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Do Palco Da Vida À Vida No Palco
Do Palco Da Vida À Vida No Palco
ISSN 2317-3769
RESUMO
1
Quando tinha 4 anos, Moreno brincava com outras crianças de “deus e anjos”. Moreno, sendo Deus, voou do
alto e na queda fraturou o braço direito (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1998; MARINEU, 1989).
2
Muitos livros dedicam-se ao aprofundamento do tema. Não obstante, não é objetivo do presente artigo fazer um
relato completo da vida de Moreno, relacionando-o com a sua obra, de modo que, a partir de então, o foco passa
a ser uma visão global da abordagem psicodramática.
2. Teatro e Psicodrama
Entre os anos de 1922 e 1925, Moreno dedicou-se ao chamado Teatro da
Espontaneidade. Este era um teatro experimental se constituindo de um espaço
ocupado pelos descontentes e rebeldes (VOLPE, 1990).
Aos poucos o Teatro da Espontaneidade deu lugar ao “Jornal Vivo”
definido por Volpe (1990) como “uma espécie de síntese entre Teatro e Jornal... era
alimentado com acontecimentos jornalísticos do dia-a-dia, representados
dramaticamente por um grupo de amadores sob a direção de Moreno” (VOLPE,
1990, p.74).
Moreno queria transformar a Arte, seu envolvimento com o teatro
retratava claramente isso. Entretanto, mesmo que o Jornal Vivo instaurasse uma
inovação nas artes cênicas, faltava-lhe certo carisma. O público se mostrava
resistente ao exercício da espontaneidade, voltando sempre sua preferência para
produtos acabados; além disso, os atores que trabalhavam com Moreno começavam
a buscar seus lugares no Teatro profissional, abandonando as experiências em
busca de sucesso na área. Todas essas circunstâncias acabaram por levar Moreno
ao Teatro Terapêutico, salvando o movimento psicodramático do esquecimento
(VOLPE, 1990).
O início do Teatro Terapêutico foi marcado pelo caso Bárbara-Jorge.
Bárbara, uma atriz que participava frequentemente do Teatro da Espontaneidade,
destacava-se por sua atuação em papéis amáveis, doces e românticos. Jorge,
também envolvido com arte, conheceu Bárbara e logo depois se deu o casamento
dos dois jovens. Após a união matrimonial, Jorge procurou Moreno para sinalizar
que o comportamento de Bárbara em casa era completamente avesso ao das
personagens que ela costumava interpretar. Posto isso, Moreno solicitou que
Bárbara interpretasse o papel de uma prostituta que era perseguida por um
assassino. Foi uma dramatização fascinante que tocou profundamente a plateia.
Depois do fato acima narrado, Bárbara, sob orientação de Moreno, passou a
desempenhar papéis mais agressivos e seu comportamento em casa, segundo
Jorge, melhorou bastante. Então, devido à experiência na dramatização de
personagens hostis, Bárbara passou a enxergar-se e, dessa maneira, quando
percebia que estava rude (como uma personagem interpretada outrora), mudava
seu comportamento (MORENO, 1999; GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988;
VOLPE, 1990).
Desde então, Moreno notou que algo novo poderia surgir daquelas
sessões teatrais. Percebeu-se o potencial terapêutico desse novo Teatro e, desde
então, foram desenvolvidas a fundamentação teórica e algumas técnicas que
firmaram, no cenário das práticas psi, a relevância da abordagem psicodramática.
3. A teoria psicodramática
O Psicodrama baseia-se no método fenomenológico-existencial,
entendendo que existe uma intercomunicação entre consciências, ou seja, admite-se
a ideia de uma co-consciência, de modo que a subjetividade de um, junto à de outro,
se transforma em intersubjetividade (ALMEIDA, 1982).
Nesse sentido, a relação terapeuta-paciente, segundo a abordagem
psicodramática, ganha proporções inimagináveis em esquemas teóricos mais rígidos
como a Psicanálise, por exemplo.
Enquanto no tratamento psicanalítico a relação analista-cliente se dá por
meio da transferência (considerada fundamental, por ser um veículo que leva ao
inconsciente do cliente); no tratamento psicoterápico com enfoque psicodramático, a
relação terapeuta-cliente enfatiza a Tele, buscando-a incessantemente.
