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Aracy A. Amaral TEXTOS DO TROPICO DE CAPRICORNIO Artigos e ensaios (1980-2005) Vol. 2 Circuitos de arte na América Latina e no Brasil editoral_34 EDITORA 34 Editora 34 Ltda. Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000 Sio Paulo - SP. Brasil Tel/Fax (11) 3816-6777 www.editora34.com.br Copyright © Editora 34, 2006 Textos do Tripico de Capricéio: artigos ¢ ensaios (1980-2005) - Vol. 2: Cireuitos de arte na América Latina e no Brasil © Aracy A. Amaral, 2006 [A fotocépia de qualquer folha deste livro é ilegal e configura uma apropriagao indevida dos diteitos intelectuais e patrimoniais do autor. Assisténcia editorial: Gléria Kok Pesquisa: Regina Teixeira de Barros Assisténcia de pesquisa ¢ digitagao dos textos: Valéria Piccoli, Renata Basile da Silva, Ana Maria Mirio Capa, projeto grifico ¢ editoragao eletrénica: Bracher & Malta Produgdo Gréfica Revisio: Beatriz de Freitas Moreira, Fabricio Corsaletti, Camila Boldrini 1+ Edigao - 2006 CIP - Brasil. Catalogagio-na-Fonte (Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Brasil) ‘Amaral, Aracy A. ‘Tentos do Trdpico de Capriedenia: artigos e «ensaios (1980-2005) - Vol. 2: Cireuitos de arte ‘América Latina e no Brasil / Aracy A. Amaral — Sto Paulo: Ed, 34, 2006, 424p. AS ISBN 85-7326-365-2 1. Artes plésticas- Brasil - Histria © cxtica, 2. Arquiterura ¢ urbanismo - Brasil - Histéria critica, 23, Histéria da arte - América Latina - Sée. XX. I. Titulo Ih Série, DD - 709.81 10. Modernidade e identidade: as duas Américas Latinas, ou trés, fora do tempo (1999) Curioso que dois dos cinco maiores pensadores contemporaneos da cultura dos paises da América Latina sejam argentinos de nascimento, pais que até bem recentemente parecia distante da problematica que envolve os intelectuais deste continente: Marta Traba, tendo desenvolvido sua vida pro- fissional como critica e animadora cultural, passional ¢ atenta, pelas trés Amé- ricas, e Luis Felipe Noé, artista pléstico ¢ pensador arguto, além de Ferreira Gullar, poeta € tedrico maior do movimento neoconcreto brasileiro, o gran de Octavio Paz, patriménio cultural do México, e Juan Acha, peruano resi- dente no México. O cardter reflexivo dos textos densos de Octavio Paz se contrapée ao tom envolvente de Marta Traba e Gullar, a primeira debrucando-se sobre as artes visuais dos anos 50 ¢ 60, ¢ Gullar sobre as mesmas décadas (Cultura posta em questo, de 1963, e Vanguarda e subdesenvolvimento, de 1969), focalizando apenas a situa¢do brasileira, porém, por isso mesmo, contraponto necessitio as Duas décadas vulnerdveis nas artes plasticas latino-americanas: 1950-1970 (1973), de Marta, A leitura deste livro fez com que levassemos 2 autora, €m nosso primeiro contato, livros sobre arte no Brasil, a fim de preencher as l- cunas de seu acompanhamento da arte em nosso pais, percebidas frente livro antolégico. Na verdade, Marta Traba passaria e visitaria 0 Brasil de quando em quando, porém sem se deter, panica. De qualquer forma, da na arte de uma sociedad calizando as relagdes entre 4 sua ligacao era com a América Hi sua preocupagao viva A época estava oxnurl tecnoldgica ¢ de consumo, a do pop, 04 s¢j% >” artistas da América Latina e os Estados Unidos limites do regionalismo, assim como 0 cart 4 partir de seus referenciais. Jé Gullar debate c™ no Nos anos 60, a extensio € o: da abstracZo no continente, MODERNIDADE E IDENTIDADE veeméncia a vanguarda versus politica, versus meios de comunicacao de mas- sa, vendo além do instante efémero, Marta Traba focaliza a resistencia entre os artistas dos paises hispano-americanos aos padrées externos ¢ a década da “entrega”, como