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cop - 90922 opine Cou ~ 91828 ‘Titulo original em ingles: 6: LIVING AT THE EDGE OF TIME Copyright © 1997 by the President and Fellows of Harvard College Publicado em acordo com Harvard University Press dg DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVICOS DE IMPRENSA S.A. Tmpresso no Brasil ISBN 85-01-05464-X SAN PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL. was Hans Ulrich Gumbrecht Em 926 VIVENDO NO LIMITE DO TEMPO Tradugio de LUCIANO TRIGO fe TTORA RECORD Fo ibe JANEIRO * S40. PAULO 1999 EM 1926 Extruturas Depois de aprender com a Histéria » 459, Estar-nos-Mundos de 1926: Martin Heidegger, Hans Friedrich Blunck, ‘Carl Van Vechten + 487 Notas 529 Agradecimentos 549 Indice 551 Manual do usudrio ‘Onde comegar Ni tente “comesar do comeso”, pois este livro no tem comego, no sentido verberes em qualquer das tés seq6e *Ciédigos em colapso” (a ordem alfabética dos subt(euls indica que nfo exis- te uma hierarquia entre eles). Simplesmente comece por um verbete que Ihe interesse em particular. De cada verbere, uma rede de referéncias eruzadas 0 levard a outros verbetes relacionados. Lea no ritmo que o seu interesse deter ‘elo deste livro: voct deve se sentir “em 1926”. Quanto mais imediata esen- ‘sual esta ilusio se tornar, mais a sua leitura atenderd & principal meta do livro. Note: voct pode, se quiset, exper cap(tulos:“Depois de aprender com a Hi ia e "Estar-nos- Mundos de 1926”. Modo(s) [Nas seg6es “Dispositivos’, “Cédigos” e “Cédigos em colapso”, 0 texto pre~ tende ser estritamente descrtivo, O discurso€ feito para revelar percepqbes de superficie dominantes, tis como elas eram proporcionadas por determina- dos fend menos materais,evis5es de mundo dominantes,tais como elas eram produzidas por determinados conceits, durante o ano de 1926, Cada verbe- te abstém-se tanto quanto possvel de “expressar” a vor individual do autor, de interpretagses profundas de comtextualizagbes dir ravésda evo- ceaglo de fendmenos e visbes de mundo que ocorreram “antes 1926, Espera-se, portanto, que cada verbete atinja 0 méximo de superficali- ne EM 1926 dade e concretude. Quando possivel, o estilo ea estrutura dos verbetes serfo determinados pelos fendmenos individuais que cada um deles tematiza. Em sua convergéncia e divergéncia, por fim, os verbetes nao buscam produit qualquer “humor” (ou Stimmung) especifico. Se alguns leitores descobrirem, por exemplo, um certo “tom heidegge esta impressio deve ser explicada como um sintoma do impacto que 0 ano de sobre Heidegger, mais do que um sintoma da ambigio do autor de imitar 0 estilo de Heidegger. Contrastando com os 51 verbetes, “Depois de aprender com a Histéria” ¢ “Estar-nos-Mundos de 1926” foram esctitos na prosa académica . do qual (66) sabemos que existiu em alguns lugares durante 0 ano MANUAL DO USUARIO n Questo sta nfo é necessariamente e “hermeneuticamente” a nica questio de que 0 Ietr precisa para entender olvo;tratas, antes, da ida que o autor julgn {que o levou a escrever: © que pocemos fazer com o nosso = ee bre o pasado quando abandonamos a eperanga de “aprender com « Hi ra’, independente de meiose custos?Exta — hoje perdida— funsio diatica ‘da Histéria (pelo menos um certo conceito desta funcio didética) parece es- tarintimamente ligada ao hébito de pensar erepresentar a Hlistria como uma narativa, Seisto verdad, entéo uma atitude pés-ddtica em relagio ao nosso conhecimento sobre 0 passado des at a busca por formas ndo-narrati- vas de representagio historiogfica. Mas o argumento que comega com estes eae por Minis “nd questio por tris da questao. a suber que fae com onasoconhecimento sobre opssado nfo éa queso — mais ou menos técnica — de saber como escrever ou representar a Hist ria. E sobretudo a questio de saber o que nés imaginamos que o passado “seja (a questdo sobre o passado como “matsia crus”), antes mesino de comegat- mos a pensar sobre formas possives de sua representagio. Teses wnhecimento vasto e rapi ‘Como nés nfo sabemos o que fazer com o nosso conhecime : damente camulativo sebeo pasando (que a His nfo cm ma gu + Fangio pragmitica evidente), deveros examinar os impulsos mais 0 ison pecomenes qu podem moar oss facia pla Hist Este livro pressupde que um desejo especfico estéagindo aqui: um descjo de “falar aos mortos” — em outtas palavras, o desejo por uma expetiencia de primeira mio des mundos qu exit ants do nosso nascimento, Secvin- dodeinstrumento a ese deseo, o liv produz — miss ee tamente — determinados aspectos daquilo que “nés” (pessoas educadas d namos que "Hina Todos 105 mais a Histéria como uma dindmica parecemos concordat que no vem a co ‘i “otalizante” de “desenvolvimento”. Além desta negaglo, porém, ete imaginare representat a Histéria. no, pet~ jeronicamente, como fuze Sea imaginarmos erepresentarmos 2 EM 1026 ceebemos que os elementos desta sincronia no convergem num quadro coe- rente e homogtneo. Todavia, etalvez paradoxalmente, est lio sugere aexis- téncia de uma “rede” ou um “campo” de realidades (no apenas discursivas) {que moldaram fortemente 0 comportamento eas interagies de 1926.Téo forte, de fato, éesta impressio que, pelo menosimplicitamente, este livro nega qual- ‘quer pretensio de representacio subjetiva ou coleti ‘io existem conceitos de ago e representasio que nfo exi- jam a seqQiencialidade como sua moldura de referéncia, Mesmo assim, esta é precisamente a tnica forma de pensar a Histéria com a qual aidéia de simul- taneidade histérica € ineompativel, Contexto Nao podemos evitar a impressdo de que a corrente situagio intelectual nas hhumanidades — pelo menos quando vista do presente — marca umm momen- to comparativamente fraco, (E claro que esta impressio pode mudar em retrospectos ela também pode softer dos problemas usuais das avaliagdes auto- seflexivas.) De qualquer forms, o presente parece ser um momento de grande sofisticagéo quando chega a afirmar que determinadascertezas premissas néo funcionam mais” —e de uma telutincia ainda maior quando se trata de pre- ‘encher os vazios deixados pelascertezas e premissas desaparecidas. O momen to presente patece corresponder 20 “fimn da meta al como Derrida 0 descreve em Of Grammatology. nés estamos além da metafisca, mas nunca realmente deixaremos a metaffsica para trds. Também carecemos de alternati- vas fortes para opgBes que nio parecem mais vidveis. O marxismo néo é mais que uma lembranga nostilgica ou embaragosa, especialmente nas suas ressu- reigfes e reencarnages mais recentes (boas intengGes no consertarfo uma epistemologia ulerapassada!) A desconstrugio se tornou azeda esectéra (existe tum ar de mérmons em alguns desconstrutores de hoje, com suas roupas pre- tas), ou foi absorvida pelo clima interpretativo eheermenéutico geral. O charme (€2 forgs) do Novo Historicismo murchou muito rapidamente. E assim por diante. Para piorar as coisas, o autor sente que uma forte pressio esté sendo feita sobre a sua geragio para que ela apresente algo novo, algo nio exclusiva- ‘mente oftico; mas ele no se acha particularmente bom em textos programéticos f 10 B isto 6, no género de vexto que certamente é exigido aqui. Mesmo assim, 0 autor sente que ele ¢ 08 académicos da sua geragio deveriam se tornar para os sedemios da prima geragfoo que Reinhardt Kosleck, Niklas Lahmann, Jean-Frangois Lyotard, Richard Rorty, Hayden ion Paul aoe (om asculino, ele admite contrto) representaram para ele. ecreaaaaee no é, por ora, 0 melhor que ele “Ajuda” i jssas telas de computador “Ajuds", no sentido em que a palavra aparece nas nossast ado rex pode ser encontrada nos xpos “Depo de aprender com a Histéria”€ “Exar-nos Mundos de 1926" Espcalmente par sears com um inte esse profissiona, estes captulos oferecem uma dupla contextualizagio do li vyro como pertencendo a, do académica ¢ intelectual expec “Deposce aprender com a Hip jorineos eusos contemporineos. aaa experimento que cor jvro quanto a estrutura na qual ele se realizou sio reagdes ao status especifico da “Histéria” no nosso presente. O capil eambém expla por que o autor iolheu um ano alentério como tema desu ivro — embora defo chegue + fra no final, que ete ano tem uma importincia particular (mas até agora oculta) ve de 1926", por outro lado, sugere formas como este livro pode ser usado para além de tornat presentes os mundos de 1926, Os casos apresen- ‘ icas de trés textos — leituras realizadas no " o apresentados nos 51 ver- ccontexto dos “mundos de 1926”, tais como eles sio apresentad betes. Os textos de refertncia sio Sein und Zeit, de Martin Heidegger, Kampf ides Gestirne, de Friedtich Blunck, ¢ Nigger heaven, de Carl Van Vechten. én” —epretende mostrar como ras fortemente hi Propésito algo edificante, moral ou (© autor nunca pretendeu que este livro contivesse al 7 icamente, Mas algumas vezes, como todos sabemos, as nossas melho: u EM 1925 ‘espirituoso, em produzi ica, e assim por diante. A tengfo do livro é bem que era o seu subtitulo origin ". O livro pergunta em que medida ea {que custo € possvel fazer presentes novamente, em um texto, mundos que existiram antes de o autor nascer — e 0 autor esté perfeitamente consciente de que esta tarefa ¢impossvel. Emboraolivro compari alguns dos Leiemotfs do que pode ser chamado de “filosofia pés-moderna” (intengio de no pensar & Histéria como um movimento homogéneo e totalizante, a argumentagio a favor de uma concepgio “fraca” da subjetividade, o fuscinio por superficies ‘materais), 96 existe uma reno, o autor acredita, para classifci-lo como "p6s- ‘moderno”, ¢esta é uma razio negativa. O autor acredita que a batalha acadé- ‘mico -ideol6gica pela preservagio dos valores “modernos” e“modernistas” (ito 6 “nio-pés-modernos”) é uma causa perdida. Mas quem estdinteressado numa resposta do autor a uma pergunta que ninguém lhe fez? Se o livro no tem uma mensagem politica ou ética, deveriam os letores,talvez, considerar a sua Isto implicatia que o autor espera que muitos académi- ‘cos irfo aprovar, imitar e desenvolver o diseurso que ele “inventou’. A verda de, porém, é que cle se sentiria quase culpado se este livro criasse um modis- ‘mo (0 que, de qualquer maneira, nfo parece ser uma ameaga muito séria). Porque, desnecessétio dizer, néo ha tuma caréncia de correntes ou escola aca démicas. Tver o problema seja que, do jeito que as coisas esto, tudo esteja