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Carlos Biasotti

Da Ameaça
(Doutrina e Jurisprudência)

2023
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de
São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB, AASP,
IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor
de Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos
Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), Da
Prova, Da Pena, Direito Ambiental, O Cão na Literatura, etc., além de
numerosos artigos jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento,
em 14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honoríficos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros
de São Paulo; medalha cultural “Brasil 500 anos”; medalha “Prof.
Dr. Antonio Chaves”, etc.
Da Ameaça
(Doutrina e Jurisprudência)
Carlos Biasotti

Da Ameaça
(Doutrina e Jurisprudência)

2023
São Paulo, Brasil
Índice

I. Prólogo.....................................................................................................11

II. Ameaça (art. 147 do Cód. Penal): Ementas Jurispudenciais............13

III. Casos Especiais: (Doutrina e Jurisprudência): Ementas................25


Prólogo

Segundo a comum opinião dos doutores, a ameaça


(crime formal) consuma-se com o prenúncio do mal injusto e
grave a alguém, capaz de causar-lhe fundado temor (art. 17 do
Cód. Penal).(1)
São-lhe meios de execução: “a palavra, o escrito, o gesto ou
qualquer outro meio simbólico”.(2)
Não descaracteriza a ameaça a circunstância de ter sido
feita sem a presença da vítima, desde que superior à dúvida a
intenção do agente de causar-lhe mal injusto e grave.
No crime de ameaça, cometido em geral ocultamente
e sem testemunhas, tem a palavra da vítima valor
extraordinário, que se não deve subestimar nem desmerecer,
salvo hipótese de má-fé, que se não presume, antes requer
prova plena e cabal.

(1) Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 520; Editora
Saraiva; São Paulo.

(2) Grave ameaça, conforme o alto magistério de Nélson Hungria, “é a capaz


de intimidar seriamente o homo medius” (Comentários ao Código Penal, vol. IX,
p. 489; Editora Forense).
12

Por fim, subsiste o crime ainda quando o sujeito o


pratica em estado de embriaguez, pois esta não elide o dolo
(art. 28, nº II, do Cód. Penal); aliás, parece que torna “mais sério o
prenúncio de mal injusto e grave”.(3)
Eis, caro e estrênuo leitor, a matéria deste livrinho, que
de bom grado e com ambas as mãos lhe ponho aos pés, como
quem folga de poder servi-lo.

O Autor

(3) Damásio E. de Jesus, op. cit., p. 522.


Ementário Forense
(Votos que, em matéria criminal, proferiu o Desembargador
Carlos Biasotti, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Veja a íntegra dos votos no Portal do Tribunal de Justiça:
www.tjsp.jus.br).

• Da Ameaça
(Art. 147 do Cód. Penal)

Voto nº 534
Apelação Criminal nº 1.061.593/3
Art. 147 do Cód. Penal

–“Não há crime gratuito ou sem motivo e é no motivo que reside a significação


mesma do crime. O motivo é o adjetivo do elemento moral do crime” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, pp. 122-123).
– A exaltação de ânimo exclui o dolo específico exigido para a
configuração do delito de ameaça.
– Condenação requer certeza; na dúvida, que em Direito Penal é o outro
nome da ausência de prova, não há senão absolver o réu, “porque,
enquanto houver uma dúvida, por mínima que seja, ninguém pode
conscientemente condenar o seu semelhante” (João Mendes Jr., Processo
Criminal Brasileiro, 4a. ed., p. 388).
14

Voto nº 881
Apelação Criminal nº 1.083.435/7
Art. 147 do Cód. Penal

– Não há notar de nula a sentença do magistrado que julga o caso


concreto por convencimento lógico e motivado, antes que por mera
convicção íntima.
– Subsiste o crime de ameaça, ainda quando o tenha cometido o sujeito
em estado de embriaguez, pois esta não elide o dolo (art. 28, nº III,
do Cód. Penal), ao invés “torna mais sério o prenúncio de mal injusto e grave”
(cf. Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 5a. ed., p. 443).

Voto nº 1000
Apelação Criminal nº 1.103.963/2
Art. 147 do Cód. Penal

– Pois que a ameaça é crime formal, consuma-se no mesmo ponto em


que chega à notícia da vítima. Destarte, para configurar-se, é
irrelevante sua efetiva consumação; basta a intenção do agente de
causar temor, porque o bem jurídico protegido é a tranquilidade
espiritual.

