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Uab - Historia Contemporanea - Volume I
Uab - Historia Contemporanea - Volume I
LICENCIATURA EM
História
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA I
André Luiz Joanilho
Cláudio Denipoti
Colaboradores de Planejamento
Silviane Buss Tupich
CDD : 909.8
A Coordenação
SUMÁRIO
■■ PALAVRAS DOS PROFESSORES 7
■■ OBJETIVOS E EMENTA 9
O MUNDO EM CONVULSÃO
A REVOLUÇÃO FRANCESA 11
■■ SEÇÃO 1 - O FIM DO ANTIGO REGIME 14
■■ SEÇÃO 2 - PRÁTICAS E PENSAMENTOS REVOLUCIONÁRIOS 19
■■ SEÇÃO 3 - O NASCIMENTO DA POLÍTICA MODERNA 25
O MUNDO EM MARCHA
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 33
■■ SEÇÃO 1 - TRABALHO E SOCIEDADE 36
■■ SEÇÃO 2 - TRABALHO NA IDADE MÉDIA 42
■■ SEÇÃO 3 - O NASCIMENTO DAS FÁBRICAS 48
■■ PALAVRAS FINAIS 93
■■ REFERÊNCIAS 95
■■ NOTAS SOBRE OS AUTORES 99
PALAVRAS DOS PROFESSORES
Caro aluno, este livro sobre História Contemporânea traz algumas escolhas
que tivemos de fazer para discutir o período. Muitos acontecimentos, que mereceriam
constar em qualquer texto, foram deixados de lado, não pela sua falta de importância,
mas pelo espaço reduzido que oferece este livro. Isso quer dizer que fizemos
determinadas opções e elas partiram principalmente do ponto de vista historiográfico
que adotamos.
Entendemos, em primeiro lugar, que a história não é um campo de estudos que
pode dar conta de tudo o que aconteceu. Não nos é possível, inclusive fisicamente,
saber de todo o passado. Mas nos vem a questão: se isso não é possível, como escolher?
Em segundo lugar, a escolha é feita na possibilidade narrativa. A história tradicional,
sabendo que era impossível contar tudo o que aconteceu, buscava enquadrar todos
os seres humanos numa única narrativa, como se apenas um eixo comandasse as
ações de todos. Assim, numa corrente historiográfica, a política era central, enquanto
que em outra, a economia comandava o processo histórico.
Nos últimos anos, com os avanços da crítica historiográfica e também de novas
formas de abordar os acontecimentos, ficou patente que a narrativa unificadora era
uma criação de historiadores e que a história não era um processo em direção a um
fim inexorável. Estamos diante de possibilidades e, pensando nisso, o próprio passado
é pleno delas, somente sabemos o que veio depois e não nos é possível prever o que
acontecerá.
Se estabelecemos algumas prioridades, na realidade elas se devem mais
às convenções. Assim, Revolução Francesa, Revolução Industrial, Nacionalismo e
Nações e Movimentos Sociais são temas consagrados, mas também poderíamos
optar por “O amor na Era Contemporânea” ou ainda “Roupas e estilo de vida nos
dois últimos séculos” e muito mais. Porém, devido ao tratamento que aqueles temas
recebem, optamos por rediscuti-los dentro das nossas opções teóricas.
Assim, neste volume, procuramos incorporar as recentes discussões
historiográficas, buscando uma bibliografia atual e também dando importância para
aspectos históricos pouco discutidos.
BONS ESTUDOS
OBJETIVOS E EMENTA
Objetivo Geral
■■ Compreender os processos históricos de formação da contemporaneidade.
Objetivos Específicos
■■ Conhecer a produção historiográfica sobre a contemporaneidade.
■■ Compreender o processo de produção do conhecimento histórico a partir do
Iluminismo.
■■ Analisar as relações entre processos históricos da modernidade e a
sociedade contemporânea.
Ementa
■■ Mudanças e permanências na consolidação das sociedades
contemporâneas e seus enfoques historiográficos. As revoluções do século
XVIII e o nascimento do mundo moderno. Revolução Industrial e Revolução
Francesa. O pensamento romântico e a consolidação da sociedade burguesa.
O socialismo. A comuna de Paris. O nacionalismo no século XIX.
Plano de Estudo
UNIDADE I
O mundo em convulsão
A Revolução Francesa
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■■ Compreender as mudanças ocorridas no final do século XVIII e sua relação com
a criação da modernidade.
■■ Compreender os processos históricos geradores dessas mudanças.
ROTEIRO DE ESTUDOS
■■ SEÇÃO 1 - O fim do antigo regime
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UNIDADE 1
História Contemporânea I
o preâmbulo da Revolução Russa de 1917. Esta, por sua vez, seria o início do
fim da história. Após o período da ditadura do proletariado, o Estado deixaria
de existir, pois a sociedade comunista o aboliria simplesmente, mesmo porque
não haveria mais a luta de classes implicando o término do processo histórico
devido ao fim daquilo que o movia, ou seja, a própria luta de classes.
Essa posição da historiografia marxista é amplamente conhecida,
estando, inclusive, majoritariamente presente nos livros didáticos. É
essa visão que domina o aprendizado da história. Mas já é tempo de
desinvestir a Revolução Francesa de toda essa interpretação. Ao invés
de lançarmos a pergunta por que ela aconteceu?, talvez devêssemos
fazer outra: como ela foi possível?
Esse tipo de pergunta altera profundamente o questionário, pois do
horizonte familiar, aquele da Revolução como etapa necessária, passamos
a ver o que ela provocou naqueles que a testemunharam, o seu ineditismo.
Antes de ser fatal, sempre há no evento histórico, isto é, em qualquer
evento, uma dose de inesperado, de inaudito.
Normalmente é o presente que “naturaliza” o passado, colocando-o
numa ordem causal, explicando o próprio presente. Porém, se tomarmos
os acontecimentos como inéditos, teremos outra dimensão deles.
Trataremos, nesta unidade, do caráter inédito da Revolução; veremos,
portanto, que esse acontecimento foi único e não pode ser naturalizado. Não
se pode considerá-lo simplesmente como uma etapa de um processo histórico
alheio ao que os próprios seres humanos criaram em torno de si mesmos.
Desse modo, a Revolução pode ser compreendida, antes de tudo, como um
evento que não estava inscrito em lugar algum. Não havia, para as pessoas
envolvidas, nenhum roteiro prévio, nenhuma fórmula dizendo: “quando os
governos são tirânicos, eles devem ser mudados por outras formas”.
A Revolução americana estava longe demais para que se pudesse
sentir o seu peso na Europa. Assim, nada prescrevia o acontecimento de
1789 antes dele próprio. Os atores tiveram de “inventar” no calor dos
acontecimentos o sentido do que faziam. Isto é, ao fazerem a Revolução,
os revolucionários tiveram de nomeá-la, pois não havia nenhum escrito,
nenhum prenúncio de que ela aconteceria.
É desse fato inédito que devemos tratar quando falamos sobre a
Revolução Francesa, ao contrário do que a historiografia vem tratando há
muito tempo. E é isso que você estudará nesta unidade.
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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil
SEÇÃO 1
O FIM DO ANTIGO REGIME
O período que precede a Revolução Francesa ficou conhecido como Antigo Regime, em
francês Ancien Régime, que também pode ser estendido a outros países. A expressão foi toma-
da por Alexis de Tocqueville na sua obra clássica, O Antigo Regime e a Revolução, tornando
comum o seu uso.
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UNIDADE 1
História Contemporânea I
administrar do Estado estavam ultrapassadas para essa sociedade.
Durante todo o século XVIII, a sociedade francesa modificou
profundamente a sua relação com o poder e também se modificou. A forma
tradicional, a famosa pirâmide onde a figura no topo era representada
pelo rei, deixou de ter funcionalidade ou, ainda, funcionava muito mal.
Podemos seguir a análise de François Furet (1989) acerca dessas
mudanças. Em primeiro lugar (não é por ordem de importância, mas de
conveniência textual), surge uma figura nova no cenário político, social e
filosófico: o indivíduo. Bem, a novidade não está exatamente em se pensar
no indivíduo particularmente, mas numa nova posição dele perante
a sociedade. A grande questão que atravessou o século XVIII é saber
exatamente por que estaríamos juntos, ou melhor, por que os indivíduos
preferem viver em sociedade no lugar de viverem isolados e livres?
