras que limitam as chapadas sio designadas invariavelmente por “serras’, em fungio da ruptura de declive por clas apresentadas e das asperezas naturais que as mesmas reservam para a circulagao. Jé em relagao as altas pla- taformas estruturais, de topo relativamente plano, desse tipo brasileiro e nordestino de mesas ¢ me- setas, reserva-se o nome de has. As chas, portanto, nada mais sio do que plataformas interfluviais que coincidem grosso modo com plataformas estruturais horizontais ou sub-horizontais. Pelo termo chapadéo entende-se algo de menos preciso ¢ de perfil menos esquemitico do que a imagem visual comumente associada ao termo chapada, Cumpre lembrar que 0 termo chapadao 6 pode ser considerado um aumentativo real do termo chapada, apenas no sentido de indicar ext ses maiores e mais continuas de formas macigas ¢ onduladas de relevos tabuliformes. No caso, nio s trata mais de “mesas” de silhueta classica, mas tao so- mente de relevos mesetformes, tabulares suavizados, dissecados por uma trama de drenagem bem mais densa ¢ mais perene. Na realidade, em Sio Paulo ¢ no Centro-Oeste, os chapaddes nada mais sio do que alongados interflivios de planaltos sedimen- tares, situados em altos e suaves espigées divisores le de cursos d’égua semiparalelos. Por seu turno, ali se aplica o termo chapadio a formas de terrenos sedi- mentares ou basilticos, onde as plataformas inter~ Aluviais coincidem grosio mode com as plataformas interfluviais, mas em que as vertentes em geral nao sio marcadas por ladeiras ingremes ou por cornijas salientes. Tanto assim que, para os alinhamentos de escarpas estruturais que separam os largos patamares desses planaltos sedimentares, reserva-se o indefec tivel e amorfo nome de “serras” ("Serra” de Botucatu, “Serra” da Esperanga, “Serra” do Caiapé, “Serra” de Maracaju etc.). Ao contritio, os verdadeitos cha~ padées possuem vertentes suavizadas, quando nao se desdobram em macigas e altas ondulagdes, a se perder de vista, refletindo a agao de processos morfo- Climaticos tropicais e subtropicais imidos de altitude, em dreas de rochas sedimentares e basalticas. Nesse sentido, € ficil compreender-se que as verdadeiras chapadas do Nordeste estao ligadas a processos mor- foclimaticos especiais, de tipo equatorial e subequa: torial semistido. No Rio Grande do Sul, em pleno planalto basiltico da porcao norte do Estado, os cha padoes regionais tomam 0 nome de altas coxilhas ou “coxilhas grandes”, por uma extensio compreensivel de um termo muito arraigado na nomenclatura da Campanha Gaticha. m verdade, por coxilhas, no extremo sul do pais, entende-se o dominio das baixas colinas, de re- evo relativamente movimentado, esculpidas indife~ rentemente em terrenos sedimentares, basilticos ou cristalinos. Trata-se de areas de relevo baixo, porém colinoso e ondulado, onde os processos morfoclima- ticos subtropicais timidos criaram vertentes na forma a superficie irregular de uma “cesta de ovos”, Entre~ tanto, na realidade, a palavra caxilba, termo gaicho tipico, esta ligada a ideia visual fomecida pelo perfil encurvado da ponta final de um facdo, muito em: bora seja uma velha tradigao da cartografia uruguaia cc gaticha empregi-lo para designar 0 conjunto de colinas que participam da condigéo de interflivie ou de divisor d'aguas regional”. A despeito de ser usado indiferentemente para designar formas de relevo on- dulado, tanto nos baixos niveis do planalto cristalino uruguaio-sul-rio-grandense, como em relag3o. 20 reverso das cuestas basilticas do oeste-sudoeste da Campanha Gaticha, o mais belo cinturdo de coxilhas do Rio Grande do Sul é encontrado ao longo das depressoes periférieas que envolvem o Escudo Sul- Rio-Grandense pelos seus quadrantes interiores. Alias, 0 mesmo acontece com 0 termo cerro, tipico da Campanha, em geral aplicado a todas as salién- clas que rompem a monotonia das coxilhas, salien- = As