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Presença de Celestite em Retábulos Portugueses

Conference Paper · December 2013

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3 84

9 authors, including:

João Coroado Vanessa henriques Antunes


Polytechnic Institute of Tomar University of Lisbon
89 PUBLICATIONS   681 CITATIONS    32 PUBLICATIONS   121 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

M.J. Oliveira Luís Dias


Laboratório José de Figueiredo, Lisboa Universidade de Évora
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European glass beads from Mbanza Kongo (Angola) View project

Pinturas académicas de Adriano de Sousa Lopes da Faculdade de Belas Artes de Lisboa View project

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Presença de Celestite
em Retábulos Portugueses
[ 1.ª SESSÃO / Estratos preparatórios e sua caracterização material ]

João Coroado1*, Vanessa Antunes2*, Vitor Serrão2, Maria José Oliveira3, Luís Dias5,
António Candeias3,5, José Mirão5, Luísa Carvalho4, Ana Isabel Seruya4
1
Instituto Politécnico de Tomar (IPT)/GeoBioTec ID&T unit, 2300-313 Tomar, Portugal
2
Instituto História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (IHA-FLUL), Alameda  da  Universidade, 1600-214 
Lisboa, Portugal
3
Laboratório José de Figueiredo / Direcção-Geral do Património Cultural (LJF-DGPC), Rua das Janelas Verdes 37, 1249-018 Lisboa,
Portugal
4
Centro de Física Atómica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CFA-FCUL), Av. Prof.  Gama Pinto, 2. 1649-003
Lisboa, Portugal
5
Laboratório HERCULES, Universidade de Évora, Largo Marquês de Marialva 8, 7000-676 Évora, Portugal
*Primeiros co-autores  Email: jcoroado@ipt.pt, vanessahantunes@gmail.com

 Abstract

Studies in ground layers of paintings on wooden support from XV and XVI centuries have shown based on SEM
observations and elemental chemical identification by EDS performed on samples that had been taken from plaster
preparations layers, that the common presence of strontium is a strontium sulfate (celestine). In this context, some
questions have been asked, either related by the origin of celestine, particularly in the context of evaporative formations
rich in gypsum, or related with technological issues associated to the higher occurrence of this mineral in the "gesso
grosso” preparations (coarse gypsum plaster). Thus, the aim of this work is to try to explain the genesis and presence of
celestine based on it is properties, the geological settings in gypsum outcrops, particularly in Portugal, and on prepara-
tion procedures of "gesso grosso" and "gesso mate” (fine gypsum plaster) known through coeval treatises.

 Introdução

A descrição da preparação das camadas subjacentes à camada pictórica aplicadas em pintura retabular
antiga, séculos XV e XVI, é reportada em vários tratados estudados, (Gomez, 2005; Antunes & Santos
2009; Cardoso, 2010) que, consensualmente, apontam para a necessidade de uma superfície suficiente-
mente fina e macia para receber a camada pictórica ou o douramento a folha de ouro. A composição
destas camadas, no sul da Europa, era essencialmente à base de sulfato de cálcio (“gesso”), enquanto no
norte recorria-se ao carbonato de cálcio (calcite) (Gómez et al. 1998; Genestar, 2002; Gómez et al. 2008).O
“gesso”, neste contexto, deve ser entendido como o termo geral que designa o sulfato de cálcio di-hidratado
(gesso), o sulfato de cálcio hemi-hidratado (bassanite) e o sulfato de cálcio anidro (anidrite), uma vez que
se constata a ocorrência destas três formas nas camadas de preparação.

A constatação da presença de estrôncio (Sr) nas camadas de preparação à base de “gesso”,em pinturas re-
tabular antigatem sido observada por alguns autores (Harrison et al. 2008; Barata et al. 2012, 2013).Porém,
esta constatação, nunca foi objecto de estudo particular no sentido de perceber a presença deste mineral
nas preparações de gesso em pinturas sobre madeira.