Vários pensadores tentaram responder a essa questão e de várias
maneiras. Devemos compreender que no século XVIII havia outra
compreensão do que éramos, portanto a questão não foi respondida da
mesma forma que responderíamos. Assim, o modo mais comum foi partir
de um hipotético “estado de natureza” para explicar a sociedade. Nesse
estado os homens viviam isolados, porém por vários motivos decidiram
ficar juntos. Essa é a ideia básica do Contrato Social, isto é, cansados da
vida na natureza e buscando algum tipo de conforto, os seres humanos
acordaram um contrato, estipulando o governo e as leis como formas de
controle e segurança.
Dessa forma, os indivíduos cedem sua soberania ao Estado como
meio de garantir as suas existências e a possibilidade de adquirir bens.
Essa teoria do direito jusnaturalista – quer dizer, as leis eram feitas com
base na natureza, pelo menos esta era a crença – determinaria que as
formas de governo e o próprio Estado também teriam sua origem nessas
leis “naturais”.
Tais proposições afrontavam as tradicionais teorias de direito
pautadas na religião. O rei retira a sua soberania diretamente de Deus, isto
é, acreditava-se que o poder real era sancionado pela própria divindade.
Sendo assim, o jusnaturalismo se mostrava uma teoria contrária aos
interesses da monarquia, pois o depositário da soberania era o povo,
já que foi ele, o povo, quem acordou o contrato, sendo, portanto, este a
origem do poder.
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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil
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UNIDADE 1
História Contemporânea I
considerado precursor do espírito revolucionário, apesar de ele próprio
nunca ter pensado nesses termos. Rousseau possivelmente consideraria
que a Revolução invertia os valores nos quais ele acreditava. Para ele uma
massa inculta estaria tomando o poder e não aqueles mais iluminados
pelo conhecimento.
Tal postura condiz com a da maioria dos pensadores que fizeram
parte do Iluminismo (como você viu na disciplina de História Moderna
II). Eles desejavam, antes de tudo, conduzir a população a um Estado de
felicidade, isto é, a partir de um liberalismo político, pretendiam implantar
uma sociedade baseada no indivíduo livre.
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Universidade Aberta do Brasil
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História Contemporânea I
SEÇÃO 2
PRÁTICAS E PENSAMENTOS REVOLUCIONÁRIOS
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História Contemporânea I
Figura 01: (O rei representado como uma mistura de animais, cada um fazendo parte do imaginário popular. Ao representar
assim o rei, mostrava-se uma não naturalidade, quer dizer, o rei não era natural, portanto, era uma monstruosidade. Fonte:
http://chnm.gmu.edu/revolution/)
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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil
advogado, homem feroz e bizarro; não pleiteia na corte nem dá consultas. Não foi
admitido na Ordem, mas usa o título de advogado. Escreveu o Tableau de Paris em
quatro volumes, e outras coisas. Temente à Bastilha, andou sumido por uns tempos,
mais tarde reaparecendo; mostra-se desejoso de trabalhar para a polícia. (DARNTON,
1987, p. 36).
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UNIDADE 1
História Contemporânea I
panfletos produzidos por esses escritores deram golpes eficazes na
imagem de sacralidade do rei e, além disso, contribuíram decisivamente
para fabricar a imagem de inutilidade, de frivolidade e de arrogância da
nobreza.
Por exemplo, Charles Théveneau de Morande, um libelista
conhecido,
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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil
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UNIDADE 1
História Contemporânea I
tratada elite cultural, que o extremismo revolucionário jacobino articulou
seu verdadeiro timbre” (DARNTON, 1987, p. 49).
SEÇÃO 3
O NASCIMENTO DA POLÍTICA MODERNA
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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil
convocados desde 1614. Porém ele deve ser minimizado, pois, dessa feita, os
representantes não foram escolhidos por aclamação de suas comunidades
de origens, mas pelo voto, especialmente no Terceiro Estado.
Os Estados Gerais eram compostos tradicionalmente por três ordens e tiveram sua ori-
gem na Idade Média. A teoria das três ordens foi formulada por volta do século XI. Segundo
essa teoria a sociedade era dividida em três ordens: clero, nobreza e trabalhadores, cada uma
devendo ter suas funções. O clero orava pela salvação da cristandade; a nobreza defendia essa
mesma cristandade; os trabalhadores sustentavam as duas anteriores. Com o passar do tempo,
a burguesia passou a fazer parte da terceira ordem. Esse conselho remonta à constituição dos
reinos bárbaros anteriores à queda do Império Romano, aos quais os reis, na realidade chefes
guerreiros, se reportavam e dos quais retiravam sua autoridade. Porém, os Estados Gerais, desde
a baixa Idade Média, tornaram-se uma espécie de conselho geral do monarca, passando a ser
uma figura secundária com a monarquia absoluta. Tanto que deixaram de ser convocados a par-
tir de 1614. A sua nova convocação, em 1789, reacendeu antigas ideias a respeito de a soberania
pertencer ao povo e não ao monarca.
Essa foi uma diferença fundamental, pois se abriu uma disputa entre
candidatos para obter a preferência de uma determinada comunidade. A
princípio isso parece não ter importância, afinal eleições são comuns. Mas
não naquela época, quando a eleição proposta constituiu uma novidade.
Os deputados do terceiro Estado, isto é, da burguesia e da população
em geral, disputavam votos. Isso significa que, quando eleito, alguém
“representaria” a vontade popular. Muitos deputados do terceiro Estado
se imbuíram dessa ideia e, de acordo com as discussões sobre o indivíduo
(como você viu na primeira seção desta unidade) e a soberania, viam-
se como legítimos representantes do povo, opondo-se ao primeiro e ao
segundo Estados.
Segundo Furet (1989), a convocação dos Estados Gerais e a eleição
de representantes foram inábeis, pois foram misturados dois tipos de
procedimentos. O antigo, no qual os representantes eram simplesmente
aclamados, como no primeiro e segundo Estados, e o moderno, segundo o
qual os representantes eram eleitos, como no terceiro Estado, podendo, por
sua vez, reivindicar para si a soberania popular em detrimento da real.
Assim, a primavera de 1789 se mostra tempestuosa. Novas forças
sociais apareceram na cena política. Em vez do velho teatro do poder, no
qual as ordens desfilavam sua obediência, o terceiro emergia diferente,
insubordinado, querelante, pouco disposto a aceitar a velha estrutura de
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UNIDADE 1
História Contemporânea I
voto e mando. O ódio à aristocracia e à monarquia estava latente nas
atitudes dos deputados, que, a despeito da formalidade nas atitudes,
eram suficientemente audazes nas suas reivindicações.
Pedindo voto por cabeça, ao contrário do esquema tradicional do
voto por ordens, o terceiro Estado se insurgiu, pois no sistema antigo
normalmente o clero e a nobreza votavam juntos e o terceiro sempre
perdia. Com o voto por representante haveria uma grande mudança na
forma de votação, uma vez que o terceiro Estado era maioria absoluta.
Com as negativas dos dois outros Estados e a tentativa do rei de chamar
à velha ordem os Estados Gerais, tentando fechá-los, o terceiro se rebela
e, em 20 de junho, os seus deputados, em reunião na sala do jogo de
péla, prestam juramento de não se separarem enquanto o reino da França
não tivesse uma Constituição à qual o rei devesse prestar obediência.
Proclama-se, então, a Assembleia Nacional Constituinte.
Figura 02 - A sala de jogo de péla (jeu de paume em francês) era próxima ao local onde estavam reunidos os deputados. Esta
sala servia a uma espécie de tênis praticado com as mãos, mas também com algum tipo de raquete. Era um esporte bastante
praticado pelos nobres e membros do clero. Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Jeu_de_paume.jpg, 8/09/2010.
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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil
Figura 03 - Jean-Jacques David. Le serment du Jeu de Paume (O juramento do jogo de pela). 1791.
Museé National du Château de Versailles.
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UNIDADE 1
História Contemporânea I
da sarjeta, nos quais se apregoava o ódio aos graúdos e endinheirados.
Dessa forma, ideias sobre o indivíduo, soberania, nação encontram-se
com sentimentos de ódio e raiva, fermento necessário para a gênese da
democracia moderna.