ladeiras das vertentes das coxilhas si0 denomi: anadas /ombar no Rio Grande do Sul. Em outcas areas do pais, predominam os termos encosta ou ladeira para os declives das tando-se acima da superficie geral das mesmas, quer se trate de frentes irregulares de cuestas festonadas, de morros-testemunhos isolados (is vezes também chamados de guaritas) quer de cristas rejuvenescidas ou de relevos residuais existentes no interior do Es cudo, Sob 0 ponto de vista geomorfolégico, nio menor a dificuldade para classificar planaltos se~ dimentares brasileiros. Em conjunto, trata-se dos planaltos mais expressivos do pais, coincidindo, de perto, com aquilo que Paul Macar™* chamou de planaltes tipicos, 0 que & valido principalmente para ‘com 0 sctor central das grandes bacias sedimentares brasileiras, soerguidas de algumas centenas de me- tros pelo levantamento pos-creticco. Entretanto, em muitos dos seus bordos, eles se comportam como planaltos ligeiramente empenados (silted plateaus), Yinitados por alinhamentos de altas es carpas estruturais. Desta forma, em diversas areas do pais, tais planaltos talhados em camadas ligei- ramente inclinadas (monoclinais ou periclinais), se desdobram em largos patamares, separados por es carpas sucessivas de tipo cuestiforme, adquirindo © aspecto da paisagem morfolégica que os geé- grafos alemies reconhecem sob a designasio de Schichtstufenlandschaft (paisagem de camadas em de- graus). E de se lembrar, por outro lado, que os pla- naltos oriundos do soerguimento das grandes bacias sedimentares gondwanicas do pais (paleo © meso- zoicas) adquiriram o aspecto geral de grandiosas nested saucer basin, soerguidas a algumas centenas de metros, ¢ as quais permanecem amarradas ao carter periclinal centrfpeto dos estratos que respondem pela sua estrutura. Trata-se da unidade geomérfica a qual O. D. Von Engeln™* denominou “open basin with centripetal dip”, ¢ a qual foi reconhecida no territério brasileiro por Edward Berry em relagio 4 Bacia do Parand ¢ a Bacia de Jatobi-Moxot6. Na realidade, tais bacias, cujos bordos se definem por cuestas concéntricas de front externo, apés 2 atuacao de fendmenos de circundesnudagao, estio bem presentes nos terrenos sedimentares e basélticos brasileiros, como em relagio 4 Bacia do Maranhio- Piaui. Na area da Bacia de Moxoté, posto que lo- calmente vilida a identificagao de E. Berry, existem outros fatos a considerar, destacando-se o problema da arca de recorréncia sedimentar que se processou entre as diversas deformagdes sedimentares meso- zoicas do interior do Nordeste Oriental brasileiro Desta forma, alias formagdes sedimentares, ao invés de terem sido envolvidas por macigos antigos, em certo momento geolégico chegaram @ envolver 0 “* Macar, Paul. “Principes de Géomorphologie Nor male", 1946, p12, Engeln, O.D. von, “Geomorphology”, 1942, p.62. 13 Planalto da Borborema pelos seus quadrantes inte~ siores, vindo a contribuir, mais tarde, para a génese de um cinturdo de chapadas isoladas dispostas grosso ‘modo na forma das cuestas concéntricas de front in- temo, como jé 0 destacamos*. Nao € preciso muito esforgo para se saber que, no concernente A fertilidade natural dos solos, a area de planaltos basalticos e sedimentares do pais ocupa um lugar privilegiado. A despeito da posigao relati vamente interiorizada da maior parte deles e do as- pecto tardio do seu povoamento e ocupacao do solo, em suas terras € que se situam as principais areas de produgao agricola do Brasil. Entrctanto, no conjunto desses planaltos existe uma desproporcional érea de solos pobres, correspondentes as cnormes extensées de arenitos das formacies paleozoicas, mesozoicas cenozoicas. Hi, sobretudo, uma caréncia enorme de calcétios na sequéncia das camadas que compdem a grande maioria desses planaltos sedimentares brasi- Jeiros. Somente as grandes manchas de terra roxa € que, onde quer que se