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Maria Paixão Metodologia do Direito – 2017/2018

II – O Método Jurídico
1. A resposta do discurso jurídico do séc. XIX
1.1 Considerações iniciais
Conhecidas as diversas racionalidades que, em geral e especificamente no domínio jurídico, foram elaboradas e
propostas ao longo dos tempos, impõe-se perguntar:
É possível construir um esquema metódico que se assuma inequivocamente como método de realização do direito?
Esta é uma questão que se coloca hoje e que talvez sempre se colocará, constituindo ela o amâgo da metodologia
enquanto ciência que estuda o modo de realização do Direito.
A esta pergunta respondeu-se, no séc. XIX, afirmativamente. Com efeito, o séc. XIX foi porventura o período da história
em que mais afincadamente se afirmou a ideia de que era possível estabelecer, com rigor e precisão, um método de
realização do direito; mais ainda: afirmou-se a ideia de que esse método seria único e suscetível de prescrição.
Portanto, o pensamento jurídico relacionava-se com o método através de uma relação de exterioridade construtiva,
ao se propôr a elaborar, a priori, um esquema metódico que se deveria impôr à prática. É neste contexto que se veio
a afirmar o designado “Método Jurídico” [NOTA: as maiúsculas são sempre necessárias nesta referência, já que é esta uma
expressão que recorre à antonomásia].
No séc. XIX afirmou-se, como é já sabido, o pensamento científico. Com efeito, este foi o século da cientificidade, de
tal modo que também as ciências sociais se viram contaminadas por esse pensamento. Nesta linha, o pensamento
jurídico passa a revestir um caráter teorético-cognitivista, visando fundamentalmente conhecer o direito posto e
elaborar um método para a sua realização conforme com as regras da lógica e da certeza científicas.
É neste circunstancialismo que surge a “Escola Histórica do Direito”, cujo caput scholae foi Savigny. É com a Escola
Histórica que se afirma a distinção essencial entre direito e pensamento jurídico, a implicar o estabelecimento de uma
relação sujeito-objeto entre essas suas realidades. Com efeito, Savigny vem defender uma destrinça básica e rigorosa
entre o direito (a juridicidade) e o pensamento jurídico (a reflexão sobre aquela juridicidade), acometendo a este
último a função de conhecer aquele primeiro. A função cognitivista ou epistemológica acometida ao pensamento
jurídico implicava, exatamente, uma relação sujeito-objeto, em que a juridicidade surgia como algo já posto que
deveria ser apreendido pelo pensamento jurídico tal como se apresentava na realidade. Em suma, o pensamento
jurídico pretendia pura e simplesmente “conhecer”, não assumindo qualquer de intencionalidade constitutiva ou
normativa. O direito, por sua vez, era algo como que imanente à própria realidade; algo que estava já “posto”. E assim
seria porquanto a Escola Histórica reconduzia o domínio jurídico a dois âmbitos:
 O direito como expressão do desenvolvimento de forças históricas » Direito como desiderato da História;
 O direito como resultado do exercício prescritivo da autoridade » Direito como produto da vontade autoritária.
O Método Jurídico do séc. XIX, que emergiu na conjuntura exposta, carateriza-se por três notas capitais:
1. A pretensão-exigência de conferir ao pensamento jurídico a sua autonomia discursiva;
2. O carácter prescritivo e normativo do Método;
3. A ambição de racionalizar teoreticamente a prática.
1.2 A pretensão-exigência de conferir ao pensamento jurídico a sua autonomia discursiva
O pensamento jurídico do séc. XIX é um pensamento jurídico que se pretende autónomo, isto é, que se destaca do
direito em si mesmo (daí a separação estanque entre direito/pensamento jurídico), surgindo “de fora”. Para tal,
assiste-se à sobreposição de dois tipos de racionalidades jurídicas:
Conceção teorética/cognitivista Conceção normativista
» o pensamento jurídico é instituído numa função » o direito é encarado como sistema de normas auto-
epistemológica em relação à normatividade, estando subsistentes em abstrato que, como tal, seria suscetível
subjacente a essa função uma pretensão de cientismo de apreensão a priori pelo pensamento jurídico
Portanto, o direito é encarado como um sistema de normas, fechado e perfeito – conceção normativista. Integra esse
sistema a normatividade decorrente, nos termos expostos, de duas “fontes”:
 Vontade autoritária das instâncias legitimadas » normas legais criadas pelos órgãos competentes;
 Desenvolvimento das forças históricas » normas consuetudinárias resultantes do decurso da História.
Este sistema surgiria como algo já “posto”, algo que se apresenta à ciência do direito como um todo já constituído.
Consequentemente, a função do pensamento jurídico caberia apreender ou conhecer esse direito posto tal como ele
se apresentava – conceção teorética. Como nas ciências naturais, pretendia-se, pura e simplesmente, conhecer a
realidade das coisas (e não, portanto, criá-la). O pensamento jurídico assume-se, nestes termos, como verdadeira
“ciência jurídica”, com uma essência puramente analítica (e não, sublinhe-se, empírico-explicativa).

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A autonomia do pensamento jurídico é, deste modo, encontrada num discurso teorético sujeito-objeto e na
preocupação de se garantir a plausibilidade da perspetiva interna. Noutros termos: o pensamento jurídico veio assumir
a autonomia do seu discurso propondo-se a observar e apreender o direito – numa relação sujeito-objeto – de tal
forma que ficasse assegurada a coerência interna do próprio sistema. Esta era, então, uma perspetiva puramente
jurídica, que visava um conhecimento simultaneamente jurídico e científico do Direito.
1.3 O caráter prescritivo e normativo d’O Método
No seguimento do referido, o pensamento jurídico do séc. XIX relacionava-se com o método da praxis mediante uma
“relação de exterioridade construtiva”: ao invés do que sucedera anteriormente, nos pensamentos jurídicos romano
e medieval, procurava-se agora prescrever, prévia e autonomamente, um modelo e processo que deveriam ser
cumpridos para uma realização do direito em termos especificamente jurídicos e corretos. De forma simplista: o logos
arrogava-se a tarefa de elaborar o esquema metódico que deveria ser, imperativamente, observado na prática, sob
pena de irracionalidade da decisão alcançada. Esta atitude prescritiva e normativa tinha como objetivo garantir a
logicidade da realização do direito, de modo a obviar à constituição de juridicidade num momento (o da aplicação) em
que o direito aplicando já teria que ser conhecido abstratamente.
1.4 A ambição de racionalizar teoreticamente a prática
O Método Jurídico, com as diretrizes que já lhe foram apontadas, tinha como finalidade a racionalização da prática de
resolução dos casos, oferecendo-lhe as condições para uma aplicação formalmente objetiva do direito posto. Com
efeito, o Método Jurídico do séc. XIX pressupunha uma contraposição fundamental ou básica:
Criação Normativa VS Realização Concreta
(1) Normas criadas pelos (2) Normas decorrentes dos Realização da criação normativa já conhecida e organizada
órgãos legislativos costumes históricos sistematicamente
Objeto do pensamento jurídico Pretende-se lógico-dedutiva, e não constitutiva
(pois o direito aplicando já era conhecido em abstrato)
Para a realização desta finalidade (permitir uma aplicação objetiva e formal do direito), associavam-se à técnica
jurídica do Método duas tarefas-fins complementares (cujo objetivo era, exatamente, fixar em abstrato o direito
aplicável, de modo a que, em concreto, ele fosse aplicado de forma puramente lógica, e não constitutiva):
1. Tarefa de simplificação dos materiais disponíveis » pode falar-se, especificamente, em:
a) Simplificação qualitativa: conversão dos materiais dispersos em normas jurídicas.
Se, como exposto, o direito era também o produto da História, então o costume seria admitido como
direito. Porém, para que fosse possível a sua aplicação lógica, o direito consuetudinário haveria que
ser vertido em normas jurídicas gerais e abstratas. Uma vez que esta é uma elaboração que, numa das
suas dimensões, traduz uma conceção normativista, então o direito revelava como mera estrutura
formal: só era direito o conteúdo que estivesse vertido numa regra geral e abstrata, composta por
uma hipótese e pela consequente estatuição. Não revelava, aqui, o conteúdo da norma, mas tão-só a
forma que esse conteúdo assumia. Daqui, portanto, que houvesse um esforço de abstração, no
sentido de se obterem formas simples a partir da complexidade “natural” da normatividade.
b) Simplificação quantitativa: agrupamento das proposições normativas obtidas.
As diversas normas gerais e abstratas obtidas segundo o exposto processo haveriam que,
subsequentemente, ser agrupadas em categorias, segundo os seus tipos-problemas. Pretendia-se,
deste modo, simplificar ainda mais a juridicidade, mediante criação de categorias normativas
coerentes. Dentro deste sistema haveria ainda que encontrar o “centro lógico”, isto é, aquilo que une
as diversas proposições normativas integradas naquela categoria específica. Deste “centro lógico”, e
segundo um exercício de síntese, chegar-se-ia a uma proposição única, ainda mais geral e abstrata,
que consagrava o que era verdadeiramente nuclear naquela categoria. Estas proposições seriam os
designados “princípios normativos”. Note-se, porém, que os princípios não eram, para a conceção do
séc. XIX, direito vigente, mas sim enunciados obtidos do direito vigente que permitiam sintetizar a
juridicidade, em termos de simplificar abstratamente o sistema.
2. Tarefa de construção de um sistema conceitual: pretendia-se, agora, o tratamento das objetivações
(simplificações) alcançadas como condições de possibilidade de uma prática racional. Não se pretende,
todavia, criar soluções para casos concretos, mas antes elaborar conceitos rigorosos, transversais a toda a
normatividade, que permitam a resolução de qualquer caso concreto. Entendia-se que apenas através da
construção de um coerente sistema conceitual se obterá um sistema unitário – as normas que o constituem

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só serão coerentes entre si se utilizassem a mesma rede de conceitos. E este sistema, caraterizado pela
unidade e coerência internas, permitiria a realizabilidade formal das normas jurídicas, porquanto todas elas
partem do mesmo enquadramento conceitual, não admitindo aplicações materialmente diferenciadas. Fala-
se a este respeito numa “unidade por coerência ao nível das significações”.
1.5 Os dois momentos d’O Método Jurídico
Podem identificar-se dois momentos-operações do Método:
1. Momento científico: construção-sistematização conceitual
2. Momento hermenêutico: interpretação da normatividade cumprida rigorosamente em abstrato
A estes momentos segue-se um terceiro, já exterior: o momento de aplicação lógico-dedutiva.
Atente-se, então, nas caraterísticas destes momentos-operações:
a) Momento científico
Esta primeira operação assenta na conhecida distinção operada pelo pensamento jurídico do séc. XIX entre jurisprudência
inferior e jurisprudência superior [NOTA: o conceito “jurisprudência” é aqui usado como sinónimos de “ciência do direito”]:
Jurisprudência Inferior VS Jurisprudência Superior
» trabalha o direito(-objeto) » constrói um sistema conceitual
Funções: Funções:
 Simplificação qualitativa;  Construção conceitual;
 Simplificação quantitativa.  Sistematização.
[Objetivo de converter a normatividade extraída da realidade [Intencionalidade sistemático-construtivista, lógico-
em normas jurídicas e de agrupar essas normas] conceitual e formal-dedutiva – para uma aplicação formal]
Operações: Operação:
1. Análise jurídica (simplificação qualitativa) 3. Construção-sistematização conceitual
2. Concentração lógica (simplificação quantitativa) (construção do sistema conceitual)
De forma simplista: o pensamento jurídico inicia a sua atuação partindo do “direito dado”, isto é, o direito posto
imputável quer à elaboração político-legislativa quer às forças históricas; esse direito dado/posto será 1convertido em
proposições jurídicas (necessariamente gerais e abstratas), as quais serão subsequentemente 2agrupadas em
categorias normativas das quais se extraem enunciados de abstração e generalidade máximas (os princípios). Através
deste processo, aquele “direito dado” transforma-se em “direito-dogma”, na medida em que passa a traduzir-se num
aglomerado de normas jurídicas e respetivos princípios gerais do direito estritamente lógicos e formais – pois o direito
só releva, relembre-se, enquanto estrutura formal. Este “direito-dogma” é o objeto da intervenção da jurisprudência
superior, a qual se carateriza por uma função de agregação em “estádios superiores” – com base no direito dado já
organizado em normas e princípios, 3identificar-se-ão agora os institutos e conceitos que conformam o sistema, de
modo a elaborar-se um sistema conceitual rigoroso que viesse a permitir uma posterior racionalização teorética da
prática. Estas três etapas correspondem, como bem se compreende, aos momentos enunciados em 1.4 – simplificação
qualitativa (1.a)), simplificação quantitativa (1.b)) e construção de um sistema conceitual (2.).
Em suma: os materiais do direito-objeto que constituíam o ponto de partida positivo-empírico (a ratio cognoscendi)
seriam convertidos em proposições normativas (e princípios), sendo com base nelas elaborados institutos e conceitos
que proporcionariam a prioridade metodológico-epistemológica da uma ratio essendi.
b) Momento hermenêutico
Após a análise, concentração e construção lógico-sistemática resulta um sistema jurídico completo, unitário e fechado
na sua própria logicidade. No momento científico, a ciência do direito pegou no direito posto e transformou-o num
sistema jurídico conceitual lógico e coerente internamente. Segue-se, então, a interpretação das normas jurídicas que
constituem esse sistema, de modo a que os respetivos sentidos sejam fixados em abstrato, a priori, permitindo uma
ulterior aplicação puramente lógico-dedutiva. Esta interpretação será, necessariamente, uma interpretação
dogmática: interpretar é atribuir à norma-texto um sentido único e integrá-la no sistema-pirâmide em que a norma
se insere. Porque assim é, a interpretação acaba por realizar a tarefa de explicitar o próprio sistema, ao recorrer à
“perspetiva categorial-classificatória” por ele oferecida.
Uma nota de suma importância nesta matéria é a de se assume aqui uma conceção radicalmente constitutiva da
textualidade: não há direito antes do texto e das componentes linguístico-estruturais que o caraterizam. É certo que
o direito também é resultado das forças históricas. Mas, e sublinhe-se esta consideração, o direito só vale como
estrutura formal, pelo que só se fala verdadeiramente em direito quando se está perante uma norma jurídica geral e
abstrata (composta por uma hipótese e pela correlativa estatuição). Antes da conversão da normatividade retirada da

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realidade em normas jurídicas (simplificação qualitativa) não há verdadeiramente direito. O direito, qua tale, é apenas
aquele que está vertido em normas jurídicas, independentemente do conteúdo que tais normas assumam.
Nas palavras de Castanheira Neves:
“(...) a significação jurídica é constituída exclusivamente pelo texto e só no texto, no seu conteúdo significativo (...)”
c) Momento (exterior) de aplicação
A aplicação aos casos concretos do direito que, graças aos dois momentos anteriores, se nos impõe como pré-
determinado em abstrato, haverá que ser uma aplicação alicerçada no esquema lógico do silogismo subsuntivo, de
modo a garantir a relação entre o geral e o particular sem implicações constitutivas-normativas. O resultado da
aplicação nada deveria acrescentar ao direito, porquanto deste seria absolutamente conhecido e constituído em
abstrato; a aplicação seria, portanto, um momento exterior, uma mera técnica. Assim sendo, a aplicação, como
momento técnico exterior, nem sequer constituiria um autêntico “problema”, em virtude de se caraterizar por uma
estrita logicidade ou dedutividade. É neste contexto que se afirma o já conhecido “paradigma da aplicação”: o direito
seria aplicado segundo um silogismo subsuntivo para que o resultado obtido (a solução do caso concreto) fosse um
resultado rigorosamente lógico-dedutivo, que se limitasse a afirmar em concreto o que as normas jurídicas já
afirmavam em abstrato – só assim se impedia qualquer tipo de constituição do direito pelo aplicador (já que o direito
deveria ser apenas aquele que estava contido em normas jurídicas).
! Daqui decorre uma exigência de isolar as tarefas da interpretação e da aplicação em compartimentos analítica e
cronologicamente estanques. Para tal, a interpretação em abstrato haveria de chegar à determinação rigorosa de um
único sentido para a norma interpretanda, de modo a obviar-se a qualquer margem de discricionariedade do julgador.
2. Conceção tradicional da interpretação jurídica
Herdeira desta conceção do Método Jurídico é a teoria tradicional da interpretação. Note-se que partindo embora do
Método Jurídico, a teoria tradicional da interpretação lhe sobreviveu, subsistindo mesmo após a superação daquele.
Há, aliás, quem ainda hoje advogue esta conceção da interpretação jurídica, ainda que, evidentemente, com os
necessários ajustes ao entendimento atual do direito.
Impõe-se, a este respeito, responder a quatro questões matriciais:
1. Qual o objeto da interpretação? » o que é que se interpreta?
2. Qual o objetivo da interpretação? » porque é que se interpreta?
3. Quais os elementos da interpretação? » como é que se interpreta?
4. Quais os resultados da interpretação? » para que é que se interpreta?
2.1 Objeto da interpretação
A interpretação teria como objeto, segundo a teoria tradicional, o texto normativo-prescritivo das fontes jurídicas, isto
é, o texto das normas jurídicas formalmente prescritas. De forma linear: à questão de saber o que se interpreta
responder-se-ia “o texto jurídico”.
Esta conceção decorre de um específico circunstancialismo, no qual se identificam específicas origens culturais e
particulares fatores políticos determinantes.
A origem cultural tem a ver com a conceção do direito e com o pensamento jurídico medievais. Sabe-se que o
pensamento medieval se submetia a um princípio de autoridade, o que implicava que o pensamento jurídico se
constituísse essencialmente como interpretatio, ou seja, como interpretação dos textos de autoridade –
designadamente o Corpus Iuris Civilis e o Corpus Iuris Canonici. E nesta perspetiva, o pensamento jurídico assumiu-se
como interpretação de textos: o direito oferecia-se enunciado em textos e através desses textos, no modo exegético-
comentarístico, obter-se-iam todos os critérios jurídicos para a prática jurídica. Assim sendo, o direito é compreendido
como uma normatividade que se infere de fontes prescritivo-textuais. Por outro lado, o modus de que se socorria este
pensamento era o que lhe era oferecido pela escolástica: métodos da lógica aristotélica e da retórica. Daí que o
pensamento jurídico medieval fosse hermenêutico na sua intenção epistemológica, mas dialético-argumentativo ou
lógico-dialético da perspetiva metódica.
Quanto aos fatores políticos, há que considerar os que resultam do legalismo contratualista-constitucional assumido
pelo positivismo jurídico. Para o positivismo legalista o direito reduzia-se ao direito (im)posto nas leis e essas leis
identificavam-se com o seu texto – porque é no texto da lei que se exprime o imperativo do legislador e manifesta
vinculativamente a sua autoridade legislativa. Pretendia-se, deste modo, salvaguardar, por um lado, a segurança
jurídica, e, cumprir, por outro, o princípio da separação de poderes. Daqui resultava uma asserção de extrema
importância: “(...) a lei não se exprimiria só num texto – [ela] era esse texto”. Pelo que o objeto da interpretação
haveria de ser a expressão textual da norma legal.

