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RITO

HAROLDO REIMER
Experiência religiosa
• O que vem a ser ‘religião’ nasce a partir de alguma experiência
• Hierofania = mostração do sagrado
• Hieros = sagrado + fania > do verbo grego faneo = mostrar-se
• Teofania = mostração / manifestação do Deus
• Experiência pode ser real ou ‘inventada’ (=> invenção das tradições)
• Para a história interessam os efeitos / fatos
• Na origem da experiência ‘religiosa’ ou do sagrado está o homo religiosus
(uma das facetas do homo sapiens)
• A experiência do sagrado organiza o mundo para a pessoa religiosa (>
cosmicização / axis mundi [Eliade]
Linguagens da experiência religiosa
• A experiência religiosa desdobra-se em formas de linguagem
• Principais formas de linguagem da experiência religiosa:
• Símbolo
• Mito
• Rito
• Estruturas de organização (com pessoal especializado)
• O conjunto destas formas de linguagem = formas de expressão
culturais constituem o ‘pacote religião’
• => Relembrar SÍMBOLO e MITO e depois aprofundar RITO
Símbolo
• “Símbolos da ausência” (Rubem Alves)
• Coisas do mundo material recebem um segundo sentido
• Do grego sym [com] + ballo [enviar] = “enviar junto”
• Processo de significação / simbolização / construção hermenêutica =
processo interpretativo
• Trans-substanciação = uma coisa para a ser afirmada mais do que ela é
(pela ação do homo religiosus)
• Coisas inertes passam a ser “sinais visíveis desta teia invisível de
significações” (Alves, O que é religião, p. 19)
• Símbolos são ‘janelas’ para as simbolizações realizadas
• Conteúdos condensados em sinais polissêmicos
Acrônimo
• Ἰησοῦς Χριστός, Θεοῦ ͑Υιός,
Σωτήρ
• Jesus, o Cristo, de Deus o filho, o
Salvador
• Um dos primeiros símbolos do
Cristianismo
• => o símbolo (desenho) + o
acrônimo já é uma construção
hermenêutica bem elaborada
(em termos de doutrina)
• Império romano: instrumento de
pena de morte (também
empalação)
• Transformado em símbolo do
cristianismo a partir do séc. IV,
após fim da crucificação como
pena de morte
• Cruz LATINA
• Século XI: divisão do cristianismo
= cisma
Cruz católica e cruz evangélica
Cruz ortodoxa
• Cruz patriarcal
• Cruz ortodoxa
• Cruz russa
• Símbolo do cristianismo oriental
(ortodoxo) após a divisão do
cristianismo
• Divisão acompanha os limites
territoriais do Império romano
do ocidente e do oriente (séc. III)
Flor de lótus

• para os hindus representa a


capacidade humana de evoluir e
alcançar a luz até mesmo em
momentos de dificuldades. Para
esse povo, a planta oferece
simboliza a nossa beleza interior
e também o nosso crescimento
espiritual
Om
• Om ou Aum, o som primordial.
• Utilizado nas vocalizações,
meditações e mantras, é
formado por três letras em
sânscrito e combinadas fazem o
som de om ou aum.
• O Om representa a divindade da
criação, Brahma
Lua crescente com estrela
• símbolo mais popular do Islão.
Ela representa a dignidade,
soberania, renovação da vida e
da natureza. Também é uma
referência ao calendário lunar
utilizado pelos povos árabes.
A estrela apresenta os cinco
pilares da doutrina
Pentagrama
• símbolo formado por cinco letras
ou sinais, originando uma figura
similar a uma estrela de
cinco pontas, a qual se atribuem
interpretações mágicas e
místicas. ...
• Para os esotéricos e pagãos, o
pentagrama representa os cinco
elementos: a terra, o ar, a água,
o fogo e o espírito.
• O símbolo dharma é representado como
uma roda de biga (Sânscrito cakram) com
oito raios. É o símbolo budista mais antigo
conhecido encontrado na arte indiana,
surgindo com a primeira iconografia pós-
Harapa sobrevivente no tempo do rei
Budista Axoca. O Dharmachakra tem sido
usado por todas as nações budistas como
um símbolo a partir de então. Na sua
forma mais simples, o Dharmachakra é
reconhecido globalmente como um
símbolo do Budismo que encerra o
resumo de todos os ensinamentos do
Buda. Os raios representam o Nobre
Caminho Óctuplo
Símbolo antigo, porém negativamente
ocupado a partir do Nazismo
Símbolos matemáticos
Símbolos
• Uma forma de linguagem
• Com graus distintos de densidade hermenêutica (mais denso / menos
denso de sentidos ou significados)
• Expressão visual de um conjunto de conteúdos
• Trans-significação / simbolização
• Representam o que não está aí
• Apontam para algo mais do que está (simplesmente) representado
Símbolo conforme Geertz
• Símbolo: “usado para qualquer objeto, ato, acontecimento, qualidade
ou relação que serve como vínculo a uma concepção – a concepção é
o “significado” do símbolo” (p. 105 / 67)