encontrem, imprimem a marca de uma excepcional riqueza edéfica a esses planaltos tropicais e subtropicais de nosso pais Por fim, queremos fazer uma observagio mar- ginal aos tipos de redes hidrograficas peculiares 20s planaltos sedimentares brasileiros. Domina, no inte: ior desses planaltos, um tipo de rede hidrografica de tipo paralelo ou subparalelo para com os rios médios ¢ principais, enquanto os pequenos afluentes e ramos menores da drenagem formam padroes dendriticos. A dentrificagao, por seu turno, é tanto maior quanto mais tmido e chuvoso for o clima e menos perme- vel o conjunto das rochas regionais. Em relagao a0 conjunto das redes hidrogréficas, que se superimpu- seram as grandes bacias sedimentares brasileiras, do- minam arranjos grosso modo centripetes (Bacia do Rio Parand, poredo superior dos rios piauienses e mara nhenses, rede hidrogrifica da Amazonia ocidental) Nas zonas semidridas do norte e oeste da Bahia, os padres de drenagem paralelos adquirem um grau de aperfeigoamento notavel. Enquanto isso se dé, nas dreas basilticas (que, por sinal, coincidem com regides tropicais e subtropicais timidas), a tendéncia para uma passagem entre a padronagem paralela ea dendritica & sensivel por toda a parte. Lembramos, para terminar essa visio panord- mica dos planaltos sedimentares ¢ basalticos bras leiros, que 20 estudo das escarpas estruturais que mitam as bordas dos aludidos planaltos, assim como Aandlise das grandes depressdes periféricas situadas em suas margens, dedicaremos subcapitulos especiais, no presente estudo. Identicamente, esclarecimentos maiores serio dados a respeito dos baixos planaltos ‘AbSaber, Ariz Nacib, Regises de circundemnudasio ‘pér-creticeas, no Planalto Brasileiro", 1949,"O relevo do Brasil ntradusdo e Bibliografa)", 1955, "DepressBes periféricas e de- presses semivdridas no Nordeste do Brasil”, 1956. 14 areniticos amazdnicos ¢ litorineos no subcapftulo que se refere As terras baixas brasileiras As terras baixas brasileiras: planicies e tabuleiros O fato de 40,76% do relevo brasileiro se en- contrar em zonas hipsométricas inferiores a 200 m serve bem para dar uma ideia da grande érea ocupada pelas terras baixas, no conjunto territorial de nosso pais. Trata-se, no caso, de uma superficie de quase trés © meio milhées de quilometros quadrados de terras baixas, repartidos pela Amaz6nia, o Pantanal e as faixas litorancas ¢ sublitorancas orientais do Brasil. Note-se que a area efetiva dos baixos platds arenosos (tabuleires), amazénicos ¢ costciros, perfa, um total muito maior que o das verdadeiras planicies. Entre~ tanto, nio existem dados para um calculo mais ob- jetivo a respeito da porcentagem ocupada por esses dois tipos de terras baixas brasileiras, A repartiggo geogréfica das terras baixas bra- sileiras & bastante significativa. Enquanto os aixes (platés arcnosos se situam apenas na Bacia Amazénica na faixa litoranea e sublitoranea do Leste e Nor- deste do pais, as verdadeiras planicies, independente~ mente de sua grandeza espacial, aparecem nas mais diversas de nossas regiées geogrificas. Nesse sentido cumpre lembrar que, além das trés areas tradicionais de grandes planicies no Brasil — a Amazénica, a do Pantanal ¢ do Litoral —, existem pequenas planicies esparsas, situadas em numerosos trechos e comparti- mentos dos rios de planalto brasileiros, em posigoes altimétricas as mais variadas. E de se lembrar que tais planicies aluviais, por serem de pequena extensio, posto que inumeriveis, em geral no séo compu: tadas nos céleulos de conjunto a respeito da area das planicies brasileiras. A rigor, portanto, quatro sio as reas de planicics do nosso territério, por ordem de grandeza e pela continuidade ou descontinuidade ¢ homogeneidade de suas modestissimas formas de relevo: 1. planicie do Pantanal, 2. planicie Amazénica, 3. planicies costeiras, 4. planicies aluviais de comparti~ iméntes