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UU RUSE LOK ean ee ee 5. CONVIVIOE TECNOVIVIG ENTRE INFANCIA E BABELISMO DON CRISTOBAL: Preste atenedo. (Quve-se o choro de uma crianca) ‘Oqueo senhor acha que é? DON GtoRGto: Um bebé chorando. DON CRISTOBAL: Multo ben. Agora me diga: em que chora essa crianga? DON GIORGIO: Como assim? DON CRISTOBAL: Quero dizer, como ela se expressa Em que lingua soluca? DON GIORGIO: Que eu saiba, o choro néo tem idioma DON CRISTOBAL: Como ndo? O senhor nunca ouviu os ganidos trdgicos das Japonesas, os gritos lastimosos das siciianas ou a dor dilacerada das espanholas e das gregas? Dize-nos, querida Filomeia, tu que dispes de ouvido absoluto, ‘em que choraessa crianca? PITOMELA: Em portugués (Cessa o pranto. Comeca outro, O jogo se repete ao longo da cena, em contraponto com 0 diilogo) DON CRISTOBAL: F esta? FILOMETA: Creio que chora em cataléo, DON CRISTOBAL: Fa seguinte? FILOMELA: Essa chora em francés. DON CRISTOBAL: Mais uma FILOMELA: Ao que parece, geme em grego, DON CRISTOBAL: A que segue. FILOMELA: Suponho que derrama lagrimas ibizencas. DON CRISTOBAL: Mais uma. FILOMELA: Bsa geme em galego. DON CRISTOBAL: Festa outra? FILOMELA: Solta lamentos da Alearria. JOSE RICARDO MORALES Viver em um ovo de chamas -Mesclando a terra eo céu Viverno centro do mundo ‘Sem rosto sem édio nem tempo — ENRIQUE MOLINA, esse sentido, internet etc. ¢ = mesmo. E, port: vel, imprevi Oconviviore= cceuna primeirs = As origens mitic tubo ou, ainda imagens vie se: Aoconeceite = te desterritor: ‘grandes forme: = de texto, jogos = pessoas; 20 tees. ddupla entre é: com o objeto. se ausentou #2 relagao bidire: em: homer: Denomine= Esse segunid livro, do einer: 08 técnicos e = temporal do ¢: do espectado: 0 TEATRO Dos JA SALIENTET ANTERIORMENTE QUE 0 CONVIVIO, ‘manifestapdo ancestral da cultura vivente,distingue teatro docinema da televisio, do ridio,do Skypee do chat, uma vez que o teatro exige a presenga real dos artistas, em reuntio com técnicos e espectado- res, a maneira do ancestral banquete ou simpésio ‘rego. Na qualidade de acontecimento, o teatro algo que existe enquanto acontece, e na qualidade decultura vivente, ndoadmite captura ou cristaliza- (0 em formatos tecnolégicos. Assim como a vida, o teatro nao pode ser aprisionado em estruturas in vitro, nao pode ser enlatado. Nesse sentido, aquilo que se enlata em gravacdes, filmagens, transmissoes via internet ete. € informasao sobre 0 acontecimento, nao 0 acontecimento em si mesmo. E, portanto, jé néo € teatro, essa zona de experiéncia territorial, incaptu- rivel, Imprevisivel, efémera e aurdtica que o constitul Oconvivioremetea uma escala ancestral da humanidade, uma vez que ele nas. ‘ceuna primeira ocasiéo em que dots seres humanos se encontraram. Remontamos as orjgens miticas da espécte: Addo e Eva ou o salto da manada de animals para a {ribo ou, ainda, da crianga do ventre da mie. Sem convivio nao hi teatro, por isso ele ndo pode ser feito na televisdo, no cinema, no rédio e na web, Uma obra teatral pode incluir cinema, televisio, computadores, telefones celulares, ransmissao de imagens via satélite, mas nao pode subtrair a presenca dos corpos no convivio. Aoconceitode convivio,opomos a nocdo de teenovivio, istoé, acultura viven- te desterritorializada por intermediacdo tecnoligica. Podemse distinguir duas grandes formas de tecnovivio:o teenovivio interativo (telefone, chat, mensagens de texto, jogos em rede, Skype etc], no qual se d& a conexao entre duas ou mais pessoas; €0 tecnovivio monoativa, no qual nio se estabelece um dilogo de mio ‘upla entre duas pessoas, mas a relacio de uma pessoa com uma méquina ou como objeto ou dispositivo produzido por essa méquina, cujo gerador humano se ausentou no espaco e/ou no tempo. O tecnovivio interativo sintetiza-se na relagao bidirectional: homem 1 ~ maquina - homem 2; 0 monoativo sintetiza-se em; homem 1 maquina {homens}. Denominamos dialégico 0 tecnovivio interative, e monol6gico,o monoativo. Esse segundo tipo de tecnovivio € o proposto pelas tecnologias tradicionais do livro, do cinema, da televisdo e do rédio. Vejamos um exemplo: no teatro, o ator, 95 técnicos e o publico se retinem convivialmente na encruzilhada territorial temporal do presente, por meio da presenca de seus corpos; no cinema, o corpo do espectador esta presente, mas o corpo do ator esti ausente, substituido por O TEATRO Dos MoRTas . 