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RESUMO. A leishmaniose visceral canina (LVC) é diovascular. Por essa razão, utilizou-se 43 animais
uma doença de caráter crônico, endêmica e mul- soropositivos para Leishmania com o objetivo de
tissistêmica, além de uma zoonose. O cão infec- identificar as alterações macro e microscópicas do
tado pode desenvolver sintomatologia variada, miocárdio e relacioná-las com os níveis da enzi-
afetando vários sistemas, inclusive o sistema car- ma creatinoquinase (CK) total e a isoenzima CK-
-MB no soro sanguíneo. No exame macroscópico et al. 2010) e presença de amastigota no miocárdio
evidenciou-se dilatação das câmaras cardíacas, es- e no pericárdio (Font et al. 1993).
pessamento da musculatura do ventrículo esquer- Os marcadores moleculares cardíacos são utili-
do com estreitamento lúmem e adelgaçamento da zados no auxílio de diagnóstico clínico de animais
parede ventricular direita com aumento de câma- com doenças musculares. Dentre esses marcado-
ra, enquanto na microscopia, os achados mais fre- res, destaca-se a creatinoquinase (CK), enzima que
quentes foram necrose de coagulação, degeneração quantifica os danos do músculo cardíaco e da mus-
miofibrilar e miocardite. Os valores de CK varia- culatura esquelética (Lopes et al. 2005, Kaneko et
ram de 20 a 1236,4 U/L com média de 263,31 U/L al. 2008, Ferreira et al. 2010).
enquanto para CK-MB a média foi de 937,34 U/L, A creatinoquinase (CK) é uma molécula consti-
variando de 234,94 U/L a 5477,83U/L, ambos, aci- tuída por duas subunidades, M e B, capaz de for-
ma dos níveis estabelecidos para a espécie canina. mar as isoenzimas: CK-BB (CK1), CK-MB (CK2) e
A enzima CK analisada juntamente com a isoen- CK-MM (CK3). A CK-MB é uma isoenzima libe-
zima CK-MB são indicadores sensíveis para lesão rada para o meio extracelular quando há necrose
muscular nos humanos e nos animais domésticos. de miocárdio, sendo um recurso importante para a
Assim, em cães soropositivos, a Leishmania provoca detecção de lesão cardíaca (Yonezawa et al. 2009).
miocardite não supurativa, linfohistioplasmocítica, O objetivo do trabalho foi avaliar as alterações
necrose de miocárdio, acompanhado pelo aumento cardíacas macroscópicas e microscópicas e dosar a
da enzima CK e CK-MB. enzima CK e a isoenzima CK-MB no soro de cães
PALAVRAS-CHAVE. Creatinoquinase (CK), isoenzima soropositivos para leishmaniose visceral, visando
CK-MB, Leishmania sp, lesões cardíacas, miocárdio. contribuir com informações acerca desta enfermi-
dade e subsidiar os médicos veterinários quanto ao
INTRODUÇÃO diagnóstico da leishmaniose.
A leishmaniose visceral canina (LVC) é uma do-
MATERIAL E MÉTODOS
ença de caráter crônico, endêmica e multissistêmi-
ca, além de uma zoonose. Segundo a Organização Os animais foram submetidos aos testes de ELISA e
Imunofluorescência Indireta (RIFI) e ao exame clínico no
Mundial de Saúde (OMS 2007) é uma doença grave Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Uberlândia
e fatal, estando entre as seis endemias mundiais de e aqueles soropositivos para LVC foram eutanasiados.
prioridade absoluta. É causada pelo protozoário O protocolo experimental foi aprovado pelo Comitê de
flagelado do gênero Leishmania sp e o cão domés- ética da Universidade Federal de Uberlândia (processo:
tico é o principal hospedeiro do ciclo e também, CEUA-UFU 007/10).
fonte de infecção para o homem. Ao infectar-se, o A coleta de sangue foi realizada por punção venosa
animal geralmente desenvolve a leishmaniose vis- utilizando-se tubos de coleta a vácuo, estéreis e sem an-
ceral (Soares et al. 2011). ticoagulante. O sangue foi centrifugado a 2000 rpm por
10 minutos e o soro coletado, fracionado em alíquotas e
O caráter multissistêmico da doença, no cão, di- congelado a -20° C para a posterior dosagem de enzimas
ficulta o diagnóstico, resultando em sintomatologia CK e CK-MB.
clínica diversa e dentre os sistemas afetados está o A técnica padrão de necropsia utilizada baseou-se
cardiovascular. Clinicamente os animais apresen- nos procedimentos de Cabana (2008), com ênfase ao co-
tam principalmente arritmias, dispneia, aumento ração. Após abertura e análise do mesmo, a região de
da área cardíaca auscultável (Marques 2008). À coleta do miocárdio foi padronizada e corresponde ao
necropsia observa-se espessamento da parede do ápice cardíaco, na transição entre os dois ventrículos.