• “Os atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas


simbólicas, são acontecimentos sociais como quaisquer outros; são
tão públicos como o casamento e tão observáveis como a agricultura”
(p. 106 / 68)
Símbolos religiosos

• “Os símbolos religiosos formulam uma congruência básica entre um


estilo de vida particular e uma metafísica específica (implícita, no
mais das vezes) e, ao fazê-lo, sustentam cada uma delas com a
autoridade emprestada do outro” (Geertz, p. 104 / 67)
Mitos
• Textos
• Narrativas
• Textos sagrados
• Figuram no universo das textualidades (orais ou escritas)
• Considerados verdadeiros para os que estão sintonizados com eles
Mito – definição
• relato de um acontecimento originário, no qual os
deuses [ou heróis fundantes] agem e cuja finalidade
é dar sentido a uma realidade significativa [na
atualidade de quem constrói o mito e de quem, por
meio do rito, se apropria e se submete a este
conteúdo como ‘verdadeiro’] (apud Croatto)
Mito, conforme Eliade, Mito e realidade, p. 22
• “De modo geral pode-se dizer que o mito, tal como é vivido pelas sociedades arcaicas,
• 1) constitui a História dos atos dos Entes Sobrenaturais;
• 2) que essa História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a
realidades) e sagrada (porque é obras do Entes Sobrenaturais);
• 3) que algo veio à existência, ou como um padrão de comportamento, uma instituição,
uma maneira de trabalhar foram estabelecidos; essa razão por que os mitos constituem
os paradigmas de todos os atos humanos significativos;
• 4) que, conhecendo o mitos, conhece-se a ‘origem’ das coisas, chegando-se,
consequentemente, a dominá-las e manipulá-las à vontade; não se trata de uma
conhecimento ‘exterior’, ‘abstrato’, mas de um conhecimento que é ‘vivido’ ritualmente,
seja narrando cerimonialmente o mito, seja efetuando o lritual ao qual ele serve de
justificação;
• 5) que de uma maneira ou de outra, ‘vive-se’ o mito, no sentido de que se é impregnado
pelo poder sagrado e exaltante dos eventos rememorados ou reatulizados”
Mito é texto

•Mito pertence ao gênero de “texto”


•Mitos sempre são textos
•Textos podem ser escritos ou orais
(cultura da oralidade)
Os distintos “mundos” do mito

“Mundo do texto” “Mundo histórico”