condenado a permanecer um expetimento, DISPOSITIVOS Ste \ i | | I ) ELEVADORES to ‘Tits dias antes da luta pelo titulo mundial dos pesos pesados entre Jack Dempsey ¢ Gene Tunney, e prevendo a chegada de “uma horda de baredores ‘outros tipos do submundo” &Filadélfia, [ver Boxe] uma agincia res langa “um folheto ‘Nao faca isso’ para alertar os fis de fora da ‘idade”. Alguns dos conselhos sio publicados no New York Times de 21 de setembro. Se nio chega a surpreender que a agtncia aconselhe os visitantes a “pio fazet amizade com estranhos”, ¢ a nfo deixar objetos de valor no carro ‘ou no quarto do hotel, pelo menos uma dessas regras causa certa estranheza: “Fique particularmente atento em elevadi ue sio lugares onde é co- mum aagio de batedores de carteira.” Po ‘uma fuga imediata apés 0 fuarto, o elevador nfo ofereceria uma 5 batedor de carteiras? Quaissio as chan se existe lguma, num elevador? Na imagina¢3o coletiva, os elevadores egu- lam o movimento dentro dos prédios modernos, eujas dimensbes giganescas 10s definem como mundos complexos e auténomos. Anunciando a sua rea- bertura apés passar por uma reforma completa, o Hotel Excelsior de Berlim, *o maior hotel do continente”, exibe com orgulho um verdadeiro sistema de levadores: “Seis clevadores regulam o tréfego aos diferentes andares, dia e Uhr-Abendblatt, 2.de outubro). O que talvez possa oferecer reiigio ‘em fuga, com uma bolsa roubada, nests ses elevadores & 0 ano- dae ‘complexidade. Néo apenas os elevadores fun- cde racionalidade e sistematizagio que governa ia EM 1926 © hotel [ver Sobriedade versus Exuberincia] também faz dele um local im- ‘pessoal e andnimo: “Uma recomendacio implicita para o meu estabelecimento que ele continue a ser o tinico hotel alemo que funciona sem porteiros, resolvendo assim o cansativo problema das gorjetas.” Como um prédio que contém 0 seu préprio e intricado mundo, o hotel é fascinante — “Um dos marcos de Berlim!” — porque ele radicaliza a0 extremo o principio da ‘autarquia: “Ele gera a sua prépriaeletricidade e energia, equivalentes a 920 cavalos-vapor. Tem um sistema hidréulico préprio, com a capacidade de bom- bear 75 mil litros de 4gua por hora. Eéauto-suficente em todos os setores de ‘operagio. Hé um jomnal didtio préprio do hotel, que jé é publicedo hé cinco anos (..) E os héspedes dispéem de uma il volumes.” Complexidade e autarquia tornam o hotel um sistema voltado para dentro de simesmo— e como um sistema voltado para dentro de si ele nfo parece estar ‘muito preocupado com o ambiente sua volta. Mas como os hotéi departamentos sto também emblemas da nova sobriedade, Adolf apontar para eles quando reclama da falta de prédios monumentais em Berlim: “Se Berlim tivesse o mesmo destino da Roma antiga, um dia nossos descen- dentesnio teriam nada para admiraralém de algumas lojas de departamentos de judeus e alguns hottis, como as obras mais colossai ‘expresses tipicas da nossa cultura atual” (1 Em vex de transmitir um sentido ao m fazer os grandes prédios), os hots earranha-ofus| igagoes estru- turais com sistemas ainda maiores: “Os meus valiosos héspedes desfrutam do conforto eda conveniéncia de um tine subterréneo que conecta a estacio de trem Anhalter ao hotel.” © paradoxo sistémico de sistemas totalmente fecha- dos que se abrem em dirego ao meio ambiente (Luhmann e De Giorgi, 3058.) pode acabar transformando os préprios prédios em meio ambiente. © movi- ‘mento interno dos hots, que os elevadores promovem ¢ regulam, é tio des- subjetivador quanto os movimentos caracerlsticos das dangas modernase dos novos sistemas de produgio, [ver Linhas de Montagem, Danga, Emprega- dos] Iso pode explicar por que os passageiros de clevadores de hotéis se tor- ‘nam vitimas ficeis para os ladrées ¢ outros criminosos. Raramente os cleva- ores sio controlados pelos seus passage dependem de ascensoristas (cujos gestos, por sua vez, dependem das instrugGes dos passageiros), ou, mais frequentemente, do movimento automatico continuo dos elevadores, que sio Puxados por um motor ao longo de um citcuito quadrangular que consiste Disposrrivos ns ‘em dois cabos vertcais e dois pequenos trilhos horizontais. O nome destes clevadores em movimento continue — “pater nosters” — tem virias co- notagGes: 0 ritmo incessante da prece coletiva; a confianga numa fonte de movimento invistvel e independente (Le. transcendental); [ver Imanéncia ‘versus Transcendéncia] eo medo causado por estes elevadores. Com um pater noste, © passageiro s6 tem um instante para entrar ou sair do elevador em ‘movimento. Entre a safda de um elevador ea chegada do outro, 56 existe um abismo negro. ‘A "Cidade dos Operdtios” no filme Metrdpolis, de Price Lang, € um enor- ‘me espaco fechado subterrineo, sob a cidade ao ar livre. Ela s6 € conectada Aasuperficie daTerra por um pater noster, que sobe edesce 20 longo da “Nova Torre de Babel, o centro das méquinas de Metrépolis”. No comeco do fil- ime, este elevador funciona como um s{mbolo da submissio dos operitios a tum sistema brutal e anénimo: “E todos tinham a mesma face. E todos pare- andavam. (..) O pater noster — 0 elevador continuo que, como uma série infinita de baldes de um pogo, seccionando a Nova Torre de Babel — apa- hava os homens no chao e os despejava novamente” (Lang, 20). A des- subjetivagio, contudo, néo apenas redur os individuos a uma massa de cor- © préptio destino. Torna-seébvio, assim, que o continuo movimento de sobe- ce-desce do elevador, em particular movimento pendular para cima e para espelha o movimento da Roda da Fortuna, o emblema ido da casualidade da vida. Transformando o eleva- aio metaférica quando imagina uma incursio para baixo do através de uma estrutura de muitos andares, repletos de Elétrica brilhante, lubrificada eroncando, a guilhotina passa voando. ‘No quinto andar: uma mulher numa cama, hipnotzada e de joelhos. ‘No quarto andar: miscaas deslumbrantes,atrés de cortinas voadora. No segundo andar: alguém limpando a garganta no toalete (..) Primeiro andat: um acrobata fazendo malabarismnos. No porto: eles dormem no fro. (Becher, 145) 16 EM 1926, sobem, em contrapartida, eles se tormam agentes'da da vida corporal. Os seis elevadores contém, portan- i4cimo em perfeigho na me ‘numa superficie superpovoada, (ver Centro = Periferia (Infinitude)} I por isso que 0s terracos xe tornam 0 cendrio do paralso terrestre. [ver Jardins Suspensos] Se, porém, subir num elevador pode libertar os passageiros das limitagées do corpo humano de- terminadas pela inércia e pela gravidade, um prego tem que s esta redengio. Aqueles que sio redimidos devem abdicar d ividade — e, em alguns casos, devem mesmo transfer Quem recebe esta transferéncia se torna um s cito é personificado no proprietério, que calcula os , € no homem de negécios. Previsivelmente, portanto, o antincio da 4 esctito na primeira pessoa e vem assina- dos elevadores como emblemas centrais da auto- descrigéo do mundo contemporineo, o jornalista Fri ensaio intitulado “Adoragio dos elevadores”, langa uma luz tendéncia dos intelectuais a romantizar os homens de negécios eadmirar as formas como ‘Enquanto isso, poetas euro- ides esctevem sobre o ritmo american, e sobre como ele Eles pagam um tributo hila- 20 seu estilo franco de Nova York (as ealgas idez!)¢ falam com légrimas fego — enquanto, subindo e des- gam na dgua o velho Deus alemio” spoténcia, Imanéncia versus Trans- nos olhos sobre a regulamentagio d cendo o Hudson em seus barcos (Sieburg, 274) Agio ver cendéncia) pistosrrivos 15 Verbetes relacionados ‘vies, Boxe, Danga, Empregados, Jardins Suspensos, Linhas de Montagem, ‘Ago versus Impoténcia, Imanéncia versus Transcendéncia, Sobriedade versus Exuberincia, Incerteza versus Realidade, Centro versus Perifetia (Infinitude) ‘New York Times edrich Sieburg, “Anbetung von Fabrstuchlen” (1926). In Anton Kaes, org Weimarer Republik: Menifee und Dolumente sur deutschen Literttt, 1918-1933. Stattgat, 1983. i | DEPOIS DE APRENDER COM A HISTORIA ote ‘JJesté na hora, a0 menos para os historiadores profissonais, de enfrentar seria- ‘mente uma situagio na qual a tese de que “se pode aprender com a Hist6ria” perdeuo seu poder de persuasio, Uma resposta dria —e nfo simplesmente a repetigio de discursos e gestos apologéticos — certamente teria que abordar 0 paradoxo de que os livros sobre o passado continuam a atrair um néimero crescente de leitores, ¢ a Histéria como um tema e uma disciplina permanece intocdvel na maioria dos sistemas educacionais do Ocidente, a0 passo que professores, dirigentes académicos e todos que de alguma forma estdo envol- vidos com o ensino sentem que de alguma maneira os discursos legitimadores sobreas fungées da Histéria degeneraram em rituais mumificados. Talvez sen- tissemos falta de seu pathos decorativo se eles desaparecessem dos livros de Histéria e dos discursos de formatura; talver ficdssemos trstes se 0 passado deixasse de ser um tema em programas de conhecimentos gerais ¢ um ponto de referéncia na retérica de alguns politicos. Mas ninguém mais confia no conhecimento hist6rico em situagées préticas. Nos detradeiros anos do sécu- lo XX, as pessoas jé nfo consideram a Hist6ria uma base sdlida para decis6es, cotidianas sobre investimentos financeiros ou a administragao de crises ambientais, sobre a moral sexual ou sobre as preferéncias na moda. Respon- der seriamente a esta mudanca significaria que os historiadores profissionais (da politica, da cultura, da literatura e asim por diante) teriam que comesar ‘a pensar nas suas conseqiléncias — sem serem apologéticos, e sem se sentirem. “obrigados a provar que estavam errados aqueles que, por nunca terem espera ) EM 1926 do aprender nada com a Histétia, nfo fazem uso de todo o conhecimento sobre o passado que preservamos, publicamos e ensinamos. E verdade, po- rém, que algumas vezes esses contemporineos gostam de ler 0 n “aprender” e “usar” apenas palavras erradas ad ‘apacitase 0s historiadores a obterem uma mai imaginagfo em vez de terem perdas? Em todo caso, existe uma longa genealogia ocidental de reagGes cada vez mais complexas ao medo (ou & esperanga) de que nfo se pode aprender nada com a Histéria, mesmo que se faga uso das mais complicadas técnicas intelec- tuais. Aquilo que chamamos retrospectivamente de “aprender com os exem- plos” eraa conviesio de que existia uma corcelagzo estivel entre