de planalto, Nesse quadro geral das terras baixas brasileiras no estio incluidas algumas unidades de relevo, de carter a um tempo ciclico e morfoclimatico, repre sentadas pelos pediplanos nordestinos, 0 pediplano do alto Rio Branco, ¢ os pediplanos gaticho c cuia~ bbano, os quais methor se enquadrariam no grupo das areas de relevo de amplitude topogestica similar & dos baixos plats arenosos amazdnicos € leste-nor destinos. Em qualquer classificasio geomorfol6gica, de maior detalhe, tais areas de pediplanos intermon- anos ou baixos peneplanos interiorizados deverio ter © seu devido higar, enriquecendo 0 mostruério dos tipos de terras baixas brasileiras. Na presente oportw: nidade, porém, trataremos tdo somente da fisiografia dos baixos platds arenosos e das verdadeiras planicies Serre Marumbi Alto de Bia Visto err ainass ine seitiaan ge ere Mohae de ahs spe aegis Se 2st N80" E Fata raninrsone NASW @ HW Arittes magesticos a.—Viste parcial da escart tspipio cofericerro hada Afe/ Serra da hreta Serra Meretatasquere [ne nooqvere an Norra dotegistra T Faronagus | Mogreter ri b. — Vista parcial da escerp Panorama da Serra do Mar no Esi a 1547m de altitude s.n.m. por Ré Serra Farinke Séca Sera da Graciose + Serra loteragsire Serre cas Orgsos) as Conavieiras Morro Resjedo Serra fgueritim Serre golebo Morrotedo Sena eaiyraya ‘Serra as Casteihonos Sorradrproghara. | Sera Araratuce ae da planicie litorénea, entre Fe SW ‘ado do Parand, tomado do Pico do Marumbi, 2inhard Maack, eng? gedlogo. brasileiras. A maior rea de terras baixas do pafs, indi cutivelmente, € a amazénica, a qual inclui vastos trechos de planicies de imundagio 20 lado de uma rea maior ainda de baixos platés arenosos. Trata-se de um grandioso anfiteatro de terras baixas, enca cerado entre o arco interior das terras subandinas € © Planalto das Guianas e o Planalto Brasileiro. Na verdade, a por¢ao ocidental das terras baixas amaz6- nicas como que executa uma colmatagem extensiva da depressio centro-ocidental da Bacia Amazénica, localmente alargada pela encurvatura dos Andes c lombianos, peruanos ¢ bolivianos, Infelizmente, nao existe um mimero suficiente de estudos sedimentolégicos, de cariter regional, sobre a Série Barreiras, em sua porgdo amazbnica, {que € a principal responsavel pela massa de depésitos dos tabuleiros regionais. Nesse sentido, assumem particular importancia as observasées ¢ conclusdes de Sérgio Estanislau do Amaral” a respeito da Série Barreiras no Vale do Rio Tapajés. Tecendo conside- ragdes a respeito da faciologia dos afloramentos que estudou, diz. aquele autor: “Quanto as rochas, pre~ dominam silticos argilosos vermelhos e, subordina~ damente, arenitos médios e finos com estratificagio cruzada. Sao raros os conglomerados ¢ ausentes os sedimentos quimicos. Os sedimentos s4o continen- tais aquosos, predominando o regime lacustre”. Por outro lado, ha referéneias vagas sobre 0 ambiente dlimético que presidiu & deposigao, pensando alguns especialistas que o clima da época se aproximava dos climas tropicais de savana, conforme informacao que nos foi transmitida por Octavio Barbosa. A presenga de cimento cineritico nos depésitos estudados por Sérgio Estanislau do Amaral demonstraria a inten- sidade do vulcanismo andino na época. Desta forma, no caso dos sedimentos pliocé niicos amaz6nicos, através dos aspectos mais gerais de sua facies, ¢ pela posigao geogrifica das camadas no anfiteatro amaz6nico, pode-se pensar numa paleo- geografia de lagos e em fases eventuais de deposicao, fluviolacustre, pds-miocénicas, para a regido. A ex- pansdo e o relativo espessamento das camadas plio- cénicas devem estar ligados 2 um comportamento tectdnico de subsidéncia discreta, que teria origi- nado gradualmente aquela enorme ¢ rasa depressio continental situada entre os Andes ¢ os planaltos brasileiro e guianense. Teria sido uma das tltimas manifestagdes da subsidéncia tendencial que sempre afetou a sinclinal amazénica. E de se lembrar que, no Mioceno, conforme documenta a Formasao Pirabas, ‘os mares rasos ainda estiveram por enormes faixas da bacia sedimentar regional, enquanto o resto do Planalto Brasileiro e o Planalto das Guianas perma * Amaral, Sérgio Estanislau, “Nota sobre p65", 1954, p. 29, rie Bar reiras no Vale do Rio'Ta} neciam exondados, em franca fase denudacional. 