You are on page 1of 81
; mY CRIANC av SAIN A mL do paraiso A CRIANGA AOS 9 ANOS A queda do paraiso Idade de introspeccao e de mudancas internas profundas e decisivas Direitos desta edigdo reservados 4 Editora Antroposéfica L Rua da Fraternidade, 180 - 04738-020 - Sao Paulo Sp” www .antroposofica.com.br | editora@antroposofica.com.br Este livro tradugio da edicio inglesa, publicada et 7 the Self”, que foi traduzida da segunda edieao do eat ee Lebensjahr”, publicada em 1985, pela Philosophisch-Anthroposophischer ve a do Goetheanum, em Dornack, Suica, Para a sua atualizagdo, foram feitec oe tima edicio alem desta mesma obra, publicada em 1997, Por soln do autor, foram acrescentados os capitulos: “Queridos Pais”, da edigio onal mio, ¢“Uma Reunigo de Pais na Oficina”, e excluidos o capitulo da edigo inglesa, e o anexo “O Vigoroso Raio de Sol”, “Queridos Pais”, ‘Tradugio da edi lesa: Celia T. Bottura ‘Tradugao do alemao: Ute Craemer, Paula Bennink e Reinaldo Nascimento, Cotejo: Dr-Sérgio Spalter. Revisdo: Ute Craemer, Paula Bennink e Celia T, Bottura Projeto grafico e capa: Gabriela Sofia Antonio Fotografia da capa: Ricardo Telles ISBN 978-85-7122-221-2 2014 Reimpressio - 2016 Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Bri Koepke, Hermann ‘A crianga aos 9 anos: a queda do paraiso/ Hermann Koepke; {tradueio da edigio inglesa Celia T. Bottura; tradugao do alemio Ute Craemer, Paula Bennink e Reinaldo Nasciment ‘Sao Paulo: Antroposéfica, 2014 ‘Titulo original: Das neunte Lebensjahr: seine Bedeutung in der Entwicklung des Kindes. ISBN 978-85-7122-221-2 1.Antroposofia 2. Crianga - Criagio , Crianga - Desenvolvimento 4. Método Waldorf de Edueagao 1. Titulo, 3713 ipass4a: cDD-371.39) indices para catilogo sistematico: 1 Pedagogia Waldorf: Edueagio 971.39 A CRIANCA AOS 9 ANOS A queda do paraiso \dade de introspeccao e de mudancas internas profundas e decisivas HERMANN KOEPKE 2 ANTROPOSOFICA Prefacio para a edi¢ao em portugués, 13 Preficio para a edigao inglesa, 15 Agradecimentos, |7 Prefacio original, 19 Introducao, 2! parte | A CRIANGA AOS 9 ANOS, 23 Uma conversa com os pais de Pedro, 25 Visita do professor a casa do menino ~ Cooperacio professor © Pal ~ Contos, histérias sobre o mundo real, € religiio — José e Robinson Crusoé — Conexio das aulas com a vida didria - De onde vem a eletricidade? — Retorno a natureza ~ Influéncias nocivas da técnica no nono ano de vida - Como a conversa pedagégica ajuda na educacio. Uma conversa com os pais de Ménica, 39 Visita do professor a casa da menina —Comportamento expressio da transicéo de vida —Vislumbre da morte e da mortalidade ~ Sacrificio de Isaac — Sara e o demanio — Ligagdes de“sangue” € amor Percepcio da individualidade. sstranho como, a0 préximo com liberdade ~ Queridos pais, 5! ‘A passagem dos nove anos ~ Percepsio do temp: ¢ dos adultos A visio horizontal do mundo — Limites do presence = 10 diferente das criangas Escuridio do futuro ~ Escuridio do passado —Abertura gracas a vis, vertical do mundo — A “queda do parais i entre o nono eo décimo ano de vida ~Trés exemplos de aula: vivificagéo do passado, ampliags .ampliagio da presenga do espirito, conexio com 0 futuro através da vontaq le — Como a autoridade atua na crianga — Um possivel mal entendide Porque o nono ano de vida é uma virada essencial. Uma reuniao de pais na oficina, 67 Aprofundamento através do tocar na argila ~ Duas esferas opostas 20 entorno se torna uma esfera ora convexa, ora céncava, permitindo ur m exercicio de equilibrio . Do informativo escolar, 79 ‘Abertura da percepcio sensorial e reforgo da capacidade de representagio — José e seus irmaos — O interior se exterioriza - 0 exterior surge no interior. Os nove anos na biografia, 83 Heinrich Schliemann, o pesquisador — Hans Carossa, 0 poeta e médico — Oskar Kokoschka, 0 pintor — Bruno Walter, o dirigente ~ Dante Alighieri, o poeta — Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia ~ Heinz Miller, 0 pedagogo. parte 2 ENTENDENDO O SER HUMANO BASEADO NAS EXPERIENCIAS DO 9° ANO, 99 © segundo seténio, |01 Trimembragao do segundo seténio — Maturagao terrestre dos dentes © da respiracdo — Atuacio de cima e de baixo ~ Passagem de uss correntes opostas Uma Comparacao entre a c1 anos, 105 ga de sete e a de doze Os membros, 105 Comprimento dos membros em relagio idade — Simpatia e antipatia — Conscientizagao e estruturacio. A cabega, 107 Cabega grande e cabeca pequena — Espirito da cabeca: adormecido ou desperto — Imaginagéo e representagio. © tronco, 110 ‘Altura quando esta sentado ou em pé — Respiracio dominante nos pequenos, valores do pulso nos grandes. Sumario, 114 Comparagio entre alunos do terceiro e do sexto ano. Ac nga na transicao dos 9 anos, |15 A mudanga na propria casa, 115 Virada no Ambito da cabeca e dos membros — Mudanca no sistema co — Atuacio das forgas de cimae de baxo - Curva do pulso ascendente e curva respirateria descendente ~ Esquema da mudanga —A passagem do nono ano — Libertagdo do pensar, sentir € querer através do Eu — Olhar complementar da visio do mundo © do ser humano — Unilateralidades no educador e seu espelhamento no educando — Repercussées na vida adulea. Como o curriculo ajuda, 122 Construgio da casa —Vida rural ~ Ensino de linguas ~ Misica Distarbios no pensar, sentir e querer, 126 Pressio na cabeca, dor de barriga, batimentos do corasa0 © dificuldades respiratérias - Envenenamento dos trés sistemas atrivss da intelectualizacio - Comparagio com 0 conto “Branca de Neve A encarnagao do Eu, 129 ‘Ajuda de trés impulsos:A origem ivina, 0 vivo no morto, a arte. Pontos de vista do médico da escola: Dr. Walter Holtzapfel M.D, 133 Mudanga de processos vitais no nono ano ~ A doenga escolar ou .sindrome periddica” — Doengas mais graves — Origem e tratamento das doencas escolares. PARTE 3 APENDICES, 137 __ PARTE See Os meio-nés lunares, 139 Reverso no nono ano de vida como espelhamento do trajeto lunar. © reverso na troca dos dentes, |41 Olhar comparativo da formacao dos dentes e o desenho de forma. Desenhos de forma indicados por Rudolf Steiner para os eiros anos escolares, 145 ografia, 15! PREFACIO PARA A EDICAO EM PORTUGUES Finalmente chega ao Brasil um livro que preenche uma la- cuna na compreensio da crianca e de seu desenvolvimento, cujo foco é 0 periodo entre os nove e os dez anos de idade. Neste pe- riodo, a crianga passa por um estagio de introspeccdo e de trans- formagoes fundamentais, tanto fisicas como emocionais, que po- derao, inclusive, definir sua vida futura. Este importante estagio na vida da crianga foi até hoje desconsiderado por grande parte dos estudiosos do desenvolvimento humano, como se, entre o fi- nal da primeira infancia e 0 inicio da adolescéncia, houvesse um periodo de menor importancia no desenvolvimento da persona- lidade humana. Publicada pela primeira vez em 1983, na Alemanha, e, posteriormente, traduzida para o inglés e para mais de vinte idio- mas, esta obra de Hermann Koepke tem sido objeto de estudos e debates entre especialistas, pais, professores e pessoas interessa- das no tema, principalmente ligadas antroposofia e as escolas orientadas pela Pedagogia Waldorf, em diferentes paises. Agora, pela dedicagao especial do grupo de publicagdes da Associagao Comunitaria Monte Azul, chega as nossas maos, levando este co- nhecimento para além da comunidade antropos6fica. © autor, na sua experiéncia de professor por quinze anos, péde observar e descrever, minuciosamente, 0 comporta- mento de seus alunos e as transformagoes pelas quais passavam. A riqueza de tais observacies, e dos relatos aqui apresentados, mostram a importancia deste momento na vida da crianga. Esta obra traz, também, informagoes importantes para as relagées pais-filhos e professor-aluno, e estimula a aproximagio de pais com professores, beneficiando sobremaneira a crianga, sua autoestima, sua satide e 0 seu aprendizado. Conhecer pro- fundamente as caracteristicas da crianga nesta idade abre o leque de oportunidades para as melhores intervengées, considerando que pequenas diferencas na abordagem aos comportamentos e sentimentos da crianca podem gerar mudangas significativas em sua historia. O presente trabalho encontra ressonancia na obra da clini- ca Tavistock, de Londres, que tem se dedicado a observar as sutis diferencas nas caracteristicas das criangas a cada ano de vida. Poderao existir discordancias entre os especialistas com relagaio 4s observacSes aqui apresentadas; isto no as invalida, na medi- daem que o autor nao impée suas ideias, ao contrério, apresenta © resultado de suas observagées, abrindo a possibilidade do de- bate, em que o bem estar do ser humano e a promogdo de sua satide so os objetivos maiores. Wimer Bottura Junior Sao Paulo, 27 de janeiro de 2012 PREFACIO PARA A EDIGAO INGLESA Setembro de 1988 Desde a primeira aparigaio de “Das Neunte Lebensjahr”, de Hermann Koepke, na Alemanha, em 1983, muitos professores do mundo da lingua inglesa perceberam, com certa esperanca, que este provavelmente poderia dar novos insights para seus tra- balhos com criangas com a idade entre nove e dez anos. O curri- culo desenvolvido por Rudolf Steiner para cada nivel nas escolas Waldorf esta intimamente relacionado com as idades das crian- Como nas esco- las, tanto as piblicas como as privadas, as criancas. geralmente ‘iam seus estudos quando tém seis ou mesmo cinco anos, sur- gem discrepancias, olhando-se para a idade cronol6gi eo curriculo, “A Crianga aos nove anos” nao somente exploraeste perio- do importante no desenvolvimento das criangas em geral, como também contém indicagdes especificas que vao ajudar professo- res e pais a reconhecer as transformagées que ocorrem durante esta fase de desenvolvimento, sem considerar a série da crianga na escola. Os professores serao certamente ajudados na prepara- a0 dos estudos e das atividades com as criangas, de modo que estas discrepdncias possam ser minimizadas. Agradecemos especialmente a Jesse Darel, professora Waldorf na Inglaterra hé muitos anos, pela tradugio deste tra- balho, que se mantém fiel ao Alemao em sentido, e que pode ser lido como se o original fosse em inglés. Esta tradugao liicida e es- tilisticamente bela servira para tornar “A crianga aos nove anos” acessivel a pais e educadores no mundo que fala a lingua inglesa. AGRADECIMENTOS BEELER CEPR EELS EERE eee Erect ee Gostaria de agradecer a todos que atrairam a atengio de tantos pais para este pequeno livro, do qual se tomou necessétia uma nova edicao depois de um curto espaco de tempo. Com isto, eles ajudaram um grande niimero de criangas nesta fase critica da vida. Na segunda edicao, o capitulo “Queridos pais” foi revisto e aumentado. Agradeco ao Dr. Walter Holtzapfel pela sua cooperagao pelo capitulo: “Pontos de vista do doutor da escola”. Ele nos dé indicagées importantes e estimulantes provindas de sua grande experiéncia, que vao de encontro aos desejos de muitos pais. Pascoa de 1985 Hermann Koepke PREFACIO ORIGINAL ew Na vida de todos nés existe um importante “ponto de mu- tacdo” (turning point) entre as idades de nove e dez anos. Mais acentuado em alguns e menos acentuado em outros, Neste perio- do, acontece alguma coisa que funciona como um fator determi- nante no destino futuro daquele ser humano. Ainda que Rudolf Steiner sempre tenha dado atengao a este fato em seus escritos fundamentais da Educagao Waldorf, nada mais foi publicado que trate mais profundamente este assunto. Hermann Koepke descobriu que, nesta fase da infancia, acontece uma reversao no ser humano trimembrado, uma rever- sao através da qual o Eu passa a tomar conta da organizacao do corpo fisico. Este livro resultou da experiéncia do autor, atuante como professor durante quinze anos, e também de imimeros semind- rios e cursos na Pedagogia Waldorf. Agora, temos a alegria de colocé-lo nas mios do maior nimero possivel de pais. Ele comeca com uma conversa entre pais e professor. 0 autor mostra, por meio de exemplos, como podemos ajudar uma crianga a atravessar esta fase tao especial. Neste ponto critico de mutagdo na vida da crianga, ela poder ter no Eu uma base que apoiard seu desenvolvimento futuro, em direcao a liberdade. Jorgen Smit 19 INTRODUCAO Eu havia acabado de pendurar na parede as aquarelas fei- tas pelas criangas do meu 1° ano, quando Gerda Langen, uma das nossas colegas mais antigas, entrou na sala. Ela ficou olhando para as pinturas com evidente encantamento. Entio, virou-se para mim e diss ‘Vocé nao precisa se preocupar quando seus alunos perderem este rico potencial de fantasia, pois eles volta- rao, embora de forma diferente.” Esta afirmacio e outras que se seguiram ainda estdo vivas em minha memoria, embora nao me lembre exatamente palavra por palavra. Elas foram 0 primeiro estimulo que me levou a eserever este pequeno livro. Gerda, como pedagoga experiente, sabia como as forcas da tenra infancia, no final das contas, desaparecem. Enquanto observava estudantes em uma escola ptiblica, durante sua for- macao como professora, ela observou a diferenca entre as faces coradas e felizes das criangas menores, quando vinham para a escola, e a palidez, as olheiras, a aparéncia doentia das mais ve- Ihas. Isto a fez perceber que estas criangas tinham perdido suas melhores forcas depois que comecaram a estudar. Ela se ques- tionou se realmente iria em frente e se tornaria uma professora. Em seguida, contou: "Fui a uma palestra de Rudolf Steiner carre- gando o fardo deste problema, e algo extraordindrio aconteceu: foi como se ele se desviasse do tema de sua palestra para dizer algo que tinha relagdo com o que me preocupava. Ele falou sobre um rio que serpenteia sem destino e some dentro do solo, para Teaparecer em outro ponto e continuar 0 seu curso. Comparou sete fenémeno da natureza com 0 desenvolvimento da alma no «or humano, Nestes existem forgas interiores que também de- saparecem, mas que podem retornar novamente de uma forma modificad A palestra trouxe um grande alivio para Gerda. Ela se- guiu as indicagdes de Steiner e verificou que, através da Pedago- gia Waldorf, as forcas da fantasia perdidas, de fato, retornam de outra maneira. “Em algum lugar, entre os nove e os dez anos” ela continuou, “a crianga passa por uma mudanga considerdvel. O PARTE | nono ano se situa entre a troca dos dentes e a puberdade. Estes dois estdgios de desenvolvimento, que se manifestam no corpo, so bem conhecidos. Entretanto, no nono ano de vida, algo acon- tece, inicialmente no animico-espiritual. Rudolf Steiner sempre fala de uma “transig&o na vida”, aos nove anos, que acontece principalmente na alma e no espirito. £ o momento mais impor- tante da vida: algo desaparece e algo novo surge.” Esta professora, pela qual sinto uma profunda reveréncia da qual recebi estas importantes indicagdes, morreu aos 73 anos €m 1970. Sinto seu espfrito bondoso, como uma estrela guia so- bre este trabalho, no qual espero que pais e professores possam encontrar muitas ideias que os ajudem. Dedico este livro, com muita gratido, a Gerda Langen, A crianga aos nove anos Dornach, Michael 1982 ' UMA CONVERSA COM OS PAIS DE PEDRO Ee Desde 0 io do terceiro ano, mais e mais pais vinham solicitando uma visita do professor de classe. Eles queriam saber o que estava ocorrendo com os seus filhos. (1) O professor estava acaminho da primeira destas visitas e, conforme caminhava, se Jembrava como Pedro o havia cumprimentado naquela manha. Era um garoto alto, com olhos azuis, cabelos fartos ¢ algumas sardas no nariz. Uma vez mais ele veio ao encontro do profes- sor com seu entusiasmo usual. O professor o observou entrar na sala de aula: em cada passo parecia “jogar” seus pés, como se 0S sapatos fossem muito pesados ou muito grandes para ele, 0 que, entretanto, nao era 0 caso. Amaneira de Pedro andar mostrava que ele tinha mui- ta dificuldade para se conectar com o chao. Seu cumprimento era, certamente, esponténeo; recentemente tinha se acostumado a segurar a mio do professor com vigor e, a0 mesmo tempo, 0 observava. Apenas depois que este tivesse carinhosamente pego as suas maos por alguns momentos, é que Pedro conseguia olha- -lo nos olhos. Depois saia correndo para junto de seus amigos para bater um papo animado e barulhento, em alta e viva voz. Como todas as criangas, esses seus amigos, sem piedade, perce- beram suas fraquezas e Ihe deram o apelido de “Cara Pintada” porque, ocasionalmente, ele tinha rubores incontrolaveis. A isto, acrescentaram “Sabe Tudo”, porque ele era dado a fazer, com fre- quéncia, criticas sonoras e petulantes, mesmo durante as aulas. Apesar disto, Pedro era um garoto correto e alegre. y a ol velho, e tinha dois irmaos e uma irma. No Era fh rai permitido sentar ao lado de seu pro- fe meson imensamente honrado por esta Javra durante toda a refeicao. Jimparam a mesa. A um sinal jantar desta tarde, ’ fessor, a mesa redonda. El distingdo, mas nao disse uma pal nou, as eriangas ando esta terminou, a + disseram “Boa Noite” e desapareceram da sala. Logo, a io inde foi lavar a louga. O pai virou-se para 0 professor e pergun- tou: “Por que meu filho de repente se tornou tao critico Es “Tentarei explicar,” disse o professor. “O senso critico que ele apresenta tem a ver com sua idade. Isto acontece frequente- mente no inicio do nono ano. Até recentemente seu filho estava parado, quieto, em seu estgio imitativo anterior, simplesmente interagindo com o que estava acontecendo a seu redor. Nestas condigdes, estava ainda como que em um sonho, no qual, pode-se dizer, estava conectado com o seu ambiente. Entretanto, agora, aos nove anos, tudo muda para a crianga: aparece uma espécie de limiar em sua vida. Ela acorda e, pela primeira vez, vé o que est acontecendo a sua volta, muito mais conscientemente do que via antes. Ela realmente vive uma mudanga interna, experimenta seu proprio Eu muito mais profundamente do que antes e, como consequéncia, olha para o mundo com olhos novos e observado- tes. (2) Além disso, consegue acompanhar, mais claramente do que antes, 0 curso dos pensamentos por detras do que acontece a Sua volta. Percebe muitas coisas que antes nao percebia. Este despertar pode levar a um questionamento silen- , ou também a uma tendéncia a critica. A crianga, agora, também percebe mais conscientemente comportamentos eerie como absurdos e estipidos. Que sua critica percaa obletitiaaa’é b jetividade é outro assunto, Sua habilidade para perceber cone- que a tao, por exemplo, ela consideraré muito injusto quando seu pai usa, dentro de casa, seu sapato de andar 14 fora, enquanto fe mesma sempre precisa colocar seus chinelos.O pai poderia terse esquecido de tirar os sapatos lé fora, ou poderia também, precisar sair logo, e manteve seus sapatos nos pés porque néo estava cho- vendo e porque eles nao estavam sujos. Entretanto, coisa nao é levado em conta pela crianca, “Vocé est dizendo, enta este tipo de disse o pai ”que a inclinagao de nosso Pedro para criticar tem a ver simplesmente com a sua ida- de?" “Num sentido muito real, certamente, é isto. Nesta idade, a crianga comega a deixar de ver os adultos como pessoas infaliveis ousuperiores. Bem li no fundo, pergunta: como os adultos fazem para saber tudo? E, dentro desta interrogaco mais ou menos in- consciente, questiona se eles, de fato, sabem tudo, Os meninos expressam suas diividas ¢ criticas mais rapidamente do que as meninas, que so mais inclinadas a calar e a guardé-las para si, Nesse momento, o professor ficou em siléncio. Pergunta 4 si mesmo se o impulso de Pedro para criticar, de fato, se deve apenas a sua idade. A transicao do nono ano muitas vezes traz a tona algo que, na verdade, seria uma espécie de visio unilateral ou fraqueza existente no ambiente da crianga. Poderia ser este © caso? O professor notou durante a refeicdo que as palavras do Pai, sobre qualquer assunto, apesar de espontdneas e irrefletidas, cram