129 ‘uma estrutura de signos, eo corpo do técnico limita-se a operacio da méquina © projegdo: nio se trata de uma tarefa postica, mas mecanica. Nao se pode deno- minar “técnico-artista”o técnico que se limita a operar 0 projetor. No teatro, 0s corpos do ator, do técnico e do espectador participa da mesma zona de experiéncia. Com sew iso, seu siléncio ousuas légrimas, com seus protes- tos, oespectadorinfhui no trabalho do ator teat al, constr6ia poiesis convivial. No cinema, 0 corpo do atore o corpo do espectador nao participar da mesma zona de experiéncia; e mals: 0 espectador sabe que o ator nio est ali, ras nio sabe onde ele realmente est4 ou o que pode estar fazendo naquele exato momento. O teatro ¢ espago e tempo compartilhados em uma mesma zona de afelagao, ona linica que é criada uma tinica ver.e de forma diferente em cada sessio. O cinema ‘admite tecnovivialmente a multiplicagdo de enlatados e apresentagées, aspecto que faz que ele se entenda muito bem com o mercado, mas que rompeo vinculo convivial ancestral. O espectador pode gritar parao ator de cinema que vena tela, ‘mas este nio estd alle, portanto, nao pode responder dislogicamente. A situacéo teenovivial implica uma organizacio da experiéncia determina- da pelo formato tecnol6gico. Por tudo issa, 0 teatro se parece com churrascos, festas de casamento, partidas de futebol vistas no estédio, no melo da torcida e tno mesmo espaco ocupado por técnicos e jogadores, com o encontro fisico dos amantes, isto €, com todas aquelas agdes e acontecimentos que no podem ser realizados sem reuntéo territorial de corpo presente. Convivio e tecnovivio pro- dem paradigmas existenciais muito diferentes, contrariamente 20 que costu- ima sugeriro mercado de bens tecnol6gicos, que convide a acreditar que em um futuro préximo o convivio seré “superado” e “substitufdo definitivamente pelo tecnovivio, (Recorde-se que o mercado ea indtistria doo nome de home theater 4 aparelhagem audiovisual de alta tecnologia Os jovens so os que mais facil mente aceitam essa ideia de superagao e substituicao: “Logo, logos hologramas vio suar’, ouvi de um rapaz muito inteligente que acreditava que sera “melhor” ver um holograma suar tecnovivialmente do que ver 0 corpo real de um ator em convivio. Narealidade, as duas possibilidades nao se excluem: trata-se de dots pa- radiginas diferentes da existéncia, Cada paradigma implica uma politica - vital, e até de defesa, apologia ou rejeicao~ muito distinta. Cada tecnologia determina mudaneas nas condicoes do viver juntos. Basta pensarmos na internet, em comoa informacdo aparece organizada, pré-organiza- sore Dubtt da pela estrutura tecnolégica, e quantas subjetividades occa te se presentificam nessa intermediacko homem-mdquina- scrounsteSoerectns “Omer ou homem-mdquina (homens). Podemos falar 2008. em uma subjetividade institucional intermediadara', JORGE DUBATTL. 130 neste caso, resas que f blevisién, D> sentido eng: sarial est e=:> dores que te: sua maneira = expresso de ‘um corpo, : ~ territorial: ontolégica meméria.c: ou especta: lidade, dap. ontologice: sengadores Babel. Ure: eespectad. Bessa rez gem, que * pré-natal,e = materialide- A experiér. adulta, cot: Se0.co técnico eae snfancia, sc> de Babel. Ne Para ius": soal:vigian emuitopec Maggie Sm ‘trabalho des ou secundé o TeaTRo pelo neste caso, uma subjetividade empresarial, com tudo o que isso significa: as em- presas que fabricam as méquinas ou proveem os servigos (Microsoft, Apple, Ca- blevisién, DirecTV, Speedy, Youtube