No âmbito do estudo de várias pinturas retabulares de diferentes “ateliers” (Viseu, Coimbra, Lisboa e
Évora) atribuídas ao Gótico final, Renascimento e Maneirismo, séculos XV e XVI, foi possível a partir da
recolha de amostras das camadas preparatórias para análise da respectiva composição e produzir corpos
de prova,com gesso recolhido em Soure, segundo os preceitos relatados da tratadística coeva,com o ob-
jectivo de perceber e justificar a proveniência e forma de ocorrência de Sr, a sua relação com o gesso, e
verificar a eventual dependência com o processo tecnológico.

 Presença de Celestite em Retábulos Portugueses

O “corpus” pictórico estudado no nosso projecto é constituído por cerca de 100 pinturas, compreendidas
temporalmente entre o final do século XV e o final do século XVI. Enquadradas num espaço geográfico
alargado, de Norte a Sul do País, encontramos uma percentagem significativa de pinturas nas quais a pre-
sença de celestite nos estratos preparatórios é demonstrada pelos métodos de exames e análises utilizados
para este estudo. Os resultados das análises às referidas pinturas, integradas em núcleos de produção
pictórica distintos, permitem concluir que a existência deste mineral é comum a várias oficinas, indepen-
dentemente da sua localização geográfica e temporal. Na figura 1, apresenta-se o mapa das pinturas (com
76pág. / 1.ª SESSÃO / Estratos preparatórios e sua caracterização material
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as distintas referências de núcleos de produção em que foram inseridas e seu enquadramento temporal e
geográfico) onde foi identificado o elemento de estrôncio (Sr). Este elemento está associado à presença do
mineral celestite nos estratos preparatórios de sulfato de cálcio, figura1.

Figura 1
Relação das oficinas, autores e obras onde foi identificada a presença de Sr.

Foi assim possível a partir da prévia recolha de amostras e sua montagem em corte estratigráfico com
resina dos estratos preparatório e pictórico das pinturas tendo em vista o estudo tecnológico das camadas
que compõem o suporte pictórico e, a obter imagens comparativas por microscopia electrónica de var-
rimento (MEV) e também a análise elementar dos estratos preparatórios por espectroscopia por disper-
são em energia de Raios-X (EDS). Para o efeito recorreu-se a um microscópio da marca Hitachi modelo
S3700N, com um detector de raios X acoplado da marca Bruker e modelo XFlash 5010 SDD, e que permi-
tiu detectara presença de Sr.

A ››

Figura 2
Amostra 73-85-5 – MEV-EDS: partícula de sulfato de estrôncio (celestite).
as preparações na pintura portuguesa dos séculos xv e xvi / 77pág.
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Presença de Celestite em Retábulos Portugueses
João Coroado, Vanessa Antunes, Vitor Serrão, Maria José Oliveira, Luís Dias,
António Candeias, José Mirão, Luísa Carvalho, Ana Isabel Seruya
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 Formação do gesso
O gesso utilizado em pintura retabular em
Portugal poderia ser importado uma vez que os
afloramentos em Portugal são pequenos, figura 3,
quando comparados com países vizinhos como
Espanha, França ou mesmo Marrocos (Costa,
1986; Velho et al. 1998; Arauz, 2009).
No entanto, há indicação na tratadística coeva,
texto 1, de utilização de gesso nacional, nomea-
damente de Óbidos (Leiria) e Soure (Coimbra),
(Monteiro & Cruz, 2010).

Figura 3
Amostra 73-85-5 - MEV e mapeamento por EDS dos
elementos S,Ca, Fe, Sr, SE. A presença de sulfato de cálcio é
elevada, observando-se a presença de partículas de partículas
de sulfato de estrôncio.

Figura 4
Afloramentos gipsíferos na Península Ibérica: A – diapirismo no centro de Portugal (Bernardes, 1992); B - Horizontes gipsíferos
na Península Ibérica (modificado de Riba e Macau, 1962, in Arauz, 2009); C – Jazidas de gesso em Portugal (Zbyszewski&
Almeida, 1964).