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Nos nossos dias podemos identificar uma corrente “neopositivista”, que tem vindo a convocar este pensamento e,
inclusivamente, a radicalizá-lo. Neste domínio assiste-se a uma “redução linguística” do pensamento jurídico: o
pensamento jurídico é convertido em “análise da linguagem”, cumprindo-lhe unicamente compreender os sentidos
da linguagem pela qual se expressa a lei (o texto).
Uma análise linguística, como a que era propugnada, implica três caraterísticos postulados metódicos:
 Postulado da pura racionalidade: ficam excluídos quaisquer processos, inferências ou conclusões que não se
reconduzam às estruturas e inferências lógico-racionais, bem como ao quadro da intencional imanência de
um sistema racionalmente construído. A razão é, aqui, uma razão analiticamente dedutiva e sistemática.
 Postulado da neutralidade teórica: a ética normativa é assumida como paradigma do pensamento,
distinguindo-se da “meta-ética” e “filosofia moral”. Assim, a interpretação seria uma meta-normativa análise
da normativa linguagem jurídica, ficando dela afastados quaisquer compromissos práticos, intenções
normativas ou dimensões constitutivas.
 Postulado da objetividade: compreender ou interpretar uma expressão sempre implicaria uma referência
lógica a algo como objeto. Por outras palavras, o sentido ou significação de um enunciado traduzir-se-ia
sempre numa certa relação entre os sinais linguísticos (do texto) e os objetos do mundo. Consequentemente,
a interpretação jurídica será uma interpretação semântica – traduz-se na determinação do núcleo semântico
das prescrições jurídicas, em referência à realidade das coisas [NOTA: semântica = ramo da linguística que estuda
o significado das palavras]. Nesta linha, a aplicação poderia pensar-se em termos de relação entre conceito
representativo e objeto representado, ou seja, em termos de relação lógica de subsunção entre o caso e as
situações e comportamentos determinados no enunciado.
Sucede que a conceção textual do objeto da interpretação jurídica é suscetível de duas especificações:
1. Sentido hermenêutico de texto jurídico: a significação jurídica a atingir pela interpretação exprime-se “através”
do texto, mas não “é” o texto. Isto é: o texto surge como “ícone” ou objetivação cultural da significação
jurídica, mas esta constitui-se para além dele, transcendendo-o; e essa transcendência decorre,
nomeadamente, do relevo do contexto significante em que a norma se insere, da pré-compreensão do
referente e da situação histórico-concreta da compreensão. Portanto, a “norma” exprime-se pelo texto, mas
vai além do seu sentido filológico (o seu sentido literal).
Foi este o sentido imputado ao texto jurídico pelo pensamento jurídico medieval
2. Sentido positivista de texto jurídico: o texto da norma não é compreendido em termos meramente expressivos,
mas antes em termos constitutivos – a significação jurídica não é exprime “através” do texto, mas sim “no”
texto; ela “é” o próprio texto. Isto determinará que o direito positivo se tenha por auto-suficiente e fechado
em si, excluindo o recurso a critérios normativos além dele próprio, no momento da interpretação.
Consequentemente, o direito posto encontra unicamente o seu sentido jurídico interpretando na sua formal
expressão escrita. Assim sendo, por um lado vigora aqui o “dogma do existir-em-si-mesmo do direito positivo”
e, por outro, impõe-se a este respeito a “teoria da imanência do sentido do direito positivo”.
É este o sentido atribuído ao texto pela Escola Histórica de Savigny e pelo Positivismo Exegético francês
A perspetiva hermenêutica traduz a procura do direito através de uma fonte jurídica; já a perspetiva positivista,
correspondendo à pura exegese, é tão-só a análise da significação textual da fonte jurídica. Enquanto que a
interpretação hermenêutica abre a fonte ao direito, distinguindo a lex do ius, a interpretação exegética/positivista
fecha a fonte no seu próprio texto, identificando a lex ao ius.
Este entendimento positivista do texto jurídica tem uma consequência de suma importância para a metodologia
associada à teoria tradicional da interpretação: à interpretação jurídica não seria lícito imputar à fonte normativa um
sentido jurídico que não pudesse corresponder a um dos sentidos textual-gramaticamente ou literalmente possíveis
da fonte interpretada. O âmbito desses sentidos possível delimita, então, o âmbito de interpretação, de tal forma que
pode falar-se aqui numa função negativa do teor literal da lei: só se estaria a fazer interpretação se o sentido normativo
imputável à fonte-norma fosse um dos sentidos possíveis do seu texto enquanto tal; todos os sentidos que caíssem
fora do domínio dos sentidos suscetíveis de corresponder ao texto jurídico não poderiam, em caso algum, ser
convocados pelo intérprete, porquanto já não poderiam considerar-se como interpretação.
Em suma: a teoria tradicional da interpretação via no texto normativo o objeto da interpretação mas, mais do que
isso, via nesse texto a própria norma – ele não é mera forma de manifestação da norma jurídica; ele é a própria norma.
Assim, estamos aqui em face de uma compreensão constitutiva do texto: as significações normativas não existem
antes dele, estando, isso sim, imanentes nesse texto. Daqui decorria o ponto de partida absolutamente fundamental

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desta conceção: todas as significações que não tivessem correspondência no texto da lei não poderiam ser
consideradas como interpretações desse texto. Fala-se aqui em função negativa do teor literal (elemento gramatical).
2.2 O objetivo da interpretação
O que se pergunta agora é qual o fim da interpretação jurídica, isto é, o que com ela se visa atingir.
Em resposta a esta questão, a doutrina dividiu-se em duas conhecidas orientações contrárias – estamos no seio da
vexata quaestio que assenta no confronto entre objetivismo e subjetivismo.
Teoria Subjetivista VS Teoria Objetivista
» o propósito decisivo da interpretação está na » a finalidade da interpretação traduz-se na procura do
averiguação da vontade do legislador que se exprime sentido objetivamente assimilado pelo próprio texto,
no texto da lei desligado do seu autor real
 Objetivo da interpretação: reconstruir a vontade  Objetivo da interpretação: identificar o sentido
real e histórica do legislador, que está autónomo que o texto da lei exprime ou encarna,
geneticamente na base do texto-norma legal na sua pura significação textual
O ponto comum entre estas teorias é a consideração do texto como objeto da interpretação; o ponto de divergência
está no que uma e outra pretendem “retirar” do texto. Com base na secular distinção entre a “letra” (corpus) e o
“espírito” (mens) da lei, pode dizer-se que a o ponto de divergência é, exatamente, a diferente conceção deste espírito:
enquanto que o subjetivismo propugnava a ideia de mens legislatoris, o objetivo defendia a conceção de mens legis.
Noutros termos, se para o subjetivismo o espírito da lei se identificava com a vontade do legislador, já para o
objetivismo esse espírito traduzir-se-ia no sentido imanente à própria norma.
A orientação subjetivista foi historicamente a primeira, surgindo associada ao pensamento de Savigny (como bem se
compreende, já que o autor via no Direito o desiderato da História), bem como ao legalismo pós-revolucionário francês
(pois se o Direito era unicamente aquele criado pelos órgãos legitimados pelo povo, então a norma deveria ter o
sentido que o legislador lhe quis conferir, pois apenas este sentido traduzirá a volonté générale) . A orientação
objetivista, por sua vez, surge já na segunda metade do séc. XIX, como consequência de um outro contexto cultural e
de uma distinta conceção do direito. Efetivamente, a polémica aqui em causa não diz respeito a uma verdadeira
questão de direito em sentido próprio, mas antes à contraposição de contextos culturais e filosófico-jurídicos diversos.
O subjetivismo traduz uma conceção cultural e hermenêutica de caris epistemologicamente positivista; o objetivismo
é já o reflexo de um entendimento “espiritual” da cultura e de uma hermenêutica compreensiva (e não explicativa).
Porque assim é, o subjetivismo via os sentidos culturais como entidades empíricas (daí que o positivismo jurídico
assumisse uma compreensão constitutiva do texto – o direito é a própria norma), a passo que o objetivismo entende
as significações como manifestações histórico-culturais pertencentes ao “ser espiritual” (consequentemente, o texto
é mero repositório formal da norma, a qual vai assumindo significações diferentes consoante as mudanças culturais).
É nestes termos que enquanto o subjetivismo vê no sentido da lei a vontade do legislador a averiguar enquanto facto
histórico-empírico, o objetivismo compreende esse sentido como um sentido normativo-cultural, a referir ao todo
também normativo-culturalmente significante que é o direito. O subjetivismo, em coerência com a sua origem
legalista, concebe o direito como um conjunto de imperativos, comandos-regras imputados a um poder que se titula
e personaliza no legislador. Pressuposto pelo objetivismo vai um direito concebido como ordem significativo-
normativamente objetiva em que se assimila o consensus histórico-culturalmente comunitário, de intencionalidade e
racionalidade próprias, sendo o legislador seu mero intérprete. Esta diferença de conceções do direito implica também
diferentes objetivos prático-jurídicos: o subjetivismo erige como valores fundamentais a segurança jurídica e a estrita
obediência ao poder constituído; o objetivismo prossegue, antes, a justeza e a retidão das soluções.
Estamos agora já em condições desenhar um quadro diferenciador sistemático:
Teoria Subjetivista Teoria Objetivista
 Compreensão do espírito da lei: vontade do  Compreensão do espírito da lei: sentido imanente à
legislador – mens legislatoris própria norma – mens legis
 Conceção do direito: conjunto de imperativos ou  Conceção do direito: ordem significativo-
comandos-regras resultantes da livre decisão normativamente objetiva que assimila o projeto de
jurídico-política certa comunidade histórico-cultural
 Objetivos prático-jurídicos: assegurar a obediência  Objetivos prático-jurídicos: obter as decisões mais
ao poder constituído (legislativo) e salvaguardar a justas e rectas (o que implicaria, se necessário, a
segurança jurídica atualização do sentido da norma)

Esta polémica, mesmo quando nela hoje ainda se insiste, perdeu muito da sua rigidez inicial. Predominam, aliás,
atualmente, as “teorias mistas”. É até este o tipo de perspetiva que parece ter sido acolhido no nosso art. 9º CC.

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Chegados aqui, importa agora identificar o objetivo concretamente prosseguido pela teoria tradicional da
interpretação, cujo estudo nos ocupa de momento. Ficou já exposto que o objeto da interpretação tradicional era o
texto e que esta teoria da interpretação surgiu no contexto do Método Jurídico do séc. XIX, que se pautava por ideias
de conceitualização e rigor lógico. Ademais, foi também já referido que a teoria tradicional da interpretação assumia
uma compreensão constitutiva do texto jurídico, vendo nele o direito e não uma simplesmente manifestação do
direito. Então, facilmente se conclui que esta teoria tradicional se alinhava com as conceções subjetivistas, em certos
aspetos, e com as conceções objetivistas, em outros.
Deste modo, atribuía à interpretação dos textos jurídicos o objetivo de obter as premissas lógico-jurídicas para uma
subsequente aplicação lógico-dedutiva do texto-lei – em vista a pretensão de racionalizar teoricamente a prática.
Nesta intenção analítica podemos encontrar claramente indícios objetivistas: o centro da interpretação seria a norma
em si mesma, pois esta era o próprio direito, e não uma sua mera manifestação. Porém, esta interpretação semântica
pretendia também descortinar a significação do enunciado das normas legais que o legislador optou por consagrar. Se
o direito era, tão-só, o direito posto pelo poder legislativo e o direito que resultava do desenvolvimento das forças
históricas, então o sentido a imputar-lhe haveria que ser o sentido querido pelo legislador histórico.
2.3 Os elementos da interpretação
Savigny veio propôr, nesta matéria, uma distinção fundamental de significações referidas ao texto jurídico:
Significações intratextuais Significações extratextuais
= sentidos intrínsecos ao próprio texto da norma = sentidos imputados à norma que não decorrem
diretamente do seu texto
Elementos da interpretação aqui incluídos:
 Elemento gramatical/literal; Elemento da interpretação aqui incluído:
 Elemento histórico;  Elemento teleológico/racional.
 Elemento sistemático.
Atente-se, então, no conteúdo destes “elementos”, cuja consideração foi erigida a verdadeira canonização metódica:
 Elemento gramatical: este elemento da interpretação refere-se à letra ou teor verbal do texto jurídico
interpretando, aqui assumindo na sua relevância filológico-gramatical;
 Elemento histórico: o elemento da interpretação agora em causa olha o texto jurídico na sua relevância
histórica, como algo vinculado às circunstâncias históricas do seu aparecimento e ao percurso que culminou
na sua produção-constituição;
 Elemento sistemático: este elemento interpretativo traduz a preocupação com a unidade lógico-estrutural da
norma – o texto jurídico deve ser considerado como um todo – e com a ratio sistematicamente imanente –
haverá que proceder à inserção dogmática daquele todo (norma jurídica) no sistema conceitual a que
pertencente; portanto, neste momento o texto é encarado na sua relevância lógico-sistemática;
 Elemento teleológico: o elemento da interpretação agora versado ocupa-se com o motivo ou o fim da norma,
estando comprometido com elementos materiais como os interesses, as valorações, as intenções ideológicas,
etc. – daí a sua consideração como elemento “extratextual”.
O elemento gramatical é, evidentemente, o elemento básico da interpretação na conceção tradicional, tanto porque
o texto é o objeto da interpretação, como porque é na expressão textual que se cumpria o cânone da autonomia do
objeto. E, nesta linha, este elemento acaba por se impor com uma prioridade analítica e cronológica e com uma força
prescritiva, já que dele decorre, nos termos expostos, a relevância negativa da letra da lei: o teor verbal do texto
delimitaria a interpretação, só sendo admissíveis os sentidos da lei que fossem possíveis segundo o texto. A este valor
negativo acresce um valor positivo ou seletivo: de entre os sentidos possíveis, o intérprete deveria privilegiar o que
melhor ou mais naturalmente correspondesse ao texto.
Elemento gramatical
Valor negativo Valor positivo
Delimitação dos sentidos atribuídos à norma Identificação dos sentidos mais “fortes”, de entre todos
admissíveis » aqueles com correspondência no teor os admissíveis » aqueles com correspondência mais
verbal do texto jurídico natural e/ou imediata no texto da lei
Refira-se, a este respeito, que o valor negativo referido foi compreendido segundo perspetivas distintas:
 Teoria da fronteira da interpretação (Larenz): para o autor, o sentido literal a extrair do texto assinala o limite
da interpretação propriamente dita – tudo o que se cumpre fora desse campo já não pode ser entendido como
interpretação da lei, mas antes como desenvolvimento judicial do Direito;

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Maria Paixão Metodologia do Direito – 2017/2018
 Teoria da alusão ou da expressão mínima (Engisch): segundo este autor, o teor literal da lei consiste no núcleo
com o qual tem de haver uma mínima correspondência verbal – a interpretação realizada teria de encontrar
no texto da lei uma mínima alusão ou correspondência, ou seja, o sentido obtido com a interpretação deve
ter, pelo menos, uma qualquer expressão na letra da lei, ainda que imperfeita ou incompleta.
[NOTA: esta parece ser a conceção que veio a ser acolhida pelo nosso legislador no nº 2 do art. 9º CC ]
Na verdade, deve entender-se que estas duas compreensão são dois degraus distintos do mesmo tratamento
tradicional do papel da letra da lei; são dois momentos de um juízo global.
De qualquer das formas, podemos dizer que este valor negativo do elemento gramatical permitia, por inteleção
inversa, encontrar o círculo de sentidos possíveis/permitidos – seriam todos aqueles que não houvessem sido
excluídos por não terem correspondência no texto. A este respeito, Jellinek opera a seguintes distinção:
Relevância negativa do elemento gramatical
“Candidatos possíveis” “Candidatos negativos”
» sentidos interpretativos possíveis (todos aqueles que » sentidos interpretativos excluídos (todos aqueles que não
demonstram qualquer correspondência com o texto da lei) têm correspondência na expressão literal da lei)
“Candidatos positivos” “Candidatos neutros”
» sentidos abrangidos » sentidos possivelmente Em caso algum podem ser utilizados na interpretação
inequivocamente pelo teor abrangidos, manifestando do enunciado jurídico
literal, manifestando a uma correspondência menos
correspondência mais imediata e menos comum à
natural à letra da lei letra da lei

! Portanto, o valor negativo do elemento gramatical permite apontar os candidatos negativos – estamos aqui no
domínio da “certeza negativa” – enquanto que o valor positivo desse elemento convoca a distinção entre candidatos
positivos e candidatos neutros – somos reconduzidos aos domínios da “certeza positiva” e da “dúvida possível”.
Sublinhe-se, neste contexto, que enquanto ao valor negativo do elemento gramatical é apontado um valor normativo
(em nenhum caso podem os sentidos considerados como candidatos negativos ser mobilizados pelo intérprete), ao
valor positivo deste elemento é apenas reconhecido um valor indicativo (os sentidos não considerados como
candidatos negativos sempre poderão ser convocados prima facie, sendo que apenas com a consideração dos
elementos histórico e sistemático se concluirá qual deles o que verdadeiramente melhor correspondência tem no
texto ou o que se impõe no contexto daquela norma).
Esta caraterização geral do elemento gramatical nem sempre era assim tão linear, porquanto surgiam divergências
resultantes dos diferentes objetivos apontados à interpretação: estes dois valores eram sobretudo acentuados pelo
objetivismo, enquanto que o subjetivismo sacrificava facilmente o segundo.
Esgotado o 1º momento do processo interpretativo – consideração do elemento gramatical –, que é um
momento autónomo tanto no plano analítico como no plano cronológico, seguir-se-ia o 2º momento desse processo,
no qual seriam considerados, em simultâneo, os demais elementos. Neste momento subsequente, o intérprete opera
somente dentro do campo dos sentidos possíveis, procurando eliminar essas várias alternativas para chegar a um
único sentido – o sentido a conferir à norma interpretanda.
O elemento histórico, por sua vez, traduzia-se na consideração da génese do preceito interpretando, tendo em conta
tanto os materiais ou trabalhos preparatórios da sua elaboração legislativa, como a circunstância jurídico-social do seu
aparecimento, bem como a história do direito e as fontes legislativas. Este elemento seria, indubitavelmente,
relevante para a interpretação subjetivo-histórica, mas assumia também relevo para o objetivismo histórico (uma
corrente do objetivismo que se caraterizava por ser menos evolutivamente atualista), ainda que para esta conceção
sempre fosse um elemento dispensável.
O elemento sistemático, por sua vez, implicaria a consideração da unidade e coerência jurídico-sistemáticas: a norma
seria compreendida em função do seu contexto, sobretudo pela sua inclusão no instituto ou domínio jurídico de que
faz parte. É também neste momento que são considerados os lugares paralelos. Ora, este elemento não intenciona
em si mesmo sempre o mesmo. Por um lado, pode pensar-se com ele a coerência do legislador histórico, isto é, a
lógica do legislativo programa histórico (interpretação subjetivista); por outro lado, pode pensar-se com ele a
coerência do objetivo sistema da lei, ou seja, a unidade racional do sistema de normas em que a norma legal se integra
(interpretação objetivista).
O elemento teleológico, por último, imponha que o sentido da norma se determine pela ratio legis – a razão-de-ser
da própria norma. Este elemento era considerado, pela conceção tradicional, como um elemento extratextual, e, por

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isso, foi inicialmente recusado tanto por Savigny como pela Escola da Exegése. A respeito deste elemento podem
identificar-se duas fases no pensamento de Savigny:
1. Posição adotada no “Curso Inverno” de 1802-1803: o elemento teleológico não faz parte do conteúdo da
norma jurídica, antes sendo algo que lhe é imputado ou aposto artificialmente pelo intérprete.
Consequentemente, este elemento não deve ser atendido pelo intérprete, porquanto, ao ser extrínseco ao
texto da norma, cai fora do âmbito da interpretação. Para o autor o elemento teleológico representava um
risco – o risco da subjetividade na aplicação, já que ao admitir-se o recurso a um elemento não correspondente
ao texto da lei, estar-se-ia a “abrir a porta” à mobilização de outros elementos exteriores, acabando
descaraterizada a interpretação exegética que se pretendia.
2. Posição adotada no “Sistema do direito romano atual” de 1840: embora continue a caraterizar o elemento
teleológico como elemento exterior ao conteúdo da lei a interpretar, Savigny vem agora admitir que tal
referência seja excecionalmente convocada pelo intérprete, desde que sempre com a maior precaução. Surge,
neste contexto, um novo binómio (em alternativa ao binómio intratextual vs extratextual): situação
metodológica regra (o texto da lei interpretanda surge num “estado saudável”) vs situação metodológica
excecional (o texto da lei interpretando surge num estado imperfeito, insuficiente ou defeituoso). Seria nesta
segunda situação, em que o teor literal da norma se apresenta problemático, que o intérprete estaria
autorizado a convocar elementos extratextuais, sobretudo com o objetivo de vencer as insuficiências que
resultam da mobilização dos elementos gramatical, histórico e sistemático.
Este elemento adquiriu, com o decurso do tempo, uma crescente importância, de tal forma que foi a partir dessa
tendência que se desenvolveu a evolução da teoria tradicional da interpretação. No limite, foi em virtude da
centralidade assumida por este elemento que se deu a superação da teoria tradicional. Esta evolução é patente, aliás,
nos diversos sentidos que o elemento teleológico foi assumindo:
1. Fim histórico-psicologicamente visado pelo legislador;
2. Intenção normativa que um “legislador razoável” imputaria à norma;
3. Intenção normativa que segunda a opção-valoração legislativa perante os interesses causais em conflito seria
imputável à norma;
4. Fundamento normativo-jurídico decorrente dos valores e princípios normativos constitutivos direito.
Estes sucessivos sentidos do elemento teleológico evidenciam a passagem de um sentido puramente exegético-
hermenêutico da realização do direito para um sentido normativo; a passagem de um objetivo dogmático para um
objetivo teleológico do pensamento jurídico; a passagem de uma interpretação enquanto ato metódico autónomo
para uma interpretação constitutiva, inserida na atividade de realização do direito.
2.4 Os resultados da interpretação
Quanto aos resultados da interpretação, a teoria tradicional repete em grande parte as especificações da
hermenêutica jurídica já claramente reveladas pelos juristas medievais.
Tendo em conta a distinção básica entre “letra” e “espírito” da lei, podem verificar-se três hipóteses:
 A letra e o espírito da lei correspondem-se naturalmente » Interpretação Declarativa
 A letra é mais ampla do que o espírito da lei » Interpretação Restritiva
 A letra é menos ampla do que o espírito da lei » Interpretação Extensiva
Interpretação Declarativa Interpretação Restritiva Interpretação Extensiva
= o texto admite, sem mais, já no(s) = o sentido alcançado implica a = o sentido determinado traduz um
seu(s) significado(s) imediato(s) ou restrição do sentido naturalmente alargamento do sentido textual natural da
mais natural(ais), o sentido textual da lei para o fazer coincidir lei, dentro dos sentidos possíveis, para o
determinável pelo espírito da lei com o seu espírito fazer coincidir com o sue espírito
Além destes três resultado “típicos”, a teoria tradicional da interpretação admite ainda outros dois ditos excecionais:
 A letra e o espírito da lei são, de todo, inconciliáveis » Interpretação Abrogante ou Revogatória
 A articulação da letra e espírito da lei traduz-se na inferência de conclusões que aquela primeira apenas
virtualmente admite » Interpretação Enunciativa
Interpretação Abrogante/Revogatória Interpretação Enunciativa
A letra e o espírito da lei são inconciliáveis porque: As conclusões virtualmente admitidas obtêm-se a partir
 A expressão textual é absolutamente incorreta; dos clássicos argumentos lógicos, por ex.:
 O texto é incompatível com o pensamento  A pari: por identidade de razão;
normativo vigente – antinomias entre normas  A fortiori: por maioria de razão;
 A contrario: por inteleção inversa (...)