• => recorte no tempo e no espaço em


• Ambientação imaginária na que o mito foi produzido ou
qual se desenrola a narrativa reelaborado
mítica propriamente dita • Agentes históricos produzem textos
• ‘Realidade’ fictícia • Em geral, os textos objetivam alguma
forma de intervenção social
• Imaginário
• => mitos querem fazer as pessoas
• Horizonte do texto fazer / pensar algo (agir de acordo)
• Horizonte da história
Rito
• Rituais
• Envolve as gestualidades
• O rito está entre o símbolo e o mito
• O rito é o equivalente do símbolo; é o símbolo em ação
• Por outro lado: o mito atualiza em gestualidades a palavra (as
palavras / o texto) do mito
• O rito tem dimensão simbólica porque o que é feito (em gestos) quer
dizer algo mais / atualiza um conteúdo que existe em alguma
textualidade
Ritual
• “É no ritual, isto é, no comportamento consagrado – que se origina,
de alguma forma, essa convicção de que as concepções religiosas são
verídicas e de que as diretivas religiosas são corretas. É em alguma
espécie de forma cerimonial – ainda que essa forma nada mais seja
do que a recitação de uma mito, a consulta a um oráculo ou a
decoração de um túmulo – que as disposições e motivações induzidas
pelos símbolos sagrados nos homens e as concepções gerais da
ordem de existência que ele formulam para os homens se encontram
e se reforçam umas às outras. Num ritual, o mundo vivido e o mundo
imaginado fundem-se sob a mediação de um único conjunto de
formas simbólicas, tornando-se um mundo único ...” ( Geertz, p. 128-
9 / 82)
Benzer-se / fazer o sinal da cruz
• Ritual mais básico
• Um gesto, mas pelo menos 2
movimentos
Batismo
• Ritual de entrada / ingresso
• Um dos ritos de passagem
Bori (candomblé)
• Rito de iniciação
O que é rito?
• Norma que guia o desenvolvimento de uma ação sacra
• Prática periódica, de caráter social, submetida a regras (precisas)
• Origem do sânscrito-védico rita: a força da ordem cósmica, estrutura
normal das coisas, do que acontece no cosmo e na vida humana
• Não é ação puramente humana
• Imitação do que fizeram os deuses
• Rito é performático
• O rito busca a participação no transcendental imitando simbolicamente um
gesto primordial
• O gesto (em geral) está narrado / contido em algum mito
Rito e mito
• O mito relata uma ação dos deuses
• O rito é visual e sócio-espacial
• No rito os humanos fazem o que no mito fazem os deuses
• O rito reforça a ação sacramental que a recitação da palavra do mito já tem
• O rito aparece como analogia da ação arquetípica mostrada no mio
• O mito “diz”; no rito se “faz” o que no mito se relata
• Há mitos (relatos) que fundam especificamente determinados ritos
• Exemplos:
• ritual de preces mapuche NGUILLATÚN => oferta de animais para acalmar os
espíritos maus
• Instituição da páscoa judaica => o que significa este rito?
O que vem antes: mito ou rito?
• Longa discussão entre antropólogos e especialistas
• Em geral, a gestualidade já existe e o relato vem para sedimentar a
cosmovisão já conhecida
• Existem mito que não tem seu correlato ritual
• Mito e rito funcionam como modelos da ação humana
Função social do rito
• O rito é uma das expressões coletivas mais naturais do sagrado
• Ritos são fatos corporais
• Mesmo feitos individualmente são fatos sociais (precisam sem
compreendidos pela comunidade / coletividade)
• Atos religiosos mais comuns: oração e sacrifício
• O sacrifício é ato propriamente social
• Oração pode ser individual, mas sociais são as orações coletivas
• O grupo expressa sua identidade sobretudo pelos ritos
• O que mostra melhor a dimensão social do rito é sua conexão com espaço
e tempo sagrado
Tempos sagrados
• O tempo cronológico é marcado por cortes”
• Um dia (nunca menos => dia de descanso)
• Uma semana (semana santa)
• Um mês (ramadã – jejum islâmico)
• FESTAS (ritos em geral relacionados à eventos anuais)
• Calendário lunar => lua nova marca a regeneração da vida vegetal e
animal => ciclo biocósmico
• Calendário solar: festa do ano novo
Exemplo: observar o dia de descanso
• Na matriz judaica, o dia de descanso é o sábado (= sétimo dia)
• O fundamento para isso são os diversos textos da Bíblia (Antigo
Testamento)
• Especialmente relato da ‘criação’ em Gênesis 1-2
• No cristianismo o dia de descanso é o domingo
• Domingo se origina de dies dominus = o dia do senhor
• Base textual: morte de Jesus na sexta, no sepulcro no sábado, ressurreição
no primeiro dia da semana conforme relato nos Evangelhos
• Diferenciação no final do século I
• No islamismo: por diferença, descanso no sexto dia
Espaços sagrados
• O espaço sagrado também um “corte” dentro do grande ‘espaço’ homogêneo
• Templo = da raiz indo-europeia tem = cortar
• O espaço “recortado” é um microcosmos
• Representação de um arquétipo celeste
• “Jerusalém celestial”
• Nele se concentra a sacralidade cósmico-telúrica
• Ritos de construção (Bauopfer – muito citado em Eliade)
• Converte-se em axis mundi
• O espaço sagrado é operado por pessoas que garantem a eficácia do rito
• Sacerdotes (padre, pastor, pai / mãe de santo, pajé, imã, rabino)
• Possível proximidade com magia: o opus operatum => o efeito do rito
Classificação dos ritos
• Multiplicidade de rituais
• Simples: dar as mãos, oração, posição do ioga
• Complexos: ritos de purificação como lei da pureza no judaísmo