Texto 1
{124} Serto, e Verdadeiro modo de dourar Estrato do “Breve Tratado de Iluminação composto por um
ouro bornido, ou brunhido, e primeiramente religioso da Ordem de Cristo”indicando a proveniência
do jesomat, sobre que se doura. e preparação do “gesso fino ou mate” para aplicação em
douramento (Monteiro& Cruz 2010, p.227).
O Jeso de soure, e não de Leiria, ne[m] sevilha
queimado, e peneirado segundo costume se lan-
çara em augua, e mechido muito bem, o deixa-
rão athe o outro dia; e escoada aquellaaugua lhe
lancarão outra, e mexido como dantes o decha-
rão asi ao outro dia farão o mesmo e finalmente
por espaso de quinse, ou vinte dias mudandolhe
como dito he cada dia a augua; e sendo ia bem
curtido, e escoada a ultimaaugua lançarão o Jeso
em telhas, ou outra cousa, e o porão a enxugar,
ao sol ou, ar, e bem enxuto se guardara pera ouro
brunido.”.
78pág. / 1.ª SESSÃO / Estratos preparatórios e sua caracterização material
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Este facto evidencia a utilização do chamado gesso pardo neste contexto. Abrindo assim a possibilidade
da utilização de gessos provenientes de gesseiras nacionais, geologicamente com contextos similares.
Tal como a gesseira de Soure (Coimbra) em que o gesso pode ocorrer em massa ou agregados crista-
linos, também ocorre como massas brancas fibrosas, de aparência sedosa, ou granulares, de aspecto sa-
caróide, como acontece em Santana (Sesimbra), Óbidos e Leiria. Outras explorações gipsíferas, tal como
estas, associadas a áreas anticlinais diapíricas, pertencentes ao mesmo horizonte estratigráfico, têm sido
referenciadas ao longo do litoral entre São Martinho do Porto e S. Pedro de Muel. Observa-se também a
ocorrência de afloramentos de gesso na bordadura do maciço antigo entre Angeja e Tomar, como a Venda
Nova (Avelar) e Figueiró dos Vinhos, mas também no Algarve Meridional entre S. Vicente e Vila Real de
Santo António, da qual se destaca a gesseira da fábrica de cimentos de Loulé (Zbyszewski& Almeida, 1964;
Velho et al. 1998).
O gesso em Portugal ocorre em depósitos evaporíticos associados a margas e argilas cinzentas denomi-
nados de “Margas de Dagorda” (Triásico Superior/Hetangiano)definidas por Choffat (1882), associadas a
afloramentos diapíricos, ao longo do litoral oeste da Bacia Lusitaniana, que interdigitam com depósitos
clásticos aluviais, do “Grupo de Silves” ou Grupo dos “Grés de Silves” (Kullberg et al., 2012; Soares et al.,
1985, 2010;Choffat, 1887; Palain, 1976; Rocha in Ribeiro et al., 1979), a que estão associadas as gesseiras
que afloram na bordadura do maciço antigo. As gesseiras associadas a depósitos evaporíticos, podem ter
grande espessura, resultam de uma história geológica complexa, evidenciando, como consequência das
acções estruturais, de metamorfismo e dissolução-precipitação, fenómenos de recristalização secundária.
(Zbyszewski & Almeida, 1964; Costa, 1986; Kullberg et al., 2012).
Num outro nível estratigráfico, em Espargal, na região de Oeiras, é referenciada uma ocorrência gipsí-
fera do Cenomaniano médio, única conhecida do seu género a uma profundidade de 40 m. Esta pequena
jazida foi explorada para extracção de gesso branco entre 1960 e 1962 (Zbyszewski & Almeida, 1964).

