Professional Documents
Culture Documents
Ecologia Aplicada
Edir E. Arioli
2022
0
Evolução da vida na Terra
Fonte: slideplayer.com.br
As divisões do tempo geológico utilizadas neste texto são éon, era e período.
O éon é o maior intervalo de tempo conhecido, que pode ou não ser
subdividido em eras e períodos, dependendo da riqueza de registros fósseis
ou tectônicos disponíveis. A era é a subdivisão de um éon, definida pela
2
configuração de continentes e oceanos sobre a crosta terrestre e,
consequentemente, pelo grau de evolução da vida no planeta. O período é
uma subdivisão da era, feita exclusivamente em função do grau de evolução
da vida, a partir dos registros fósseis analisados.
A definição dos períodos geológicos passa por revisão contínua e envolve
controvérsias principalmente nas unidades carentes de conteúdo fóssil,
essencial para a datação e a correlação estratigráfica internacional. Por isto,
o termo era é usado também para designar genericamente qualquer
intervalo do tempo geológico. Este critério é adotado ocasionalmente nesta
obra, em trechos sem compromisso com a definição precisa da unidade
mencionada.
3
oscilações do nível do mar que favorecem a migração dos organismos de
um ambiente para outro, fenômeno crucial para a diversificação da vida.
A presença de um núcleo metálico capaz de gerar um campo magnético,
que atua como um escudo protetor contra radiações cósmicas, também foi
fundamental para a evolução da vida. Da mesma forma, a movimentação do
manto abaixo da crosta terrestre promove o vulcanismo, as atividades
tectônicas e a migração dos continentes. O vulcanismo foi muito
importante para o surgimento da vida, uma vez que suas emissões gasosas
forneceram nutrientes que podem ter sido utilizados pelos primeiros
organismos unicelulares. Basta ver que os terrenos vulcânicos atuais
constituem terrenos férteis por excelência, em todo o mundo. Os vulcões
ainda, por emitirem grandes quantidades de CO2, ajudam na manutenção
das condições climáticas do planeta e auxiliam na reciclagem do carbono
que é, então, utilizado pelos organismos vivos em seus processos
metabólicos. Esse conjunto de condições incrivelmente raras no sistema
solar permitiu que a vida surgisse em nosso planeta a partir de moléculas
orgânicas simples.
Fonte: terra.com.br
4
4,0 Ba - Surgem as moléculas e células orgânicas
Os primeiros 400 milhões de anos foram inóspitos para a vida que
conhecemos: temperaturas de mais de 200ºC mantinham a superfície em
estado líquido e gases vulcânicos eram continuamente lançados na
atmosfera. À medida que a Terra foi esfriando, a crosta solidificou-se
gradualmente e a temperatura permitiu a precipitação de água líquida na
superfície. Assim se formaram os primeiros oceanos, ainda na forma de
lagos entremeados a placas descontínuas de crosta cristalina, precursoras
dos continentes primitivos. Tudo isso aconteceu durante o éon Arqueano.
Durante este período, moléculas compostas por carbono agregaram-se e
deram origem aos ingredientes que foram essenciais para o
desenvolvimento dos seres vivos. Essas substâncias foram herdadas da
nebulosa que deu origem ao sistema solar, de modo que devemos a ela a
nossa existência.
As moléculas orgânicas sofreram reações químicas catalisadas pela
radiação ultravioleta, uma vez que ainda não existia a proteção da camada
de ozônio. Essas reações resultaram em substâncias mais complexas,
compostas especialmente por carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e
enxofre, combinados na forma dos gases carbônico e sulfídrico, metano,
vapor d’água e amônia. É possível imaginar que a atmosfera terrestre não
era respirável para os seres vivos que conhecemos hoje.