etc), além dos banners publicitarios. Nesse sentido, enquanto joao bate papo com Maria, nao apenas.a subjetividade empre- sarial estd entre eles como também todas as estruturas publicitrias ¢ os media- dores que tornatn possivel es: onexdo e que, claro, querem estar ‘presentes”, 3 sua maneira, nessa relagio, determinando suas condigdes e possibilidades. Dai a expressio de Mauricio Kartun: 0 teatro é um corpo. E acrescentamos: 0 teatro é lum corpo, de espectador, de artista, de técnicovartista, que se encontra auritica e territorialmente com outrols)corpols) © teatro resiste na ancestral forma de associagao e interagio humanas que anula as mediacdes que permltem subtrair os corpos ¢ desterritorializé-los, Po- de-se affrmar que no teatro, gragas a0 convivio, sempre “regressa” a densidade cntolégica do acontecimento; portanto, a funcao ontolégica também opera como ‘meméria cultural. rao teatro, observar em convivio um corpo vivo produzindo ou espectando poiess, € recordar a densidade ontol6gica prépria do real, da rea- lidade, da poiesis ete. Trata-se de voltara ver entes poéticos, voltar a confronté-los ontologicamente com a realfdade cotidiana, voltar a recordar a existéncia/pre~ senca doreal nos corpos viventes, voltar20 vinculo anterior linguagem, antes de Babel, Uma subjetividade arcaica, em que se dé a irmanagio de artistas, tfcntcos © espectadores, Uma subjetividade cada vez mais percebida, na medida em que se aumenta a experiéncia da tecnovivialidade Eessa regio de infaincia anterior linguagem, e que é fundamento da lingua. ‘gem, que Morales vé expressa no choro universal dos bebés, e Molina, na vida Pré-natal, e que perdura no homern durante toda sua existéncia, justamente na ‘aterialidade do corpo vivente, préxima a materialidade territorial do universo. A experiéncia do teatro permite que se perceba essa regio de infancia na vida ‘adulta,cotidiana, na forca vital que é condigdo de possibilidade da cultura vivente, Se 0 convivio faz regressar & in-fncia anterior a Babel e recorda ao ator, 20 téenicoe ao espectador que ainda sao in-fantes,o tecnovivioé o esquecimento da infancia, sua ocultacio, depois da apologia (de mercado) da explosao lingulstica de Babel. Nem bern nem mal: dois paradigmas existenciais distintos, Para ilustrar a oposigdo entre convivioe tecnovivio,cito uma experiénela pes- soal:viafando de avid dos Estados Unidos a Buenos Aires, eu vejo, muitode perto muito pequena, na telinha presaao encostoda poltrona minha frente,a grande Maggie Smith, em um filme de cujo nome nao me recordo, Estou fascinado pelo trabalho dessa grande atriz, que ja vi em dezenas de flmes, em papéis principe! ou secundirios Nunca a vi no teatro, mas me lembro de seu nome nos eles: (0 TEATRO DOS MoRTOS . 131 de estreia de pecas de Shakespeare e de muitos outros dramaturgos. De repente, avido comega a tremer e, pouco depois, ase sacudir violentamente. Muito mais que uma simples turbuléncia, Aviso de cinto de seguranca. A imagem treme, fica entrecortada, enche-se de chuvisco”, mas apesar de tudo ofilme continua. As pes- soasestao assustads, algumasgritam, mas Maggie Smith continua atuar impas- sivel, ainda que, por momentos, borrada e entrecortada, Claro, elando esta vivendo conosco 0 vo agitado, nao sofre as sacudidas nem se espanta com os gritos. N40 compartilhames a mesma zona da experineia. Penso, aferrado aos bragos da mi- nha poltrona que treme: Magale Smith deve estar tomando seu cha em Londres. Ficam claras alguns elementos de oposigao entre convivio e tecnovivio, es pectalmente os que implicam mudancas na experiéncia: no tecnovivio, ha im- posigdes nos recortes e na hierarquizacao da informacio; nfo existe zona vital compartilhada; hd desterritorializagdo e outras escalas paraas possibilidades hu- ‘manas; ha limitacdes no didlogo; intermediagGo institucional de empresas, mer- ado e marcas; relagdo de consumo e pagamento de assinaturas ou crédites, com a consequente