tomadas como conclusivas. Sua atitude dava o tom para a familia. Suas instrugées eram executadas imediatamente pelas criangas. Era como se ele estivesse todo 0 tempo levantando um dedo invisivel, indicador da autoridade paterna. Além disso, 0 due ele indicava deste modo, referia-se sempre a algo externo. Qualquer opiniao parecia estar condenada ao siléncio jé de ini- cio, Isto era totalmente compreensivel dentro das circunstancias familiares, pois seis bocas famintas para alimentar, viver e admi nistrar a familia, eram objetivos a serem focados todos os dias. finica forma Nem o pai, nem a mae tinham tempo para ler, e sua th ir musi meio do radio. ara ouvir misica era por ‘Tudo isto, de repente, ficou claro para 0 professor, e ele se questionou se poderia falar sobre isto com o ae . seat que uma crianca frequentemente é reflexo das circunstan o 1S adultos que a cercam. O professor estava preocupado em bald fa- zer qualquer tipo de critica, mas a questo do autoconhecimento dos pais era importante na presente situacao. Os pais de Pedro jé haviam rejeitado criticas vindas do fi- Iho. Como eles poderiam reagir se alguém, fora da familia, ques- tionasse alguma de suas atitudes? O professor percebeu que dependia, fundamentalmente, da cooperagao do pai, mas, jus- tamente neste ponto, ele nao conseguia juntar a coragem ou as palavras que precisava. Ficou pensando em como se situava em relagio a seu autoconhecimento, e como ele préprio reagiria a este tipo de critica. Mas, poderia, em s consciéncia, ficar quieto? Ele nao devia isto & crianga: ser franco e sincero? Os pais nao estariam esperando alguma resposta dele? Esta sua hesitagio, afinal, nao seria apenas covardia? Justamente quando ele se aprumou e estava para dizer alguma coisa, 0 pai se antecipou e disse com um sorriso: “Tal- vez meu filho tenha adquirido estas atitudes de mim. No meu servigo, tenho que supervisionar 0 que as outras pessoas estiio fazendo e, com certeza, aparecem ocasides nas quais tenho que criticar uma coisa ou outra, Isto pode ter deixado suas marcas nele. Vocé no acha?” tou para a mae. “Eu tentej exatamente fazer isto”, com énfase, “mas nao tive Sucesso, embora tenha Procurad loo melhor conto de fadas que Pudesse encontrar,” Pedro declarou imediatamente: “Eu nao quero conto de fadas, Fro, - » quero ouvir hist6- rias verdadeiras.” No proximo. dia, 4 mesa na hora da Tefeicao, ele declarou: “Esta mesa nao é feita de madeira, é apenas aparéncia,” Isto mostra que ele quer ter Contato apenas com coisas inteiras e reais. Ele nao quer mais saber de contos de fadas”, © professor se culpou por nao ter entrado em contato com a familia por tanto tempo. Ele os havia aconselhado a con- {ar contos de fadas para o garoto hé mais de dois anos, Depois disso, muitas coisas mudaram em Pedro. “Contos de fadas nao Sto mais a coisa certa para ele.” disse o professor, confirmando a opiniao da mae. “Contos de fadas, nesta idade, podem atrasar seu desenvolvimento, Pois seu filho cruzou 0 limiar dos nove anos, Nos contos de fadas, as criangas pequenas vivem em unio pa- Tadisfaca com 0 mundo, no qual todas as coisas falam entre sie compreendem umas as outras. Entretanto, depois da transigio NO nono ano, a crianca nio sente mais o mundo a partir de seu interior, ela nao escuta mais os segredos cochichados entre as Coisas, ou como tudo revela algo interiormente. A crianca agora véo mundo a partir de fora, em todos os seus siléncios misterio- S08. Questdes siio despertadas na crianga; ela quer conhecer 0 mundo real.” “Entdo, nao devemos mais contar historias para ele?” per- Buntou a mae, “Historias, muitas, mas no mais conts de fad O que interessa agora a seu filho so as conexdes entre coisas da Propria vida, como por exemplo, o que esté acontecendo em uma sol ow histérias sobre a interessé-lo, fazenda. Isto pode realmente in as esto fazen- as pess0i vida na montanha ou na floresta, ou 0 que as pess* if locais de trabalho.” ; : oo ene isto podera conduzi-lo ao mundo exter- “Mas, jl mas Ou- no,” objetou o pai, ane, até ee fees saa ae i a. “Na tiltima vez 4 : ; Ce is no te Acho que voeé usou a expresso “o mundo interior da erianga. “Na verdade, a proposta dos contos de fada”, disse 0 pro- fessor, “é para preparar a crianga — como num ante antes de acordar - para o mundo, Contos de fada ajudam a crianga a ver 0 mundo por esta ética, a reconhecer o que nele é bom ou mau, ‘itil ou errado. Entretanto, seu garoto agora esta em outro estagio. Por exemplo, agora, quando Pedro esta comendo um pedaco de pao, ele querera saber tudo sobre padaria, moinho, colheita, etc.” “O que se poderia fazer quando a crianga deixa de lado suas torradas ou mesmo joga paes fora?” acrescentou a mie rapi- damente. “Acho isto terrivel. O que vocé faria?” “Deixa-me contar: nés assamos pio com a crianca” res- Pondeu o professor “ou talvez moamos alguns gros em um pe- queno moinho manual, ou entio, quando saimos juntos para uma caminhada, Passamos por uma plantac&o onde os graos esto amadurecendo, Nessas ocasides, pode-se conversar com a crianga e Ihe dizer que os pequenos Bros so como pequeninos Pies que o sol assou. Também que nés, ao fazer 0 pao, junta- mos os elementos da Agua, do ar e do fogo, e entao, realmente o que acontece fora, vento e do calor do sol. E enti repetimos na natureza, através da chuva, do 0, quando estamos fazendo pao, ‘trabalho uma qualidade special, um clima especial.” “Mas, quandoa crianga na : ‘ca nao tem reverénej a Sepode fazer?” A mie falou o ae Pense em como produzimos 0 pio do grio, como 0 arto luz é uma forca que faz tudo i A forca que atua no pao é esta que os nutre, Nao ha sentimentalismo nisto, Esta verdade « crianga sentird se, antes de comermos, falamos u crescer e se dirigir ao Criador, im verso como este para agradecer”: 0 pio vem do gro, O grao da luz. Aluz nasce Da face de Deus, Os frutos da Terra Do brilho de Deus, Que a luz possa nascer também, Dentro do meu coracio. “Uma vez que a criani fora um pio, ou, da refeigdo, vai ac fe.” ica sentiu isto, ela nunca mais jogara Se jogar ¢ nao tiver nada para comer na hora Teditar que isto foi uma consequéncia pelo que “Acredito”, disse a mie, depois de ponderar por um tem- Po, “que deixamos muitas dessas coisas de lado - que fizemos muito pouco neste sentido, nao levando a sério as recomenda- Ses que voeé nos deu. Nos dois, como pais, Pouco em conta os sentiment cebe isto. temos levado muito itos de Pedro, e ele certamente per- Lembro-me que, aos nove anos, li, pela primeira vez, na minha aula de leitura, uma histéria intitulada Montanha”, 4 hist6ria falava das neblinas do out da neve que forcava o fazendeiro a ficar dentro de sua casa aque- cida. Falava do estébulo aconchegante e dos pastores esperan- do, atrés das pequenas vidracas, a chegada da primavera, Entao Velo o degelo, flores, o movi “A Fazenda na itono, do frio e © sol da primavera, o surgimento das primeiras mento do gado indo para os pastos na montanha, & depois, a subida dos funciondrios do fazendeiro para os altos o feno. Um dia, quando eu era ainda uma vveio A minha mente: 0 que faz 0 agricul- ol. Quando 0 sol se pée no inverno, ele do o sol comega a subir alto no prados, para preparar crianga, uma pergunta tor? Ele sempre segue © a vai para dentro de casa, e quant e oo também sobe para as alturas. Isto foi o que senti nesta como me tornei consciente disto, isto representou algo E entio, um dia, nosso professor me 0 que faz. o agricultor?” Lembro- palavras o que tinha sen- céu, época e, muito especial para mim. fez exatamente esta pergunta: “ -me bem que eu ndo conseguia por em tido tao profundamente. Estou certa de que acontece da mesma maneira com o nosso filho. Muita coisa esta acontecendo dentro dele, mesmo quando fica calado, e nés entramos muito pouco no mérito da questo, deixando o dito pelo nao dito.” A énfase da mie nestas ultimas palavras ~ “o dito pelo nao dito”- fez 0 fato ressoar em seu interior. Ela se sentou silenciosamente, olhando fixamente para frente. Entao, o pai acrescentou: “quando eu tinha nove anos e estava na terceira série, nds lemos “Robinson Crusoé”. Isto foi realmente algo importante: logo estévamos fazendo cabanas nas 4rvores e arrumando-as. Entio mordvamos nelas, e, bem, nos tornévamos Robinson Crusoé”. Neste ponto, ficou claro para o professor porque Rudolf Steiner aconselhou contra 0 uso do livro de Daniel Defoe, Ro- binson Crusoé, para criancas. (3) Se a imagem da vida contida nesse livro fosse implantada na alma jovem, o instinto de auto- -preservacao poderia tomar uma enorme importancia e qualquer aoe Se presente no destino de todas ease atari Exatamente esta cone- vel, ser vivida aos nove anos, ee ste Relacionando-se ao tema, o professor diss ‘tenho certeza ut que justamente nesta idade as criancas estao ouvindo a historia de José, como ele foi vendido pelos seus irmios, e como, mais tarde, estava preparado Para ajudé-los. Ele era capaz de fazer isto porque 7 Lactate e tinha um carater altruista, mas tam- bém porque tinha a ajuda das forgas-guia de seu destino. O papel delas também se expressa em seus sonhos. Quando uma erianga acredita nesta historia, aprofunda sua propria relagio com um poder maior do que nés. Ela cresce num contexto maior, além do ambiente imediato. Algo muito diferente é apresentado em Robinson Crusoé. A pergunta “qual é a melhor forma para eu me ajudar” percorre a narrativa inteira como um fio vermelho, presente em todos os lugares ~ tudo esté deserito de uma forma muito refinada emocionante e atraente. No entanto, o perigo que existe na narrativa 6 que ela é unilateral, Com certeza todas as pessoas precisam cuidar de si até certo ponto, mas elas nao exis- tiriam se nao ajudassem outras pessoas € se estas pessoas nao as ajudassem. Em Robinson Crusoé, isto nao € diferente. Onde ele conseguiu sua espingarda, sua pélvora, seu machado ea sua espada? Se nfo tivesse os objetos que o fabricante de armas, 0 ferreiro e o carpinteiro fizeram, nao Ihe seria possivel morar na sua ilha. A conexfo social, que é necessaria nas vidas de todas as pessoas, foi negligenciada por Defoe em sua historia. E perigoso se a crianga vive s6 desta forma, pois, nesta idade, ela quer estar ligada ao seu entorno, aos seus relacionamentos sociais, viven- cié-los, conhecé-los.* “Vocé se engana“ protestou 0 pai, vés da construgdo da casa na arvore que nos torn ' de amigos jurados. Mais que isso, também aprendemos muito sobre o carpinteiro e outros artesios. A nossa vida de Robinson “foi precisamente atra- amos um circulo Nos aproximou de muitas outras pessoas”. 7 “Bisco mesmo,” disse a esposa apoiando seu mario “Voots fizeram exatamente 0 que precisavam e este fo}, mente, um tempo maravilhoso para voots Mas, existe outro at tl ‘obre ele é feito por ele. Ele anteci- joao a Cre mo sabemos, relacit pou o indiferente se a vida geralmente ca sos dias. Co! ,jfmade man de nos ae a de forma diferente. As coisas podem ‘conteceram no destino de José, e s6 no oral se “do muito profundo nelas. Talve2.seja isto cé tenha em mente”, a mae perguntou a0 gotemoe vwva verdade é um romance,” admite © Pai, “mas, Prec uae nesta idade - e para meninas, também to e pratico. Além de acontecer como a vvé que existe um senti que vo dizer que, para meninos — 6 muito bom trabalhar em algo concre Pe tudo, mais tarde precisario viver no mundo real, ea sala de aula é apenas uma parte da vida. Sua educacao pode se tornar muito unilateral se nao é visto o que a vida exige como um todo. 0 professor concordou imediatamente. Sabia muito bem o tamanho do perigo de se associar 0 processo de aprendizado somente ao campo do abstrato; da falta de referéncia e de cone- xo com a vida. O que ajudaria a desenvolver um belo equilfbrio interior seria fazer, junto com as criancas, atividades como: bater pregos, costurar, construir, lavrar a terra e fazer po. Pedro era um aluno um tanto desleixado, mas tinha pra- zer em dar uma mio em qualquer coisa pratica. Ele nao poderia amar mais 0 professor se eles trabalhassem juntos? E, também ~ isto ficaria a ser visto - seus trabalhos escritos nao teriam outra aparéneia? Neste ponto, a mie ofereceu ao professor mais uma xica- ta de cha, mas este no aceitou, estava se sentindo incomodado consigo mesmo. Estava imaginando como poderia transformar as observagdes dos pais, que tinham mexido com ele, em agdes coneretas. “Sabe,” disse o pai, tranquilam “ is ___“Sabe, is lente, “as coisas praticas sao muito importantes na vida; i O professor ponderou por um momento. “Ele conhece o dinamo em uma bicicleta. Entao, se poderia dizer: olha, a roda da bicicleta também produz corrente elétrica. Vocé vai aprender, em alguns anos, em detalhes, como ela funciona. Uma pequena cor- rente é suficiente para uma bicicleta. Quando se precisa de uma corrente maior, usa-se uma roda grande ou uma turbina movida pela forca da agua. Entio, se deve falar sobre o poder da 4gua, e, em particular, explicar como a agua que desce da montanha é represada. Neste caminho, deve-se voltar e falar das forcas do sol, de maneira que a crianca tenha a sensagio que estas forcas solares estao na corrente, como em muitas outras coisas, de ou- tra maneira. Deve-se estabelecer uma conexao com a natureza em qualquer questo relacionada a assuntos téenicos. Nao ha nada na tecnologia que nao tenha, afinal de contas, sido derivado da natureza. Com certeza, mais tarde, a crianca se familiarizara gradualmente com esta area da tecnologia. No sexto ano di-se inicio a fisica, mas, as orientaces sobre ciéncias, num sentido mais restrito, nao sao frutiferas antes dos quatorze anos. “Vocé esté muito certo. Muitas criangas hoje em dia es- tao intensamente interessadas, muito precocemente, em coisas técnicas. Rudolf Steiner, ele mesmo, filho de um funcionario de estacdo de trem, disse uma vez que a pior coisa para uma crianga é ter, antes dos nove anos, 0 conhecimento tecnolégico de como a locomotiva (ou 0 trem) funciona. Isto prejudicaria o seu desen- volvimento. E muito diferente mostrar para uma crianga como todas as descobertas técnicas tém algo que é derivado da natu- reza.” (4) “Com a tecnologia, acrescentamos 0 quarto reino da natu- Teza aos outros trés, aos minerais, as plantas e aos animais. Estes trés ~ o mineral, certamente através dos outros dois — esto su- jeitos aos processos de vida e morte, enquanto que tudo 0 que é técnico esté morto desde 0 inicio.” sol a tecnologia segue seu > eoncorda 0 pai, segue responsével por nos distanciar- embora nao tenha culpa. O cul- nao existiria nenhuma tec- “Naturalmente, : la também € ja natureza, pois, sem ele, we Terra. ia para destruir a vida ea saaaaa tanciar mais da natureza, mas, de prefe- Cee 7 be mente. E isto também precisa ser levado aan educa Desta maneira, um garoto de = anos precisa primeiro entender asi mesmo le certamente nao apren- de a fazer isto pela tecnologia, que ¢ absolutamente morta, que sempre ameaca afastar o ser humano de si mesmo. Podemos wer jsto por nés mesmos em nossas criangas, por exemplo, 0 efeito negativo que a televisao e o computador tém sobre elas.” “Bu penso”, falou a mae, “que as criangas poderiam ter uma distraco no jardim, um amor por isto, antes de irem para as coisas técnicas. Como ¢ agradavel quando trabalhamos juntos no jardim, mesmo quando estamos cansados, no entardecer. Que alegria olhar para uma azaleia com seus cachos de flores rosadas, ou para o verde tenro da bétula, ou ainda para as espléndidas nuvens da primavera, como elas navegam pelo vasto azul do céu. Ontem relembrei um Salmo que aprendi quando crianga: proprio caminho. El ‘mos cada vez mais d ; 0, i pado 0 ser human Precisamos voltar atras. Bendize, 6 minha alma, ao Senhor! Senhor, Deus meu, tu és magnificentissimo! Estas vestido de honra e de majestade, ‘Tu que te cobres de luz como de um manto, Que estendes os céus como um tapete. : Es tu que pées nas Aguas os vigamentos da tua morada, Que fazes das nuvens 0 teu carro, ; Que andas sobre as asas do vento, (Ps, 104) i : Hae eu me ctianga estas palavras nao significavam gran para mim, mas, agora elas tm um significado mui- to diferente. Este Salmo de David é uma forca real do coragao e as criangas também deveriam aprender coisas deste tipo para as suas vidas futuras.” “Precisamos falar um pouco mais sobre Pedro”, disse 0 pai, “sobre sua mania de criticar. Agora vejo mais claramente a que ela esta ligada. Uma parte disso, ele tem de mim, por isso, tenho a certeza de que ele também precisa de algo que o preencha mais, interiormente. Ele ainda nao esta 4 vontade consigo mes- mo. Vocé entende o que estou querendo dizer: “Sim, certamente”, disse o professor. “Concordo inteira- mente com vocé. Tentarei atrair mais a aten¢do dele na escola, mas, quando os pais falam com as criangas, as de nove anos aprendem a lidar com suas proprias dificuldades de uma manei- ra bastante especial, Fale com ele, isto é, fale sobre outras coisas além dos acontecimentos didrios. As ideias que pais e mies tro- cam com seus filhos podem causar um grande impacto neles. A falta de equilfbrio na crianga pode ser corrigida pela harmonia entre o pai ea mae. &s criancas sempre vivenciam isto como uma béngao, especialmente neste ponto de mutagao dos nove anos. Esperemos que nossa conversa de hoje sirva de ajuda no futuro. Frequentemente tenho tido a confirmagao que as criangas sao be- neficiadas diretamente quando os adultos reservam tempo para conhecé-las melhor. Isto é tao essencial para elas quanto comer e beber. A melhor coisa que pode acontecer sera se pudermos nos encontrar novamente em um futuro préximo.” Nesta noite, mais tarde, em seu caminho para casa, 0 pro- fessor sentiu que estava mais proximo dos pais de Pedro. Notou que eles também estavam procurando se auto-educar. Este en- tendimento produziu um forte sentimento de proximidade com 0s pais. Desta maneira, apesar de algumas dificuldades, conse- guiu melhorar ainda mais sua relacéo com Pedro. Justamente isto é da maior importancia na fase de transi¢ao dos nove anos. tempo depois, estimulado pelo que os pais de Pedro Algum tem . nstruiu, am contado, 0 professor Co! aan oon a de madeira. Quando estava quase Pronta, os alu ‘car para o professor fazer nela uma porta, send no . se do mundo e ficarem sozinhos dentro ria possivel apartarem~ d 2 ae Esta nao era uma tarefa facil para o professor, com suas limitadas habilidades de carpintaria, mas o pai de Pedro veio dar uma boa mao para colocar a porta. “Nossa casa 7 arvore tam- pém tinha uma porta.” disse ele, sortindo. “Ela foi suspensa com argolas de couro. Aliés, minha esposa Ihe enviou saudagées. Ela pediu-me para Ihe dizer que Pedro esté muito diferente desde sua tiltima visita. Eu também acho. Ou pode ser que estejamos vendo-o de uma forma diferente — talvez um pouco de ambos. De é muito certa: algo que, antes, estava com a sua classe, uma ronta, os alu- pequena ca: qualquer forma, uma totalmente escondido foi despertado nele agora”. UMA CONVERSA COM OS PAIS DE MONICA ree As tltimas notas da misica estavam se esvaindo. Enquan- to a mae de Ménica preparava sua filha para deitar, seu pai fi- cou com o professor na sala de misica e teve a oportunidade de abrir seu coracdo para ele. “Estamos muito felizes porque voce veio nos ver esta noite”, disse ele, "j4 que, francamente, estamos muito preocupados com a Monica. Como vocé mesmo sabe, ela € uma crianga muito sensivel e muito talentosa, pelo menos no que diz respeito 4 misica. E agora estamos notando coisas nela, em especial recentemente, que realmente nos preocupam. Nao é uma alteracdo de humor ou mudanga temporaria. Minha esposa tem notado fatos muito estranhos.” Neste meio tempo, a mie voltou para a sala, e disse: “vocé Poderia ter visto o maior exemplo disto agora. Ela adquiriu habits muito estranhos. Nao se deita para dormir até que tenha primeira olhado embaixo da cama para ver se alguém esta la. Ela acabou de repetir este ritual noturno, afasta cuidadosamente o cobertor, como se um estranho pudesse estar dormindo em sua cama.” “Isto nao é estranho?”, perguntou o pai. “Certamente, algo deve estar acontecendo dentro dela.” “Mas, isto no éa tinica coisa”, continuou a mae. “Temos um grande espelho no hall de entrada que est pendurado perto de um armario. F dificil acreditar, mas exis- tem momentos nos quais Ménica nao passa na frente dele. Um dia ou dois atrés, fiquei na frente do espelho, antes que ela entrasse na sala de miisica, que fica do lado oposto a ele, na entrada.” “Minha esposa fica muito orgulhosa em poder tapar todo 39 40 cosamente. Prevenindo-se ataques gentis da esposa a isto, 0 marido durado casacos sobre ele para que, pelo is a nossa filha.” © professor escutava , continuou a mae. “Preciso o expelho", disse 0 pai de Monica, jo com um sorriso dos continuou: “temos pen nao perturbe mai isto nao é tudo’ ra voe’ algo mais, que vi um tempo atrés.” 