Uma questão importante ao se discutir a origem da vida é como as
moléculas orgânicas formaram a primeira célula viva, capaz de carregar
uma informação genética e se reproduzir. Para explicar o grande salto de
um mundo essencialmente químico para um mundo biológico, é preciso
entender como uma molécula de ácido nucleico passou a desempenhar a
função de guardar uma informação para ser transmitida às gerações
seguintes. Os processos responsáveis por esta inovação fisiológica
ocorreram no início do éon Arqueano, há 4 Ba. Eles viabilizaram o
surgimento dos primeiros seres vivos propriamente ditos, dotados de
estruturas cada vez mais adaptadas à sobrevivência em cada ambiente
específico.
5
NH3
H2O
H2S
CO2
CH4
Fonte: sitewater.ru
Outro passo importante para a formação das primeiras células vivas foi o
surgimento da compartimentalização. Todas as células possuem uma
membrana externa composta essencialmente de fosfolipídios, gorduras
cujas moléculas têm uma cabeça com afinidade por água e uma cauda que
repele a água. Esta bipolaridade cria uma permeabilidade seletiva que
garante a proteção do conteúdo citoplasmático.
Assim, a compartimentalização gera uma delimitação física que auxilia a
concentração de moléculas no interior das membranas, facilitando as suas
interações químicas. Além disso, a permeabilidade seletiva da membrana
plasmática torna a concentração química no interior celular diferente da
concentração do meio. Essa característica é fundamental para a formação
dos gradientes eletroquímicos responsáveis pela geração de energia na
célula.
Compartimentos lipídicos são facilmente formados de forma espontânea e,
provavelmente na Terra primitiva, quando formados, acabaram
encapsulando moléculas orgânicas e alguns constituintes que deram origem
às primeiras formas de metabolismo e fisiologia celular. A capacidade de
um organismo hospedar moléculas e células externas capazes de exercer
6
funções celulares constituiu uma inovação fantástica na evolução da vida.
Ela leva o nome de endossimbiose.
Fonte: thebulletin.be
7
Fonte: wikiwand.com
8
2,8 Ba - Surgem as células com fotossíntese
Uma inovação fundamental para o futuro da biosfera foi a capacidade de
algumas células vegetais para realizar a fotossíntese, absorvendo gás
carbônico do ar e água do solo, do ar e do meio aquoso, processá-los para
sintetizar substâncias orgânicas e devolver oxigênio livre à atmosfera. Essa
função, que raros animais realizam, foi crucial para a geração do ambiente
favorável ao desenvolvimento da vida animal e para a preservação da nossa
própria existência atualmente.
O surgimento da fotossíntese, há 2,8 Ba, levou ao enriquecimento da
atmosfera em oxigênio. A evolução das células eucariotas foi acelerada
quando começaram a usar o oxigênio no seu metabolismo. A evidência
mais antiga de eucariotas complexos dotados de organelas, data de 1,85 Ba.
Mais tarde, por volta de 1,7 Ba, começaram a aparecer organismos
multicelulares, com células diferenciadas a realizar funções especializadas.
Os responsáveis por este evento, chamado de a grande oxigenação, foram
os procariontes denominados cianobactérias, que realizavam fotossíntese e
como produto, exalavam altas concentrações de oxigênio na atmosfera. O
oxigênio é extremamente tóxico para as células e os organismos que não
possuíam as estruturas necessárias para metabolizá-lo foram extintos.
Alguns procariontes que não conseguiam metabolizar o oxigênio adotaram
uma estratégia que iria alterar o rumo de toda a diversidade de vida na
Terra. Eles englobaram em suas células uma bactéria capaz de processar o
oxigênio tóxico para eles. E em troca, ofereciam abrigo e proteção para esta
bactéria. Este evento revolucionário na história evolutiva da vida deu
origem aos primeiros organismos eucariontes do planeta, isto é, os
formados por moléculas com núcleo.
9
Os organismos, nessa fase da Terra, viviam em ambientes de águas rasas
continentais.