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Todos estes resultados da interpretação cabiam no quadro dos objetivos tradicionais da interpretação, fosse o definido
pela orientação subjetivista – caso em que o “espírito da lei” se identificaria à “vontade do legislador” –, fosse o
proposto pela orientação objetivista – caso em que o “espírito da lei” corresponderia ao “sentido imanente na norma”.
Com a acentuação da interpretação teleológica, os resultados da interpretação enriqueceram-se de outros tipos de
grande relevo prático. Ainda no seio da teoria tradicional, com o reconhecimento de certo relevo ao elemento
teleológico, veio admitir-se, mais tarde, uma Interpretação Extensiva/Restritiva Teleológica: o sentido determinado
representa um alargamento ou restrição da letra da lei, ainda dentro dos sentidos possíveis, com o intuito de se realizar
o fim imanente à norma. Esta interpretação extensiva ou restritiva teleológica não se confunde, note-se, com as
“Extensão Teleológica” e “Redução Teleológica”, que vieram a ser assumidas posteriormente, já fora do domínio da
teoria tradicional da interpretação:
Interpretação Extensiva/Restritiva Teleológica Extensão ou Redução Teleológicas
 Prius da interpretação: texto jurídico;  Prius da interpretação: caso concreto;
 Resultado da interpretação: apesar de se  Resultado da interpretação: sacrifica-se o teor
efetuar a uma extensão ou restrição da letra da verbal da norma jurídica em ordem a realizar,
lei, garante-se sempre uma correspondência no caso concretamente decidendo, o fim da
mínima do sentido obtido com esse teor verbal norma aplicável
A interpretação vai além dos possíveis sentidos do
texto da norma jurídica
3. A superação crítica do Método Jurídico reconstituída a partir do momento exemplar da interpretação
3.1 A viragem para os fins
Com o decurso do tempo, assistiu-se a uma acentuação do sentido prático-teleológico da interpretação jurídica. Com
efeito, a viragem do séc. XIX para o séc. XX pode caraterizar-se como uma “viragem teleológica”, na medida em que
se dá um enfoque cada vez maior aos fins, num contexto em que o rigor lógico e cientificidade perdem centralidade
em virtude da desmistificação do “reinado do pensamento científico”. Esta mutação não determinou, tão-só, a
superação do modelo positivista, nos seus propostos, mas também uma revolução no que diz respeito ao próprio
conceito do direito.
No campo metodológico, esta viragem dá-se por intermédio do relevo crescente conferido ao elemento teleológico
na interpretação jurídica. Neste contexto, o debate objetivismo vs subjetivismo é substituído pela contraposição
interpretação dogmática vs interpretação teleológica.
Interpretação Dogmática VS Interpretação Teleológica
» pretende determinar na fonte jurídica interpretanda » pretende determinar na fonte jurídica interpretanda
um sentido redutível ao pressuposto sistema jurídico um sentido que se obtém e justifica pelos fins práticos
dogmático, isto é, um sentido pelo qual aquela fonte seja que com ela se visam alcançar, privilegiando-se a
assimilada na auto-subsistência dogmática desse sistema intenção de justeza ou plausibilidade prática
Implica o direito como ordem auto-subsistente Implica o direito como particular intenção prática
A interpretação é uma explicitação dessa ordem A interpretação é uma realização dessa intenção
[Racionalidade lógico-formal e teorética] [Racionalidade prática]

Esta distinção não se confunde com a anterior oposição entre subjetivismo e objetivismo, na medida em não pode
dizer-se, nem que o subjetivismo esteja necessariamente conexionado com uma interpretação dogmática, nem que o
objetivismo convoque, necessariamente, uma interpretação de sentido teleológico. Apesar de se ter verificado,
temporalmente, uma (quase) coincidência entre a viragem para os fins e a assunção de uma perspetiva objetivista, a
verdade é que o objetivismo apenas determina uma “atualização” do teor verbal da norma jurídica, de modo a que a
interpretação das prescrições normativas dependa unicamente do seu sentido intrínseco, e não do contexto histórico
em que elas foram elaboradas. Aliás, o objetivismo nasceu ainda no quadro do racionalismo normativístico-
sistemático, no contexto do qual foi praticada uma interpretação de vincada intenção conceitual. Noutro prisma,
também a interpretação subjetivo-histórica admitirá uma versão teleológica, se nela se revelar menos a averiguação
do volitivo-psicológico pensamento do legislador e mais a intenção normativa determinada pelos fins práticos que o
moveram – falar-se-ia aqui, nas palavras de Heck, em interpretação “histórico-teleológica”.
Deste modo, não só as duas distinções não se confundem, como a polémica subjetivismo vs objetivismo pode ser
pensada apenas do âmbito da interpretação dogmática. Acresce ainda que a interpretação dogmática não implica a
rutura com uma intenção teorética do pensamento jurídico (tal como era a intenção do positivismo jurídico), enquanto
que a interpretação teleológica opta claramente por uma intenção prática sem sentido próprio. Por último, a

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interpretação dogmática aproxima-se da tendência “formalista” do pensamento jurídico, ao passo que a interpretação
teleológica convoca uma tendência “finalista” desse pensamento.
Interpretação Dogmática Interpretação Teleológica
 Direito como ordem ou sistema fechado  Direito como intenção prática
 Racionalidade teorética  Racionalidade prática
 Interpretação em abstrato  Interpretação em concreto
 Pensamento jurídico formalista  Pensamento jurídico finalista
Vejam-se agora as principais correntes metodológicas que determinaram decisivamente a viragem para os fins e para
uma interpretação teleológica:
a) Jurisprudência dos Interesses (caput scholae: Heck)
Esta conceção metodológica compreendeu a lei como “solução valoradora de um conflito de interesses” e associou
ao direito a função normativa de tutela e realização de interesses sociais.
No que diz respeito à ciência do direito, Heck vem distinguir dois tipos de problemas:
Ciência do direito
Problemas normativos Problemas de formulação
» problemas de decisão prática dos interesses (resolução de » problemas de exposição sistemático-dogmática das
casos concretos de conflitos de interesses) soluções conferidas aos problemas normativos
A resolução destes problemas implicaria, segundo esta conceção, a instituição de um “primado da investigação da
vida”, em substituição ao anterior “primado da lógica”: o julgador deveria orientar-se no sentido de uma juridicamente
correta ponderação de interesses socialmente afirmados e conflituantes, pelo que, por um lado, haveria que buscar
na realidade social os interesses envolvidos e articulá-los com as opções do legislador, em ordem à solução dos casos
concretos (problemas normativos) e, por outro lado, haveria que verter as conclusões retiradas dessa investigação
numa dogmática, de modo a auxiliar também a solução dos casos concretos (problemas de formulação).
Nesta elaboração foram recolhidos os seguintes contributos para a evolução do pensamento jurídico:
 Enfâse nos fins da norma (aqui considerados sob a veste de “interesses”);
 Realização da interpretação em concreto, partindo da perspetiva do caso;
 Relevância indiciária da letra da lei (e já não uma relevância negativa rigorosa);
 Admissibilidade da interpretação corretiva.
Note-se, todavia, que esta perspetiva não impunha desde logo um total abandono do pensamento hermenêutico
tradicional. De facto, segundo Heck, as normas legais interpretanda deviam ser consideradas nos seus dois elementos:
(1) preceito prescritivo qua tale e (2) conteúdo prático-normativo e teleologicamente relevante. Assim sendo, o
esquema hermenêutico tradicional poderia ser mantido em relação àquele primeiro elemento. Conjugava-se assim o
tradicional com o inovador, associando-se ao esquema formal da teoria tradicional a um esquema de sentido prático
e finalístico. De tal forma que nem o próprio Heck tomou consciência de que a sua conceção (de certa forma ainda
arreigada à teoria tradicional) abria as portas para a definitiva viragem de uma interpretação dogmática para uma
interpretação teleológica
A esta corrente metodológica podem, porém, apontar-se algumas falhas, cujo reconhecimento determinou a evolução
para novas correntes:
 Ao ver na norma um juízo sobre um conflito de interesses, Heck não autonomiza a valoração inerente à norma
– segundo esta perspetiva, a norma jurídica resolveria um conflito de interesses individuais/egoísticos, não se
lhe apontando um qualquer juízo de valor;
 A fundamentação propugnada encerra-se num movimento circular ou paradoxal – o objeto da valoração
seriam os interesses de decisão (critérios da decisão legislativa) e o fundamento dessa valoração seriam os
interesses em geral (interesses sociais), de tal forma que não era possível distinguir o objeto do fundamento;
 A Jurisprudência dos Interesses esteve longe de oferecer uma proposta suficientemente elaborada:
 Apenas considerou os interesses em situação de conflito, esquecendo que podem apresentar-se
também mais ou menos extensa ou intensamente em convergência;
 Não cuidou da análise dos referidos interesses;
 Não se abriu a outros fatores igualmente causais do direito (que podem ser a “causa” das prescrições
legislativas), como as “situações de poder”, a “confiança”, a “responsabilidade”.
 Não conseguiu compreender adequadamente a problemática do sistema jurídico – não são reconhecidos, nem
a pluralidade de estratos que reconhecemos à ordem jurídica, nem a particular dialética que a anima, nem a

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específica intencionalidade que a autonomiza. É na inconsideração deste ponto que radica quer o caráter
indisfarçavelmente normativístico da Escola, quer o atomístico casuísmo que se lhe censura.
Temporalmente, o que se seguiu à Jurisprudência dos Interesses foi um claro extremar dos campos: por um lado,
tornou-se explícita a opção pela interpretação teleológica; por outro lado, e em sinal contrário, assiste-se a uma
radicalização da opção incondicional pela intenção dogmática.
Jurisprudência dos Interesses
Reconhecimento das suas debilidades
Procura da sua colmatação
Perspetiva estritamente teleológica Perspetiva estritamente dogmática
» a teleologia, radicalizada, tende a confundir-se com a » a procura pela racionalidade valorativa culmina num direito
determinação sociológica – o pragmatismo sociológico acaba considerado como dogmático programa condicional, ficando
funcionalizado, assumindo centralidade os efeitos afasta a relevância dos efeitos
Exemplos: Exemplos:
 “Pensamento jurídico-causal” (Muller-Erzbach);  “Funcionalismo sistémico” (U. Luhmann);
 “Social engineering” (Pound).  “Metodologias fechadas” (Paresce; Forsthoff).
Certo é que nenhum destes extremos é aceitável:
 Radical teleologismo » a juridicidade conta com uma indispensável dimensão dogmática, exigida por:
 Intenção de unidade do sistema;
 Intenção de ordem e segurança normativas;
 Necessidade de pré-determinação dos critérios normativos para a prática jurídico;
 Necessidade de validade axiológico-normativa, radicada em fundamentos.
 Radical dogmatismo » a juridicidade não se coaduna com o sacrífico de:
 Exigências teleologicamente materiais da justiça;
 Justeza problemático-concreta das soluções jurídicas.
A linha de orientação exata só pode ser, pois, aquela em que as exigências de sistema e de pressupostos fundamentos
dogmáticos não se fechem numa auto-suficiência, e antes se abram a uma intencionalidade materialmente normativa
que, na sua concreta e judicativo decisória realização, se oriente por aquelas mediações dogmáticas mas que também
as problematizar e reconstitua. Foi esta conceção que se pretendeu estar na base na “Jurisprudência da Valoração”.
b) Jurisprudência da Valoração (Karl Larenz)
Larenz propõe-se a ultrapassar algumas das debilidades da Jurisprudência dos Interesses, de modo a elaborar um
sistema mais completo e fundamentado mas mantendo o caráter material da metodologia prosseguida.
Uma das principais diretrizes desta corrente traduziu-se na diferenciação entre interesses e valores:
Interesses Valores
» necessidades subjetivas, individuais ou egoísticas » aspirações, compromissos práticos ou exigências de
sentidas por uma pessoa ou por um grupo de pessoas sentido que viabilizam a vida comunitária
 “Dividem” os sujeitos, porquanto para o titular do  “Integram” os sujeitos, na medida em que correspondem
interesse o “outro” será ou um obstáculo ou um a necessidades sentidas por todos os membros da
instrumento à realização desse interesse coletividade, traduzindo uma transindividual vinculação
ético-normativa
Deste modo, ficam ultrapassadas duas falhas da Jurisprudência dos Interesses:
 Autonomiza-se a valoração normativa, ao lado da consideração dos interesses, reconhecendo-se a norma
como verdadeiro juízo de valor;
 Fundamentam-se os interesses de decisão em valores, permitindo-se agora a distinção entre o objeto e o
fundamento da valoração.
Como bem se compreende, os valores que temos vindo a referir correspondem aos “princípios gerais de direito”, os
quais constituem as referências de validade últimas.
Esta conceção veio, então, introduzir as seguintes alterações:
 Hierarquização dos fins-valores: ao invés do que sucedia na Jurisprudência dos Interesses, em que os
interesses, como entidades individuais, eram considerados como equivalentes entre si, na Jurisprudência da
Valoração os valores são considerados como exigências de sentido últimas, sendo-lhes reconhecida primazia
e uma ordenação específica;

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Maria Paixão Metodologia do Direito – 2017/2018
 Dualização do teleologismo: em alternativa a um teleologismo puramente de fins, a Jurisprudência da
Valoração vem propôr um teleologismo de valores e fins.
NOTA: Pinto Bronze fala, a este respeito, na seguinte distinção:
Teleologismo de puros fins: Teleologismo de valores e fins:
“Teleotecnologia” “Teleonomologia”
Conceção metodológica que se basta com a  Valores: referem uma transindividual
consideração dos fins para a realização do direito, vinculação ético-normativa que convoca a
não considerando qualquer dimensão valorativo- prática para o desempenho de “tarefas” em
axiológica que lhe empregue fundamento . que se projecta essa sua vinculação;
 Fins: são tão-só opções fixadas
Relevam aqui somente os “objetivos”/fins subjetivamente no programa social, sendo
(subjetive goals – entidades egoísticas e justificadas por interesses e em vista deles (e
individualistas), e já não os “bens”/valores (human isto sempre dentro do campo delimitado
goods – entidades transindividuais), sendo que os pelos valores)
objetivos são fins incomensuráveis, cada um deles « (...) comunga-se nos valores, diverge-se nos fins e
prosseguido como um fim em si mesmo. nos interesses...» (NEVES, Castanheira)
A Jurisprudência da Valoração é, evidentemente, uma corrente teleonomológica. Já dentro da teleotecnologia
podemos inserir, por exemplo, a Social Engineering.
3.2 A exigência de atender metodologicamente ao telos e à arché do nomos
No contexto de uma perspetiva teleonomológica, que é, como veremos infra, a que propugnamos, à norma jurídica é
apontada, indubitavelmente, uma dimensão estratégica ou finalística: seria inaceitável negar, no nosso contexto atual,
que as normas jurídicas (sobretudo, as normas legais) são determinadas por finalidades político-sociais, já que a
elaboração legislativa tem, evidentemente, por detrás de si programas sociais que se pretendem efetivar. Não
obstante, deve ser também certo que as opções estratégicas consagradas nas normas jurídicas estão, em todo o caso,
limitadas pelas exigências de sentido que conformam o sistema. Com efeito, seriam sempre inadmissíveis e
intoleráveis a normas jurídicas que desconsiderassem a axiologia da ordem jurídica em favor de objetivos puramente
finalísticos. Em suma: se as normas jurídicas consubstanciam opções estratégico-finalísticas do legislador, é iniludível
que as opções tomadas sempre terão de se conformar dentro do campo dos princípios gerais que informam o
ordenamento jurídico.
Do que foi dito resulta o afastamento da conceção de “norma-texto”, em favor da assunção de um conceito de “norma-
problema” – a norma vai além da texto jurídico e encerra em si mesma a dialética sistema-problema.
Norma legal
Ratio legis Ratio ius
» programa que se pretende cumprir na norma » concretização das exigências últimas do sistema
[opções imediatas do legislador] [referente mediatos da norma]
Refiram-se, a este respeito, as palavras de Pinto Bronze:
“Entre o problema judicando e a (...) norma-critério que hipoteticamente se lhe adequa, cava-se uma distância
que só poderá ser vencida por uma metodonomologicamente irrepreensível mediação judicativa (normativo-
juridicamente constitutiva…), que por isso mesmo deve atender, em dialéctica correlatividade, ao mérito singular do
caso e à exacta relevância problemática (ao telos) e axiológica (à arché) da mencionada norma-critério (…)”
Ratio legis Ratio ius
3.3 As repercussões no plano metodológico
A evolução que ficou exposta pôs a claro os seguintes pontos:
 O elemento básico e decisivo da letra da lei viu-se relativizado por um relevo simplesmente heurístico ou
indiciário. Passou a admitir-se, inclusivamente, a preterição desse elemento a favor de uma realização jurídica
de intencionalidade prático-teleológica – é o que sucede, designadamente, na “interpretação corretiva”, na
“extensão teleológica” e na “redução teleológica”.
 A interpretação jurídica passou a socorrer-se, necessariamente, de elementos normativos extratextuais e
transpositivos. É, deste modo, postergado o “dogma da imanência do sentido no direito positivo”, que
sustentava a teoria tradicional da interpretação, o qual implicava o reconhecimento do cânone hermenêutico
da “autonomia do objeto”. Com a superação da compreensão hermenêutico-cognitivista da interpretação
jurídica, ficou também superado aquele dogma, já que a atual compreensão normativo-constitutiva dessa
interpretação permite reconhecer que nem todos os critérios indispensáveis ao juízo decisório se podem obter

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Maria Paixão Metodologia do Direito – 2017/2018
do texto-norma. O sentido normativo na e para a problemático-concreta realização só é determinável em
função de fatores normativos extratextuais. E falamos aqui em “fatores normativos”, e não em meros
“elementos de interpretação”, já que aqueles consistem em critérios de co-constituição normativa, e não
apenas em fatores de informação e explicitação do sentido normativo imanente (como eram os elementos da
interpretação na teoria tradicional). A compreensão problemático-concreta e prático-normativa da realização
do direito veio mostrar que o juízo decisório, invocando embora a norma positiva como seu critério jurídico,
não se cumpria na mera aplicação de uma inteiramente acabada norma, mas antes numa sua constitutiva
concretização. E para evitar que esta concretização operasse segundo o arbítrio ou subjetivismo do decidente,
haveria que admitir-se o recurso a outros elementos normativos extratextuais. Podem distinguir-se, como
complementares fatores de concretização:
 Fatores ontológicos: apelo à natureza das coisas;
 Fatores sociais: convocação dos interesses (Heck), ou das tipificadas situações sociais relevantes
(Muller), ou a situação social juridicamente problemática, ou os efeitos jurídico-sociais da decisão, etc.
 Fatores normativos: referência a critérios ético-jurídicos, critérios normativo-sociais, standards
translegais, conceitos de valor, modelos normativo-dogmáticos, precedentes jurisprudenciais,
princípios normativo-jurídicos, ordem material de valores, justiça do resultado da decisão, etc.
Em suma, e com Esser: “Cada interpretação representa uma associação de lex scripta e ius non scriptum, a
qual unicamente cria a própria norma positiva”.
 A interpretação jurídica passou a ser considerada no contexto de um continuum de realização do direito.
Assistiu-se, efetivamente, à superação da tradicional distinção estanque entre “interpretação” e “aplicação”.
Haverá que reconhecer uma verdadeira solidariedade e unidade metodológica entre o que tradicionalmente
se dizia “interpretação” e “aplicação”. A interpretação não pode ser vista como determinação a priori de uma
normatividade. Ao invés, ela só se realiza na relação problemático-normativo entre a norma e o caso concreto.
Consequentemente, a interpretação só se consuma na decisão concreta, na medida em que o seu conteúdo
será o resultado do processo dialético entre o problema e a norma, do qual resulta a reconstituição e
enriquecimento desta norma. Hoje é indiscutível para o pensamento metodológico que o núcleo da normativa
realização do direito é uma dialética entre o constituído (o critério jurídico formalmente pressuposto) e o
constituendo (a intenção normativa convocada como critério jurídico concreto).
O que foi dito não implica, note-se, que deixe de haver lugar para diferenciações no todo a que corresponde
a realização do direito, mas, isso sim, que as diferenciações tradicionais têm de ser revistas. De facto, uma
diferenciação que poderá considerar-se no contexto da compreensão normativo-constitutiva da interpretação
é aquela que distingue a realização do direito que possa fazer-se por mediação de uma norma positiva e a
realização do direito que já não possa operar com apoio num critério dessa natureza.
Podemos concluir esta exposição atendendo às palavras de Castanheira Neves, a propósito na perspetiva atual da
interpretação jurídica:
“A interpretação jurídica deixa de ser, assim, um pressuposto algoritmo metódico ou uma técnica que
simplesmente se postule, para ser um ato metodológico que se problematiza pelo problema geral da realização do
direito – o seu problema é o próprio problema da realização do direito, e a sua intenção (jurídico-metodológica) a
própria intenção jurídico-normativa dessa realização”.
A perspetiva metodológica do nosso tempo considera a realização do direito numa intencionalidade normativa
unitária, conferindo-lhe um sentido metodológico global – realizar direito é tudo o que esteja implicado na dialética
sistema-problema. No horizonte dessa realização do direito unitária e ampla podem identificar-se os modos
metodologicamente específicos pelos quais ela se efetiva. Isto sabendo-se que tais modos de efetivação da realização
do direito não são atividades autónomas, mas antes momentos diferenciados de um todo.
3.4 Os novos tipos de resultados e a sua distribuição no horizonte de um teleologismo de fins e valores
Ficaram acima enunciados os resultados da interpretação admitidos pela teoria tradicional [vide supra: 2.4]:
interpretação declarativa, extensiva, restritiva, enunciativa e abrogante. Estes resultados respeitavam uma condição
máxima, inviolável: os sentidos obtidos haveriam de ter um mínimo de correspondência no texto da lei (salvo o caso
excecionalíssimo, e raro, da interpretação abrogante). E assim teria que ser na medida em que o elemento gramatical
– o teor verbal da norma jurídica – assumia a referida “relevância negativa”: todos os sentidos que não encontrassem
mínimo correspondência na letra da lei (os “candidatos negativos”) seriam insuscetíveis de ser utilizados pelo
intérprete, pois estar-se-ia aqui no domínio da certeza negativa. A interpretação tradicional operava somente no