Formação de celestite em depósitos gipsíferos

Os minerais de estrôncio desenvolvem-se em 1999; Jacobson&Wasserburg, 2005; Tsipoura-


contextos lagunares associados à formação de eva- Vlacholl,2007).
poritos e a outras rochas sedimentares de origem
Na contextualização da formação de celestite nos
química como os calcários. A precipitação, nome-
depósitos portugueses associados ao diapirismo
adamente de sulfato estrôncio (celestite), ocorre
verifica-se que a histórica geológica dos actuais
tipicamente em lacunas ou descontinuidades que
afloramentos sustenta a presença deste mineral-
resultam de processo de dissolução ou de movi-
nas jazidas de gesso. Após a diagénese, resultan-
mentos estruturais, como as falhas(Warren, 1999).
te da deposição da sequência sedimentar que se
O processo de precipitação da celestite depende sobrepõe aos níveis evaporíticos das “Margas de
naturalmente da concentração do catião estrôncio Dagorda”, e consequência dos movimentos estru-
(Sr2+) e da presença do anião sulfato (SO42-).O Sr2+ turais e dos processo geológicos que contribuíram
encontra-se em quantidades muito reduzidas nos para a paisagem actual, resultam fenómenos de
sulfatos de cálcio substituindo isomorficamente o metamorfismo, lixiviação e aumento de volume
Ca2+, e pode atingir 0,3% em peso. O enriqueci- resultante da transformação da anidrite em gesso
mento das águas em Sr2+ pode ser favorecido du- e respectiva dissolução. Tal como o esquema da fi-
rante o processo de diagénese (com transformação gura 5 sugere, estes fenómenos fomentam a preci-
de gesso em anidrite) e lixiviação do gesso/anidrite pitação e favoreceram a concentração de minerais
que, libertando Sr2+ e SO42- que se combinam pre- com produtos de solubilidade mais baixos e maior
ferencialmente, uma vez que o produto de solubi- densidade, quadro 1.
lidade (Kps), quadro 1, da Celestite é menor que a
do gesso e anidrite (Kushnir, 1982, 1986; Warren,

Figura 5
Esquema simplificado da deposição de diapiros na fossa
Lusitana (Zbyszewsky, 1959) segundo o corte; 1- Formações de
Coimbra, Brenha e Candeeiros (Lias e Dogger); 2- Camadas
de Cabaços (Oxfordiano Médio); 3 – Camadas de Montejunto
e margas da Abadia (Oxfordiano Superior, Kimmeridgiano
Médio); “Formação da Lourinhã” (Kimmeridgiano Médio e
Superior); 5 – “Margas de Dagorda” (Hetangiano); 6 – soco
hercínico.
as preparações na pintura portuguesa dos séculos xv e xvi / 79pág.
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Presença de Celestite em Retábulos Portugueses
João Coroado, Vanessa Antunes, Vitor Serrão, Maria José Oliveira, Luís Dias,
António Candeias, José Mirão, Luísa Carvalho, Ana Isabel Seruya
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PROPRIEDADES GESSO ANIDRITE CELESTITE

Fórmula CaSO4, 2H2O CaSO4 SrSO4


Dureza Mohs 2,0 3,0 – 3,5 3,0 – 3,5
Tenacidade Flexível Rígida Rígida
Massa volúmica 2,30 g/cm 3
2,82g/cm 3
3,98 g/cm3
Produto de 
3,8x10-5 mol/l 1,9x10-4mol/l 3,9x10-7mol/l
solubilidade (Kps)
SistemaCristalino Monoclínico Ortorrômbico Ortorrômbico
Clivagem Perfeita Pseudocúbica Basal Perfeita
Fractura Irregular Concoidal Irregular

Quadro 1
Propriedades do gesso, anidrite e celestite.

Também, e confirmando a baixa de concentração de Sr2+ no gesso cristalino, foram recolhidas amostras
de gesso cristalino na gesseira de Soure (contexto diapírico) que pertencem às “Margas de Dagorda”, re-
ferenciadas como A1 e A2, e gesso acicular, em Coimbra, na Formação do “Grès de Silves”, referenciada
como A3, que foram analisadas relativamente à sua mineralogia, por difracção de raios-X (DRX) e com-
posição química por espectrometria de fluorescência de raios-X em comprimento de onda (FRX), depois
de secas e moídas num moinho de ágata, figura 6. Os difractogramas foram obtidos num equipamento
Philips X’Pert PW 3040/60, com ampola de cobre (CuKα),a 30 mA e 50 kV, com um monocromador de
grafite automático, a aquisição de dados foi feita entre o 4 e os 65˚2θ; a identificação das fases cristalinas foi
feita com recurso à informação disponível através do “International Centre for Diffraction Data Powder
Diffraction Files” (ICDD PDF). A FRX foi efectuada num espectrómetro de fluorescência de raios-X
Philips PW 1410/00, equipado com ampola de crómio(CrKα); a perda ao rubro foi obtida após calcinação
da amostra a 1000˚C durante 3 horas.