7 “minha esposa estava de pé diante da De ld temos uma vista panorémica ‘ola; estava caminhando menos, atentamente. “Mas, contar pai interrompeu: janelado pavimento superior. a. La, vinha Monica da esc’ como de costume. Entao, de repente, comegou correndo como se alguém, de toda a ru vagarosamente, a correr como se tivesse ficado louca, sse atras dela.” inguém a vista, néo havia uma tnica mae. “Ela correu para a porta da 1a chave, e entao achou nio sei quem, estive “Mas, nio havia n alma em toda rua", exclamou a frente, procurando com grande pressa sui com dificuldade o chaveiro. Finalmente abriu a porta, transpés deumsalto ocapacho; e,o que ela fez entao? O que ela fez entao? Diga vocé; vocé viu e ouviu o que ela fez”, disse a mde enquanto sinalizava com a eabega para o marido. “Primeiro, ela pisou com forga, e entio murmurou: ‘Estou salva, salva’. Vocé pensa que isto 6 normal?” O pai olhou para 0 professor esperangosamente. Por um momento, sem falar, 0 professor pensou sobre 0 quetinha ouvido Entio, disse: ‘nao posso dar uma explicagio no sentido usual, entretanto, talvez possa ajudar vocés se souberem no sto apenas vocés que esto preocupados com vivéncias Setar a ave, como sua filha, esto tendo dn nemcto neosnove cos deans Por avr “Weata dade, a cranga enfenta um i ira infancia e as a eee ete apresentam a ela, Derepente, ele pone anette BOvaS que Se » ela percebe o seu entorno, quando prime’ antes nao o percebia. Quase se poderia dizer que ela esteve se relacionando com o que estava a sua volta através da imitacao, vivenciando seu ambiente numa espécie de doce sonho. Agora, isto terminou, e Monica percebe. Todas as coisas que vocés des- creveram esto, de certa maneira, relacionadas a isto. Mas, o que eu realmente gostaria de Thes contar nao é do tipo de explicagdo cientifica que as pessoas procuram hoje em dia.” “Nao se preocupe com isto”, disse o pai, “vamos em frente.” “De certa forma’, disse o professor com um sorriso, “te- mos varias op¢des; é como a interpretacio de um sonho. Acredito que, em tudo que vocés tém observado, sobressai sempre que a filha de vocés esta experimentando a transi¢o que mencionei, jaem de uma maneira especial. Podemos ver isto nitidamente, conexaio com o limiar da casa ou a passagem do dia para a noite “E 0 espelho?” - pergunta a mie. O professor pensou so- bre isto por um momento. “Como jé falei, nao s6 vocés observam esse tipo de coisas. Nesta idade, 0 espelho faz parte das coisas da casa com as quais a crianga se confront.” “Mas, por qué?” - pergunta a mae. “Nao ha explicagdes para isso, ou melhor, n&o conheso nenhuma explicagéio. Mas, podemos entender 0 que acontece na alma da crianga quando é perturbada por sua imagem no espe- lho. Ela nao quer estar exposta desta maneira a este confronto consigo mesma, pois, justamente nesse instante, seu Eu comeca a tomar conta do seu destino. A crianca vive interiormente esta situagio de limiar e, neste momento, 0 espelho é como que uma caricatura. Ela foge disso.” “Eu nao tinha ideia que algo assim pudesse estar por de- tras disto”, disse a mie, e se calou. “Mas, se isto é algo que acontece nesta idade da crianga”, objetou o pai, “outras criangas devem também ter este tipo de experiéncias. Vocé conhece alguma?” 42 disse o professor. "Apenas uma coisa deve “Certamente”, is si Higa ve as criangas si0 muito diferentes cr era em stm observa em St rpia fi ae Sm é nada inusitado. No maximo, o que nao i i aera aforga dos sentimenine, ograu de agitagao com que tudo emerge n° caso de Ménica. - “Mas, existem realmente outras aa com 0 mesmo tipo de experiéncias: ” perguntou o pai, pressionando 0 profes- sora continuar. A mée, entretanto, interrompeu nesse momento com uma nova linha de pensamento. “Estou me lembrando quao profundamente nossa filha tem estado impressionada ultimamente com todas as coisas que voce tem dito em classe. Vejo imediatamente isto, ela fica pen- sando intensamente no que foi dito. A historia sobre a “Queda do Paraiso” assombrou-a.” Volta e meia ela me pergunta o que é realmente o mal, de onde ele vem, e por que Deus permite isto. Ela me pressiona arduamente com muitas perguntas. Mas, na verdade, nao presta muita aten¢do ao que respondo. Ela s6 quer desabafar, e ent&o continua refletindo sobre o assunto. “Quando eu estava contando a histéria da Queda”, falou 0 professor, “todos da classe ficaram totalmente em siléncio. Es- cutavam com a maior atenc&o. Vocé poderia escutar uma gota caindo. Neste estagio as criancas estio muito preocupadas com 0 bem eo mal, como vocés tém observado” ls quero me desviar de sua questo”, disse o professor Parko-pel, “mas, de certa forma, tudo esta conectado. Justamen- te hoje, uma antiga colega, agora com setenta anos e com difi- — = lidar com trabalho de escrita, estava me ditando a nese, tenho aqui na minha pasta de do- sds semen tania teee ano tiv iéncia mui © uma experiéncia muito significativa, ‘naquele do Eu. Estava vindo de uma aula na cidade e tinha que mudar de bonde. Eu estava esperando no ponto e, nesse exato momento, veio 4 minha men- te, com absoluta clareza, que diante de mim estava toda a minha vida e que era eu mesma que teria que administré-la. Ficou igual- mente claro para mim que, a partir de entZo, haveria coisas que eu precisaria resolver totalmente sozinha, inclusive que eu teria que lidar com o mal.” Ao dobrar 0 papel, o professor disse: “vocés vem que aos nove anos as criancas também jé deram este passo em seu de- senvolvimento. Além disso, nao sei se vocés repararam que 0 ce- nario, por assim dizer, a parada do bonde, corresponde, de certa forma, A descric&o de sua filha sobre sua experiéncia do limiar. Em muitos casos, as pessoas nao observam suas criancas com tanta atengdo como vocés tém observado. Muitas vezes nao se presta atengao ao que acontece de marcante nas profundezas da alma da crianca.” “£ como se algo muito novo quisesse entrar na natureza da Ménica, mas que nao encontra acesso. O que ¢ isso?” Havia certo desconforto na voz do pai. “Sim, vocé esta certo” - disse o professor. “E 0 Ser do Eu da crianga que esta querendo entrar. Infelizmente isto é algo que & muito pouco notado e apoiado. E, também, que o lindo mundo da infancia precisa ser deixado para tras; ele submerge. Entio, 0 medo aparece na crianca. Ouca 0 que tenho aqui. E.um poema que copiei do Album de uma colega, que o escreveu aos nove anos:” O sol, de um vermelho brilhante, afunda no mar, Nada se move e tudo descansa. Entiio, a metade do sol afunda no mar, Pequenos raios ainda ardem no céu. Depois, 0 sol inteiro afundou no mar, Os iiltimos raios morreram no céu. Tudo se fez triste e vazio em volta de mim, Como se eu nunca mais pudesse ver 0 sol. al ou para os pais, observando. A mae estava Thando para o chiio, como se estivesse tentando se lembrar de al ” 5 A fe A algo de seu proprio passado. O pai parecia profundamente im- pressionado e parecia guia achar as palavras. Pree Finalmente, 0 professor quebrou o siléncio e perguntou: “que experiéncias vooés tiveram quando tinham nove ou dez 2° “Tento me lembrar disso o tempo todo”, disse a mae, “e perdi meu pai.” Entao, ela voltou a ficar olhou para ela com simpatia e, entao, de , minha lembranca deste tempo é muito ectada com morte. No meu nono ani- 0 professor oll querer falar alguma coisa, mas no conse- anos agora sei; foi quando em siléncio. Seu marido repente, falou: “voce sab similar; também esté con versério, meus pais me prometeram que irfamos para a praia du- rante as férias de verao. Nasci na primavera, e quando chegaram as férias, pelas quais tinha esperado tanto, eu tinha nove anos e quatro meses. Fomos para uma pequena ilha. Ainda vejo niti- damente o que vivenciei l4: eu estava com meu pai, no meio de uma multidao de pessoas, que estavam muito silenciosas. Entao, passou por nés um grupo de marinheiros carregando um caixao de ferro, muito pesado, que colocaram num barco. Em seguida, remaram em diregdo ao alto mar, tao longe, que eu dificilmente conseguia ver o barco. Entio, meu pai disse: “olha, eles estiio bai- xando o caixdo na gua. O capitao tera seu tiltimo lugar de repou- so no fundo do mar”. Jamais poderei esquecer a impressfio que isto causou em mim. Nunca antes tinha passado pela minha ca- beca que algum dia uma pessoa deitaria num atatide”. O pai ficou profundamente absorto. Algo estava acontecendo dentro dele, que o deixou alterado. O professor olhou para ele com simpatia. 7 “Voeé disse anteriormente”, continuou o pai com hesita- ae ee ea es “que esta sua ex- e isto poderia abrir outras ha con ae ee idades.” Obviamente agitado internamente, o pai olhou atentamente para os olhos do profes- sor, “quem € este ser desconhecido que minha filha procura em- baixo da cama, que minha filha sente de repente que esta perto dela e de quem ela fugiu para dentro de casa? Quem é ele? Nao poderia simplesmente ser algo ou alguém bom?” “Voce nao precisa ficar tio preocupado”, disse a esposa tentando acalmé-lo. “Vocé nao teria como saber, pois meu ma- rido e eu temos estado suspeitando de algo extraordinario, mas, depois do que vocé nos disse esta noite, nossa ansiedade pare- ce sem razio. Vocé nao acha também?” - falou para seu marido, procurando novamente acalmar sua agitacao. “preciso Ihe dizer francamente’, disse o pai. “Temos a im- pressaio que nossa filha tem intuig6es muito concretas sobre a morte”. Para uma crianga to altamente sensivel, isto poderia ser bem possivel. Era Gbvio, este era 0 motivo pelo qual o pai teve tanta pressa em pedir a visita do professor. “Quanto a isso, posso tranquilizé-los. 0 que vocés tém ob- servado tem a ver com 0 que outros pais tém observado em seus filhos neste estagio de transigao. Suas observacdes sio muito cor- retas, mas vocés chegaram a um final diferente.” O pai imediatamente olhou para o professor. “Nao entendo bem 0 que vocé quer dizer com observagao e final”, disse a mae. “De certa forma, voeés esto certos sobre 0 que senti- ram, Quando a Expulsio do Paraiso aconteceu, como eu disse anteriormente, foram ditas a seguintes palavras: ‘barro voce & e barro voltard a ser.’ Mas, isto nao significa que Addo ¢ Eva tr vessem que morrer ld ¢ naquele momento. Algo diferente estava sendo expresso. Um elemento que nao existia antes entra agora na consciéncia da crianga, que é a consciéncia da mortalidade do ser humano”. “Voeé je Peer ea ‘Vocé mesmo ouviu nossa Ménica ao piano €s ‘as mmisicas e elas geralm noite. Ela : vente tém mesma cria as palavras de su: 46 i co imaginando se 0 que voce vem dizendo m morte. Fi > i imé ‘a ver COI snho artistico precoce.” O pai olhou imével explica um desempel rao carpete i tte que me despertou especialmente, enquanto a sua fi- tha estava tocando”, disse 0 professor, “foi o pensamento de que aqui esté uma crianga de apenas nove anos, que ji comegou a dar uma forma artistica & dor e & morte. Realmente, me fascina quando uma crianga dé atengdo a isto. Poucas 0 conseguem aos nove anos, embora todas passem por esta dolorosa experiéncia. ‘Ao lhe dar forma, Monica esta se libertando: pude ver isto quan- do deixou 0 piano. Estou certo de que, como artista, vocé mesma esta muito familiarizada com este processo”. Os dois homens se olharam tranquilamente, por um momento. “Talvez eu possa acrescentar algo bem pessoal ao que es- tava falando”, disse o professor, com certa hesitaco. Enquanto isto, o pai tinha recuperado sua compostura. “Se vocé for longe demais em seus questionamentos, sua filha mergulhard ainda mais para dentro de si mesma. Estara focalizando demais a si propria e ficard deprimida. Deixe-a apenas seguir em frente e fa- ver miisica, como ela gosta, sem que vocé veja nada de inusitado nisso. Vocé logo vera que a misica é um tipo de terapia para ela.” “Voce deve estar certo. Vejo que tenho, de fato, interpreta- do de forma incorreta seu lamento melancélico, a maneira dela “xpressar sua perda do paraiso da infincia. Parece que estamos apenas lidando, por assim dizer, com o com a morte em si. Vou ficar e1 feliz por té-la owvido.” Aree cles estavam conversando, © professor levan ae ae embora, Por favor, fique um pouco mais’ pediu mnie Voe en ilelaet Muito esta noite, mas hé algo mais também. Vood tere Pe: Talvez vooé possa nos ajudar nisto ‘SimPressio de que nossa filha levantou-se do ibolo da morte, nao "m paz com esta sua visdo, estou piano com uma expressio mais live e confortével. Pode ser que seja 0 que vocé disse, mas eu senti algo muito diferente.” Entao, continuou: “anteriormente, eu ficava ao piano com minha filha, ou ela vinha e falava: ‘mamae, venha, quero tocar algo para voc’. * Como os seus olhos brilhavam nesse momento! Eramos um so coragao e alma. Mas, agora minha simples presenea a atrapalha, E vocé pensa que ela, alguma vez, me pergunta se pode tocar algo para mim? Ela nem pensa mais nisto; toca horas para si mesma, Entao, se levanta, como se estivesse profundamente satisfeita, exatamente como vocé falou, vai para o ja r uma amiga, ou fazer alguma ligdo de casa. Faz tudo, exceto vir a Ecomo se algo tivesse acontecido entre nés. Isto tem acontecido desde que ela comecou o terceiro ano, Frequentemente, penso que estou per- dendo minha filha; que ela nao esta mais a meu lado.” “Esta manha”, disse o professor, “eu estava falando para as criangas sobre o sacrificio de Isaac. Tenho que confessar que por um longo tempo eu mesmo nao conseguia entender esta historia. Entretanto, através do que vocés me contaram, pela primeira vez comeco a vislumbrar algo do significado mais profundo dela”. A mie estava ouvindo com a maior atengio. “Por muito tempo”, continuou o professor, “eu nao consegui entender que significado teria testar se Abraiio amava mais a Deus do que a seu préprio filho. Entretanto, agora percebo a diferenga. O amor Por Deus aparece por si, quando pereebemos a atuagio de um Poder superior, divino, nas fases necessarias do desenvolvimento da crianga, e ajudamos esta vontade superior para que este de- senvolvimento necessério se realize completamente, mesmo que ~ €omo € 0 caso de transigdo na vida - exija sacrificio. Este sacri ficio requer que o amor da mae se torne muito, muito grande ~ @ Ponto de libertar a crianga para que caminhe livremente. Se nfo existisse nos pais a disposigio para se sacrificarem, algo poderia Se introduzir no desenvolvimento da erianca, isto é, difcultaria 47 48 fessor fez uma pausa. A mae parecia ito”. O pro! i zt ° eserves algo dentro dela rejeitava essa interpretacao. m: é i-filho”. soya verdade, esse 6 0 problema pai . en pont, isto também pode ser verdade", disse © professor, “mas, a historia do sees - plana posteriormente na literatura Judaica. A hist mae im: Satands vai até Sarah, na forma de um homem idoso, ¢ fala para cla: vocé sabe o que aconteceu? Sob o comando de Deus, Abraao sacrificou seu filho Isaac. O garoto chorou e clamou por piedade, mas seu pai mostrou-se irredutivel. Sarah deixou escapar um gri- to agudo, rasgou suas roupas e se jogou no chao. Chorando, ela disse, ‘Isaac, Isaac, meu filho! Eu estava com noventa anos quan- do dei a luz a vocé, e agora o Senhor o abandona para a faca e 0 fogo. Mas, isto foi o que Deus mandov’, disse ela, e o que Ele faz esta certo. So somente os meus olhos que choram, meu coraco alegra-se”, “Sarah no teve paz e foi procurar Arado, mas, embora cla o tenha procurado em todos os lugares, no conseguiu encon- entendé-lo, tré-lo. Entio, o deménio se transformou em um homem jovem ¢, vindo para ela, falou: ‘Isaac esta vivo. Abrado nao 0 sacrificou.” Com estas palavras, Sarah foi acometida por tamanha alegria que seu coracio parou ¢ ela eaiu no chao, morta.” i © professor viu que a mie estava travando uma tremenda vatalha interna, Uma voz interna disse-Ihe que nao interferisse, apesar de queré-lo. A mae nao falou mais nada. 7 i F it ae Pai quebrou o siléncio; ele havia encontrado mente aa ak nt Sobre © Sactificio de Isaac, lendo-a rapida- Para si mesmo, Levantou 4 a 0s olhos e viu o que esta se Passando com sua mulher. Entio, leu 9 seguinte: eae teu proprio filho, quero abengoa-lo e cendentes como as estre s A : wultiplicar teus des- as do eéu, como a areia do mar e, através de um de teus descendentes, todos 0s povos serdo abengoados.” fa terra “Isto aponta para o nascimento de Cristo”, disse o professor, ‘A mae, como que transformada, virou-se para o marido e disse: “acho que sé agora fago ideia da ligagio mais profunda: Cristo é 0 mensageiro do amor fraterno; este amor nao 6 0 amor familiar, o amor de sangue. Por isso, preciso me afastar de minha filha. Vejo que um novo ser quer nela entrar: seu proprio Ser. Ele quer se sentir livre do velho amor de mae. Mais tarde, voltard a amar sua mae. Tinhamos algo errado em mente: estivemos de Juto pelo passado. Os tragos da infancia perdem sua nitidez. Isto &passado, encerrou. Agora, nossa filha se encontra consigo mes- ma. Poderemos estar proximos a ela e vivenciar tudo. Em suma, estou muito feliz com isso. Agora, -jo minha filha por outra otica” {49 QUERIDOS PAIS __ See Antes de comecarmos a falar sobre 0 nono eo décimo anos devida de nossos filhos, gostaria de convidé-los para uma viagem para as nossas préprias infancias. No tempo em que nfo existia o tempo, se posso me expressar com tal paradoxo: quando o tempo ainda parava e tinhamos tempo de sobra. Quando, para nés, era muito claro que vinhamos do céu e tinhamos uma vida eterna. Desta maneira, podem surgir em nés lembrangas claras e felizes da nossa infancia. Quando comparamos nossa vida de adultos, coma consciéncia que temos agora, com os nossos anos de infan- cia, vemos que aconteceram mudancas bastante significativas. Agora, o tempo nos escapa, ele é precioso e fazemos todos os esforgos possiveis para termos mais tempo. Vemos exemplos destes esforgos inacreditaveis nos campeonatos de esportes, nos quais sempre é exigido um tempo de desempenho cada vez me- nor. Gragas a estudos e pesquisas, sabemos que em dois segundos Podemos ter dois milhdes de pensamentos, mas 0 tempo se torna cada vez mais angustiante e, entdo, surge algo muito importante: Correr contra o tempo. Existe a necessidade de superar 0 tempo. Por que, na verdade, existe este desejo sem sentido? Posso imaginar que isto esteja ligado ao fato de que, mui- tas vezes, s6 vivenciamos 0 momento presente como um ponto de luz e, com isto, temos a sensagio que também este ponto de luz imediatamente desaparece e se torna passado. Assim, tudo desemboca ~ mais cedo ou mais tarde, conforme a capacidade ai a j . la memoria - numa escurido que nos assusta. Também, de ou yivenciamos a escuridao: 0 futuro, ainda que aclarado ‘ntos, por intuigoes, conforme a nossa maneira de viver, ¢ basicamente tao escuro quanto nossas lembrangas do tal, na qual olhamos para o futuro e passado, A diregao horizon! também para o passado, esta limitada em suas duas extremida- des pela escuridio. Isto faz com que sintamos a consciéncia do presente como algo que nos pressiona para baixo. O desejo de brecar o tempo é tao compreensivel quanto 0 desejo do preso de trocar sua cela pela liberdade. No entanto, como presos, com nossa consciéneia temporal reduzida ao presente, precisamos nos conscientizar que perdemos de vista nosso “de onde” e tam- bém nosso “para onde” e que tateamos no escuro quando tenta- ‘mos voltar para a situac&o paradistaca que vivemos na infancia. Entretanto, as religides, a arte e, depois, a filosofia pro- curam ampliar os limites da consciéncia humana do momento tro lado, por planejamer presente para que possamos olhar cuidadosamente para aqueles espiritos que podem nos mostrar visbes do futuro. Mas, a0 con- trério, damos mais valor aquilo que o passado pode nos trazer novamente. Se olharmos para frente ou para trds, em ambos os casos, respiraremos um ar mais livre do que o da prisdo do tempo “atual’, E, com razo, ansiamos pelo ar libertador das alturas, com énfase na vertical! A identidade de nosso destino surge pela superagio deste cativeiro. ___ Este designio do destino de cada um tem seu arquétipo na historia da humanidade: o primeito casal humano vivia no paraf- ey Meise pentane eae Por causa do pecado ori- dor do nascimento, perde se 6 a —_ A terra. Através da onde” e, onde”, Licifer, om a sua sedugio, : tempos! pela morte, 0 “para Tompeu o fluxo da espiral dos Desde entao, o futuro eo Passado so escuros, : e, diante de °ss0s oll, s6 aparecem as coisas fisicas. Fomos empurrados para baixo e, se quisermos compreender as conexdes mais pro- fundas, precisamos primeiramente nos levantar. Trata-se do es- forgo de conseguirmos transformar a visio horizontal de mundo numa visio vertical. Entdo, 0 pecado original se tornaré um fator positivo para o desenvolvimento humano: a expulsio do paraiso, seguem 0 nascimento da religiio, depois o da arte e, mais tarde, oda filosofia. Nelas, esto as grandes questdes sobre o “de onde” eo “para onde”, como marcos de todos os nossos esforgos. E, se nos esforgarmos continuamente para ultrapassar 0 obstaculo do tempo, nossa consciéncia do Eu poderd ser sempre renovada e fortalecida. Este fato arquetipico vivencia sua individualizagao no des- tino de cada ser humano. Olhemos para o periodo entre 0 nono eo décimo ano de vida de nossos filhos: a crianga se sente sozi- nha, e até mesmo abandonada, assim que se esgota a capacidade de imitagdo que a manteve na situagao paradisiaca da primeira infancia. A crianca dos nove aos dez anos — como nao imita mais - sente-se separada de seus colegas e isto déi: sente-se separada de seus irmios, do pai e, até mesmo, da mie. A pergunta pro- funda sobre o “de onde” poderd estar por tras das palavras "vocé realmente ¢ minha mae? Foi vocé que me deu a vida? De onde venho realmente?