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Aracy A. Amaral TEXTOS DO TROPICO DE CAPRICORNIO Artigos e ensaios (1980-2005) Vol. 2 Circuitos de arte na América Latina e no Brasil editoral_34 EDITORA 34 Editora 34 Ltda. Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000 Sao Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3816-6777 www.editora34.com.br Copyright © Editora 34, 2006 Textos do Trépico de Capricérnio: artigos e ensaios (1980-2005) - Vol, 2: Circuitos de arte na América Latina e no Brasil © Aracy A. Amaral, 2006 A fotocépia de qualquer folha deste livro ¢ ilegal e configura uma apropriagéo indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor. Assisténcia editorial: Gloria Kok Pesquisa: Regina Teixeira de Barros Assisténcia de pesquisa e digitagao dos textos: Valéria Piccoli, Renata Basile da Silva, Ana Maria Mirio Capa, projeto gréfico ¢ editoragao eletrénica: Bracher & Malta Produgito Gréfica Revisio: Beatriz. de Freitas Moreira, Fabricio Corsaletti, Camila Boldrini 1? Edigao - 2006 CIP - Brasil. Catalogacio-na-Fonte (Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Brasil) ‘Amaral, Aracy A. AS2 ‘Textos do Trépico de Capricdenio: artigos © ‘ensaios (1980-2005) - Vol. 2: ‘América Latina e no Brasil / Aracy A. Amaral — Sio Paulo: Ed. 34, 2006, 424 p. ISBN 85-7326-365-2 1. Artes plisticas - Brasil - Hist6riae critica 2. Arquitetura e urbanismo - Brasil - Histéria e ctica. 3, Histéria da arte - América Latina - Sée. XX. 1. Titulo. U. Série, DD - 709.81 ll. Céntricos e ex-céntricos: que centro? onde est 0 centro? [1990] “As culturas, comece a Europa por entende-lo, ¢ entendida tente bial de uma vez para sempre, nao sio melhores nem pio- res, ndo sio mais ricas nem mais pobres, so simplesmente, e fe- lizmente, culturas. Af valem-se umas as outras, ¢ é s6 pela dife- renga, assumida e aprofundada, que se achardo mutuamente jus- tificadas. Nao hd, ¢ espero que nao venha a haver, uma cultura una ¢ universal. A Terra, sim, ¢ tinica, mas 0 homem nao. Cada cultura é, em si mesma, um universo comunicante: 0 espaco que as separa é 0 mesmo espago que as liga, como o mar, aqui na Ter- ta, separa e liga os continentes!” José Saramago! Ao assistir recentemente a um video dirigido por um austrfaco sobre as religides afto-brasileiras ¢ filmado tanto no Brasil como no Benin, tive, de pronto, uma nova percepcao sobre a raz4o pela qual os europeus tém tanto fascinio pelo exético, pelo tropical, enfim, por nés. Nas cenas das multidoes e do cotidiano do filme percebi que, diferentemente de suas vidas reguladas ¢ sistematizadas de anglo-saxées, o pobre de fora de sua sociedade ¢ diferen- te. Pobreza nao tem ordem, nao tem padrio, ¢ 0 caos. E, para cles, 0 caos € “o outro”, é 0 escape, tem 0 rosto da liberdade, da criatividade. Isso vilido igualmente quando o Primeiro Mundo vem procurar no Terceiro artistas peculiares, segundo eles, de nossa cultura. Daf porque nao olham nem se in- i “ ” aos set secundirios, segun- teressam por artistas urbanos, ‘semelhantes” aos seus, ou secundirios, seg! do eles. Isso eles o tém. Buscam o diferente. Na verdade, nessa busca do “diferente” esta um princfpio basico para a "José Saramago, “Duss verdades sobre a Europa", Atlante, n° 3, ans Soo Paulo, 1990. 