0 tectonismo quebrantavel que criou a Fossa de Ma- 1aj6 contribuiu para o espessamento local das forma- es miocénicas, afetando depois, a0 que tudo leva a crer, a sedimentagao pliocénica, que a seu término tamponou extensivamente a fossa anteriormente formada. Os rios sul-amazénicos ¢ andinos foram os maiores responsiveis pelos depdsitos arenosos da Série Barreiras na Amazinia, tendo descarregado seus de- tritos nos lagos da Amazénia ocidental durante todo © tempo em que a regiao sofreu subsidéncia ativa, posto que moderada. O aspecto marcadamente cen. tripeto dos cursos d’agua amazénicos em sua porga0 centro-ocidental, como ja o destacamos, pode indicar € sugerir tais ideias paleogeogréficas. Desta forma, ‘0 amplos lagos pliocénicos da Amazénia ocidental serviram de nivel de base interno para os tios prove~ nientes do Planalto Sul-Amazénico, do Planalto das Guianas e dos Andes. Entretanto, mesmo para com 2 porgio oriental e atlantica dos depésitos pliocénicos da Bacia Amazénica, dominaram condigées sin lares, parte lacustres ¢ parte fluvioaluviais ¢ fuviais, como o demonstram os depésitos de seixos rolados inclusos na Série Barreiras, no nordeste do Para. A se~ dimentagio ali, como em outras areas, parece ter sido durante muito tempo Jacustre ¢ fluviolacustre, vindo a fechar-se sob condigées dominantemente fluviais, 0 que é um fato importante, j4 que os rios que se es- tabeleceram ao fim do ciclo deposicional pliocénico foram exatamente aqueles que, no Quaternario, exe cutaram o entalhamento a dissecasio do conjunto de sedimentos anteriormente formados. © levantamento de conjunto, pés-pliocé- nico, assim como os abaixamentos eustiticos do nivel de Atlintico ¢ 0 consequente afastamento das embocaduras antigas mais para leste, a par de provaveis modificagdes climaticas, facilitaram a su- perimposisio hidrografica do Amazonas ¢ de seus affuentes no dorso da gigantesca planicie lacustre € fluviolacustre dos fins do Terciério. Iniciou-se, desta forma, o entalhamento epiciclico da Série Barreiras, documentado pelos baixos terracos existentes nos mais diversos trechos dos tabuleiros regionais. As pequenas “mesas” do baixo Amazonas constituem importantes relevos residuais a documentar a forte desnudagio pés-pliocénica que afctou a regido ¢ sugerindo, outrossim, uma ideia da espessura € ex- tensio antiga dos depésitos. iiltimo epiciclo erosive do entalhamento p6s-pliocénico coincidiu com a formagao das atuais planicies de inundacdo, que acompanham a calha do grande rio e de seus afluentes por alguns milhares de quilémetros, numa largura média variavel de 15 230 km. Observada de avido,& altura de 3 ox 4.000 metros, a planicie aluvial se destaca como uma larga esteira de sedimentagio em processo, embutida num 7 corredor de relevo estabelecido no dorso dos tabu: leiros que a ladeiam pelo norte e pelo sul. Enquanto planicie rasa nao se pode dizer quem domina—se € a gua ou se sio os depésitos modernos dispostos em faixas ¢ manchas irregulares —, nos tabuleiros as colinas se desdobram em maciga sucessio de baixos platis tabuliformes, inteiramente recobertos por fo- restas. Ali, apenas algumas suaves sombras dendri~ tificadas deixam entrever que, abaixo das copas altas das arvores que escondem os sulcos bem marcados de miniisculos vales, existe agua corrente atribuivel a riachos e eérregos. O grande rio € a tinica massa d’4gua mais larga ¢ definida no meio da gigantesca planicie submer- 18 sivel; 2 