A Tele é um conceito fundamental do Psicodrama. Definida como sendo
“a capacidade de perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se
3
Aqui se pretende ressaltar que a Transferência é um conceito freudiano, embora muitos psicodramatistas
trabalhem, também, com o referido conceito. Admite-se, comumente, que nenhuma relação pode ser de todo
télica, assim sendo, toda relação (e a relação terapeuta-cliente não foge ao padrão) teria momentos télicos, bem
como momentos transferenciais. Contudo, a diferença básica entre psicodramatistas e psicanalistas, no que
concerne ao tema, é a valorização da tele em detrimento da transferência (no caso dos primeiros) e a alimentação
da transferência como pré-requisito essencial para o tratamento (no caso dos segundos).
4
Ao reforçar a autenticidade, Moreno se aproxima da teoria humanista de Carl Rogers, de modo que podem ser
feitas muitas relações entre os dois autores citados.
5
Frequentemente se pensa que o psicodramatista é uma pessoa sempre “feliz”, que está sempre sorrindo, pronto
para uma cena. Cabe ressaltar que alguns psicodramatistas preferem trabalhar no nível do verbal. Para uma boa
sessão psicodramática não é imprescindível uma cena, lágrimas ou abraços.
6
Cabe salientar que Moreno não foi somente autor do Psicodrama, mas, também, ator deste; vivendo-o tanto na
vida profissional como na vida pessoal (posto que ele não impôs muros entre uma e outra). Salienta-se,
novamente, que todos os conceitos enumerados neste artigo e estudados por muitos autores que enveredaram
pela via psicodramática, foram vivenciados na prática por Moreno.
Moreno não defendia a abolição total das conservas. Elas podem servir
de ponto de partida para um ato criador (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988).
O homem, segundo a concepção moreniana, é um ser relacional
(GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988) e, vivendo em sociedade, desempenha
vários papéis (NAFFAH NETO, 1997).
O Papel pode ser definido como sendo um funcionamento assumido por
um sujeito em uma dada situação na qual outras pessoas estão envolvidas
(NAFFAH NETO, 1997). O Papel traduz a representação de uma função perante
indivíduos ou coisas.
Pode-se, ainda, dizer que o papel refere-se à conduta assumida por uma
pessoa diante da necessidade de enquadrar-se às normas de convivência, as quais
são fundamentais já que sempre pertencemos a grupos (SUGAI & PEREIRA, 1995).
O desempenho dos papéis é aprendido ao longo da infância, na medida
em que o indivíduo vai se inserindo no meio social.
A Matriz de Identidade7, no momento do nascimento, é todo o universo
que o bebê compreende, não havendo diferenciação entre o externo e o interno,
objetos e pessoas, objetivo e subjetivo, eu e outro (MARTÍN, 1996; GONÇALVES,
WOLFF & ALMEIDA, 1988).
Os primeiros papéis a serem desempenhados pelas crianças são os
papéis psicossomáticos que possibilitam uma experiência precipuamente corpórea
(NAFFAH NETO, 1989; MARTÍN, 1996).
Os outros papéis, a saber, psicodramáticos e sociais, proporcionam a
vivência da experiência psíquica e contribuem para a formação da rede social,
respectivamente (MARTÍN, 1996).
Blatner e Blatner (1996) afirmam que os papéis podem ser aprendidos e
revistos; podem ser perdidos, tirados ou abandonados, além de modificados ou
redefinidos.
A personalidade, segundo a abordagem psicodramática, seria entendida
como um conjunto de papéis que se intercruzam entre si (SUGAI & PEREIRA,
7
Vale destacar que Matriz de Identidade é mais um conceito do Psicodrama. Trata-se do termo usado para
definir o meio no qual o bebê nasce e é acolhido.
1995). Muitos desses papéis pertencem à classe dos papéis sociais como, por
exemplo, o papel de pai ou mãe, o papel de filho (a), o papel de marido ou esposa, o
papel de profissional, o papel de irmão ou irmã, o papel de amigo (a), o papel de
estudante etc. Estes são de fundamental importância para a composição da
sociedade e, ao mesmo tempo, dependem da mesma posto que é nela que se dá a
sua origem.
Assim como há um acúmulo de papéis sociais por cada indivíduo, os
papéis psicossomáticos (ligados às experiências mais fisiológicas) e os
psicodramáticos (ligados às experiências psíquicas como a imaginação, por
exemplo) também se aglutinam aos demais.