Voto nº 1400
Apelação Criminal nº 1.142.087/0
Art. 147 do Cód. Penal

– O elemento subjetivo do tipo do art. 147 do Cód. Penal (ameaça) está na


vontade de prometer mal injusto e grave, com a intenção de intimidar,
ainda que o agente, em seu íntimo, não queira realizá-lo.
15

Voto nº 1443
“Habeas Corpus” nº 341.122/9
Art. 147 do Cód. Penal;
art. 103 do Cód. Penal

– A ação penal por crime de ameaça é pública condicionada à


representação do ofendido (art. 107, parág. único, do Cód. Penal).
– Trata-se a representação de direito que o ofendido deve exercer no
prazo de 6 meses, “contado do dia em que veio a saber quem é o autor do
crime”, sob pena de decadência (art. 103 do Cód. Penal).

Voto nº 1771
Apelação Criminal nº 1.163.701/8
Art. 147 do Cód. Penal

– O réu que não comparece a Juízo para defender-se, embora citado na


forma da lei, nisto mesmo dá a conhecer que não se fiava de sua
inocência.
– Realiza a figura típica do art. 147 do Cód. Penal (ameaça) e, pois, merece
condenação, o agente que, exibindo punhal à vítima, promete causar-
-lhe mal injusto e grave.
16

Voto nº 2080

Apelação Criminal nº 1.185.309/8

Arts. 147 e 150 do Cód. Penal

– Na ameaça (art. 147 do Cód. Penal), a promessa de mal futuro injusto


e grave não tem caráter somente físico ou moral, senão ainda
econômico, v.g.: despejar, mediante emprego de força, imóvel alugado
à vítima.
– Que a casa, asilo inviolável do indivíduo, tem especial proteção do
Estado, é ponto superior a toda a dúvida, pois decorre de mandamento
constitucional (art. 5º, nº XI, da Const. Fed.). Nela, sem o consentimento
de seu morador, recitavam os antigos, só entra o Sol e ninguém mais.

Voto nº 2124
Apelação Criminal nº 1.195.941/1
Art. 157, § 2º, nº II, do Cód. Penal

– Segundo a comum opinião dos doutores, a ameaça, elementar do


roubo, pode consistir em “palavras, gestos ou atos” (cf. Damásio E. de
Jesus, Código Penal Anotado, 9a. ed., p. 532).
– Comete roubo o agente que, simulando portar arma de fogo, intimida
a vítima, reduzindo-a à impossibilidade de resistência, para subtrair-
-lhe bens.
17

Voto nº 2480
Apelação Criminal nº 1.216.741/1
Art. 147 do Cód. Penal

– O ato de representação (art. 91 da Lei nº 9.099/95) não exige fórmulas


especiais: o ponto está em que o ofendido manifeste vontade
inequívoca de processar o autor do fato.
– Aquele que, por telefone, em estado de ira, diz a seu interlocutor lhe
mandará “encher a boca de formiga”, por sem dúvida que incorre em
crime de ameaça (art. 147 do Cód. Penal), pois a expressão inculca a
ideia de matar.
– Nunca haverão de perder seu prestígio essas palavras imortais de
Cícero: “Summum jus, summa injuria” (De Officiis, I, 10).

Voto nº 3300
Apelação Criminal nº 1.274.365/3
Arts. 129 e 147 do Cód. Penal

– Incorre na sanção do art. 129 do Cód. Penal o sujeito que, sem razão de
direito, desfere socos e pontapés em desafeto, nele provocando lesões
corporais.
– O argumento de que a ameaça proferida em estado de cólera não
caracteriza o crime do art. 147 do Cód. Penal deve receber-se “cum
grano salis”, que admiti-lo equivaleria a abolir a figura delituosa, pois
difícil coisa é alguém ameaçar, estando-lhe o ânimo plácido e
despreocupado.
18

Voto nº 3362
Apelação Criminal nº 1.285.115/2
Arts. 147 e 23 do Cód. Penal;
art. 21 da Lei das Contravenções Penais

– Aquele que, para defender-se, invoca em seu prol circunstância


excludente da criminalidade deve prová-la cumpridamente, sob pena
de haver-se na conta de réu confesso (art. 23 do Cód. Penal).
–“O estado de ira não exclui a intenção de intimidar” (Damásio E. de Jesus,
Código Penal Anotado, 9a. ed., p. 474).

