You are on page 1of 6

Alterações cardíacas em cães com leishmaniose visceral*

Nicolle Pereira Soares1+, Alessandra Aparecida Medeiros2, Antônio Vicente


Mundim2, Geórgia Modé Magalhães3, Marcus Vinícius Caetano Sousa4
e Pedro Henrique de Oliveira Viadanna5

ABSTRACT. Soares N.P., Medeiros A.A., Mundim A.V., Magalhães G.M.,


Souza M.V.C. & Viadanna P.H.O. [Cardiac abnormalities in dogs with vis-
ceral leishmaniasis.] Alterações cardíacas em cães com leishmaniose visceral.
Revista Brasileira de Medicina Veterinária, 37(4):339-344, 2015. Laboratório de
Patologia Animal, Hospital Veterinário, Faculdade de Medicina Veterinária,
Universidade Federal de Uberlândia, Av. Ceará, s/n, Bloco 2T, Campus Umu-
arama, Uberlândia, MG 38400-902, Brasil. E-mail: nicolle.pereira@hotmail.com
Canine visceral leishmaniasis (CVL) is a chronic disease, endemic and mul-
tisystemic, plus a zoonosis. The infected dog may develop various symptoms
affecting multiple systems, including the cardiovascular system. For this re-
ason, we used 43 animals positive for leishmaniasis in order to identify the
macro and microscopic alterations of the myocardium and relate them to the
levels of the enzyme creatine kinase (CK) and Total CK-MB isoenzyme in se-
rum. On macroscopic examination revealed a dilation of the cardiac chambers,
thickening of the muscles of the left ventricle with narrowed lumen and thin-
ning of the right ventricular wall with increased chamber. Histologically, the
most frequent findings were coagulation necrosis, myofibrillar degeneration
and myocarditis. The CK values ranged from 20 to 1236.4 U / L with an avera-
ge of 263.31 U / L for CK-MB while the average was 937.34 U / L, ranging from
234.94 U / L to 5477, 83U / L, both above the levels established for the canine
species. The CK analyzed together with CK-MB isoenzyme are sensitive indi-
cators for muscle injury in humans and domestic animals. Thus, in seropositive
dogs, Leishmania causes nonsuppurative linfoplasmocitic myocarditis, myocar-
dial necrosis, accompanied by an increase in the CK and CK-MB.
KEY WORDS. Creatine kinase (CK), CK-MB isoenzyme, Leishmania sp, cardiac lesions,
myocardium.

RESUMO. A leishmaniose visceral canina (LVC) é diovascular. Por essa razão, utilizou-se 43 animais
uma doença de caráter crônico, endêmica e mul- soropositivos para Leishmania com o objetivo de
tissistêmica, além de uma zoonose. O cão infec- identificar as alterações macro e microscópicas do
tado pode desenvolver sintomatologia variada, miocárdio e relacioná-las com os níveis da enzi-
afetando vários sistemas, inclusive o sistema car- ma creatinoquinase (CK) total e a isoenzima CK-

* Recebido em 24 de junho de 2013.


Aceito para publicação em 23 de junho de 2014.
1
Laboratório de Patologia Animal, Hospital Veterinário, Faculdade de Medicina Veterinária (FAMEV), Universidade Federal de Uberlândia
(UFU), Av. Ceará, s/n, Bloco 2T, Campus Umuarama, Uberlândia, MG 38400-902, Brasil. +Autor para correspondência, E-mail: nicolle.pereira@
hotmail.com
2
Médico-veterinário, Laboratório de Patologia Animal, FAMEV, UFU, Av. Ceará, s/n, Bloco 2T, Campus Umuarama, Uberlândia, MG 38400-
902. E-mails: medeirosaavet@yahoo.com.br; amvmundim@demea.ufu.br
3
Curso de Pós-Graduação, Hospital Veterinário, Universidade de Franca (Unifran), Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, Cx. Postal 82, Pq.
Universitário, Franca, SP 14404-600, Brasil. E-mail: georgiamode@hotmail.com
4
Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias, FAMEV, UFU Av. Ceará, s/n, Bloco 2T, Campus Umuarama, Uberlândia, MG 38400-
902. E-mail: sousa.marcusviniciusmvet@hotmail.com
5
Programa de Pós-Graduação em Patologia Comparada de Animais Silvestres, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade
de São Paulo, Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, Cidade Universitária, São Paulo, SP 05508-270. Brasil. E-mail: pedroh1986@gmail.com

Rev. Bras. Med. Vet., 37(4):339-344, out/dez 2015 339


Nicolle Pereira Soares et al.