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campo dos sentidos não excluídos pelo elemento gramatical, já que a consideração do valor negativo da letra da lei
tinha lugar num momento analítica e cronologicamente autónomo.
Sucede, porém, que, por um lado, a conceção atual de interpretação jurídica reconhece consensualmente a
necessidade da consideração de elementos extratextuais, e que, por outro, o teor verbal da norma assume hoje uma
mero relevo indiciário ou heurístico. Consequentemente, não ficam absolutamente arredados os sentidos sem
correspondência na letra da lei, os quais serão convocados, designadamente, pelo elemento teleológico, agora
admitido abertamente. Os resultados interpretativos que daqui poderão resultar variam consoante a conceção
teleológica adotada:
 Teleotecnologia (= conceção teleológica que se basta com os fins) » admite os seguintes resultados:
 Interpretação Corretiva;
 Extensão Teleológica;
 Redução Teleológica.
 Teleonomologia (= conceção teleológica que atende aos fins e aos valores) » admite os seguintes resultados:
 Interpretação Corretiva;
 Extensão Teleológica;
 Redução Teleológica;
 Interpretação Conforme os Princípios.
Interpretação Corretiva Extensão ou Redução Teleológica Interpretação Conforme os Princípios
» sacrifica-se por completo o » sacrifica-se o elemento » a interpretação vai além, tanto da
elemento gramatical em favor do gramatical, conferindo à letra da lei letra da lei, como do programa da
elemento teleológico, assumindo-se um sentido mais amplo ou mais norma interpretando (ratio legis),
um sentido que não tem qualquer restritivo do que o que decorre fixando-se de acordo com as
correspondência com a letra da lei imediatamente do seu teor verbal exigências decorrentes dos princípios
O intérprete confere à norma um O intérprete confere à norma um O intérprete confere à norma um sentido
sentido correspondente à sua ratio legis sentido conforme com a sua ratio legis decorrente da sua ratio ius, que não
mas que não se identifica com a sua mas que é mais vasto ou mais coincide nem com o seu sentido literal,
letra – é um sentido diferente do circunscrito que o sentido decorrente nem com os sentidos emergentes da sua
convocado pelo teor verbal (e não um da sua letra – é um sentido não ratio legis – é um sentido que não deriva
sentido mais amplo e ou mais restrito) completamente diferente, mas que vai dos fins da norma, mas antes dos valores
além do teor verbal da norma do sistema jurídico
[NOTA: relembre-se a distinção entre extensão e redução teleológicas e interpretação extensiva ou restritiva, enunciada supra
em 2.4 – estes últimos resultados são ainda reconduzíveis à letra da lei, nela encontrando alguma correspondência (a extensão
ou restrição operam ainda dentro do campo dos sentidos gramaticalmente possíveis). ]
Como se compreende, a interpretação conforme os princípios só surge no âmbito das conceções teleonomológicas, e
já não das teleotecnológicas, porquanto apenas aquelas trazem à colação, ao lado dos fins, os valores, isto é, as
exigências últimas ou compromissos práticos da comunidade que se expressam nos princípios normativos. Neste
domínio a interpretação convoca, além da ratio legis da norma (a qual veicula os seus fins programáticos), a respetiva
ratio ius (através da qual se ponderam os princípios cuja concretização é pretendida pela concreta norma).
Ora, neste contexto, àqueles resultados podem acrescer, em situações excecionais extremas, outros dois:
 Superação Conforme os Princípios: em caso de desajustamento temporal entre a norma e os princípios
normativos, porque aquela permanece igual e estes sofreram uma evolução, haverá que superar a caducidade
material da norma, fazendo a sua ratio ius coincidir com a compreensão atual dos valores inerentes.
 Preterição da Norma: perante hipóteses, raríssimas e insólitas, de incompatibilidade absoluta entre a norma
e os princípios vigentes, admitir-se-á, pelo menos para algumas fileiras da doutrina (posto que a
admissibilidade deste expediente não é consensual), o afastamento da norma, isto é, a sua desaplicação.
4. A interpretação jurídica como momento da concreta e problemático-decisória realização do direito
Começámos por caraterizar o Método Jurídico do séc. XIX e a teoria da interpretação por ele proposta, a qual lhe
haveria de sobreviver, sob a forma de “teoria tradicional da interpretação”. Àquele Método e a esta teoria foram
apontadas as falhas que determinaram a sua superação com a viragem para o séc. XX (que designámos de “viragem
teleológica”). Atentámos, por fim, nos contornos específicos desta superação, sobretudo ao nível específico da teoria
da interpretação, e nas correntes metodológicas que se lhe sucederam e que se assumiram como alternativas.
Chegados aqui, importa agora caraterizar devidamente a interpretação jurídica nos termos em que ela é atualmente
considerada, fechando-se, deste modo, o ciclo iniciado.

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4.1 O caso jurídico como prius metodológico
A mudança de perspetiva que temos vindo a referir implica, desde logo, que se postule o caso como prius
metodológico. E com isto pretende afirmar-se que o caso jurídico não é apenas o objeto decisório-judicativo, mas
verdadeiramente a perspetiva problemática-intencional que tudo condiciona e em função da qual tudo deverá ser
interrogado e resolvido. Significa isto que a interpretação jurídica só será entendida em termos metodologicamente
corretos se for vista como a determinação normativo-pragmaticamente adequada de um critério jurídico (retirado do
sistema jurídico vigente) para a solução do caso decidendo. É esta adequação normativa e pragmática do critério a
determinar que evidencia ser o caso o prius do processo interpretativo: o caso não é apenas a controvérsia que se
pretende resolver; ele é um problema jurídico que, pela sua irrepetibilidade e natureza única, irá despoletar uma
reconstrução ou desenvolvimento do próprio critério normativo aplicando. Uma vez que se pretende que o critério
jurídico a aplicar seja concretamente adequado ao circunstancialismo e caraterísticas do caso, então as sua
especificidades determinarão uma recompreensão daquele critério.
Sublinhe-se que falamos aqui de “critério” e não de “fundamento”, porquanto apenas os critérios são interpretáveis,
sendo os fundamentos elementos a convocar nessa interpretação.
Critérios Fundamentos
= operadores técnicos que pré-esquematizam a solução = elementos que conferem concludência racional
a um discurso problematicamente judicativo
 Normas jurídicas
 Precedentes jurisprudenciais  Princípios
 Elaborações doutrinais
Podemos dizer, inclusive, que se os critérios são o objeto da interpretação, os fundamentos são os elementos de
concludência racional que possibilitam, condicionam ou sustentam a própria interpretação (ex.: para interpretação
uma concreta norma legal, o intérprete haverá de convocar os princípios normativos vigentes no domínio em que se
insere a norma e os demais princípios gerais de direito).
4.2 A superação de uma concepção de norma-texto por uma compreensão da norma-problema
Sabendo-se que o caso é o prius metodológico, pergunta-se: qual o objeto rigorosamente da interpretação solicitada
pelo caso, a realizar segundo a intencionalidade problemática que este constitui?
Um primeiro ponto é evidente: a interpretação terá como objeto os “critérios” de resolução do caso, e, num sistema
de Civil Law, como o nosso, esses critérios serão, antes de mais, as normas legais; consequentemente o objeto
imediato da interpretação serão essas normas – concretamente, a norma aplicável in casu.
O segundo ponto, que se segue a este, já não será tão evidente: em que termos deverá ser considerada essa norma
interpretanda? O modelo tradicional respondi a esta questão, como vimos [vide supra: II, 2.1], de forma simples: o
objeto da interpretação seria o texto da norma jurídica. Como ficou também já exposto, esta compreensão não pode
ser sustentada na medida em que o problema da interpretação jurídica não é um puro problema hermenêutico (de
apreensão do significado ou sentido das palavras), mas antes um problema normativo (de constituição ou criação do
direito em concreto). O objeto da interpretação há-de ser correlativo a esta índole do problema: deixamos de
considerar como objeto da interpretação a “norma-texto” (o corpus ou expressão de uma significação) e passamos a
vê-lo na “norma-problema” (a normatividade que é veiculada por intermédio daquele corpus). Noutros termos, a
interpretação jurídica deixou de ter como objeto a expressão (textual) da norma, e passou a incidir sobre a norma da
norma, isto é, sobre a dimensão intencional e especificamente jurídica da norma. No fundo, o que se pretende
interpretar não é a “forma” da norma jurídica, pois que essa forma é insuficiente (e pode até ser defeituosa) para
veicular a normatividade pretendida; pretende-se, isso sim, interpretar o “conteúdo” da norma jurídica, a concreta
juridicidade que se pretende criar com a sua elaboração.
Esta compreensão do objeto da interpretação implica, decerto, um particular modo de interpretação, o qual haverá
de ser orientado pelo objetivo de atingir, na norma aplicável, a normatividade prático-jurídica solicitada pela
problematicidade concreta do caso decidendo, de modo que essa normatividade seja materialmente adequada à sua
solução judicativa. Este objetivo pode, no entanto, ser atingido de modos diferentes ou segundo especificações
diversas deste modelo geral de interpretação.
Os modos de efetivação deste modelo interpretativo dividem-se em duas categorias, cuja distinção radica na forma
como é vista a relação metodológico-jurídica entre a norma (objeto da interpretação) e o caso (prius metodológico) –
reconhecendo-se no caso concreto o ponto de partida da interpretação, e na norma jurídica aplicável a esse caso o
objeto da interpretação, poderá perspetivar-se a relação entre estes dois pólos de forma distinta:

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(1) Conceções que reconhecem à norma um sentido (2) Conceções que interrogam/experimentam a
normativo auto-subsistente em abstracto norma na perspectiva do caso
» a norma jurídica aplicável mantém-se como elemento » a norma aplicável só oferece a sua normatividade
prioritário, encerrando um sentido normativo abstrato aquando da sua interrogação no caso concreto
Exemplos: Exemplos:
 Modelo de concretização, de F. Muller;  Modelo da decisão racional-argumentativa e justa, de
 Teoria da Fallnorm, de Fikentscher. M. Kriele;
 Conceção hermenêutico-prática, de Esser;
 Modelo metodológico-casuístico, de Schaap.
Vejam-se as perspetivas que podem enquadrar-se em cada uma destas categorias:
a) Conceções que reconhecem à norma um sentido normativo auto-subsistente em abstrato
Sustentam esta primeira perspetiva duas importantes propostas metodológicas provindas do pensamento jurídico
alemão: a proposta de Muller e a proposta de Fikentscher. Estas propostas visam conciliar a coordenada normativista
tradicional com as atuais exigências de um decidir problemático-concretamente adequado. Ambos os autores
entendem que, na existência de uma norma jurídica aplicável, essa norma, interpretada segundo a hermenêutica
jurídica tradicional e em referência ao seu teor textual, definirá o quadro de possibilidades normativas da realização
do direito. Só que a norma-texto será apenas um elemento, necessário mas insuficiente, para a concreta realização
do direito. Esta realização implicará, além daquela norma, que se elabore a normativa concretização e a específica
“norma de decisão” adequadas ao caso concreto.
Muller vê a decisão judicativa como o resultado de um constitutivo processo normativo de concretização, que mobiliza
estruturalmente um conjunto de fatores ou elementos metódico-jurídicos, os quais acrescem aos elementos
hermenêuticos associados ao texto normativo: elementos dogmáticos, elementos do respetivo domínio objetivo,
elementos jurídico-teóricos, etc. Daí que, para o autor, o problema metodológico seja hoje, já não um problema de
“interpretação” dos textos jurídicos, mas antes um problema de “concretização” desses textos.
Fikentscher, por seu lado, convoca uma ideia de “justiça” à qual associa dois sentidos:
Justiça
Justiça como igualdade Justiça como adequação material
» a igualdade na aplicação do direito estaria salvaguardada » a adequação concreto-material dos juízos
pela vinculação da decisão do caso concreto ao sentido decisórios conseguir-se-ia pela especificação da
hermenêutico da norma legal (o sentido atribuído à norma norma legal aplicável em referência normativo-
legal seria o limite) material ao caso concreto
A “norma do caso concreto” alcançaria, para o autor, este desiderato na medida em que se assumiria como síntese
metodológico-normativa entre norma e caso, isto é, na medida em que seria simultaneamente normativa e
intencional. Assim, a “norma do caso” consistiria num critério capaz de preservar as exigências de universalização
(porque ao referir-se ao sentido hermenêutico da norma, não perdia de vista esta vinculação mais ou menos rígida) e,
ao mesmo tempo, adequado ao caso concreto (porque aquele sentido seria concretizado in casu, admitindo-se a sua
adaptação às circunstâncias específicas). Deste modo, a decisão jurídica, apesar de adaptada ao caso, integrar-se-ia
dentro da norma aplicável – ou dentro da sua letra (como na teoria tradicional), ou dentro da sua teleologia
(superando-se, neste ponto, a conceção tradicional).
Sucede, porém, que a bondade desta atribuição à norma jurídica de um valor normativo abstratamente sustentado
no seu teor textual é questionável. Entende-se, de facto, que a consideração do caso decidendo como prius metódico
é incompatível com o postulado da autonomia normativo-textual. Aquela consideração implica que se olhe a norma
na sua intencionalmente aberta ou normativamente indeterminada referência ao caso decidendo; estas abertura e
indeterminação são superada apenas na interpretação exigida pela decisão do caso concreto – imputa-se à norma o
sentido jurídico que a resolução problemática concreta lhe permite reconhecer. Em suma: a interpretação é indivisível
da realização do direito em concreto, pelo que sempre sairá gorada a tentativa de imputar à norma um sentido
abstrato retirado do seu texto.
b) Conceções que experimentam a norma na perspetiva do caso
No domínio das perspetivas que negam à norma um sentido normativo abstrato integram-se o pensamento da decisão
racional-argumentativa e justa de M. Kriele, o pensamento hermenêutico-prático de Esser, o pensamento casuístico
de Schaap, entre outros.

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Kriele, numa linha de recuperação da racionalidade prática, e vendo a razão prático-jurídica como um caso especial
da razão prática geral (sendo que essa especialidade lhe adviria da necessária consideração dos critérios do direito
positivo), entende que as normas jurídicas só serão corretamente interpretadas se permitirem uma justa decisão do
caso concreto – decisão ético-racionalmente justificada pelos interesses fundamentais a ter em conta e pela atenção
aos seus efeitos práticos. Quanto ao modus jurídico desta decisão, decorreria, segundo o autor, nos seguintes termos:
1. Formulação de uma “hipótese de norma”;
2. Confrontação da norma hipotética com o direito positivo:
a) Há uma norma legal correspondente » essa norma constituirá o fundamento da decisão;
b) Não há norma legal correspondente » haverá que procurar-se um precedente judicial aplicável.
i) Há um precedente correspondente » esse precedente constituirá o fundamento da decisão;
ii) Não há precedente correspondente » o fundamento da decisão serão os princípios ético-
práticos e discursivo-argumentativos da razão prática.
Por sua vez, Esser, distingue a obtenção real da decisão da sua fundamentação, concluindo que o julgador optará pelo
fator de interpretação que possa justificar a decisão encontrada segundo as exigências normativas do caso concreto.
Esta decisão já seria suscetível de um controlo material (porquanto já havia sido encontrada com base em
considerações práticas e jurídico-materiais); com a convocação de uma norma legal, e sua respetiva interpretação,
permitir-se-ia ainda o seu controlo do ponto de vista do direito positivo. Esta decisão concreta orientar-se-ia, então,
por um pré-juízo da justa solução do caso, sendo posteriormente identificado o direito positivo que possibilitaria
fundamentar essa decisão, para efeitos de controlo.
J. Schaap formulou, neste contexto, uma conceção ainda mais radical. Repudia o esquema categorial platónico-
aristotélico e coloca-se exclusivamente em concreto, compreendendo todo o direito sob a perspetiva do caso. A
própria lei é concebida como “decisão concreta” de “casos jurídicos futuros”. A decisão jurídica em geral é vista como
o resultado de uma techné judicativa que procura fundamentos para um caso concreto numa concreta e histórico-
social situação de diálogo.
Esta segunda orientação, que temos vindo a expor, é a acolhida, entre nós, por Castanheira Neves. Não obstante, o
autor afasta-se do radicalismo de Schaap, entendendo que o pensamento jurídico não poderá converter-se numa
casuística. Para Castanheira Neves o punctum crucis do pensamento metodológico-jurídico jurisprudencial (ou seja,
para as teorias jurisprudencialistas) está no modo de compreender e assumir metodicamente a dialética entre sistema
e problema, enquanto coordenadas metodologicamente complementares.

Critérios legais vinculantes, associados


à global intencionalidade axiológico- Mérito normativo-jurídico específico do
Sistema Problema
normativa (fundamentos) caso concreto decidendo

Segundo este ponto de vista, a decisão judicativa será, não mera “aplicação”, separada de forma estanque da
interpretação (como sucedia na teoria tradicional), nem simples “concretização” de uma prévia interpretação (nos
termos expostos quanto às conceções que reconhecem à norma um sentido auto-significante); verdadeiramente, a
decisão judicativa é efetiva “realização” do direito, envolvendo não só a resolução de uma controvérsia, mas também
a interpretação jurídica em concreto e a consequente constituição de direito (criação normativa).