Voto nº 3569
Apelação Criminal nº 1.291.751/5
Art. 147 do Cód. Penal

– É passível do rigor da lei o agente que, após separar-se da mulher, entra


a ameaçá-la de morte, por telefone e pessoalmente, caso não desistisse
das ações judiciais que lhe intentara.
– A ameaça, crime formal, consuma-se com o prenúncio do mal injusto
e grave a alguém, capaz de causar-lhe fundado temor (art. 147 do Cód.
Penal).
– Nos crimes de ameaça, pelo geral cometido ocultamente e sem
testemunhas, tem a palavra da vítima valor extraordinário, que se não
deve subestimar nem desmerecer, salvo hipótese de má-fé, que não se
presume, antes requer prova plena e cabal.
19

Voto nº 3589
Apelação Criminal nº 1.297.339/7
Art. 174 do Cód. Penal

– Não comete o crime de ameaça o sujeito que, após demasias


alcoólicas, profere contra terceiro expressões que, embora de cunho
funesto, não são tomadas ao sério, servindo antes de ocasião de riso e
talvez comiseração (art. 174 do Cód. Penal).
– Incensurável é a decisão que, em face da dúvida quanto ao dolo do
agente, decreta-lhe a absolvição com base no art. 386, nº VI, do Cód.
Proc. Penal.

Voto nº 3856
Apelação Criminal nº 1.313.455/3
Art. 147 do Cód. Penal

– A ameaça, crime formal, consuma-se com o prenúncio do mal injusto


e grave a alguém, capaz de causar-lhe fundado temor (art. 147 do Cód.
Penal).
– Não descaracteriza o crime de ameaça a circunstância de ter sido feita
sem a presença física da vítima, desde que superior à dúvida a intenção
do agente de causar-lhe mal injusto e grave.
20

Voto nº 3992
Apelação Criminal nº 1.319.527/0
Art. 147 do Cód. Penal

– Comete crime de ameaça (e, pois, cai sob o rigor da lei), o sujeito que,
sem móvel aparente, saca de arma branca de inegável potencialidade
ofensiva e, apontando-a de súbito a outrem, afirma que o vai matar
(art. 147 do Cód. Penal).
– A ameaça, crime formal, consuma-se com o prenúncio do mal injusto
e grave a alguém, capaz de causar-lhe fundado temor.
– Nos crimes de ameaça, pelo geral praticados ocultamente e sem
testemunhas, tem a palavra da vítima valor extraordinário, que se não
deve subestimar nem desmerecer, salvo hipótese de má-fé, que não se
presume, antes requer prova plena e cabal.

Voto nº 4210
Apelação Criminal nº 1.327.981/6
Art. 147, “caput”, do Cód. Penal

– A ameaça, crime formal, consuma-se com o prenúncio do mal injusto


e grave a alguém, capaz de causar-lhe fundado temor (art. 147 do Cód.
Penal).
–“Não exclui a imputabilidade a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool, ou
substância de efeitos análogos” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado,
9a. ed., p. 117).
21

Voto nº 4343
Apelação Criminal nº 1.338.483/1
Art. 147 do Cód. Penal

– Comete crime de ameaça (e, pois, cai sob o rigor da lei), o sujeito que,
após ter-lhe a vítima observado que, jogando bola defronte de sua
residência, podia danificar-lhe o portão (por isso, era bem suspendesse
a prática do jogo), exalta-se e promete matá-la (art. 147 do Cód. Penal).
– A ameaça, crime formal, consuma-se com o prenúncio do mal injusto
e grave a alguém, capaz de causar-lhe fundado temor.
– Nos crimes de ameaça, pelo geral praticados ocultamente e sem
testemunhas, tem a palavra da vítima valor extraordinário, que se não
deve subestimar nem desmerecer, salvo hipótese de má-fé, que não se
presume, antes requer prova plena e cabal.
22