-MB no soro sanguíneo. No exame macroscópico et al. 2010) e presença de amastigota no miocárdio
evidenciou-se dilatação das câmaras cardíacas, es- e no pericárdio (Font et al. 1993).
pessamento da musculatura do ventrículo esquer- Os marcadores moleculares cardíacos são utili-
do com estreitamento lúmem e adelgaçamento da zados no auxílio de diagnóstico clínico de animais
parede ventricular direita com aumento de câma- com doenças musculares. Dentre esses marcado-
ra, enquanto na microscopia, os achados mais fre- res, destaca-se a creatinoquinase (CK), enzima que
quentes foram necrose de coagulação, degeneração quantifica os danos do músculo cardíaco e da mus-
miofibrilar e miocardite. Os valores de CK varia- culatura esquelética (Lopes et al. 2005, Kaneko et
ram de 20 a 1236,4 U/L com média de 263,31 U/L al. 2008, Ferreira et al. 2010).
enquanto para CK-MB a média foi de 937,34 U/L, A creatinoquinase (CK) é uma molécula consti-
variando de 234,94 U/L a 5477,83U/L, ambos, aci- tuída por duas subunidades, M e B, capaz de for-
ma dos níveis estabelecidos para a espécie canina. mar as isoenzimas: CK-BB (CK1), CK-MB (CK2) e
A enzima CK analisada juntamente com a isoen- CK-MM (CK3). A CK-MB é uma isoenzima libe-
zima CK-MB são indicadores sensíveis para lesão rada para o meio extracelular quando há necrose
muscular nos humanos e nos animais domésticos. de miocárdio, sendo um recurso importante para a
Assim, em cães soropositivos, a Leishmania provoca detecção de lesão cardíaca (Yonezawa et al. 2009).
miocardite não supurativa, linfohistioplasmocítica, O objetivo do trabalho foi avaliar as alterações
necrose de miocárdio, acompanhado pelo aumento cardíacas macroscópicas e microscópicas e dosar a
da enzima CK e CK-MB. enzima CK e a isoenzima CK-MB no soro de cães
PALAVRAS-CHAVE. Creatinoquinase (CK), isoenzima soropositivos para leishmaniose visceral, visando
CK-MB, Leishmania sp, lesões cardíacas, miocárdio. contribuir com informações acerca desta enfermi-
dade e subsidiar os médicos veterinários quanto ao
INTRODUÇÃO diagnóstico da leishmaniose.
A leishmaniose visceral canina (LVC) é uma do-
MATERIAL E MÉTODOS
ença de caráter crônico, endêmica e multissistêmi-
ca, além de uma zoonose. Segundo a Organização Os animais foram submetidos aos testes de ELISA e
Imunofluorescência Indireta (RIFI) e ao exame clínico no
Mundial de Saúde (OMS 2007) é uma doença grave Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Uberlândia
e fatal, estando entre as seis endemias mundiais de e aqueles soropositivos para LVC foram eutanasiados.
prioridade absoluta. É causada pelo protozoário O protocolo experimental foi aprovado pelo Comitê de
flagelado do gênero Leishmania sp e o cão domés- ética da Universidade Federal de Uberlândia (processo:
tico é o principal hospedeiro do ciclo e também, CEUA-UFU 007/10).
fonte de infecção para o homem. Ao infectar-se, o A coleta de sangue foi realizada por punção venosa
animal geralmente desenvolve a leishmaniose vis- utilizando-se tubos de coleta a vácuo, estéreis e sem an-
ceral (Soares et al. 2011). ticoagulante. O sangue foi centrifugado a 2000 rpm por
10 minutos e o soro coletado, fracionado em alíquotas e
O caráter multissistêmico da doença, no cão, di- congelado a -20° C para a posterior dosagem de enzimas
ficulta o diagnóstico, resultando em sintomatologia CK e CK-MB.
clínica diversa e dentre os sistemas afetados está o A técnica padrão de necropsia utilizada baseou-se
cardiovascular. Clinicamente os animais apresen- nos procedimentos de Cabana (2008), com ênfase ao co-
tam principalmente arritmias, dispneia, aumento ração. Após abertura e análise do mesmo, a região de
da área cardíaca auscultável (Marques 2008). À coleta do miocárdio foi padronizada e corresponde ao
necropsia observa-se espessamento da parede do ápice cardíaco, na transição entre os dois ventrículos.
Foram confeccionadas lâminas coradas em hemato-
ventrículo esquerdo e diminuição da respectiva
xilina e eosina (HE) das amostras de coração fixados em
cavidade (Font et al. 1993), aumento da câmara formol 10% tamponado, segundo Tolosa et al. (2003). A
cardíaca direita, flacidez e adelgaçamento da mus- avaliação semi-quantitativa das lesões encontradas no
culatura caracterizando uma insuficiência cardíaca miocárdio foi feita pela descrição quanto à distribui-
(Zabala et al. 2005). ção, natureza da lesão, presença de parasitas no tecido e
Dentre as alterações microscópicas destacam- quanto à severidade do infiltrado inflamatório, sendo (-)
-se miocardite não supurativa provocada por infil- ausente, (+) discreto, (++) moderado e (+++) acentuado.
tração linfohistioplasmocitária (Pocai et al. 1998), Para análise quantitativa do marcador CK utilizou-se
kit comercial específico para CK total (Analisa®) de acor-
infarto associado à vasculite por deposição de do com as recomendações do fabricante, em aparelho
imunocomplexos (Luvizzoto 2000), perda das es- automatizado Chemwell (Awareness Technology Inc®).
triações transversais (Zabala et al. 2005), necrose de Utilizou-se Teste t de Student com intervalo de confian-
coagulação, necrose miofibrilar (Silva 2007, Alves ça de 95% e p<0,05 para comparação entre os grupos.