a chamou. Foi a tinica a poder fazé-lo, pelos seus deslocamentos constantes pelo continente e pelo Caribe, idas e voltas, com presenga também pelos Estados Unidos, onde confere artistas ¢ influéncias — somente Damian Bayon, seu conterranco, se aproximaria da freqiiéncia de suas andangas nos anos 60 ¢ 70, preparando obras exemplares de histéria da arte colonial e moderna da Am rica Latina. Lufs Felipe Nog, da Nova Figuragio argentina, nao apenas com seu livro Antiestética (1988) como em todos os seus pronunciamentos ¢ tex- tos varios, tem demonstrado uma visio provocante diante dos dilemas de nossa Modernidade. J4 Juan Acha, através de uma série de estudos sobre a arte na América Latina, de sua produgio a sua distribuicdo e consumo, nos lega um corpo tedrico elaborado sobre o fendmeno da nossa criatividade a partir de um exercicio que ele denomina de necessidade de criar uma critica Jatino-americana auténtica, com uma ética a partir de nossa realidade. Escreveu Octavio Paz que é caracteristica do moderno a tradigao de rup- tura. E, de forma aparentemente contradit6ria, diz ele: “O que distingue a modernidade é a critica: 0 novo se opée ao antigo ¢ essa oposicao é a ‘conti- nuidade’ da tradigiio”. Essa nogio se soma.& da idéia da Modernidade como “filha do tempo retilineo: 0 presente no repete 0 passado ¢ cada instante & “inico, diferente ¢ auto-suficiente”. Percebemos af trés dados fundamentais em sua apreciagio sobre o fe- nomeno da Modernidade: a tradigao da ruptura, a tradigao na continuidade de oposi¢ao ao passadismo, o presente como experiéncia singular. Em rela- cao & arte, Paz lembra que “o que distingue a arte da Modernidade da arte de outtas épocas é a critica”. Quando ela deixou de ser critica, como aponta em relagio & vanguarda atual, assinala-se o fim da Modernidade, através de uma prolongagio do “moderno”, “tradigao que se imobiliza”, segundo ele, passando-nos na verdade a imagem da perda de sua vitalidade.' Parece-nos 1 Octavio Paz, “Invengio, subdesenvolvimento, modernidade”, in Signos em rotacito, Sio Paulo, Perspectiva, 1972. 73 [ARTE NA AMERICA LATINA ser interessante ter em mente essas suas reflexdes ao desejarmos fazer algumas m torno 4 Modernidade ¢ identidade no processo latino-ame. tedrica excepcional de um artista como Luis Felipe Nog “nostalgia da histéria”, em fungdo, como diy consideraces € ricano. A inteligéncia jd se refer, hd algum cempo,& “nostalgia se ele, da “caréncia de passado proprio (nao ser filho de uma tradiga0)” nos a Latina? Ao mesmo tempo, essa nao-vinculacio meios artisticos da Amé com a Histria traria como resultado, num momento de revisio de nossos valores ¢ de desejo de renovagao art{stica, como ocorreu a partir do Moder- nismo, a busca de rafzes, fossem clas nossas préprias, da terra entendida como natureza, ou de povos ancestrais da América Latina antes da descoberta pe- los europeus. Na América Latina, Modernidade tem a conotagao de novo, como em toda parte. $6 que 0 novo, para nés, chegou impregnado de um sentido de auto-afirmagao. O “moderno”, na Europa de fim de século, trazia implicito um comportamento urbano que exaltava a cidade, o fendmeno da multidio, de solidao, por tudo isso muito vinculado também a um sentido romantico dos novos tempos. Jé entre nés, no meio das artes plisticas, essa postura ocor- re num momento em que se repensa o nacional em termos de valorizagao do popular, simultaneamente & descoberta do internacionalismo da Escola de Paris, ponto de encontro da intelectualidade ¢ meio artistico da época. E 0 tempo do nascer da industrializagdo em nossos pafses, ¢ 0 adensamento de- mogréfico das cidades traz, em especial em