Voto nº 4546
Apelação Criminal nº 1.353.197/9
Art. 147 do Cód. Penal
art. 46 do Cód. Penal

– É passível do rigor da lei o sujeito que, detido por policial militar —


porque condenado pela Justiça —, entra a ameaçá-lo de morte e à
família.
– A ameaça, crime formal, consuma-se com o prenúncio do mal injusto
e grave a alguém, capaz de causar-lhe fundado temor (art. 147 do Cód.
Penal).
– Nos crimes de ameaça, pelo geral cometidos ocultamente e sem
testemunhas, tem a palavra da vítima valor extraordinário, que se não
deve subestimar nem desmerecer, salvo hipótese de má-fé, que não se
presume, antes requer prova plena e cabal.
– Outro tanto em relação ao testemunho policial: não merece a
nota universal de tendencioso e suspeito; unicamente em face de
contradição aberta e inverossímil com o conjunto probatório é que
se lhe deve dar de mão.
– À luz do art. 46 do Cód. Penal, não tem lugar a substituição da pena
corporal inferior a 6 meses por prestação de serviço à comunidade,
mas somente por multa ou outra restritiva de direitos.
23

Voto nº 4772
Apelação Criminal nº 1.367.015/3
Art. 147, do Cód. Penal;
art. 21 da Lei das Contravenções Penais (vias de fato)

– A ameaça, crime formal, consuma-se com o prenúncio do mal injusto


e grave a alguém, capaz de causar-lhe fundado temor (art. 147 do Cód.
Penal).
–“Não exclui a imputabilidade a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool, ou
substância de efeitos análogos” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado,
9a. ed., p. 117).
– Consiste a infração de vias de fato (art. 21 da Lei das Contravenções Penais)
em empregar contra a vítima violência física, sem causar-lhe
ferimentos (v.g.: tapa, bofetada, chute etc.). “São as violências ligeiras que
não ocasionam ferimentos ou lesões” (José Duarte, Comentários à Lei das
Contravenções Penais, 1944, p. 312).

Voto nº 5036
“Habeas Corpus” nº 451.482/8
Art. 147 do Cód. Penal;
art. 648, nº I, do Cód. Proc. Penal

– Ainda na esfera do “habeas corpus”, é admissível a análise de provas para


aferir a procedência da alegação de falta de justa causa para a ação
penal; defeso é apenas seu exame aprofundado e de sobremão, como
se pratica na dilação probatória.
– Para trancar a ação penal, sob o fundamento da ausência de “fumus boni
juris”, há mister se mostre a prova mais clara que a luz meridiana, a
fim de se não subverter a ordem jurídica, entre cujos postulados se
inscreve o da apuração compulsória, pelos órgãos da Justiça, da
responsabilidade criminal do infrator.
24

Voto nº 9747
Apelação Criminal nº 863.342-3/5-00
Arts. 107, nº IV, 110, § 1º, e 114, nº I, do Código Penal;
arts. 147, 304 e 307 do Cód. Penal;
art. 61 do Cód. Proc. Penal

– A confissão judicial do réu tem valor absoluto como meio de prova;


pela presunção de sua autenticidade, pode autorizar a edição de
decreto condenatório.
– Incorre nas penas do art. 304 do Cód. Penal (uso de documento falso) o
sujeito que apresenta cédula de identidade, na qual, debaixo de sua
fotografia, consta o nome de outrem.
– Até à mentira tem o réu licença de recorrer, como meio de defesa; não
lhe é lícito, entretanto, atribuir-se falsa identidade, que isto a lei define
e pune como crime (art. 307 do Cód. Penal).
– O elemento subjetivo do tipo do art. 147 do Cód. Penal (ameaça) está na
vontade de prometer mal injusto e grave, com a intenção de intimidar,
ainda que o agente, em seu íntimo, não queira realizá-lo.
– Pois que a ameaça é crime formal, consuma-se no mesmo ponto em
que chega à notícia da vítima. Destarte, para configurar-se, é
irrelevante sua efetiva consumação; basta a intenção do agente de
causar temor, porque o bem jurídico protegido é a tranquilidade
espiritual.
– Ocorre em 2 anos a prescrição da pena de multa aplicada (art. 114, nº I,
do Cód. Penal).
Casos Especiais
(Reprodução integral do voto)
PODER JUDICIÁRIO

