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003.04 ano 01, ago. 2000

Espaço & Tempo X Lugar & Ocasião


Carlos M Teixeira

003.04
sinopses
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original:
português

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003

003.00
Por um urbanismo de
situação
Abilio Guerra e Luis
Espallargas Gimenez

003.01
Hipermercado Baumaxx,
Maribor (1997-99)
Njiric+ Njiric

003.02
Macchina dei Sensi, Emanuel Dimas de Melo Pimenta A negra e o caipira
1/4 Jorge Coli

003.03
    Casa das Canoas
Procurando a
sensibilidade de morar
(1)
Marc Dubois

Caminhando em direção à segunda metade da última década do século, a 003.05


ansiedade característica de épocas de transição se torna mais explícita e A preservação do
coloca para nós, arquitetos, a necessidade de se alcançar novas patrimônio e o tecido
alternativas fora das dicotomias das críticas de arquitetura e desenho urbano
urbano convencionais. Depois das a-geografias do urbanismo moderno e das Parte 1: A
intervenções pontuais e contextualizadas do pós-modernismo, um conjunto reinterpretação do
de discussões sobre novas formas de urbanidade têm emergido, mesmo que passado histórico (1)
provavelmente haja apenas um único denominador comum compartilhado por Cristina Meneguello
elas: a cidade, objeto de pensamento e sítio de uma intervenção, é agora 003.06
colocada como uma tentativa de se revelar, compreender, e transformar os A preservação do
vários estados de realidade que as limitações políticas, estilísticas, e patrimônio e o tecido
tecnológicas de arquiteturas passadas foram incapazes de propor. Se tais urbano
discussões gerarão melhores padrões de organização urbana é ainda um fato Parte 2: Manchester,
duvidoso, mas cabe alentar que ao menos está-se forjando novas Dublin e São Paulo:
possibilidades para a resolução do predicamento das cidades. reflexões a partir de
três estratégias para a
Dentro dos mais recentes debates sobre a relação cidades/novas recuperação do passado
tecnologias emergentes, o mais sedutor parece ser o que diz respeito às urbano (1)
cyber-cidades: a manifestação das últimas conseqüências da ‘compressão Cristina Meneguello
espaço-tempo’,(1) onde as condições de espacialidade e temporalidade são
radicalmente transformadas no mundo da realidade virtual. Estas novas
‘cidades’ - dizem seus entusiastas – transformam a noção do tempo e do
espaço (agora visualizado em redes de computadores), interligando lugares
fisicamente distantes ao redor do mundo, e comunicando vastas
concentrações de informação estocadas como códigos eletrônicos.(2)

Conceitualmente, a principal diferença entre a cyber-cidade e as cidades


tradicionais reside na idéia de matriz. A noção universal de espaço que
predomina até os dias presentes é dominada pela malha cartesiana, o
sistema de coordenadas que define o espaço e o lugar arquitetônicos
segundo as noções clássicas de geografia e matemática. Por outro lado, a
matriz não possui presença física nem lugar. Ela é exemplificada como
pontos em uma superfície que não têm necessariamente nem tamanho, nem
dimensão, e nem distância, possibilitando a emergência de estruturas
urbanas imanentes e definindo, ao invés do lugar, o qualquer lugar, o
lugar nenhum, a singularidade.(3) A matriz do cyber-espaço é o cerne das
novas geometrias da cidade-informação e possibilitará, para alguns
autores, o surgimento de um conceito que está ligado à auterídade da
teoria crítica pós-moderna: o lugar que é sempre outro, sempre diferente,
o sítio de uma individualidade não mais passível de pertencer ao âmbito
das generalidades. É o lugar que desafia os princípios de classificação
científica, algo como a tradução espacial das considerações metafísicas
de Jean Baudrillard à respeito de seu ‘objeto como atrativo estranho’.(4)

Em outro campo dos estudos culturais, Paul Virilio e suas imagens


niilistas da cidade em desaparecimento coloca que as ‘topografias
cronológicas’ substituem espaços geográficos construídos, onde
transmissões eletrônicas decompõem e erradicam o senso de lugar. A cidade
de Virilio perde sua forma exceto como um ponto de conecção onde o
aeroporto determina papel primordial, a periferia se transforma no
centro, e as praças são substituídas pelos telejornais e monitores de
computadores.