sua direita ¢ & sua esquerda, apés os diques ‘marginais, contimuos ou rotos e de diferentes larguras ¢ formas, estende-se um dos labirintos hidrogrificos mais intrincados de que se tem noticia, Nele pa recem estar representados todos os tipos conhecidos de pequenos ¢ rasos compartimentos das planicies de inundagao*, A todo momento, canais laterais en tram e saem de uma mesma margem (farands-mi rns), implicando a multiplicaso do mimero de ilhas marginais engastadas, enquanto inumeraveis canais de ligagao, sem correnteza definida, interligam os * Andrade, Gilberto Osério, “Puros, Paranés © Txa- rapés’, 1956. canais secundarios com lagoas de meandro em todos 0s estigios de colmatagem, assim como outros rios ¢ canais similares, Feixes de restingas fluviais de todos 0s tipos, intercalados por varzeas alagadas ou alaga- veis, assim como deltas interiores, diques arenosos longitudinais ou transversais ¢ bancos de areia dos mais variados tipos ¢ formas completam o esquema da drenagem da planicie, que, longe de ser um pa~ drao de rede hidrogrifica de planicies de inundacio, € como que uma associagao de todos os padtdes pe~ culiares a areas de sedimentagao fluvial em processo. No largo desvao talhado na Série Barreiras, entre 0 Amapa c 0 nordeste do Para, processou-sc, no Quaternério antigo, um afogamento eustatico, de certo vulto, que contribuiu para a geragéo de um delta moderno em cima da criptedepressdo de Marajé. de se crer que o golfio, ali criado pela invasio eus- titica da primitiva érea de embocadura da drenagem amazénica, preparou o terreno para a sedimen- tagio deltaica subsequente. Enquanto 0 Amazonas da época desaguava no fundo desse antigo golfo, 0 ‘Tocantins jogava suas aguas e sedimentos na borda sul do mesmo. A colmatagem deltaica dessas massas igua engolfadas na regio, efctuada sob condicdes climaticas especiais, redundou na formagio dos sedi- mentos quaternarios, pés-pliocénicos ¢ pré-holocé: niicos existentes na Ilha de Maraj6, regito de Belém areas vizinhas. A este golfiio amazénico do Plisto ceno se poderia aplicar 0 nome de Golfo Marajoara, que foi o maior de quantos foram criados durante © movimento eustitico responsivel pelo perfedo dos golfies da costa brasileira, conforme expressio por ‘nds proposta ja ha algum tempo". No ciclo atual, o delta anteriormente formado foi superimposto isregularmente por estudrios (em- bocaduras do Amazonas ¢ do Para), perdendo sua originalidade pela dissecagao intensa que sofreu du: rante um pequeno intervalo de tempo em que per maneceu exondado e sujeito a formacio de lateritos. A dissecagdo pés-deltaica deu oportunidade para a claboragao do nivel de baixas terrasos de Belém: Marajé™ E possivel que uma discreta fase de afoga- mento custitico, relativamente recente, se tenha processado apés a dissecacio fluvial das aluvides deltaicas da regido. Se isso for certo, as virzeas mo- dernas do baixo Amazonas seriam posteriores a essa derradeira ingressio marinha moderadissima que afetou a regiao e criou localmente pequenos teatros = AWSaber, Aziz Nacib, “A Geomorfologia do Estado de Sio Paulo", 1954, “Moura, Pedro de, “O telewo da. Amazénia", 1943, — Gourou, Piesre.“ObservagGes geogrificas na Amazinia’, 1943, — AbSéber, Aziz Nacib. “Contribuigio 4 geomorfologiz do Estado do Maranhio’, 1956, para a sedimentagio aluvial, num arremedo de deltas internos (como é 0 caso da regio ocidental de Ma- raj6, a altura de Breves) Note-se que os baixos terragos de Belém-Ma- raj6 constituer a mais importante extensio de (esos da porgao atlantica da Amazénia. Sob essa designagao entende-se, por quase todos os recantos da imensa planivie, os terrenos enxutos, ligeiramente mais altos que o nivel das planicies sujeitas & ago de inundagées periddicas ou anuais. Desta forma, fero€ sempre um aixo terraco aluvial, quer seja argiloso ou capeado por cangas. Eventualmente, 0 termo € aplicado a