1
TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.185.309/8


Comarca: Santa Branca
Apelante: ROLC
Apelado: Ministério Público

Voto nº 2080
Relator

– Na ameaça (art. 147 do Cód. Penal), a


promessa de mal futuro injusto e grave
não tem caráter somente físico ou moral,
senão ainda econômico, v.g.: despejar,
mediante emprego de força, imóvel
alugado à vítima.
– Que a casa, asilo inviolável do indivíduo,
tem especial proteção do Estado, é
ponto superior a toda a dúvida, pois
decorre de mandamento constitucional
(art. 5º, nº XI, da Const. Fed.). Nela, sem o
consentimento de seu morador, recitavam
os antigos, só entra o Sol e ninguém mais.
28

1. Contra a r. sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito


da Comarca de Santa Branca, que o condenou ao pagamento
de 20 dias-multa, por infração dos arts. 147 e 150 do Código
Penal, interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o
intuito de reformá-la, ROLC.
Em extensas e bem elaboradas razões de recurso que lhe
apresentou ilustre patrona, alega o apelante que nenhum
crime praticou; pelo que, era de preceito sua absolvição.
Nesse pressuposto, requer a reforma da r. sentença, a
fim de que a colenda Câmara o absolva (fls. 94/106).
Apresentou contrarrazões de recurso a digna
Promotoria de Justiça; ao mesmo passo que repele a
pretensão da nobre Defesa, insiste na manutenção da r.
decisão apelada, merecedora de prevalecer (fls. 108/109).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em detido
e ponderado parecer do Dr. Mário Cândido de Avelar
Fernandes, opina pelo provimento parcial do recurso, para
que seja afastada a condenação pelo crime de violação de
domicílio, confirmando-se no mais a r. sentença de Primeiro
Grau (fls. 123/125).
É o relatório.

2. Deu denúncia contra o réu o digno representante


do Ministério Público porque, no dia 3 de abril do ano
passado, cerca de 9h, na Rua José Luís de Siqueira, entrara
clandestinamente, contra a vontade expressa ou tácita de
Édison Luís Pereira, na casa deste ou em suas dependências.
29

Consta ainda, na peça de introito da ação penal, que o


réu ameaçara a vítima, por palavra, de causar-lhe mal injusto
e grave (fl. 25).
Após regular tramitação e sentenciado o feito, foi o réu
condenado (fls. 80/84).
O réu, todavia, não esteve pelo desfecho da lide penal e
apelou.

3. Ao apelante foram imputados os crimes de ameaça e


violação de domicílio.
Pelo que respeita à ameaça, ficou cumpridamente
caracterizada, uma vez que a prova oral revelou ter o réu
dirigido à vítima expressões de cunho nitidamente
ameaçador: “(...) se você não sair da casa eu entro e tiro os móveis”
(fls. 4 e 48).
Afirmou a vítima, em Juízo, ter ficado atemorizada,
máxime porque o “acusado é conhecido como pessoa violenta”
(ibidem).
Isto mesmo lhe confirmou a mulher (fl. 49).
A ameaça, consoante a melhor Doutrina, configura-se
por palavras e atos.
O mal que se receia pode ser de vária natureza.
No particular de que se trata, em virtude de conflito
decorrente de relações locativas, o réu prometera à vítima,
seu inquilino, que, se não o desocupasse, iria despejar o
imóvel mediante força.
À face de promessa de mal injusto, que o compeliria
a abandonar repentinamente o imóvel no qual residia,
30

intimidara-se a vítima. Persuade-o que farte a circunstância


de haver comunicado o fato à Polícia, reclamando-lhe
providências (fl. 3).
O malefício não ostenta, de necessidade, caráter físico
ou moral; como o assinalou o douto parecer de fl. 125, pode
ser também de natureza econômica, em cujo número se
conta a hipótese dos autos.
A condenação do réu pelo art. 147 do Código Penal
(ameaça) responde ao conteúdo dos autos e é expressão de
justiça.
Entendimento é este que professam nossas Cortes de
Justiça:
“Tendo a ameaça infundido temor ao ameaçado, provocando um
desequilíbrio espiritual, caracterizado está o delito” (RJTJSP,
vol. 22, p. 525; rel. Garrigós Vinhaes).
A pena, aplicada em seu grau mínimo, quer-se mantida.