Algumas narrativas dos textos de ficção científica assumem explicitamente


que uma profunda mutação tem acontecido nas cidades contemporâneas,
envolvendo a passagem da cidade-máquina para a cidade-informação. A
‘netrópolis’ do escritor de ficção científica William Gibson parece ser
um meta-espaço, ou hiper-espaço, superimposto acima do nível da
realidade, cujo efeito visual, segundo o próprio Gibson, é o mesmo de uma
vista noturna de Los Angeles a 1500 metros de altura.

Mas afinal, aonde a cyber-cidade nos levará? A uma conectividade total


que promete a estruturação de novas comunidades não-hierárquicas,
multicentralizadas e abertas? Ou estas inovações técnicas cairão, mais
uma vez, sobre os controles massivos dos aparatos de poder e
conhecimento, relegando todos os avanços tecnológicos às corporações
retrógradas e reacionárias? Estamos em direção a uma cidade mais
democrática que se viabilizará graças à internet e ao correio eletrônico,
ou à imagem onipresente e totalitária do big brother de George Orwell ?
Quais serão as conseqüências geradas por esse imaginário eletrônico que
simula, ao invés de refletir ou representar as interações da realidade?

Parece que certas intervenções concretas ocorridas recentemente dividem


certas características com a cyber-cidade, e nos apontam uma das facetas
materializadas do mundo da telemática. Tentar cruzar as fronteiras da
prática e teoria em território tão pouco delimitado é tarefa delicada,
mas penso que não seria exagero comparar a reestruturação dos vazios
urbanos das cidades desindustrializadas com a cidade-informação, e tomo
como exemplo a experiência de Docklands em Londres.

Aqui, a desregulamentação da área onde se situavam as antigas docas deu


lugar a uma gigantesca empresa cujo intento seria fortalecer a imagem de
Londres como a principal capital financeira da Europa compondo,
juntamente com Tókío e Nova York, os três maiores pólos de concentração
das grandes corporações multinacionais. A construção de uma imagem que
atraísse o flutuante capital internacional se tornou, desde os anos
oitenta, um aspecto vital na competição entre cidades européias, um
processo cujo objetivo seria forjar as condições específicas das Cidades
Mundiais: as cidades dos centros dos transportes e comunicações globais;
da produção e distribuição de notícias, informações, e cultura; dos
escritórios projetados para suprir as demandas da nova época do comércio;
dos espetáculos que atraem anualmente milhões de visitantes ávidos por
novidades. Para que tudo isto fosse realizado, o governo Margareth
Thatcher retirou todos os poderes das comunidades locais e, em nome do
neo-liberalismo pós-welfare state, apostou cegamente nas conseqüências da
teoria tríckle-down (segundo a qual benefícios financeiros provindos das
grandes empresas chegariam às empresas menores e aos consumidores). Os
resultados da ressaca do thatcherismo podem ser verificados facilmente
nas centenas de escritórios vazios de Docklands e nos edifícios que
tiveram que ser demolidos mesmo antes de serem ocupados devido aos seus
altos custos de manutenção.