SiO2 Al2O3 Fe2O3 CaO MgO Na2O K2O SO3 P.R. Sr Ba Pb


AMOSTRAS
% % % % % % % % % ppm ppm ppm
A1 1,34 0,74 0,09 30,5 0,26 0,01 0,13 46,9 19,8 161,4 123,9 11,0

A2 0,17 0,11 0,01 30,7 0,02 0,02 0,12 48,3 20,7 108,2 120,6 3,8

A3 0,21 0,12 0,02 30,3 0,09 0,04 0,14 47,5 21,7 150,2 113,2 3,8

Figura 6
Resultados de DRX e FRX das amostras A1, A2 e A3, de gesso cristalino amostrado na gesseira de Soure e num talude em
Coimbra.
80pág. / 1.ª SESSÃO / Estratos preparatórios e sua caracterização material
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Os resultados obtidos, figura 6, mostram que as amostras são constituídas pela fase gesso, fases associa-
das aos teores mais elevados de CaO e SO3 que são acompanhados pelo valor da perda ao rubro (P.R.) em
conformidade com a composição do gesso (CaSO4, 2H2O). O teor do Sr é diminuta o que indica que as
substituições isomórficas na estrutura cristalina do gesso é relativamente reduzida. Os valores dos restan-
tes óxidos são muito reduzidos confirmando o gesso como a única fase presente.

Síntese da preparação do gesso para aplicação em retábulos

As camadas de preparação em “gesso”, segundo e a agitação da suspensão, frequente e durante vá-


a tratadística, podem ser divididas em dois tipos rios dias que dependia de autor para autor (Gomez,
principais, figura 7, aplicadas em várias camadas, 2005; Gómez et al., 2008; Cardoso, 2010). Após o
normalmente com cola animal, dependendo da es- período de maturação o excesso de água era escoa-
cola e artista: o “gesso grosso” mais grosseiro era do e porções da pasta era modelada e seca (o texto
aplicado sobre a madeira para diminuir as irregu- 1 refere a secagem em telhas que facilita a absorção
laridades das uniões das tábuas madeira e da res- de égua e ao sol). A aplicação do gesso mate era
pectiva superfície, e o gesso fino, mate ou sottile, feita após a sua desagregação e aplicada com cola
aplicado sobre o gesso grosso, tinha a proprieda- animal.
de de ser mais macio e com melhor acabamento
Para perceber a relação das fases sulfatadas com
de superfície, sobre o qual são aplicadas as cama-
a temperatura, três amostras do gesso (pardo) pro-
das pictóricas (Gettens & Mrose,1954; Gomez,
veniente de Soure, uma sem transformação tér-
2005;Gómez et al. 2008; Cardoso, 2010).
mica, com referência GN-1, outra, com referência
GG110 foi calcinada a 110ºC durante uma hora
CP e a terceira, com referência GG300 foi calcinada
a 300ºC durante uma hora, foram analisadas re-
GF correndo à micro-Difracção de Raios X (µ-XRD).
As análises foram realizadas num equipamento
da marca Bruker AXS, modelo D8 Discover, com
GG ampola Cu-kα e detector GADDS, simulando
um varrimento entre 10 e 75º20, a identificação
das fases cristalinas foi feita com recurso à base
de dados “International Centre for Diffraction
Data Powder Diffraction Files” (ICDD PDF). Os
resultados, figura 8, indicam que na amostra sem
transformação,GN-1, só se observa a fase de ges-
Figura 7 so (CaSO4,2H2O), na amostra G110 observam-se
Imagem obtida ao microscópio electrónico de Varrimento da duas fases das quais se destaca francamente a bas-
amostra B4 20: CP – camada pictórica (branco de chumbo e
outros pigmentos); GF – Gesso Mate; GG – Gesso Grosso. sanite (CaSO4,1/2H2O) e observam-se a presença
reduzida de gesso, e na amostra GG300, observa-se
anidrite (CaSO4) e evidência reduzida de bassanite.