4. No que concerne, porém, ao crime definido e punido


pelo art. 150 do Código Penal (violação de domicílio), mostra-se
tíbia e inconvincente a prova dos autos, para que se tenha por
configurado.
É dos autos que o réu alugara à vítima imóvel
residencial.
As relações entre ambos, no entanto, desde logo se
mostraram penosas: viviam às turras.
O réu punha a mira em realugar a terceiro o imóvel e,
com esse propósito, pregara no muro da casa, à revelia do
inquilino, uma placa de anúncio de locação.
31

Mas, o próprio sujeito passivo afirmou, na instrução


criminal, que não entrara o apelante nas dependências da
casa para repor a placa de anúncio: colocou-a no portão
(fl. 48).
O réu, esse esclareceu: “(...) não precisei entrar na casa”.
De tudo se mostra que, embora incivil a atitude do
locador, turbando a posse da vítima, os autos não
demonstram, com nitidez, os contornos da figura penal da
violação de domicílio.
Que a casa, asilo inviolável do indivíduo, tem especial
proteção do Estado, é ponto superior a toda a dúvida, pois
decorre de mandamento constitucional (art. 5º, nº XI, da Const.
Fed.).
Sem o consentimento de seu morador, na casa, como
recitavam os antigos, só entra o Sol e ninguém mais.
Destarte, mesmo a condição de locador e proprietário
não ensejava ao réu transpusesse os umbrais da residência
que dera em locação à vítima.
A prova não esclareceu, todavia, se o réu passou o
portão, no qual afixara a placa de anúncio.
Nesse caso, o alvitre do insigne Dr. Procurador de
Justiça é o que melhor se adapta às regras de Direito.
Há dúvida razoável, com efeito, de que violasse o réu o
domicílio do ofendido.
É caso de aplicar o axioma jurídico de reputação
universal: “In dubio pro reo”.
32

5. Pelo exposto, dou provimento ao apelo do réu para


absolvê-lo quanto ao delito de violação de domicílio (art. 150
do Cód. Penal), mantida no mais a r. sentença de Primeiro Grau.

São Paulo, 11 de abril de 2000


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

2
TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.216.741/1


Comarca: Poá
Apelante: ANFVCL
Apelado: Ministério Público

Voto nº 2480
Relator

– O ato de representação (art. 91 da Lei nº


9.099/95) não exige fórmulas especiais: o
ponto está em que o ofendido manifeste
vontade inequívoca de processar o autor
do fato.
– Aquele que, por telefone, em estado de
ira, diz a seu interlocutor lhe mandará
“encher a boca de formiga”, por sem dúvida
que incorre em crime de ameaça (art. 147
do Cód. Penal), pois a expressão inculca a
ideia de matar.
34

– Nunca haverão de perder seu prestígio


essas palavras imortais de Cícero:
“Summum jus, summa injuria” (De Officiis,
I, 10).

1. Contra a r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da 3a. Vara Criminal da Comarca de Poá, condenando-a ao
pagamento de 15 dias-multa, por infração do art. 147, “caput”,
do Código Penal, interpôs recurso para este Egrégio Tribunal,
com o propósito de reformá-la, ANFVCV.
Alega, nas razões de recurso, preliminar de nulidade do
feito, por inobservância do rito procedimental pertinente à
espécie (Lei nº 9.099/95).
Ainda no plano prejudicial, argui irregularidade do
processo, por inexistência de representação, imprescindível
no caso.
Pelo que respeita ao mérito, argumenta com a
inexistência do fato que lhe foi imputado; além de que, não
obrara dolosamente.
Em suma: no caso que a colenda Câmara não se digne
decretar a nulidade do processo, por preterição de forma
prescrita em lei, será de rigor sua absolvição (fls. 88/90).
A douta Promotoria de Justiça apresentou contrarrazões
de recurso, nas quais refutou a pretensão da apelante e
propugnou a confirmação da r. sentença de Primeiro Grau
(fls. 92/99).
35

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em minucioso


e avisado parecer do Dr. Carlos Fernandes Sandrin, opina pela
rejeição das preliminares e, no mérito, pelo improvimento
da apelação (fls. 120/123).
É o relatório.