• Diversas classificações conforme os autores / estudiosos


• Porém, difícil fazer uma classificação unitária, tendo em vista a
diversidade de perspectivas (na análise)
Classificação ritos conforme Durkheim
• Ritos negativos: tabus, ascese, jejum
• Ritos positivos: oferendas, comunhão, oração
• Ritos expiatórios: expiação e propiciação
Classificação conforme Normal Habel
• Ritos de reforço da energia vital (caça, pesca, guerra)
• Ritos de redução da energia vital (práticas de bruxaria)
• Ritos apotropaicos (proteção contra maus espíritos)
• Ritos de purificação e cura (ablução, lustração, batismo)
• Ritos de adivinhação (por meio de ossos, entranhas de animais,
oráculos)
Ritos de passagem
• Ritos de nascimento : batismo, circuncisão, votos perpétuos na vida
religiosa católica, a consagração nos mistérios de alguma religião (ver
também ritos de nascimento: separação temporal da mãe)
• Matrimônio ou hieros gamos na tradição oriental
• Ritos anuais: relacionado com o ano agrário (semeadura e colheita;
cerimônia a Pacha Mama nas culturas andinas
Classificação conforme a funcionalidade
• Ritos de passagem: nascimento, puberdade, matrimônio, morte (ritos
fúnebres) => marcam momentos da vida humana
• Ritos de participação na vida divina: oração, sacrifício, consagração de
uma pessoa, de um lugar ou um objeto =. Procuram influenciar o
comportamento divino
• Ritos de propiciação: agrários, lustrários ou expiatórios => procuram
demarcar espaços e pessoas de influências negativas
• Lustração: (grego lúo = lavar) => libertar um lugar ou um grupo de pessoas da
influência perniciosa; costume romano / germânico: procissão em torno de
um campo / roça para tornar o espaço impenetrável às influências negtivas
Ritos de sacrifício
• Fato religioso mais típico e mais difícil de compreender
• Rito dos ritos
• Muitos se dedicaram a entende-lo (Tylor, Smith, Frazer, Durkheim,
Hubert, Mauss, Eliade, Widengreen)
• Sacrificium: fazer com que alguma coisa seja sagrada (sacrum facere)
• Condições para o ritual de sacrifício (vestes, preparação, condições
da oferta etc)
• Importância do lugar (espaço) e do tempo (tal ou tal festa)
Sacralização de animais como expressão da
liberdade religiosa (de credo) no Brasil
• Questão candente
• Inclusive com sessão do STF a
respeito
• Raízes longíquas da
discriminação e intolerância
• Preconceito assentado na
cultura brasileira, com atuação
de teóricos raciais
Sacrifício conforme Widengreen
• “Por “sacrifício” entende-se a ação religiosa, o rito, que, mediante a
consagração a uma divindade de um ser vivo, uma espécie vegetal,
um líquido ou um objeto – quando se tratar de um ser vivo, com ou
sem imolação – cria um vínculo entre essa divindade e a pessoa que
realiza rito; tudo isso na suposição de que o mencionado rito possa
influenciar a divindade no sentido pretendido pelo oferente”
(Fenomenologia de la religión, p. 257 apud Croatto, p. 365)
Ritual mais qualificado
• Missa católica
Rituais mais elaborados / públicos
• “... Apesar de qualquer ritual religioso, não importa quão
aparentemente automático ou convencional [...], envolver essa fusão
simbólica de ethos com a visão de mundo, são principalmente os
rituais mais elaborados e geralmente mais públicos que modelam a
consciência espiritual de um povo, aqueles nos quais são reunidos, de
um lado, uma gama mais ampla de disposições e motivações e, de
outro, de concepções metafísicas” (Geertz, p. 129 / 82)
• “Realizações culturais”
• Nem todas as realizações culturais são realizações religiosas
• “É nesses dramas plásticos que os homens atingem sua fé, na medida
em que a retratam” (Geertz, p. 130 / 83)

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