340 Rev. Bras. Med. Vet., 37(4):339-344, out/dez 2015


Alterações cardíacas em cães com leishmaniose visceral

RESULTADOS 1-B), seguido do adelgaçamento do ventrículo direi-


Foram analisados 43 cães soropositivos para to com aumento da câmara cardíaca em 11 animais
leishmaniose visceral canina (LVC) sendo 26 fême- (37,93%) (Figura 1-C). Catorze animais (32,55%) não
as adultas e sem raça definida (60,46%) e 15 ma- apresentaram alteração macroscópica cardíaca.
chos, adultos e sem raça definida (34,88%). Apenas As principais alterações histopatológicas encon-
dois cães (4,65%) eram filhotes sem raça definida: tradas em 28 animais (65,11%) foram: necrose de co-
um macho e uma fêmea. agulação, a mais frequente, observada em 17 animais
Em cinco animais (11,62%) não foram observa- (60,71%) (Figura 2-A), seguida de miocardite com
da alterações clínicas. Em 10 animais (23,25%), as infiltrado mononuclear, diagnosticada em 14 ani-
arritmias foram detectadas, entre elas, apenas um mais (50%) (Figura 2-B), hemorragia em 10 animais
(2,32%) animal apresentava taquiarritmia. As arrit- (35,71%), necrose miofibrilar em 5 animais (17,85%)
mias geralmente eram acompanhadas de aumento e epicardite em 4 animais (14,28%) (Figura 2-C).
da área cardíaca auscultável. A frequência cardíaca Na avaliação quanto à severidade do infiltrado
apresentou-se alterada em cinco animais (11,62%), inflamatório presente no miocárdio dos animais
e o tempo de preenchimento capilar estava aumen- soropositivos para leishmaniose visceral: em 29
tado em nove animais (20,93%). animais (67,44%) não foi diagnosticado infiltrado
Na necropsia, 29 animais (67,44%) apresentaram inflamatório, oito animais (18,60%) apresentaram
pelo menos uma alteração cardíaca macroscópica. A infiltrado linfohistioplasmocitário discreto, quatro
mais frequente, observada em 18 animais (62,06%), animais (9,30%) com infiltrado linfohistioplasmo-
foi o espessamento da parede esquerda e diminui- citário moderado e apenas dois animais (4,65%)
ção do lúmen ventricular (Figura 1-A). Coração glo- apresentaram miocardite severa.
boso, com dilatação dos ventrículos direito e esquer- A média dos valores de creatinoquinase total
do, foi evidenciado em 17 animais (58,62%) (Figura (CK) foi de 263,31U/L, variando de 20 a 1236,4