Com a eclosão da Revolução, as forças reais foram acuadas e o rei
ficou na defensiva. Rapidamente se organizaram partidos e a Assembleia
logo se dividiu em facções. Os partidos mais famosos eram os Girondinos
e os Jacobinos.
A palavra girondino tem sua origem na região da Gironda, onde fica Bordeaux. Era uma
facção mais moderada e sentava-se geralmente à direita na Assembleia. Os girondinos foram
acusados de traidores da Revolução e muitos deles foram perseguidos, inclusive seu líder, Dan-
ton, condenado à guilhotina em abril de 1794.
Jacobino vem do nome em latim de São Tiago: Jacobus. Os jacobinos se reuniam no antigo
mosteiro de São Tiago, daí o nome. Eram considerados radicais e até hoje designam aqueles
republicanos radicais. Por se sentarem do lado esquerdo da Assembléia acabaram por nomear
como “esquerda” as posições mais extremas.
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UNIDADE 1
História Contemporânea I
Nesta Unidade vimos como a Revolução Francesa marcou o aparecimento da
moderna sociedade política. Entretanto, sempre devemos ter em mente que não é nela
que nasce a nossa sociedade. A Revolução somente permitiu que ela fosse possível,
porém, diferentemente do que pensam muitos historiadores, não foi um fruto “natural” do
descontentamento humano.
A Revolução foi um evento inédito na completa acepção da palavra. Ela não estava minimamente
prevista, ou nada a respeito de revoluções e tomadas de poder por parte do povo havia sido escrito.
Portanto, ela carrega esse caráter de uma ação humana completamente nova.
Mas como ela foi possível? Em primeiro lugar, do ódio cultivado pela população contra os privilégios
e o peso do Estado, ódio nascido no submundo de Paris. Ódio daqueles preteridos, ressentimento dos
excluídos do mundo das letras que transmitem a sua raiva para a população.
O ódio encontrou a ocasião de se expressar na convocação dos Estados Gerais. Os deputados
do terceiro Estado se rebelaram contra o primeiro e o segundo Estados. A rebelião dos deputados do
terceiro, que se consideravam legítimos representantes do povo, o ódio e o temor popular forneceram
combustível suficiente para a máquina revolucionária.
Entrando em funcionamento, ela não parou até o fim do século XVIII. Assim são conhecidas as
várias fases de exacerbação e retração, até o momento em que Napoleão Bonaparte, através de um
Golpe de Estado, toma o poder, encerrando praticamente o período revolucionário.
ANDERSON, Perry. Trajetos de uma forma literária. Novos estud. - CEBRAP [online]. 2007, n.77
[cited 2010-10-08], pp. 205-220. Disponível em: http://www.scielo.br/
Procure um dos seguintes filmes sobre a Revolução Francesa e faça uma análise do valor atribuído
aos eventos revolucionários pela contemporaneidade.
Casanova e a Revolução (La Nuit de Varennes), Diretor: Ettore Scola, 1982.
Danton, o processo da revolução (Danton), Diretor: Andrzej Wajda , 1982.
Maria Antonieta (Marie-Antoinette), Diretora: Sofia Coppola, 2007.
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UNIDADE II
O mundo em marcha
A Revolução Industrial
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■■ Compreender as mudanças no mundo do trabalho que caracterizam a
modernidade.
ROTEIRO DE ESTUDOS
■■ SEÇÃO 1 - Trabalho e sociedade
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UNIDADE 2
História Contemporânea I
é que isso não era um problema para elas. Se não era um problema, então
não haveria por que pensar nelas, ou melhor, isso não faria parte do universo
mental delas. A evolução, por exemplo, nunca foi uma questão para os
gregos, romanos, egípcios, etc.
No entanto, naturalizamos as ações humanas e, de modo comum,
levamos para o passado as nossas próprias crenças, imaginando-as perenes
ou transcendentes. Dessa forma, colocamos as sociedades anteriores a nossa
na mesma escala. Porém, se hoje é comum estabelecer a diferença entre as
sociedades existentes, por exemplo, a nossa e a dos Inuit (povos do norte
do Canadá e Ártico), por que não fazer o mesmo com relação ao passado?
Ele é a nossa diferença. Crenças, costumes, cultura, religião, enfim, todos os
aspectos da vida são pensados e vividos de outra maneira. Logo, dizer que os
gregos, romanos, homens do medievo europeu e as culturas ocidentais hoje
fazem parte da mesma história é desconsiderar a diferença.
Essas outras sociedades no tempo eram diferentes não por falta (faltar-
lhes-ia a ideia de progresso, de evolução, de ciência, etc.; ou, ainda, essas
noções estariam em estado latente, dependendo da descoberta feita por algum
homem de gênio), mas por não pertencerem à mesma lógica que a nossa,
isto é, simplesmente não tinham a mesma mentalidade. Portanto, colocá-
las na mesma ordem de acontecimentos que as ligaria a nós mesmos é um
equívoco, um anacronismo, pois não as consideramos apartadas de nós pelas
suas práticas e crenças sociais, mas somente distantes temporalmente.
Esse tipo de raciocínio de muitos historiadores acaba nos convencendo
de que a História não passa de uma única e mesma narrativa, pois os povos que
eram diferentes no passado, somente o eram por falta. A partir do momento
em que tomassem contato com as recentes descobertas as adotariam e se
integrariam novamente naquilo que podemos chamar de continuum. Todos
os povos que existiram, todas as civilizações, todos os seres humanos teriam,
no fim das contas, o mesmo destino. Assim:
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SEÇÃO 1
TRABALHO E SOCIEDADE*
____________________________________________________________________________________________
* Este texto foi publicado inicialmente no livro História e prática: a pesquisa em sala de aula, de
André Luiz Joanilho (Campinas: Mercado de Letras, 1996).
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UNIDADE 2
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nossa sociedade desenvolveu uma relação bem particular com esse universo, muito
diferente daquelas que nos precederam ou até mesmo de sociedades no presente.
Sem essa relação, a Revolução Industrial não teria sido possível.
Comecemos pela etimologia da palavra. Labor origina-se do latim laboris,
e significa dor ou fadiga na realização de um trabalho (Dicionário Etimológico
Nova Fronteira, 1986). Consultando o Dicionário Escolar Latino Português (1991),
podemos ver que no latim clássico essa palavra tem o significado de fadiga, esforço
e, no sentido figurado, de doença, desventura, infelicidade. Já o verbo trabalhar vem
da palavra tripaliare – torturar – que, por sua vez, vem de tripalium, significando
um instrumento de tortura (Dicionário Etimológico Nova Fronteira, 1986); portanto,
originalmente a palavra trabalho estava associada à tortura.
Uma simples consulta em dicionários disponíveis nos mostra a origem das
palavras e o seu emprego no latim de Cícero. Entretanto, hoje, temos os dois termos
em alta conta. Definimos o próprio ser a partir deles. O homem é um animal que
labora. Situamo-nos de acordo com a nossa profissão, e sempre procuramos dignificar
a condição do trabalhador. Ditos, hoje populares, atestam essa condição: “Deus ajuda
quem cedo madruga”, “o trabalho enobrece”, e assim por diante.
Percebemos hoje que as palavras labor e trabalho se tornaram sinônimas,
expressando uma condição do ser humano, e praticamente podemos estipular a
condição de alguém somente através da sua atividade (médico, engenheiro, professor,
operário) e não pela sua condição social, sexual ou moral. Mesmo se alguém é idoso,
o localizamos socialmente pela sua condição de aposentado.
De modo algum os termos abordados significam para nós dor ou sofrimento,
muito pelo contrário. Aparecem como finalidade da vida e realização pessoal. Hoje
têm valor superior na nossa sociedade, condição para que o ser se integre socialmente,
isto é, não importa o que ele faça, desde que faça algo e que seja lícito, pelo menos
nos nossos padrões morais.
Entretanto, cabe fazer uma distinção entre esses termos. Hannah Arendt, na
sua obra A condição humana (1983), nos dá uma definição mais precisa:
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Figura 05 - Criança operária. 1918. Corbis, The New York Times photo archive.
porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu havia proibido
de comer, a terra será maldita por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu
sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás
a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de
que foste tirado; porque és pó, e em pó te hás de tornar. (Gênesis, 3, 17-19).