determinadas agbes ¢ seus resultados positives ou negativos. Identificar estas correlagées, ttansp6-las para diferentes contextos e aplicd-las como receitas em situagBes do dia-a-dia eram as formas basicas como as sociedades medievais usavam 0 ‘conhecimento sobre o passado.' A pritica de aprender com exemplos sobrevi- ‘eu muitos séculos sem ser questionada, porque a crenga de que 0 tempo é tum agente natural ¢ inevitével de mudanca no mundo cotidiano nao estava institucionalizada até 0 in{cio da era moderna, Esta crenga se tornou o ele- ‘mento central numa construgdo do tempo que hoje chamamos de “conscién- ciahi + eque tendemos a interpretar equivocadamente como uma con- diséo imutével da vida humana, Depois de 1500, a concepsio do tempo como ite necessirio da mudanga comegou a solapat a validade dé ricos, cuja famosa aplicabilidade tinha dependido da premissa (ge- ralmente nfo formulada) de que as implicagées, estruturas e fungées do com- portamento ¢ das agGes humanas +6 foram levemente influenciados, se & que © foram, por seus contextos especificos.? ‘A Quetela dos Antigos e dos Modemnos, que abarcou o final do século XVII € 0 comego do séeulo XVIII, foi canonizada como o acontecimento telectual que, no final das contas, invalidou (para nossa mente néo histri- construsio medieval da Histéria2 Pela primeira vez, perfodos e culturas diferentes eram vistos como incomensuréveis,e as pessoas comesaram a pet- untar se era possivel aprender qualquer coisa com a Histéria. A resposta a esta pergunta — a safda para.a primeira crise moderna do apres rico —foi o que nés ainda chamamos de “filosofia da Hist6ri ‘mou as estruturas do conhecimento sobre o pas ‘6riasisoladas (ou “exemplos") para a imagem totalizante da Hist6ria como cescteve- ir isso talver ¥ 461 tum movimento que transformariacontinuamente as condigSes estrururas da za permanéncia desta estruturas, nem poderia mais consist na mera trans- posigao de pad:ées de comportamento do pasado para o presente, Pelo con- trétio, © conhecimento hist6r de prever as diregSes que a Histéria, como um movimento pro abrangente de mudanga, tomaria no fururo. Em outras palavras, dda Histéria” afirmava estreitar 0 horizonte da alteridade através da qual se cesperava que o futuro se tornaria diferente do passado. Se esta complexidade crescente das téenicas de aprendizado com a Histria gerou um senso agudo Europa durante 0 sé- ‘culo XIX (como “conscitncia hist6rica” e como “cultura histérica") — tam- bém é verdade que, apesar de uma florescente retérica que saudava a impor- téncia do conhecimento hist6rico, o impacto deste conhecimento nas formas concretas da pritica cotidiana jf comegou a diminuit, ‘Ax recentemente, esta despragmatizagio do conhecimento histérico era obscurecida pelo fato de que nenhuma outra invengio da histéria intelectual do Ocidente tinha obtido uma chance melhor de provar sua validade do que a “Filosofia da Hi menos num nivel superficial de auto-refertncia, a vida cotidiana de mais da metade da populagio mundial se tornou dependente da tese de que era pos- slvel extrapolaras “les” da mudangafuturaa partir da observagho sistemdtica das mudangas do passado — ¢ que, a longo prazo, sistemas sociais baseados neste tipo de extrapolagio necessariamente prevaleceriam sobre aqueles nos {quais a “flosofia da Histéria” estava confinada a um estilo espectfico de pen- samento académico. Quando 0 comunismo europeu entrou em colapso apés 1989, este experimento— que era tinico, meramente em fungio de suas pro- ees — demonstrou mais uma vera sua eee experimentos intelectuss jélevados a cabo,* Certamente pode-se argumentar que a queda dos Estados comunistas nfo invalidou — dard jamais — ox padrbes e as metas éicas ex a cegueira aparentemente deliberada com que mui pest nnn ear aca a coset clo dco ‘munismo para o status ¢ 0 valor prétco do conhecimento histrico #6 pode ser explicada pelo medo que eles tinhar de pOr em risco o seu papel social que caracterizou 4 EM 1926 tradicional como aqueles “que sabem mais” sobre o futuro do que os politi- 05, 08 economistas ou os cientistas (um pape! altamente compensador, ainda que eles no sejai geralmente bem pagos). Ao mesmo tempo, as sociedades eriosa do que nunca. Mas esta ‘especialmente na politica ena descrever 0 futuro através da pelo célculo de riscos — uma atividade cujo primeiro princfpio é a impre- visibilidade do futuro.® ‘Aqueles que consideram este quadto dramético ou pessimista demais (mas por que ele deveria ser visto como exclusivamente trar consolo em leituras mais conciliatérias da nossa cortarmos definitivamente as possibilidades de voltarmos aos velhos e gastos padroes de “aprendizado com a Histéria” seremos obrigados a pensar seria- ‘mente sobre maneiras diferentes de usarmos 0 nosso conhecimento histérico. De fato, muito antes dos acontecimentos do impacto decrescente do conhecimento hi tomas claros de um descontentamento i mudanga continua, porém, espe desapareceria — e com ela a prias reconstrugGes de sistemas discursivos do passado e suas transformagbes ‘fo pressupunham a existtncia de leis que governassem esta mudanca ¢, por- tanto, ndo pretendiam ter qualquer fungio de prognéstico” (embora muitos dos seguidores de Foucault paresam ter voltado ao papel de ildsofos da His- t6ria). Quando Hayden White e outros comegaram a problematizar a distin- ‘¢4o tradicional entre os textos ficcionais (especialmente os romances) ea histo- rlografia, eles o fizeram com base na observacio de que a escrta dos histo- radores era orientada nfo somente (e, talvez, no principalmente) por estru- ESTRUTURAS 463 turas do mundo real, mas, numa larga me 1sfo e da composigio discus tornou uma poderosa altern guma medida capazes de uma base para a argumentagfo, a m: historiografia e do conhecimento histérico era insustentével. Assim, alguns icos — e provavelmente a maioria dos estudantes de graduacio — abandonaram o passado como um campo intelectual séio (embora, em geral sem reconhecer que a concentragéo no mundo contemporineo nao elimina de forma alguma os problemas da referéncia discursiva)® Aqueles que sf0 enamorados do passado reagem ou com desprezoestbico por esa falta de “cons- cin 1a com uma insisténcia desesperada no repert6rio herdado de argumentos a favor de seu valor didético. Ainda que esta atitudes apo- logéicas possam ser agrestivas, os historiadores modemos, em comparagio com seus predecessores do século XIX, se sentem derrotados, fo © “Novo Historicismo” americano conseguiu transformar algumas dessas perdas aparentes em virtudes pés-modernas. E bem verdade que, de forma ainda mais clara que no caso de outros cerrado com 05 modismo: se, antes, de um gesto reine num conjunto vage Historicismo é uma forte (se nfo violenta) leitura da pritica historiogréfica de Miche! Foucault, segundo a qual a realidade é constitu(da por discursos. © conceito de “diseurso”é raramente definido e, portanto, permanece conforta- velmente stuad ente que os historadores 64 EM 1926 de saber se podemos e devemos pressupor a existéncia de uma “ealidade alémn” do nivel fenromenolégico do discurso. Tendo ou néo em mente esta “realida- de’ discursiva, os Novos Historiadores rstringem 0 campo da sua pesquisa, € © campo daquilo que ¢ possivel saber sobre o passado, ao mundo dos discur- sos. Esta limitagio auto-imposta se sobrep6e a uma segunda opsio floséfica (itada acima como “construtivista”) que afirma que aquilo que normalmente chamamos de “realidades” nao é mais que discursos ou estruturas de conheci- ‘mento social —e que, portanto, essas realidades precisam ser compreendidas como “construgées sociais”"* Provavelmente foi esta visio das realidades como algo socialmente construfdo que provocou o hibito neo-histérico (estranho, mas hoje comum) de se referir a fetémenos ou instituigées culturais como “invengGes”, e de reconstruir as suas transformag6es e confluéncias como “negociagées”. Se os neo-historiadores usam esta metéfora para caracterizar sua visto de seu tema, eles nunca se esquecem de enfatizar que esta visio converge com a “inventividade” de sua propria escrita historiogrdfica. Esta nnogio nao poderia ser mais diferente da visio tradicional de que escrever Histéria ndo é seno representar (no sentido de descrever) realidades histé- ricas. Os Novos Historiadores pregam uma liberdade semelhante & dos es- ctitores de ficgio: eles querem contat “boas histérias” e gostam de discutir a “poética” da historiografia. Algumas vezes (especialmente entre aqueles “an- tropélogos reflexivos” que compartilham os gestos literérios dos neo-histo- riadores), estas louvéveis intengSes geram estruturas narrativas sobre como tum autor chegou a escrever uma determinada *histéria” ("story") — narra- tivas que acabam sendo maiores do que os préprios textos historiogréficos ‘ou antropol6gicos. ‘Apenas poucas décadas atris, tudo isso teria provocado um escindalo no ‘campo da Histéria, e, felizmente para o sucesso puiblico dos Novos Historia ores, ainda consegue escandalizar alguns “historiadores convencionais” con- temporéneos. O potencial de causar querelas dentro da profissio naturalmente nfo serve como argumento contra o Novo Historicismo, e ainda menos numa situaglo onde os modelos clissicos de se escrever Histéria parecem exauridos, (© que me incomoda na pritica da Nova Histéria ¢ a impressio de que ela se tornou uma presa das metéforas que ctiou em seu empenho construtivista, ¢ que estas metéforas levaram a uma situaglo na qual o velho paradigma de escrever Histéria como uma precondiglo para “aprender com a Histéra” foi substitufdo pela implicagfo supremamente pretensiosa de que escrever Histé- ESTRUTURAS 465 ta significa “fazer Histéri”, Num primeiro (e comparativamente inofensivo) nivel, frases como “a invencio da sociedade de classes” ou “a negociagao dos interesses de classe” parecem ter estimulado a crenca de que estas realidades sio de fato produtos da intencionalidade humana, e de ages humanas. O que piora as coisas, porém, é a freqilente (e, mais uma ver, implicita) Fuso entre a monumental posigio de sujito pressuposta por esta linguagem e a ue 08 neo-historiadores aribuem asi préprios como cescritores de historiografia. Sempre que ocorre esta fusio, ela gera uma iluséo que pode se expressar nas seguintes equagSes:escrever Histéria = inventar realidade histérica; inventar