Os organismos eucariontes são fisiologicamente mais sofisticados do que os
procariontes. As estruturas internas das células eucariotas, desenvolvidas
por endossimbiose, criaram funções mais avançadas, adquirindo algumas
vantagens evolutivas: reprodução por meio de processos mais seguros do
que a bipartição simples, transmissão mais eficiente do material genético,
geração de descendentes mais diferenciados, estrutura interna mais
robusta, maior resistência contra agentes externos químicos e biológicos,
entre outras.
Uma questão de nomenclatura: observe que as células eucariotas definem
os organismos eucariontes. Não se trata de sinônimos, portanto, mas de
níveis diferentes de organização respeitados pela nomenclatura. As células
eucariotas formam tecidos, os tecidos formam órgãos, os órgãos formam
sistemas e os sistemas formam organismos eucariontes.
Esta inovação fisiológica trouxe uma vantagem evolutiva adicional às
células eucariotas: elas se tornaram aeróbicas, isto é, passaram a respirar
oxigênio, adquirindo maior aproveitamento da energia produzida no
processo respiratório. Outras passaram a converter substâncias inorgânicas
em orgânicas, realizando os processos de quimiossíntese, fermentação e
posteriormente fotossíntese (tornando-se autotróficos). Finalmente, os
organismos eucariontes passaram a realizar o processo da fotossíntese, sem
a qual a atmosfera não seria respirável e nós não existiríamos.
11
541 Ma - Aumenta explosivamente a fauna terrestre
A maior transformação operada na evolução dos modernos grupos animais
foi a denominada explosão cambriana, que se iniciou há 541 Ma. O rápido
desenvolvimento de organismos com esqueleto complexo e um incremento
nas taxas de evolução resultaram no aparecimento de grande parte dos
ramos mais importantes da fauna terrestre. Esta explosão de vida,
responsável pela configuração atual da biodiversidade na Terra, estendeu-
se por mais ou menos 80 Ma. O clima ameno em todo o planeta parece ter
impulsionado este processo, mas não incluiu a vegetação exuberante dos
períodos mais recentes da era Paleozoica.
Por mais estranho que pareça, o surgimento dos animais predadores
também representou um fator decisivo para o aumento explosivo da
biodiversidade no período Cambriano. A predação animal induz
aperfeiçoamentos nos organismos. Os predadores precisam tornar-se mais
eficientes e robustos para a captura mais fácil das presas. As presas, por sua
vez, precisam tornar-se mais eficientes e robustas para enfrentarem e, de
preferência, fugirem dos predadores. Tanto a eficiência quanto a robustez
envolvem inovações fisiológicas típicas: aumento de tamanho, aquisição de
armas de caça e escudos protetores especializados (garras afiadas,
mandíbulas muito fortes, dentes reforçados, esqueletos robustos, carapaças
endurecidas), desenvolvimento de sentidos aguçados e adaptados às
condições ambientais (visão noturna, audição poderosa, olfato muito
sensível), agilidade, capacidade de agir em grupo e assim por diante.
Com a atmosfera cambriana particularmente rica em oxigênio, estas
inovações foram potencializadas pela diversificação e proliferação de
espécies animais, em escala nunca vista no planeta desde a sua criação.
12
Ecologicamente, os cordados estão entre os animais mais facilmente
adaptáveis e são capazes de ocupar a maioria dos habitats existentes. O
grupo abrange animais adaptados para a vida na água, na terra e no ar. Esta
versatilidade ecológica permitiu que os cordados se propagassem
rapidamente a partir dos tempos cambrianos, diversificando-se e gerando
praticamente todas as formas de vida superior que habitam a Terra
atualmente.
O período Cambriano representou, portanto, a era dourada da vida animal,
em termos de diversificação e proliferação nas águas e terras do nosso
planeta. Os fundos dos oceanos povoaram-se de trilobitas, artrópodes
peculiares parecidos com tatuzinhos de 3-10 cm de comprimento,
excepcionalmente 80 cm. Eles foram os pioneiros na aquisição de olhos
complexos e uma visão acurada, e dominaram os mares até o final do
Permiano, isto é, reinaram por respeitáveis 280 Ma.