Sao Paulo, no Brasil, uma altera- ao de comportamento em fungao da chegada de uma massa de imigrantes, cujas tradig6es sao diversas daquelas do portugués que nos colonizara ou da cultura do africano que fora elemento de mestigagem fundamental ¢ a ma0- de-obra na mineracio ¢ na agricultura dos primeiros séculos de ocupasio curopéia. Ou seja: em reagao ao desvairo dos ecletismos do fim do Oitocen~ tos, o desejo do auto-reencontro. Claro esté ser essa uma postura roméntict: © novo é sermos nés mesmos, pata Proposigio dificil de encarar teoricamente, mals dificil ainda de ser posta em pratica, Afirmacao de valor, que comes ba 2 : “ ne Luts Felipe Noé, “La nostalgia de historia en el proceso de imaginaci ‘ica Latina’, apud Artes visuales ¢identidad en América Latina, Méxi tempordnea, 1982. cc in plastica en AME , Foro de Arte Com 74 MODERNIDADE E IDENTIDADE México a partir de 1910 e assumiré um caréter indigenista tico na América Central ¢ area andina, Até ty Bor ma de los argentinos” (1928), pontua as diferencas da lingua falada pel gentinos, Diz cle em 1927: “nuestra discusién ser hela rele dacs verso, nuestro humorismo, ya son de aqui”, quase paralelamente a Mario de Andrade que defende, também nos anos 20 em Sao Paulo. nacionalista poli- rges, em “El idio- uma lingua bras, a diferenciaese da portugues, lem do “meee que ele apregoa como meta, em 1923, em correspondéncia a Tarsila, entao em Paris. i : A Modernidade na América Latina nas artes visuais difere muito de uma regifo a outra como projecao imagética: do muralismo mexicano a intros- pecgao de um Xul Solar, no construtivismo saboroso de uma Tarsila dos anos 20 ou na poética visual de um Di Cavalcanti. Por todos, contudo, permeia um desejo de afirmagao local mesclado a uma linguagem atualizada, “mo- derna”, vinculada as inovagées ocorridas apés 0 Cubismo na Escola de Pa- ris. Deseja-se, simultaneamente, esquecer ¢ afirmar as feic6es rural, caipira ou mestiga que sempre caracterizaram nossas culturas latino-americanas, proce- dentes do colonialismo ibérico ¢ de um século XIX tumultuado e de poucos avangos sociais. Seria o cientificismo positivista que acenaria com um novo tempo: nas artes visuais, somente nas tltimas décadas do século passado co- mecamos a descobrir — ¢ assumir — nosso entorno, nossa paisagem, a di- fundir através da caricatura e da producio gréfica uma critica social e politica efetiva, a desvelar, gradativamente, nossas manifestagées populares — mii- sica, danga —, ¢ nisto 0 México anteciparia os anseios de autovalorizacao. Também na Argentina de Borges, este escritor, nos anos 20, debate as ori- gens milongueiras — africanas — do tango montevideano, sem dtivida por influéncia da Colénia do Sacramento, rafzes do tango argentino. Ao mesmo tempo, no Brasil, o samba ¢ o maxixe so ritmos que comegam a ser resgata- dos pelos modernistas, ¢ Heitor Villa-Lobos se volta para os temas musicais de origem brasileira (sem esquecer a influéncia recebida antes por Darius Milhaud da miisica popular brasileira, quando secretirio no Rio de Janeiro do embaixador Paul Claudel, durante a Primeira Guerra Mundial). No fa- lar, na plastica e no escrever, Tarsila, Oswald de Andrade, Mério de Andra- de, Antonio de Alcantara Machado estao atentos a visualidade ¢ ao compor- tamento popular, assim como em Pernambuco o estaria a sensibilidade de um 75 ARTE NA AMERICA LATINA Gilberto Freyres todos estes dados se somam a arte colonial revisitada a pa. tir das viagens dos modernistas paulistas a0 Rio de Janciro © Minas Gera, em 1924. Isso poder : Mas que o exotismo fiz. parte do idedtrio « vidade, A propria Dore Ashton o enfatiza, colocando-o paralelamente