realidade histérica = fazer realidade histrica, Deve ser por isso ques discusses sobre a “politica” de determinados discursos acad- 1micos so freqiientemente conduzidas com uma paixio e uma seriedade que fariam um observador neutro pensar que o destino de nagies inteiras eclas- ses sociais estd em jogo, eque na verdade a questio nfo é mais como se pode aprender com a Hist6ria, mas como os historiadotes podem tornar a Hist6- ria real! ‘Sempre que 0 Novo Historicismo atribui a si mesmo esta importincia, ele fracassa em oferecer respostas convincentes a quest6es sobre o que os histo- riadores deveriam fazer “depois de aprender com a Histéri. Na verdade, isto parece um novo tipo de compensacio, engendrado pelo sentimento de inte- lectuais maduros de que eles estio muito mais distantes de uma posigio de influéncia do que merecem. Mas sea pretensfo de ocupar um lugar de influéncia no sistema politico ndo tem conseqiéacias realmente negativas enquanto a distincia (ao mesmo tempo frustrante ¢ saudével) que separa o ‘do mundo da p la, aconfusio entre aine- téncia na subjetividade dos hi existe uma realidade para além re da fico e, portanto, nfo pode se tomar um substtuto para o discurso que era baseado na pretensio de uma referéncia 20 xe mesmo Stephen Greenblat,o mais eminente Novo 466 EM 1926 Historiador, confessa que o seu trabalho ¢ orientado pelo desejo de alcangar realidades passadas, pelo “desejo de falar com 08 mortos" ote Jéque o paradigma filoséfico-histérico perdeu muito da sua credibilidade na situagéo contemporines, e como o Novo Historicismo — que, pelo menos brevemente nos Estados Unidos, parecia capaz de tomar o seu lugar — se entregou as tentagées da subjetividade pottico-hersica, permanece a questo, de saber 0 que podemos e devemos fazer com 0 nosso conhecimento sobre o passado. Na busca por uma resposta, pode-se muito bem comegar eliminan- pedagégico desta questio ("O que devemnos fa -simplesmente no fato de queeste conhecimento exerce bisico de “realidade histories", que parece su- Jonalizagées e legitimagées da historiografia € ‘cuss6es ¢ discursos velhos — um distanciamento que pode est surgimento de novos conceitos sobre os usos do conhecimento histético. Plo ‘menos segundo estas reflex6es iniciais, a questdo séria, portanto, nfo é saber 0 {que podemos fazer com o nosso conhecimento histérico, mas sim o que nos leva a Realidades passadas — independente de possveis objetivos préticos. ara achar uma resposta, recorrerei a um argumento que data de uma época em que era muito menos problemitico falar das fungées préticas do conheci- ‘mento histérico — um argumento cuja precariedade filoséfica eu sequer me cexforco para negat' Ele €baseado numa interpretagio jcado concei- to transcendental de Husserl de Lebensvels (“mundo da vi ser diferenciada do uso predominante deste termo com referencia a meios histéricos e culeuras espectficos. Para enfatizar esta distingso, chamarei estes ‘meios de “mundos cotidianos’. Em seu sentido clissico tradicional, o termo “mundo da vide" compreende a totalidade das formas posstveis de comporta- mento que nés— ou, mais precisamente, as tradigbes da cultura ocidental — atribuimos aos seres humanos. Cada cultura particular, cada mundo cotidia- no pode portanto ser visto como uma concretizagio especifica e uma selego de possbilidades contidas no mundo da vida. De forma algo paradoxal, con- ESTRUTURAS 467 tudo, o mundo da vida inclui a capacidade humana de imaginar agbes ¢ for- ‘mas de comportamento que cle explicitamente exclui do Ambito das possibi- lidades humanas. Estes produtos da imaginacio podem ser ilustrados pelos atributos que diferent inventaram para os seus deuses — como“ nidade”, “oni inci” e “onipottncia". Como estas ca ibora o conceito de mundo da vida os exclua da realidade da vida humana), ees inevitavelmente se transformam em objetos do desejo. E portanto possivel argumentar que muitas das agSes executadas e muitos dos artefatos produzides dentro dos limites do mundo da vida rece- bem o seu impulso inicial — e tiram sua energia — do desejo de alcangar aquilo que a imaginacio humana projeta para além destes limites. Esta refle- xo leva 8 suposigio de que, por exemplo, muitos dos avangos mais recentes nna tecnologia das comunicagdes foram orientados por um desejo de oni- presenga; que a enorme capacidade de meméria dos computadores (que ge- ralmente excedem em muito as necessidades de seus usustios) nasce de wm desejo de onisciéncias e que, por fim, o desejo de superar os limites que 0 nnascimento e a morte impéem d expetiéncia tem a ver com o desejo humano decternidade. E este deseo de eternidade que fundamenta os discursoshisté- ricos utdpicos. Mas estes desejos ais” so quase regularmente encobertos de fun- ‘nico, exstem de fato razbessuficientemente boas para aexisténcia de com- putadores, aparelhos de fax e métodos de prognésticos — além de sua pos- sfvel fundamentagio no desejo de onipresenga. Mas ainda sentimos falta de racionalizagées igualmente convincentes em relagio ao nosso conhecimen- to sobreo passado, Esta falta toma facil perceber que aquilo que nos cespecificamente em diregéo ao passado & 0 desejo de atravessaro limite que separa as nossas vidas do tempo anterior a0 nosso nascimento, Queremos conhecer os mundos que existiam antes que tivéssemos nascido, eter deles uma experigncia direta. Esta “experidncia direta do passado” deveria incluir 1 possbilidade de tocar, cheirar e provar estes mundos através dos 0 conceito enfatiza um longamente subestimado (ou specto sensual da experiencia histérica — sem consti- uma problematica “estetizagio do passado”. Pois um passado tocado, cheirado e provado nio se torna necessariamente belo ou 468 FM 1926 sublime. Algumas préticas e meios de nossa cultura histérica contemport- nea parecem ter reatado com este desejo de experiéncia sensual. Seria di por exemplo, explicar o recente entusiasmo pela pesquisa de arquivos pela ‘mera necessidade de acumular cada ver mais documentos hist6ricos. Tocar ‘© manuscrito original de um texto cujas palavras exatas seriam mais facil- ‘mente acessiveis numa edicio critica parece fazer uma enorme diferenga para muitos estudiosos. EdigSes filolégicas em hipertexto reinserem o leitor na simultaneidade de ambientes discursivos ha muito tempo esquecidos. Ao mesmo tempo, os cineastas prestam mais atengio do que nunca &s recons- losas de detalhes histéricos, em todos os niveis — de forma que em filmes como O nome da rosa, Amadeus ou Mephisto tornou-se mais importante proporcionar aos espectadores a ilusio de viverem num monas- tério medieval, na Viena do final do século XVIII ou na Berlim de 1935 do que envolvé-los em tramas ou histérias especificas. Em nenhuma parte este ica € mais evidente do que nos museus. Eles abandonaram h4 muito tempo o princ(pio taxondmico que tradicionalmente estruturava as suas exposigGes, e agora tendem a organizé- las como uma reconfiguracao de ambientes histéricos — de paisagens pré- histéricas a feiras livres medievais e drogarias de 1950 — nos quais 08 visi- tantes podem literalmente imergis.” deslocamento no estilo da cul oto Existe uma convergéncia interessante entre esss priticas de uma nova cultura histérica e alguns debates filos6ficos em curso. Se os filmes ¢ 0s museus passa- rama se concentrat mais nas ambientagSes do que nas narra - cepgio de tempo histérico como uma seqiiéncia também foi hist Bascada no conceito de tempo como um agente de mudanca necessério, a nogdo cde tempo histérico pressupunha a assimetria entre o passedo, como um espa go circunscrito de experiéncia, e o futuro, um horizonte aberto de expectati- vas." Entre um passado circunscrito e um futuro aberto, o presente aparecia como © momento transitério — as vezes imperceptivelmente breve!” — no qual as ages humanas aconteciam como selegSes entre diferentes roteiros possveis para o futuro. Em outras palavras, o presente era experimentado como ‘um movimento constante que se afastava do passado e avangava rumo ao fu- ‘uro.2® Desde os anos 70, porém, aquilo que percebemos como “o presente” rs URAS 469 foi consideravelmente ampliado — transformancdo-se num espago de simul- tancidade2" A origem deste “presente mais amplo” est numa relutincia cres- cente atravessar a fronteira entre o presente € o futuro (ou, alternativamen- te, a impressio de que esta fronteira se tornou uma linha que se afasta cada ‘vex mais) Pois uma vez que o otimismo em relagio ao conceito de progresso foi frustrado, o futuro voltou a se tornar ameagador: ele ¢ agora habitado por imagens da catéstrofe nuclear e poluigéo de nosso meio ambiente, de super- populacio e eclosio de epidemias. E mesmo aqueles que resistem a este pessi- mismo tém dificuldade para conceber um cendrio positive (muito menos uté- pico). Do outro lado do nosso presente amplo, novos métodas de reprodt ‘mundos passados (de registos sonoros culindtiae as edigBes em fac ‘nos inundam com seus produtos. Estas transformagées do nosso futuro e do nosso passado produziram um presente no qual as imagens do futuro ¢ as re- miniscEncias do passado se superpéem em graus crescentes de complexidade —em geral desestruturada, idade geral entre simultancidade © subjetividade, podemos observar uma coincidéncia temporal entre, de um lado, ‘a emergéncia de um presente complexoe, de outro, diversas problematizagbes filoséficas da figura da subjetividade.® Niklas Luhmann tentou ex correlagao. Ele descreve o “tempo histérica” como um espago de operagio que surgiu para ajustar um sujeito a suas agGes, Se “agdo”, pelo menos na tradigéo sociol6gica inaugurada por Max Weber, pode ser definida como um compor- tamento presente orientado pela imaginacio de uma situagio Futura para cuja materializagio um sujeito quer cor ‘com base na sua experiéncia do ppassado, entio é de fato a ago do sujeito o que liga o passado, o presente €0 futuro numa seqéncia temporal, Retrospectivamente, a aio no presente (passado) ¢ a experiéncia prévia na qual ela se bascou surgem como as “cau- sas" do Futuro (agora presente) — e esta visio retrospectiva une sujeito, agf0 «¢ tempo histérico numa imagem da humanidade como “etiadora de mun- ca que, fora da seqiencialidade do tempo histérico, situagBes cou artefatos ndo podem aparecer como sendo ctiados pela ago humana, In- te, na auséncia de um sujito e suas agGes, aseqiencialidade do tem- po histérico se toma um espago de simultancidade que nfo admite qualquer relagio de causa e efeito. Um mundo de simultaneidade ¢ um mundo que nfo pode se apresentar como um mundo provocado, porque ele nfo estabelece uma relagio de prioridade temporal. Daf a resisténcia do paradigma histSri- ar esta oa) EM 1926 ©0-filoséfico a situag6es e modelos de simultaneidade, incluindo a necessida- dede dissolver a simultaneidade (“meramente cronolégica”) numa nio-simul- taneidade (“filoséfica” ou “tipolégica”).