Figura 1. Em (A) coração de cão soropositivo para leishmaniose visceral, com espessamento de musculatura do ventrículo esquerdo
(seta maior) e estreitamento de lúmen cardíaco (seta menor). Em (B) coração globoso de cão soropositivo para leishmaniose visce-
ral, com presença de sufusões na musculatura (seta). Em (C) coração de cão soropositivo para leishmaniose visceral, com aumen-
to da câmara cardíaca direita (seta maior) e adelgaçamento da parede do ventrículo direito (seta menor), Uberlândia-MG, 2009.

Figura 2. Em (A), fotomicrografia de corte histológico de coração apresentando fibras cardíacas anucleadas, sem estriações (seta)
indicando necrose de coagulação. Corado em hematoxilina-eosina (HE), aumento de 40x. Em (B), miocardite linfoplasmocítica
moderada em miocárdio, aumento de 40x, HE. Em (C), epicárdio com células inflamatórias (linfócitos e plasmócitos), HE, au-
mento de 40x, Uberlândia-MG, 2010.

Rev. Bras. Med. Vet., 37(4):339-344, out/dez 2015 341


Nicolle Pereira Soares et al.

U/L. Quarenta e dois animais (97,67%) apresenta- mento capilar (TPC) aumentado, depressão, apa-
ram níveis de CK acima do esperado para a espécie tia, fraqueza e edema pulmonar foram observados
(1,15-28,4 U/L), e apenas um (2,32%) estava dentro nos animais do presente estudo. Zabala et al. (2005)
da normalidade (Kaneko et al. 2008). em relato de caso de cão filhote sem anormalidades
Quando utilizado os parâmetros de Lopes et congênitas, apático, com dificuldade respiratória,
al. (2005), 19 (44,18%) dos cães estudados neste arritmia, frequência cardíaca alterado e palidez de
ensaio, apresentaram níveis elevados de CK total mucosas diagnosticou insuficiência cardíaca pro-
em detrimento de 24 (55,81%) animais normais. vocada por Leishmania sp.
Concomitantemente ao elevado nível de CK total, Alterações cardíacas macroscópicas mais fre-
15 animais (34,88%) apresentaram lesões histopa- quentes no presente trabalho, tais como espessa-
tológicas. Houve diferença estatística significati- mento da parede do ventrículo esquerdo com es-
va entre o grupo de animais com CK elevada e o treitamento do lúmen cardíaco, coração globoso e
grupo de animais com CK normal. Quatro animais adelgaçamento do ventrículo direito são semelhan-
(9,30%) apresentaram níveis aumentados para CK tes às relatadas por Zabala et al. (2005), em relato
total, todavia, na análise microscópica do miocár- de caso de cão da raça boxer, com o diagnóstico de
dio não foi diagnosticado nenhuma lesão. Treze leishmaniose visceral canina. Font et al. (1993), em
animais (30,23%) apresentaram lesões microscópi- relato de caso de tamponamento cardíaco em um
cas, porém os valores da CK estavam normais. cão com leishmaniose, evidenciaram líquido na ca-
O comportamento das duas enzimas difere em vidade pericárdica e dilatação cardíaca.
diversos momentos (Figura 3). Observa-se que os Os achados histológicos em miocárdio de cães
níveis de CK-MB aumentam acompanhando a ele- com leishmaniose relatados na literatura são: pe-
vação de CK total e em alguns pontos os valores ricárdio infiltrado por linfócitos, plasmócitos e al-
de CK total apresentaram-se baixos em relação aos guns macrófagos infectados pela Leishmania (Font
valores de CK-MB, que deveriam ser semelhantes et al. 1993); perda das estrias transversais, necrose
ou inferiores aos níveis de CK total. de coagulação no músculo miocárdio, infiltração
severa de linfócitos e plasmócitos no miocárdio e
a presença de inúmeros amastigotas dentro de ma-
crófagos (Zabala et al. 2005, Silva 2007); miocardite
não supurativa acompanhada com pericardite (Po-
cai et al. 1998, Marques 2008). Alves et al. (2010)
observaram em cães soropositivos assintomáticos
e sintomáticos infiltrado de células mononucleares
perivascular e intramuscular.
No presente trabalho os cães soropositivos apre-
sentaram resultados semelhantes em relação à mio-
cardite linfoplasmocitária, necrose de coagulação,
perda das estriações musculares (necrose miofibri-
Figura 3. Distribuição dos níveis de CK total e CK- MB dosa-
lar) e a epicardite, porém não foram encontradas
das em U/L no soro sanguíneo dos cães soropositivos para
leishmaniose visceral, Uberlândia-MG, 2010. formas amastigotas no interior dos macrófagos, as-
sim como a pericardite.
Quando se relaciona os níveis de CK-MB e CK Na leishmaniose visceral, a carga parasitária
total, 15 animais (34,88%) apresentaram valores tecidual parece ser importante na patogênese da
elevados dessas enzimas. Estes animais apresenta- reação inflamatória. O parasita estimula infiltra-
ram concomitantemente ao alto nível de enzimas, dos celulares que determinam a intensidade local
lesões histopatológicas como necrose de coagula- da lesão. Estudos têm demonstrado que a amasti-
ção, degeneração miofibrilar, hemorragia, conges- gota pode estar envolvida na degradação do meio
tão ou miocardite. Nove cães (20,93%) apresenta- extracelular componente da matriz da pele (Melo
ram somente os valores de CK-MB elevados sem 2005), o que possivelmente ocorre em outros teci-
lesões histopatológicas. dos, como o músculo cardíaco, contribuindo para
o desenvolvimento de alterações teciduais (Alves
DISCUSSÃO et al. 2010).
Sinais clínicos como arritmia em associação à A resposta humoral do animal infectado favo-
frequência cardíaca elevada, tempo de preenchi- rece mecanismos imunopatogênicos, causados por