Moreno evidenciou um espaço entre a cultura e a biologia8, entre o interno
e o externo, tendo uma abordagem global do humano. Além disso, a técnica da
Realidade Suplementar9 bem como a criação de um mundo suplementar pelo
psicótico – ideias defendidas pelo Psicodrama – nos fazem perceber que esta
abordagem aqui discutida não dicotomiza, a realidade e a fantasia.
A ludicidade também foi muito valorizada por Moreno, isso pode ser visto
nas suas brincadeiras de infância e até na sua concepção religiosa10. A ludicidade
expressa no Psicodrama foi facilmente difundida pelo fato de que tal abordagem é
conhecido, em diferentes áreas, pela gama de jogos dramáticos que popularizou no
âmbito das atividades em grupo.
Conclui-se por fim, através da leitura de Moreno, enriquecida com outras
leituras afins que, os papéis psicosomáticos, psicodramáticos e sociais, funcionam
em conjunto. Assim sendo, o conceito de humano adotado pelo Psicodrama não é
um conceito rígido, posto que entende o homem em constante transformação,
englobando inúmeros aspectos: o corpo biológico deste homem com suas
limitações; a sua subjetividade, considerando tanto suas ideias sobre si como as
8
Basta citar que ele teve uma formação médica e entendeu que a Conserva Cultural pode ser o nó que patologiza
o humano.
9
A técnica da Realidade Suplementar trata-se da dramatização de uma cena não ocorrida, vivida pelo paciente
dentro dos limites da sua subjetividade (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988; BLATNER &
BLATNER, 1996).
10
Moreno, durante sua juventude, pertenceu à seita judia espiritualista do hassidismo, a qual privilegiava a
alegria, entendendo que em todo homem há uma centelha divina. Esta seita foi a base do chamado seinismo,
essência vital das concepções morenianas (MARTÍN, 1996; MARINEAU, 1992).
mesma forma que o Espelho, esta técnica exige, por parte do terapeuta uma
disponibilidade corporal e cênica.
O Átomo Social seria uma auto-apresentação específica, na qual o
paciente apresenta ou ao terapeuta, ou ao grupo, pessoas afetivamente
significativas. Para Moreno, trata-se de uma apresentação de suas relações
subjetivas. É, de fato, uma técnica comumente utilizada em entrevistas inicias
(GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988), posto que possibilita um mapeamento
das relações sociais do sujeito.
Solilóquio é sempre usado com o intendo de exprimir sentimentos ou
emoções que íntimas, é uma forma de objetivar ou enunciar o que faz parte do
mundo interpessoal de alguém (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988). Pode
ser solicitado de várias maneiras e isso fica a cargo do estilo de cada terapeuta, bem
como da relação terapeuta-paciente. O Solilóquio indica certo grau de confiança no
terapeuta por parte do cliente e é como se fosse uma resposta a perguntas como: o
que você está pensando agora? Que sentimentos afloram nesse momento?
O Psicodrama dispõe de inúmeras técnicas e em uma dada situação
podem ser aplicadas uma infinidade delas. No entanto, é fundamental ressaltar que
o uso da técnica psicodramática não deve se dar indiscriminadamente. A escolha
desta ou daquela técnica passa por critérios subjetivos de cada terapeuta, que
envolvem desde seu estilo pessoal à sua vivência da técnica como paciente – uma
vez que se considera ser fundamental, para aquele que conduz trabalhos como
psicodramatista, ter vivido a experiência de se submeter à técnica psicodramática
como paciente. Contudo, para auxiliar na escolha da melhor técnica em um dado
momento, deve-se recorrer sempre à Tele, elemento norteador de todo trabalho com
pessoas, segundo a abordagem psicodramática.
6. Referências
ALMEIDA, Wilson Castello. Formas de Encontro: Psicoterapia Aberta, São Paulo:
Ágora, 1988.
BLATNER, Adam & BLATNER, Allee. Uma Visão Global do Psicodrama, São
Paulo: Ágora, 1996.
GONÇALVES, Camila Salles, WOLFF, José Roberto & ALMEIDA, Wilson castelo de.
Lições de Psicodrama: Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. 2a ed. São
Paulo: Ágora, 1988.
MENEGAZZO, Carlos Maria; TOMASINI, Miguel Angel & ZURETTI, Maria Mônica.
Dicionário de Psicodrama e Sociodrama, São Paulo: Ágora, 1995.
VOLPE, Altivir João. Édipo Psicodrama do Destino, São Paulo: Ágora, 1990.