* Luhmann enfatiza a necessidade de desenvolver este conceito de simultaneidade como uma “teoria do presente”. O recente interesse pelo paradoxo — isto é, pela simultaneidade de dois con- ceitos ou posigées incompativeis — pode ser visto como um primeiro passo. nesta diresgo.* Em contrapartida, a “filosofia da Histéria” de Hegel se baseia no principio de que é possveldesfazerparadoxostransformando em narrati- desejo de uma experitneia imediata do passado surgiu dentro da nova ‘mentos {ntimos resultavam de um ato de compreensio. O que transformava a interpretagio numa espécie de obrigago moral era a implicagio complemen- tar de que o sujeito ou poderia tentar ocultar esta esfera interior ou, apesar das melhores inteng6es do sujeito, a esfera interior néo conseguitia encon- trar uma articulagéo adequada em qualquer superficie textual. Em seu nivel ‘ais pretensioso, a interpretagio (ea “hermenéutica” como teoria da inter- pretagio) afirmava que o seu poder de revelagio era superior & percepgio do sujeito. Em contraste com a interpretagao ea hermentutica, o desejo pela experién- cia direta de mundos passados se dirige &s caracteristicas sensuais das super- ficies, e nfo a profundidade espiritual. Desenvolvendo um tema dos primei ros livros de Jacques Derrida eargumentando contra tradigio hermenéutica, David Wellbery discute o fato de que nés podemos ver uma pagina escrita ‘como pura “exterioridade” (sto ¢, uma exterioridade sem qualquer “profun- didade”), assim que nés deixamos de lado a necessidade de as aum sujeito.”” A nogio de “exterioridade” marca trés diferentes formas de distan- ciamento em relagio & topologia hermenéutica: nés no mais buscamos uma ESTRUTURAS an profuundidade oculta por uma superficie nés no mais vemos 0s sinais (ou os tragos) de uma pégina como uma seqiéncia, mas aprendemos a percebé-los como uma simultaneidade; nés deixamos de su sgovernadas por uma causalidade baseada na s adotarmos a premissa do acaso. Mas como podemos ser responsdveis pela so- brevivéncia da impressio de que nds “interpretamos” e “compreendemos 0 ese recusa a oferecer um gem intrinsecamente a “perturbagées” que vém destes ambientes, mas cles nfo as “véem” — e portanto nio podem ter uma visio clara da esfera inte- tema de seu mesmo ambiente. Segundo a teoria ressio de que esta visio da psique de outra pessoa & posstvel decorre de uma distingio intrinsecamente produzida entre a auto- referencia do sistema de observasio e a sua referencia externa, Esta distin- terna (intrinsecamente produzida) numa auto-referéncia e numa referencia externa, Em outras palavras, nés imaginamos a psique das pessoas que jul- ‘gamos observar. ‘Aauto-referéncia da referéncia externa ¢ 0 que o Eu observador confun- de com a auto-reflexividade do Outro e a referéncia externa da referéncia externa contém 0 que o Eu sm que o Outro tem do Eu. O ‘que chamamos de “compreensio” oui ” é, segundo esta formu- lagfo, a oxcilagio de um sistema entre a sua prépriareferéncia interna © & ‘um sistema que é parte eferéncia arece como um processo-de-sistemna-in- )penetracio” ou uma “ponte” entre de se avaliar esta compreensio que apenas imaginamos nao tem © wm base na sua “adequagio”. Aq status de uma de externa da qual poderfamos ter qualquer percep- Go. Dado ointeressehistrico que pode surgi do desejo de uma “experién- an =M 2” de mundos passados, a crltca de Luhmann so coneeito de “com- preensio” tem duas consequ primeira destas duas consequéncias nos leva de volta a uma proximidade algo desconfortével do construtivismo: io existe maneira de nés — como “sistemas ps{quicos” — nos desviarmos dda necessidade de criar esses mundos passados que desejamos experimentar le, A segunda conseqléncia produz uma nova férmula para ‘uma possivel fungio (ou mesmo racionalizasio) de nosso desejo de Histéria vai mais longe do que pretendemos com este argumento © ivrointeiro. A compreensio, como um componente intrinseco da dentro de um sistema de observagio, aumenta a complexidade jstema — e portanto o grau de flexibilidade com que ele pode reagir a perturbag6es de seu ambiente. Buscar essas relagdes entre 0 desejo de uma experiéncia no mediada do passado e as transformagées contempordneas de conceitos como “simultanei- , ividade” e “compreensio” nio nos levou muito longe (na verda- por outro lado nos levou Jonge demais (a hipéteserelativa ts Fung6es possiveis da cultura histérica). Ndo muito longe e longe demais ao mesmo tempo, porque a nossa discussio vem adiando um comentério que deveria ser feito desde a primeira aparigéo neste ‘texto das palavras “realidade” e “experincia direra”. Como alguém pode usar palavras assim sem ingenuidade nem embaraso numa atmosfera filoséficacujas autodescrig6es predominantes so baseadas na suplementariedade na ausén- cia? Em ver de oferecer uma resposta — inevitavelmente apologética—, tal- yer seja melhor responder com outra pergunta, Qual seria a razio de tanta ncia na suplementariedade ena austncia (condigées epistemolgicas que istema ocidental vem confrontando hé mais de um século), se esta insistén- cia nio fosse o sintoma de um desejo irreprimivel da presenga? E qual seia 0 motivo de tanta insisténcia na distincia insuperdvel que nos separa de mun- dos passados se nfo fosse © motivo de re-presentar — fazer presente nova- ‘mente — esses mundos passados? A cultura histérica nfo pode deixar de viver entre ess esforgo para satisfazer seu desejo de presenga ea consciéncia de que cesta ¢ uma tarefa imposstvel Portanto, a cultura histérica — se quiser preser- vara sua identidade como uma forma de experitncia diferente da experiencia da ficgio — precisa tentar “conjurat” a realidade dos mundos passedos, sem indulgéncia com ingénuas analogias com a magia, mas reconhecendo a subje- tividade inabieivel de cada construgio de alteridade histérica, Mesmo assim, [ESTRUTURAS a3 Jogo que cultura histérica opta abertamente por este desejo de re-presentagio (que nfo é dado), cla também ndo pode defxar de ser itnica, é que entio re- presenta o passado como uma “realidade”, embora saiba que todas as re- ‘presentagées so simulacros.® ‘Ou seria uma concessio grande is a0 espfrto da suplementariedade classficar esta situagio com¢ inal de contas, nds podemos tocar ais velhos, visitar catedrais medienas e olhar os rostos de bjetos fazem parte do mundo que nés experimentamos sen- satisfazer 0 nosso desejo de imediagdo ‘vamente as condig6es que tornam esta i xxar que ela acontega. Depois atitude mais académica predomi para a experitncia hi jetiva” pode nos tornar cegos para 0 nosso desejo por uma experitncia direta do passado — que fica mais fécil ‘quando nao buscamos essa distincia. ‘Ao escrever este livo, eu consultava continuamentejornais velhos eli pposirentos, que ninguém lia hé décadas. Eu nunca ditgia meu carro sem ouvi discos de jaz gravados em 1926, easistiarepetidas vezes filmes mudos fei- tos nesse ano. O m: dulgéncia com essa der ao “presente disponivel” de dis um livro pode ir em oferecer, ou em mantet direta do passado? Com que velocidade um livro pode satsfazer um desejo a {que outros meios conseguiram atender com sucesso em anos recentes? O que acontece se, ao escrever Histéria,alguém simplesmente seguir este desejo em. cografias ou outros documentos visuais aqui. Pois les produzem um efeito cde imediagio que facilmente esmaga 0 que quer que possa ser oferecido pelo texto, Minha esperanga é que, na auséncia de imagens, as palavras do passado ans EM 1926 ‘que eu cito abundantemente proporcionario um efcito semelhante — mas fenomenolégica e psicologicamente diferente. oto ‘Como um “ensaio sobre simultancidade histérica’, meu livto é uma respos- ta pritica & questo de saber até onde um texto pode ir no sentido de propor- cionar a ilusio de uma expetiéncia direta do passado. Nao fago nenhum es- forgo para transformar esta resposta num “método”, pois sempre tive a con- viesio de que pretender o rigor de um “método” ¢ uma concessio através da ual os humanistas buscam uma fuga fécil de seu complexo de inferioridade tradicional em relagio aos cientistas. Tudo 0 que posso fazer, através de um ‘comentério pessoal, é langar uma luz, retrospectiva sobre as mais importantes decisdes¢ linhas de orientasio que surgiram durante o processo de composi- so. Em veade tentar dignificar este comentétio com o status epistemol6gico de um “método”, vou apresenté-lo simplesmente como seis maneinas prdtcas dt proceder ao excever Histria, depois de aprender com a Histbria, Estas regras se superpéem, jd que todas apontam para a (impossivel) pos certa priticahistoriogrfica, da qual o meu préprio tex se aproxima Se nés nos distanciarmos do desejo de “aprender com a Histéria e de “com- preender” o passado, enti#lo nos libertamos da obrigagdo de comegar textot Aistoriognifcoslegitimando a relevancia expecifica das momentos do pasado so- bre 05 quais escolhemos escrever. O que a tradigéo alema costumava chamar de “anos do limiat”, por exemplo, nao existe dentro de um discurso que enfatiza asimultaneidade hist6rica, porque lar e tomnar presente belecer uma continuidade entre o passado e 0 lectual da hermentutica e da filosofia do sujeto, iar eram vistos como momentos de transigo (freqilentemente ‘marcados por “acontecimentos” de grande significado simbélico) entre dife- fentes molduras institucionais para a agéo humana, Esperava-se que a inter- pretasio dos anos do limiar trouxesse revelagSes particularmente importantes ‘05 anos do ESTRUTURAS 45 ‘a respeito das “leis” da mudanga histérica, Mas se € verdade que esta moldura hegeliana de pressupostos comesou a retroceder, nés nfo podemos mais ser obrigados a subordinar arquivos e narrativas & economia desta legitimasio histético-filoséfica. Logo que admitimos que a escolha entre t6picos possiveis para a nossa pesquisa néo precisa