“ A corrente cortada do tempo suscita muitos Porqués. Sio perguntas como as que uma menina certa vez pOs no Papel. Perguntas que nao queremos simplesmente responder, mas queremos entender, na sua profundidade. Sio pergun- tas através das quais poderd se tornar visivel a imagem de uma crianga, que esta como que presa em uma caverna e bate deses- Peradamente na parede: 1~- Por que preciso viver? 2- Por que vou a uma excursio? 3 - Por que devo ir a escola? ail cette ‘4- Por que deverei ser simpética com voce? Por que preciso de uma cama? 6- Por que tenho que ter pés? 7 ~ Por que consigo ficar brava? 8 ~ Por que devo escrever? 49 Por que devo ser bonita? 10 ~ Por que eu posso ser eu? no final deste “auto-retrato”, ainda aparece rabiscada a pergunta: “Por que isso omega sempre com ‘por que’?” Diversas vezes Rudolf Steiner apontou 0 periodo entre os nove e os dez anos como a mudanga mais importante na bio- grafia humana. E, nesta mudanga, toda crianga atravessa uma crise de soliddo - com maior ou menor intensidade, de maneira perceptivel ou nao. Vemos isto particularmente em seus olhos. Pois, nao veremos mais os olhos alegres, inquietos e brilhantes, mas, ao contrario, um olhar firme e modificado, com um toque de melancolia. Nessa idade, podem acontecer pesadelos e a crianga frequentemente reclama de sintomas fisicos, como dores de ca- bega e de estOmago. Vemos que ela vivencia uma crise absoluta. Ealguns pais, que desconhecem este processo pelo qual seu filo esté passando, ficam desorientados e preocupados. Como pode- mos ajudar a crianga a sair de sua caverna escura? Como ajudé- -la, de tal maneira que ela possa colher na terra o fruto da saida do paraiso? foe te omsanose que somos especialmente entretanto, a maior ajuda nos idaday ee ; i pelo plano de trabalho (cur- riculo) de Rudolf Steiner. Se o aplicamos em n r damos a crianga a despertar e realizar um d ee Vida condizente ao desenvoh Se eae vimento da sua faixa etdria. aju- Assim. sendo, no come¢o do terceiro ano pegamos do velho testamento a hist6ria da Criagiio do Mundo. Quero contar-Ihes como foi isto com os seus filhos. Primeiramente, perguntamos a eles o que nao existiria em nossa sala de aula, se excluissemos tudo o que foi feito pelo ser humano, pela mio humana; o que o papai, a mamae e o professor fizeram quando construiram a escola? As respostas foram: ndo existiriam paredes, lousa, quadros, lampadas, janelas, cadeiras e mesas, portas, chao, teto, telhado, livros e outras coisas mais. ‘Muitas coisas sumiriam diante dos nossos olhos. Mas, 0 que res- taria? Restariam as criangas, o professor, 0 ar, a luz, as flores, 0 amor, a 4gua na torneira. Entéo, partimos para outra pergun- ta bem mais abrangente: 0 que desapareceria diante de nossos olhos se excluissemos tudo 0 que Deus fez? Nao teriamos mais Arvores, ar, luz, sol, estrelas, lua; a terra inteira nao existiria. Fez~ -se um siléncio fora do comum. Disse as criangas que fechassem 0s olhos e que prestassem bastante atengao a proxima pergunta que eu lhes faria: onde estavam todas as coisas antes que Deus as criasse? Aqui e ali criangas levantaram a mao, ainda de olhos fe- chados. Foi algo imensamente festivo, algo sagrado, quando fui até elas e me cochicharam baixinho no ouvido o que tinham es- cutado em seu interior: “com Deus’ - disseram alguns - “no cora- do de Deus” ou “no céu”; apenas uma crianga disse “em nenhum lugar”. No dia seguinte, iniciamos a Hist6ria da Criagdo. Tentei aproximar as criangas do calor do querer, a partir de um qua- dro contendo uma montanha muito ingreme. Solicitei as crian- 64S que imaginassem o que precisariamos levar para escalar esta Montanha. Depois de encontrarmos muitas coisas que coloca- mos dentro da mochila, demos continuidade ao nosso raciocinio: realmente agora sabemos o que precisamos levar, mas falta uma sl coisa muito importante, algo que precisamos ter dentro de nés tm grande quantidade. O que seria isto? Chegamos, ent, a for- ca de vontade e “como a gente fica aquecido, até quente, quando nossa expectativa é muito grande”. “O que voeés acham que Deus ir deste forte calor interno?”, perguntei a seguir. “O um menino. E imediatamente apareceu diante se aluz! Agora havia luz nos olhos das criou a parti Sol”, respondeu de nés uma clara visao; fez- criangas. Sentiam que uma luz poderia se acender dentro delas, e que também o mundo é radiantemente iluminado. No dia seguinte, escurecemos a sala e acendi uma vela. Primeiramente, observamos como os contornos do espaco visi- veis saltavam de cd para 4 por causa do tremeluzir da vela. “A luz aumenta e diminui a sala”, disse uma crianga. Entao, contamos © que estavamos vendo. Os rostos estavam bastante claros, e os olhos excepcionalmente brilhantes. “Os olhos também so como aluz”, disse um menino, “como a luz interna”, completou baixi- nho uma menina. “Afinal, como sera que Deus fez a luz?”, perguntou um me- nino, “Ele criou o sol a partir de seu grande calor interno”, res- pondeu outro. “Entao, o sol é, na verdade, o brilho de Deus”, dis- se novamente a menina quietinha. “Mas, 0 sol s6 brilha de dia”, disse um menino. As criancas concluiram que cada ser humano também carrega uma luz dentro de si, que também pertence a Deus, da mesma maneira como 0 sol no céu é de Deus. Desta maneira, acrescentamos ao luminoso espaco exterior um espaco interior. Esta foi a preparagio para o dia seguinte, no qual viven- ciariamos a criacao dos seres humanos. Queridos pais, permitam-me retroceder a0 momento do inicio de nosso encontro, quando refletimos sobre as diferengas Que existem nas formas de vivenciar o tempo, na crianca e no adulto. Vimos que, em nossa vida de adultos, a vivéncia do tem- Po, tanto de partes do futuro quanto do passado, esta fortemente obscurecida e que, na verdade, temos apenas a pequena faisca de luz do momento atual. A crianga entre o nono e 0 décimo ano de vida também é limitada por este espaco de tempo e pode — como viram - se ver numa situacao bem complicada: por um lado, ela precisa deste limite para encontrar seu Eu; por outro lado, no deve perder totalmente sua conexao com o mundo espiritual, tri- vialmente dito, algo como manter pelo menos um fio conectado. Portanto, depende muito de como ela vivencia este limite. ‘Temos duas maneiras diferentes de olhar para o tempo: o passado e o futuro. O passado, da maneira como nossa cons- ciéncia de adultos o sente, é escuro. Mas, a corrente dos tempos nao jorra do futuro através do presente, para sumir com o passa- do, como julgamos na nossa visio horizontal de mundo. Acom- panhemos a histéria da criagio no primeiro livro de Moisés, no qual o passado se torna vivo e, desta maneira, a recordagio ga- nha uma diregao totalmente diferente e uma forga significativa. Nao tomamos 0 caminho que, pela recordagio, leva ao exterior, mas diminuimos este caminho 0 quanto € possivel. Se esvaziar- mos nosso pensamento e fecharmos 0s olhos, deparar-nos-emos com o Ser atuante. Onde estava tudo antes de existir? La esta a fonte de onde se deriva a luz. Luz que depois reencontraremos no exterior e no interior. Luz da qual a crianga nasce. Na qual ela se encontra, a si propria, o seu Eu. Vimos, no tremeluzir da chama das velas, o gesto vivo da luz. Nisto hé algo semelhante: podemos comparar o gesto da luz com a encarnagao da crianca. Da mesma maneira como a luz tor- na o espaco visivel, vemos o cerne luminoso da crianga, ¢ como ele surge no corpo visivel no qual se encarna: de cima para baixo, da cabega, por cima do tronco, para os membros, impregnando © corpo. Assim, o Eu pode entrar e reinar sobre 0 corpo. Este procedimento estrutura e sustenta a visdo vertical, ereta e clara de mundo. A crianga anseia por isto para ndo se tornar solitaria, como aconteceria se a visio de mundo fosse a horizontal, que leva a escuridao. ‘Até aqui, queridos Pais, recordacio, para que ela nos conduzisse aremos 0 proximo passo na atualida- ressio dos sentidos. Como conduzir sua vivéncia usual, de maneira que procurei mostrar a vocés a manei- ra como demos forma a a nossa origem espiritual. D: de, Como aprofundar a imp! acrianga a uma mudanga de cla nao sinta apenas a press espiritual? Deixemos de lado a vamente 4 nossa sala de aula. Chegamos & criagao do ser humano. As criancas ouviram que Deus criou primeiro a natureza € foi s6 depois disto que Ele criou o ser humano. Elas ouviram também que os anjos levaram para Deus tudo que encontraram na natureza. Trouxeram pe- dras, e delas Deus formou os ossos. E da terra, 0 que Ele formou? ‘A carne. E da onda? O sangue, as lagrimas e a saliva. E do vento? A rrespiracdo. E do sol? O coragdo. Assim eu fazia as perguntas € as criancas respondiam animadamente. Juntamos muitas coisas. “Mas, ainda falta algo, algo que 0 ser humano traz em si como a coisa mais preciosa, que Deus nao tirou da natureza e que Ele nao péde transformar. O que sera?” “Um caracol!” - “Sim, quase nos esquecemos do caracol. Ele veio no final, e Deus formou dele os misculos das orelhas. Mas, quando tudo estava pronto, Deus Pai quis tirar algo de si para acrescentar...”- “Seu sopro!”, gritaram algumas criangas. ‘Sim, o primeiro ser humano recebeu Seu sopro divino. Assim, ‘Adio acordou para a vida”. ___ "Nos também vivemos porque conseguimos respirar. Se nao tivéssemos este sopro divino nao poderiamos viver”, desco- o do momento e sim a presenga do hist6ria da criaco e voltemos no- briram as criangas, e cada uma tentava — algumas timidamente, outras tempestuosamente — fungar, chiar, soprar - reinava gran- de animagao com todos esses barulhos ¢ sons. __.__ Nesta animagio ainda nao havia aparecido a cantoria. Deixe-nos ouvir que som maravilhoso a respiragio tem”, e esti- mulei as criancas a entoarem juntas o mesmo tom. Quando isto aconteceu, dividi a classe. Enquanto a metade continuava a en- toar o mesmo tom, a outra metade cantou a terga maior. A seguir, entoamos a terca menor e fomos trocando: tera maior, terca me- nor, sustenido, bemol, fora, dentro. Apesar de termos feito este exercicio de canto por nao mais do que cinco minutos, 0 efeito foi muito forte e surpreendente para mim: quando me despedi das criangas, as mos que me deram estavam quentes e pulsantes! Desde enti, fazemos todos os dias este exercicio de canto. Que grande vivéncia € esta, que atravessa e liberta as almas das criancas? Elas pressentem que 0 mundo - que se expande a sua frente — quer desvendar um grande segredo. Elas escutam a respiragao de Deus no vento, a voz de Deus no trovao, sentem, no distante e profundo azul do céu, a alma de Deus e reverenciam Sua enorme forca quando olham para o sol. Um jibilo trespassa aalma infantil quando ela se conscientiza que a natureza inteira & criagdo de Deus, na qual os passarinhos cantam, a chuva cai € os carneirinhos pulam. E ganham uma sensagao cada vez mais prazerosa porque também suas vidas tém uma origem divina. As criangas conseguem vivenciar seu corpo como novo, formado por Deus e dado a elas. E, subitamente, que presente sio os pés, que as carregam pelo mundo, as maos, que fazem tantas coisas! E, deste jabilo, jorra amor e gratidao para com o espirito de Deus. Vejam como uma crianga expressa estas vivéncias num salmo e faz a Agua “respingar” através de um senso de eriativida- de linguistica inconsciente: Obrigado Senhor, Por poder respirar, por poder viver. Por poder ver como os carneirinhos saltitam, Como os passaros gorjeiam, como a chuva cai, Como a agua espirra.. . Obrigado por ter-me dado ouvidos, que me permitem ouvir Quando Voce quer falar comigo... Por conseguir andar quando quero partir Ou quando brinco de pega-pega. Obrigado por ter me dado bracos para poder Lhe receber, Ou quando preciso buscar algo... Agradeco pelo milho, com seus graos dourados que me alimentam Qual luz é a luz eterna? Do que é feito o Deus do Céu? Creio que da Luz Eterna; O Senhor dé a cada um de nés Uma pequena centelha da Luz Eterna. Por tudo isto, Ihe agradego. Com isto, os ‘porqués’ da menina de nove anos foram to- dos libertados, nasceu um novo sentir. Tentamos por no papel, através de pintura com aquarela, as impressdes grandes e fortes, bem como as palavras de Deus: “Faga-se a luz”, Entabulou-s Se, entao, uma conversa e as criancas disseram que ela brilhe mais do que quando esta den- ‘a se pintarmos de tal maneira ~“Ela nao brilh, ue ela fique grossa sentimos a forga de Deus no coracéio”, Quando as criangas, pela primeira vez em seu tempo de escola, pintam 0 amarelo, fazem de tal maneira que a cor fique bem brilhante. E 0 mais bonito desta aula foi que a crianga que havia respondido “em lugar ne- nhum” & pergunta sobre onde estavam todas as coisas antes que Deus as criasse, fez uma pintura muito bonita. Queridos pais, vimos que entre os nove e os dez anos, os periodos do passado e do futuro comecam, pela primeira vez, a ficar obscuros. A crianga agora forma também ideias de tempo como: “ano passado”, “proxima semana” “no decorrer de dois meses”, coisas que ainda nao conseguia pensar no passado, por- que nao Ihe eram palpaveis; ela aprende agora a usar consciente- mente o verbo para expressar o que é, 0 que era e o que sera. Em outras palavras: a consciéncia da crianga se aproxima da cons- ciéncia usual do adulto. ‘Anteriormente, vimos a pergunta sobre como clarear a vi- véncia obscurecida de espaco de tempo do passado. O segundo passo foi quando Ihes tentei mostrar como aprofundar a cons- ciéncia do presente de tal maneira que a impressio dos sentidos se expanda; que a crianga olha para 0 mundo e vé mais do que as impressées exteriores dos sentidos; que toda a plenitude do sen- tir aquece as impressées dos sentidos, modificando o momento oscilante, transformando-o em algo equivalente ao brilho espiri- tual. Quero dizer que isso saiu do Salmo; mas eu também vivio fato, quando as criangas, de repente, em seu respirar, chamaram. algo de divino — vivo, e isto também péde se tornar claro por suas opiniées durante a aula de pintura. ‘As cores soam de forma harménica ou de forma dissonan- te quando estio juntas, e estes sons harménicos ou dissonan- tes despertam nas criangas o sentido para o belo e para o feio. Algumas criancas sentem as cores como seres; outras precisam de ajuda, precisam que Ihes contemos como as cores se sentem, 61 ol conforme as pintamos a0 Jado de outra, desta ou daquela manei- ra, Na mudanga desta jdade podemos perceber como a crianga ee omma eada vez mais independente para ouvir 0 som da cor. Podemos dizer: até entdo a arte servia a crianga, quando ela fazia, maravilhosos desenhos; mas, a partir de agora, como em sonho, ria crianca se torna uma servidora da arte. algo se modifica: a prop Retornemos a tiltima pergunta: de que maneira podemos preparar a crianga para 0 futuro, para que ela possa se apoderar com entusiasmo de sua vontade? Vontade esta que vem do futu- ro ao seu encontro. Voltemos mais uma vez A historia da Criagdo do Mundo. Quando contei sobre o “pecado original”, senti, pela pri- meira vez, que as criancas se indignaram com a histéria. Isto era novo para mim. Claro que as criancas sempre se indignam um pouco quando acontece algo ruim ou errado numa histéria, mas também existem aquelas que concordam, porque ficam curiosas para saber as consequéncias. Desta vez, elas se opuseram ao fato do mais profundo de seus seres, o que foi confirmado pelas lagri- mas tanto de meninas, como de meninos. A expulsao do paraiso como consequéncia do “pecado original”, que até hoje se aplica a todos, abalou profundamente a classe. Ainda quero acrescentar que, para mim, o arquétipo para i ae iat noe €0 momento na porta do paraiso quando ele eet tenho amor verdadeiro pela crianga ou esse amor ivenic¢ i a, fente € um pouco equivocado? Quanta forca esta postura vente exige de Deus Pai! Quo mais “humano”, “bondoso” € “amoroso” Ele seri “perdao”, ‘ ieee le seria com. um “perdao”, ao invés de uma postura rte! Mas, 0 que isto causa na crianea? “Podemos voltar ao paraiso?” » Pergunta o casal. E uma vagarzinho, se vocés cumprirem seus deveres na terra”, e fecha a porta. Estamos aptos para ter uma atitude como esta? Pessoal- mente gostaria muito mais de nao ser tio severo. Mas vivenciei a magnitude da béngo que esta atitude coerente, severa, mas néio autoritaria, representa para toda a vida futura da crianga. Do que consta esta béncao? A pergunta na porta do paraiso néo é nada mais do que o nascimento da religido, pois a palavra religio, do verbo latino recligare, significa “me comunicarei de novo”. A pergunta ndo teria se fixado com tal forca na alma humana se tivesse faltado a atitude coerente, severa, de Deus Pai. Vejamos 0 problema: é possivel que a religiosidade se forme corretamente numa crian- ca nesta idade, se lhe faltar a autoridade? Gostaria de dar con- tinuidade & narrativa sobre a atual época escolar da classe para voeés terem mais pontos de vista, que os ajudem a elaborar suas proprias respostas a esta questo. Acredito que vocés encontrem uma resposta