possibilidade da interrupgao do servigo por falta de pagamento, depencéncia do fomecimento de energla e do funcionamento das aparelhagens de conexao, sempre havendo a possibilidade de catastrofe ou colapso, de que as ‘maquinas ndo funcionem e seja preciso recorrer a0 servigo técnico porque no sabemos conserté-1as por conta prépria; necessidade de renovagao e atualizagao permanente dos equipamentos, seu alto custo e o consequente status econdmi- co de classe nas possibilidades de aquisicdo: limites nos formatos expressivos ¢ na capacidade de escritura e transmissao de expetiéncia; limites no dominio da ‘compatibilidade técnica das maquinas etc. Apesar da oposicio por diferengas especificas, na vida contemporinea con- vio se cruzam e influenciamn de forma inseparivel, também por complementaridade e hibridez. Proponho brevemente um conjunto de observa- ‘0es que revelam a complexidade desse vinculo. vivio e tecnovis 1) No teatro, muitas veves a experiancia do convivio ¢ observada a partir de sa- beres do tecnovivio, Mesmo quando ele nao esta presente, 0 convivio se expe- 2.CtCldedyeretura | Timenta “teenoviviado”. Assim como Walter Ong fala telescetpaioes, | de wmna oralidade perceblda a partir dos saberes ad- ona 536 quiridos da escritura(oralidade secundstia), podemos identificar um convivio de “segundo grau” ou convi- vio “teenoviviada” pelas condicées de recepsao impostas pelo espectador. Por exemplo, em observagdes do tipo “Tal peca teatral ou montagern parece um fil me’, percebe-se que a polesis teatral convivial é lida a partir da cinematografica ‘ORGE DUBATTL. 132. tecnovit:: respeito:: das impes televisic ao forms: evidene e impress Iintegrar guesete: diferen; Veronese com base 2) O cruz: posticas acabada 2 de-se, per. Maurice : dor ace sguém pre a) Afreq: ou video 2 exemple da telex uma har. ria parc: - convivic Darin é= na prox, um imps ficava ces: stio mais: terestad: o Tests teenovivial, elogiando-se a aproximagdo daquela a esta; na frase “O diretor no respeitou o texto original’ o espectador Ié a palavra no acontecimento a partir das imposigdes da palavra impressa no livro; "Essa peca ¢ ideal para ser levada & televisio" implica que se pensa como mérito do teatrosua virtual adaptabilidade a0 formato televisivo; “O texto dessa peca ¢ tao bom que merece ser editado’, ‘evidencia que se percebe a palavra dita, oral, como palavra escrita, diapramada sen 16 escutel varios integrantes da Escuela de Fspectadores de Buenos Aires dizerem "Nao ¢ assim que se faz Tennessee Williams”, pude constatar que a observacao se baseava nas diferencas entre a montagem de Um bonde chamado Desejo, do diretor Danie] Veronese, € filme “clissico” de Flia Kazan: julga-se um acontecimento convivial com base nos saberes fornecidos por um objeto tecnovivial e Impressa, jd no mesmo instante em que o ator adiz.e1 2} O cruzamento de convivio e tecnovivio em cena gera infinitas possibilidades poéticas, inclusive aquelas em que a liminaridade entre os dols paradigmas ¢ t30 acabada que ambos se confunder e jd ndo se pode distinguir um do outro. Recor- de-se, para dar um exemplo famoso, a montagem de Les Aveugles (Os cegos), de Maurice Maeterlinck, dirigida pelo canadense Denis Marleau, em que o especta- dor acreditava estarem convivio comatores quando, na realidade, nao havia nin guém presente no paleo: também 0 caso de Distancia, que comentarel a segult 3) Afrequentacao tecnovivial de um artista vivo, por meto de gravacdesem dudio ou video, gera um profundo desejo de reunigo convivial com esse artista. Por ‘exemplo,o desejo de ver no teatro um ator muito conhecido por meio do cinema, da televisio ou até mesmo da publicidade; ou de assistir a um show ao vivo de ‘uma banda conhecida por discos e videoclipes. 