obedecer a estes eritérios de relevincia, a velha obsessio leta— no sentido em que 0s historiadores no mais sio obrigados, entre ou- tras coisas, a promover “anos ¢ acontecimentos até aqui subestimados". Em ‘compensagio, o interesse pablico flutuante por determinados segmentos do passado pode passat a ser considerado uma orientagio boa o bastante para seguir. Por exemplo, a enorme atencio que em décadas passadas era tio freqientemente gerada pelos “anos comemorativos” certamente estimula o desejo de incontéves leitores potenciais de experimenta diretamente mun- dos como os de 1789 ou 1492 — mesmo se estes anos foram «escolhidos como comemorativos com base na sua reputasio di ricos. Em relagio 20 ano de 1926, quero enfatizar que ele néo atende a0 requi- sito clissico de ser um ano de limiar nem antecipa qualquer aniversiio publi- o, Inicialmente, uo escolhi como um emblema do seaso;* porque ele pare- ce ser um dos poucos anos do século XX para os quais nenhum historiador jamais atribuiu uma televancia hermenéutica especifica. Mais tarde, percebi ‘que a minha escolha provavelmente tinha sido pré-conscientemente orienta- da por uma construglo de Histéra familiar. Eu acreditava que dois de meus avs tinham morrido em 1926: Theresa Bender, em Dortmund-Hérde, de septicemia provocada por um parto prematuro, e Vinzenz Schraut, em ‘Wirsburg, em conseqiencia de um ferimento softido quando ele era solda- do, na Primeira Guerra. O desejo imposstvel de ouvir as vozes de meus avs (pois é verdade que vozes sfo paricularmente fortes ao se criar uma ilusio de ppresenca), de saber o que ocupava as suas mentes ede ver os seus mundos com 105 seus olhos foi responsivel por meu fascinio por documentos dos anos de suas vidas aduleas* Bu deveria entéo chegar& conclusio mais geral de que, se 0 ano escolhido deveria antecipar o meu préprio nascimento (em 1948), ele também deveria ser suficientemente recente para proporcionar uma: jo com pessoas que posso identficar como meus parentes? Eu poderia ter escolhido 0 ano 926, em ver de 19262 Sem menosprezar todos os problemas que haveria com a 46 EM 1926 disponibilidade ea cronologia precisa de fontes da Idade Média, tendo a pen- sar que se poderia de fato escrever um livro semelhante sobre o ano 926. Pois ‘embora apenas um sentimento inicial de proximidade dispareo desejo de uma experiencia direta do passado, esta proximidade nio precisa ser a proximidae de da histria familia. Estou escrevendo estas linhas durante uma estada em dle natal devem te tido na minha excolha de um tema de ‘eu assim admito alegremente que nenhuma relevinci buida ao ano de 1926, eu espero eacredi cescolha nfo torna este livro menos titil para 1920 de Angulos diferentes (¢ provavelmente aque, no capfeulo final, eu tento mostrar a prod abordagem através de uma andlise paradiggn tempo), de Martin Heide da na reconstruga a do livro Sein und Zeit (Sere que foi escrito em 1926 — uma andlise basea- ica dos mundos cotidianos daquele ano. 2 A perspectiva da simultancidade historia ndo depende da exolha do pertodo de um ano — desnecessério dizer. Qualquer decisio questionével sobre o lapso de tempo a ser tratado depende inicialmente da proporgio entre as fontes dispontveis e a extensio projetada do livro (ou, se for 0 caso, as dimensGes projetadas de uma exposisio). Se seria tecnicamente diffil tocar um projeto semelhante sobre um tinico ano do, digamos, século VII a.C., podia-se en- contrat facilmente centenas de piginas com referéncias a cada més, a cada semana e, provavelmente, até mesmo a cada dia do ano de 1926, Uma vanta- gem estratégica do perfodo de um ano vem do fato de que anos (e décadas, séculos) freqlentemente trazem certas conotagbes para leitores potencials — conotagées que podem despertar ¢ orientar 0 (mas nio meses, nem dias) sio usados em classificagbes padrio de materiais BSTRUTURAS a impressos (bem como de outros artefitos, ou mesmo de “eventos”) — uma circunstancia que simplesmente torna as coisas mais feis para o historiador da simultaneidade. ‘Muito mais importante que © perfodo de tempo escolhido, porém, a decisio de me abstrair (tanto quanto possivel) da seqilencialidade e da causa- lidade dentro da reconstrusio historiogréfica de um ano escolhido (ou déca- da, ou més). Esta decisio nfo se reaciona diretamente com a minha meta inicial de me aproximar o mais possfvel dos acontecimentos ¢ estruturas de experincia reais que constitufram o ano de 1926. A suspensio da sequien- cialidade surge, sto sim, da escolha de um Angulo espectfco de representagso histérica. Neste aso, #0 foco num ano como um ambiente, como um mun- do dentro do qual as pessoas viviam. Embora, é claro, se possa observa re- trospectivamente transformagGes e mudangas nos mundos cotidianos como ambientes ao longo de um ano, acredito que, como regra geral, estas mudan- 428 dificilmente sio percebidas pelas pessoas que vivem nesses mundos. O imperativo auto-imposto de suspender a seqiiencialidade nos obriga a mini- mizar 0 recurso 20 conceito, centrado no sujeito, de causalidade, e a0 gnero ‘da narrativahistérica. Portanto, devemos perguntar que discursos ¢ conceitos podemos elaborar para estabelecer relagGes nio-causais entre 0s textos ¢ 0s artefatos a que nos referimos. Uma resposta & mais dftil de se encontrar na medida em que precisamos nos expor 3 inevitével seqllencialidade do texto ‘como uum meio, Se pudermos sugerir qualquer solugfo, esta serd uma contri- buigio a jd mencionada “teoria do presente”, da qual precisamos, mas da qual ainda no dispomos. 3 Que textos earteftos‘pertencem ao ano de 1926? De acordo com a nossa meta de nos aproximarmos tanto quanto poss{vel do mundo deste perfodo de tem- po, leque de materais pertinentes compreende potencialmente os tragos de todas as experincias que possam ter acontecido em 1926, Se esta formula for levada asétio, ela implica a obrigacao de lidar com a massa quase infinita destes tragos que vém de perfodos e culturas anteriores a 1926 — mas que estavam dispontveis em 1926, Para atenuar esta complexidade esmagadora, eu come- cei me concentrando em livros, objetos e acontecimentos que atralram um certo nivel de atengio publica durante o ano em questio. Entre eles, nfo faz 8 EM 1926 iferenga se um texto, digamos, foi realmente publicado pela primeira vez em 1926, seele foi reeditado com sucesso ou se, mesmo sem uma nova edigio, ele simplesmente se tornou um tema de ampla discussio durante o ano. Estabe- lecido desta forma o primeiro repertbrio de materiais, pode-se incluir objetos rpretativa é naturalmente o prego que precisa ser pago por se trabalhar ip6teses desse tipo. Entre os livros que foram escritos (nfo publicados) dos que datam o processo de escrta do livro de abril a dezembro de 1926. Em geral, porém, eu resist a tentagio de usar estas evidencias, pois estavainteres- sado em explorar os desafios do acaso cronolégico. Fontes sem uma clara ins- ctigo em 1926 simplesmente foram desconsideradas, mesmo que em alguns casos elas pudessem ter contribuido para o refinamento, a ilustragio € a con- firmagio de algumas de minhas teses. ‘Mas mesmo o acaso € relativo, Acostumados a uma enorme amplitude ‘cronolégica na escolha de fontes para as suas narrativas, muitos observadores ignoram o fato de que aquilo que eles rejeitam como “acaso eronoldgico” & aleatétio apenas em relaglo a uma pretensio metafisica segundo a qual o pas- ‘ado esté estrururado por um principio de causalidade latente. E ainda existe uma outra regra sobre a selecio e o status das fontes: se 0 paraa inclusio de textos €0 seu status como tragos de expe em 1926, entio a distinglo entre textos ficcionais e nao-ficcionais reside na observacio — algo inesperada — de que, na média, os textos ficcionais apre- sentam uma densidade muito maior em relagéo aquelas preocupagées¢ pers- pectivas que eu identifiquei como especficas do ano de 1926. 4 'Nio lembro exatamente com que tipo de documentos eu comecei, mas sei ‘que, num estégio muito inicial, abandonei todos os crittios nfo-cronolégi- «0s de selegio. Quaisquer fontes, atefatos ou acontecimentos que datassem de 1926 eram potencialmente relevantes. Com esta abertura, eu naturalmen- ESTRUTURAS 475 te desisti da expectativa de chegar a um nivel de exaustio, Embora ndo fosse particularmente dificil abandonar esta pretensio, que de qualquer forma era imposivel, eu entio encarei a questio mais prtica de saber quando eu deve- rar completa a minha pesquisa das fonte dispontveis. A resposta ‘menos para qualquer tipo de pesquisa istéricarelativaa momento no qual a recorréncia de cde material e conclusées se torna vazia— ou (para usar interpretaivos na apresentagio de meus resultados. Nauralmente eu sei que i “inventar” mundos passados — mas eu ainda espero que a minha “construgio” se aproxime tanto quanto posstvel das visbes de mundo de dentro de 1926. Assim, a questio critica que estou pron- to para responder néo é se existem acontecimentos, obras de arte ou livros ‘que eu “esqueci" na minha reconstrusio de 1926, mas se a sua incluso teria modificado de uma forma importante a minha descricéo ea minha simulagio daquelas vibes de um mundo pasado. da recorréncia — em contraste com a totalizagdo rtante como principio de trabalho em meu proje- car miltiplos temas eintereses que atrafram aten- antes de tudo, que eu podia me abster de qual- na superficie dos fendmenos e ‘motivou o meu empenho em dé poss{vel,e 0 uso predominante dos verbos no presente é um sinal desta ambi- sfo. Pode-se dizer — se deixarmos de lado, pelo menos por um momento, 40 EM 1926 todos os problemas filossficos que decorrem desta férmula da pottica do ‘modernismo literdtio — que os fendmenos superficiais que descrevi“signfi- cam” o que cles “sic”. Usando uma distingo conceitual que pertence a uma tuadisto fenomenolégica, também se pode dizer que eles se referem no nivel da “experiencia vivida” (Erleben) ¢ ndo no nivel da “ex porque Frfabrung sempre pressupée que uma pers aplicada & Breben. Em ver de usar 0 termo “historemas” (que Wled Godzich ‘me props numa conversa), eu me referiria aos fendmenos superficiais que descrevo como “configuragées’. Pois a palavra “configuragées” (ou, como provavelmente teria dito Norbert Elias, “iguragSes”) enfatiza o aspecto da forma e da percepslo, enquanto o neologismo “historemas” soa como “nar- femas”, um conceito que costumava ser aplicado quando se lidava com 0 “nf- vel profuundo” dos textos narrativos. 