ag cterfstica do moderno. Refere-se cla a0 exotismo assinalara presenga do exotismo em n0s505 Modernism io do Modernismo também nao é ny cosmopolitismo como ¢: : ¥s forgas motivadoras do Modernismo. Ou, tal como “uma da auténti a na alma de quase todos os artistas. O desejo pelo que ¢ de fora, distante, d ferente, ¢, se possivel, misteriosamente inacessivel em termos de sua signif 3 cacao, esté constantemente expresso através da era moderna” Nos anos 20, pensa contudo Juan Acha, a preocupacao com o popular ou com 0 indio nao ocorre por amor “As maiorias demogréficas ou ao indio, mas pelo nacionalismo de Estado que precisava olhar a arte de nosso passa- do e do povo através dos conceitos ocidentais de arte culta, com 0 propésito de prestigid-lo e suscitar o conseqiiente orgulho nacional”. Ele coloca, assim, 2 ideologia do Estado junto & modernizagao da arte para fins de prestigiar uma determinada sociedade. Isso nao € novo no Brasil, quando no perfodo Vargas se desejou projetar a imagem de um pais progressista, cujo principal ¢ mais destacado monumento foi, sem dtivida, o edificio do Ministério da Educ- sao, construido no Rio de Janeiro, entrada do Brasil, por equipe inspirada em Le Corbusier. Em Sao Paulo, entretanto, micleo da Modernidade no Br- sil, a arquitetura jé apareceu em 1907 com Victor Dubugeas, € nos anos 20 com Gregori Warchavchik ¢ Flavio de Carvalho, estes tiltimos em iniciati vas particulares, que marcam o estado de So Paulo desde sempre. Essa ideologia do moderno, contudo, brasileiro, nao é inerente ao Modernis no qual o popular decorre de uma redescoberta dos valores nati Yos, quem sabe até mesmo pelo interesse que desperta fora do pais. E 0 a Ocorreu com Tarsila, por exemplo. E-é mais ou menos o que diz Marta Tb? auando escreve: “pode-se afrmar, recordando os vitios tipos de hibridis™® 3 Dore Ashton, “ Trip”, : “Round Trip", Coldquio Artes, no 84, Lisboa, mar. 1990. Juan Acha, El arte y su distribucig México, 1984, p. 303. in, México, D.F. , a Universidade Nacional Auréno™ 76 MODERNIDADE F IDENTIDADE, ¢ mestigagens artisticas que a histéria da arte latino-americana oferece, que @ influéncia européia, quer seja transmitida pelo barroco, pelo romantismo ou pelo modernismo, inculcou, mais que modelos a seguir, 0 prestigio da inven- a0 formal”. O processo da Modernidade em pafses da América Latina deve ser ob- servado, por certo, de acordo com a classificagao de Marta Traba (“Areas aber- tas” ¢ “Areas fechadas”) e de Darcy Ribeiro (“povos testemunhos”, “povos novos”, “povos transplantados”), a quem Marta cita no prefacio de seu livro. Ou, simplesmente, a partir de assumirmos a existéncia de duas Américas La- tinas, a das dreas ancestrais mexicana, maia e andina, ¢ a dos paises desprovi- dos de uma sélida cultura remota, como os da érea atlantica, em particular Venezuela, Brasil, Uruguai, Argentina e parte do Chile. Antonio Berni nos lembra com pertinéncia: “As novas urbes da Améri- ca Latina foram crescendo desde o século pasado gracas & imigracao de além- mar ¢ & nativa de terra adentro em diregdo aos centros de comércio e indtis- tria. © moderno cavalga sobre o passado, quando néo o faz desaparecer, ou ctia novas realidades onde nada existiu. Buenos Aires ¢ Sio Paulo se desen- volveram sobre solos com poucas tradigées locais. O imigrante, ao pisar ter- ras atlinticas, descobria o ontem sé no colonial incipiente: 0 pré-colombia- no se encontrava a milhares de quilémetros, quase inacessiveis desde essas margens. O crescimento de nossas cidades se deveu a uma avalanche de pro- dutos de importacio, trocados por nossas matérias-primas, cereais e cares, hum tréfico andrquico sem tempo para uma adaptagao harménica de todas as atividades em que a cultura ter4 seu papel correspondente”.