quando virem o efeito que 0 impulso do principio de autoridade provocou nas criangas. Nos dias seguintes, conversamos sobre as consequéncias da “Queda do Paraiso” para a terra. - “Para que eles, Adao ¢ Eva, a partir de entio, pudessem diferenciar o bem eo mal” - “Para que eles adquirissem uma consciéncia” - “Deus deu tudo para eles no Paraiso e agora eles mesmos precisam trabalhar” - “Para que as pessoas aprendessem a ajudar umas as outras.” ‘As crianas estavam chocadas sobre como Adio e Eva pas- suridao e a solidao, 0 frio e a fome. uuntas e mais perguntas, de uma sstes trés anos: “Addo e Eva s?” —“O anjoestava com - saram a primeira noite, a esc As préoprias criangas fizeram pergi maneira como nunca haviam feito ne puderam se comunicar de novo com Deus eles?” — “Como se protegiam dos animais selvagens e do tempo ~Eles tinham s6 peles ou também podiam vestir roupas?” — “Como fariam ferramentas e de Havia uma caverna para cles?” — oF | tinham?” — Perguntas e mais pergun- onde sabiam que aspect wns da religido, mas também da arte e da nio s6 sobre as origel tas, ciéneia. Comegamos a reinventar os bens culturais no mundo, co- mecando pelos trabalhos manuais. Que ferramentas podem ser feitas da mio, do punho, dos dedos, das unhas? Inventamos a pa, o martelo, 0 pente € 0 serrote, a faca e muitas outras coisas. O querer inflamou-se ao maximo quando discutimos sobre a cons- truco da casa e construimos uma casinha no patio da escola. As criangas até queriam continuar a construgao na chuva e se tor- now inesquectvel para mim quando continuaram a serrar tabuas ao ar livre, quando ja estava nevando e soprava um vento frio. ‘Todos os trabalhos manuais foram pesquisados e, de pre- feréncia, feitos imediatamente, 0 que, em parte, foi possivel rea- lizar em nossa casinha, Quando perguntei as criangas, depois de algum tempo, onde elas prefeririam morar — se no paraiso ou na terra — a resposta foi unanime. Todas queriam morar na terra, porque nela também se poderia fazer algo. Afinal, 0 que a “ex- puls&o” provocou? Desencadeou um fluxo criativo de iniciativas! Depois da “expulso” surgiu um tempo totalmente novo em nossa classe. Tudo o que acontecia a partir dai tinha a influén- cia da atitude questionadora. Procuravamos, também nas aulas, cultivar a pergunta como elemento metodolégico. Consistia em fazermos apenas a pergunta, sem imediatamente dar a respos- taa nos mesmos. Em outras palavras: tentavamos — na medida do possivel, com o maior esforgo de que fossemos capazes - nos manter fora do jogo. Isso nao era outra coisa sendo tentar aplicat Deets Coerente de Deus Pai”. Era dificil » Igante colocar este limite preciso. O resultado foi um inacredita vel fluxo di Ser do futuro. Irae conexao com 0 Queridos pais, vimos neste nosso encontro como a crianca entre os nove e os dez anos sente a finitude do tempo de modo semelhante ao nosso. Ela sente, pela primeira vez, que o futuro eo passado desembocam na escuriddo, Ela se amedronta com 0s limites provenientes de uma visio de mundo alinhada apenas horizontalmente. Depois, vimos que podemos dar a recordacao outra direcao, na qual ela ganha forga e claridade. Desta maneira, as criangas puderam responder “estavam com Deus” a pergunta “onde estavam todas as coisas antes que Deus as criasse?” Isso condiz com uma visdo de mundo justa e equilibrada. Tendo em vista o futuro, também seguimos um caminho diferente das in- vengdes e das especulagSes, que nos manteriam presos a diregao horizontal. Enquanto exercitévamos a pergunta como um passo metodoldgico — segurando-a, mantendo-a como a uma bacia — sentimos como esta se preenchia de forca de vontade e ideias. Desta maneira, também se pode vivenciar a visdo equilibrada e independente do mundo, a partir da qual o futuro nos inspira com entusiasmo. ‘A vida do camponés nos mostra, de uma maneira muito bonita, sua triplice ligacéo com o tempo: ele colhe aquilo que cresceu no passado; nutre e cuida no presente; enquanto semeia, prepara o futuro. A vida do camponés é muito importante para a crianga nesta idade, porque consegue integrar-se, de maneira saudavel, no fluxo triplice do tempo, que se fecha em um todo. Quero, ainda, me precaver de um engano, que talvez possa acontecer. Pode ter surgido a impresstio de que meu propésito se- ria excluir a visio horizontal de mundo, de preferéncia substitui-la pela vertical. Nao é isto. Se eu fizesse isto, cairia num grande erro. En ignoraria a possibilidade de desenvolvimento do ser humano! Pois, quando a alma humana procura repetidamente abrir cami- nho e se afastar da visio horizontal de mundo para se aproximar da visao vertical é que surge sua identidade absolutamente tinica. que seu filho ha mais ou menos sete agora, pela primeira vez, consegue piral do tempo. Este Da mesma maneira disse a palavra “eu”, ele, 11 Eu como algo atuante na es} ntissimo entre o nono € 0 décimo ano de vida. dado algumas ideias para voces. anos, sentir 0 set ‘um passo importa Neste sentido, espero ter UMA REUNIAO DE PAIS NA OFICINA Hoje, aqui em nossa oficina, com avental e argila, tenho 0 prazer de saudar os senhores, queridos pais. Eu também gostaria de dizer algumas palavras sobre como surgiu a ideia desta reu- nido. Em nosso tiltimo encontro, ouvimos a frase: “assim como 0 seu filho, ha mais ou menos sete anos, disse a palavra Eu, agora ele pode vislumbrar o seu Eu como algo atuante na corrente tem- poral”. ‘Alguns pais manifestaram 0 desejo de um aprofundamen- to neste tema ou, para ser mais preciso, queriam algo mais con- creto. Ao me perguntar: “como é possivel entender isto melhor?”, veio-me a resposta: “talvez através de um trabalho com argila.” E com a argila que trabalharemos hoje. Faremos duas es- feras. Moldaremos a primeira como fizemos na 1* série, repre- sentando, assim, 0 periodo no qual a crianga ainda se encontra na fase do imitar, mesmo que este imitar nao seja tao intenso como era ha sete anos. Depois, formaremos uma segunda esfera, como aquela que fizemos na 3° série, para que assim possamos perceber e entender melhor a diferenga, 0 novo. Comegaremos com a esfera da 1 série, na qual o padeiro mestre - 0 polegar - diz aos seus aprendizes, os outros dedos: “venham, vamos partir esta massa em pequenos pedagos. Vamos assar paezinhos para os andes”. Com estas palavras, 0 professor segurou em sua mao esquerda uma porgao de argila, tirando pe- dacinhos da mesma. “Coloquemos os ‘paezinhos’ sobre uma té- bua de madeira até que a massa acabe.” 67 mo pedago de argila nas maos e emente a conversa alegre ativo, que foi mui- Enquanto os pais segurava tiravam pedacinhos dele, surpreendent rgiu um amassar silencioso € lo os torrdes estavam totalmente separados, “agora farei algo magico. Para emos que nao existem mais ‘pae- ‘abelhas’ andando por todos os desapareceu. Su to benéfico. Quand 6 professor prosseguiu, dizend ondea vista se dirigir, imaginar zinhos’ sobre a mesa, Mas, sim, elas 6a maior. Fa ‘abelha rainha’. Nés a pegamos ‘uralmente, todas as outras vio querer estar Dizendo isto, pegou pedacinhos .do indicador e no dedo lados. Uma de com os dedos e, natt co mais proximo possivel dela” de argila, colocando-os no polegar, no de imédio, para que as “abelhas” pudessem se assentar em volta da “abelha rainha”. “Precisamos tomar cuidado para que as ‘abelhas’ n&o nos piquem’, disse um pai brineando. “Isto so acontece quando as apertamos demais", respondeu o professor sorrindo. Com um prazer visivel, os pais trabalhavam para formar suas “esferas- -abelhas”, Surgiram figuras bem arejadas, sem qualquer sinal de pressio exagerado por forca externa. Uma mie, percebendo que todo 0 trabalho fora feito com as pontas dos dedos, disse: “na €poca de escola, nao conheci tantas sensagées nas pontas dos de- dos como estou sentindo agora. Esta foi a esfera da 1° série. Podemos deixa-la de lado e fazer agora a esfera da 3* série, que deve ter trés vezes mais argila do quea da1* série e, para que nao percamos nada, vamos amas- sé-las juntas, um pouco mais. Agora seguremos a argila com uma das maos e com a outra fagamos um punho. Vamos comegar em qualquer lugar. Vamos tentar amassar a argila com os nossos pUu- nhos. Toquemos cuidadosamente os torrdes sempre com a mao secundaria. Ela éa mio ajudante, que cuid: i 5 fepemhinisscase nate ai " la para que os torrées e transformem em uma bela e redond: * esfera, enquanto a outra mao, 9 punho, a mao traba- Ihadora, forma cuidadosamente o espaco interno. Mesmo que ambas as maos tenham tarefas diferentes, elas sempre trabalham em harmonia. “Nao seria melhor se colocdssemos a argila sobre a mesa ou se a levéssemos a nossos colos?”, quis saber um pai. Mas, 0 professor disse ser importante que as duas maos trabalhassem em conjunto, pois, desta forma, as diferencas entre as duas esfe- ras se tornariam mais perceptiveis. ‘£, um trabalho Arduo! As nossas criangas conseguiram?” O professor assentiu que sim. Por fim, o trabalho estava conclui- do, Uma esfera oca maior e uma “esfera-abelha” menor estavam_ Jado a lado, como testemunhas de dois processos distintos. Na esfera completa, atua a forca vinda somente de fora, enquanto que, na esfera oca, a forga vem de dentro. ‘Agora, peguem primeiro as esferas de ‘abelhas’ e as pas- sem para o vizinho da direita até que sua esfera tenha passado por todos, e retorne as suas maos”. “As esferas so tio diferen- tes”, admirou uma mie, "As vezes grandes, as vezes pequenas, As vezes quentes, as vezes frias ¢ também com diferentes texturas: duras, macias. Eu jamais poderia pensar em algo assim”. “Foi muito gratificante o fato de todas as nossas esferas terem passa- do por todas as mios. Isto foi como uma saudagao carinhosa!”, acrescentou outra mae. “Entao, saudemos também as esferas ocas e as deixemos circular”, sugeriu 0 professor. Esta ceriménia foi mais animada do que a anterior. Os pais estavam fascinados. “Pensei que fosse dificil segurar a esfera oca, mas isso foi quase melhor do que a esfera de ‘abelhas’!”, disse uma mae sor- rindo suavemente. “Isto nao é um paradoxo? A esfera oca contém mais argila... Nossa sensacao subjetiva as vezes também perce- be as qualidades objetivas”, disse 0 professor. Trabalhamos com para a formagao do nosso mun- forgas césmicas que contribuem Ela se formou através do, nossa Terra, que também é uma esfera. « vindas de fora: encontramos isto em sedimen- de concentragde 1 Mas nela também atuam forgas internas, tos de rocha, da cal encontradas em rochas eru} ‘entimos 0 que vem di ‘Talvez os senhores também sintam isso. Ago- urante a modelagem. :ptivas e vuledes. le dentro como leve, e o que vem de fora como pesado. ra me sinto um pouco mais pesado do que du Por qué? Com a modelagem estivamos mais ligados a esta forca que vem de dentro. E agora? Somente escutamos 0 que vem de fora e nossos pés pesam. Por isto sugiro que peguemos cadeiras ‘ou bancos, para nao cairmos mortos de cansa¢o. “Nao 6 curioso?”, disse outro colega quando todos encon- seus lugares para sentar. “Ja vi que através da maneira foram formadas se expressa todo o desenvolvi- s! Nesta fase do imitar, onde a forca traram como as esfera: mento das nossas crianca: formadora atua de fora, coletamos ‘abelhas’ de muitos lugares diferentes, mas quando esta fase do imitar vai diminuindo e na crianga a forca interna se forma, partimos também do interior”. “Acho que qualquer crianca pode fazer a esfera das ‘abelhas’, mas ser que 0 mesmo acontece com a esfera oca?”, comentou uma mie que trabalha no jardim de infancia. “A esfera das ‘abelhas’ 6 praticamente um trabalho feito com as pontas dos dedos, en- quanto que a esfera oca precisa ser modelada de outra maneira! “E exatamente o que eu quis dizer! A crianga realiza uma experiéncia profunda e nova. Ela modela, aperta e vé como a es~ fera se transforma em uma capula, 0 punho modela de dentro. Entio ela sente — pois nao consegue ver — que dentro desta esfera algumas partes so mais grossas e outras mais finas. Desta ma- neira ela vivencia 0 seu mundo interior e se torna ativa no mundo quando trabalha as irregularidades, Que bom quando uma crian- ¢a, ja nesta idade, tem a experiéncia de poder atuar de dentro a aie para fora, de nao ser impotente em relag&o aquilo que acontece! ‘Fascina-me a esfera das ‘abelhas’ e como as criangas Vi- venciam esta fantasia”, disse uma mie que era professora de trabalhos manuais. “Veem realmente a argila, os ‘piezinhos’, as ‘abelhas’, e, com isto, 0 espago todo se permeia. Elas andam ‘até mesmo nas molduras das janelas e nos bragos das cadeiras, nos contou, entusiasmada com sua experiéncia, nossa filha Sa- bine. “Por que as criangas se espalham para todos os lados? Elas brincam, mas depois nem pensam em arrumar o que desarruma- ram’, acrescentou um pai A crianga nao vive totalmente em seu espago enquanto esta na fase do imitar. Por isso trazemos a ‘rainha’ para a brinca- deira. Ela 6 0 centro. A crianga traz isso para dentro de si. Todas as centenas e milhares de impressbes que atravessam sua alma de crianga esto dentro destas esferas e ela se percebe nos de- dos”, replica uma camponesa. “Claro que precisamos estimula- -las um pouco, sozinha isto nao é possivel.” “Neste contexto, eu gostaria de acrescentar algo”, conti- nuou 0 professor. “Quando fizemos este exercicio ha trés anos, na 14 série, eu Ihes contei a histéria da Rapunzel de repente me ficou claro 0 que eu, de fato, estava contando, A bruxa pega a tesoura e corta as longas e belas trangas de Rapunzel pelas quais 0 filho do rei podia escalar a torre. O que faz a bruxa? Ela corta, separa a crianga do seu entorno. Isto 6 um choque inacreditavel para Rapunzel e para 0 filho do rei. Alma e espirito se separam, nao podendo mais se encontrar. Um siléncio impressionante se espalhou entre 0s pais. Depois de refletir por um tempo, um pai disse: “o senhor me per- mite acrescentar mais uma pergunta? A sua descrigao deixou 0 consegui formar um quadro do todo. cisa acabar um dia? Em algum m tornar-se pessoas com ermanecer para sempre Igo errado?” que pensar e eu ainda nao Esta ‘primeira infancia’ nao pre momento estas criangas nao precisal raciocinio proprio? Elas nao poderao P' nesta fase do imitar - ou estou entendendo al al ‘Alguns pais pareceram inseguros, outros olhavam espe- rangosos para 0 professor, que ouvia tudo com total interesse, Mas antes que ele dissesse algo, uma jovem mie se adiantou: “me criangas carregam em si uma forga vigorosa desta pois esta forca nao se rompeu - ela se transfor- mou.” Outra mie acrescentou: “de onde nossas criangas recebe- ram esta forga maravilhosa de formar a partir de dentro? Toda advinda da sua relagéo com 0 espago, pode se trans- parece que as fase do imitar, esta forca, formar agora em outra forca? No futuro a crianga poder utilizar esta forca para se relacionar e transformar 0 seu ambiente, ao invés de imité-lo?” “Se me pergunto de onde as criangas da 34 série recebem esta forca, preciso dizer que é uma corrente de forgas que antes atuava de fora, mas que agora brota internamente’”, disse uma terceira mie, apoiando o que as duas anteriores relataram. “E é muito importante que esta corrente de for¢as no se perca e sim que possa se transformar, se individualizar...” Um senhor, que ouvia atentamente e concordava com 0 que esta mae havia dito, tomou a palavra, ponderando: “existe algo no mais profundo da crianca que se tornou vontade. Acre- dito que, para poder se transformar em adulta, a crianga precisa que esta vontade adentre seu corpo. Para nés, pais, ainda hoje esta vontade esta presente de alguma maneira. Quero dizer, esta éa minha vontade de vida, a forga que me faz sentir conectado com as pessoas, com 0 meu entorno, com a Terra como um todo. Serd este o Eu transformador que é como uma fonte, que nunca se esgota?” ___Estas palavras soaram para o professor como agua em seu moinho, mas mesmo assim havia algo mais. “Desculpem-me vol- tar mais uma vez 4 minha pergunta”, disse 0 mesmo pai que j4 tinha exposto que o desaparecimento da capacidade do imitar € algo necessario para o desenvolvimento do pensamento inde- pendente. “Eu gostaria de tentar formular minha pergunta mais tnma vez com outras palavras. Onde esté a diferenca entre a bruxa ea sua metodologia em relacao a esta fora do imitar? Esta per- gunta é clara para o senhor2”, perguntou 0 pai. “Neste caso, concordo completamente com a opiniao dos senhores! No entanto, a energia da imitacdo precisa terminar para que a crianga possa se tornar um ser completo.” Dizendo isto, o professor se depara com olhares perplexos. “Mas, a minha metodologia se diferencia da metodologia da bruxa. A bruxa im- pede, desde o comeco, que Rapunzel se conecte com seu entorno. Ela a prende em uma torre. Depois, vem a tesoura: a tranga que até entdo era a sua tinica ligagao com 0 entorno, cai. Ao contra- rio, eu nao preciso de torre nem de tesoura. Eu quero somente que a crianca adquira impressoes sensoriais satisfatérias de seu universo e sei que a forca do imitar diminuiré radicalmente um dia e, por isso, nao preciso de tesoura. Mas, antes que esta ener- gia diminua, principalmente na 1* série, e também na 2, ainda tento levar esta forca para dentro da crianga através de tarefas que possam atingir seu interior. Talver.eu ainda deva acrescentar que na 2° série ha uma importante transicao antes das tarefas que serio apresentadas na 3° série. Na 2* série formamos o que chamamos de ‘cumbuca do polegar’. O polegar pressiona a esfera a partir de cima e os outros dedos tentam girar a esfera um pou- quinho, para que ela no seja apertada sempre no mesmo lugar.” Na 1° série inicia-se o gesto primeiramente no plano, onde nao existe volume, nada realmente pesado, nem um ponto cen- centro, Pode ser um espago onde as ‘ou construimos um muro spécie de Fazendo tral. Depois plasmamos um criangas correm sobre riachos e rios; com muitas pedras nos campos. Assim, surge uma e centro ao qual a crianga chega e pode se concentrar. isso, ela consegue assimilar bastante do seu entorno, ¢ até en- tendé-lo através dos torrdes de argila. Um dia ela descobre algo: 73 val uma forga dentro dela, com a qual quer fazer algo a partir do seu interior, a partir de si mesma. Recebe um torrao de argila para fazer uma esfera - nao a partir do exterior, e sim do interior. No inicio, isto nfo é facil. Ela pereebe que precisa usar suas mos de maneiras diferentes de como as usava anteriormente. As duas mios nao podem mais fazer a mesma coisa. E, assim, percebe 0 que é externo ¢ 0 que é interno, através do mistério da interiori- zagao. Nasce a autonomia. “Jé fiz um exercicio parecido com este na modelagem”, disse a médica que coordena o consultério da escola e cujos filhos estudaram na escola. “Desta vez, pude per- ceber nitidamente que na esfera oca nao atua somente uma forca de dentro, Na verdade isto é 0 novo que nao acontece na esfera das ‘abelhas’. Mas, no entanto, a forca externa também atua atra- vés da outra mao. E a tarefa é, pelo que me parece: precisamos harmonizar a oposigao existente entre a forga que vem de dentro ea fora que vem de fora. Pois, quando esta forga interior da dircita, totalmente bruta, irrompe sem a oposigao da forga ex- terna da esquerda, acontece algo terrivel. Mas, se as duas forcas, dentro de mim, harmonizam este conflito e atuam em conjunto de forma tranquila e clara, surgird algo novo. Entdo, a crianga se tateia como em seu préprio sistema ritmico e poderd sentir-se nesta corrente de forgas carregada pelo ritmo que nos alimenta dia noite sem se cansar. Esta 6 a corrente de energia césmi- ca, mencionada pelo senhor. E, com isto, pode acontecer que @ crianga sinta estar adentrando em seu proprio corpo, sentindo-se confortavel e com as bochechas vermelhas. Com a mao interna, ela plasmard permanentemente a cavidade e, com a mao externa, 7 bao eo piri também se formam de dentro desce constante do diafragm ee ee forma 0 edneavo e com a troca dos dentes, 6 comega na 3 Tespiracdo ~ a conexio com o sister € 0 sobe & vexo, Com série 0 amadurecimento da "ma ritmico — e, com isto, a respiragao, aos poucos, adentra o corpo. A respiragdo toracica, mais superficial, pode progressivamente dar lugar a respiragao central “Estou feliz por termos trabalhado hoje com a argila de panela endo com a argila de tijolo, que gruda nos dedos, ¢ pode dificultar o trabalho ritmico.” Podia-se ver no rosto do professor © quanto estava impressionado com as ricas contribuigdes dos pais. Entao, ele se dirigiu ao senhor que fez a pergunta sobre os diferentes métodos em relago & idade do imitar: “conseguimos responder suas perguntas?” “Acredito que a sua pedagogia ficou mais clara para mim. Algo que eu ndo conhecia antes. Mas, sera que podemos saber se ou como o senhor aplica isto nas aulas? Quero dizer, no cogniti- vo, no emocional e no social, acima de tudo? Ou estou pedindo demais?” “Por mim, tudo be nhores ainda tém forcas suficientes? Querem mesmo ouvir como abordamos nas nossas aulas as experiéncias com a modelagem’ apontava para uma 0. ”, disse o professor. “Mas, os se~ Um feliz consentimento por parte dos pi resposta positiva. O professor se sentiu bem com esta de “Quando introduzi para as criangas os gestos basicos da modelagem, estava bem ansioso para ver se elas também pode- riam perceber 0 modelar, assim como na 1¢ série, quando apren- deram as linhas retas ¢ curvas, e, mais tarde, as descobriam por toda a sala. Entdo, perguntei para os alunos da 3* série onde viam a barriguinha e a cumbuca dentro da sala de aula (a ex- pressio barriguinha referia-se as formas convexas e cumbuca as formas céncavas). Uma lampada, quando vista de baixo, parece uma cumbuca, e de cima ela é ‘barriguda’. Isto também acontece na ferradura acima da porta, nos bracos da cadeira, no bolso da calca, por dentro e por fora, na pia de cima e de baixc : “Entdo nos deparamos com um grande mistério: como € isto com as quatro paredes, com o telhado e com 0 piso? Eles pa- ou sao barrigudos? Isto pares ‘ia bem dificil, até cumbucas nae tas, as paredes parecem cumbucas, priv: jun ue uma aluna descol ‘ : nao nao poderfamos estar dentro da sala de aula’. E um aluno sa 0 acrescentou: ‘mas, se estou em cima do telhado, a sala de aula é da nossa descoberta. O que parriguda.’ Este foi o ponto maximo we de tio fascinante nisso?” Os pais ainda estavam bastante con- centrados na descrigao do professor, quando uma mie disse: “as criangas descobriram fora e dentro de uma nova maneira. Isto jiscomeca quando elas olham para o lustre, aberto para baixo e, mesmo assim, o reconhecem como uma cumbuca. Até entao, es- tavam acostumadas a combinar o conceito de cumbuca com algo que nao deixa vazar nada; no entanto a lampada est de ponta cabeca. Também o bolso da calga me fascina. és 0 tocamos por dentro e normalmente nao entendemos 0 lado de fora. Mesmo assim, a crianca pode perceber o externo pelo seu pensar e assim também a sala de aula! Toda parede é bem reta. Nao é barriguda ou ‘cumbuca’. Mas, a visio a desperta e ela pode ver que as pare- des, nao sozinhas e sim juntas, constroem algo novo! Quero di- zer, ali se desenvolve uma capacidade de representacao mével”, acrescentou uma mie que trabalha como psicdloga. Houve uma pequena pausa para reflexao. “Estamos sentados como ‘O Pensa- dor de Rodin’, sorriu o professor. “Ainda temos duas perguntas em aberto: se e como a modelagem atua no emocional e no so- cial. Preciso confessar que eu ainda gostaria de pensar sobre isto. Precisaria de mais tempo e calma, por isso eu gostaria de pedir a Compreensio dos senhores para poder terminar por aqui.” “Acredito que, apesar de uma certa frustracdo, entende- mos. bem acrescentou uma mae de classe. “O rel6gio am mostra que nao podemos prolongar mais este amigavel encontro, nao é eee Acredito que foi Wilhelm Busch quem falou que sempre 10s alegramos com as visitas, Principalmente quando chegam e também quando vao embora! Mesmo assim, eu ainda gostaria de acrescentar algo: pessoalmente aprendi muito, pois fui des- pertada para duas visées diferentes: como podemos perceber a atuagdo do Eu em nossas criangas e que a corrente temporal é 0 sistema ritmico, onde a crianga adentra e encarna quando chega ao nono ou ao décimo ano de vida. Meus agradecimentos a todos que contribuiram com este encontro, seja com palavras, seja com contribuigdes internas e ativas!” “ainda tenho uma tarefa!”, disse 0 professor em tom de piada. “Alegro-me com o fato de termos realmente percebido hoje as duas esferas, mesmo que isto nos tenha deixado com as mios sujas. Mas imaginem se apenas tivéssemos lido isto em al- gum lugar. Ougo o GALLUS no nosso teatro de natal quando diz: ‘podem acreditar, eles nos dardo’. ‘Eles’ quer dizer aqueles que nao viram e nem vivenciaram o milagre do nascimento, e somen- te ficaram sabendo dele através de relatos de outros. Mas, um pouco de argila podemos encontrar em todos os lugares.” 79 DO INFORMATIVO ESCOLAR Gostaria de cumprir o que prometi no iltimo encontro isto 6, escrever algumas palavras-chave como respostas de pai 4s perguntas que me foram feitas: como e quando a modelagem pode atuar no emocional e no social do aluno? Em primeiro lu- gar, afirmo que todas as outras artes podem contribuir para que as criangas acompanhem o programa escolar, nao somente no cognitivo e no social, mas também na vontade. Para mim, pa- | rece que o modelar, nesta “época virtual”, pode trazer um bom. equilibrio, pois, primeiro podemos usar o tato e depois teremos 0 objeto nas maos até que possamos entendé-lo por completo. E, \ ainda mais uma tiltima observagio: 0 emocional e 0 social sem- pre caminham juntos. Minha contribuigao esta em um exemplo que abrange o emocional e o social. 4 As criancas ouviram a historia de “José e seus irmaos”, do Velho Testamento. José lhes conta o seguinte sobre seus sonhos. “No campo estavam doze espigas em circulo. Minha espiga es- i tava no meio. As doze espigas se inclinaram diante da minha. ele e nado tem a José no sabe o que este sonho tem a ver com Ele é, menor ideia de como 0 mesmo atua sobre os seus irmaos. em todos os sentidos, uma crian¢a pura, sem culpa, tanto no céu como na Terra. ‘Dentro’ e ‘fora’ ainda nao esto separados. Mas, 0s irmaos mais velhos entenderam este sonho de uma manei- ra diferente, na qual eles deveriam se curvar perante José. Por isso, eles o odeiam. Quando surge a oportunidade, jogam José, “o sonhador”, como eles o chamavam, no fundo de um poco sem ic ele se confronta com 0 medo da morte. Dias depois 0 gua, ond uma caravana, fazendo com que José yendem, sem compaixao, que Jo passasse a ter outro medo: o de seu encontro com 0 destino, vin- do de fora. Os senhores conhecem a histéria e 0 que José vivenciou no Fgito, no paldeio de Potiphars. Primeiro, a elevagio, depois, a profundeza do cércere! José passa por muitas e grandes provas interiores, que o transformam em outro José. Assim, chega o dia em que ele decifra um sonho para o Farad: “as sete vacas gordas representam sete anos ricos, ¢ as sete vacas magras representam sete anos pobres”. Assim como as vacas magras devoram as vacas gordas, assim sero as reservas dos anos gordos para os anos ma- gros. Aconselhou o Faraé a fazer provisdes durante os anos ricos para que, nos anos magros, nao houvesse fome. José deixou de ser um sonhador. O interior e 0 exterior se harmonizaram e, desta maneira, no existem mais dificuldades entre o mundo fisico e o mundo espiritual. Ele pode diferenciar os dois mundos e também relacioné-los, e isto é especial! Nenhum outro interpretador de sonhos, consultado antes dele, possuia este dom. Assim, José torna-se o primeiro ministro do Fara6. Nao contarei toda a hist6ria, mas quero recomendar de cora¢ao este maravilhoso capitulo da literatura mundial. Os se- nhores podem encontré-lo, por exemplo, no Velho Testamento, no primeiro livro de Moisés, cap. 37, Ié-lo junto com sua filha ou filho. Vou pular os trechos que relatam como José testa constan- temente seus irmaos, para saber se os mesmos se transformaram internamente desde que eles o venderam por 20 moedas. Neste sentido, 0 auge é a segunda viagem de seus irmaos para o Egito. oe criangas comecaram a chorar quando lhes contei como José, o forasteiro misterioso, vestido como uma pessoa impor- tante do Egit © Fgito, de repente, se depara com os seus terriveis ir- méos. Como ali o externo se transforma completamente no inter- no. Como, para os itmaos, mas, de certa maneira, também para nés ouvintes, aquilo que sempre foi externo, de repente, vibra em nosso interior, vive e até age. Nao em qualquer lugar, mas sim dentro de nés. Assim, algo no nono e no décimo ano de vida pode acordar. ‘Algo que permite a crianga ver sua comunidade de destino com outros olhos € que, também para nés, parece diferente. Esta per- cepcao pode ser estimulada e fortalecida através da modelagem. Naturalmente, isto nao € uma prova, no sentido tradicio- nal, da eficiéncia da modelagem. Mas, me impressionou muito como a turma se engajou e assimilou a histéria, depois que traba- Thamos com a argila, 0 que, nos anos anteriores, no aconteceu, pois nao haviamos utilizado a modelagem. Isto ja é o suficiente para me convencer. Quero dizer que, quando se compreende o sig- nificado interior de algo, nao se necessita mais de provas exterio- res. & melhor esperar até que o exterior se manifeste no interior. ler OS NOVE ANOS NA BIOGRAFIA. 'As biografias de pessoas notaveis podem nos ensinar muito sobre a transi¢do dos nove anos. Vemos que brota nesse momento a motivagao central da vida do individuo. F dito que Rudolf Steiner, certa vez, falou para Walter Johannes Stein que, aos nove anos de vida, cada pessoa encontra um ser humano cuja imagem marca indelevelmente sua alma. (1) Este € 0 caso de Heinrich Schliemann (1822-1890), 0 ar- queélogo alemao que descobriu as ruinas de Troia. Quando ti- nha nove anos, ele e sua amiga Minna, que era da mesma idade e morava na fazenda vizinha, tomaram uma extraordinaria deci- sfio: quando fossem mais velhos se casariam e, juntos, iriam loca- lizar Troia e os tiimulos reais de Mecenas. Mais tarde, o que estas criancas prometeram entre si provou ser a motivacao principal de toda a vida de Schliemann, mas elas foram separadas por um morte de Minna, Apenas o juramento que perda de Heinrich aos acontecimento fatal fizeram sobreviveu vitoriosamente a esta nove anos, uma perda que 0 arquedlogo nunca esqueceu. “Agradeco a Deus que, apesar de todas as dificuldades desvios de minha vida atribulada, minha firme crenga na inca me deixou! Somente no outono nge, muito longe dela — 10 de infancia, de existéncia de Troia nui de minha vida, e sem Minna — lo me foi permitido levar adiante nosso sonhe cinquenta anos atras.” (2) experiéncias que tev doutor Hans Carossa (1878-19560) relembrou ve entre seus nove € dez anos: cdo da febre encontrou a si O poeta € aalma liberta da agitac “Entio, mesma, arrastada deste caminho entre 0 tudo e o nada, de uma forma extraordindria. De repente, 0 garoto estava sonhando com uma figura, talvez um companheiro, talvez «am lider positivo ou um impostor; néo era nem um ho- mem nem uma mulher que ele tinha em mente, mas de- veria ser uma pessoa que pudesse Ihe mostrar uma vida incomparavelmente mais significativa que antes, e ele es- tava pronto para viver um grande sofrimento por isto.” (3) Vagos, mas, assim mesmo, reconheciveis, as descri¢des do Curador sio vislumbradas de modo confuso pelo garoto. Rudolf Steiner fala sobre os mistérios das forgas da cura: “Podemos experimentar a doenca e o desamparo e pode- mos experimentar o Curador, a forga da cura. Experimen- tamos 0 desamparo quando estamos conectados com a morte em nossa alma. Quando nos tornamos conscientes do Curador, sentimos que criamos algo em nossa alma que a qualquer momento pode nos proporcionar a experiéncia interna de nos erguermos da morte.” (4) Isto € 0 que o poeta-doutor, que curava através da palavra, encantadores de danga; quando terminou, as paredes pa- reciam ressoar e tremer por alguns segundos. Eva escutou. em siléncio quando comecei a me exibir um pouco com 0 Latim e a falar sobre minhas futuras atividades na cidade. Ento confidenciou que também tinha estado em Kading, que um irmao de sua falecida mae a tinha visitado, e que- ria levé-la para Munique e treiné-la para ser uma artista equestre. Ela montaria num cavalo branco e teria um ves- tido de seda azul esverdeado coberto com muitos espelhos mindsculos. Mas nao queria nada disso; queria se tornar ‘uma bailarina: “Vou conseguir.” disse ela. Retruquei: “An- tigamente vocé sempre quis montar a cavalo!” “Quando eu era crianca sonhava em ser um cavalo branco. Mais tarde queria cavalgar em um. Mas, agora quero dangar.” Nisto ela comecou a dancar novamente pelo quarto de um jeito leve e confiante. Olhei-a muito encantado; os ultimos tragos de desinimo desapareceram e, pela primeira vez, senti em meus membros uma satide renovada.” (5) O pintor austriaco Oskar Kokoschka (1886 - 1980) vi venciou sua transigao de vida deparando-se com a morte, 0 que dominou seus pensamentos e paralisou sua vontade. Uma velha contadora de historias que morava perto da casa do Oskar, havia morrido. Ele escreveu o seguinte sobre isto: “Realmente, ndo consegui entender o que significava estar Ja havia vislumbrado em sua infancia. Uma companheira de in- woe te : i Nelba que ele visita 9 garota doeate, Ela morto. A tinica coisa que sabia é que ela tinha desapare- ir Besoat pea sua sxpeneacia dos nove anos: cido, ¢ assim ficou. Nao posso apenas desaparecer desta ane ait trazendo lirios brancas e €n- forma, pensei comigo. Claro, ela néo esté aqui, mas deve she Hs Fa eat ete ele alle iad Na manha seguinte, Oskar vé na rua um carro funeréri, . Hla continuou suspirando tendo dentro um caixao branco. e com }egou a rodar ¢ rodar pelo quarto com movimentos “Por um longo tempo observei 0 estranho carro. Sua par- de uma experiéncia anterior, quando tida fez-me lembrat ela primeira vez. De modo con- vira este tipo de vefculo ps fuso comecei a vislumbrar 0 fato que 0 mundo externo, 1 de tudo, também tem suas fronteiras. Foi uma ex- apesat descritivel, e senti isto como uma transic&o da periéncia int luz do dia para os pensamentos sobre o destino e os senti- mentos de medo que vem com a noite.” (6) Podemos imaginar o atatide do funeral e as experiéncias do menino aeste respeito, como 0 trabalho inicial de Kokoschka, em cujas pinturas as cores tém pouco significado e as areas mais claras, envoltas por escuridao, escondem uma luz melancélica. Suas pinturas iniciais refletem as experiéncias que 0 menino teve através da imagem do carro funerdrio. Neste instante, a transi- do de vida tomoua forma de uma impressao pict6rica profunda, ca para o destino de um pintor. O tema da pintura, a caracteris morte, permaneceu como um motivo na vida de Kokoschka e se repetiu muitas outras vezes em seu trabalho. Para o regente musical Bruno Walter (1876 — 1962), 0 im- portante era a vivéncia auditiva. As impressdes visuais precisa- vam desaparecer, dissolver e morrer. Ele estava “escutando” a experiéncia da transigdo: “Mesmo enquanto estava crescendo, eu frequentemente vivia num estranho estado de “sonho” ~ ficava absorto em nada especificamente, era um ser fora de mim. Durante este periodo todas as rodas movidas pelo rio acidentado das experiéncias externas e intenas, estancavam com tal eae se tivessem sido desligadas e entao para- 'sassem. Ainda sinto quando o siléncio me atingiu como uma interrupcao deprimente, e ainda posso ver a minha frente o lugar onde, na idade de dez ou onze anos, senti este choque interno. Nao me lembro mais porque estava em pé sozinho no playground da escola; talver tivesse que ficar na escola depois das aulas. Entrei no grande play- ground, que até entéo sé havia conhecido cheio do baru- Iho dos garotos correndo e brigando, e que agora parecia duplamente, vazio e abandonado. Vejo-me la, impressio- nado pelo profundo siléncio e, quando escutei o siléncio ea brisa que soprava, senti que algo - vindo da solidio, algo desconhecido e grandioso - me pegou no coracao. Foi a primeira percepeao de que eu era um Eu, meu primeiro despertar que tenho uma alma e que de algum lugar, ela estava sendo estimulada.” (7) poeta italiano Dante Alighieri (1265 — 1321) era apenas um garoto de nove anos quando encontrou uma garota com a idade proxima a sua, numa rua de Florenca. Ela tinha provavel- mente crescido na mesma vizinhanca. Esta garota se chamava Beatriz; seu nome significa “ela, a que abengoa’” Este encontro, meramente passageiro entre os dois, provocou 0 mais profundo efeito no garoto. Ele se tornou consciente de vozes internas que falavam com ele, como se estivesse numa situagao além da cons is tarde, Dante da expressio a ciéncia usual. Como um poeta, ma esta experiéncia em seu livro Vita Nuova da seguinte manecira: aluz do céujéha- sm sua rotacao, cen, cha- “Pela nona vez, desde o meu nascimento, via retornado para quase 0 mesmo ponto él quando a radiante senhora de meu espirito apare' mada Beatriz por muitos daqueles que nao sabiam chamé-la. Nessa 6poca, ela j havia estado aqui nesta vida, pelo tempo que seria necessirio para que 0 céu estrelado como al ‘se movesse para 1/12 de um grau para leste; Portanto, ela aparecen minha frente aprosimadamente 10 inicio de seu nono ano, € eu a vi Por yolta do final de meus nove oe. Ela vestia um trae da mais nobre tonalidade, verme- Tho, modesto € respeitavel, envolto € adornado de maneira adequada para a sua pouea idade. Nesse momento, posso dizer com conviego, que o espirito da vida, que mora no canto mais secreto do coracdo, comecou a tremer tao vio- Jentamente que, no mais leve pulsar de meu sangue, pa- recia temeroso por mim e tremendo disse estas palavras: “aguarde, um deus, que é mais forte que eu, viré para cd e reinard acima de mim.” Nesse momento, 0 espirito animal ~ que mora naquele compartimento superior ao qual todos 0s espiritos dos sentidos levam suas percepcdes comegou a sonhar grandemente e, falando particularmente para os espiritos da visio disse: “agora sua bem-aventuranga se revelou.” Nesse momento, 0 espirito natural, que habita naquela parte onde se processa nossa alimentagiio, come- cou a chorar e disse entre lagrimas: "desgracado sou eu, pobre amigo, pois agora frequentemente encontrarei obs- taculos.” Embora as criangas morassem na mesma vizinhanca, Dante s6 se encontra com Beatriz nove anos mais tarde. Ele tinha vinte e sete anos quando escreveu o seguinte sobre isto: “Toda coberta de branco, entre duas nobres senhoras, ela voltou os seus olhos para onde eu estava em pé muito apreensivo; e em sua imensa graciosidade, que agora ti- nha encontrado sua recompensa em um mundo superior, me cumprimentou téo elegantemente que pensei estar contemplando ali e na . quele momento t imi felicidade suprema,” ‘odos os limites da Uma uniao entre os dois estava fora de cogitacao porque, ainda crianga, Dante se tornara noivo de Gemma Donati, e Bea- triz tinha vinte anos quando se casou com o abastado Simone dei Bardi. Ela morreu quatro anos mais tarde. Dante sentiu-se ainda mais inspirado por Beatriz. ap6s a sua morte. Ele resolveu dizer sobre ela “o que ninguém havia dito antes sobre um ser mortal.” Em seu principal trabalho, A Divina Comédia, é a figura de Bea- triz que, no Paraiso, conduz 0 poeta aos mais altos dominios da visio interior. Dante e Beatriz foram homenageados pelo povo de Florenga, através das estatuas de ambos sobre a Ponte Vecchio. Eles se cumprimentam de um lado a outro da ponte. O aconte- cimento mais significativo da vida do poeta comegou com uma experiéncia aos nove anos. Incipit Vita Nuova ou “Aqui Comeca a Nova Vida”, é 0 titulo que