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Como foi visto, para os gregos, pelo menos, tudo o que o homem
produz não deixa rastro e, se não deixa rastro, é desprezado. Assim,
tudo o que se refere ao processo vital fica reservado para o espaço
privado, já que não merece ascender ao espaço público. Tal prática
se desenvolve junto com a pólis. Logo, se desenvolve no pensamento
“político” grego a ideia de o mundo privado ser o mundo das paixões,
ou o mundo do reino da necessidade. Afinal, os animais não lutam com
todas as suas forças para manter a vida? O escravo, portanto, equivale
ao animal doméstico por pertencer a esse mundo, pois preferiu a vida
a continuar “humano”. Ele renegou sua humanidade ao aceitar a
escravidão.
O cidadão que no espaço público se relaciona igualmente com
os outros, no espaço privado deve se tornar senhor, pois no mundo
natural, ou no reino das necessidades, o mais forte domina. O espaço
público aparece como contraponto ao espaço privado, pois o primeiro
é o lugar da realização do ser enquanto humano, já o segundo é o
lugar da sobrevivência do homem enquanto “animal”. Dessa forma:
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UNIDADE 2
História Contemporânea I
a vida ‘boa’, como Aristóteles qualificava a vida do cidadão, era, portanto, não apenas
melhor, mais livre de cuidados ou mais nobre que a vida ordinária, mas possuía
qualidade inteiramente diferente. Era ‘boa’ exatamente porque, tendo dominado
as necessidades do mero viver, tendo-se libertado do labor e do trabalho, e tendo
superado o anseio inato de sobrevivência comum a todas as criaturas vivas, deixava
de ser limitada ao processo biológico da vida. (ARENDT, 1983, p. 46).
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SEÇÃO 2
TRABALHO NA IDADE MÉDIA
é pois uma elite econômica, a que está à frente do progresso agrícola da Cristandade,
entre o século IX e o século XII, e constitui a terceira ordem do esquema tripartido.
Este esquema, que exprime uma imagem consagrada, sublimada da sociedade,
não agrupa a totalidade das categorias sociais, mas apenas as que são dignas
de exprimir os valores sociais fundamentais: valor religioso, valor militar e, o que
é novidade na Cristandade medieval, valor econômico. Até no campo de trabalho
a sociedade medieval, a nível cultural e ideológico, permanece uma sociedade
aristocrática. (LE GOFF, 1980, p. 82).
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História Contemporânea I
Isso não significou que trabalhar tenha ascendido a uma posição
superior em relação à Antiguidade Clássica. Muito pelo contrário, os
laboratores (não vamos esquecer da etimologia da palavra) aparecem
no vocabulário associados a palavras como agricolae e rustici, isto é,
completamente ligados ao trabalho com a terra. O lento avanço dos
comerciantes e a introdução da moeda numa economia essencialmente
de troca fazem com que se possa pensar essa nova categoria, entretanto
o desprezo pelas atividades ligadas ao dinheiro se acentuou. A
condenação da usura e da cupidez por parte da Igreja aumentou a
desconfiança voltada para quem trabalhasse e ganhasse dinheiro com
isso, um velho tabu,
tabu do dinheiro, que representou papel importante na luta das sociedades que
viviam num quadro de economia natural contra a invasão da economia monetária.
Este terror perante a moeda de metal precioso anima as maldições contra o dinheiro
dos teólogos medievais (...) e estimula a hostilidade para com os mercadores,
sobretudo atacados como usurários ou cambistas e, mais geralmente, para com
todos os que lidam com dinheiro e para com todos assalariados agrupados sob a
designação de mercenários. (LE GOFF, 1980, p. 88).
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UNIDADE 2
História Contemporânea I
Dessa forma, em terceiro lugar, os que laboravam não constituíram
nenhuma ideologia ou representações contrárias às da classe dominante.
Aliás,
o príncipe não pode passar sem ele (dinheiro). Primeiramente, o Diálogo do Juiz di-lo
de maneira clara: para dar. Porque toda a prodigalidade requer agora que se tire
dinheiro do cofre. Depois para conduzir a guerra: ninguém a faz já sem amuralhar as
fortalezas, sem adquirir as armas modernas, ao pé das quais as antigas são ridículas,
e que custam cada vez mais caro, sem falar na contratação de mercenários que
exigem cada vez mais ganhos; há que abastecer os vassalos com novas montadas.
(DUBY, 1982, p. 350).
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a importância do terceiro ‘pilar’ do Estado não deixa de crescer ‘vilões’ que não
deviam orar nem combater (...). Ao lado do príncipe, a terceira função mudou. Deixou
de ser função de labor, é principalmente de negotium (negar o ócio). O negócio: um
trabalho, negação certamente da ociosidade e do desinteresse que convêm aos
nobres, mas contudo liberto dessa maldição que pesa sobre o esforço físico, sobre
o esforço dos braços e das mãos. A função negociadora torna-se a mais útil das
três que, pelo incremento econômico, estão mais estreitamente ligadas ao serviço
do Estado e que vemos no palácio, domesticadas pelo salário, pelo interesse, pelo
dinheiro. (DUBY, 1982, p. 350).
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História Contemporânea I
na via da tolerância” (LE GOFF, 1980, p. 91). Com essa lenta modificação,
libera-se das amarras o desenvolvimento de uma economia monetária,
permitindo o surgimento de uma nova classe: a burguesia.
Com o crescimento dos mercadores há também o crescimento
urbano e das profissões ligadas essencialmente às cidades. Cria-se, então,
um círculo de crescimento econômico fora das atividades dos senhorios
e que aos poucos se torna independente destes. As oficinas urbanas
recebem cada vez mais um número maior de jornaleiros (trabalhadores
por jornada) vindos do campo à procura de melhores condições, ou até
mesmo expulsos por um processo de concentração de terras, inaugurando
um novo ciclo econômico. De fato,
quem parece lucrar mais com esta evolução da economia monetária são os
mercadores. É um fato que o desenvolvimento urbano, cujos principais beneficiários
são eles, está ligado aos progressos da economia monetária e que a ‘ascensão da
burguesia’ representa o aparecimento de uma classe social cujo poderio econômico
assenta mais no dinheiro que na terra. (LE GOFF, 1983, p. 305-306).
Figura 07 - O líder dos Luditas. Publicado em maio de 1812 por Mess, Walker and Knight.
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UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil
SEÇÃO 3
O NASCIMENTO DAS FÁBRICAS*
____________________________________________________________________________________________
* Repito o título do livro de Edgar De Decca, O Nascimento das fábricas (São Paulo: Brasiliense), no qual
é descrito o processo que leva à constituição das fábricas modernas, iniciado por volta do século XVI.
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UNIDADE 2
História Contemporânea I
Aos poucos os “dadores” de trabalho se impõem criando o sistema
de trabalho a domicílio (putting-out system). Entretanto, esse sistema não
impedia que o trabalhador continuasse a manter o controle sobre a produção,
além de muitos também manterem os instrumentos de trabalho, por isso o
sistema de fábrica surge como solução para esse problema, já que a lógica
temporal do capitalismo é diferente de quem trabalha:
a reunião dos trabalhadores na fábrica não se deveu a nenhum avanço das técnicas
de produção. Pelo contrário, o que estava em jogo era justamente um alargamento
do controle e do poder por parte do capitalista sobre o conjunto de trabalhadores
que ainda detinham os conhecimentos técnicos e impunham a dinâmica do processo
produtivo. (DE DECCA, 1982, p. 22).
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UNIDADE 2
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UNIDADE 2
História Contemporânea I
fabril. Devemos, pois, considerar que a escravidão não se deu por acidente no
percurso da expansão europeia, muito menos aconteceu porque os homens
daquele tempo eram menos esclarecidos ou desconheciam o sistema de
assalariamento. A escravidão na Era Moderna, diferentemente da escravidão
na Antiguidade Clássica, surge como solução para o problema da empresa
colonial que não encontrava braços para o seu estabelecimento.