III – Proposta de modelo metódico: a perspetiva jurisprudencialista


1. A dialética sistema-problema
O modelo metódico de realização do direito que nos propomos definir assimila uma racionalidade jurídica que se
estrutura em duas dimensões – a dimensão do sistema e a dimensão do problema – e que opera segundo uma
particular dialética que dinamiza essas dimensões estruturais.
Caraterize-se, agora, com mais pormenor esta estrutura e a índole da referida dialética.
1.1 Sistema
O sistema é a “unidade de totalização normativa” que se analisa em quatro elementos, os quais são os elementos
constitutivos da normatividade organizados em quatro estratos distintos entre si e relacionados num todo integrante:
 Estrato dos princípios: integra os princípios normativo-jurídicos positivos, transpositivos e suprapositivos. É
neste estrato em que a intenção axiológico-normativa do sistema se assume. Assim sendo, este é o momento
verdadeiramente normativo ou de regulativa validade fundamentante, graças ao qual o direito não é tão-só

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um “objeto”, sendo sempre também um “sujeito”. Quer isto dizer que o direito assume uma intenção de
transcendência constituinte – não é pura e simplesmente algo que já está posto, mas antes algo que se
constitui continuamente atentas as exigências de sentido últimas.
 Estrato das normas legais: inclui todas as normas prescritas numa opção político-estratégica e de vinculante
valor normativo que provêm das legitimidade e autoridade político-jurídicas que lhes correspondem. Este é,
então, o momento de prescrição positiva, o qual sempre seria indispensável, já que a validade afirmada nos
princípios não impõe necessariamente um certo direito positivo. E assim é porque a validade que se expressa
nos princípios admite sempre várias determinações (cabendo ao legislador “escolher” aquela que se quer
consagrar legalmente) e porque o direito positivo é função da contingente realidade histórico-social (o direito
positivo constituir-se-á em resposta a essa realidade). Daqui resulta claro que a relação entre validade (estrato
dos princípios) e positividade (estrato das normas) não é uma relação de necessidade, mas antes uma relação
de possibilidade – o direito positivo funda-se na validade normativa e deve ser possível perante ela, mas não
é um resultado necessário dessa validade (outros seriam possíveis). Noutras palavras: “a validade não é para
o direito positivo premissa, mas verdadeiramente fundamento”. Daí que não possa prescindir-se da mediação
constitutiva que é a positivação. E esta positivação haverá que ser realizada por uma autoridade, pois só assim
a normatividade criada poderá impor-se como vinculativa, afastando quaisquer outras determinações
possíveis ao abrigo da validade vigente. Este processo de positivação não será, evidentemente, arbitrário: as
opções da autoridade legislativa têm um fundamento (validade normativa manifestada nos princípios) e uma
justificação (político-social ou teleológico-estratégica, decorrente do contexto histórico-social).
 Estrato da jurisprudência: integra as decisões jurisprudenciais tomadas anteriormente. Este é o momento de
objetivação e estabilização de uma já experimentada realização problemático-concreta do direito. O valor
normativo deste estrato decorre de uma presunção de justeza que lhe está associada. Implica isto que as
expressões jurisprudenciais só podem ser postas em causa através de um “ónus de contra-argumentação”.
 Estrato da doutrina: engloba os resultados de uma elaboração jurídica livre e de uma normatividade que
apenas se sustenta na própria racionalidade fundamentada. Não há aqui uma validade diretamente
vinculativa, como nos princípios, nem uma autoridade político-prescritiva, como nas normas legais, nem
mesmo uma autoridade jurídica, como na jurisprudência. A dogmática doutrinal elabora-se, em grande
medida, a partir das normas legais e das posições jurisprudenciais, assimilando ainda os princípios normativos.
E assim ela orienta a determinação explicante e reconstrutiva dessas normas e jurisprudência, conferindo ao
sistema uma racional e decisiva objetivação.
Em suma, podemos apresentar esta estratificação do sistema da seguinte forma:
(1) Princípios (2) Normas (3) Jurisprudência (4) Doutrina
Presunção de validade Presunção de autoridade Presunção de justeza Presunção de racionalidade

Fundamentos Critérios
Relembre-se, a este respeito, a propugnada distinção entre critérios e fundamentos:
Fundamentos Critérios
= racionalização justificativa da inteligibilidade de um = operadores técnicos que pode ser imediatamente
certo domínio; ou seja, compromissos práticos ou convocados para resolver um determinado tipo de
exigências de sentido que conformam o sistema problemas, que pré-esquematizam soluções
[NOTA: poderiam suscitar-se dúvidas quanto à inserção da elaboração doutrina no cômputo dos critérios jurídicos, alegando-se
que nem sempre dali decorrerão soluções imediatas a categorias de controvérsias. O que se entende é que a elaboração doutrinal,
partindo das normas legais e da jurisprudência fixada e alicerçando-se na validade manifestada nos princípios, desenvolve a
normatividade, oferece à prática elementos de decisão. Ainda que não institua uma solução-tipo stricto sensu (como se verifica
na jurisprudência e nas normas), elabora fatores ou elementos que serão considerados direta e imediatamente na decisão. Não
estão aqui em causa abstratas exigências de sentido, mas sim concretos elementos decisórios, tidos como “critérios”. ]
1.2 Problema
O problema traduz a intencionalidade problemática dos casos decidendos e para cuja solução se exigem concretos
juízos decisórios. Portanto, a dimensão “problema” consiste, fundamentalmente, nas circunstâncias e demais
especificidades que caraterizam um concreto caso. Tais elementos, específicos daquela questão decidenda e não
repetíveis, implicarão um juízo decisório normativamente adequado à sua problematicidade. Mais do que uma decisão
determinada por critérios (normas, jurisprudência e doutrina) e sustentada em fundamentos (princípios), a decisão
judicativa haverá de ser uma decisão pragmaticamente justa, sendo esta uma justeza decisória concreta.

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1.3 Dialética dinamizadora
O sistema começa sempre por delimitar e pré-determinar o campo e o tipo de problemas jurídicos. Assim sendo, num
primeiro momento, os problemas possíveis começam por ser aqueles pressupostos pela intencionalidade do sistema,
e os modos de os considerar serão, ab initio, aqueles que sejam correlativos de soluções/respostas oferecidas também
pelo sistema. Não implica isto (nem pode implicar) uma unilateral sobrevalorização do sistema que se repercuta no
axioma de que os problemas emergentes de uma experiência prática são unicamente aqueles que o sistema suscite e
no modo por que este os aceita. Ao invés, o problema vem alargar e aprofundar aquele primeiro pólo, em termos de
exigir novas perguntas e outros sentidos para as respostas. Perante esta experiência problemática (problema) a
normatividade sistematicamente prévia (sistema) traduz uma assimilação material de uma experiência já feita, sendo
limitada por essa experiência. Esta limitação do sistema é superada através da autonomia que se reconhece ao
problema: o problema não é mera expressão interrogante de uma resposta-solução já disponível, mas antes uma
pergunta que ainda não encontrou resposta, ou seja, uma experiência que ainda não foi absorvida por uma
intencionalidade dogmática fundamentante. De forma simplista: atenta a limitação do sistema (que encerra em si tão-
só a experimentação da normatividade já realizada), o problema não é visto como uma experiência que se pretende
resolver segundo a uma solução já disponível no seio do sistema (este era o entendimento tradicional – pretendia
subsumir-se a problemática concreta a uma das soluções previstas em abstrato no sistema); ao invés, o problema
assume autonomia própria, pelo que ele convocará não uma solução previamente elaborada (já disponível no sistema)
mas uma solução nova ou inovadora, adaptada às suas especificidades. Se cada caso concreto é único e irrepetível,
então não é razoável procurar-se solucioná-lo com respostas pré-elaboradas; cada caso, na sua unicidade e
irrepetibilidade, convocará uma resposta-solução também singular, específica para aquele caso, e, por isso, ainda não
existente no sistema. Isto, obviamente, sem descurar o sistema como ponto de partida e como contexto delimitador.
Deste modo, por um lado, o surgir de novos problemas é correlativo do enriquecimento do contexto intencional, e,
por outro, há-de culminar na constituição de novas intenções-soluções integradas. As intenções anteriores (princípios
e critérios normativos) subsistem, mas agora relativizadas às novas intenções, de tal modo que se impõe a necessidade
de ordenar as novas com as antigas. Ou seja, impõe-se uma integração de todas as intenções, novas e antigas, num
todo congruente. E esta congruência não significa, note-se, uma linear coerência lógica, como a exigida no seio do
positivismo jurídico. O que se pretende é, isso sim, uma convivência correlativa na totalização integrante. Para tal,
haverá que se reconhecer aos campos intencionais complementariedade e convergência, bem como a sua recíproca
limitação e convergência. E todo este processo só pode ocorre na prática, porquanto só a realização prático-normativa
do direito pode justificar, in casu, os vários compromissos a ter lugar.
Em suma: o sistema surge como ponto de partida na realização do direito. Mas o sistema, como manifestação das
experiências prévias, é limitado. Consequentemente, o problema não é solucionado pela procura, no seio do sistema,
por uma solução pré-elaborada, mas antes pela constituição de uma solução nova adaptada à especificidade do caso.
Esta nova solução passará, num momento ulterior, a integrar, ela própria, o sistema, o qual fica assim enriquecido e
aprofundado. O problema veio, então, interrogar o sistema (pois, na sua unicidade, implica um esforço de
recompreensão dos fundamentos e critérios já existentes) e, subsequentemente, enriquecê-lo; o sistema, por seu
lado, delimita, nos seus fundamentos, o domínio do jurídico e oferece critérios abstratos de solução a serem
experimentados na prática. A normatividade já posta (apresentada pelo sistema) e normatividade constituída
(implicada pelo problema) haverão, depois, de se diluir num todo congruente.
Assim, nas palavras de Castanheira Neves:
“Daí que o sistema jurídico não seja um dado (pressuposto) e sim uma tarefa (objetivo), já que há-de assimilar uma sempre
nova experiência problemática e assumir numa totalização congruente novas intenções normativas de que, através dessa
experiência, o direito de vai enriquecendo.”
Significa isto que entre a formação do sistema e a constituição do direito não existe uma dependência unilateral, mas
antes uma relação de reciprocidade – o sistema é o enquadramento nos termos do qual se dará a realização do direito;
e a realização do direito é um processo que implica o desenvolvimento do sistema. Do sistema que se parte, para a
resolução de um caso concreto, chega-se a um novo sistema, resultado da mediação do problema. Este novo sistema
será o sistema que se assumirá como ponto de partida para a resolução de um outro caso, sendo que este outro caso
haverá de implicar um outro novo sistema. E assim continuadamente...
Daqui decorrem as fundamentais caraterísticas do sistema jurídico:
 Sistema aberto: o sistema jurídico é problematicamente aberto, não sendo considerado como uma entidade
auto-subsistente, fechada em si mesma;

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Maria Paixão Metodologia do Direito – 2017/2018
 Sistema não pleno: o sistema jurídico não é intencionalmente auto-suficiente, ou seja, não apresenta soluções
previamente elaboradas para todos os casos da vida real;
 Sistema autopoiético: o sistema jurídico é constituído pelos elementos que ele próprio cria, numa
racionalidade prático-normativa autónoma, isto é, renova-se continuamente do seu interior para o seu interior
– a sua limitação implica a reconstituição;
 Sistema pluridimensional: o sistema jurídico é composto por vários estratos, interligados entre si.
2. A recriação da dialética sistema-problema por Pinto Bronze
2.1 Especificações centradas no sistema
Pinto Bronze chama à colação o contexto conformador da realidade jurídica. De facto, o autor tem em consideração
especial as realidades económica, política e cultural que envolvem a realidade jurídica. A partir desta consideração,
em particular da consideração da realidade cultural (que o autor vê como o “englobante” horizonte do mundo
axiológico-jurídico, reconstruído em termos analógicos), Pinto Bronze aponta de um novo estrato do sistema: o
“estrato dos arrimos procedimentais”. Neste estrato poderíamos integrar, designadamente, os argumentos a
contrario, a pari, a fortiori, etc. A este estrato está associada uma “presunção de prestabilidade”: a sua vinculatividade
decorre da sedimentação da experiência profissional que distingue o seu modo de vigência.
2.2 A dialética sistema-problema compreendida na perspetiva da racionalidade analógica
Neste contexto, acentua-se a analogicidade que sustenta a dinâmica do sistema: o esquema metódico surge numa
perspetiva de comparação, assumindo-se como um juízo analógico entre o conhecido (o sistema) e o até ali
desconhecido (problema). Ao julgador incumbe, nestes termos, comparar as compreensões dos princípios, as leituras
das normas legais e os precedentes jurisdicionais já existentes (conformadores do sistema) com as especificidades do
caso concreto (identificadoras do problema). Os juízos decisórios seria, nestes termos, ponderações analógicas que
articulam dialecticamente (que comparam) o mérito do problema concretamente judicando (a situação exemplar
conformada por cada problema concreto) e a intencionalidade problemática do corpus iuris vigente, na sua
normatividade constituída ou constituenda. A racionalidade problema-sistema é, nestes termos, reconduzida a uma
racionalidade analógica, de comparação.
Se quisermos verter a dialéctica sistema-problema para a racionalidade analógica, podemos distinguir:
 Analogia de objectivação tematizante: na identificação do relevo jurídico do problema e sua delimitação;
 Analogia de qualificação especificante: na qualificação do problema;
 Analogia de comprovação problematizante: no momento da prova;
 Analogia de disquisição explicitante: para a escolha da norma ou normas hipoteticamente adequadas ao caso;
 Analogia de fundamentação ajuizante: na resolução jurídica do caso.
2.3 Contributos da equação metodonomológica
Com base nas considerações expostas, Pinto Bronze verte a dialética sistema problema-problema na designada
“equação metodonomológica” – um esquema segundo o qual se compreendia, quase que de forma matemática, essa
dialética, na sua matriz analógica.
Esta compreensão trouxe até nós os seguintes contributos:
 Atenção dispensada aos juízos dos mediadores subjetivos, enquanto modo de pré-modelar o caso decidendo
– estes juízos encontram no problema do “direito dos juízes” em contexto de civil law uma das suas projecções
mais notáveis;
 Papel nuclear desempenhado pela norma como modelo de todos os outros critérios, o que só é concebível
porque a norma-critério em causa, libertando-se de uma suposta significação formalmente auto-subsistente,
se nos expõe como norma-problema.
3. A questão-de-facto em sentido metodológico
No contexto da análise do caso jurídico distinguem-se tradicionalmente (embora com compreensões distintas ao longo
dos tempos) dois momentos capitais:
“Questão-de-facto” VS “Questão-de-direito”
» questão da metodológico-jurídica determinação e » questão da determinação do critério a utilizar e do
comprovação dos “dados” (factos) do problema jurídico subsequente juízo jurídico-concreto decisório
Momentos: Momentos:
1. Determinação da relevância jurídica do caso; 1. Questão-de-direito em abstrato » seleção da norma
2. Qualificação jurídica; hipoteticamente aplicável;
3. Prova/comprovação dos elementos daquela 2. Questão-de-direito em concreto » experimentação
relevância e dos seus efeitos. da norma no caso.

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Atente-se, em primeiro lugar, na “questão-de-facto”. Como ficou já exposto, esta etapa do modelo metodológico
comporta três momentos (sendo que, refira-se, os dois primeiros poderão ser considerados um único).
3.1 Momento de relevância jurídica
O primeiro momento da “questão-de-facto” consiste no problematizar a relevância jurídica da situação histórico-
concreta do caso com que o julgador se depara. Portanto, é neste momento que o caso concreto é objetivado como
caso jurídico. Do que se trata é, pois, determinar, na globalidade da situação histórica em que o problema concreto se
situa, o âmbito e o conteúdo da relevância jurídica dessa situação problemática. Noutras palavras: tendo em conta
toda a problemática concreta, qual o específico problema jurídico em causa? Que questão ou questões, de entre todas
as que possam colocar-se naquela controvérsia específica, tem ou têm relevância para domínio do direito?
3.2 Momento da qualificação
O que se pretende, neste segundo momento, é inserir o problema jurídico concreto (pois já foi considerada a sua
relevância jurídica) num âmbito normativo específico. Desde logo, haverá que inseri-lo num ramo jurídico (direito
penal, direito do trabalho, direito civil, direito público, etc.). Depois, dentro do ramo jurídico convocado, haverá que
situar a questão controversa num instituto ou figura jurídicos, ou num regime específico.
Como veremos, este será um momento importante para o ulterior momento da “questão-de-direito” em abstrato,
porquanto facilitará a identificação de uma norma hipoteticamente aplicável.
3.3 Momento da prova
Este terceiro momento traduz-se na comprovação do considerado âmbito de relevância. Se no contexto da situação
problemática real se identificaram os elementos com relevância jurídica, haverá agora que dá-los como provados (pois
só assim eles poderão ser considerados para efeitos de realização do direito). Esta comprovação deverá dizer respeito
tanto à efetivação dos factos (os factos x, y e z verificaram-se mesmo?), como ao seu conteúdo (os factos x, y e z,
havendo verificando-se, ocorreram mesmo dos modos a, b e c?).
O problema da prova é compreendido, em termos metodológicos, como problema da verdade jurídico-prática, como
a verdade correlativa da praxis jurídico-social. Este ponto implica, todavia, mais algumas notas.
Durante a modernidade, o estatuto teorético do pensamento universal que se veio a transpor para o pensamento
jurídico encontrou uma via de acesso privilegiada na questão probatória. A prova haveria de se reduzir à averiguação
teorético-científica de puros factos, em tudo autónoma do juízo decisório. Esta autonomia da averiguação
fundamentava-se numa conceção indutivo-teorética da prova, referindo-a a uma frequência objetiva. Este conceito
moderno de prova representava a superação da clássica perspetiva argumentativa, fundada numa probabilidade em
termos ético-jurídicos, na qual não se autonomizavam os aspetos jurídicos dos aspetos factuais.
Hoje assiste-se a uma intensa revitalização da conceção argumentativa da prova, posto que profundamente distinta
da apontada conceção pré-moderna. A prova deixa de ser uma prova de factos puros, como propugnava a conceção
moderno-teorética, passando a consistir na comprovação dos factos que conformas os problemas jurídicos. É hoje
consensual que verdade jurídica é uma verdade prática, e não uma verdade teorético-científica. Ao nível da prova isto
significa que a comprovação dos factos, visando desvelar a sua verdade, tem uma intenção especificamente jurídica.
E porque assim é, a verdade prosseguida há-se de ser uma verdade prática, e já não uma verdade teorética. E isto não
implica, note-se, que a verdade que hoje se pretende alcançar seja menos exigente que a verdade teorético-científica
da modernidade, mas tão-só que ela é uma verdade distinta – em vez que se propor a descrever os factos, puros e
simples, pretende narrá-los nos termos em que eles relevam para o domínio jurídico.
Neste contexto, de uma verdade prática, há que reconhecer o importante contributo da “racionalidade narrativa”. Se,
em termos gerais, não nos parece ser de perfilhar uma racionalidade deste tipo (porquanto ela desconhece alguns dos
carateres do juízo decisório), a verdade é que ela se mostra bastante prestável em sede de prova. Em face de uma
dada controvérsia jurídica, já considerada como juridicamente relevante e devidamente qualificada, o julgador
deparar-se-á com, pelo menos, duas “narrativas” – a narrativa da acusação e a narrativa da defesa. Perante esta
dualidade, caberá ao julgador, como terceiro imparcial, construir uma terceira narrativa, baseada nos factos, retirados
de uma, de outra ou de ambas as narrativas das partes, que efetivamente se deram como comprovados. É aqui por
demais evidente o caráter prático do momento probatório, em oposição à natureza teorética que lhe era atribuída na
época moderna: o juiz não se propõe a encontrar uma descrição exata, rigorosa e científica dos factos puros, tal como
aconteceram na vida real; ao invés, procura, isso sim, através de uma atividade comunicativa com as partes, identificar,
no universo da factualidade envolvida pelo caso, os factos juridicamente relevantes que se podem considerar como
comprovados. Esta é, sem dúvida, uma verdade prática (derivada de uma relação sujeito-sujeito e que se propõe ser

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verosímil, provável, razoável), e já não uma verdade teorética (decorrente de uma relação sujeito-objeto e que se
pretende assumir como dogma absoluto e indiscutível).
A este respeito, autores há que fazem assentar o momento probatório na seguinte distinção:
“Story in the trial” “Story of the trial”
» narrativa dos factos tal como eles (supostamente) » narrativa dos factos reconstruída pelo julgador –
aconteceram – será diferente do ponto de vista da aquilo que se dá como provado após a consideração
acusação e do ponto de vista da defesa das narrativas rivais das partes
Composta por uma diversidade de elementos:
elementos invocados pelas partes, elementos
normativos, entre outros...
Nos termos expostos, a “story of the trial” é composta por mais elementos além das narrativas rivais das partes. E isto
é assim porquanto estamos aqui no domínio de uma racionalidade prática, e não de uma racionalidade teorética. De
facto, é porque assim é que a prova não é um puro juízo descritivo, de índole científica, mas antes um juízo em si
mesmo normativo. Este juízo decorrerá, ele próprio, da dialética sistema-problema, na medida em que a narrativa
elaborada pelo julgador foi o resultado, não só da consideração das narrativas das partes (problema), mas também do
respeito pelas disposições normativas que disciplinam a matéria da prova (sistema). Entre nós, são manifestações
deste caráter normativo do momento probatório:
 O regime legal de restrições à prova (“provas proibidas”);
 As presunções legais de prova (implicando a inversão do ónus da prova);
 A distribuição do ónus da prova.
Como se compreende, o juízo final de índole probatória não será um juízo puramente descritivo, mas antes uma juízo
que, apesar de fundamentalmente narrativo, é também um jurídico.
[Ex.: se para a conceção teorético-moderna se teriam como provados todos os factos que efetivamente houvessem
acontecido, já para a conceção prático-normativa atualmente acolhida não poderá o juiz num processo considerar
como prova um facto X que, apesar de efetivamente ter acontecido, só pode ser comprovado por um meio de prova
não admitido. Noutro prisma, se para a conceção teorético-moderna nunca se poderiam dar como provados factos
cuja verificação não pudesse ser “cientificamente” constatada (portanto, sobre os quais não houvesse certeza
absoluta), já para a conceção prático-normativa que chega até nós o juiz haverá de considerar como provado o facto
Y que, apesar de não se conseguir comprovar factualmente de forma decisiva, é objeto de uma presunção legal de
prova (a sua verificação é tão-só provável, verosímil).]
Em suma, diremos que a prova compreende duas dimensões:
Prova
Narrativa Juízo
» explicação dos factos considerados como provados » enunciação dos factos dados como provados que
(não de forma absoluta e indubitável, mas de modo podem ser comprovados à luz das disposições
verosímil ou provável) pelo julgador normativas vigentes em matéria de prova
4. A questão-de-direito
Também nesta sede se impõe uma distinção matricial, com base na qual se considerará este problema:
Questão-de-direito em abstrato VS Questão-de-direito em concreto
» determinação do critério jurídico que haverá de » elaboração do próprio juízo concreto (com ou sem
orientar, e concorrer para fundamentar, a solução auxílio de um critério jurídico) que haverá de se afirmar
jurídica do caso decidendo como decisão judicativa do caso concreto
Esta distinção é, no entanto, mais didático-expositiva do que metodológica, porquanto há verdadeiramente uma
incindível unidade normativo-metodológica entre as duas questões: por um lado, a seleção do critério não pode
desligar-se do sentido de solução que o caso solicita; por outro lado, a solução concreta não pode deixar de ser o
resultado da assimilação do critério pelo juízo decisório concreto. Trata-se, pois, de uma unidade problemático-
metodológica que pode dizer-se circular. E se acrescentar-mos que a determinação do âmbito da relevância objetiva
do caso, enquanto momento da questão-de-facto, se vincula ao critério jurídico numa unidade análoga (o critério é
procurado em função do problema jurídico em causa; e a relevância jurídica do problema concreto só pode ser aferida
a partir do critério jurídico), compreendemos que também a questão-de-facto e a questão-de-direito são correlativas
entre si, fundindo-se num todo unitário. O eixo deste unidade será a questão-de-facto em abstrato, já que esta está
diretamente ligada, de um lado, ligada à questão-de-facto (é envolvida e determinada na e pela determinação da relevância
jurídica do caso decidendo), e, de outro, ligada à questão-de-direito em concreto (é convocada e determinada na e pela