se~ goes de diques marginais interiorizados ¢ nio mais sujeitos & inundagio. Seu significado, as vezes, sec funde com o de firme ou terra firme, 0s quais, pot sua vez, sio aplicaveis aos tabuleiros e terragos médios, f fora de divida que a superimposicao hidro- gritica pés-Barreiras do Amazonas e seus afluentes se processou concomitantemente com o soerguimento de conjunto das camadas daquela formasio, tendo 0 grande rio e seus tributirios da Amazénia Ocidental se encaixado na forma de um enorme leque, com 0 cabo voltado para leste. Tudo leva a crer que, na st- perimposigio hidrogrifica inicial, nio tenha havido nenhuma injungio tecténica mais forte do que uma simples cxondago de conjunto para a Série Bar- reiras, acompanhada de suavissimos abaulamentos ¢ depressées epidérmicas na grande cobertura lacustre ¢ fluviolacustre, Desta forma, 0 coletor mestre fixou- se de oeste para leste, grosio mode na porsio centro norte da bacia, num ligeiro desequilibrio que reflete bem a maior riqueza das massas de aguas correntes dos afluentes da margem direita em relagio aos da ‘margem esquerda. Devido ao centripetismo da supe~ rimposigio da drenagem da Amazonia ocidental, é perfeitamente normal queos rios da margemesquerda caminhem de NW para SE ¢ os da margem diteita de SE para NW, nio nos parecendo procedente aideia de que os mesmos se tenham encaixado “segundo linhas gerais ditadas por um sistema conjugado de juntas ou falhas”, conforme sugestio de Hilgard O' Reilly Sternberg. Entretanto, a esse mesmo pesqui- sador se deve uma interessantissima constatagdo a respeito de uma interferéncia da tectdnica que brivel sobre os depositos da Série Barreiras, com influéncias pronunciadas para. a padronagem dos pequenos cursos agua que se expandiram pelos tabuleiros"™*, O diaclasamento dos depésitos tercidrios da Amazénia, numa fase posterior ao fecho da sedimentagio regional, € um fato incontestivel, “Stenberg, Hilgard O'Reilly. "Vales tectinicos na pla- nicie amandnica?", 1950, p. 515. 1 Vide o recente tratamento dado ao assunto por Jean Demangeot (in Observations morphelogiquer em Amazenie, 1960), 19 sendo absolutamente procedente a sua influéncia na trama da drenagem de alguns rios ¢ riachos dos ta- buleiros, nos termos propostos por Stenberg. Entretanto, cumpre nao exagerar o tema no. sentido de admitir reativagdes recentes ou em pro: cesso, ja que a drenagem esmagadoramente labirin- tica da calha central do grande vale tem todos os aspectos de um sistema inseguente instavel. Além do que, para massas de égua similares as do Amazonas, seria muito duvidoso admitir uma sensibilidade dos padrées de drenagem perante a acio de uma ligei- rissima sismicidade ndo habitual. A prépria ordem de grandeza das oscilacées do nivel da agua do Amazonas ¢ de alguns de seus afluentes esta a de- monstrar que o padrao de drenagem da grande pla~ cie de inundagdo regional nao poderia ter sofrido retoques por influéncias tecténicas. A adaptagio dos pequenos cursos d’égua dos tabuleiros arenosos 4 padronagem ortogonal das diaclases é de carter secundario, tendo-se realizado apés 0 encaixamento dos rios principais, segundo se pode deduzir pelo arranjo ortogonal das cabeceiras dos riachos que sulcam os aludidos tabuleiros. Por outro lado, essa adaptagio ou readaptacdo tardia da drenagem a um sistema regional de diclases profundas nio pode ceber, em hipétese alguma, a designagio de vales fectinicos, pois, no caso, se trata de uma expressio que tem um significado muito mais radical ¢ direto. ‘As quedas de barrancos das falésias uviais na regio amazénica, aludidas por Sternberg, sao fatos ligados 4 agio e interferéncia de diversos processos, entre os quais podem ser alinhados até mesmo as interferéncias ocasionais de raros movimentos sis- micos recentes. Tais movimentos, extremamente raros na regio, poderiam quando muito indicar es- corregamentos ¢ desmoronamentos