83 ARTE NA AMERICA LATINA sobrevivéncia cultural. £ preciso se nuctir do outro para sobreviver, para renovar. Do contririo seria a estagnagao. Daf a histéria da continua depen. dencia centro-peifria e periferia-centro. E, enfim, ahistéria das cultura, mundo, a histéria da formagao da cultura da Europa ocidental, conform, assinala Uslar Piet, a0 dizer que assim o “fizeram 0s paises da Europa et dental mediante um longo e grandioso processo de mescla ¢ combinacio dg germanico, do romano, do cristéo, do grego, do bizantino, do érabe” 2 Voltando-se ao caso latino-americano, 0 autor se refere explicitamente & possibilidade que tem nosso continente de ser um Novo Mundo, porque reside aqui, principalmente, sua vocagio ¢ destino de mestigagem cultural; “Este aspecto de mescla de impureza, de convivéncia e maridagem de épocas diversas ¢ de tendéncias heterogéneas, que nao é senao a caracteristica criae dora da mesticagem cultural, esta presente em todos os grandes momentos originais da América Latina”.3 Numa visio mais ampla do tempo, T. S. Eliot afirma: “Os povos sio julgados pela Histéria de acordo com sua contribuigao & cultura de outros povos que floresceram contemporancamente ¢ de acordo com sua contti- buigao as culturas surgidas posteriormente”.4 Em suas reflexées sobre 0 regio- nalismo relativo & problemética das Ilhas Britanicas, menciona a questio da Preservacao de determinada cultura: “A outra razo para a preservagio de uma cultura local é também valida para a cultura-satélite que continua sendo-o ¢ no chega ao extremo de separar-se completamente. E sucede que a culture satélite oferece uma influéncia considerével sobre a cultura mais forte, ¢ des- se modo desempenha no mundo em geral um papel mais importante que que teria se estivesse isolada”. E mais adiante: Gio & ecologia das culturas, ta uniformidade cultural d nitivamente mais baixo” 5 “Nao prestamos suficiente ater- Em minha opiniao, é provavel que uma cine lestas ilhas traria consigo um nivel cultural def: ? Arturo Uslar Pietti, 1974, p. 27. ° Idem, ibidem, p. 26, 4 : TS. Eliot, Notas para la definicion de la cultura, 5 Idem, ibidem, p. 84, “ H anra Editorsh El mestizaje creador”, im La otra América, Madsi, Alianza Editor Barcelona, Bruguera, 1984, p- 8!- 84 | CENTRICOS E EX-CENTRICOS: QUE CE: TRO? ONDE ESTA 0 Ea este dado em particular que faz referencia Dore Asthon quando re- : ao chegar & culminancia da pop art, reconhecida mundialmente, depois que passam a se considera “os mators”, perderam seu “intercambio com a E. gistra que os Estados Unidos, ; uropa ¢ puseram em risco sua prépria cultura que nao se achava mais aberta ao influxo de outros valores”. Daf seu gradativo em- pobrecimento do ponto de vista de efervescéncia cultural, apesar do movi- mento de eventos ¢ mercado que caracterizam a cena americana. Como con- seqiiéncia desses dados, Dore Asthon assinala que vird do Terceiro ou Quar- to Mundo uma mestigagem benéfica para romper uma espécie de rarefagao da cultura que se isola. A autora menciona que, hoje, Estados Unidos e Eu- ropa nao possuem mais a competitividade que caracterizou suas relag6es cul- turais durante décadas ¢ agora tendem a se unificar sob este aspecto. Como fugir ao “padrao”? Do ponto de vista de enriquecimento cultural nao é suficiente, claro esté, observar apenas o fendmeno Estados Unidos-Europa. E preciso ir mais além, observar a contribuigéo de outras culturas como ocorreu na relagio Egito-Grécia, ou, no século pasado, na relacéo téo conhecida arte japonesa- impressionismo, ou arte africana-cubismo etc. A razéo pela qual o Terceiro Mundo comeca a despertar interesse no é apenas, portanto, por seu valor em si, porém por uma questao de sobrevivéncia dessas culturas do Primeiro Mundo. Sintomético, nessa diresio, 0 conceito da exposigéo “Magiciens de la Terre”, de Jean-Hubert