5 Que tipo de “realidade histrica” surge de uma reconstrugio que — contra todos os obstéculos — tenta realizar 0 desejo de uma experiéncia direta do ppassado? Em alguns momentos eu tive ailusio (e, levando em conta 08 mate- tiais hist6ricos com que estava trabalh izer que nfo era apenas ‘uma ilusio) de estar cercado por mundos cotidianos de 1926. Essas lembran- tes dos a que trabalhei neste projeto ivro, Em 1926, que, baseado no prazer de ter «as dos momentos mais acabou inspirando o titulo nno-mundo de 1926 através deste liv teve diversas conseqiiéncias préticas. O ‘mundo que precisava encontrar ereconstuirera um mundo cotdiano, um mun- do de normalidade (Heidegger diz que sua anilise ex tracio no “cotidiano médio” e nio da “facticidade”). sejo de estar-em-1926, este mundo cotidiano precisa ser um ambiente, um dominio imaginério, que reine diferentes fendmenos e configuragBes num ‘espago de simultaneidade (daf minha insisténcia nesta perspectiva na segfo 2, cima). Mes, ao chamar 0 mundo cotidiano de 1926 de um “espago de simul- taneidade”, quero fazer mais que simplesmente apontar sua dimensio tempo- ral, Com o significado nfo metaférico da palavra “espago”, também me refiro a0 desejo de trazer fendmenos e configuragéesa uma posicio (lus6ria ou néo) ESTRUTURAS sa de proximidade espacial. Somente esta proximidade nos capacitaria de fato a ‘tocar, cheirar e ouvir 0 passado.** Como um aspecto do tempo, porém, asi- multaneidade permite elagbes paradoxais entre os ferémenos re-presentados, Pois se o que chamamos de paradoxo & a presenca simultdnea de dois termos contraditérios, decorre logicamente daf que uma perspectiva istoriogréfica da simultancidade engendra miltiplos paradoxos. Escolher a simultaneidade como a condigio estrutural dest livro nao exi- ‘glu apenas uma tolerincia em relacio aos paradoxos. Também excluiu, inde- pendente de quaisquer preferéncias floséficas, a possbilidade de trata sujl- tos como agentes, porque s6 se pode creditar controle a uma agio numa nar- rativa, ea narrativa requer seqencialidade. Portanto, o mundo de 1926 apa- +ece aqui como um palco sem atores. E claro que isto nfo significa que “no estou interessado em pessoas”, mas é uma conseqiiéncia da forma que eu e5- ‘colhi para a re-presentagio de um ano do passado. Ao renunciar & seqiien- cialidade de uma trama narrativa, eu também me abstenho do critério mais “natural” de selego dos materiais hist6ricos. Quai so os limites da minha pesquisa, e das re-presentagées baseadas nesta pesquisa, se nfo estou buscan- do nem construindo uma linha narrativa? Certamente nfo sfo as fronteiras de qualquer “cultura nacional”, e nem mesmo (pelo menos nfo através de ‘qualquer deduglo ou indugio ligica) os limites da cultura ocidental. A tinica razio pela qual as minhas imagens de 1926 estio de fato confinadas & cultura ocidental reside no fato(altamente contingente e deplorével) de que todos 0s smateriais acessiveis 4 minha competéncia lingifsticae semitica vém do Oci- dente, Se as virias imagens que apresento realmente resultam num panorama amplo da cultura ocidental € outra questéo empltica. Os materiais parece ‘apontar para uma rede razoavelmente coerente de fendmenos cotidianos, com idiossincrasias nacionaise sugest6es de incursbes em mundos nfo-ocidentais. De forma algo patadoxal, a mais abrangentes imagens do mundo que sutgi- ram dentro desta moldura sio aquelas que pertencem aos elementos mais idiossincrdticos. Elas constituem um segundo nivel de referéncia para o con- ceito de “mundo”, um nivel ocupado por idéias miliplas e geralmente bem circunscritas — como algo oposto Aquilo que chamo de “o mundo de 1926”, ‘que consttui, em sltima instinca,o inatingtvel objeto de re-presentagio des- te livre, Dentro de cada cultura nacional ou regional, as imagens do mundo abrangentes geralmente nio sio experimentadas como “especifics” em qual- {quer sentido (nem “negras”, nem “ocidentas”, nem “classe-média’, nem ita- 42 EM 1926 lianas”). Mas ¢fécil delinear os seus perfis individuais identificando as inclue shes eas exclusbes através das quais elas sio definidas. O que poderfamos cha- ‘mar de “cultura centro-européia de 1926”, por exemplo, reflete a obsesslo de extabelecer um contraste entre a Unito Soviética e os Estados Unidos ela in- lui uma imagem da Asia, mas exclui a maior parte da Africa, mesmo como entidade geogréfica, Ao mesmo tempo, a culeura centro-européia deseja des- cobtir¢ admirar formas de expressio afro-americanas. O que esta imagem do ‘mundo claramente descarta (exceto, talvez, no caso da Franga) € a existéncia de um horizonte transcendental (0 conceito de “mundo” esté prestes a se tor- nar puramente imanente). De uma perspectiva latino-ameticana, em contra- partida, a imagem do mundo inclui os Estados Unidos e a Europa, mas nao parece dar atencio A Unio Sovietica. Dentro destas contigttidades, lapsos e diferencas entre miltiplos mundos cotidianos, a minha reconstrusio nio pri- vilegia— pelo menos nao incencionalmente — qualquer perspectiva ou pon- to de vista particular. Se muitas das configuragées individuais que eu descrevo parecem centrar-se em referéncias ds culturas metropolitanas de Berlim, Nova York e Buenos Aires (mais do que, digamos, 4 cultura parisiense), este foco reflete, espero, oefeito de condensacio e de respostas mituas entreas estrutu- tas predominantes de relevincia em 1926. Este livro tenta situar-se identifi- cando os lugares “onde estava a agi”, Por fim, como se pode encontrar um substituto para o conceito de “acon- tecimento” no contexto de um “ensaio sobre a simultaneidade histérica”? Esta substituigdo & inevitével, porque o uso tradicional deste conceito pressupde uma estructura narrativa (dentro da qual o “acontecimento” marca uma vira- da). Ao mesmo tempo, contudo, os acontecimentos apontam a interferéncia dda contingéncia, tudo aquilo que resista & integracéo total & légica interna de uma trama, Para encontrar um equivalente para o conceito de “acontecimen- 10” dentro de uma reconstrusio de simultaneidade, devemos nos concentrar neste segundo componente semantico. Um “acontecimento” seria entio qual- quer coisa que ameagasse as estruturas dos mundos cotidianos existentes, sem ser acessivel a interpretasio ¢ 4 formulagao dentro deles. Neste sentido, pode- sfamos especular sobre o impacto incontrolével da tecnologia (ou da tecnologia ‘na medida em que ela interage com os meios ambientes naturais dos mundos cotidianos) como um estimulo potencial para os acontecimentos. Aconteci- ‘mentos poderiam surgir dos efeitos acumulados de diferentes eddigos cultu- rais quando eles convergem ou divergem. Acontecimentos poderiam ser 0 ESTRUTURAS 485 resultado de uniées externas através das quais os mundos cotidianos se liga. ‘outros mundos cotidianos no mesmo ambiente (pense, por exemplo, n centre a fisicatedrica modema eas forgas armadas — dois mundos cotidianos que compartilham um ambiente) ‘No nivel da escritahistérica— que, como eu jd disse se transformou num vel de experiéncia empirica em meu trabalho — os fendmenos e configura- 6s mais freqtientemente observados no ano de 1926 parecem se dividir em trés categorias, Existem certos artefatos, papéis e atividades (por exemplo, vides, Engenheiros, Danga) que exigem que os corpos humanos entrem em relagBes espaciais e funcionais especificas eom os mundos cotidianos que eles habitam. Pegando emprestada uma palavra inicialmente usada no contexto da pesquisa histérica por Michel Foucault, ‘modos pelos quais artefatos, papi ¢ atividades influenciam os corpos — dispositif, ou dispositioas. Coexistindo e se sobrepondo num espago de si- multancidade, grupos de dispositivos sio freqtientemente zonas confusas de convergéncia.e tendem, porranto, agerar discursos que transformam esta con- iparadoxal — forma de opgies alternativas (digamos, Centro ou Individualidade versus Coletividade, ou Autenticidade 08 cddigos bindtios nos roporcionam principios de ordenagio dentro da simulea- nio-estruturada dos mundos cotidianos, pode-se reservar © conceito Ieura” para o conjunto destes cédigos. Esta seria uma alternativa a uma tendéncia recente ase usar 0 conceito de “culcura” como extensivo aos “mun- ivos para cret, porém, que os cédigos individuais nio esto inte- grados dentro de sistemas globais, ¢ que estes oSdigos As vezes sequer conse- ‘guem exercer sua funcéo antiparadoxal (em 1926 este parece ser 0 caso, por ‘exemplo, da distingio binéria de géneros, ou da oposigio entre Transcendéncia |. Estes ebdigos em colapso sio particularmente vistveis porque, ‘como dreas de dlesfunsio ou entropia, les atraem uma atengio discursiva es- pecffcae, freqllentemente, uma energia emocional especifica. De um ponto de vista tebrico, cédigos em colapso devem se localizar na fronteira entre a cera interior dos mundos cotidianos e aquela zona “slém” dos mundos coti- ianos a que nos referimos como um possivel substiuto para 0 conc 484 EM 1926 “acontecimento”. Cédigos em colapio pertencem a mundos cotidianos, na i se basciam nos cddigos binérios que proporcionam a or- dem através da eliminagio dos paradoxos. Mas assim que os eédigos facas- sam nesta fungio antiparadoxo, eles se deslocam para além daquilo que pode set expressado e conceitualmente controlado. E por isso que, no sentido da nossa definigéo de “acontecimento”, 0 colapso dos cédi petspectiva da perda e do mau funcionamento. Dispositivos, cédigos ¢ quebras de cédigos sio os trés nes nos quais eu apre- sento os diferentes objetos e configuragdes que pareceram centrais dentro dos mundos catidianos de 1926. Mas ¢ postuelintegnar exter diveros objeto econ- _figuragbes dentro de wm discursohistoriogrdfico? Embora eu tenha desenvolvido algumas hipéteses elementares sobre a relagbes que conectam estes tés niveis de fendmenos, a natureza da sua inter-relagio ainda nio é evidente a ponto de sugerir uma nova forma de escrta histdrica. Ressalvas semelhantes valem para (0s trés niveis individuais tes cédigos (muito menos cédigos em colapso) que ‘momento temporal entrem numa relagSo de naturezasistemica. E. mesmo se 10 caso, nés — na posigdo de testemunhas histéricas imediatas — ientamos os mundos cotidianos como sistemas. Da mesma forma, permanece sem resposta a questio de