de massas de compostas de ingremes “barreiras” fluviais, a0 longo Ge planos de fraturas metedricas ou profundas, através de uma espécie de apressamento de um pro: cesso tendencial Um segundo grande dominio de tabuleiros de ss0 territério situa-se na faixa costeira do Brasil Leste e do Brasil Nordeste. Sua posigao geografica € de uma significagio impar: tais tabuleiros litoraneos ¢ sublitoraneos funcionam como se fossem rema- nescentes, bem preservados, de um vasto cinturio de planities antigas ¢ continuas que rendilhavam a costa brasileira naqueles quadrantes. Nesse sentido, so dtimos indicadores do quadro paleogeogrifico de nossa fachada atlintica nordestina ¢ lestina, ao se findar 0 Terciario. Na realidade, a distribuigio geo- grifica dos depésitos da Série Barreiras nessas freas, ndependentemente das consideragdes paleoclima- ticas que presidiram 4 sedimentacao, sugere, de ime: diato, a ideia de que se trata de uma deposigio si- milar aquela que se processa nas planicies costeiras. E, se verdadeira esta assersio, indicaria, outrossim, 20 que as planicies litordneas e sublitoraneas do Leste e Nordeste brasileiros no plioceno teriam sido muito mais largas do que aquelas que hoje se observam no conjunto do litoral Brasileiro, Entictanto, os problemas geoldgicos ¢ geo morfolégicos suscitados por essa faixa de depésitos continentais costeiros do pais so inumeriveis. Do- minam, extensivamente, na massa de seus detritos, depésitos de origem marcadamente continental, fluviais, fluviolacustres ¢, eventualmente, lacustres Posto seja possivel a existéncia de lentes de deps- sitos marinhos costeiros, ninguém descreveu ainda tais ocorréncias dentro de critérios sedimentolégicos € morfoseépicos modernos. Os restos aparentes de depésitos de restingas antigas ou dunas adelgacadas, que se observam em Pernambuco, na rodovia que vai de Recife para a Paraiba, ainda nao mereceram 2 atengdo de especialistas, enquanto que o notivel conglomerado fluvial apresentado pela Série Bar- reiras, nas colinas que antecedem a regido do Cabo de Santo Agostinho, tem sido referido como dep6- sitos basais daquela formasio geol6gica" ‘A dominancia de facies continentais ao longo da Série Barreiras & sugestiva, parecendo indicar que os remanescentes atuais da sedimentasio plio~ cénica, na fachada atlantica brasileira, constituem as areas marginais interiores da planicie bem mais largas ali existentes, na época. E de se supor que a margem oriental da bacia original tenha sido bas tante crodida, de tal forma que a zona de deps- sitos, dominantemente fuviomarinhos ¢ marinhos, foi quase que inteiramente desgastada, restando a faixa de predominio franco de depésitos continen: tais. Dentro dessa interpretasio, pensamos explicar a génese dos depdsitos e das formas de relevo dos tabuleiros sem langar mio da hipétese do regime de fossas, que, durante algum tempo, dominou a paleogeografia regional do Cretéceo ¢ do Terciatio inferior. Por essas razées, é possivel caracterizar-se 0 relevo dos tabuleiros costeiros do Leste e do Nor deste como sendo um tipo especial de planicies costeiras soerguidas de nosso territério. E de se re- marcar que a evoluga0 geomorfoligica das mesmas obedece, rigorosamente, ao esquema descrito pelos tratadistas em relagio A génese e evolugao normal de todas as planicies costeiras: socrguimento das estru- turas homoclinais dispostas em rampas ligeiras na diregio do mar; superimposisio hidrografica através + Esse €0 pensamento do gedlogo Luciano Jacques de ‘Moraes a respeito do aludido conglomerado (observaso verbal ~ 1956). Jean Dresch, em seu recente estudo “Les problémes morphologiques du Nord-Est brésilien” (1957), refere os “con. aglomerados de seixos do escudo, de grosso calibre (até mais de 50 em de didmetro), muito rolados, que parecer pertencer base da formasao",

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