Martin, no Centro Georges Pompidou, evento ecuménico que reuniu manifestagdes visuais de paises desenvolvidos e sub- desenvolvidos, sob um mesmo teto, gerando polémicas. Dore Asthon, nesse iluminado artigo (“Round Trip”),” analisa a rela- sao Estados Unidos-Europa como relagao centro-periferia ¢ depois centro- centro em seu desenvolvimento, ¢ lembra que, se antecipando ao seu meio como centro hegeménico na década de 60, muito antes, em 1934, “um im- portante administrador do WPA Arts Project escreveu: ‘A arte americana esta declarando moratéria de suas dividas & Europa e voltando para cultivar seu 6 Dore Ashton, “Round Trip”, Coléquio Artes, n° 84, Lisboa, mar. 1990, p. 12. 7 Idem, ibidem. 85 [ARTE NA AMERICA LATINA proprio jardim’”.® Mas essa postura da afte Aieceittcye a retrairem busca de si prépria reflete um movimento ce introversao a0 qual se seguiria © da projecao internacionalista de seus eta aeed ae ° pop ae ies pressionismo abstrato que 0 antecedeu, como todas as demais tendéncias que colocaram os Estados Unidos como pélo criativo incontestavel na arte ocj- dental (pop, minimalismo, hiper-realismo, conccitualismo, entre outras). nesse momento que se apresenta a situagio de arte norte-americana fechada sobre si mesma ou sobre sua propria gléria, rejeitando as manifestagées cria. tivas da area de artes visuais de outros paises. Sucedendo, assim, a rarefacdo do centro isolado, percebe-se hoje, novamente, um desejo de buscar a cra. Gio de outros centros, até hd pouco considerados periféricos. Como Dore Ashton eT. S. Eliot o declaram com palavras diferentes, a sobrevivéncia mes- ma dessas culturas esté implicita nessa busca de “contaminacao” ou articula- 30 com “o outro”. Venho a um encontro em que se levantam temas de discusséo como “O proprio € 0 alheio”, “O céntrico ¢ 0 ex-céntrico”, e, mais uma vez, me dou conta da riqueza, da cor, da forca do México. México é uma cultura, é uma nagio. Porém, tao intensa é a forga de sua cultura que nao correria também © risco de fechar-se sobre si mesmo? O pré-hispanico, o muralismo, a tradi- do oaxaquenha, o fendmeno do “Taller de Arte Fronterizo” de que nos fala Olivier Debroise, ou a presenca dos cubanos interessados pelo México, os chicanos, a exuberancia da cultura popular, México sobre México... poderi © México renovar-se em arte se no sai do México ou se nao olha mais além do México? Estas sio interrogagées que me fago talvez como li um viajante, desta visita. igeiras observagoes de mas diante do México que vejo neste ano pela oportunidade Venho de um pais quase sem passado, onde “purera” é palavra que pouco significa talidade venha quigé do pluralismo étnico e de culturas e nagdes que existem dentro de 0 presente, se comparado com o México, if . Entretanto, muito de nossa vr xtraordindrio, da multiplicidade Brasil; ao contrdrio, influéncias mestigagem, contaminagio, definem melhor nossa realidade, eu 8 Idem, ibidem, p.9, 86 ‘CENTRICOS E EX-CENTRICOS: QUE CENTRO? ONDE ESTA O CENTRO? ropéia c asidtica no Sul, indigena no Norte, africana e mestiga no Nordeste € Sudeste. As vezes parece-me que os diversos pafses da América Latina seguem atradigao colonial, cada um dentro de seu discurso proprio ou buscando did- logo com as “metrdpoles” do mundo de hoje, apenas excepci nalmente bus- cando uma aproximagio mtitua, Quem sabe seja somente para uma geragao outra — que nao a nossa —, quando entio, esgotadas as necessidades de res- gate de nossas memérias, comecemos, sem complexos, a olhar para os lados com uma curiosidade mtitua que ainda nao