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decisão concreta). Estas duas unidades – (1) questão-de-facto/questão-de-direito em abstrato e (2) questão-de-direito
em abstrato/questão-de-direito em concreto – integram-se, assim, numa unidade global, que é a unidade do próprio
problema jurídico.
Não obstante esta unidade, por razões didático-expositivas, importa considerar estes momentos em separado.
5. A questão-de-direito em abstrato
Antes de mais, importa distinguir dois tipos de situações que podem apresentar-se ao julgador:
1. Há, no sistema jurídico em que o problema se põe, um critério jurídico que assimila a relevância do caso;
2. Não há, no sistema jurídico em que o problema se põe, um critério jurídico que assimila a relevância do caso.
Com efeito, ao reconhecermos o sistema jurídico como um sistema aberto e em contínua reconstituição no confronto
com a prática [vide supra: III, 1.3], havemos de admitir que nem sempre haverá pré-definido um critério jurídico
aplicável ao caso, que permita atender às suas exigências. Isto não obsta a que, em qualquer dos casos, seja o sistema,
na sua normatividade considerada como um todo, o horizonte de resolução de todos os casos jurídicos. Não havendo
um específico critério jurídico que ofereça uma solução imediata para o caso, o julgador haverá de criar essa solução
(onde se denota claramente a índole constitutiva da realização do direito) com base nos fundamentos que conformam
o sistema jurídico. Na realização do direito, ou o julgador seleciona um critério previamente estabelecido (ex.: norma
legal), ou constitui um critério ainda não existente (através da elaboração jurisprudencial), situando-se, de qualquer
das formas, no horizonte do sistema jurídico.
5.1 O problema da seleção da norma hipoteticamente aplicável
Neste domínio, o ponto de partida que importa considerar é o de que o caso concreto é, nos termos expostos, o prius
metodológico. Daqui decorre uma conclusão basilar:
“é «aplicável» a norma ou normas do sistema jurídico que forem hipoteticamente adequadas para o
tratamento judicativo-decisório do caso ou problema jurídico a resolver”. (NEVES, Castanheira)
O advérbio de modo “hipoteticamente” é aqui utilizado num sentido análogo ao que é próprio do discurso científico-
experimental: a “norma aplicável” constitui uma hipótese de solução do caso concreto, um projeto de solução, que
será submetido a uma experimentação metodológica no momento da questão-de-direito em concreto. Este caráter
de hipótese de solução deve ser acentuado para que se compreenda que a norma só se terá por definitivamente
aplicável, ou só estará definida na sua acabada aplicabilidade, quando verificada “experimentalmente” a sua
intencional-normativa adequação ao caso concreto. E este raciocínio só pode ser entendido no seio de uma
racionalidade prática, como a que se propugna nos nossos dias. Ao invés do que era defensável no contexto das
racionalidades teóricas e lógico-formais, não é possível obter dedutivamente da norma legal aplicável uma solução –
no sentido oposto, será a solução (adequada ao caso) que determinará qual a norma aplicável. Assim, o critério
aplicável não é identificado em abstrato e aplicado subsuntivamente em concreto; ele é selecionado de forma abstrata
como projeto de solução, mas só será efetivamente aplicado se convocado, em concreto, pela solução judicativa
adequada ao caso decidendo.
! A “norma-hipótese” de que partimos não é a “norma-fundamento” que estará no fim do discurso metodológico-
jurídico; a norma aplicável é um elemento normativamente dinâmico e aberto.
Concentremo-nos agora na determinação do que seja a norma “hipoteticamente adequada” (sabendo embora que
ela será posteriormente experimento, como veremos infra). Esta será uma norma que, já ao seu nível hipotético (e
abstrato) respeito as duas coordenadas metodológicas revelantes neste momento:
 Coordenada sistemática: a norma aplicável há-de mostrar, pela sua própria aplicabilidade, que o caso concreto
é assimilável pelo sistema jurídico;
 Coordenada problemática: a normatividade jurídica intencionada pela norma (que é a normatividade do
sistema) será suscetível de relevar no contexto problemático-jurídico do caso concreto.
O problema da determinação da norma hipoteticamente aplicável reside, exatamente, neste segundo ponto: quando
ou em que termos se poderá dizer que uma norma é problematicamente adequada ao caso decidendo? Podemos aqui
cogitar uma resposta a esta questão alicerçada numa perspetiva aproblemática da questão: a norma (hipótese +
estatuição) será aplicável ao caso quando este reproduzir, na prática, a hipótese da norma. Ora, sucede que esta
compreensão das coisas oculta por inteiro o problema que verdadeiramente se coloca. O problema nesta sede surge,
exatamente, da circunstância de os casos jurídicos que a vida histórico-social suscita não se oferecerem como bem
definidas objetivações das normas do sistema positivo de direito. Não há, efetivamente, uma correlação ou
correspondência lógica entre as hipóteses normativas (que enunciam factualidade “típicas”) e os casos concretos
verificados na prática. Os casos decidendos são, decerto, “casos jurídicos”, mas por isso não deixam de ser “casos da

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vida”. E por o serem, eles não podem ser considerados senão no contexto da sua específica e originária individualidade.
Tudo o que foi dito implica que, por um lado, podem haver nos casos decidendos elementos juridicamente relevantes
não previstos pela norma que se lhes venha a aplicar, e, por outro, que podem haver nos casos decidendos elementos
juridicamente relevantes que preenchem um certo tipo legal pertencente a uma norma que, afinal, acaba por não ser
aplicada. Não há assim, uma correspondência biunívoca entre a verificação dos elementos do tipo de uma norma e a
aplicação dessa norma. As opções com que nos deparamos neste domínio são:
a) Os elementos juridicamente relevantes do caso concreto Y preenchem o tipo legal da norma jurídica X:
1. A norma é aplicada.
2. A norma não é aplicada:
i) Os elementos em causa são relevantes para a aplicação de outra norma (concurso de normas):
é aplicada a norma alternativa
ii) Os elementos em causa são irrelevantes para qualquer outra norma: é criado um novo critério
b) Os elementos juridicamente relevantes do caso concreto Y não preenchem o tipo legal da norma jurídica X:
1. A norma não é aplicada:
i) Os elementos em causa são relevantes para a aplicação de outra norma: é aplicada essa norma
ii) Os elementos em causa são irrelevantes para qualquer outra norma: é criado novo critério
2. A norma é aplicada.
Daqui decorre, de forma evidente, a inexistência de uma correlação entre os casos jurídicos concretos e as hipóteses
conceituais normativas: pode estar preenchida a hipótese normativa e não se aplicar a norma, bem como pode não
estar preenchida a hipótese normativa e aplicar-se, ainda assim, a norma. [vide os segmentos sublinhados]
Chegados a este ponto, cumpre pôr a claro a verdadeira natureza metodológica do problema.
Comecemos por considerar os vários elementos ou circunstâncias objetivo-factuais que se oferecem num caso
jurídico concreto, em geral. Distinguem-se, neste domínio:
 Elementos integrantes do tipo ou hipótese legal: circunstâncias que se podem dizer pensadas pelas categorias
conceituais significantes dos tipos legais; são os factos reais correspondentes dos conceitos jurídicos
descritivos que se encontram fixados em normas legais.
 Circunstâncias do caso: circunstâncias que dão a fisionomia concreto-individual do caso concreto e que, como
tais, não estão diretamente previstas nos tipos legais; sem terem que excluir necessariamente o caráter
“típico” do caso, fazem dele um caso infungível, próprio, único e irrepetível.
 Circunstâncias juridicamente irrelevantes: circunstâncias que serão sempre irrelevantes, quaisquer que sejam
as perspetivas jurídicas pelas quais o caso venha a ser considerado.
 Circunstâncias que conferem ao caso um relevo jurídico imprevisto: circunstâncias que, no seu conjunto,
referem o caso simultaneamente a vários tipos, ou que lhe dão uma fisionomia imprevista pelos tipos legais
disponíveis (quer singularmente considerados, quer em conjunto).
Nestes termos, a aplicação de uma norma terá que pressupor um juízo autónomo de juridicidade sobre o caso
decidendo, insuscetível de fundamentar-se na norma que se considere aplicável. Significa isto que a pressuposta
qualificação do caso como “jurídico” não pode, de modo algum, sustentar-se numa norma jurídica. A identificação da
norma aplicável só terá lugar num momento posterior, em que a juridicidade do caso já foi afirmada. Ademais, a norma
não pode dizer-nos, mesmo quando o caso é assimilado pela hipótese normativa, se a individualização jurídica do caso
haverá de bastar-se com os limites da concretização (portanto, será solucionada com a concretização da norma em
concreto, sem mais) ou se terá de continuar além deles (implicando a constituição de um critério jurídico
completamente novo). Ora, se isto nos mostra que as intenções conceituais das normas não podem impor-se como
indicadores decisivos, nem únicos, do relevo e individualização jurídica do caso concreto, do mesmo passo mostra a
possibilidade de compreender a necessidade de um ato autónomo de juízo através do qual se separe a relevância da
irrelevância jurídicas, individualizando e circunscrevendo ao mesmo tempo o caso decidendo. Esta inferência implica,
para a sua correta compreensão, a consideração de outros aspetos que esta mesma questão nos oferece.
Desde logo, é sabido que as normas positivamente prescritas (mormente, as normas legais) correspondem à previsão
dos casos mais frequentes, comuns ou típicos. Assim sendo, não fica excluída a possibilidade de se decidir,
concretamente, acerca da sua aplicabilidade em termos diversos daqueles que imediatamente imporia o sentido
significativo e conceitual das normas, interpretável em abstrato. Esta aplicabilidade diversa do sentido abstrato da
norma poderá repercutir-se:
 Aplicação da norma a casos que o sentido abstrato da norma não cobre;

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 Desaplicação da norma em casos cobertos pelo sentido abstrato da norma.
Os casos que são aqui tidos em consideração são, decerto, casos ou situações não-comuns o atípicos relativamente às
hipóteses normativas. É essa atipicidade que justificará o referido desvio. Podemos mesmo dizer, com Ekelof, que “o
sentido de uma norma e o seu domínio de aplicação nem sempre coincidem”.
Podemos mencionar, a este respeito, as seguintes aplicações “desviantes” das normas:
 Aplicação extensiva » aplicação de uma norma a um concreto caso decidendo, não obstante o caso ser
integrado por circunstâncias juridicamente relevantes que não preenchem o tipo conceitual previsto naquela
norma (que não integram a sua hipótese) – ex.: extensão teleológica de uma norma;
 Aplicação restritiva » desaplicação de uma norma a um concreto caso decidendo que, todavia, é integrado por
circunstâncias que preenchem o tipo conceitual previsto na norma desaplicada (que integram a respetiva
hipótese) – ex.: redução teleológica;
 Interpretação corretiva » aplicação de uma norma a um concreto caso decidendo que, apesar de não
apresentar todas as circunstâncias ou circunstâncias idênticas às do tipo conceitual, se entende inserível no
escopo teleológico da norma;
 Desaplicação a casos particulares » desaplicação da norma a um conjunto de casos que, embora assimilados
pela hipótese da norma, contam com a concorrência de outras circunstâncias, além das circunstâncias
previstas no tipo conceitual, que fazem deles casos particulares daquele tipo, aos quais não deve ser aplicado
o regime geral previsto na norma (o aplicador distingue onde a lei não distingue mas devia distinguir).
O que se pretende é, então, averiguar se o critério jurídico da norma é ou não materialmente adequado ao sentido
jurídico do caso. Mais do que uma coerência normativa garantida pela possibilidade dedutiva (as circunstâncias do
caso são assimiláveis pela hipótese da norma?), pretende-se uma adequação material (as circunstâncias do caso são
solucionadas de forma materialmente justa pela aplicação daquele critério?).
Esta conclusão é ainda reforçado por outros dois pontos. Em primeiro lugar, há que atentar nos processos de aplicação
indireta da norma. Falamos aqui de dois expedientes:
 Analogia: hipóteses em que a semelhança do caso concreto decidendo relativamente aos casos previstos
numa determinada norma implica a aplicação do critério veiculado nesta norma àquele caso, apesar de ele
não integrar o tipo de casos previstos.
O caso concreto diverge dos casos típicos previstos na hipótese normativa (não é de forma alguma
assimilado pela norma). Porém, estabelece algum tipo de semelhança com a previsão normativa (ex.:
proteção dos mesmos interesses), o que convoca a sua aplicação in casu.
 Argumentum a contrario: hipóteses em que a divergência do caso concreto decidendo relativamente aos casos
previstos numa determinada norma implica para aquele caso um tratamento normativo oposto ao tratamento
prescrito por esta norma para os casos nela previstos.
O caso concreto assemelha-se aos casos típicos previstos na hipótese normativa. Todavia, evidencia um
ponto de divergência de suma importância, implicando um tratamento oposto ao previsto na norma.
Em segundo lugar, importa ainda considerar as situações de concurso de normas: casos em que a situação concreta a
ter em conta oferece elementos para que, segundo critérios lógico-subsuntivos, se possam dizer simultaneamente
aplicáveis duas ou mais normas positivas, entre as quais terá que se optar, na medida em que não é possível a sua
aplicação simultânea ou convergente. Como se compreende, só o sentido jurídico do caso, compreendido de forma
autónoma, pode decidir acerca da orientação a dar a esta convergência (determinação da norma a aplicar ou
combinação das normas aplicáveis num regime jurídico unitário que convenha ao caso concreto).
Ora, se sabemos que o sentido jurídico do caso é nuclearmente determinado pelo problema jurídico que ele implica,
a norma aplicável será aquela que se apresente como suscetível de fazer relevar aquele problema. Assim sendo, a
aplicabilidade da norma não poderá aferir-se pelo conteúdo (textual) da sua prescrição, mas antes pelo problema
prático-jurídico que lhe corresponde. Apenas a “norma-problema” pode ser critério para o juízo normativo que haverá
de resolver um problema jurídico concreto. Importa, então, relembrar a seguinte destrinça [vide supra: II, 4.2]:
Norma-problema Norma-texto
» norma como solução normativa abstrata de um » corpus ou significação textual de uma prescrição
problema – normatividade veiculada ou constituída normativa – teor verbal (de uma norma) que veicula
pela expressão verbal de uma norma uma específica normatividade
Objeto da interpretação jurídica atual Objeto da interpretação jurídica tradicional

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A problematicidade dos casos concretos decidendos implica a problematização da norma ou normas que sirvam de
critérios à sua resolução. Só assim se saberá que sentido normativo tem a solução da norma; e é este sentido
normativo que determinará a (in)aplicabilidade da norma ao caso – a norma será aplicável quando o caso convoque
uma solução de igual sentido. Quer isto dizer que a seleção da norma aplicável não deve dirigir-se ao conteúdo do
texto, mas antes ao problema jurídico típico-abstrato nela pressuposto. Noutros termos: a selecção da norma não
deve traduzir-se numa tentativa de descortinar o conteúdo da hipótese normativa, para averiguar se nela são
assimiladas as circunstâncias do caso; ao invés, essa selecção deverá repercutir-se na identificação do problema que,
em abstrato, a norma visa curar, de forma a averiguar se o problema suscitado no caso concreto pode ser devidamente
solucionado mediante aplicação dessa norma. Conclui-se, então que “O que decide é o confronto entre problemas –
entre o tipo de problema da norma e a índole do problema concreto do caso – [e] não a identidade de situações – a
situação prevista na hipótese da norma e a situação concreta.” (NEVES, Castanheira). E isto tem uma importante
consequência: deixa de ser exigível uma rigorosa coincidência entre a relevância hipotética da norma-prescrição e a
relevância concreta do caso.
Em suma, uma norma do sistema positivo será aplicável:
1. Momento a priori: a norma leva pressuposto e dá solução ao mesmo tipo de problema jurídico do caso;
Questão-de-direito em abstrato » selecção da norma hipoteticamente adequada
2. Momento a posteriori: a norma é suscetível de servir, intencional-problematicamente, de base para a
ponderação de todo o âmbito e modo de relevância que corresponde ao problema jurídico concreto.
Questão-de-direito em concreto » experimentação problemática da norma em concreto
Um última nota que se impõe é de que a “norma aplicável” não tem de ser necessariamente uma só norma. Podem
abranger-se aqui todas as normas a que o problema concreto se refira e que a realização do direito convoca. Poderão,
decerto, surgir aqui problemas especiais como o problema do concurso de normas, o problema da concorrência de
normas (no espaço e no tempo) e o problema das antinomias.
5.2 A compreensão da norma enquanto norma-problema
Ficou já demonstrado que a norma deve ser assumida como critério hipotético do juízo problemático-jurídico
concreto, e, como tal, será experimentada e, ulteriormente, reconstitutivamente assimilada no caso. A norma, como
critério jurídico, já não é encarada como “norma texto”, selecionada em função de uma identidade de situações. Ela
é, isso sim, encarada como critério normativo adequado à concreta realização do direito, sendo selecionada em
virtude de um prévio confronto de problemas.
Selecionada a norma aplicável, nos termos enunciados no ponto anterior, há que compreendê-la e determinar o seu
exato sentido hipotético-normativo. Ora, nesta compreensão da norma concorrem três momentos:
a) Momento histórico; Fatores ou critérios a considerar na «concretização» na norma
b) Momento problemático; [NOTA: não se confundam estes “fatores de concretização” com os
c) Momento teleológico-sistemático. tradicionais “elementos da interpretação”, elaborados por Savigny]
Veja-se, então, de forma sintética, o conteúdo deste momentos:
a) Momento histórico
A norma jurídica, como produto normativo-cultural, não poderá decerto ser compreendida se não a perspetivarmos
pela coordenada histórica da sua emergência. Esta é uma dimensão marcadamente hermenêutica da interpretação,
mas que será, ao invés do que sucedia na teoria tradicional, compreendida num horizonte prático-normativo.
Neste contexto, importa distinguir:
 Pressuposto material: a primeira condição constitutiva da norma consiste no contexto histórico específico que
lhe esteve pressuposto e que, por isso, se afirma como fator codeterminante da normatividade constituída
através da norma. Este pressuposto analisa-se em três setores:
 Realidade histórico-social: interesses ou outros fatores sociais e estrutura ou institucionalização da
realidade social que a norma leva pressupostos na mediação da sua hipótese e perante os quais
pretende tomar posição normativa;
 Consciência histórico-social: valores culturais, valências do ethos social e intenções político-
ideológicas, frequentemente codeterminantes da transformação-constituição do direito;
 Sistema jurídico histórico-dogmático: sistema jurídico que se oferecia dogmaticamente constituído ao
tempo da prescrição da norma e que ia, portanto, pressuposto por essa prescrição, sendo por ela
assimilado como seu fator jurídico-semântico e jurídico-sintático (entre outros).