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UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil
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UNIDADE 2
História Contemporânea I
necessário, isto é, inescapável, e a sua recusa é a recusa da própria natureza
humana. Se antes o homem era ligado a forças extramundo, portanto não
naturais, podendo fugir da sua condição terrena, agora, naturalizado, ele
não pode escapar à condição do labor, não pode escapar da sua própria
natureza ou, ainda, de sua animalidade e do labor. Trabalhar, então,
transforma-se em um fator determinante de humanização e a sua recusa
é antinatural.
Dessa forma, concordamos com Edgar De Decca (1982, p. 8),
quando ele afirma que “a dimensão crucial dessa glorificação do trabalho
encontrou suporte definitivo no surgimento da fábrica mecanizada, que
se tornou a expressão suprema dessa utopia realizada, alimentando,
inclusive, as novas ilusões de que a partir dela não há limites para a
produtividade humana”.
Na nossa sociedade todas as questões em torno do trabalho
desapareceram para naturalizá-lo. Podemos chamar essa nova configuração
de dessacralização da vida, já que a origem dos seres humanos faz parte
do processo vital do próprio planeta. Se do ponto de vista da religião o
homem é um ser à parte da natureza, com a sua inclusão no processo vital
ele passa a ter como objetivo a manutenção da vida, e isso ultrapassa a
condição individual. Segundo Arendt,
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UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil
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UNIDADE 2
História Contemporânea I
Vimos nesta unidade como o mundo do trabalho se constituiu. Procuramos uma abordagem
que não apenas trouxesse novos elementos, mas que apresentasse as consequências da
ordem industrial no mundo contemporâneo. Tal abordagem ultrapassa as visões tradicionais
da historiografia que colocam a Revolução Industrial como uma simples etapa na história
humana, como se o evento fosse natural.
Se encararmos o evento da forma tradicional, perderemos a perspectiva das modificações na forma
de compreender a própria vida humana. E, com efeito, o sistema fabril é vencedor não porque impôs a
sua ideologia e convenceu seres humanos incautos de que esta era a única forma de produzir. Ele se
torna vencedor porque faz parte de uma nova configuração social.
Assim, ao compararmos a nossa forma de organização fabril e a nossa noção de trabalho com a
Antiguidade Clássica e a Idade Média, percebemos a distância entre as nossas civilizações. Enquanto o
trabalho esteve ligado ao mundo da necessidade, na Antiguidade, era desprezado. No período medieval
ele passou a ser visto como uma forma de punição, sendo também desprezado.
A sua ascensão no período moderno está ligada a novas formas de compreender o ser humano,
especialmente com o crescimento da burguesia em finais do medievo. Essa classe, antes de ser a
mentora das mudanças, é a receptora de novas compreensões sobre o ser. Adota rapidamente novas
moralidades e as pratica. O poder monetário foi o grande veículo dessas novas modalidades de
compreensão da vida que terminam por moralizar o mundo do trabalho, tornando-o parte do processo
vital ao ponto de termos uma disciplina para cuidar do conforto no trabalho, a ergonomia.
Portanto, devemos ter em conta esse processo quando queremos compreender a industrialização
e a vida moderna.
Leia o livro Costumes em comum, de Edward P. Thompson (Companhia das Letras, 1998)
e faça uma resenha, associando o conteúdo deste material de História Contenporânea I com as
ideias e conclusões apresentadas no livro.
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UNIDADE 2
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Universidade Aberta do Brasil
UNIDADE 2
UNIDADE III
A invenção das nações
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■■ Compreender o nascimento e desenvolvimento das ideias de nação e
nacionalismo.
ROTEIRO DE ESTUDOS
■■ SEÇÃO 1 - Nação e nacionalismo – conceitos e ideias centrais
SEÇÃO 1
NAÇÃO E NACIONALISMO -
CONCEITOS E IDEIAS CENTRAIS
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UNIDADE 3
História Contemporânea I
mas seu florescimento se deu no início do século XIX, através do
estabelecimento de uma parcela educada da sociedade burguesa,
que mesmo não sendo muito numerosa, foi eficaz em afirmar ideias
nacionalistas através de movimentos organizados (como os movimentos
“jovens”, fundados ou inspirados pelas ideias de Giuzeppe Mazzini após
1830) que são “o marco da desintegração do movimento revolucionário
europeu em segmentos nacionais” (HOBSBAWM, 1986, p. 151).
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UNIDADE 3
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UNIDADE 3
História Contemporânea I
Após as revoluções de 1848 – muitas das quais tiveram
características eminentemente “nacionais”, ou de “nacionalidades
rivais” (húngaros contra austríacos, por exemplo) – o nacionalismo
tornou-se um fenômeno de massa, descolando-se dos movimentos
intelectuais do período imediatamente anterior. Simultaneamente,
passou-se a associar a nação com a necessidade de um território
nacional. Assim, o processo de unificação da Alemanha, comandado
por Bismarck, mas realizado em torno da família reinante prussiana,
e a unificação italiana, em torno da casa de Savóia, foram fenômenos
que encontraram grande respaldo popular.
Otto Von Bismarck (1815-1898) foi primeiro ministro do reino da Prússia entre 1862 e
1890, e unificou a Alemanha através de uma série de guerras (em especial contra a Dinamarca,
em 1864, e contra a França, em 1870, guerra essa que precipitou a formação da Comuna de
Paris, que você estudará nesta disciplina).
O problema não era apenas analítico, mas também prático. Pois a Europa, dexando de
lado o resto do mundo, estava dividida evidentemente em “nações” cujas aspirações
em fundar estados não deixava, pelo certo ou pelo errado, nenhuma dúvida, e em
“nações a cerca [sic] das quais havia uma boa dose de incerteza quanto a aspirações
semelhantes. O melhor guia para o primeiro tipo era o fato político, a história institucional
ou a história cultural das tradições. A França, Inglaterra, Espanha e Rússia eram
inegavelmente “nações” porque possuíam estados identificados com os franceses,
ingleses, etc. Hungria e Polônia eram nações porque havia existido um reino húngaro
como entidade separada, mesmo quando dentro do Império dos Habsburgos, e um
estado polonês que também havia existido de há muito até sua destruição no final do
século XVIII. A Alemanha era uma nação por força de que seus numerosos principados
(apesar de nunca unidos em um único estado territorial) terem constituído outrora o
então chamado “Sagrado Império Romano da Nação Germânica” e formado por outro
lado a federação germânica, mas também porque todos os alemães de educação
elevada partilhavam a mesma língua escrita e literatura. A Itália, apesar de nunca ter
sido uma entidade política enquanto tal, possuía talvez a mais antiga das literaturas
comuns à sua própria elite. (HOBSBAWM, 1982, p. 103-4).
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UNIDADE 3
História Contemporânea I
reivindicasse o título de “nação”. […] O terceiro era a tendência progressiva para
admitir que a “autodeterminação nacional” não podia ser satisfeita por qualquer forma
de autonomia inferior à plena independência do Estado. […] Finalmente, havia a nova
tendência para definir uma nação em termos étnicos e especialmente em termos de
linguagem. (HOBSBAWM, 1988, p. 206).
Daí o interesse maior pela época medieval, pois nela, supostamente, encontrar-se-
iam os traços definidores de um obscuro “passado nacional”; daí também uma visão
bastante mistificadora e ingênua do mundo feudal. Esse mergulho no passado era
uma espécie de compensação ao espetáculo da quebra de continuidade oferecido
pelo tempo presente: uma nostalgia das sociedades pré-capitalistas que ansiava
por retomar o fio de uma continuidade orgânica do passado. Se, no campo político,
tal atitude se desdobrou, não raro, em posições conservadoras, no campo estético
forneceu vias de expressão peculiares, centradas no subjetivismo, no misticismo
interiorizante e na busca da liberdade de criação artística. (SALIBA, 2003, p. 15-16)
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UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil
SEÇÃO 2
OS HISTORIADORES E A
CONSTRUÇÃO DAS HISTÓRIAS NACIONAIS
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UNIDADE 3
História Contemporânea I
Na Alemanha, foi a noção da superioridade da cultura alemã, e da erudição alemã
em especial, que estava no cerne do discurso nacionalista do século XIX. Na Itália
este discurso estava frequentemente ligado à celebração da antiga cultura do país
e à tradição de suas cidades-estado medievais. A construção de “características
nacionais” do discurso historiográfico da Europa ocidental do século XIX tendia a
atribuir “características eternas” às nações. (BERGER, DONOVAN e PASSMORE,
1999, p. 9-10).