sentimos neste momento. Na América Latina, vemos duas instancias para a abordagem céntrica e ex-céntrica de nossas culturas: uma, aquela que nos coloca desde o perfodo colonial como periféricos em relagao a cultura das metrépoles ibéricas — que, por sua vez, também eram ex-céntricas em relagio a Itdlia até século XVIII, Austria ou Flandres, do ponto de vista artistico — ou a Paris no século XIX ¢ parte do século XX; outra, que apresenta o carter ex-céntrico no interior mesmo de nossos paises, pelo aspecto cosmopolita e/ou regional de nossa cultura, conforme o meio em que se desenvolve. No primeiro caso, poderiamos afirmar que no campo artistico nao ocor- re uma “torna-viagem”, ou seja, a América Latina influenciando a Europa, porém o influxo das culturas da Europa se aclimatando na América Meri- dional, ¢ aqui dando frutos diferenciados, que no so mais apenas impor- ragées, porém peculiares, que podem ser apreciadas na arte barroca ou no gético-maneirista do México, assim como na pintura cusquenha e equa- toriana, na profusa talha do colonial colombiano ou do lavor mestizo em pe- dra de Arequipa, no Peru, ou dos niicleos em torno ao lago Titicaca, no alti- plano andino. Ou, por exemplo, no rococé do jesuitico paraguaio ou da ar- quitetura ¢ talha barroca € rococé do Brasil do século XVIII. E a partir do século XIX, quando se percebe a nivel internacional o fenémeno dos “re- vivalismos”, a curiosidade pelo exético a par das teorias da Modernidade, que o olhar dos artistas ¢ intelectuais se detém e absorve a contribuigio de cultu- ras antes aparentemente divorciadas do desenvolvimento da arte ocidental e que, aos poucos, comegam a ser elementos de articulagio com suas préprias culturas. O internacionalismo se faz tio feroz que uma forma de ecletismo na arquitetura, 0 neocolonial, ou hispanicismo, emerge como invengao de uma histéria particular, em confronto com o internacionalismo vigente, De modo especial no Brasil, onde a arquitecura civil fora to despojada no perio- 87 ARTE NA AMERICA LATINA do colonial ¢ onde o neocolonial surge como uma fiegso Ean de aspi. ragéo & identidade nacional As vésperas da Serenores i entendtio da Independéncia, em 1922. Aqui também se perce i cote ximagao da metrépole, entendida como centro, embora implicito um claro desejo de auto-afirmagio. cae = Mas nao é apenas por razGes de ordem histérico-polftica que se afirma um centro. No Brasil, como em toda parte, 0 poder econdmico determinoy os deslocamentos dos centros de arte do pais desde a descoberta desses terti- t6rios de além-mar pela Coroa portuguesa. Assim, nos séculos XVII e XVIII 0 Nordeste brasileiro, com a sede da Coldnia na Bahia, concentrava o centro cultural ligado & expressio pldstica ¢ & arte religiosa em particular. Ao mes- mo tempo, a cultura da cana-de-acticar centralizava nesse mesmo Nordeste a riqueza, ¢, em conseqiiéncia, o melhor de nossa arte barroca até meados do Setecentos, Entretanto, a descoberta das minas gerais, de ouro ¢ diamantes, faria surgit um esplendor de arte e arquitetura que, pela forga de seu pode- rio, extrapolava em muito a mera imitagéo dos modelos das matrizes metro- politanas. E quando surge o génio do Aleijadinho — Anténio Francisco Lis- boa — e a arquitetura popular religiosa em Diamantina, fora do centro de Ouro Preto, por exemplo. Ao mesmo tempo, por injungées da mineracio deslocava-se, em 1763, a capital do Vice-Reino para o Rio de Janeiro, para melhor controle da safda do ouro. © Rio de Janeiro passa a usufruir entio de um progresso no apenas urbano como