Foram confeccionadas lâminas coradas em hemato-
ventrículo esquerdo e diminuição da respectiva
xilina e eosina (HE) das amostras de coração fixados em
cavidade (Font et al. 1993), aumento da câmara formol 10% tamponado, segundo Tolosa et al. (2003). A
cardíaca direita, flacidez e adelgaçamento da mus- avaliação semi-quantitativa das lesões encontradas no
culatura caracterizando uma insuficiência cardíaca miocárdio foi feita pela descrição quanto à distribui-
(Zabala et al. 2005). ção, natureza da lesão, presença de parasitas no tecido e
Dentre as alterações microscópicas destacam- quanto à severidade do infiltrado inflamatório, sendo (-)
-se miocardite não supurativa provocada por infil- ausente, (+) discreto, (++) moderado e (+++) acentuado.
tração linfohistioplasmocitária (Pocai et al. 1998), Para análise quantitativa do marcador CK utilizou-se
kit comercial específico para CK total (Analisa®) de acor-
infarto associado à vasculite por deposição de do com as recomendações do fabricante, em aparelho
imunocomplexos (Luvizzoto 2000), perda das es- automatizado Chemwell (Awareness Technology Inc®).
triações transversais (Zabala et al. 2005), necrose de Utilizou-se Teste t de Student com intervalo de confian-
coagulação, necrose miofibrilar (Silva 2007, Alves ça de 95% e p<0,05 para comparação entre os grupos.
Figura 1. Em (A) coração de cão soropositivo para leishmaniose visceral, com espessamento de musculatura do ventrículo esquerdo
(seta maior) e estreitamento de lúmen cardíaco (seta menor). Em (B) coração globoso de cão soropositivo para leishmaniose visce-
ral, com presença de sufusões na musculatura (seta). Em (C) coração de cão soropositivo para leishmaniose visceral, com aumen-
to da câmara cardíaca direita (seta maior) e adelgaçamento da parede do ventrículo direito (seta menor), Uberlândia-MG, 2009.
Figura 2. Em (A), fotomicrografia de corte histológico de coração apresentando fibras cardíacas anucleadas, sem estriações (seta)
indicando necrose de coagulação. Corado em hematoxilina-eosina (HE), aumento de 40x. Em (B), miocardite linfoplasmocítica
moderada em miocárdio, aumento de 40x, HE. Em (C), epicárdio com células inflamatórias (linfócitos e plasmócitos), HE, au-
mento de 40x, Uberlândia-MG, 2010.
U/L. Quarenta e dois animais (97,67%) apresenta- mento capilar (TPC) aumentado, depressão, apa-
ram níveis de CK acima do esperado para a espécie tia, fraqueza e edema pulmonar foram observados
(1,15-28,4 U/L), e apenas um (2,32%) estava dentro nos animais do presente estudo. Zabala et al. (2005)
da normalidade (Kaneko et al. 2008). em relato de caso de cão filhote sem anormalidades
Quando utilizado os parâmetros de Lopes et congênitas, apático, com dificuldade respiratória,
al. (2005), 19 (44,18%) dos cães estudados neste arritmia, frequência cardíaca alterado e palidez de
ensaio, apresentaram níveis elevados de CK total mucosas diagnosticou insuficiência cardíaca pro-
em detrimento de 24 (55,81%) animais normais. vocada por Leishmania sp.
Concomitantemente ao elevado nível de CK total, Alterações cardíacas macroscópicas mais fre-
15 animais (34,88%) apresentaram lesões histopa- quentes no presente trabalho, tais como espessa-
tológicas. Houve diferença estatística significati- mento da parede do ventrículo esquerdo com es-
va entre o grupo de animais com CK elevada e o treitamento do lúmen cardíaco, coração globoso e
grupo de animais com CK normal. Quatro animais adelgaçamento do ventrículo direito são semelhan-
(9,30%) apresentaram níveis aumentados para CK tes às relatadas por Zabala et al. (2005), em relato
total, todavia, na análise microscópica do miocár- de caso de cão da raça boxer, com o diagnóstico de
dio não foi diagnosticado nenhuma lesão. Treze leishmaniose visceral canina. Font et al. (1993), em
animais (30,23%) apresentaram lesões microscópi- relato de caso de tamponamento cardíaco em um
cas, porém os valores da CK estavam normais. cão com leishmaniose, evidenciaram líquido na ca-
O comportamento das duas enzimas difere em vidade pericárdica e dilatação cardíaca.
diversos momentos (Figura 3). Observa-se que os Os achados histológicos em miocárdio de cães
níveis de CK-MB aumentam acompanhando a ele- com leishmaniose relatados na literatura são: pe-
vação de CK total e em alguns pontos os valores ricárdio infiltrado por linfócitos, plasmócitos e al-
de CK total apresentaram-se baixos em relação aos guns macrófagos infectados pela Leishmania (Font
valores de CK-MB, que deveriam ser semelhantes et al. 1993); perda das estrias transversais, necrose
ou inferiores aos níveis de CK total. de coagulação no músculo miocárdio, infiltração
severa de linfócitos e plasmócitos no miocárdio e
a presença de inúmeros amastigotas dentro de ma-
crófagos (Zabala et al. 2005, Silva 2007); miocardite
não supurativa acompanhada com pericardite (Po-
cai et al. 1998, Marques 2008). Alves et al. (2010)
observaram em cães soropositivos assintomáticos
e sintomáticos infiltrado de células mononucleares
perivascular e intramuscular.