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 Génese jurídico-prescritiva: além do horizonte de criação da norma (o seu pressuposto material), há ainda que
considerar o ato historicamente constitutivo dessa norma, através do qual a pressuposição material se
converte num particular critério jurídico. É aqui decisiva a intencionalidade normativa que esteve subjacente
a esse ato criado. Quanto a ela importa distinguir:
 Decisão impositivo-dogmática: manifestação optativo-teleológica da voluntas autoritária, na qual se
afirma uma dimensão político-programática.
 Juízo problemático: racionalidade de fundamentação normativa, conexionada com a intenção de
validade do sistema (que se exprime nos princípios normativos), que se repercutirá na possibilidade
de conversão da prescrição normativa numa solução de um problema normativo.
Decisão impositivo-dogmática VS Juízo problemático
“Motivação” » teleologia que orienta a prescrição “Fundamentação” » específica significação da prescrição
A consideração da relação entre estes dois últimos elementos convoca o momento seguinte:
b) Momento problemático
Como ficou já exposto, só a norma-problema – a norma compreendida normativamente em função do problema
normativo-jurídico que pressupõe e a que visa dar solução – pode ser critério para o juízo decisório. A
problematicidade do caso exige a problematização da norma que lhe possa servir de critério.
A compreensão da norma jurídica no sentido de resposta-solução tipificada a um problema prático-jurídico só será
lograda se se explicitarem tanto os pressupostos jurídicos desse problema (hipótese da norma), como o sentido
problemático específico que o constitui e que vai implícito na solução que para ele a norma prescreve (consequência
jurídica da norma). Os pressupostos referenciados são dois, tendo já sido revelados pelo momento histórico:
1. Intencionalidade normativo-jurídica (teleologia subjacente à norma);
2. Realidade histórico-social (contexto base da controvérsia que suscitou o problema em causa).
Aqui a realidade histórico-social é vista numa perspetiva prático-problemática: o que se procura é o modo específico
por que uma dada controvérsia, referida a certas situações ou comportamentos sociais, se viu assumida.
Para o problema que vai pressuposto pela norma, prescreve ela uma resposta-solução. A norma é, de facto, encarada
nesta dupla perspetiva: (1) previsão de um problema típico; (2) juízo judicativo (solução) sobre esse problema. Esta
resposta-solução só pode compreender-se em referência àquele problema, pois ela não é mais do que a prescrição
dogmaticamente autoritária da decisão-juízo da qual se extrai o problema normativo subjacente à norma. De forma
simplista, isto significa que a resposta-solução consagrada na norma tem que ser sempre compreendida à luz do
problema que se pretende resolver, pois só partindo do conjunto (problema + solução) se compreendem os
fundamentos que estiveram na base da decisão autoritária em que consiste em norma, e em que consiste,
particularmente, a resposta-solução consagrada. Assim, a compreensão da solução fixada na norma haverá de
pressupor a compreensão prévia da decisão-juízo inerente à norma, sendo que esta decisão-juízo é, nos termos
expostos, composta por duas componentes: (1) a opção autoritária – entre várias respostas possíveis, o legislador
optou por consagrar aquela; (2) o fundamento normativo – a normatividade que se pretende realizar através da
norma. Só que a compreensão da “norma-problema” nestes termos convoca um terceiro momento.
c) Momento teleológico-sistemático
Como ficou já exposto, a norma jurídica é o resultado de duas componentes:
“Decisão” “Juízo”
» ato prescritivo que manifesta uma auctoritas imperativa » ato normativo-intencional da solução jurídica
Justificação: motivo-fim que determinou a opção do Justificação: fundamentos normativos (princípios) que
legislador – ratio legis se pretendem concretizar – ratio ius
Por um lado, juízo assimila normativo-juridicamente a decisão, já que os fundamentos concretizados nas normas foram
aqueles que autoritariamente se decidiu concretizar. Por outro lado, a decisão está limitada pelo próprio juízo, na
medida em que ela sempre haverá de se situar no horizonte da coerência dos fundamentos do sistema. Aliás, a
teleologia que vai inerente à norma (os fins que o legislador pretendeu prosseguir) poderá ceder perante os seus
fundamentos (os princípios e valores que se pretendem fazer valer).
De tudo o que foi dito resulta ser o momento nuclear da determinação do sentido da norma o “momento
problemático”: o “momento histórico” converge nele (só é chamado numa perspetiva problemática, e já não de forma
completamente autónoma como se verificava na teoria tradicional); e o “momento teleológico-sistemático” é por ele
exigido (a compreensão da norma enquanto problema implica a compreensão prévia dos fins e fundamentos que
estiveram na base da consagração daquela solução para aquele problema). Daí que, inclusive, entendam os autores

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jurisprudencialistas que a este etapa do método de realização do direito se deverá chamar “compreensão” da norma,
e já não tanto “interpretação”.
6. A questão-de-direito em concreto
Resolvido problema da seleção e da determinação do sentido normativo da norma aplicável (questão-de-direito em
abstrato) segue-se o problema do concreto juízo decisório (questão-de-direito em concreto). E neste momento duas
vias alternativas podem ser seguidas:
Questão-de-direito em abstrato
Foi ou não encontrada uma norma hipoteticamente aplicável ao caso (ou precedente, nos sistemas de Common Law)?
Sim Não
Questão-de-direito em concreto é resolvida por Questão-de-direito em concreto é resolvida por
mediação da norma aplicável autónoma constituição normativa
7. A questão-de-direito em concreto por mediação de uma norma
A compreensão da norma esquematizada traduziu-se fundamentalmente na assimilação do seu sentido problemático-
judicativo hipotético – traduziu-se na extração do problema típico pressuposto. No momento da questão-de-direito
em concreto, este sentido problemático-judicativo hipotético será experimentado em concreto. Esta experimentação
sub-divide-se, para efeitos expositivos, em três momentos:
1. Momento da relevância material; A estes três planos há quem acrescente um quarto – o momento dos
2. Momento teleológico; efeitos. No entanto, como veremos infra, Castanheira Neves, em linha com
3. Momento dos fundamentos. outras conceções jurisprudencialistas, recusa a sua autonomia.
7.1 O relevo normativo da relevância material do caso concreto
O primeiro passo será o de realizar um juízo de confrontação entre o âmbito de relevância material da norma-critério
e o âmbito de relevância material do caso decidendi. De facto, tanto a norma como o caso objetivam uma relevância
material, nos seguintes termos:
 Norma jurídica » pressuposição hipotético-material contida na norma (circunstâncias tipificadas em abstrato).
 Caso concreto » intenção problemático-normativa decorrente da realidade que o compõe (circunstâncias
concretas com relevo jurídico).
Da confrontação entre uma e outra podemos chegar a três conclusões:
a) Assimilação da relevância material do caso pela relevância material da norma;
b) Assimilação parcial da relevância material do caso pela relevância material da norma;
c) Não assimilação da relevância material do caso pela relevância material da norma.
Destas três conclusões decorrerão diferentes resultados. Ora veja-se:
a) Assimilação normativa da relevância
Estamos aqui no domínio em que a relevância material do caso concreto é assimilada pela norma. Noutros termos, as
circunstâncias do caso, com o problema específico que lhes vai subjacente, são integráveis no cômputo delimitado
pelas circunstâncias típicas previstas na norma, nas quais vai também pressuposto um problema típico.
Esta assimilação pode manifestar-se de três formas:
 Assimilação por concretização: na relevância hipotética da norma reconhecem-se todos os elementos
fundamentais da relevância concreta do caso, de tal forma que pode falar-se numa direta assimilação do caso
pela norma – estamos em face de uma relação de realidade (caso) para o seu tipo (norma).
Concretização da norma no caso concreto
 Assimilação por adaptação: na relevância hipotética da norma reconhecem-se todos os elementos
fundamentais da relevância concreta do caso, mas o caso apresenta ainda outros elementos, não assimilados
pela norma (que conferem ao caso individualidade). Podemos falar em:
 Assimilação por adaptação extensiva: a relevância material do caso tem um sentido intencional
nuclearmente assimilável à relevância material da norma, mas as circunstâncias juridicamente
relevantes do caso excedem o tipo de relevância previsto da norma.
[Ex.: o caso de um menor “deslocado” (os pais estão vivos mas não estão “disponíveis” para conceder a
autorização necessária aos atos da vida corrente do menor) – haverá que se aplicar o art. 127º/a) CC (não se
considerando nulos os atos praticados pelo menor só de per si) embora não estejam em causa atos de
administração de bens adquiridos por trabalho do menor, já que também aqui o menor se apoia sobre si próprio,
isto é, governa a sua própria vida autonomamente. ]
Adaptação extensiva da norma ao caso concreto

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 Assimilação por adaptação restritiva: a relevância material do caso tem um sentido intencional
nuclearmente assimilável à relevância material da norma, mas as circunstâncias juridicamente
relevantes do caso são mais restritas que as circunstâncias genericamente previstas na norma, de tal
forma que o caso se pode dizer uma modalidade restrita ou uma especificação do tipo.
[Ex.: as “relações jurídico-contratuais fácticas” gozam, em casos especiais, da aplicação do regime jurídico das
relações contratuais, apesar da ausência de uma verdadeira declaração negocial, em virtude de o seu caráter
especial as aproximar da relevância material das normas desse regime aplicáveis. ]
Adaptação restritiva da norma ao caso
NOTA: há que distinguir estes resultados de outros classicamente propugnados pela teoria tradicional:
Assimilação por adaptação extensiva/restritiva Interpretação extensiva/restritiva
= juízo juridicamente analógico entre a relevância = juízo de relacionamento entre a expressão verbal
material da norma e a relevância material do caso – (letra) e o pensamento normativo (espírito) da
juízo concreto norma – juízo abstrato
* Norma vs Caso * * Norma (corpus) vs Norma (mens) *
 Assimilação por correção: (1) a relevância material do caso concreto é atípica, em face da relevância material
da norma, e (2) a relevância material da norma mostra-se insuficiente ou incoerente normativo-juridicamente,
em relação à sua própria intenção problemática. Há aqui, portanto, um caso cuja relevância material é
fundamentalmente assimilada pela índole problemática da norma; todavia, essa índole problemática não
surge suficientemente concretizada na relevância material da norma, porquanto esta não integra os casos
atípicos como o caso concretamente em causa.
A assimilação por correção pode revestir dois tipos:
 Assimilação por correção sincrónica: a atipicidade relevante do caso é suscetível de referir-se ao
tempo da norma, pelo que poderia ter sido assimilada pelo legislador na prescrição da relevância
material dessa norma.
[Ex.: a determinação do domicílio de um funcionário público poderá ser, por exemplo, a localidade onde o
funcionário está em comissão prolongada (e já não a sua residência habitual ou sede do serviço onde
desempenha a sua função – art. 87º CC), já que nesse caso atípico ele está ausente tanto da sua residência
habitual como da sede do serviço mas isso não pode implicar a determinação de um domicílio que não seja o
verdadeiro (a sede do serviço e a residência habitual mantêm-se, é certo, mas verdadeiramente nenhum desses
locais é o domicílio do funcionário durante aquele período (prolongado).]
 Assimilação por correção diacrónica: a atipicidade relevante do caso decorre de uma alteração da
realidade histórico-social ou da situação pressuposta pela norma ao longo do tempo (há uma
modificação dos pressupostos constitutivos da normatividade jurídica da norma).
[NOTA: a alteração da realidade histórico-social, e consequentemente dos pressupostos da norma legal, poderá
ainda determinar uma correção da norma, não só ao nível da sua relevância material, como ao nível da sua
teleologia. Sobre este ponto, vide infra o momento seguinte.]
A assimilação por correção pode parecer, prima facie, confundível com a assimilação por adaptação, já que,
no fundo, também aqui se está a modificar a norma para a moldar à relevância material do caso. No entanto,
impõe-se afastar esta confusão, já que um e outro resultado não se confundem:
Adaptação Correção
» atribui-se à norma um sentido que consiste numa » atribui-se à norma um sentido que consiste na
adequação do seu teor verbal postergação do seu teor verbal
Se ao elemento gramatical fosse reconhecida a Se ao elemento gramatical fosse reconhecida a
relevância negativa que lhe atribuía a teoria relevância negativa que lhe atribuía a teoria
tradicional, estaríamos ainda dentro do campo dos tradicional, estaríamos já no campo dos “candidatos
“candidatos positivos” negativos/excluídos”
 Há coincidência entre alguns elementos da  Não há coincidência entre os elementos de
relevância material do caso e a relevância material relevância material do caso e os elementos de
da norma – adaptação extensiva – ou entre os relevância material da norma (apenas porque a
elementos da relevância material do caso e alguns norma está como que “desatualizada”), mas há
elementos da relevância material da norma – uma identidade ou analogia entre as índoles
adaptação restritiva. problemáticas do caso concreto e da norma.

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Maria Paixão Metodologia do Direito – 2017/2018
b) Não assimilação normativa da relevância
A assimilação da relevância material do caso pela relevância material da norma deixa de ser possível quando, em
virtude da alteração histórico-social verificada, a norma em causa é parcialmente obsoleta. A norma deixou, pois, de
ter campus na realidade social. Consequentemente, a norma deixa conseguir juridicizar a realidade, de tal forma que
ela não consegue a assimilação do caso, nem por adaptação, nem por correção. Nas palavras de Aroso Linhares: “a
norma foi superada pela sua própria realidade”.
Esta possibilidade de resultado desvela claramente a importância e autonomia de um concreto elemento da ordem
jurídica: a “realidade jurídica”. Este elemento tem uma consistência específica, sendo constituído em parte pelo direito
e em parte pelas circunstâncias histórico-sociais. A realidade jurídica autonomiza-se da pura normatividade e evolui
em termos distintos desta; mas evolui também autonomamente em relação à realidade estritamente sociológica, já
que nela concorrem uma dimensão jurídica.
[Ex.: uma norma que pressuponha a estrutura “patriarcal” da família (tanto como ela era concebida nos inícios do século passado)
deixa de ter um campo material de aplicação na realidade social, já que atualmente a família é reduzida à “pequena família”. O
mesmo pode dizer-se de normas de direito comercial que atendem à realidade histórico-social do tempo da elaboração do Código
Comercial (1888), pressupondo uma estrutura económica ou empresarial que, entretanto, deixou de existir. ]
7.2 O relevo normativo da intencionalidade teleológica da norma
Após o primeiro momento de consideração da relevância material da norma, em comparação com a relevância
material do caso, há agora que atentar na teleologia imanente à norma.
A normatividade jurídica da norma justifica, como visto, a assimilação das relevâncias concretamente problemáticas
– é essa normatividade que é assimilada, ou adaptada ou corrigida, em concreto, em relação ao específico caso
decidendo. Ora, essa normatividade jurídica não é estática, antes sendo reconstrutivamente dinamizada quando em
confronto com os problemas pressupostos pelos casos concretos. A própria problemática que vai pressuposta na
norma é desenvolvida e aprofundada em confronto com as problemáticas concretas inerentes aos vários casos
concretos. Mas este desenvolvimento e aprofundamento devem ser os permitidos pelo sentido fundamental da
norma, de tal forma que eles vêm explicitar, continuamente, esse mesmo sentido. E este sentido fundamental da
norma resulta da particular teleológica normativa da norma. Em suma: a normatividade da norma é o critério extraído
do juízo decisório que a norma constitui; mas o caso concreto que solicita esse juízo (essa normatividade) oferece-se,
na sua problematicidade jurídica única e irrepetível, como elemento de reponderação (recompreensão e
reconstituição) tanto daquela normatividade da norma (de forma mais imediata), como da problemática que lhe está
subjacente.
Esta reponderação é, desde logo, oferecida já pela anterior experiência jurisprudencial e pela reflexão doutrinal – no
seu conjunto, podemos falar do “direito dos juristas”:
 Experiência jurisprudencial anterior: é, em si mesma, uma especificação da normatividade das normas, enquanto
resultado da prévia realização do direito ou da compreensão das normas que se pretende(m) agora realizar. Esta
experimentação vai determinando, em concreto, a intencionalidade normativo-jurídica das normas, isto é, vai-se
compreendendo esta intencionalidade como critério decisório.
A reponderação da normatividade e da problemática da norma resulta, aqui, da casuística
experimentação do sentido fundamental da norma (da sua teleologia).
 Investigação e reflexão doutrinal: repercute-se na constituição de modelos dogmático-normativos que traduzem
um aprofundamento normativo e um especificante desenvolvimento da juridicidade.
A reponderação da normatividade e da problemática da norma resulta, aqui, da elaboração de
modelos dogmático-normativos respeitantes ao sentido fundamental das normas.
! Tudo o que ficou exposto reconduz-se, fundamentalmente, ao seguinte: no momento teleológico da questão-de-
direito em concreto o aplicador irá atentar na ratio legis da norma, isto é, no sentido fundamental (que é determinado
pela sua teleologia); esta consideração da ratio legis parte do problema concreto e implica, as mais das vezes, o recurso
a critérios auxiliares, sobretudo a experiência jurisprudencial e a reflexão doutrinal, indo culminar na reconstrução da
teleologia da norma em referência ao caso.
A determinação e especificação normativas que resultarão deste processo podem tomar múltiplas formas, as quais
podem ser o resultado de operações metodológicas típicas:
 Extensão teleológica: inclusão no âmbito da norma casos que ela em princípio não incluiria (que segundo os
cânones tradicionais da interpretação não seriam subsumíveis na norma).
A norma é o critério jurídico adequado ao caso, ainda que este seja por ela formalmente excluído

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 Redução teleológica: exclusão do âmbito da norma de casos que ela formalmente incluiria (que segundo os
cânones tradicionais da interpretação seriam subsumíveis na norma).
A norma não é o critério jurídico adequado ao caso, apesar este ser por ela formalmente incluído
Estas conclusões normativas são, tanto num caso como no outro, fundadas no sentido teleológico-normativo da
norma. O que o aplicador ou julgador conclui é que a consideração da norma “segundo os cânones tradicionais da
interpretação” determinaria resultados (de aplicação ou desaplicação da norma no caso concreto) que, embora
conformes com o valor hermenêutico da letra da lei, são contrários à sua teleologia, isto é, ao seu sentido normativo
fundamental. Assim sendo, a extensão e redução teleológicas só são possíveis se se atribuir à letra da lei (à “norma-
texto” tradicional) um mero valor indiciário, e já não a relevância negativa que a teoria da tradicional lhe reconhecia.
Sublinhe-se, neste contexto, que a extensão e redução teleológicas a que nos referimos não se confundem com outros
resultados atrás referidos no âmbito do momento da relevância material da norma:
Adaptação extensiva/restritiva Assimilação corretiva Extensão/redução teleológicas
» atribui-se à norma um sentido que » atribui-se à norma um sentido que » atribui-se à norma um sentido que
consiste numa adequação do seu consiste na postergação/sacrifício era formalmente excluído pelo seu
teor verbal do seu teor verbal teor verbal
 Coincidência parcial dos âmbitos da  Não coincidência entre o âmbito da  Exclusão ou inclusão (formal) do
norma e do caso; norma e o do caso; âmbito do caso no âmbito da
 Coincidência das índoles  Coincidência das índoles norma, pela própria norma.
problemáticas da norma e do caso. problemáticas da norma e do caso.  Similitude ou disparidade (material)
entre a teleologia da norma e o
âmbito do caso.
O sentido formal da norma é apenas O sentido formal da norma é O sentido formal da norma é
“moldado” (ajustado) “corrigido” (retificado) “sacrificado” (abandonado)
O exemplo que classicamente é utilizado para demostrar esta relevância que o elemento teleológico pode ter no
resultado da realização do direito é o seguinte:
[O nosso ordenamento jurídico prescreve a regra geral da proibição do negócio consigo mesmo – art. 261º CC. Para estes efeitos,
é proibido o negócio que o representante legal (A) de um menor (B) celebre consigo mesmo (A) em representação do menor (B).
Embora formalmente o negócio fosse celebrado entre A e B, verdadeiramente é A quem atua dos dois lados do negócio – de um
lado em nome próprio, e de outro em nome de B. Esta disposição visa, fundamentalmente, proteger os interesses do representado
contra o prejuízo que através deste tipo de negócios o representante lhe possa provocar em seu próprio benefício. Sucede, porém,
que podemos desvelar pelo menos uma situação que implica o sacrifício do teor formal da norma. Considere-se a hipótese de o
negócio em causa consistir numa doação, efetuada pelo representante (A) a favor do menor representado (B). Dúvidas não podem
restar de que estamos em face de um negócio jurídico (doação) celebrado entre alguém que é representante legal de outrem (A)
e a pessoa que este representa (B), de tal forma que encontramos o mesmo sujeito (A) dos dois lados do negócio – de um lado
como doador (em nome próprio), e do outro como donatário (em nome do representado). Consequentemente, este é um caso
indubitavelmente assimilado pelo art. 261º CC. Só que, ao aplicar-se este preceito, estar-se-ia a prejudicar o representado (B), já
que ficaria anulada a transmissão dos bens para o seu património. E isto seria, evidentemente, contrário aos seus interesses. Só
excluindo-se este caso do âmbito de aplicação do art. 261º CC se realiza a ratio dessa norma (proteger os interesses do
representado); a sua aplicação, ainda que formalmente adequada, é contrária à respetiva teleologia. Como se vê, não se trata
aqui de estender ou reduzir o âmbito material da norma, nem de corrigir esse âmbito com o intuito de o adequar à índole
problemática da norma. Verdadeiramente, o que há é a completa desconsideração do sentido formal da norma (de forma que, se
não fosse a justificação subjacente a este comportamento, estar-se-ia a violar o preceito legal), para permitir o cumprimento da
sua ratio em concreto.]
Observe-se, a título de nota final, que estes casos de extensão e redução teleológicas seriam remetidos, no contexto
da teoria tradicional da interpretação, para o domínio da analogia. Não sendo subsumíveis aos sentidos literais
possíveis da norma, ficariam fora do âmbito da sua interpretação, pelo que tais casos só poderiam referir-se à norma
através de uma sua aplicação analógica, determinada pela similitude verificada.
7.3 O relevo normativo dos fundamentos da validade sistemático-normativa
A determinação concretamente normativa das normas ou critérios jurídicos encontra a sua última possibilidade no
apelo a fundamentos regulativo-constitutivos do sistema. Não sendo determinado o sentido normativo a imputar à
norma nem através da comparação do seu âmbito material com o âmbito material do caso (momento da relevância
material), nem mediante a consideração da respetiva ratio (momento teleológico), haverá que proceder a essa
determinação com recurso aos fundamentos normativos do sistema – os princípios normativo-jurídicos.
Da consideração dos princípios poderão resultar, fundamentalmente, três tipos de conclusões:
 Consonância da solução obtida com a aplicação da norma com os princípios;