artistico, que faria da cidade o cen- tro da expressio artistica no Brasil do sécul sil inteiro almejava viver no Rio, Belas Artes, de sua Biblioteca Nac tecimentos vinculados & Corte do em 1889. Mesmo apés a Proclam, neiro, capital federal, centralizaria centro irradiador, como sed Nacional de Belas Artes, Artistico Nacional, lo XIX. Foi o tempo em que o Bra- usuftuir do prestigio de sua Academia de ional, dos Saldes anuais, das festas ¢ acon- Primeiro e Segundo Império, que termina ago da Republica, em 1889, 0 Rio de J ainda por décadas a cultura nacional como le de muscus denominados “nacionais” (Muset Museu Imperial de Petrdpolis, Museu Hist6rico € } entre outros), Ao final da segunda década do Athayde, do Ri ciro, j4 antevi a Ahan - Janeiro, J antevia, em expresso antolégica, que 0 “S* lo a0 Dp. » i dese estado que nent Palo”, prevendo o erescimento impressionan€ ¥ elo café e pela agricultura, se desenvolvia ap século XX, um escritor como Tristéo 4 motivado p: 88. (CENTRICOS E EX-CENTRICOS: QUE CENTRO? ONDE ESTA 0 CENTRO? sos largos para a industrializagio. Nao é, portanto, por acaso que a Semana de Arte Moderna ocorreria em Sio Paulo em 1922, ou que nesta cidade se realizariam os Sales de Maio da década de 30, que foram, como iniciativa e internacionalismo, uma antecipagio das Bienais de Sao Paulo. A abertura do Museu de Arte de Sao Paulo ¢ do Museu de Arte Moderna (1947 ¢ 1948, respectivamente) traria como resultado uma intensificagéo das atividades ar- tisticas ¢ iniciativas culturais na capital paulista. O Brasil viveria até os anos 60 de tradicional auséncia de comunicagao interna, ¢ esse isolacionismo fa- vorece tanto 0 regionalismo quanto a existéncia dos dois centros considera- dos “arejados” (Rio de Janeiro ¢ $40 Paulo). Mio de Andrade registrou em 1942, contudo, que foram os modernistas dos anos 20 que operaram em ter- ritério nacional “essa conquista de descentralizagio intelectual, hoje em con- traste berrante com outras manifestagées sociais do pais”. Refere-se ele & in- tengo de sistematizar uma “cultura” nacional, o que solicitou da Inteligén- cia acompanhar o que se passava, a partir dos anos 20, em varias partes do pais, pelo menos na rea da literatura. Assim, diz ele explicitamente, que se as cidades “de primeira grandeza fornecem facilitagGes publicitrias sempre especialmente estatisticas, ¢ impossivel ao brasileiro nacionalmente culto ig- norar um Erico Verfssimo, um Ciro dos Anjos, um Camargo Guarnieri, na- cionalmente gloriosos do canto das suas provincias”.? Elemento novo viria alterar esse panorama do mundo cultural do Bra- sil: a construcao de Brasilia, utopia realizada, ¢ com sua inauguracio (1960), logo os regimes militaristas objetivam a unificacao do pais por meio da co- municacao (rodovias, telecomunicagio, telefonia etc.), controle tinico a ema- nar da nova capital no centro geogréfico do territério. E a partir dos anos 60, igualmente, que comega a se elevar como poder a cadeia Globo de televisio, a. comunicagio por satélite fazendo chegar a todas as cidades do pais imagens ¢ informagées que representaram uma tentativa de “pasteurizagao” da men- talidade do brasileiro. Se bem que, como diz Herbert Read: “Nao se pode baixo. Cresce do solo, das pes- impor uma cultura de cima — ela deve vir de soas, de sua vida didria e trabalho. E uma expresso espontinea de sua ale- 9 Mirio de Andrade, O movimento modernista, Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Bra- sil, 1942, pp. 60-1. 