342 Rev. Bras. Med. Vet., 37(4):339-344, out/dez 2015


Alterações cardíacas em cães com leishmaniose visceral

autoanticorpos e complexos imunitários. Eles são um dado mais confiável quando se avalia uma pos-
produzidos pela estimulação policlonal de célu- sível lesão muscular.
las B, que levam à produção exagerada de imuno- Quando se observa o aumento de CK-MB não
globulinas específicas ou inespecíficas (Luvizzoto acompanhado de aumento da molécula CK total,
2000), associados à inflamação linfohistioplasmoci- a porcentagem da isoenzima fica elevada, conco-
tária (Marques 2008), necrose e degenerações (Silva mitante às alterações microscópicas identificadas,
2007). Apesar de não observadas formas do parasi- comprova-se lesão no músculo cardíaco (Melo et
ta no miocárdio dos animais avaliados, os mecanis- al. 2008, Ferreira et al. 2010). Entretanto o com-
mos imunes humorais envolvidos na patogênese portamento de tendência à elevação da CK-MB
da doença, podem ter contribuído para o processo dos animais sem alterações histológicas, não pode
inflamatório identificado nos animais. estar relacionado diretamente a tal comprometi-
Porém, Lopes et al. (2005) utilizando 40 cães cli- mento do miocárdio (Ferreira et al. 2010), uma vez
nicamente sadios no Brasil, sem raça definida, de que, dentre outros motivos, a CK-MB também é
diversas idades, machos e fêmeas, indicam outra encontrada, em menor quantidade, em outros te-
faixa de normalidade para CK total em cães, va- cidos como renal e gastrintestinal (Yonezawa et al.
riando entre 24 e 170 U/L. 2009).
A média da dosagem da isoenzima CK-MB foi de
937,34 U/L, variando de 234,94 U/L a 5477,83U/L. CONCLUSÃO
Segundo Yonezawa et al. (2009) esses níveis são ex- Cães naturalmente infectados por Leishmania
tremamente elevados em relação à referência para podem apresentar miocardite e desenvolver car-
cães: 4 a 13% da atividade de CK total. 100% dos diomiopatias, juntamente com aumento das enzi-
cães soropositivos para LVC deste trabalho apre- mas CK e isoenzima CK MB.
sentaram valores elevados para a isoenzima.
Apesar de CK quantificar principalmente danos REFERÊNCIAS
de musculatura esquelética e cardíaca, ela pode Alves G.B.B., Pinho F.A., Silva S.M.M.S., Cruz M.S.P. & Costa F.A.L.
detectar lesões de tecido nervoso, renal (bexiga e Cardiac and pulmonary alterations in symptomatic and asympto-
rins) e infecções no sistema gastrointestinal (Ferrei- matic dogs infected naturally with Leishmania (Leishmania) chagasi.
Braz. J. Med. Biol. Res., Ribeirão Preto, 43:310-315, 2010.
ra et al. 2010). Além disso, em casos de hipóxia e Ferreira F.S., Silveira L.L., Costa A.C., Albernaz A.P., Carvalho C.B.
necroses musculares e rompimento de membrana & Oliveira A.L.A. Estudo do comportamento da creatino quinase
plasmática as enzimas são liberadas para a corren- (ck) e creatino quinase-mb (ck-mb) sérica de cães submetidos à
oxigenação por membrana extracorpórea (ecmo) durante um pe-