saber que forma discursiva promoveria com mais sucesso a ilusdo de estar-num-mundo-passa- do, Eu optei pela estrutura enciclopédica de mii enciclopédia ou um dicionério, mas também como uma forma de enfatizar {que os mundos cotidianos nio possuem nem simetria nem centro e, portan- to, podem ser abordados por muitos caminhos diferentes." Cada entrada leva ‘a.um encontro com um elemento de realidade histérica concreta, e cada um dlestes elementos esté conectado a outros elementos através de uma miriade de wilhas labirinticas de contigiidade, associagio e implicasio. A arbitrarie- dade da ordem alfabética na qual as entradas sio apresentadas e 0 recurso enciclopédico de referéncias cruzadas dda nossa experiéncia co 1m a natureza nio-sistemstica itwam 0 mundo a-€ sugere que os leitores cor BSTRUTURAS as de 1926 como uma rede assimétrica,“ como um rizoma mais do que como uma totalidade-* © Dictionnaire des idéesregues (Dicionctrio de idtias fsas),' de Gustave Flaubert é um modelo — certamente inatingivel — para are-presentagio dos ‘mundos cotidianos do passado através de uma rede de entradas. Sendo um ples bloco de anotagées no qual Flaubert reunia os lugares-comuns mais eqllentemente empregados na sociedade francesa contemporinea, 0 Die- tionnaire néo pode ser tomado como um modelo de estratégiahistoriogréfi porque ele nio se conftontava com a tarefa de tornar presente um mundo passado, Mas no conhego qualquer outro texto que proporcione aos leitores cde hoje uma ilusio tio poderosa de experimentar por dentro tum mundo co- tidiano do passado, Além da arbitrariedade descentralizadora da ordem alfa- feito, Flaubert como fragmentos de jam encetrados entre aspas) porque “urso autotal que os comente ou os coloque numa pers- predominante. Ao lermos it esta ironia a um autor que deste6i o lugares- a ironia de um projeto que tenta re-presentat a realidade de um mundo pas- sado apesar da (ou por causa da) sua consciéncia fundamental de que esta te- presentasio ¢ imposs{vel, Conhecendo a impossbilidade de sua realizaglo, 0 desejo de imediagio nao deveria degenerar-se nailusio da imediacéo. i sas EM 1926 centro do mapa mental do Ocidente que ento prevalecia — mas a sua cultu- aera, se podemos falar assim, “menos central” e mais limitada em opgbes do que aquelas de Nova York ¢ Beslim. Por firm, eu gostaria de enfatizar mais uma vez que, embora a posicio- nalidade gere perfis de escolhas provévels e cri fronteiras vagas, 0 conjunto completo de opgdes que define um campo esté potencialmente dispontvel em todos 0s pontos deste campo. Para as pessoas que viviam em 1926, estas op- Bes estavam, como diz Heidegger, “dispontveis", querendo dizer que elas es- tavam sempre em uso — e apenas raramente objetos de reflexio, Por exem- plo, algumas pessoas teriam considerado a autenticidade o valor mais elevado da existéncia humana, enquanto outros teriam detestado a autenticidade — mas dificilmente alguém teria falado sobre a autenticidade e a artificialidade como uma oposigio binéria de um cédigo cultural. A capacidade de perceber itualizar estas oposigées e cédigos vem com a distancia: ea pertence ar-no-mundo” que Heidegger chama de “disponiveis". Eu tentei, neste livro, tornar novamente dispontveis os dispositivos, cédigos eas ruptu- ras de cédigos de 1926, de forma que estes elementos, especialmente ao evo- catem a idéia ou mesmo o desejo pelo “dispontvel”, pudessem sugetr a ilusio de se estar vivendo em 1926, Ainda assim estava exclufda a possibilidade de realmente se usar 0 que estava inteleccualmente disponivel. Assim, se eu cer- tamente nfo posso evitar que meus leitores desejem optar pela autenticidade, como Heidegger e Blunck, ou que eles desejem rejetar, por exemplo, o con- ceito da vida de Van Vechten (que se baseia na simultaneidade do auténtico e do artifical), € claro que o meu livro nao advoga qualquer atitude particular em relagio A autenticidade — ou em relagio a qualquer outro valor E com esta dose de auto-elucidagéo que quero concluir meu ensaio sobre a simultaneidade histérica, O trabalho evocou, pelo menos para mir, efeitos de presenga agradaveis ealgumas vezes misteriosos. Ainda assim estes efeitos pertencem inevitavelmente a um presente que estava ento disponivel, ¢ por- tanto no podem criar a ilusio de que se poderia ou se deveria viver novamen- teem 1926. 1 Depois de aprender com a Histéria \VerHlans Ulich Gumbrech, Ursula Link -Heere Peter-Michael Spangenberg, “Zwischen neuen Einsichten und neue Fragent Zur Gestalt der romanischen Historiographie des Mitelaltrs, in Gurnbrecht, Link-Heer e Spangenberg, congs., La litérature bitoriographique des origines & 1500, in Grundriss der ischen Liteaburen det Mitelaltes, vol. 11, parte 1 (Heidelberg, 1986), pes. 1133-1152. >. Vera brilhantsinterpetagfo de Montaigne em Karlhein Stele, “Geschichte als Exemplum — Exemplum als Geschichte: Zur Pragmatik und Poetik i , Tex als Handlung (Munique, 1975), pgs. 14-48, co enstio de Reinhardt Koslleck, “Historia Magistra Vitae: Ober die Aufldsung des Topos im Horizont neuaelitch bewegter Get chichte’in Koselleck, Vrgangene Zukunft: Zar Semantik gechihticher Zeiten “Aesteische Notmen in der ‘Querelle des anciens et des modernes”, Parle des anciens et des madernes en ce qui 164), pgs. 8-64. Sobre o impacto da Querellen0sdiscursoshistoriogficos smo europeu, ver Hans Ulrich Gumbrecht, “Modern, Moderne, Modernismas’, in Oxto Brunner, Werner Conze e Rei eck, orgs, Gechichtiche Grandbegiffi: Historsces ‘Lexikon eur poltschcialen Sprache in Dewschland, vol. 4 (Seutgart, 1978), pes. 93-131, exp. pps. 9958. Uma tradugo para o inglés pode ser encontrada tem Gumbrecht, Mating sme in lif and literature (Mineapolis, 1992) pgs.79- 110, Sobrea reagio acta situagio de uma perspectiva ep oO EM 1925 ‘cem em inglés em Raymond Queneau, Allan Bloom e James H. Nich Introduction do the reading of Hegel: Leceures on “The phenomenology of "Ithaca, 1980) ‘Nietsche, la génealo etal orgs, Hommage Jean Hyp} Feflexdes de Foucault sobre 0 usos da Histéra,algumas de suas mais variadas pposigées aparecem em entrevistas; ver, por exemplo, Paul Rabinow, org, The Foucault reader (Nova York, 1984), pgs. 37358. ‘Ver Hayden White, Meiabistory: The historical imagination in nineteenth-century Europe (Baltimore, 1973); e Reinhard Koselleck, H. Lutz e Jorn Rusen, orgs, Formen der Gechichtschreibung: Theorie der Gshicte, ol. 4 (Muni 9. De ato, Lubmann arguments que, quando se concentra no presente, estes pro- blemas se tomam mais agudos. Ver Bevbachtungen der Moderne, pg. 11-50, 129.148, ire”, in Suzanne Bachelard , pgs. 145-172, Sobre as espearian negoiciont The circulation of cel nergy fn Renaisance England (Berkeley, 1988), pp. 1- 13, Para uina discuss mats dealhada desta sbordagem, ver Gumbrech, Making Sense in Life and Literature, pgp. 33-75. 14, Ver Alfred Schtee Thomas Luckmann, Sirubrren der Lebennuels (Neuwied, 1975). Sobre o contexto hi i Ulrich Gumbrecht, “Wie sinnlich kann Geschmack (in ‘Ober den historischen Ort von Marcel Prousts Recherd in Volker Kapp, org., Marcel Proust: Gechmack und Neigung (Tibingen, 1985) ps 107-126, esp. pgs. 155ss. Uma discussdo muito mais sofisticada e ousada do que eu vejo como o mesmo problema esté em Michael Ta sand Alterity: A Particular . Sobre a préti “The Nan ‘especificamente sua expos zasio na Alemanha. Li, 0 portivos (como haters) dos primérdios do século XX e, sentado num bar dos ‘anos 20, ouvir a gravagio de uma das primeira transmissGes de uma partida de futebol transmitida na Europa. 18, Ver Reihardt Koselleck, “Erfahrungsraur’ und ‘Eevartungshorizont: Zwei torische Kategorien’, in Koslleck, Vergangene Zulunfi pgs. 349-375, 19, Esta mancira de experimentar 0 presente conforma a famosa definigio de centais na fenomenologia do tempo de Edmund Hi trom, Posenione Retention) tentam descrever esta experién- eee a ene eee ees (i.c., © perfodo entre a “revolugio estudantil” do final dos anos 60 e 0s atuais anos 90) passou aincluit mais anos do que o perfado entre o final da Primeira ‘Guerra eo final da Segunda Guerra Mundi . 2 Rn gue um fo sg ni de Jacques Derrida, De la grimmatologe (Pais, 1967). Para uma aplicagio desea ta mcg er anh Gunbrece Eade prnkte, Analyon, Enswiife (Mi 23, Ver Niklas Luhmana, “Gleich de Rainhard Koslleck, Ver emp Bewegung’ in Kolck, ogame Zan pg. 300348 25. Um exemple chido (no ko) alevoriamente 6 Hans Uich Gumbecht © K. Ludwig Pfeifer, orgs, Peradxien, Disonancen, Zuammenbriche: tionenoffnerEpistemolegi (Frankfurt, 1991). . 26, Ahistéria desta topologia (i.e, topologia do “campo hermentutco”)éreragada ich Gumbrecht, The nan-hermencutc (Scanford 1998) Stanford Literature Review Q991- ica de “entendimento”, ver Hans 532 EM 1926 Ulrich Gumbrechs, “Ia jon versus ‘Understanding Systems”, Cardozo em meu préprio pro- ‘meu texto sem as comentirios de Richard Roberts em diversas dis- cussbes no centro de Humanidedes de Stanford, durante o ano académico de 1993-1994, 30. £ claro que eu me refiro & formulegio deste conceito em Sein und Zeit, de Heidegger, embora eu nfo weja (em firme) nenhuma conexo entre o meu nciso Varela durante um coléquio ncias epistemolégicas entre as ciénci- Stanford Universi, mae de 1998 31. Eu me refiro famosa mecifora de Benjamin do “alto dap aa que tento usar sem as (ambiciosas)conotagespolticasinerentes foi o tema de um semindrio que eu organizel com Ursula idade de Siegen (Alemanha) durante 0 semestre de in- Were Your Own Time", em Gumbreche, Making Sene in Life and Literature, pgs. 6038. 235. Blis Carnochan foi quem primeiro me apresentou esta questo 36. Umexempl impressionante de e-presentagiohistrica Jay ing Independence fern, Nevional Language and the Culture of Performance (Scanford, 1993). a Kucaynski, 1903: Bin normeles 1988). . historiogrfica de Norber Elias. Ver Peter R. Gleichmana, Johan Gouldsblom ¢ Herman Korte, ogr., Human “figuration: Boays for Norbers Elias (Amster, 1977). 40. Novamente em refetncia a Nietasche, Ver nota 16, acima. Al. Ves, por exemplo, Michel Foucault, Dispostive der Macht: Uber Seeualitte, 3 (Opladen, ich Gumnbrecht, “Pathologies in faking sense in ifeand literature, pes. a andise duplamente sincrnica de Friedrich Kier, Afichreibeteme 1800/1900 (Munique, 1985), 45. Ver Gilles Deleuze e Félix Guatari, Roizoms (Bet

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