§ Com realismo, porém, podemos afirmar que 0 que nos caracteriza é a massa do popular. Esta, sim, por todos os pafses da América Latina, tem de- nominadores comuns além das tradigdes arraigadas em certos paises ¢ impor- tages mais localizaveis em outros, por sta vital criatividade, por sua expres- sdo plistico-visual e comportamental a gritar as descomunais contradigdes que 5 Marta Traba, Duas décadas vulnerdveis nas artes plasticas latino-americanas: 1950-1970, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 16. 6 Antonio Berni, comunicagio apresentada no Primeiro Encontro Ibero-Americano de Crf- ticos de Arte e Artistas Plisticos, Caracas, 1978, pp. 10-1. 7 marcam o nosso continente. Expressdes plasticas diante das quais os historia. dores, daqui ou de fora, ficam indecisos, se as colocam ou no inseridas ho contexto de nosso desenvolvimento artistico, porém de citagio forcosa, sua imperiosa presenga. Essa terceira América Latina, terceira forma de pressio sem falsos preconccitos ou mascaras, a feigao popular, Seja em sey perfil mexicano/guatemalteco/andino ou atlintico, sempre Nos reconduz de volta 4 necessidade de esclarecimento de nossas origens. E 0 nosso aspecto “sub”, ou, como diria Marta Traba, de “semitudo”: “A transmissio desing de rumo, privativo da civilizagio americana, tem sua originalidade dentro de nossa histéria de ‘semitudo’: semidependentes, semidesenvolvidos, semi-sub. Por Ca desenvolvidos, semicultos”.” Se os anos 50 significam a culminancia ¢ 0 fim das utopias da Mo- dernidade, os anos 60 ¢ 70 propiciaram uma migragao rara na hist6ria do con- tinente, dando nascimento a uma nova compreensao da América Latina por parte de seus intelectuais e politicos, que, por forga das circunstancias que os levaram ao exilio, passaram a viver uns em paises dos outros. Assim, se pa- raguaios, argentinos ¢ uruguaios vao para a Europa ou Canada, vém fixar-se também aos milhares no Brasil e México. E brasileiros ilustres até entio in- diferentes & problematica latino-americana e suas raizes comuns hist6ricas se radicam no Chile, Peru, México, Argentina, Cuba. Essas personalidades, que no Brasil incluem de Ferreira Gullar a Mario Pedrosa, de Celso Furtado 2 Darcy Ribeiro, Francisco Juliao e Augusto Boal, entre tantos outros profes- sores universitdrios e futuros politicos, despertam de forma inédita para af nidades até entao no Brasil percebidas e estimuladas por uns poucos. Um tempo inovador terd inicio ao retorno das democracias 4 América Latin. Reintegrados como politicos, em Posi¢ao de destaque nos novos regimes, SU giria, no caso dos brasileiros, uma Preocupacao com uma unio mais este dos diversos paises a partir da avassaladora problematica da divida exter™ Neste contexto surpreendente como novidade se inclui a Argentina, que *P* a Guerra das Malvinas passa a formar junto ao bloco dos latino-american®> despertada também para sua nova condicao terceiro-mundista e no 8 re sua i «p ; ina”. Preocupada com sua imagem como a “Europa na América Latina”. 7 Marta Traba, idem, ibidem, 78 MODERNIDADE E IDENTIDADE No desejo de auto-afirmagio, a modernidade tangencia também em nés a aspiragio de uma articulagio entre nossos paises: “Nao podemos definir nossa identidade sendo em fungao da integragéo ¢ da modernidade”, escre- veut Rojas Mix. “Uma modernidade que deve integrar necessariamente todos os elementos culturais que formam nosso continente, sem atribuir uma fun- gio de cons ervé-los como se tratasse de preservar uma espécie em extingio, mas sim de fazi -los viver”.