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Expresso 2009 05 01 1905 UNICA 0046 0049
Expresso 2009 05 01 1905 UNICA 0046 0049
, quando
N
Aristóteles ensinava a arte
de ler a palma das mãos a
Alexandre o Grande, um
dos maiores estrategos mi-
litares de sempre, a valida-
de da quiromancia não era
posta em causa. Hoje, que
já não se adivinha futuro nas vísceras dos ani-
mais nem se sacrificam virgens aos deuses, ler
a sina é um método em vias de extinção. Mas
ainda há quem procure saber o que dizem as
linhas das palmas das mãos. Propusemo-nos
fazer a prova dos nove, submetendo-nos a três
experiências. Procurámos no “novo Olimpo”:
a internet, claro — afinal, não há nada que não
esteja escrito na web, o equivalente moderno
MÃOS
LER A SINA das estrelas. Foi lá que encontrámos o primei-
ro quirólogo (e não quiromante — que ‘man-
cia’ remete para adivinhação e ‘logia’ para es-
As
tudo, explicou-nos), José Prudêncio. E tam-
bém a segunda, Olga Rodrigues — cujo nome
só saberíamos depois de telefonar. Para a ciga-
na teríamos que recorrer à rua.
José Prudêncio tem site, escritórios em
do
Cultural e Astrologia da Universidade de
Bath, em Londres, a concluir um doutora-
mento em Astrologia Filosófica, e a lançar es-
te mês um livro que é o estudo comparativo
destino
entre os mapas astrais de José Saramago e
José Augusto França.
Um telefonema marca a consulta. São 80
euros (com recibo) e uma hora, que dá direito
a análise das mãos feita em conjunção com a
do mapa astral e, no final, CD com a gravação
Ler as mãos e aí ver da conversa. José Prudêncio recebe-nos no seu
a sua vida ainda faz escritório, ao lado do Colégio Moderno, no
sentido? E é verdade Campo Grande, impecavelmente vestido de fa-
o que dizem? Fomos to e gravata, botões de punho elegantes e bar-
a três “consultas”, da ba aparada. A casa é soalheira, o escritório or-
mais credível à clássica ganizado, forrado a estantes brancas cheias de
cigana. Bem-vindo a um livros e revistas. Na secretária repousa o com-
putador portátil, no qual José introduz os da-
universo de linhas de dos do cliente, o gravador digital e, num canti-
Urano, anéis de Salomão nho da mesa, um pequeno Buda e uma ametis-
e cinturas de Vénus ta. Nada de velas, panos com estrelas nem “am-
TEXTO DE KATYA DELIMBEUF bientes à Harry Potter”, como poderia sugerir
a imagética do preconceito.
Desde logo, desfazem-se alguns mitos: a
leitura não é apenas de uma das mãos, mas
das duas. As linhas não dão respostas taxati-
vas como “quantos filhos se vai ter” nem
ILUSTRAÇÃO DE PEDRO FIGUEIRAL
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LER A SINA
saber se Prudêncio me iria dar. Para começo ter. Pode ter um, dois, três, quatro — mas é sem recibo, a duração menos de uma hora.
de conversa, fico a saber que tenho uma “cin- difícil de ver, porque a contracepção interfe- Olga ronda os quarenta, veste um pólo
tura de Vénus invulgarmente forte”. “Acho re com a natureza em relação a isso”. O casa- cor-de-rosa e tem um aspecto informal, ape-
mesmo que nunca vi ninguém com este tra- mento é que deve ser levado com cautela, até sar do cabelo esticado. Recebe-nos em casa,
ço tão marcado”, sentencia José. O que signi- porque “não tem nada que ver com o amor, que é também o seu ‘escritório’ há mais de
fica isso? “É uma dupla linha do coração. É tem que ver com segurança”, considera. “O três anos. Ao contrário do soalheiro aparta-
sinal de capacidades artísticas, ligação à co- casamento é a coisa mais anti-romântica que mento de José Prudêncio, aqui está tudo às
municação e... excesso de amor. Excesso de eu conheço. Se é uma romântica, nunca se escuras. Sou encaminhada para um quarto pe-
afectos, romance, envolvimentos amorosos. case. Diria mesmo que é um erro uma pessoa queno, onde o espaço é disputado por uma ca-
Esta cintura de Vénus vai dar-lhe algum tra- casar com quem ama. Deve casar com al- ma de ferro encostada à parede, uma mesinha
balho... Há tendência para várias relações guém que oferece garantias”. É a estocada coberta com um pano azul escuro com estre-
afectivas. O seu lado ideal tem dificuldade final para esta romântica... las (lá está o ambiente Harry Potter) e uma
em lidar com o real. Quando descobre que pequena secretária com vários objectos, entre
os seus príncipes são sapos — e não há ne- Parte II: O anel de Salomão. No outro espec- os quais uma bola de cristal — é verdade — e
nhum que não seja —, desilude-se.” Até aqui, tro desta experiência está a nossa segunda um necéssaire cor-de-rosa, de onde sairão as
tudo certo. consulta, levada a cabo por Olga Rodrigues, cartas do tarô e a lupa para me ler as mãos.
O facto de eu ter “mãos compridas é um em Massamá. Ao telefone, ela avisa que a leitu- A amiga com quem Olga partilha a casa-es-
pouco como se estivessem viradas para o céu, ra das mãos é apenas parte do tempo, sendo critório liga uma suave música ambiente e dá
mais ligadas ao etéreo”, continua. Isto tra- as cartas de tarô o complemento para pergun- corda ao cronómetro, a lembrar os de cozi-
duz-se numa “grande sensibilidade e emotivi- tas mais específicas. O preço é de 25 euros, nha, para marcar o tempo. Meia hora mais
dade, melancolia. Passa por muitos estados de
humor ao longo do dia e canaliza a sua sensibi-
lidade para o trabalho”. Cada tiro, cada mel-
ro. Aliás, há, diz ele, uma ligação forte entre a
identidade e a profissão, muito “associada à
aprendizagem e à expansão de novos horizon-
O que eles lêem
tes”. (Acerta de novo). Nas mãos, vê ainda “re-
lações com o estrangeiro e fortes possibilida-
nas mãos?
des de parcerias com outros países” (o que
também confere) e “grande seriedade e senti-
do de responsabilidade no trabalho”. Outra
coisa “rara” nas minhas palmas é “uma linha
de Urano, sinal de grande capacidade intelec-
tual. É rápida a pensar, inventiva, original, in-
tuitiva.” (De ego reconfortado, pergunto-me
se é agora que devo pedir um aumento...)
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