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UNIDADE 3
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UNIDADE 3
História Contemporânea I
No caso da historiografia francesa do século XIX, após 1815 o
pensamento liberal dominante buscou uma política de compromisso,
procurando apaziguar os conflitos gerados pela Revolução e garantir
estabilidade e unidade. A história forneceu os meios para que eles criassem
uma ideologia que acolhesse tanto os direitos individuais, herdados do
tumulto revolucionário, quanto uma sensação de pertencimento mútuo
à nação francesa. Assim, “nos escritos de François Guizot e Augustin
Thierry, o passado foi reinterpretado como uma grande narrativa do
propósito nacional e a Revolução foi defendida como o ápice legítimo de
um longo processo de luta” (CROSSLEY, 1999, p. 50).
Do outro lado do espectro políti-
co, historiadores contrarrevolucionários,
como Joseph de Maistre, não distinguiam
entre o espírito de 1789 e aquele do jaco-
binismo militante. Para eles, o individu-
alismo era consequência do liberalismo
iluminista. Esses críticos não se sentiam
obrigados a equilibrar as tradições na-
cionais em torno da Revolução, nem a
reconciliar o indivíduo com a sociedade
através da reescrita da história nacional, Figura 13 - François Pierre Guillaume Guizot,
1787-1874.
como procuraram fazer os liberais. Coube Fonte: http://www.lib.utexas.edu/photodraw/
portraits/guizot.jpg. Fonte Original
aos liberais realizar o esforço nacional por DuycFontekinick, Evert A. Portrait Gallery of
Eminent Men and Women in Europe and America.
excelência: New York: Johnson, Wilson & Company, 1873.
Historiadores liberais como Guizot e Thierry fizeram mais do que reforjar elos com o
passado nacional. A História foi chamada para preencher uma função integradora,
demonstrando aos indivíduos que eles a pertenciam a uma comunidade que, de algum
modo, permanecia a mesma apesar de ter sido envolvida com o processo dinâmico de
mudanças históricas ao longo dos séculos. A História validava a sociedade, ou, mais
exatamente, a história confirmava a nação burguesa como o locus da reconciliação
prometida entre o indivíduo e o propósito coletivo. (CROSSLEY, 1999, p. 53).
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UNIDADE 3
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E aqui tocamos em um ponto que nos parece central para a discussão da questão
nacional no Brasil e do papel que a escrita da história desempenha neste processo:
trata-se de precisar com clareza como esta historiografia definirá a Nação brasileira,
dando-lhe uma identidade própria capaz de atuar tanto externa quanto internamente.
No movimento de definir-se o Brasil, define-se também o “outro” em relação a esse
Brasil. Num processo muito próprio ao caso brasileiro, a construção da idéia de
Nação não se assenta sobre uma oposição à antiga metrópole portuguesa; muito
ao contrário, a nova Nação brasileira se reconhece enquanto continuadora de uma
certa tarefa civilizadora iniciada pela colonização portuguesa. Nação, Estado e Coroa
aparecem enquanto uma unidade no interior da discussão historiográfica relativa ao
problema nacional. Quadro bastante diverso, portanto, do exemplo europeu, em que
Nação e Estado são pensados em esferas distintas. (GUIMARÃES, 1988, p.6).
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UNIDADE 3
História Contemporânea I
Nesta terceira unidade você estudou como o fim do antigo regime permitiu o surgimento
de uma nova força de coesão sociopolítica – o nacionalismo – e como as modernas
nações surgiram e tiveram sua construção justificada pela historiografia moderna que nasce
com esta função explícita – escrever a história nacional, buscando mitos de origem, fatos
fundadores e ideias identificadoras que permitiram que o “sentimento nacional” surgisse e
transformasse populações inteiras, fundamentalmente diferentes entre si, em “franceses”, “americanos”
ou “brasileiros”.
Viu também que, em nome do nacionalismo, políticas de unificação e/ou dominação foram
implantadas, quase nunca de modo pacífico, passando de um nacionalismo liberal que herdara seus
ideais da Revolução Francesa – buscando, ao fim e ao cabo, a redenção de todos os indivíduos em suas
respectivas nações – a um nacionalismo encampado por indivíduos e partidos à direita do espectro
político, fundamentalmente antirracional, antiliberal e marcado pela adesão à xenofobia e racismo do
final do século XIX.
Leia e resenhe o livro “Silvio Romero; hermeneuta do Brasil”, de Alberto Luis Schneider
(São Paulo: Annablume, 2005), buscando conhecer melhor como os processos de construção
nacional foram adaptados para o Brasil.
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UNIDADE 3
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Universidade Aberta do Brasil
UNIDADE 3
UNIDADE IV
Movimentos e
Teorias Sociais
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■■ Compreender as forças em oposição durante o nascimento da
contemporaneidade.
ROTEIRO DE ESTUDOS
■■ SEÇÃO 1 - Genealogia da militância
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História Contemporânea I
consistia na possibilidade de condensar o que seria isolado, juntar
fios soltos, urdir o tecido social que se despedaçava pelo tempo que
passa. Enfim, estabelecer linhas temporais que restituíssem o contínuo
da sociedade. Não existiria degredo, perda, esquecimento que não
pudessem ser trazidos à luz, que a narrativa não pudesse tornar
visíveis. O projeto do discurso histórico era garantir a permanência
do passado para que nele nos reconhecêssemos.
Por outro lado, quando estabelecemos uma relação de estranheza
do passado, deixamos de transportar a nossa própria imagem, deixamos
de procurar o nosso reflexo. Surgem figuras diferentes, tão diferentes
que mal podemos chamá-las de “antepassadas”. São outras práticas,
culturas, línguas, histórias, mesmo se as palavras aparentemente
forem as mesmas. A questão é saber se falamos as mesmas palavras
ou se, mesmo sendo aparentemente iguais, elas não significam outra
coisa.
Logo, nessa relação de estranheza, deixamos de encontrar o
Mesmo para nos depararmos com a Diferença. Isto serve tanto para
sociedades agora longínquas como para sociedades mais próximas.
No caso desta Unidade, encontramo-nos com algo muito próximo
que nos faz esquecer a distância e a diferença. Achamos que é um
objeto natural, acreditamos que ele sempre esteve ali, mas em estado
latente, e somente num determinado momento pôde surgir. Mas se
investigarmos a sua outra genealogia, ou as suas possibilidades de
aparição em cena, dar-nos-emos conta de que ele não é natural e muito
menos já estava em estado latente, trata-se do movimento operário.
Quando se estuda este movimento, busca-se, em primeiro lugar,
a sua genealogia, para, em segundo lugar, situá-lo historicamente
junto com o aparecimento de teorias sociais que procuravam ordenar a
sociedade de um modo diferente do capitalismo. Assim, como dissemos,
o aparecimento do operariado não é uma simples decorrência da
sociedade capitalista, é o encontro de linhas heterogêneas na história,
como veremos adiante.
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UNIDADE 4
Universidade Aberta do Brasil
SEÇÃO 1
GENEALOGIA DA MILITÂNCIA
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UNIDADE 4
História Contemporânea I
mais frequentemente ao aparecimento da imprensa e da possibilidade de
sua reprodução e permanência na forma de livros – certamente havia
uma produção manuscrita que, muitas vezes, alimentava ou retratava
as heresias medievais e teve uma existência relativamente longa
(CHARTIER, 2001, p. 802; MÉTAYER, 2001, p. 881 e ss).
É dentro dessa forma de pensamento que vamos encontrar
formulações científicas e filosóficas institucionalmente não aceitas,
textos de teor iniciáticos (religiosos, morais, políticos) e, até mesmo, a
literatura libertina. São escritos lembrados por Robert Darnton (Boemia
Literária e Revolução, 1987), por exemplo, nos momentos que antecedem
a Revolução Francesa, sendo reconhecidos como subliteratura, e que
amalgamavam todos os tipos de produções que não recebiam autorização
da chancelaria real para serem publicados (ABROMOVICI, 1996, p. 183
e ss.), ou estavam censurados. São textos que portam um grande leque de
temas, de grosseiras pornografias a libelos políticos, mas que não podiam
circular senão clandestinamente, ou pelo menos parecer produzidos à
margem da “boa” literatura.