0 encontro convivial a posterto- ria partir do vinculo tecnovivial costuma acartetar dificuldades convivio, justamente porque o formato pré-organizado e convencionalizado do tecnovivial simplifica a tomada de posicao, de decisao e a aceltacio de papés. Os filtzos e matrizes da tecnovivialidade acabam criando a ilusdo de que Ricardo Darin é mais “real” no cinema e na televisdo (¢ “mais Darin") do que no teatro ou na proximidade convivial cotidiana. Eduardo Pavlovsky contou que, ao assistir a ‘um importante festival internacional de cinema para apresentar ofilme Potestad, ficava cara a cara, nas reunides, com os mais famosos atores ¢ diretores do mun do, mas que s6 se sentia, de fato, presente no festival quando via asimagens na televisdo. A mediagio tecnologica constréi a ilusio de que a televisio eo cinema io mais reais do que. vida desse artista vivendo junto a nés, Paralelamente, por terestado na televisdo ou no cinema, esse ator tem outra hierarquia "ontoldgica’, © TEATRO Dos MoRTOS 133 diferente daquela que teria se atuasse apenas no teatro. “Apareco na televisio, logo existo”; a cultura da mediaticidade cresceu de forma incomensurével nos ‘Gimos vinte anos. Paradoxalmente, o tecnovivio torna os corpos mais densos & reais, mals pregnantes e organizadores do olhar dos outros... Ainda que, felizmen- te, isso ndo valha para todo o mundo. 4) Para multos espectadores, devido aos habitos tecnoviviais instalados pelo ci nema, pela televisao, pelos megashows ¢ pela visio de mercado, a presenga de tecnologia ¢ associada ao poder de produgao, ¢ sua auséncia, a pobreza, falta, caréncia, ¢ nio a uma deciséo poética ou politica. Um espectador, depots de as sistic a De mal en peor, de Ricardo Barts, espetaculo de pequeno formato, para vinte espectadores, observou: “Que vergonha um dire‘or tao importante, coma {uajet6ria de Barts, ter que trabalhar em wma sala tao pequena e praticamente sem recursos tecnol6gicos. Seré que ele no pode arranjar um bom produtor co- ‘mercial. Esse espectador nao via no espeticulo a opsao deliberada de Bartis por tum espago ¢ uma linguagem nao tecnolégicos, mas interpretava que a postica resultava de caréncias econémicas. A cultura de positivizacéo do tecnovivio cria ‘em alguns espectadores a flusio de que, quanto mais recursos tecnolégicos © teatro ostentar, tanto melhor ele serd, Assim, leem o teatronao poraquilo que ele 6 queo constitu’ em sua singularidade, mas por aquilo que ele deveria sere Ihe falta, se comparado ao teatro comercial, 20 cinema, & televisio ou aos megashows. Considerando-se essa tiltima constatagio, poe-se em jogo a necessidade de uma politica de valorizagao do convivio por meio do teatro e de outras priticas culturaise socials.0 ponte de partida, no meu entender, deve sera confrontacio, ‘aexposicao das diferencas entre os dois paradigmas, noque tange as experiéncias © 8 constelacto de categorias que cada um deles exige para ser compreendido ¢ analisado, £ preciso assumir que entre convivio e tecnovivio nao ha substituicéo superadors, mas alteridade, tensdo e cruzamento, E é importante deixar claro, por melo dessa politica, que perder a cultura do convivio é perder um dos mais inestimdveis tesouros da humanidade. igualmente, acredito que, na sociedade tecnovivial, constr6i-se um equilbrio de resistencia no convivial. Assim como se afirma que “quanto maior a globalizagio, maior @ localizacao", pode-se também estabelecer que “quanto maior extensio da experiéncia tecnovivial, maiorane- cessidade de experiéncia convivial” O teatro responde diretamente a essa tltima necessidade. Dai sua vigencia. Sem conviivio, néo ha teatro, Mas, sem divida, convivio e tecnovivio podem cruzar-se produtivamente na cena teatral. Um caso do teatro argentino digno de Jorce pusatti. 