Fonte: TVI24
13
Fonte: Reinhard Dirscherl
14
445 Ma - Primeira extinção em massa
A definição exata de uma extinção em massa é arbitrária, mas podemos
definir como um evento responsável pela redução da biodiversidade por
meio do extermínio excepcionalmente alto de vários grupos de organismos.
Em outras palavras, ela provoca uma redução acentuada na diversidade e
abundância da vida. Essa perda de diversidade ocorre quando a taxa de
extinção é maior que a taxa de reprodução. Trata-se de um evento
relativamente comum no registro geológico, mas alguns eventos de
extinção particularmente violentos vitimaram mais de metade das formas
de vida na Terra.
A primeira grande extinção ocorreu no período Ordoviciano e exterminou
entre 60% e 70% das espécies do planeta, devido à ocorrência de um
período glacial. A era do gelo ordoviciana resultou provavelmente de uma
erupção de raios gama que atingiu a Terra, alterando a atmosfera, que
passou a deixar passar os raios ultravioleta, e provocando o resfriamento
extremo do planeta. O congelamento da maior parte da água dos oceanos
afetou os organismos marinhos, como trilobitas, moluscos, cefalópodes
primitivos e peixes sem mandíbula.
15
das mandíbulas articuladas e reforçadas deu-lhes grande vantagem como
predadores aquáticos, como já mostravam os tubarões e placodermos.
Em terra firme, os artrópodes (centopeias, escorpiões) e anfíbios eram os
animais mais abundantes, enquanto as plantas e os arbustos dominavam a
flora e formavam as primeiras florestas com árvores de até 20 m de altura.
A ausência de animais herbívoros permitiu que as florestas se espalhassem
pelos continentes de forma inédita, absorvendo gás carbônico e exalando
oxigênio em volumes planetários, literalmente. Esta oxigenação da
atmosfera foi responsável pelo desenvolvimento da fauna gigantesca do
final do Paleozóico, devoradora voraz das plantas que criaram as condições
para a sua própria evolução.
Fonte: spinops.blogger
Fonte: mundo-animal.fandom.com
19
mais abundantes os animais polinizadores, principalmente pássaros e
insetos. Os dinossauros continuaram dominando os desertos e florestas,
enquanto os pterossauros cruzavam os ares com asas de até 10 m de
envergadura.
Fonte: iStock.com
21
A inteligência é a principal distinção entre o ser humano e os outros
animais.
Admite-se que a inteligência racional desenvolveu-se para atender às
necessidades do homem primitivo diante dos predadores holocênicos.
Pequeno e fraco, sem as presas do tigre dente-de-sabre ou a velocidade do
bisão, o nosso ancestral precisou adquirir a capacidade de planejar
atividades de caça e agir em grupo para enfrentar os perigos da natureza
hostil e ameaçadora. Isto exigiu agilidade mental e habilidades de
comunicação superiores tanto aos predadores quanto aos inimigos da
mesma espécie. Neste sentido, nada mudou até os nossos dias de vida
urbana e civilizada.
Referências
Marshall, M. Timeline: the evolution of life. New Scientist, 2009.
22
Mojzsis, S.J. Life and the evolution of the Earth’s atmosphere. Boulder,
University of Colorado, 2018.
USGS. Geologic Time: Age of the Earth. Department of Interior, United
States Geologic Survey, 2007.
23
Títulos do mesmo autor disponíveis na plataforma Scribd
Sobre o Autor
Edir E. Arioli é geólogo pela UFRGS (1969), doutor em Geologia pela UFPR (2008),
especialista em Gestão Tecnológica (1990) e Engenharia da Qualidade (1991). Produz
materiais paradidáticos para uso de professores e estudantes de Ciências da
Natureza. Email: earioli@yahoo.com.br
24