No presente trabalho os cães soropositivos apre-
sentaram resultados semelhantes em relação à mio-
cardite linfoplasmocitária, necrose de coagulação,
perda das estriações musculares (necrose miofibri-
Figura 3. Distribuição dos níveis de CK total e CK- MB dosa-
lar) e a epicardite, porém não foram encontradas
das em U/L no soro sanguíneo dos cães soropositivos para
leishmaniose visceral, Uberlândia-MG, 2010. formas amastigotas no interior dos macrófagos, as-
sim como a pericardite.
Quando se relaciona os níveis de CK-MB e CK Na leishmaniose visceral, a carga parasitária
total, 15 animais (34,88%) apresentaram valores tecidual parece ser importante na patogênese da
elevados dessas enzimas. Estes animais apresenta- reação inflamatória. O parasita estimula infiltra-
ram concomitantemente ao alto nível de enzimas, dos celulares que determinam a intensidade local
lesões histopatológicas como necrose de coagula- da lesão. Estudos têm demonstrado que a amasti-
ção, degeneração miofibrilar, hemorragia, conges- gota pode estar envolvida na degradação do meio
tão ou miocardite. Nove cães (20,93%) apresenta- extracelular componente da matriz da pele (Melo
ram somente os valores de CK-MB elevados sem 2005), o que possivelmente ocorre em outros teci-
lesões histopatológicas. dos, como o músculo cardíaco, contribuindo para
o desenvolvimento de alterações teciduais (Alves
DISCUSSÃO et al. 2010).
Sinais clínicos como arritmia em associação à A resposta humoral do animal infectado favo-
frequência cardíaca elevada, tempo de preenchi- rece mecanismos imunopatogênicos, causados por
autoanticorpos e complexos imunitários. Eles são um dado mais confiável quando se avalia uma pos-
produzidos pela estimulação policlonal de célu- sível lesão muscular.
las B, que levam à produção exagerada de imuno- Quando se observa o aumento de CK-MB não
globulinas específicas ou inespecíficas (Luvizzoto acompanhado de aumento da molécula CK total,
2000), associados à inflamação linfohistioplasmoci- a porcentagem da isoenzima fica elevada, conco-
tária (Marques 2008), necrose e degenerações (Silva mitante às alterações microscópicas identificadas,
2007). Apesar de não observadas formas do parasi- comprova-se lesão no músculo cardíaco (Melo et
ta no miocárdio dos animais avaliados, os mecanis- al. 2008, Ferreira et al. 2010). Entretanto o com-
mos imunes humorais envolvidos na patogênese portamento de tendência à elevação da CK-MB
da doença, podem ter contribuído para o processo dos animais sem alterações histológicas, não pode
inflamatório identificado nos animais. estar relacionado diretamente a tal comprometi-
Porém, Lopes et al. (2005) utilizando 40 cães cli- mento do miocárdio (Ferreira et al. 2010), uma vez
nicamente sadios no Brasil, sem raça definida, de que, dentre outros motivos, a CK-MB também é
diversas idades, machos e fêmeas, indicam outra encontrada, em menor quantidade, em outros te-
faixa de normalidade para CK total em cães, va- cidos como renal e gastrintestinal (Yonezawa et al.
riando entre 24 e 170 U/L. 2009).
A média da dosagem da isoenzima CK-MB foi de
937,34 U/L, variando de 234,94 U/L a 5477,83U/L. CONCLUSÃO
Segundo Yonezawa et al. (2009) esses níveis são ex- Cães naturalmente infectados por Leishmania
tremamente elevados em relação à referência para podem apresentar miocardite e desenvolver car-
cães: 4 a 13% da atividade de CK total. 100% dos diomiopatias, juntamente com aumento das enzi-
cães soropositivos para LVC deste trabalho apre- mas CK e isoenzima CK MB.
sentaram valores elevados para a isoenzima.
Apesar de CK quantificar principalmente danos REFERÊNCIAS
de musculatura esquelética e cardíaca, ela pode Alves G.B.B., Pinho F.A., Silva S.M.M.S., Cruz M.S.P. & Costa F.A.L.
detectar lesões de tecido nervoso, renal (bexiga e Cardiac and pulmonary alterations in symptomatic and asympto-
rins) e infecções no sistema gastrointestinal (Ferrei- matic dogs infected naturally with Leishmania (Leishmania) chagasi.
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plasmática as enzimas são liberadas para a corren- (ck) e creatino quinase-mb (ck-mb) sérica de cães submetidos à
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te sanguínea, aumentando consideravelmente sua
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