134 estudo é Distan: da de 2013 no <= de uma vasta muito desenve no Canadie r quatro atrizes ferentes cid: Piemontese i: Weber (Hame: compéem gus ' seus namora A distancia te-- idiomas que < : Limos lege meérito dod conectadas ¢ . Suas im; dos, sio vist: 1 reunidos nz “ ro, em cor : Martinez, $ 3 tin Uriburu - . atras das te 4 aumentade = 1 {corrente c< se consegus que uma, pensévame aplausos e< Matias “= aprovess:~ prias fre cam de: textose = slut S 4 « 4 « « ihipertir: o TEATRO: estudo € Distancia, o espetéculo de Matias Umpierrez apresentado na tempora: a de 2013 no Centro Cultural San Martin, de Buenos Aites, aro expoente local de uma vasta tendéncia internacional, a chamada cena teatral “neotecnolégica” ‘muito desenvoivida nos Estados Unidos, na Alemanha, | 3.cttcacosassone ‘no Canadi ena Pranga,e muito pouco a Argentina. Hii Wisinae aera Quatro atrizes virtuais atuando em tempo real em di- | Lcuma'ncteerteno™ ate ferentes cidades: Marina Bellati (Buenos Aires), Marie | ste, Maivd:2008 n208 Piemantese (Paris), April Sweeney (Nova York) e Anne "4"! Weber (Hamburgo). Simultaneamente, mas sem conexcdo umas com as outras, ‘compoem quatro personagens de mulheres que se comunicam por Skype com seus namorados, que, por diferentes circunstancias, esto morando muito fonge. distancia territorial se acentua pela diferenga de hordrio entre as cidades, pelos idiomas que cada uma delas fala (castelhano, inglés, francés, alemao, 08 trés tl timos legendados na transtissdo}, embora a cronometrizacao soja to perfeita, meérito do diretor Umpierrez, que as quatro mocas, em diferentes cidades e des ‘conectadas entre si, num dado momento cantam juntas a mesma cancéo. Suas imagens, tal como apareceriam na tela do computador de seus namor: dos, so vistas e cuvidas em escala muito maior que natural pelos espectadores reunidos na sala, Elas estdo alheias também a presenca do piblico. Ao contri- tio, em convivio com os espectadores na sala, um grupo de muisicos ~ Santiago Martinez, Santiago Mazzanti, Sebastidn Roascio Goldar, Rafael Sucheras, Agus tin Uriburu— toca diversos instrumentos: vé-se a presenca deles transparentada atrds das telas de proje¢io, em tamanho real, diferentemente do rostoe do corpo aumentado das gorotas. A transmissdo das atrizes virtuais é feita por streaming (Corrente continua, descarga continua ou fluxo de midi), efeito multimidia que se consegue por meio de urna rede de computadores. Uma surpresa final revela que uma das mocas, a que é vivida por Mariana Bellati,estava mais perto do que pensiivamos, Os muisicos e aatriz, em convivio com os espectadores, recebern 08 aplausos e cumprimentam no fim do espetéculo, Matias Umpierrez explica sua criagio: Comesse espetaculo tentaros mostrar como o teatro pode entrar no sistema virtual aproveitando cada um de seus signos ¢ estimulando-os para que superem suns pro prias fronteiras. Em Distancia, o espaco da sala se ampliae os cenérios se quintuplt ‘came forma virtual a partir de um sistema de streaming operado em tempo real. 0 Se constréi em quatro linguas e é decodificado por meio da escuta eda lei simultineas; por sua ver, a drematurgia se entrelaga em jogo com o hipertexto fox hiperiin}. A dimensic temporal &relativizada: existe um presente que se desdobs2 D TEATRO DOS MORTOS . 135 srios, 0 som ea milsica se combinam de srumentos e de vozes vindas de longe pot na simnultaneidade de diferentes fusos he ‘modo virtual com a manipuiagéo de via digital. © pablico, na plat das atuais tecnologias, presenclando, editando e operando mentalmente a realids- ‘pode evocar sua prépria experiéneia como usurio tue the é oferecida. Por fin, todos assistimos a um espeticulo de veatro virtuah penetrando num mundo que existe somente para cade abservador ~ no cute Pra a-Texteserto por ‘ode sua partielpaga0 e que permanecerd na meméria de pie para | um computador aprsertanaodapess. Senos Je maniensta | Gorvautormecencedevee | Comentando a escolha das atrizes, afirma: Setembro 205, 1oatrizes profissionais. Marie Piemontese (France) &hé vine te anos, uma das principals atrizes da companbla de Joél Pommerat. Anne Weber alemaniha) ¢, ha doze anos, membro da compsnhia Deutsches Schauspielhaus, de Jamburgo. April Sweeney € uma atriz profsstonal que trabalh com destacados di retores da cena mais interessante de Nova York. Assim