Dante deu para este acontecimento. Encontramos as seguintes palavras na autobiografia de Rudolf Steiner (1861 - 1925): “As montanhas descem para o plano em diregao a Wiener- -Neustadt e, ainda mais adiante, em diregao a Steiermark; o Rio Laytha serpenteia entre eles. Na encosta da monta- nha havia um Monastério dos Redentores. Frequentemen- te eu encontrava os monges em minhas caminhadas. Ain- da me lembro como teria gostado se tivessem conversado comigo, mas eles nunca fizeram isto. Como consequéncia, deixaram em mim uma impressio nebulosa, apesar de solene, que me seguiu por muito tempo. Aos nove anos uma ideia fixa se instalou em mim: “as tarefas desses mon- ges devem estar conectadas com coisas importantes, ¢ eu preciso descobri-las.” Esta foi mais uma situagdo que me 89 enchia de perguntas sem respostas. Estas questdes sobre todos os tipos de coisas me tornaram muito solitério em minha meninice.” Depois destas experiéncias de solidao, Rudolf Steiner con- ta o que o fez feliz pela primeira vez: “Logo apés a minha entrada na escola em Neudérfl, desco- bri, na sala do professor assistente, um livro de geometria. Eu tinha uma boa relacéio com esse professor e, por isso, mais tarde, sem dificuldade, fui autorizado a emprestar o livro para o meu proprio estudo. Fiquei muito entusias- mado com isto e, por semanas, minha alma estava cheia de concordancias, semelhangas entre triangulos, quadri- lateros, e poligonos. Refleti muito sobre a questo onde as linhas paralelas realmente se interceptam, e fiquei encan- tado com o Teorema de Pitégoras. Deu-me a maior satis- facéio poder estudar as formas apenas pela observacio in- terior, sem recursos para percebé-las exteriormente, pelos sentidos. Foi pela geometria que primeiro conheci 0 que era felicidade. Minha relagao com a geometria foi a primeira semente de uma visdo que gradualmente se desenvolveu em mim. Ela Ja estava instalada dentro de mim durante a primeira in- fancia, mais ou menos inconscientemente, e assumiu uma forma definitiva, plena e consciente, por volta de meus vinte anos. Eu disse para mim mesmo: os objetos e pro- cessos percebidos pelos sentidos estiio no espaco; mas da mesma forma que existe este espaco externo ao ser hu- mano, também existe dentro dele um tipo de espaco anf- mico - cendrio dos seres espirituais e dos processos. No Pensamento eu no conseguia ver algo como imagens que © ser humano tem das coisas e sim as revelagdes de um mundo espiritual na alma. A geometria me parecia ser um conhecimento que, aparentemente eriado pelo ser huma- no, tinha um significado totalmente independente dele. Como crianga, dizia a mim mesmo - naturalmente nio de maneira clara, mas eu sentia — que deveriamos ter em nés © conhecimento do mundo espiritual da mesma maneira que 0 temos da geometria. Para mim, a realidade do mundo espiritual era tio verda- deira quanto a dos sentidos. Entretanto, eu precisava de algum tipo de justificativa para isto. Queria ser capaz de expressar para mim mesmo que a experiéncia do mundo espiritual ndo é um engano, como também nao 0 é a do mundo dos sentidos. Eu dizia que a geometria permite co- nhecer algo que sé a alma vivencia através de sua propria forca; este sentimento me permitiu falar do mundo espiri- tual que eu vivenciava da mesma maneira como falava do mundo dos sentidos. Eu tinha duas ideias que, apesar de indefinidas, j desempenhavam um importante papel na minha vida animica aos oito anos: eu fazia distingao entre “seres que se vé" e “seres que nao se ve". (8) A geometria se tornou, para 0 menino de nove anos, a pon- te que unia dois mundos diferentes. Aqui vemos surgir 0 motivo central da vida de Rudolf Steiner brilhando para o futuro. Em seus anos maduros, firmemente baseado nas ciéncias naturais de seus dias, Rudolf Steiner terminou de construir a ponte entre 0 mundo dos sentidos e 0 mundo espiritual, algo que ninguém ha- via conseguido fazer antes dele. Em todo seu trabalho, este pro- pésito de vida sempre esteve presente. homem que atuava, d da forca criadora contida na linguagem. 1968), um professor Waldorf, educador e compositor de versos para os certficados de seus alunos, foi capaz de unir a forga da lingua e a forca do Logos, com a pedagogia. «4s palavras foram meu primeiro amor. Até onde posso oragdes solenes € os versos da Biblia me lc meus primeiros dias. Para mim, (0 vital quanto o pao de cada dia. me lembrar, as acompanhavam desd eram uma necessidade ta vras expressam o tema principal da vida de um le uma maneira muito especial, através Heinz Miiller (1899 ~ Essas pala Seu livro Healing Forces in the Word and its Rhythms (A Forca Curativa das Palavras e seus Ritmos), publicado um ano antes de sua morte, lanca luz sobre seu trabalho. (9) Wolfgang Schad escreveu as seguintes palavras para a nova edigao do li- vro: “o poder curativo da linguagem e sua utilizagao mareante na pedagogia moviam tanto Heinz Muller, que estao registradas em sua biografia.” Como se plasmou a transigao dos nove anos neste homem? Sua autobiografia menciona 0 que o futuro professor vivenciou — significativamente numa sala de aula — nesse mo- mento importante de sua vida: “Quando eu tinha aproximadamente dez anos, tive que fa- zero exame para admissio na escola secundaria classica, 0 Gymnasium. Como eu havia sido dispensado do teste oral de aritmética, terminei os exames antes dos outros estu- dantes e fui levado a uma classe sénior; lé tive a primeira aula de historia da minha vida. Eu nunca tinha ouvido fa- lar sobre os acontecimentos que o professor relatou, em- bora parecessem de certo modo familiares, de um passado muito distante. Minha fantasia pintou de forma vivida as ‘imagens que surgiram em mim, O que eu ouvia nem sem- Pre estava de acordo com o que eu via interiormente. Sem- Pre me impressionava com este enigma que me seguia. Eu nunca antes ouvira algo sobre a conflagracéio em Ephesus ou sobre o nascimento de Alexandre, o Grande, na noite da catastrofe. No entanto muitas cenas destes aconteci- mentos me eram muito familiares. O professor desereveu claramente 0 acontecimento que destruiu uma das sete maravilhas do mundo antigo. Para mim suas palavras es- tavam cheias de mistérios: ele falava sobre conhecimento dos mistérios, sobre autoconhecimento, e também sobre as palavras gregas que tinham sido ouvidas no templo de Diana e que ecoaram novamente no inicio do Evangelho de Joao. Embora eu ouvisse tudo intensamente, vi espiri- tualmente algumas coisas que no condiziam com a des- crigdo do professor. Destes acontecimentos que surgiram diante de minha jovem alma, sobressairam com maior nitidez as chamas do templo refletidas nas éguas de uma bafa, iluminando os degraus de marmore que levavam até ele, a partir da praia. Em 1910, nao era ainda sabido que 0 ‘Templo de Ephesus ficava de fato, as margens de uma pe- quena baia que foi aterrada mais tarde. Fiquei remoendo por varios dias esta vivéncia. De onde vocé tirou estas ima- gens que estavam nitidamente impressas como lembran- gas em sua alma? A primeira ligio de historia me encheu com tamanha quantidade de mistérios, que empalideceu todo o resto do que vivenciei naquele tempo. Uma primei- ra leitura dos primeiros versos do Evangelho de Jodo na- ntrario: confundiu turalmente nao esclareceu nada — ao co! jando es- mais e provocou intranqiiilidade. Mais tarde, qui cutei pela primeira vez estas mesmas palavras em grego, faladas por um estudante mais velho, me impressionaram profundamente mas niio esclareceram nenhuma pergunta rar 0 problema enigmatica, Foi impossivel simplesmente ti a havia do caminho. Alguma coisa longe e também poderos o4 impressionado a minha alma através desta minha primej- ra aula de histéria.” (10) O que era isto que morava acima de tudo nos Mistérios de Ephesus e de Artemisia? Rudolf Steiner descreve como “a pala- vra criadora” era ensinada ld e como nela estava aquilo que nos leva ao inicio do Evangelho de Jodo. (11). Quando Heinz. Miiller estagiou na Escola Waldorf, em Stuttgart, 0 destino The trouxe justamente as palavras de abertura daquele Evangelho. Ele des- creve a ocasiao assim: “Onze anos mais tarde, em outro momento especial do destino, deparei novamente com as primeiras palavras do Evangelho de Joao. Eu havia recebido permissao para fazer estagio na Escola Waldorf de Stuttgart. Fui para lé muito cedo e fiquei andando pra ca e pra ld na frente da escola, observando os professores e as criangas, vindos de todas as direcdes, Ai apareceu um homem, de cabeca gran- dee tracos fisiondmicos marcantes de camponés, subindo com passos pesados os tiltimos degraus. Ele parou surpre- so na minha frente quando eu lhe disse al. Ele olhou para nos conhecemos?” mim com um olhar intrigado e disse: Quando eu disse que nao, ele continuou: “pois, isto, ento, nao é um verdadeiro prazer? Numa manha agradvel como esta, com 0 sol brilhando e os passaros gorjeando ao longe, eis um jovem de pé a minha frente, que nao conhego, e que me cumprimenta como um amigo”. Ele também disse ou- tras coisas com uma inequivoca entona¢ao austriaca, e, de Heinz”, repente, mudou: “meu nome ¢ Karl, qual é 0 seu? respondi. “Heinz, somos bons amigos. Venha comigo, pre- ciso ir para a Escola Waldorf, encontrar minhas criangas. Assim, entrei na area da escola ao lado do Dr. Karl Schu- bert. Enquanto ele entrou na sua classe, numa construgé0 de madeira, fui para o escritério da escola e perguntei para Rudolf Steiner em que classe eu iria fazer estégio. Ele me explicou como chegar a uma determinada classe. Eu te- ria que bater & porta e dizer que havia sido enviado por ele para observar. Bati porta e logo depois Schubert a abriu: “j4 tinha imaginado que vocé viria para mim hoje’ disse ele, e me apresentou a sua classe. Havia criancas de todas as idades, aquelas que - encaminhadas por algumas semanas ou meses — voltariam novamente as suas classes, e aquelas com necessidades especiais, que precisavam de ajuda o tempo todo. Eu era muito mais alto que Schubert, e ele ficou atras de mim com suas mdos nos meus ombros, espiando a minha volta, primeiro de um lado e depois do “queridas criangas, estou muito feliz outro. Entao, diss' hoje, porque um grande amigo veio nos visitar. E como eu gosto muito dele, vocés também deverdo gostar”. Schubert protestou quando tentei me acomodar quieto no fundo da classe e me mostrou uma tarefa especffica. Chamou um jovem grande e desajeitado que, de acordo com ele, tinha que ser encorajado a falar. Schubert vinha repetindo to- dos os dias as primeiras palavras do Evangelho de Joao com ele, e agora esta tarefa seria minha. A cada palavra em grego dita em voz alta o garoto tinha que dar um passo batendo os pés no chao. Depois do verso da manha e de criangas fizeram juntas, me falar e a bater os pés. na sala de aula. O por cima, o telha- alguns exercicios que todas as encarreguei do menino ¢ iniciei 0 Nesse meio tempo, ficou muito quente sol entrava pela janela aberta e aquecia, do plano da construgio de madeira, coberto com papelao preto. Karl Schubert dava aula para o resto da classe enquanto © garoto e eu sapatedvamo' dpyj...” atras dele. De repente, ele s e declamavamos nosso “ev se virou e perguntou Por 96 que eu estava falando tao baixo. Nao poderia fazé-lo mais alto? Eu disse que assim perturbaria sua aula. Ele no con- cordou, e com uma voz bastante forte mostrou como que- ria que eu falasse. Ai comegou para nés uma ardua e suada cura, pois quanto mais demorava, mais energicamente eu tinha que encorajar 0 jovem grandio a meu lado a bater os pés, Finalmente, tendo feito isso por aproximadamente cingiienta minutos, fizemos uma pausa por exaustdo, para dar uma respirada perto da janela aberta. Neste instan- te saiu da boca do garoto, como um suspiro gemido, algo parecidissimo com as palavras que estavamos praticando: “ev aoyj ny 0 xoyog” . Para cada palavra ele usava, uma profunda e completa respiracao. Karl Schubert se virou, escutou atento, depois pegou a mim e ao jovem pelos om- bros, proclamando jubilosamente: “eu sabia isto desde o inicio desta mana. & um dia glorioso, o sol esta brilhan- do, 0s passaros esto cantando, um jovem amigo me cum- primenta ~ e voce, meu garoto, falou as primeiras palavras de sua vida. (12) Um fator corporal foi responsavel pelo futuro destino da minha relagdo com a fala Heinz Miiller ficava rouco rapidamente quando dava au- a He dar apenas duas aulas era incapaz de falar alto. Ele = ‘udolf Steiner sobre sua rouquidio, dizendo: “vocé pea pibian da Escola Waldorf uma bela informacao sobre coe ner de fala durante o curso preparatorio, an- © das aulas. Seria possfvel para vocé um dia dar con- selhos sob 2 "2 como fazer para corrigitmos nossos proprios erros € deficiéncias de fala, e trabalhar atra: és deles de uma forma cura 5 1 tiva e pedagogica?” (13) : Rudolf Steiner, enti i : do, convidou Miiller para um curso de formagio em fal la, i em Dornach, que evidentemente eliminou @ rouquidao, pois ele nunca mais aludiu a este problema. Ademais, Heinz Miiller teve importantes conversas com Rudolf Steiner so- bre como inserir diretamente no curriculo a forga curadora da fala. Ele conta o seguinte sobre 0 curso em Dornach: “Quase tudo o que Rudolf Steiner elaborou conosco, num: pequeno grupo, apareceu dois anos mais tarde no curso de ‘Manifestagao da Fala e Arte Dramatica’. Nele, encon- tramos informagées fundamentais sobre 0 assunto. A se- gunda parte da minha pergunta colocada inicialmente foi abordada no decorrer desses dois anos durante muitas conversas a dois. Na maior parte, eram breves sugestées e observagdes que Rudolf Steiner fazia quando lhe contava sobre as dificuldades de meus alunos. Uma das primeiras coisas que ele disse foi: “cultive a fala em vocé e em seus alunos com 0 maior cuidado, pois a maioria das coisas que o professor oferece aos seus alunos os atinge através das asas da fala. Quando falamos com as criangas, nunca devemos utilizar expressdes banais. Isso certamente nao significa que a pessoa deva usar uma linguagem sofisticada e patética. Banalidade e compaixao vazia afastam imediatamente a bondade e especialmente o verdadeiro humor. Estes dois séo os mais importantes auxiliares do professor para conduzir seu rebanho para frente.” (14) Conhecendo a biografia de Heinz Miiller e olhando para tris, para a visdio que ele teve quando tinha mais ou menos dez anos ~ 0 incéndio do Templo de Ephesus — podemos sentir a co- nexdo entre os mistérios das cidades da antiguidade e seus esfor- os para introduzir 0 poder de cura da fala nas aulas. Este foi 0 seu motivo de vida que, de repente, se revelou entre seus nove € dez anos. Passado e futuro ficaram visiveis, como se fossem um instante iluminado da consciéneia — para, novamente, desapa- recerem da visio. Fica-se espantado e, principalmente, se sente reveréncia pelo fato de que Heinz Miiller estava perto de Rudolf Steiner quando comegou 0 incéndio do Goetheanum, e quem, por ordem de Steiner, teve de fazer um buraco na parede para que se pudesse ver o foco do incéndio, foi ele. O prédio, que esta- va em chamas, tinha sido a Casa da Palavra. ‘Trés meses apés 0 incéndio do Goetheanum, Heinz Miil- ler comecou a lecionar na Escola Livre Goethe em Hamburg- -Wandsbek. Por quarenta e dois anos ele devotou-se de corpo e alma a Pedagogia Waldorf. Antes e depois deste periodo nin- guém, como ele, foi capaz de incluir, em tal extenso, a forga do verbo na pedagogia. Assim, a educagaio ganhou um novo impulso criativo. “Através do supra-sensivel existente no sensivel e com esta redescoberta do Espirito - que tinha se desligado do verbo, quando a palavra se transformou em idolo - comeca a nova era na educagio”. (15) PARTE 2 Entendendo o ser humano baseado nas experiéncias do 9° ano O SEGUNDO SETENIO Oa reel ei Teremos mais base para observar uma determinada idade se analisarmos um periodo maior na qual ela se insere. Para ana- lisarmos os nove anos, incluiremos 0 periodo que vai dos 7 aos 14 anos. Este perfodo compreende a fase do segundo seténio da infancia, no qual se manifestam tanto o desenvolvimento interno da alma e do espirito, quanto o crescimento do corpo, e pode ser dividido em trés fases. (1) Se considerarmos, em primeiro lugar, as forgas plasma- doras atuando no corpo, veremos uma primeira fase comegando pela cabeca, com a troca dos dentes. Na transigéo dos nove para ‘os dez anos, segue-se a elaboragio do sistema ritmico, coragéo e pulmées, que, por sua vez, ¢ sucedida pela “idade dificil”, os anos da adolescéncia, entre os doze e os quatorze anos. Nesta, se desenvolvem mais os membros e 0 metabolismo do corpo, € le crescimento do cor- amadurecem os 6rgaos sexuais. As forcas d lo tronco e dos po plasmam, nestas trés fases, a forma da cabega, d membros, sucessivamente. O desenvolvimento animico-espiritual da crianga acompa- ela entra na escola, ainda troca dos dentes ja 1s se intro- nha o crescimento do corpo. Quand: predomina o poder da imitacao, embora a tenha comecado. Quanto mais os dentes permanente: duzem através das gengivas, mais a capacidade de imitagio vai desaparecendo. Quando a quantidade de dentes permanentes chega ao dobro do que resta de dentes de leite, podemos dizer que a crianga alcangou a maturidade dos dentes, &, entao, resta 101 reel e sua capacidade de imitacdo. Esta é a situagao na en- siqio dos nove anos. Na segunda fase 0 processo transfere da cabeca para 0 coragio e pulmées, la respiracdo e a crianga entra na pu- pouco d trada da tran de crescimento se Nela ocorre a maturidade di perdade. Na terceira fase comega a “maturidade terrestre” quan- do 0 processo de crescimento desce para o metabolismo e para os membros: a puberdade termina e a adolescéncia comega. Assim sendo, 0 processo de crescimento atinge trés picos sucessivos: maturidade dos dentes, maturidade da respiragéio e maturidade terrestre, que correspondem as trés fases do desenvolvimento in- terior: imitagdo, puberdade e adolescéncia. 