§ Esta postura, no entanto, jé assinala a superagio da vivéncia dos anos 60 ¢ 70, perfodo do arbitrio militarista por quase toda a América Latina sob o olhar complacent dos Estados Unidos, preocupados obsessivamente com o surgimento de novas Cubas no continente. No brilhante texto citado de Luis Felipe Noé, referindo-se & problema- tica latino-americana de busca de uma “independéncia na linguagem plés- tica”, longe de configurar esse seu pronunciamento como uma pega acadé- mica, ¢ nem poderia sé-lo, pois Noé é um criador e intelectual de primeira linha, ele reafirma que quando abandonarmos a preocupagio de buscar essa autonomia de linguagem nos daremos conta de que o que existe, sim, é uma percepgio “latino-americana”, Por essa mesma raz4o, mesmo que a histéria da arte ocidental chegue a seu fim, época da crise estética, a arte latino-ame- ricana nao se ressentird desse momento, dando-se conta entao de que “nesse caso nao se define como ocidental”, por estar além dessa crise ¢ pouco ter em comum com ela.” E postura similar aquela de Oswald de Andrade no final dos anos 20 ¢ depois cantada na musica popular brasileira com o refrao “nao hé pecado abaixo do Equador”. Se Noé lembra que Rivera descobriu 0 México em Paris, “umbigo do mundo” ainda, segundo Oswald de Andrade, 0 mesmo poderfamos dizer de Wifredo Lam, que tem a revelagao de sua ancestralidade africana na capital francesa a partir do contato com Picasso € a arte afticana. O mesmo pode-se dizer também de Tarsila, que comeca seu proceso de focalizar o Brasil ma- ir de Paris, onde ela produz, em 1923, a Caipirinha e gico ¢ ancestral a part a de sua produgio dos anos 20. Sempre A negra, esta tltima pega antol6gic 8 Miguel Rojas Mix, “Ibero-América,integracio e comunicagio”, Relarério do IV Encon- 10 Ibero-Americano de Comunicagio, S40 Paulo, ECA-USP, 1990, p. 66. 9 Luts Felipe Noé, idem, ibidem. i) [ARTE NA AMERICA LATINA me pareceu um enigma os caminhos de um artista considerado paradigméi co do Construtivismo na América Latina, 0 uruguaio Torres-Gatcfa, Depois dy uma vida profissional na Europa — onde reside durante 43 anos —, com breve estada nos Estados Unidos, a0 retornar ao Uruguai vai observar con, curiosidade a cultura, nao de seu pals, atlantico € europeizado na capital, pas de histétia iniciada apés a colonizagao espanhola, mas a cultura do altiplano peruano-boliviano, do Império Inca, para formular sua teoria Construtivista, de fundo simbolismo. Paradoxa mente, seria neste Construtivismo de cardter simbélico de Torres-Garcia que se apoiariam os concretistas argentinos — Madi e Arte Concreto-Invencién —, grupos que reconheceriam no mestre uruguaio uma antecipacao, ¢ nao é por acaso que na I Bienal de Sao Paulo o Uruguai apre- senta uma exposicao retrospectiva de Torres-Garcfa, ao mesmo tempo que os jovens artistas de S40 Paulo e Rio de Janeiro se interessam vivamente pelo Concretismo de Max Bill, em 1951. A partir de entao a arte concreta ¢ o Construtivismo significam no Bre- sil uma integracéo com 0 desenvolvido, uma aspiragao de identificacio com a industrializacao mais avangada, ¢ nisto est implicito um desejo de se air mar enquanto identidade ¢ de se rejeitar vivamente a realidade conturbad2 gue sempre conformou nosso ambiente socioeconémico ou cultural. Ao s desejar fundir com “o outro”, percebe-se, pela negacdo, uma preocupasio com a identidade (Sérgio Buarque de Holanda ja aludiu a isto em sua genial colocagéo do “homem cordial”, aberto ao de fora, no fundo, pelo temor de ficar em presenga de si mesmo). Esta a linha que um amplo segmento da 3" dita experimental de dois grandes centros, como Rio de Janeiro e Sio Paul Segue, invariavelmente, desde a década