2. A Justiça Pública denunciou a ré porque, no dia 13 de


março de 1998, pelas 11h, proferiu ameaça de causar mal
injusto e grave à vítima Ivana Machado.
Consta que a vítima lhe cobrou dívida de aluguéis; a ré,
no entanto, após declamar evasivas, disse-lhe por telefone
frase ameaçadora: (...) “com R$ 200,00 mandaria acertar o passo
da vítima e encheria sua boca de formiga” (fl. 19).
Ao cabo de regular tramitação do processo, a r.
sentença de fls. 76/79 julgou procedente a pretensão punitiva
e condenou a ré ao pagamento de 15 dias-multa, no valor de
3 salários mínimos vigentes à época do fato.
Inconformada com a solução da lide penal, apelou para
esta colenda Corte de Justiça.

3. As preliminares suscitadas pela nobre Defesa não


colhem, com a devida vênia, pois que nenhuma nulidade
malferiu o processado.
Com efeito, isto de não ter sido proposta à ré transação
penal, bem se justifica da circunstância de não haverem
concorrido os requisitos legais.
36

Em verdade, segundo o teor literal do art. 89 da Lei nº


9.099/95, somente faz jus ao benefício da transação penal ou
do “sursis” processual o acusado de bons antecedentes, que
reúna méritos pessoais.
A ré, no entanto, como fazem certo os documentos de
fls. 100/114, já foi condenada anteriormente; destarte, não lhe
assistia direito ao benefício.
No tocante à alegada falta de representação, também não
procede o argumento da mui digna Defesa, visto que, ao
contrário do que alega, manifestou a vítima, na audiência
preliminar, intenção inequívoca de processar a ré, ao ratificar a
representação ofertada perante a autoridade policial (fl. 19).
Ao demais, segundo a lição do preclaro Damásio E. de
Jesus, transcrita pelo abalizado parecer da Procuradoria-
-Geral de Justiça (fl. 121), não exige a representação fórmulas
especiais:
“O ato de representação não depende de rigorismos formalísticos.
Assim, como tem entendido o STF, não depende de fórmula
sacramental, bastando a demonstração de vontade inequívoca
de que o autor do fato criminoso seja processado” (RTJ 75/322
e 95/578; RT 500/310; in Código de Processo Penal
Anotado, 16a. ed., p. 38).
Em face do que levo expendido, rejeito as questões
preliminares suscitadas pelo diligente patrono da ré.

4. No que tange ao mérito do recurso, é forçoso negar-lhe


guarida, uma vez as razões que o apoiam não se mostraram
poderosas a ilidir os sólidos fundamentos da r. sentença
impugnada, que apreciou a controvérsia à justa luz.
37

Realmente, inquirida na instrução criminal, declarou a


vítima, com firmeza e grande força persuasiva, que a ré, sobre
havê-la tratado mal de palavra, ameaçou fazer-lhe mal injusto
e grave.
O teor das expressões que empregara ao referir-se à
vítima, inculca a ideia de que a mandaria matar, que nesta
acepção emprega o vulgo a locução “mandar encher a boca de
formiga”.
Em seu depoimento, acentuou a vítima que temeu pelo
cumprimento da promessa da ré (fl. 24).
Suas declarações tiveram confirmação no testemunho
do companheiro Carlos Augusto Sales (fl. 25).
A alegação da ré de que, no dia 13 de março, não
mantivera contacto por telefone com a vítima, porque
estariam desligados os aparelhos telefônicos de sua
imobiliária (fl. 28 v.), contravém abertamente à verdade:
depreende-se da nota fiscal de fl. 37, expedida pela CTBC, que
vários telefonemas foram dados, mediante utilização da linha
4638-3155, em dias que antecederam e sucederam ao do fato
(dia 13 de março), o que obriga à conclusão de que, por esse
tempo, não estava desligada a referida linha. O mesmo passa
com a linha telefônica 4636-0335 (fl. 39).
A tese, portanto, da inexistência do fato não deve ser
recebida sem um grão de sal!