As propriedades, composição, preparação e apli-


cação dos dois tipos de “gesso” são distintas, sendo
o processo inicial de calcinação da matéria-prima
comum.
A primeira fase de preparação do “gesso” era co-
mum para produzir o gesso grosso e o gesso mate
e a sequência do processo, após a extracção, impli-
cava a calcinação, a moagem e a crivagem. No final
desta primeira fase o gesso estava pronto para ser
utilizado, com cola animal, como gesso grosso. A
preparação do gesso mate era feita a partir do gesso
calcinado, moído e peneirado, tal como descrito no
texto 1, era colocado em água com o objectivo de
promover a hidratação das fases anidras e hemi-
-hidratadas. O processo implicava a muda de água
as preparações na pintura portuguesa dos séculos xv e xvi / 81pág.
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João Coroado, Vanessa Antunes, Vitor Serrão, Maria José Oliveira, Luís Dias,
António Candeias, José Mirão, Luísa Carvalho, Ana Isabel Seruya
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Figura 8
Análise por µ-DRX: G – Gesso; B – Bassanite; A – Anidrite. GN-1 – amostra da pedra de gesso comum, antes da desidratação
(zona clara) -gesso; GG110 – Amostra de gesso grosso desidratado a 110ºC – bassanite e vestígios de gesso; GG300 – Amostra de
gesso grosso desidratado a 300ºC – anidrite e vestígios de bassanite.

 Presença de Celestite nas camadas de preparação dos corpos de prova


 efectuados em laboratório
A partir da informação disponível nos tratados da época, foi possível obter indicações precisas para a
preparação do “gesso” destinado a aplicação em retábulos. A partir de gesso proveniente da gesseira de
Soure, após desagregação e calcinação durante 24 horas a 110˚C, seguiram-se os procedimentos para a
preparação do gesso grosso e do gesso mate. O tempo de maturação para a obtenção do gesso mate foi
de 10 dias, com substituição da água em excesso e agitação diária, tendo a pasta sido seca em telhas. Os
corpos de prova foram preparados sobre madeira de castanho (Castanea sativa mill), onde se aplicou o
gesso grosso com cola animal em várias camadas e sobre este o gesso mate também com cola animal e em
várias camadas. Finalmente foram aplicados vários pigmentos a simular a camada pictórica. Destes corpos
de prova foram retiradas amostras e analisadas por MEV/EDS, tal como as amostras retiradas das pinturas
retabulares estudadas. A observação destas amostras, MEV-EDS, mostrou que é comum a presença de
partículas de celestite nos copos de prova.

Figura 9
Preparação laboratorial: MEV e EDS da amostra FE110 – A - partícula de celestite; B – partícula de gesso.
82pág. / 1.ª SESSÃO / Estratos preparatórios e sua caracterização material
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A presença de celestite nas camadas preparatórias (em gesso) depende da matéria-prima e da quantida-
de relativa de celestite na gesseira. No entanto, a presença de partículas deste mineral pode ser minimizada
durante o processo de preparação do gesso, principalmente do gesso mate, o que favorece a possibilidade
de obter superfícies mais lisas e macias, pois a celestite é rígida e tem dureza mais elevada do que o gesso,
quadro1.
Após a fase de calcinação, moagem e crivagem, o material é colocado em água durante vários dias. Neste
período, de hidratação das fases hemi-hidratadas e anidras, é possível a segregação das partículas mais
densas e maiores, pois estas têm velocidade de deposição mais rápida, na suspensão em água, o que pro-
porciona uma diminuição relativa da presença de grãos, nomeadamente de celestite, por ser mais densa
que o gesso, quadro 1, se o depósito de fundo do contentor for separado. Este depósito deverá conter as
partículas (de rochas ou minerais) mais grosseiras e mais densas que estão associadas ao gesso (celestites,
calcários, dolomites, etc.) porém a sua separação completa é muito difícil (Elisabet & Laura, 2005).