como Marina Bellath, attiz argentina de pecas de Mariana Chaue, Claudio Toleschir, entre outros Distancia 6 um espetéculo so vivo, no hd nenhum componente dramatico cou musical previamente gravado. Como aficma Umplerres: ‘Todas as dreas da peca esto ao vivo, mesmo as atrizes que participam a distancia. & opal rata, pormeto da vituaidade no sensiodeampliaoslimites do eato. rn esses potos [dc aapliogiol se déno tempo: ofamoso”aquie agorsdoteatroé relat vizado, que, pareaatiz na Argentina, sio ash, enquanto para ques que esto sendo transmitidas ao vivo po streaming, da Europa so 2h da madrugada do da seguinte,¢ paraaquela que estéemNYC, uma horaamenos, 20h, Quanto outastlas (que no txibem inforrnagao complementar,trabalhel outro dos principais pontos da virtual- dace: 0 hipertink que dente da Itratura podera ser identificdo como hipertexto). 1 certos limites para abords-loa partir da dramaturgia. Mas em Distancia, nal, vase hiperlincando 0 proprio texto dramatirgico & jprindo simultaneamente varios assuntos que apoiam as histrias, © teatro te assim como no costn0s Vi como se consegue o efeito de sineronizagio a distancia? Umpierrez explica: ‘0 mais complexo de Distancia € um tick system (ou time code} conectado com os artistas, que funciona como uma paritura visual e sonora que vai dando marcagoes e alertas 208 mitsicos (com fones de ouvido) eas atrzes (com sinais de sineronizario ORGE DUBATT! . 13.6 pode & localize: satan: seaspes: fos quest: Oma em rizio & que, emve smim”® que dema’ diz = “em pessoc vvezesme pe: outra Um ‘um por ur: De repe parecer ur: dade que e ritorialidac: intranspor: se perdere ‘a iniclal, 2 a unidade © transforms cestral, aar:.: aeweduticuisde ed ade sdb ela 0a Visual). © sistema leva em conta os delays de recepcto da imagem Pode dar}. Tenia em conta que as atrizes cantam acompanhadas de u Jocalizada a7 mil km de distaneta, Esse grande sistema é a Matrix que sustert ‘tratando de fazer que som e imagem cheguem ao paleo perfetamenteencaixados Ne seasp > spesar de contar com tal tecnologia, & um projeto frig, assim como tc os que trabalham com: jeitos vivos em cena, Esse sistema foi eoncebido em parcerta com o mtsico Rafael Sucheras e com Matias Fabro, que 0 acompanhow do ponte de vista dos sistemas e das artes visuais. © mals comovente em Distancia ~ tipo teatral muito raro no cartaz portenho em razio de sua poétiea e, por isso mesma, tio aprecidvel em sua inovagio ~ 8 que, em ver de exaltaras marevilhas da vida teonologizexa, poe.em evidéncia seus limites; a quatro mogas tematizam a dor ea degradacio das celagdes amorosas porque o vinculo convivial dos amantes nio se sustentot terrtoriatmente. "Voce 6 uma fotografia, uma imagem em movimento, um perfeito desconhecilo para smiin"¢ queixase umadelas ao namorado;"Eu me sinto comouma fibula pés-mo derma’ diz outra. Todas exigem contato fisico,existéncia | 6 As tases conecenden em possoa’, “va real. “Tom Cruise, Gorge Clooney, is | 24 root noose vvezes me perguntoseclesexistem na vida real expressa | otra, Uma delas manda a0 namorado uma cafxa de bombons “chupados” por ela uum por um, para que, quando ele os comer, *sinta meu préprio sabor De repente o limite da tela que enquadra seus rostos projetados comeca a parecer um confinamento, uma priséo. Sente-se com angtstia a perda da liber dade que elas tinham quando compartihavam com seus amados a mesma ter lidade,sente-se 0 desespero da impoténcia criada pela distancia material intransponivel, e assim distncia se toma um labirinto no qual essas mulheres se petderam, © dramatismo, que substitu a proposital hanalidade minimalis- ta inicial, atinge seu momento mais pregnante com as confissdes, as ameacas ¢ a unidade simbética das quatro mulheres no coro, Paradoxalmente, transforma o teenovivio em postica teatral para exaltar 0 valor do convivio an- cestral, antiga escala do humano. tanita © TEATRO DOS MORTOS . 137

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