te sanguínea, aumentando consideravelmente sua
ríodo de três horas. Ciênc. Anim. Bras., Goiânia, 11:705-712, 2010.
concentração plasmática (McGavin 2007, Ferreira Font A., Durral N., Domingo M., Closa J.M., Mascort J. & Ferrer L.
et al. 2010). A determinação da CK também pode Cardiac tamponade in a dog with Visceral Leishmaniasis. J. Am.
ser influenciada por hemólise e a hiperbilirrubine- Anim. Hosp. Assoc., Barcelona, 29:95-100, 1993.
González F.H.D. & Scheffer J.F. Enzimologia em clínica veterinária.
mia resultando em falsos aumentos da enzima (Yo- 2008. Disponível em < http: http://www.ufrgs.br/lacvet/outras_
nezawa et al. 2009). publicacoes.php?id_publicacao=73 >. Acesso em: 07. Nov, 2010.
Devido à meia vida da molécula variar de 30 a Griensven J.V. & Diro E. Visceral Leishmaniasis. Infectious disease
clinics of North America. Amsterdam, 26:309-322, 2012.
90 dias (Kaneko et al. 2008), alguns animais apre- Labat E., Carreira J.T., Matsukuma B.H., Martins M.T.A., Lima V.M.F.,
sentaram alterações microscópicas sem alteração Bomfim S.R.M., Perri S.H.V. & Koivisto M.B. Qualidade esper-
na dosagem da enzima CK. mática de semen naturalmente infectados por Leishmania sp. Arq.
A CK-MB não é um marcador específico de da- Bras. Med. Vet. Zootec., Belo Horizonte, 62:609-614, 2010.
Lopes S.T.A., Franciscato C., Teixeira L.V., Oliveira T.G.M., Garmatz
nos no músculo do miocárdio confiável para cães B.C., Medeiros A.P. & Mazzanti V.A. Determinação da creatina
(González 2008, Yonezawa et al. 2009) por repre- quinase em cães. Revista da FZVA, Uruguaiana, 12:116-122, 2005.
sentar uma pequena percentagem da atividade da Luvizotto M.C., Feitosa M.M., Ikeda F.A. & Perri S.H.V. Aspectos clíni-
cos de cães com leishmaniose visceral no município de Araçatuba.
enzima CK total (Yonezawa et al. 2009) e apresen- Clín. Vet., São Paulo, 5:36-44, 2000.
tar uma meia vida curta de 48 horas aproximada- Kaneko J.J., Harvey J.W. & Bruss M.L. Clinical biochemistry of domestic
mente (González 2008). animals. 6ª ed. Academic Press, San Diego, California, 2008. 916p.
Marques M.I.L.M. Leishmania Canina. Dissertação, Mestrado Integra-
Todavia Lopes et al. (2005), Melo et al. (2008) e do em Medicina Veterinária), Faculdade de Medicina Veterinária,
Ferreira et al. (2010), descrevem que a isoenzima Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2008. 131p. (Disponível
CK-MB pode ser considerada um marcador de le- em: <https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/950>)
são miocárdi­ca, desde que a enzima não seja ava- Melo F.A. Alterações da matriz extracelular na pele de cães com leish-
maniose visceral naturalmente infectados. Tese, Doutorado em
liada de forma isolada, ou seja, a porcentagem de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Viçosa, Minas
CK-MB em relação ao valor total de CK, fornece Gerais, 2005. 75p. (Disponível em: < http://www.tede.ufv.br/te-