89 ARTE NA AMERICA LATINA gria de viver, de sua alegria no trabalho, e se esta alegria nao existe, a cultura nao existe”! Mas, na verdade, mesmo que nao se possa impor uma cultura desde cima, atentativa de alterar um comportamento pode também se con. figurar como uma turbuléncia cule ngindo rc ‘A criagio de Brasilia teve conseqiiéncias mais substantivas que a ocupa- cio evalorizagao das vasas regides do Brasil Central ¢ Oeste, a partir dos anos 60, ligadas por rodovias e transporte aéreo. Do ponto de vista cultural, ocorre uma pulverizagio de centros culturais por todo o pafs ¢ este é um dado posi- tivo, se considerarmos a extensao territorial do pais, enquanto ocorre um deslocamento de centro do Rio de Janeiro para Sao Paulo, tendo lugar nesta capital a ativagio cultural mais intensa a partir de inécios dos anos 70. Mu- seus deficientes e pouco assistidos sio regra geral no Brasil, porém, apés a tural atingindo as varias regides do pais, fundagio de Brasilia, o Rio de Janeiro se ressente a cada dia mais dessa falta de visto de nossos homens piiblicos. Assim, suas instituig6es culturais, esta- tais federais, decaem, em triste abandono, comprometendo o desenvolvimen- to intelectual ¢ universitério. Em Sio Paulo, onde ¢ forte a iniciativa priva- da, nao se sentiu a passagem do poder para Brasilia, pois, nesta capital, ou essas institui¢g6es sao de iniciativa privada patrocinadas pela municipalidade ou pelo estado de Sao Paulo, ou séo subvencionadas pelo meio empresarial, como € hoje o caso da Bienal de Sao Paulo. Mesmo quando 0 estado de Sio Paulo nao protege devidamente seus museus jé existentes e afetos ao gover- no estadual, outros espagos se abrem, em dinamica inexistente no Rio. Po- dem ser fruto de atuagio politica local aventureira ou eleitoreira, porém tra- zem frutos inevitéveis de animacao, como é 0 caso do Centro Cultural S40 Paulo ou do Memorial da América Latina, este ultimo de discutivel arquite- tura, obra tardia de Oscar Niemeyer, e que surgiu em seu primeiro momen- to desprovido de Projeto cultural explicito. A diferenciaco mais marc: de arte, Rio de Janeiro ¢ Sao P. " Herbert Read, To Hell wi Sats Te Hell with Culture, Nova York, Schoken Books, 1976, p. 78. ony CENTRICOS E EX-CENTRICOS: QUE. CENTRO? ONDE ESTA CENTRO? espagos alternativos, como o do Banco do Brasil, Funarte e Pago Imperial que, de repente, em fungio de decteto climinando o Ministério da Culeura pelo novo presidente Fernando Color de Mello (1990-1992), entraram em co- lapso. Esse dado vem reafirmar as possibilidades de Sao Paulo como centro ativador independente dos poderes federais, atuando em seu meio 0 gover- no do estado ou a iniciativa privada, Desenvolve-s ¢, por sua vez, a cada dia de forma mais intensa desde os anos 70, centros regionais de cultura, como Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Belém, Belo Horizonte, além de Curitiba e Floriandpolis, os do Sul sempre se caracterizando pela predominancia da iniciativa privada. Cada um desses centros possui seus artistas locais, galerias, criticos, e um mercado relativa- mente ativo. O dado importante é notar que neste fenémeno do surgimento de centros ex-céntricos em varias partes do Brasil, depois da criaco de Bra- silia, é que seus artistas no se sentem mais compelidos a viver no Rio de Ja- neiro, nem forgosamente buscam Sao Paulo. Permanecem antes em suas pré- prias cidades, dat viajando para o exterior ou para expor eventualmente no Rio de Janeiro ou em Sio Paulo. E o caso de Siron Franco, em Goiania, Sérvulo Esmeraldo, em Fortaleza, Karin Lambrecht ¢ Vera Chaves, em Por- to Alegre, Joao Camara