Conclusões
A utilização do gesso nas camadas de preparação dos retábulos e pinturas do séc. XV e VXI é uma práti-
ca em Portugal e dos países do sul da Europa. No caso Português, algumas questões de utilização de gesso
nacional são colocadas neste contexto, não só por ser escasso, como também é tido de qualidade inferior
(gesso pardo), quando comparado com países vizinhos como a Espanha a França e Marrocos, que são,
hoje, grandes produtores mundiais de gesso branco. Porém a tratadística mostra que houve utilização de
gesso nacional, nomeadamente de Soure, na documentação da especialidade é possível encontrar registos
da existência de pequenas gesseiras onde se explorou gesso branco, como foi demonstrado.
Nas gesseiras a celestite ocorre naturalmente como nódulos, geóides ou preenchendo vazios cársicos
ou estruturais, indiciando formação pós-deposicional (diagenética ou pós-diagenética), a partir da dis-
solução do gesso ou anidrite, e precipitação de celestite como resultado da presença de SO42-, menor mo-
bilidade do Sr2+, ou seja nos afloramentos evaporíticos mais antigos a probabilidade de ocorrência de
celestite é maior, uma vez que os factores de concentração deste mineral actuam durante mais tempo.
Neste contexto, considerando que a maioria das gesseiras de Portugal e Espanha foram formadas há cerca
de 200 milhões de anos (MA) (Triásico Superior/Hetangiano) e que a sua geologia evidencia o resultado
dos processos diagenéticos, estruturais e de meteorização, pode-se dizer que a ocorrência de celestite é
relativamente comum nas gesseiras Nacionais e Espanholas formadas naquela época geológica.
A presença de celestite nas camadas preparatórias (em gesso) em retábulos pode ser mitigada no pro-
cesso de preparação do gesso mate, com vantagens para um melhor acabamento da superfície, tornando-a
mais lisa e macia. Durante a fase de maturação, a suspensão das partículas em água favorece a segregação
gravítica das mais densas, e também das maiores, que sedimentam no fundo do recipiente podendo e ser
separadas por rejeição deste resíduo.
Finalmente, a ocorrência de celestite nas camadas de preparação é relativamente comum e depende
principalmente do contexto geológico do gesso, podendo contudo, a sua presença, ser reduzida durante o
processo preparação do gesso mate.

Agradecimentos
Agradece-se à Fundação para a Ciência e a Tecnologia pelo apoio financeiro ao projecto A camada de prepara-
ção invisível e a sua influência na pintura portuguesa dos séculos XV e XVI: Uma questão a resolver (PTDC/EAT-
HAT/100868/2008). Agradece-se também às entidades donas das obras por permitirem o estudo das mesmas e a
Bárbara Maia e Ana Calvo, José Mendes e António João Cruz a colaboração levada a cabo entre o nosso projecto e os
projectos doutorais em causa.

referências
ANTUNES, V. e SANTOS, I. (2009), 'Preparação e imprimitura: ARAUZ, S. (2009). Análisis del yeso empleado en revestimientos
a matéria invisível', in no prelo (ed.), As matérias da imagem: exteriores mediante técnicas geológicas, tesis doctoral,
os pigmentos na tratadística portuguesa entre a Idade Média e Universidad Politécnica de Madrid, Madrid, p. 22.
1850 (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).
as preparações na pintura portuguesa dos séculos xv e xvi / 83pág.
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Presença de Celestite em Retábulos Portugueses
João Coroado, Vanessa Antunes, Vitor Serrão, Maria José Oliveira, Luís Dias,
António Candeias, José Mirão, Luísa Carvalho, Ana Isabel Seruya
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