Rev. Bras. Med. Vet., 37(4):339-344, out/dez 2015 343


Nicolle Pereira Soares et al.

desimplificado/tde_arquivos/8/TDE-2007-01-17T143008Z-240/ G.L. & Costa C.H.N. Canine visceral leishmaniasis in Teresina,


Publico/texto%20completo.pdf>) Brazil: Relationship between clinical features and infectivity for
Melo M.M., Verçosa Júnior D., Pinto M.C.L., Silveira J.B., Ferraz V., sand flies. Acta Tropica, Miami, 117:6-9, 2011.
Ecco R. & Paes P.R.O. Intoxicação experimental com extratos de Tolosa E.M.C., Rodrigues C.J., Behmer O.A. & Freitas Neto A.G. Man-
Mascagnia rigida (Mal­ pighiaceae) em camundongos. Arq. Bras. ual de técnicas para histologia normal e patológica. 2ª ed. Editora
Med. Vet. Zootec., Belo Horizonte, 60:631-640, 2008. Manole, Brueri, 2003. 331p.
McGavin M.D. & Zachary J.F. Pathologic Basis of Veterinary Disease. WHO. Report of the Fifth Consultative Meeting on Leishmania/HIV
4th ed. Elsevier, St. Louis, 2007. 1476p. Coinfection Addis Ababa, Ethiopia, 20-22 March 2007 World
Pocai E.A., Frozza L., Headley S.A. & Graça D.L. Visceral Leishma- Health Organization 2007.
niasis (kala-azar). Five cases in dogs in Santa Maria, Rio Grande Yonezawa L.A., Silveira V.F., Machado L.P. & Kohayagawa A. Marca-
do Sul, South Brazil. Ciência Rural, Santa Maria, 28:501-505, 1998. dores cardíacos na medicina veterinária. Ciência Rural, Santa Ma-
Silva F.S. Patologia e patogênese da leishmaniose visceral canina. Re- ria, 40:222-230, 2010.
vista Trópica - Ciências Agrárias e Ambientais, Chapadinha, 1:20, Zabala E.E., Ramízes O.J. & Bermúdez V. Leishmaniasis Viceral en un
2007. canino. Revista de La Facultad de Ciencias Veterinárias, Maracay,
Soares M.R.A., Mendonça I.L., Bonfim J.M., Rodrigues J.A., Werneck 46:43- 50.

344 Rev. Bras. Med. Vet., 37(4):339-344, out/dez 2015

You might also like