Filho, no Recife, Amilcar de Castro, em Belo Hori- zonte, Mario Cravo Neto, em Salvador, Emmanuel Nassar, em Belém, en- tre outros intimeros artistas. Se neste ponto de nossas consideragGes quisermos responder & indaga- cao: quem promove ou difunde a produgio artistica brasileira?, teriamos de responder que, por certo, inexiste no pais uma politica cultural nesse senti- do. E 0 critico que escreve ¢ realiza curadorias no pais ¢ no exterior, € 0 mer- cado de arte que comega a despertar para a realidade ¢ exportagio da produ- ao nacional de grande vitalidade, mas cabe, sobretudo, aos prdprios artistas do de seu traba- 0s contatos e articulacées para abrir espagos para a divulgacio d Iho. A iniciativa privada, quando o fez — até este ano —, foi estimulad em parte por incentivos fiscais, legislagio cancelada des elo no Collor de Mello, Verdade incontestdvel é que & timidez do préprio mer- parte do interesse externo, nos strosamente pelo gover cado de arte recebeu estimulo vigoroso por ex expondo-a na Alemanha, Ieilia, Franga, ex frente ao fendmeno brasileiro da jovern ecer distante da efervescéncia cria- Uiltimos anos, pela arte brasileira, Holanda, Bélgica ¢ Inglaterra. Talve geracdo dos anos 80, o tinico pafs a perman 1 ARTE NA AMERICA LATINA tiva brasileira foram os Estados Unidos, encerrados, ou limitados, em sua re. lagao com a Europa ou com a problemdtica dos “hispanos” (leia-se latino arp, caribenhos ou chicanos), e pouco atentos & arte latino-americana, que no, Estados Unidos tem ainda uma conotagio pejorativa, Observa-e, portanco, que 0 exterior, em sua articulago com um meig cultural miltiploe diversificado como o do Brasil, nio se restringe, aos pou. cos, a apenas se informar visitando os grandes centros do Rio e So Paulo, Programam ja visitas a outros estados, como foi 0 caso de enviados da Sué. cia, interessados em exposicio de arte brasileira em fase atual de preparo, Os artistas brasileiros jovens, por sua vez, a partir de inicio dos anos 80, muito raramente se dirigem aos Estados Unidos, que de céntricos passam a ex-céntricos para um pais periférico como o Brasil, que busca na Europa, das transvanguardas ¢ neo-expressionismos, a informagao que até a década de 70 nao se compreendia fora dos Estados Unidos. Por outro lado, europeus como Aline Lucque, curadora de “Magiciens de la Terre”, viajam pelo Brasil, assim como Dorinne Mignot, ao realizar re- centemente a curadoria de U-ABC para o Stedelijk Museum de Amsterdi, ou os diretores de museus alemies vém ca buscar as exposig6es a serem reali- zadas na Alemanha. O papel da critica nesse empenho de difundir nossos artistas permane- ce relativo, dado 0 fato de os paises organizadores, curadoria das mostra sem a colaboragio de especial sempre o interesse de seu puiblico, em geral, realizarem a istas brasileiros, visando a partir de seu ponto de vista. Criticdvel ou positiva como resultado, a exposi¢ao “Modernidade”, em Patis, em 1987, sob a curadoria geral de Marie Odile Briot, foi excegao dentro desse quadro. Até que ponto é nocivo & difusao de um verdadeiro retrato da arte brasi- cus OU Norte-americanos busquem sempre aqui rasileira somente a manifestagao artistica ex-cét™ quela do “centro” representado por eles € Pot ais desenvolvido? Mas a que centro estio eles s¢ ‘MOS nossa realidade como centro, sé entao pode- 12 OS pontos de vista exdticos desses curadores 40 nosso brutal cotidiano. Que centro? Onde esti? Femos ver com complacénc excéntricos” em relacéo a centro?

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