É dentro de tal perspectiva que chamamos essa produção intelectual
de pensamento nômade ou, ainda, de pensamento vagabundo, pois ele
não participa de formas institucionais desde a Renascença, pelo menos
das aceitas pelos poderes vigentes, e conhece uma circulação quase
sempre clandestina, identificada pela distribuição de livros fora do espaço
legal ou, ainda, de textos não aceitos pelo mundo oficial.
Esse tipo de pensamento não se reporta a um lugar de produção.
Se, de um lado, podemos marcar claramente os lugares de diversos
saberes − medicina, filosofia, economia, etc. − por outro, o pensamento
nômade tem como principal característica a não vinculação a um espaço
específico para ser produzido. Muitas vezes, formulações filosóficas,
políticas e até libertinas foram feitas dentro de locais institucionalizados
(universidades, mosteiros), mas não tiveram sequência, devido, antes de
tudo, a sua rejeição pelo mundo oficial (FOUCAULT, 1966).
Nesse sentido, encontramos nesse tipo de produção elementos
intelectuais, filosóficos e políticos que auxiliaram na composição da
militância política já no século XIX, que posteriormente iremos verificar.
Porém, ao lado do pensamento nômade com suas intricadas redes
de sobrevivência e de burla dos padrões impostos temos uma literatura
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UNIDADE 4
Universidade Aberta do Brasil
aceita, na sua maior parte, que são os textos utópicos. Entre um e outro
não há uma distância muito grande, a não ser pela aceitação ou rejeição
oficial. Ambos, entre outras produções, vão alimentar profundamente as
formulações políticas geradas durante e após a Revolução Francesa. Daí a
escolha desses dois universos: um, bem estabelecido, aceito e reconhecido
como um gênero dentro da literatura; outro, fugidio, contradito, do qual
seguimos muitas vezes rastros em negativo, isto é, pelos anátemas
lançados pelo espaço institucional em direção a ele (censura, proibições
formais, obras escritas e assim por diante).
Além das séries do pensamento nômade e da utopia, a da
militância é, pelo menos de forma aparente, a mais clara. A historiografia
tradicionalmente localiza o seu nascimento durante os anos revolucionários
e os jacobinos aparecem na cena histórica como o modelo inaugural de
um novo ator social: o militante político (LEFORT, 1986, p. 121 e ss.). No
entanto, creio que cabe discutir o seu surgimento tendo por base alguns
outros elementos teóricos e de compreensão de processos históricos.
Em primeiro lugar, remetemos à discussão feita por François Furet
(1978, p. 49) na obra Penser la Révolution Française, quando nos lembra
que “os militantes revolucionários identificam sua vida privada à sua vida
pública e à defesa de suas ideias: lógica formidável que reconstitui, sob
uma forma laicizada, o investimento psicológico das crenças religiosas”*.
Este reparo posto por Furet nos remete a uma outra historicidade com
relação à gênese da militância.
Ao seguir essa pista, talvez devamos mergulhar num universo
diferente do tradicionalmente aceito, qual seja, o de que o aparecimento
em cena do militante político durante a Revolução Francesa se deve
a um natural desejo do homem em lutar contra a opressão. Ora, o
empenho, a dedicação, o desprendimento e a fé oferecidos por muitos
daqueles que participaram nos anos revolucionários não têm similar
no passado em termos políticos, isto é, como nos lembra Furet, somente
podemos comparar esse tipo ação com aquele do militante religioso,
mais especificamente, o jesuíta.
O total desprendimento de si mesmo, o envolvimento absoluto na
causa, a obediência absoluta que a Companhia exige de seus padres é o
____________________________________________________________________________________________
* * - « les militants révolutionnaires identifient donc leur vie privée à leur via publique et à la
défense de leurs idées : logique formidable qui reconstitue, sous une forme laïcisée, l’investissement
psychologique des croyances religieuses » (tradução livre de minha autoria).
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UNIDADE 4
História Contemporânea I
que pode nos dar uma dimensão histórica para o surgimento do militante
político. Contrassensual num primeiro momento, esta comparação é a única
que torna possível explicar, em termos históricos, a fé e a dedicação de
alguns durante os anos revolucionários e a formação de quadros dos partidos
políticos, principalmente aqueles de esquerda, durante o século XIX. Ambos
seguem um imperativo de ordem superior que teria a posse da verdade
absoluta. Para uns, é a Igreja, ou melhor, o Papa; para outros, é o povo.
Para relatar o aparecimento da militância política, por exemplo,
a historiografia busca no passado referências de repetição, ou procura
encontrar um padrão explicativo que se utiliza da recorrência do fato,
senão do mesmo, ou pelo menos algo que indique uma curva evolutiva.
Então, dentro do nosso caso, cria-se uma série “militantes políticos” e
persegue-se tal objetivo obstinadamente através do passado. Para os
mais criativos e persistentes, pode-se fazer uma linha de ascendência
que remonta a Espártaco, passando pela revolta da Plebe em Roma,
das Jacqueries na Idade Média e assim por diante. Dessa forma, temos
um objeto completamente naturalizado, a militância, com motivações
completamente naturais, luta contra a opressão. Em outros termos, o
discurso tradicional da História é o discurso desse objeto.
Espártaco foi um gladiador romano que liderou a Terceira Revolta dos Escravos, na Repú-
blica Romana, de 73 a 71 A.C.
Jacquerie foi uma revolta popular no fim da Idade Média na França, em especial durante
a Guerra dos Cem Anos. A palavra se tornou sinônimo de revolta popular em diversas línguas
europeias desde então.
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histórica se tornou comum nos últimos anos e várias obras vieram à luz
sob a sua égide. Não que seja o último apanágio para uma historiografia
que estaria em crise com suas próprias balizas teóricas. Pelo contrário,
cremos que ele vem enriquecer as análises históricas, permitindo um
olhar mais específico para vários objetos, acrescentando que:
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não foram ainda consideradas nas suas possíveis correlações. A militância
operária seria o resultado dessas correlações pelo menos em parte, pois
há que se considerar outras ainda, mas que já foram devidamente feitas
(economia e política, por exemplo).
SEÇÃO 2
TEMPO E DISCIPLINA
... de resto, este tempo novo cedo se torna motivo de renhido conflitos sociais.
Agitação social e emoções dos trabalhadores têm, daqui em diante, a finalidade de
fazer calar os Werkglocke [...]
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Perante tais revoltas, a burguesia têxtil protege o sino do trabalho, tomando medidas
mais ou menos drásticas [...] Mas, aqui, a questão do sino é bem evidente. Se os
operários se apoderassem deste sino para com ele dar o sinal de revolta, as mais
pesadas penas os atingiriam. (LE GOFF, 1980, pp. 65-66 )
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mudanças drásticas no processo de produção: a concentração dos
trabalhadores num mesmo local, isto é, a constituição de um sistema de
fábrica. Vejamos:
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Este ritmo irregular é comumente associado com bebedeiras no fim de semana: a
Santa Segunda-Feira é alvo em muitos folhetos vitorianos sobre a temperança [...]
Na década de 1790, Sir Mordaunt Martin desaprovou o recurso ao trabalho por
empreitada que as pessoas aprovam, para não ter o trabalho de vigiar os seus
empregados: o resultado é que o trabalho é malfeito, os trabalhadores se vangloriam
na cervejaria do que eles podem gastar numa ‘mijada contra a parede’, criando
descontentamento entre os homens com remunerações moderadas. (THOMPSON,
1998, p. 284).
A Santa Segunda-feira (Saint Monday, Saint Lundi, San Lunes) era uma tradição euro-
peia. Os trabalhadores folgavam na segunda e muitos moralistas diziam que era por causa das
bebedeiras de domingo. No entanto, era um costume. Aproveitava-se a segunda-feira para rea-
lizar tarefas que não eram possíveis outros dias, ou conforme o ditado francês reproduzido por
THOMPSON (1998, p. 283): “Le dimanche est le jour de La famille, Le lundi celui de l’amitié
(o domingo é o dia da família, a segunda-feira, o da amizade)”.