0 periodo de desenvolvimento do segundo seténio se pro- cessa em fases, nas quais determinadas partes do corpo esto em foco, sucessivamente. Durante a troca dos dentes, quando predomina o desenvolvimento da cabega, certamente, as forcas da vontade também estao ativas na regiéio metabélico-motora e dependem de um ritmo regular na vida didria das criancas (sis- tema ritmico). Na segunda fase, os pélos da cabeca e da vontade participam da formagio do sistema ritmico, ajudando no cresci- mento e maturidade plenos das dreas do coracao e dos pulmées. Na terceira fase, a cabeca eo sistema ritmico atuam em conjunto com o sistema metabélico-motor, gerando 0 desenvolvimento da maturidade terrestre. O diagrama 1 ilustra estes processos. Este diagrama é baseado no esquema da trimembracio humana, que Rudolf Steiner usou em varios cursos de educagao. As sombras escuras na cabeca, no tronco e nos membros indicam 0s estgios sucessivos do desenvolvimento corporal. Este ocorre oe e do espirito, através das fases eee ain ve anos de adolescéncia. As flechas » ‘sso, dois sistemas unem suas forcas para dar si a , oa ‘uporte ao terceiro, que esté passando por um crescimento ior Maturidade respiratoria_— Maturidade terrena Maturidade Dentéria 7 Imitagio Idade dos Fatos Epoca da adolescéncia Diagrama 1: as trés fases de desenvolvimento da crianga Portanto, existem duas transigdes decisivas entre as ida- des de sete e quatorze anos: uma aos nove e outra aos doze. Para pesquisar apenas a transig&o dos nove anos, faremos uma com- paragao entre a crianga de sete e a de doze anos. Entre elas, tere- mos 0 periodo no qual ocorre a transigao dos nove anos. (2) los P eS ceCTET ne WAN UMA COMPARAGAO ENTRE A CRIANCA DE SETE EA DE DOZE ANOS ee Os membros ‘A diferenca entre as criangas do primeiro e do sexto ano é imediatamente visivel no patio. A ansia de movimento dé asas, aos pequenos, que brincam de pega-pega em volta de seu profes- sor. Sao leves e graciosos, sem peso. Os movimentos das criancas mais velhas sao mais pesados, tém certo cansago. Muitas vezes alternam, instantaneamente, entre ficar paradas e, de repente, comecar a correr. As vezes, até perdem o equilibrio, tropecam, caem. Sao pernaltas e se movem como num estado de sonho. Como é diferente o aperto de mao das criangas mais jo- vens, comparado ao das mais velhas! Antes da aula, de manha, as mais novas correm para cumprimentar o professor. Uma mul- tidao de mios se estende ao mesmo tempo, calorosa e amigavel- mente. Muitas criangas até retornam ao final da fila para sacudir novamente a mao do professor. Contrastando com isto, frequen- temente os alunos do sexto ano tém que superar certa relutancia para estender a mao, que, as vezes, est fria e timida. Para todas as criancas do primeiro ano, o professor poderia ter trinta maos; ho sexto, As vezes, parece que duas sao demais. Outra diferenga esta no comprimento das pernas das criangas em relagdo as outras partes de seus corpos. Enquanto as mais novas procuram aleangar a pontinha superior da orelha, ao passar o braco sobre sua cabeca — algo que elas demonstram com orgulho para provar sua maturidade - em contrapartida, as do sexto ano ja poderdo pegar talvez.a orelha inteira. Nestas duas faixas etdrias hA o contraste entre os membros relativamente fos 1 mais curtos e 0s relativamente mais longos. Isto tudo indica que as criangas mais novas e as mais velhas tém uma relacdo comple- tamente diferente com os seus membros. ‘As pernas relativamente curtas das criangas de sete anos esto despertas, ativas, alegres. Por meio delas, se conectam com o ambiente que as cerca. As mos, e mesmo os pés, querem aprender; a cabeca, nao. As maozinhas desengongadas transfor- mam um pedaco de massa para modelar numa grande salsicha e depois a enrolam, formando um caracol. Com isto elas literal mente “apreendem” a forma da espiral. Recitam varias tabuadas caminhando, pulando corda ou batendo palmas, aprendendo-as desta forma, com muito pouco esforgo, através dos membros. Os membros das criangas mais velhas sdo proporcional- mente maiores em relagéo ao resto do corpo e frequentemente ficam pesados, fracos e fatigados. Nesta idade, as atividades dos membros no servem apenas para despertar o jovem ou para ajudé-los a memorizar, mas também para o contrario, em outras Palavras, para por uma ideia em pratica. Por exemplo, quando as do sexto ano entalham uma vasilha de madeira, até certo ponto, ¢las jé tém ideia da forma da vasilha. Ento, s6 se trata de trans- formar a madeira, através das maos, a tal ponto que nela aparega a forma idealizada, no caso, a vasilha. O objeto em si é formado, “acordado”, através dos membros. A erianca de sete anos ainda ¢sté totalmente voltada a dar forma a si mesma. Pouco a pou- ©, vai aleancando certa compreensio, através das atividades de Suas mios e de seus pés, te a Pe se Tazo ao dizer que os alunos mais eae one Por meio do que fazem, e que la, mudama forma deum objeto sayin a com 8 TB eto, a argila, e aprendem sobre aes Pira. Entretanto, precisamos salientar que os de i : tornam consciente Sete anos 60 se es da forma (espiral) no final de suas atividades (amassar), enquanto que os de doze anos, ja quando comegam a trabalhar, tém certa ideia da forma que itd impor ao objeto. Estes processos acontecem em diregdes diametralmente opostas: No 1° ano: forma a si mesmo através da atividade de seus membros (se tornam conscientes). No 6° ano: forma o objeto através da atividade de seus membros (dao forma, criam). A comparagio entre o primeiro e 0 sexto ano mostra que as forgas que atuam na cabega e as que atuam nos membros sio invertidas. Nesta inversio, 0 nono ano representa um ponto de mutacio muito significativo, como veremos mais tarde. Tendo examinado © contraste no ambito dos membros, veremos mais de perto a transformagao que acontece na cabega. Acabega © rostinho das criangas que entram no 1° ano é redondo esuave. A bochecha, 0 narizinho arrebitado e, especialmente, os dentes, ainda esto ganhando forma. Seus olhos brilhantes irra- diam alegria e ainda tém algo de sonhadores. A crianga parece estar sendo penetrada por fora pelas impressées flutuantes dos Sentidos, como se estas quisessem atuar em sua cabega ainda dor- mente, para dar-Ihe uma forma mais aprimorada. Em contraste com isto, a crianca do sexto ano ja apresenta tragos marcantes, com labios grossos ou finos, talvez. um nariz afilado, ¢ olhos mui- to mais despertos. O rosto infantil se transformou, passando a ser atento, com expressio prépria. Do ponto de vista plastico, 0 Tosto inteiro esté muito mais definido e a troca dos dentes, via de Tegra, j4 estd concluida. A cabega das criangas que entram na escola é relativamen- te grande e, a das do sexto ano, relativamente pequena. Existe 107 ros! uma oposigio entre a cabega grande ea pequena. Rudolf Steiner apontou que criangas com cabecas grandes sao ricas em fantasia, enquanto que as de eabega pequena sio menos fantasiosas, po- rém tém habilidades mentais mais desenvolvidas. Isto também. pode ser aplicado a estas duas diferentes idades. . _ Enquanto as forcas formativas do organismo estao traba- Thando na formacao da cabega das criangas mais novas — como pode ser claramente visto na troca dos dentes — as forcas espiri- tuais da cabega estao ainda adormecidas. As impressées diarias sio percebidas de uma maneira semi-consciente, expressas em imagens coloridas, correntes, sem um cardter definido de apre- sentagao. As mais novas gostam muito de ouvir seus professores contando contos de fada, algumas vezes apoiam suas cabecas em seus braginhos e ficam completamente absortas em seus pro- prios mundos de imagens coloridas. Quando o professor est contando sobre chapeuzinho ver- melho, sobre flores e sobre o lobo, usa elementos do di: -a-dia, mas lida com eles de forma imaginativa. chapéu vermelho in- ica o temperamento sanguineo da menina, as flores represen- tam o charme e a atragio do mundo dos sentidos, e o lobo, que engole a menina, simboliza as forcas internas do corpo, do siste- ma metabélico-motor que domina as forcas intelectuais da ca- beea. As criancas sentem o lobo da mesma forma que um adulto se sente quando uma rede de més intengGes se fecha & sua volta. Os contos de fada comunicam a imaginagio algo verdadei- oe cheio de sabedoria; entretanto, no nivel de pensamentos ede idefas, eles parecem enigméticos o ul mesmo simplesmente fan- tasticos. A crianga é doze anos. Aqui, veremos que nas duas idades os processos ca- minham em diregdes opostas, da mesma forma como acontece na area dos membros. Na idade de doze anos, os estudantes esto prontos paraa primeira aula de fisica. (1) Podemos comegé-la com uma simples experiéncia: mostramos como a luz muda quando atravessa um copo cheio de agua, que foi escurecida gradualmente através de uma solugao apropriada. Devemos dar um passo atris se quiser- mos observi-lo com mais preciso. Em termos psicolégicos, esta é uma posicao ou atitude de antipatia, de afastamento. 0 obje- to sob observacao deve ser visto apenas como ele é, sem ser de modo algum alterado ou atingido pelo observador. Os estudantes veem a luz de uma lampada elétrica mudar do amarelo para o laranja e, finalmente, para o vermelho; vero que a gua, ao se tornar opaca, parece azul. Como é diferente a experiéncia dos alunos do primeiro ano, quando escutam calo- Tosamente a historia contada pelo professor! No dia seguinte, a experiéncia é reproduzida pela meméria. O objeto da observa- cdo nao esta mais visivel no ambiente externo e, sim, no interno. Agora, é necessdrio um grande desapego, uma maior “antipatia”, Para manter a distancia possiveis interferéncias trazidas pela prépria alma do aluno. Novamente, percebemos que os de sete anos tém um comportamento oposto: ouvem com imensa sim- Patia a voz do professor, que também se une as suas fantasias. No terceiro dia, os alunos do sexto ano so convidados a Pensar sobre a experiéneia das cores. Passam a ter um vislumbre sobre as leis das cores ao perceberem que faz parte da natureza da luz tornar-se ativa quando esté passando por um meio opaco ©, como resultado, aparecerem as cores amarelo, laranja e verme- tho. A 4gua, azul opaca, iluminada pela luz, mostra a qualidade Passiva da eseuridao. Assim, os estudantes adquirem uma relagao bastante individual com o processo pelo qual as cores se formam. 109 Neste ponto, as percepcées internas das criangas de sete e das de doze anos tém, de certa maneira, algo em comum. No entanto, que diferenga! Os alunos do primeiro ano ouvem a voz. do profes- sor com entusiasmo, cheios de alegres fantasias, tomadas no fluir das imagens como se uma fonte brotasse em seus proprios seres, Similarmente, as criancas mais velhas experimentam, dentro de si, a fonte de luz que flutua e se manifesta em cores. ‘As criancas mais jovens mergulham facilmente no mundo da imaginagdo: este prazerosamente se abre para elas no instante em que ouvem a voz tranquila do professor. Os estudantes mais velhos, no entanto, precisam de varios dias para uma impressio externa se aprofundar dentro delas, até que possam compreen- dé-la imaginativamente. Sintetizamos, a seguir, os processos na regio da cabeca nas criangas de sete e nas de doze anos: Aos sete anos: Oespirito, ainda adormecido na cabeca, tece no reino ima- ginativo e, entdo, desperta para a compreensio correta do mundo exterior. Aos doze anos: © espirito, agora na cabeca, totalmente desperto, penetra 20 mundo sensorial e descobre o mundo da imaginagao no sono profundo de sua propria alma, O tronco Apés termos visto as diferengas entre os sistemas dos membros e da cabeca, verificaremos, a seguir, se o tronco tam- bém mostra tal mudanca, Surpreende-nos que as criancas do pri- meiro ano, quando esto sentadas ao lado das do sexto, nao so ‘Zo menores que elas. Isto nao ocorre quando ficam em pé, uma perto da outra: existe uma diferenga notavel de tamanho entre estes grupos de idade, quando sentados e quando esto em pé. 0 tronco dos mais novos tem uma forma mais cilindrica, com a barriguinha redonda de crianga pequena. Entretanto, nas crian- cas do sexto ano - particularmente as garotas - a cintura ja esta bem definida, mostrando, as vezes, a predilecdo pela “cintura de vespa”. As criancas, na fase da pré-puberdade, tendem a ser leve- mente gordinhas. A estrutura dos garotos do sexto ano jé chama mais atengao: so mais “ossudos”, enquanto que na dos peque- nos, tanto meninos quanto meninas, a suavidade predomina. O sistema ritmico, situado no centro do peito - no coragao e nos pulmées - se expressa animicamente através da vida emo- cional. No caso das criangas mais novas, a respiragdo domina, isto 6, a respiragio é leve e rapida, sem encher completamente os pulmées. Nas mais velhas, especialmente os garotos, 0 movi- mento da caixa tordcica na respiragéo indica uma aeracdo mais completa: a respiragao se torna mais profunda e mais lenta. Entre as duas idades existe uma diferenca no ritmo da ba- tida do pulso: apesar da rapidez da respiragao das criangas me- nores, o pulso € mais lento. (2) Esta predominancia da respiragao sobre o ritmo do pulso é paralela ao desenvolvimento das im- Presses da alma sobre o seu ambiente — com o qual também es- tao conectados pelo ar — pode, facilmente, prejudicar as criangas menores, que so frequentemente indbeis para expirar. Mesmo quando as lagrimas esto caindo em suas faces em fungao de al- gum evento, as criancas menores podem ainda comegar a rir em fungao de outro evento. Isto mostra o quanto a vida emocional dos pequenos é determinada pelo mundo a sua volta. Criangas com doze anos tém a respira¢do mais vagarosa e um pulso relativamente mais rapido. Elas podem ser pressiona- das por fortes emogées internas, nascidas nas ondas do sangue na esfera do metabolismo, da mesma maneira como as crian- 111 cas de sete anos sao facilmente atropeladas pelas impressées do mundo exterior. Vemos, portanto, que as criangas do primeiro ano ainda esto envolvidas com o mundo A sua volta através de uma at- mosfera de simpatia, ao qual elas nao contrapdem seus préprios sentimentos. No entanto, as de doze anos poderao desenvolver uma atitude de resisténcia/antipatia ao mundo exterior, devido a sentimentos que afloram de seus proprios organismos e que ain- da nao tém relacdo com este mundo. Esta antipatia, inicialmente ligada ao corpo, 6 essencial na formagiio de ideias precisas sobre o mundo exterior. As aulas de ciéncias come¢am no sexto ano e amparam apropriadamente esta antipatia. Pelos dois exemplos que se seguem mostramos os contras- tes de vivencias nas duas idades. 1 ~ Exemplo de antipatia relacionada ao corpo: Durante o intervalo entre aulas, as criangas do sexto ano foram para o playground. Uma garota, entretanto, permaneccu na sua carteira, de olhos fechados, com sua cabeca repousando sobre os punhos. Por razdes no aparentes, ela esta em um tu- multo emocional a ponto de se pensar que seu coragao esta pro- ximo de explodir. Finalmente, ela suspira, bate duas ou trés vezes na carteira com os punhos, levanta-se e caminha para a porta. © professor pergunta simpaticamente: “qual 6 0 problema? “Nada”, responde a estudante tranquila e calmamente: “real- mente, nada mesmo.” E, com uma risada, sai para se encontrar com os outros colegas. Este tipo de ocorréncia dificilmente acontece com as crian- cas menores, mas é muito comum nas criangas que esto entran- do na puberdade. As forcas da antipatia afloram do corpo e as criangas se fecham completamente para 0 mundo externo, em- bora s6 por pouco tempo. Nesta idade, nao é o mundo externo que comanda determinantemente a vida emocional da crianca, ¢, sim, 0 mundo interno, formado pelas influéncias perturbado. ras que afloram do corpo. Em geral, criangas desta idade nao sio capazes de dizer por que se sentem como se sentem. Da mesma maneira, as de sete anos nao tém consciéncia do que provoca uma resposta especffica de sua parte; elas so muito influencia- das pelo mundo a sua volta, pela capacidade de imitagdo, que atua em seus corpos. 2 Exemplo do mundo exterior influenciando uma crian- ca através da simpatia: Uma garota do primeiro ano disse algumas palavras feias. Desapontado, 0 professor disse para a classe: “voeés, provavel- mente, nao ouviram, mas um de voeés acaba de falar algo muito feio”. “Bu sei”, responderam algumas criangas perto dela, em unissono. Um garoto dentre cles, querendo avidamente repetir as palavras, levantou a mio. O professor pediu para ele repetir aquelas palavras feias porque ele mesmo achava impossivel dizer tais palavras. O garoto se levanta, mas, ao ver 0 rosto triste do professor, também é atingido interiormente, e diz num sussurro: “eu também nao consigo dizé-las’. ual Sumario Nossas principais conclusdes podem ser listadas no se- guinte quadro: Primeiro ano Sexto ano Cabeca Grande Pequena Imaginagao Pensamento Abstrato Dormindo Acordada Tronco Redondo Delgado, pequeno Avida se mistura Vida interior com o mundo a sua volta Dormindo Sonhando Membros Curtos Longos Relacionadoscom _ Relacionados com o ambiente a vida interior Acordados Dormindo As diferengas na cabega, tronco e membros entre as crian- ¢as de seis e as de doze anos também existem entre as de cinco eas de quatorze anos. Quanto maiores forem as distancias das idades, em ambos 0s lados, em relagio ao Ponto de mutagao aos nove anos, mais distintos serao os contrastes, ACRIANGA EA TRANSICAO DOS 9 ANOS AAS ooeeors—_ A mudanga na propria casa Comparando criancas de sete e doze anos, notamos uma profunda mudanga interna e externa entre estas duas idades. Os trés sistemas da tri-membragio do ser humano (neuro-sensorial, ritmico e metabélico-motor) se metamorfosearam. Pode-se dizer que as criancas mudaram nas suas préprias casas, tomaram pos- se de suas proprias casas. Surge a pergunta: hé alguma determi- nada regularidade ou lei subjacente a isto? Certa vez, Rudolf Steiner falou sobre um rio que penetrava em um lugar e depois emergia novamente em outro; ele com- parou determinados processos animicos do ser humano a este fenémeno da natureza. Tais processos podem desaparecer nas profundezas internas do ser humano, para surgirem novamente mais tarde, de forma diferente. Se considerarmos, a partir des- te ponto de vista, as diferencas entre criangas de sete e de doze anos, veremos, por exemplo, que certas caracteristicas, na regiao da cabeca nas de sete anos, desaparecem e se mostram, de novo, no sistema dos membros nas de doze anos. Criangas mais novas tém cabecas maiores em relacdo ao resto do corpo; elas vivem da mesma forma, sonolentamente em seus mundos de fantasia, \s - como indica- como as longas pernas das criangas mais velha mos acima — sao “sonolentas” e esto associadas a seus proprios bros das de indo a sua omem e ga da mundos interiores. De maneira semelhante, os mem! sete anos sao curtos, conectados vividamente com 0 mu} volta, e esto despertos. Estas caracteristicas também s Teaparecem mais tarde na cabeca das mais velhas. A cabe 115 ul crianga de doze anos é relativamente pequena; a crianga desen- volve uma relacdo ativa com o mundo através das atividades dos nervos e dos sentidos, e as forcas espirituais da cabeca estao des- pertas. Também encontramos este rearranjo de caracteristicas no sistema ritmico. As criancas mais velhas simplesmente deixam de imitar seu entorno e comecam a ter suas proprias experiéncias interiores, com as quais se opdem ao seu meio circundante. O que faz surgir esta mudanga? Isto nao pressupde um tipo de “remodelagdo” interior, na qual, tanto as forcas de cima, como as de baixo, desempenham sua parte? Esta hipétese é con- firmada pelo fendmeno que pode ser visto nos processos ritmicos da circulagao sanguinea e da respiracdo. O movimento de cima para baixo se expressa pela respiracao, pela atividade mais forte e profunda dos pulmées. A esta transic’o — semelhante a um ritmo descendente - se opde outro movimento, partindo de baixo para cima, Esse ritmo ascendente parte do sangue, do metabo- lismo, e se intensifica 4 medida em que a crianga se aproxima da puberdade. (1) Tanto o pulsar, quanto a respiracao so expressdes da har- monia no ser humano que est bem consigo mesmo. Elas esto em equilibrio quando quatro pulsagdes acompanham uma inspi- ragio-expiracdo. Hadumoth Rétges, um médico escolar, mostra como a “curva ascendente da pulsago e a curva descendente da respiragdo” se encontram, Aproximadamente aos nove anos, as duas forcas se contrabalancam por um curto periodo, na propor- a0 de 1:4. (2) Isto significa que nem 0 sangue, nem a respiragao predaninan; estdo em harmonia. Neste momento de transicao, ‘0 Eu se une ao metabolismo”, e as criangas, como “Eus”, se sen- tem apartadas do mundo, como que contra ele. (3) (a pen amar lagi do sangue. Esta “mudanca” pode ser van ee ica” pode ser mais bem compreen- 117 dida pelo diagrama abaixo, que esclarece os movimentos ascen- dentes e descendentes: ae = Arepresentacéio esquematica do ser humano trimembrado que Rudolf Steiner usou é particularmente itl neste caso (4): as figuras geométricas, nas quais o desenho se baseia — linhas, lua crescente e circulo — podem se metamorfosear umas nas outras pelo movimento. Na direc&o descendente 0 circulo se transforma em lua crescente e depois em retas. Na direcdo ascendente, as retas, transformam-se em lua crescente e, depois, em circulo. A Curva na sessiio do meio é formada primeiro por fora e depois por dentro. Ao ser movimentada, a figura mostra as metamorfoses: 1~a que vem dos membros e através do tronco vai para a cabea © 2-a que vem da cabeca e, através do tronco, vai para os mem= bros. Este proceso pode ser observado apenas no nivel anfmico, nao no nivel fisico. Vd ZL f és, 4 fe LEG

You might also like