Não poderei descrever com detalhes a experiência de Londres, mas parece


claro que a intensa taxa de circulação financeira e de informações tem
provocado, paradoxal e simultaneamente, uma progressiva dissolução de
fronteiras culturais e territoriais, e uma cultura de sabores locais
sintéticos que transforma a intenção de se edificar espaços diferenciados
em replicações seriais de homogeneidade.(5) Nesse sentido, torna-se
difícil acreditar nas promessas do espaço da auteridade da cyber-cidade e
no futuro otimista da vila global. Hoje, o impacto dos processos de
globalização sobre a cultura da arquitetura deixou de ser simples
especulação: o maior arranha-céu de Canary Wharf em Londres, de autoria
de Cesar Pelli, possui um clone perfeito no Battery Park de Nova York -,
a maioria esmagadora dos blocos de La Defence, em Paris, é completamente
inexpressiva; e os edifícios construídos nas antigas docas de Sydney
poderiam ter sido implantados em qualquer outra cidade. No mundo do
desenho urbano contemporâneo, o excesso de comunicações tem levado a um
certo tipo de inércia estética, algo que não pode transcender-se e que
portanto volta a si mesmo, repetindo-se a uma taxa cada vez mais rápida.
A fascinante super-conectividade mundial tem produzido, ironicamente, a
fabricação de lugares pseudo-diferenciados, reflexo talvez da fragilidade
das ideologias e instituições que seriam capazes de rearticular e
suportar uma nova arquitetura para uma nova era.
Curiosamente, enquanto a experiência do espaço vivenciada pela presença e
movimento do corpo humano é radicalmente negada na cyber-cidade, Londres
está agora dominada pelos corpos dos sem-teto que habitam as soleiras de
The Strand e Charing Cross Road; corpos muito mais presentes que os
nossos porquê marcados pelos traços das dificuldades da vida urbana.
Assistimos, portanto, a uma espécie de vingança do corpo: quanto mais se
ignora a relação entre espaço e corporeidade, mais o próprio corpo indica
sua marginalização pelos discursos intelectuais e políticos. Sinal
sintomático. Se a matriz da cyber-cidade nos permite estar em um
movimento virtual constante que nos liberte das máquinas espaciais
repressivas descritas por Michel Foucault, suas alternativas ainda não
indicam uma fundação que possa substituir o espaço da cidade do século
vinte. Enquanto raças, credos, culturas e rituais pululam pelas cidades e
esbarram em nossos carros, os computadores são uma ótima solução : nas
redes de trabalho, podemos recusar demandas corporais e mergulhar nas
conecções onde o corpo, a tecnologia, e as comunidades são fundidas - mas
fundidas apenas nas metáforas embriagadoras da cyber-cidade.

Se existe algum futuro plausível em toda esta discussão, ele reside na


fusão efetiva, e não na separação entre corpo e máquina. Nas cidades
brasileiras, espaços por onde tantas culturas circulam, se devoram e se
fundem, as possibilidades da fusão máquina-corpo parecem ser muito mais
promissoras! Nossas cidades são os centros do maior cadinho de raças do
planeta, a tradução da diversidade pós-moderna que tem sido pós-moderna
desde suas origens... Por quê não esperar que aqui, a evolução da
telemática leve a uma super-integração cultural e social, capaz de
suportar a emergência de novas institucionalidades e democracias, e de
desenvolver estratégias para uma arquitetura heterogênea que reflita
todas as classes sociais e expressões culturais da sociedade brasileira?

notas

‘Compressão Espaço-Tempo’, uma expressão cunhada pelo geógrafo inglês David


Harvey, se refere aos efeitos dos ritmos acelerados dos tempos de produção, dos
avançados sistemas de fluxo de informação e comunicação ,das racionalizações
das técnicas de produção, e da emergência e serviços financeiros mundiais.

Boyer, Christine M: The Imaginary World of CyberCities, in Assemblage no.l8,


MIT, Cambridge, l992.

Eisenman, Peter : K Nowhere 2 Fold, in Anywhere, Rizzoli, Nova York, 1992.

Baudrillard, Jean:: The Transparency of Evil, Verso, Londres, 1993.

Boyer, M Christine, citado em Harvey, David : From Space to Place and Back
Again : Reflections on the Condition of Postmodernity, Conferência na UCLA,
1991.

sobre o autor

Carlos M Teixeira é arquiteto em Belo Horizonte e autor do livro "Em obras:


história do vazio em Belo Horizonte"

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