Aqueles que chegam mais tarde do que a hora determinada devem ser notificados,
e se depois de repetidos sinais de desaprovação eles não chegam na hora devida,
deve-se fazer um registro do tempo que deixaram de trabalhar, e cortar a quantia
correspondente de seus salários na hora do pagamento, se forem assalariados, e, se
forem pagos pelo número de peças feitas, devem ser mandados de volta, depois de
freqüentes avisos, na hora da primeira refeição.
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No entanto, todo esse processo não ficou sem resposta das pessoas
que eram forçadas ao trabalho nas oficinas, as quais logo passaram a se
organizar e lutar para modificar as condições de trabalho.
Figura 17 - Adolf Von Menzel. O ciclope moderno. 1875, Alte Nationalgalerie. Eram impostas aos operários duras condições
de trabalho. (http://fr.wikipedia.org/wiki/Revolution_industrielle).
SEÇÃO 3
TEORIAS E MOVIMENTOS SOCIAIS
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Mas, se foram compelidos a aceitar a noção de tempo útil, logo retornam
à utilidade do tempo, ficando contra os empregadores:
As guildas constituíam uma espécie de organização dos artesãos que teve uma longa his-
tória. Elas serviam para evitar a concorrência predatória entre os artesãos e também como uma
caixa de socorro mútuo em caso de doença ou falecimento. Os sindicatos derivam desse tipo
de prática, mas logo se especializam em setores e passam a ser mais reivindicativos do que
socorristas.)”.
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• O Conde Saint-Simon (1760-1825), que era um filósofo e pensador
das causas sociais. Adepto de um rigoroso planejamento das atividades
industriais por parte do Estado, ele vê na industrialização a possibilidade
de melhorar a vida do proletariado, dando-lhe também educação e
elevação moral.
• Outro socialista utópico foi Charles Fourier (1772-1837). Ele
projetou os “falanstérios”, que eram uma mistura das palavras “falange”,
grupo, e “stérios”, que viria de monastério. A sua proposta era a criação
de pequenas comunidades de 400 famílias, vivendo num único edifício
e de forma autônoma. Os falanstérios poderiam se especializar e assim
ocorrer o comércio entre eles. A vida ali seria comunitária, como, por
exemplo, o refeitório comum. Várias experiências foram feitas, mas todas
fracassaram.
Já o socialismo científico foi o epíteto dado por Marx (1818-1883)
e Engels (1820-1895) para as suas próprias teorias. Nelas caberia o
estudo crítico do capitalismo, compreendendo-se que essa formação é
possível graças à extração da mais-valia, que é o salário não pago aos
trabalhadores. Assim, o capitalismo transfere a riqueza criada pelo
trabalho para o patrão.
Marx entendia que essa forma de exploração terminaria, pois a
concorrência exigiria sempre a extração de mais-valia e esta chegaria a um
termo, tendo em vista que nada poderia mais extrair dos trabalhadores, já
que eles estariam no limite da sobrevivência física. Dessa forma o capital
entraria numa espécie de entropia, isto é, de esgotamento, e a classe
operária acabaria chegando ao poder através de seu partido operário.
Tanto que, no final de sua vida, Marx ajudou a fundar o Partido Social-
Democrata alemão. A teoria marxista influenciou movimentos em todo
mundo e foi a base de todos os governos socialistas no século XX.
A terceira corrente que teve forte influência no operariado foi o
anarquismo. O termo anarquismo vem de duas palavras gregas: aná,
negação, e arché, governo, ou seja, a recusa do governo. Foi Pierre-Joseph
Proudhon (1809-1865) o primeiro a utilizar a palavra num sentido político,
pois ela era associada à ideia de bagunça, confusão. Os anarquistas
acreditavam que os homens poderiam criar uma sociedade na qual não
haveria Estado ou autoridades. Todos poderiam se conscientizar de seus
papéis sociais e as propriedades seriam comuns. Assim, não haveria
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pleno século XIX. A cidade de Paris era quase inabitável, dadas as suas condições de exis-
tência, e uma grave crise econômica assolava a população. Em fevereiro de 1848, violentas
manifestações ocorrem em Paris. A reação do governo também foi violenta, precipitando os
acontecimentos. A Guarda Nacional também se tornou insurrecta, apoiando os revolucioná-
rios. O rei, Luís-Felipe, vendo a situação sair completamente do controle, abdicou em 24 de
fevereiro e, no dia seguinte, a República foi proclamada.
A Comuna de Paris foi um movimento popular que tomou conta da cidade durante
quarenta dias. Teve início em 18 de março, com o esforço popular de enfrentar o exército
alemão que marchava em direção à cidade. O exército do imperador Luís Napoleão estava
sendo derrotado. Com a insurreição popular, caiu o governo de Bonaparte. O governo
francês, mesmo derrotado, atacou os communards. Sem condições de retomar a cidade por
si próprio, apelou ao inimigo, selando rapidamente uma paz prejudicial à França, mas der-
rotando finalmente os revoltosos. Execuções sumárias foram feitas e uma dura repressão se
abateu sobre a população parisiense.
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Você estudou, nesta unidade, a genealogia das lutas sociais empreendidas em torno
do binômio capital/trabalho, responsáveis por moldar uma parte importante da experiência
sociopolítica da contemporaneidade. Viu também como essas lutas se pautaram por
discussões teóricas, às vezes excludentes, e por ações práticas ao longo do século XIX.
• Leia os artigos indicados abaixo, para uma melhor compreensão comparativa da experiência dos
movimentos sociais.
• Leia e resenhe o livro “As utopias românticas”, de Elias Thomé Saliba (São Paulo: Estação
Liberdade, 2003)
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PALAVRAS FINAIS
Neste livro você estudou alguns aspectos de História Contemporânea.
Como dissemos, eles foram fruto de escolhas teóricas e historiográficas.
Revolução Francesa, Revolução Industrial, Nações e Nacionalismo e
Movimentos Sociais foram fontes para discussões sobre a nossa própria
disciplina e como devemos construir a narrativa em história.
Muitas vezes, tomamos o processo histórico como natural, como se
ele devesse ocorrer de qualquer maneira, a despeito das nossas vontades e
intenções, ou melhor, a despeito do que fazemos. Ao fazermos a crítica desta
noção, buscamos compreender que o termo “processo” é um equívoco, pois ele
denota um sistema em funcionamento, e não é essa a percepção que temos da
história. No lugar dessa palavra poderíamos usar outra, tomada emprestada
do sociólogo Norbert Elias: configuração. Ela implica uma maior mobilidade,
sem necessariamente indicar uma necessidade. Uma configuração social ou
histórica nos remete às possibilidades que os próprios homens têm diante de
si, portanto não nos impõe uma ideia de que o que fazemos está subordinado
a um eixo de acontecimentos que nos ultrapassa.
A Revolução Francesa, por exemplo, não era fatal; se ela aconteceu, não
foi porque a história humana é um processo que caminha fatalmente para
um fim, mas foi o resultado de várias séries acontecimentos fortuitos e que
desembocaram num determinado evento. Eles não estavam determinados de
antemão e muito menos foram imprescindíveis. A história, dessa forma, não
é causal, mas casual.
Essa foi, em grande parte, a nossa medida. Os acontecimentos que
acabamos de estudar marcam somente a convenção historiográfica e não a
ordem de importância, pois para os nossos destinos, muitas vezes, eventos
que nem merecem destaque nos grandes livros são mais importantes do que
Revoluções, pois passam e o que é mais comezinho perdura.
Até a próxima.
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REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS
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LEFORT, Claude. Essais sur le politique, XIXe - XXe siècles. Paris : Éditions du
Seuil, 1986.
MACAULAY, Thomas Babington. Critical and historical essays, vol ii. London,
1866.
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REFERÊNCIAS
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NOTAS SOBRE OS AUTORES
Cláudio Denipoti
Sou Doutor em História pela UFPR, professor associado do
Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa
e fiz pós-doutorado na Universidade de São Paulo. Autor de Páginas de
prazer; a sexualidade através da leitura no início do século (Campinas:
Editora da Unicamp, 1999); co-organizador, com Geraldo Pieroni, de
Saberes brasileiros; ensaios sobre identidades - séculos XVI a XX (Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2004) e, com Clóvis Gruner, de Nas tramas da
ficção; História, Literatura e Leitura (São Paulo: Ateliê Editorial, 2009).
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AUTOR