de 50, € que coloca em contton’® conceituals © construtivos de um lado, ¢ figurativos ¢ magicos de outro. Es ses sio, em geral, assinala i imagético, “SS “0, em geral, assinalados como ébyios, do ponto de vista imagético, perados” a partir do “ « = » e vis tir do “moderno”, e, de fato, menosprezados do pono €&Y ta formal nos iltimo : PeLe » anos, pela jovem eric ancia filoséfica a" " ica de procedéncia filo emergiu nos anos 80, P Incxiste mesmo, no prin ro 0, a critica de qué i primeiro ¢ TUpo, a critica de que talve tivismo € os modismos c cendo como pr Onceltuais possam também ser efemeros, eV" do como reverie e Lornando-se datados, académicos, ou se configu omadas sem vital; , Met ‘adas sem vitalidade. Ao Mesmo tempo, essa aspirags? pro” nstrue yvelhe- 80 MODERNIDADE E IDENTIDADE gressista” da arte, a ilustrar um pensamento racional, ordenado, que aparece como vinculado a um projeto de crenga num futuro desenvolvimento, esta presente no florescimento da tecnologia de ponta, visivel na obra de arte ou ha proposta artistica, Chegamos entio, de certa forma, : ao enunciado por Octavio Paz, quando se referiu a “ “tradigao que se imobiliza”, nessas tendén- Gias cuja preocupagio maior é nao se mostrar periférica, porém afinada com um mundo ao qual nao se pertence. © universo urbano e moderno da América Latina, ¢ do Brasil, por nés assinalado, é de complexidade a toda prova, dat a relevancia do “recado” ou do salto ambiental de um Hélio Oiticica, sensivel ¢ fulminante em sua luci- dez tedrico-automatica, que se distancia de todo 0 Academismo moderno construtivo do Brasil, na medida em que propée a busca do “supra-senso- rial”: “a tentativa de criar, por proposigdes cada vez mais abertas, exercicios ctiativos, prescindindo mesmo do objeto tal como ficou categorizado — nao sao fusdo de pintura-escultura-poema, obras palpaveis, se bem que possam possuir este lado. Sao dirigidas aos sentidos, para através deles, da ‘percep- cao total’, levar o individuo a uma ‘supra-sensa¢do’, ao dilaramento de suas ” 1° Dafa dificuldade de buscar em Oiticica uma obra perene, ou de valor plistico-formal, apés sua série concreta propriamente dita. A mensagem de Oiticica reside, a nosso ver, em sua postura, em suas propo- capacidades sensoriai sigdes ambientais ¢ tedricas radicais, mais do que nas obras em si. Nessa radicalidade é que se deve buscar um pensamento além da Modernidade, gerado na Modernidade, com toda a sofisticacio intelectual de seu periodo ctiador de intensidade maior (até 1969). Jéa imagética figurativa ou gestual brasileira tem muito a ver com a “percepsao latino-americana”, mencionada por Luts Felipe Nog, imagética nao caudatéria da tradi¢do realista norte-americana, distante da ideologia dos mexicanos, mas talvez mais préxima de uma figuracéo européia no perfodo de criatividade que vai da década de 50 aos anos 70, embora sem tendéncias il catalogag4o, esse momento de nossa su- de escolas europeizantes. De difi 0 0 peracéo da Modernidade entendida como tal abrange personalidades as mais dligpares, intensas em proposiges, e que vio desde a singularidade de expres- Aspiro ao grande labirinto, Rio de Janciro, Rocco, 1986, p. 104. 10 Hélio Oiticica, 81 [ARTE NA AMERICA LATINA sao net sivon Franco, passando pela poética de Evandro Catlos Ja atingindo um fantastico no catalogdvel como Tunga ea cee ¢ atets de um Jofo Cémara, da série Vargas. Em todos eles, nn espaco projetado através da fantasia ou organizacio da imagem, ¢ pen teba. vio de um Cio Meirees a Nelson Leiner e Tunga, de Antonio | enri | | vrrento do real sob a capa da poesia ou da sétira, |

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