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 Incoerência entre a solução obtida com a aplicação da norma e os princípios;
 Contradição entre solução ao obtida com a aplicação da norma e os princípios.
Destas conclusões decorreram resultados distintos. Ora veja-se:
a) Incoerência da solução obtida com os princípios
Verificando-se que a solução obtida in casu com a assimilação da norma é incoerente (mas não contraditória) com os
princípios, haverá que se proceder a uma sua interpretação conforme os princípios. Portanto, a norma será
compreendida nos termos da sua ratio ius (segundo os fundamentos normativos que lhe subjazem) e
subsequentemente concretizada em concreto.
Note-se que este momento não tem que se seguir aos outros momentos referidos (momento de relevância material
e momento teleológico), já que o quadro que estamos aqui a delimitar não é um quadro estanque de etapas que se
seguem umas às outras, mas antes um processo unitário em que todos estes momentos são simultâneos e
codeterminantes entre si. E isto aplica-se, mutatis mutandis, a qualquer momento dos enunciados e a qualquer
resultado referenciado, supra e infra. Assim como não podemos dizer que o aplicador atenta num momento na
questão-de-facto, noutro na questão-de-direito em abstrato e noutro ainda na questão-de-direito em concreto,
também não podemos dizer que os vários “momentos” que a questão-de-direito em concreto abarca são considerados
autonomamente e por qualquer ordem cronológica ou lógica. Todos estes momentos são partes de um processo
unitário que não decorre numa qualquer ordem particular.
As hipóteses de incoerência entre a solução obtida pela concretização da norma e os princípios que a fundamentam
podem ainda convocar uma outra solução: a correção conforme os princípios: integram-se aqui as situações em que
os princípios que vão pressupostos na norma têm um sentido diverso do intencionado nessa norma, quando referida
ao caso concreto decidendo. Estamos, então, perante uma pressuposição normativa falhada – a norma não é
abertamente contrária aos princípios que concorrem na sua ratio ius; ela é, isso sim, insuficiente ou errada para a
realização desses princípios (no caso concreto). Não se coloca aqui um problema de contradição entre normas, mas
antes um problema de contradição entre a norma e o seu fundamento, uma contradição que se revela na imanência
da normatividade que constitui a norma (na sua ratio ius) Porque assim é, impor-se-á a sua correção (retificação ou
emenda), de modo a torná-la consonante com os respetivos fundamentos.
Podemos distinguir, a este respeito, dois tipos de correções:
 Correção sincrónica: a correção é necessária porque os princípios foram assumidos pela norma num sentido
errado, embora pudessem ter sido corretamente assimilados nas normas ao tempo da sua elaboração.
 Correção diacrónica: a correção é necessária porque os princípios, apesar de corretamente assumidos pela
norma ao tempo da sua elaboração, sofreram uma alteração, sendo no tempo histórico-social atual
compreendidos de forma diversa da que eram no momento daquela elaboração normativa.
[NOTA: não estamos aqui no domínio das designadas “leis injustas”, em que as normas jurídicas se mostram contrárias
aos princípio logo em abstrato. Ao invés, o que se verifica é a frustração dos princípios em concreto, apesar de em
abstrato a norma os realizar devidamente. O problema das “leis injustas” não é um problema metodológico, mas antes
um problema sistemático ou intrasistemático (é posto em causa o próprio Estado de Direito). Já a questão da
contradição entre a solução decorrente da norma e o princípio que constitui fundamento dessa norma constitui um
problema metodológico, cuja resolução passará, exatamente, pela correção da solução obtida, de forma a torná-la
conforme com os princípios.]
b) Contradição entre a solução obtida e os princípios
Integram-se aqui as situações em que a norma, mais do que referir errada ou insuficiente os princípios que a devem
fundamentar, os afronta diretamente. Verifica-se aqui um déficit essencial de fundamentação da validade normativa;
a expressão decisória da norma é diretamente incompatível com os princípios que a sua específica intencionalidade
normativa não podia deixar de considerar. Em casos de tal contradição direta e aberta, a preferência irá,
indubitavelmente, para os princípios-fundamentos, o que se traduzirá, as mais das vezes, na preferência da ratio ius
perante a ratio legis.
A este respeito, poderia opor-se a segurança jurídica a esta relevância atribuída à validade material (à “justiça” de per
si): só a forma objetivo-formalmente prescrita (o teor verbal da lei) garante a segurança jurídica; invocar os princípios
como fundamento de decisão concreta, designadamente para efeitos de afastamento teor verbal da norma, suscita
evidentes problemas ao nível da segurança do comércio jurídico. Ademais, também neste sentido poderia invocar-se
a preferência pela legitimidade (político-jurídica) sobre a validade sistemática. Aliá, diga-se, é com base neste tipo de
considerações que diversas correntes metodológicas recusam, por completo, os resultados que veremos de seguida e

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que, na nossa perspetiva, têm de ser chamados em caso de contradição entre a solução obtida e os princípios. E é
límpido, mesmo para quem, como nós, propugna a legitimidade das soluções que veremos infra, que esta é uma
questão de particular melindre. Todavia, entendemos que os casos que ora nos ocupam devem ser solucionados, e
não desconsiderados em prol de um ponto de vista formal, porque:
 No quadro da axiologia fundamental do direito, a “segurança” não pode prevalecer no caso de uma
contradição insanável com a “justiça”;
 No quadro da material juridicidade do sistema normativo-jurídico, a legitimidade política não pode afastar ou
preterir a validade normativa – se é verdade que cabe à legitimidade política optar entre as várias
possibilidades da positiva determinação prescritiva, segundo a teleologia político-jurídica (é aqui que entra o
momento de “decisão”), não é menos verdade que essa decisão tem necessariamente que operar no campo
definido pela validade axiológico-normativa (estamos já aqui no contexto do momento do “juízo”).
Deste modo, entendemos serem prescrições arbitrárias as normas legais que venham violar os limites normativos de
validade decorrentes do próprio sistema jurídico. Daqui resulta que as decisões judicativas a serem tomadas com
preterição das normais legais (contraditórias da validade normativo-jurídica) mas com consonância com os
fundamentos de validade dos sistema serão decisões contra legem, mas não obstante secundum ius.
A este respeito, somos ainda remetidos para um último ponto: o problema político-constitucional que poderia
também suscitar-se. A judicativa decisão concreta que preteria o critério da norma legalmente prescrita coloca o
problema do confronto da legitimidade decisória com a legitimidade prescritiva. Pawlowski distingue, neste domínio:
 Normas com “função normativa” estrita: preceitos que assumem a função de declarar, em termos
normativamente precisos e universais, o direito pressuposto, com o escopo de realizar a justiça de igualdade;
Vinculação dogmática
O julgador pode dela libertar-se com fundamento num “melhor conhecimento” do direito e numa melhor
realização do fim da justiça de igualdade
 Normas com “função de melhoramento” do direito positivo: preceitos que assumem uma função político-
social, mobilizando para tal conhecimentos extra-jurídicos.
Vinculação jurídica
O julgador não pode subtrair-se a esta vinculação porque não domina os mesmos conhecimentos político-
sociais que justificam as inovações legislativas teleológicas.
Esta distinção parece-nos, contudo, duvidosa e, em específico do contexto das contradições entre as normas e os
respetivos fundamentos, até irrazoável.
Centremo-nos agora nos tipos de resultados que poderão advir de situações de contradição entre a solução obtida
com a aplicação da norma e os princípios-fundamentos que estão na génese dessa norma:
 Preterição da norma: a preterição da noma constituirá o resultado a alcançar em hipóteses de contradição
sincrónica, isto é, nos casos em que, ao tempo da elaboração da norma, os princípios jurídicos em causa já
eram compreendidos nos termos em que o são atualmente, pelo que a norma sempre poderia ter sido
elaborada de forma consoante e coerente (e não contraditória) com os respetivos fundamentos de validade;
 Superação da norma: a superação da norma decorrerá da verificação de uma contradição diacrónica entre a
norma e os princípios, ou seja, nos casos em que, devido a uma mutação ou evolução do sistema, os seus
princípios constitutivo-materiais sofreram uma alteração, a qual veio implicar a desadequação da norma em
relação à nova compreensão desses princípios.
É nesta sede que surge a questão dos “limites normativos temporais” das normas: as normas não
acompanharam a evolução na validade normativa do sistema (não foram substituídas, antes continuando
formalmente em vigor), estando por isso “caducas” (no sentido lato da palavra).
7.3.1 A interpretação conforme a Constituição
Este cânone hermenêutico teve a sua origem numa intenção de preservação das normas legais no quadro da
constitucionalidade, portanto de exclusão da sua inconstitucionalidade. Deste modo, dentre as possíveis significações
jurídicas que as normas legais admitissem segundo o método comum da interpretação jurídica, dever-se-ia dar
preferência à significação conforme ou compatível com a Constituição. Dessa intenção inicial passou-se, porém, a um
entendimento do mesmo cânone no sentido de ver nele uma exigência de compreensão e determinação
hermenêutico-normativas das normas legais que as integrasse hierárquico-sistematicamente no todo do sistema
jurídico. Este entendimento assume, então, um sentido análogo à já referida “interpretação conforme os princípios”.
Só que aqui a interpretação conforme a constituição não deveria iludir a inconstitucionalidade das normas legais,

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imputando-lhes uma significação compatível com a Constituição. Para Castanheira Neves, todavia, esta conclusão não
é necessária. Entende o autor que haverá efetivamente lugar a uma interpretação conforme à Constituição que
recupere nas normas legais a constitucionalidade falhada, a qual ia na sua normativa intenção. A anulação por
inconstitucionalidade ficaria reservada para os casos de objetiva contradição (de uma verdadeira “rebeldia”), não
sendo aplicável nos casos em que a falha normativa que determina a inconstitucionalidade é superável.
7.4 O relevo normativo dos resultado da decisão (dos efeitos)
O esquema metódico que temos vindo a expor postula uma racionalidade normativa de fundamentação, e não uma
racionalidade político-social de índole consequencial. Como nos diz Castanheira Neves:
“o concreto juízo decisório deverá encontrar a sua validade nos fundamentos normativo-jurídicos que
convoque e assimile, [e] não a sua justificação nos efeitos político-sociais que se proponha ou realize”.
Ora, a aceitação metodológica da perspetiva fundamentalmente finalístico-consequencial, em que os efeitos seriam
os critérios de resolução ou em que se aceitaria como topos decisivo o da aplicação do direito orientada pelos
“efeitos”, traduzir-se na conversão do pensamento jurídico numa “engenharia social” e na conversão da ciência
jurídica numa “ciência social”. Vêm nesta linha as conceções teleotecnológicas que autores como Hans Albert.
No que nos diz respeito, recusamos ser esta a única alternativa à aplicação formal-dedutiva do direito associada ao
Método Jurídico. Recusamos, então, a radical alternativa normativismo/funcionalismo, perfilhando, num plano quase
que “intermédio”, uma conceção jurisprudencialista.
Ainda que assim seja, sempre haverá que perguntar: o concreto resultado social da decisão (a consequência social da
decisão) deverá ou não considerar-se como fator metodológico a ter em conta no sentido final da decisão? Por outras
palavras: os efeitos sociais da decisão judicativa serão um cânone metodológico autónomo por que se deverá orientar
também o juízo normativo decisório? Em suma, pretende saber-se se, além de normativamente fundamentada em
referência ao sistema da normatividade jurídica vigente e materialmente justa em referência à sua específica
problematicidade concreta, a decisão deverá ainda ser socialmente justificada em referência aos seus previsíveis
resultados no contexto social. A resposta a esta questão tende a ser positiva, mas em sentidos variadíssimos. Porque
assim é, será proveitoso, antes de mais, atentar na caraterização de metodológica deste suposto novo cânone.
Desde logo, é de referir que ele tratar-se-ia de um novo cânone ou critério de decisão, que surgiria num momento a
acrescentar aos já referidos momento da relevância material, momento teleológico e momento dos fundamentos.
Neste momento haveria, então, que ponderar os efeitos da concretização da norma. E, refira-se, não falamos aqui dos
efeitos correlativos à teleologia da norma (para estes o momento de ponderação é o momento teleológico), mas sim
dos efeitos sociais que a decisão concreta irá desencadear. Isto é, não estamos aqui a lidar com os efeitos jurídicos
que se pretendem cumprir com a norma jurídica (caímos aqui no domínio da teleologia da norma), mas antes com os
efeitos sociais que resultarão do facto de a decisão jurídico-judicativa concreta se orientar neste ou naquele sentido,
do facto de o conteúdo dessa decisão ser um ou outro. [Ex.: de uma ação civil condenatória (por ex. de pagamento de uma
dívida) que afete gravemente o réu (com poucos recursos económicos) resultarão eventualmente efeitos patrimoniais que
afetarão todo o agregado familiar do devedor; de uma ação de insolvência movida contra uma grande sociedade comercial com
peso substancial no mercado resultarão efeitos nefastos para os milhares de trabalhadores (em decorrência da decisão
despedidos) e, consequentemente, para os respetivos agregados familiares; etc.]
Efeitos teleológicos Efeitos sociais
» efeitos, internos e jurídicos, implicados pela » efeitos, externos e reais, implicados pelas
teleológica imanente à norma consequências suscitadas pela decisão concreto
[Ex.: efeito de validade da doação do representante legal ao [Ex.: efeito de tirar a habitação a alguém sem recursos
representado, em virtude da desconsideração da regra económicos em decorrência de uma decisão de procedência
formal da proibição do negócio consigo mesmo] da ação de despejo em que esse sujeito está envolvido]
Desta definição resulta, evidentemente, que enquanto os efeitos jurídicos se determinam no quadro da determinação
normativa, isto é, pela própria interpretação e concretização das normas, já os efeitos sociais/reais solicitam uma
determinação empírica, exigindo juízos de prognose empírico-social.
Quanto à função metódica deste cânone, ela tem sido pensada em três sentido diferentes:
1. Função crítica: o reconhecimento dos efeitos ou consequências manifestamente indesejáveis ou gravemente
negativas desempenharia uma função de alarme quanto à justeza da decisão;
2. Função seletiva: a consideração dos efeitos seria chamada a decidir, dentre as possíveis alternativas de
interpretação (admitidas pela hermenêutica tradicional), a favor daquela que produzisse os melhores efeitos
reais, ou aquela cujos efeitos teriam “mais alto grau de desejabilidade”;

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3. Função reconstrutiva: a ponderação dos efeitos viria determinar globalmente a intencionalidade metodológica
da decisão jurídica concreta – aqui estar-se-ia a propugnar um modelo científico-tecnológico de racionalidade.
Não é, todavia, pacífica a aceitação deste novo critério ou cânone metodológico. Vejam-se, então, os argumentos
invocados a favor e contra a sua aceitação:
Argumentos a favor Argumentos contra
 Este cânone vai na linha da orientação material,  Este cânone poria em risco a autonomia dogmática do
teleológica e social de tutela de bens jurídicos (em sistema jurídico, já que traduzia a confusão entre o
oposição superadora do formalismo positivista); estrato das normas legais (criação político-legislativa do
 Este cânone concorre para a lucidez e correto direito) e o estrato das decisões jurisprudenciais
esclarecimento das decisões jurídicas (por permitir a (realização judicativa do direito);
indispensável consideração da sua relevância social);  Este cânone é incompatível com a vinculação à lei
 Este cânone seria fator de anulação do tradicional (e postulada pelos Estados de legalidade
falso) alibi da irresponsabilidade do julgador na concreta constitucionalmente democrática (os efeitos da decisão
realização do direito – chama o julgador à consciente e sobrepôr-se-iam à sua vinculação legal);
assumida responsabilidade pelo seu poder socialmente  Este cânone atenta de modo inaceitável contra a certeza
interventor. do direito, já que os efeitos sociais são extremamente
 Este cânone é indispensável atento o atualmente variáveis;
reconhecido poder normativo-juridicamente criador do  Esta cânone sacrifica, pela oportunidade de
juiz (o qual assemelha a realização judicial do direito à determinação da decisão pelos efeitos por ela suscitado
sua criação político-legislativa); in casu, o princípio da igualdade;
 Este cânone vem subtrair à realização concreta do  Este cânone, implicando também a consideração dos
direito, indubitavelmente convocadora de “juízos do “efeitos dos efeitos” e dos “efeitos secundários”, exige
valor” do julgador, a irracionalidade emotiva que as informações e prognoses globais de que o juiz não
valorações subjetivas do julgado acarretariam. dispõe;
 Este cânone acarreta (em vez de os eliminar) “juízos de
valor” subjetivos, já que os efeitos sociais concretos são
avaliados segundo a sua “desejabilidade” (entra aqui
uma opção do julgador entre efeitos)
Perante esta discussão, em que os argumentos pro e contra em grande medida se compensam, se não reversivelmente
se anulam, damo-nos conta que também aqui o que está verdadeiramente em causa continua a ser a alternativa entre
normativismo e funcionalismo – entre um modelo normativo e um modelo tecnológico.
Entre nós o que se entende é que, no domínio jurídico, o modelo normativo sempre terá que prevalecer sobre um
modelo tecnológico, posto que aquele modelo normativo haverá que se referir, axiológico-normativamente, a uma
validade. E contrariamente a quem entende que o modelo normativo deveria admitir ser complementarmente
integrado e corretivamente modificado, ao nível da decisão concreta, pelo critério dos possíveis resultados dessa
decisão já que os critérios normativos, só de per si, não logram uma rigorosa determinação decisória, deixando espaço
para várias decisões possíveis, entendemos que, atualmente, a indeterminação-alternativa decisória não é um
resultado metódico necessário. De facto, embora o modelo metódico que tem vindo a ser constituído pelos
desenvolvimentos metodológicos do nosso tempo não imponha conclusões únicas/necessárias, permite já concluir
que a indeterminação ou alternativa decisória não é hoje um resultado metódico necessário (cuja resolução
dependeria da consideração dos efeitos). Efetivamente, a decisão judicativa concreta, embora não exclua outras, é
determinada e justificada pelo e no juízo que problemático-especificamente a constitui, de tal forma que para um
concreto caso irrepetível haverá somente uma decisão (a mais justa) aplicável. Dito isto, a única relevância que
consideramos ser suscetível de vingar nesta sede é a seguinte: o julgador, ao decidir, deve procurar que as
consequências normativo-concretas da sua judicativo-decisória realização do direito não infirmem, mas confirmem
concreto-realmente, o autêntico sentido da axiologia e da normatividade que determinaram a decisão. Pretende-se,
então, uma fundamentação normativa material que garanta a consonância prática entre os fundamentos invocados e
o conteúdo normativo-concreto da sua realização. Não se trata aqui de considerar os efeitos da decisão como
verdadeiro cânone metodológico, a par da relevância material, da teleológica e dos fundamentos de valoração, que
permitiria ao julgador “escolher” dentre uma das soluções possíveis ao abrigo daqueles outros cânones.
Verdadeiramente, trata-se de um elemento que vem pressuposto nos efetivos cânones metodológicos,
designadamente no domínio da problematização da concreta justeza material do caso. Os autores jurisprudencialistas
propugnam, como ficou já referido, pela não autonomização deste cânone, vendo nele algo como que subjacente
esquema metódico no seu todo, que não deverá ser autonomizado como critério final de decisão. Com Fikentscher:
“A consideração daquele resultado [dos efeitos] não é um critério, mas o próprio objetivo e o sentido da
metodológica realização do direito”.

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