5. Também carece de relevo, “data venia”, a alegação de que


a ré não teria procedido com dolo.
38

Quem profere ditos ameaçadores, como os que dirigiu à


vítima, não se exime da censura de haver transgredido o
preceito do art. 147 do Código Penal.
Deveras, como o observou a digna Promotoria de
Justiça, ainda que houvesse proferido a frase durante
altercação com a vítima, isso não exclui a conduta
intimidativa, que caracteriza o ilícito penal. “O estado de ira”,
ensina Damásio E. de Jesus, “não exclui a intenção de intimidar”
(Código Penal Anotado, 9a. ed., p. 474).
O ven. acórdão que mencionou (fl. 98) vem aqui de
molde:
“Consuma-se o crime de ameaça, que é meramente formal, desde
que a vítima sinta-se intimidada, pouco importando se o agente
ativo estava ou não embriagado, se estava ou não irado”
(JTACrSP, vol. 91, p. 394; rel. Rubens Gonçalves).
Destarte, a condenação da ré atendeu estritamente aos
elementos de prova entranhados nos autos.

6. Sem embargo da fundamentação da sentença, tenho


por demasiado o valor unitário fixado ao dia-multa: 3 salários
mínimos.
Ainda que se trate de profissional da Advocacia e
pertença à esfera econômica privilegiada, bastara-lhe a
estipulação de um salário-mínimo, vigente à época do fato,
para cada dia-multa, a ser atualizado quando do pagamento.
Exceto se demonstrada condição de excepcional
capacidade econômico-financeira, não é de bom exemplo
afastar-se o juiz, enfaticamente, do índice legal mínimo.
39

Nunca haverão de perder seu prestígio essas palavras


imortais de Cícero: Summum jus, summa injuria (De Officiis, I,
10).

7. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso para fixar


em um salário-mínimo o valor unitário da multa imposta
à ré.

São Paulo, 19 de setembro de 2000


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

3
TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.338.483/1


Comarca: Limeira
Apelante: JSA
Apelado: Ministério Público

Voto nº 4343
Relator

– Comete crime de ameaça (e, pois, cai sob


o rigor da lei), o sujeito que, após ter-lhe
a vítima observado que, jogando bola
defronte de sua residência, podia
danificar-lhe o portão (por isso, era bem
suspendesse a prática do jogo), exalta-se
e promete matá-la (art. 147 do Cód. Penal).
– A ameaça, crime formal, consuma-se
com o prenúncio do mal injusto e grave
a alguém, capaz de causar-lhe fundado
temor.
41

– Nos crimes de ameaça, pelo geral


praticados ocultamente e sem
testemunhas, tem a palavra da vítima
valor extraordinário, que se não deve
subestimar nem desmerecer, salvo
hipótese de má-fé, que não se presume,
antes requer prova plena e cabal.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da 5a. Vara da Comarca de Limeira, condenando-o ao
pagamento de 10 dias-multa, por infração do art. 147 do
Código Penal, interpôs recurso para este Egrégio Tribunal,
com o intuito de reformá-la, JSA.
Nas razões de recurso, afirma que o conjunto
probatório, frágil e precário, não lhe autorizava condenação;
pelo que, com fulcro no art. 386, nº VI, do Código de Processo
Penal, espera ser absolvido (fls. 107/109).
A douta Promotoria de Justiça apresentou
contrarrazões de recurso, nas quais repeliu a pretensão da
nobre Defesa e propugnou a manutenção da r. sentença de
Primeiro Grau (fl. 110).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em incisivo e
abalizado parecer do Dr. José Roberto Castilho, opina pelo
improvimento da apelação (fls. 115/116).
É o relatório.

2. Foi o réu submetido a processo porque, aos 6 de


fevereiro de 2000, pelas 20h, na Rua Guido Antônio (Parque
Hipólito Expansão I), em Limeira, ameaçou a vítima Anísio
Lúcio dos Santos de causar-lhe mal injusto e grave.
42

Instaurada a persecução criminal, tramitou o processo


na forma da lei; por fim, a r. sentença de fls. 93/96 decretou a
condenação do réu, o qual, insatisfeito, comparece perante
esta augusta Corte de Justiça, clamando por absolvição.

3. A despeito dos bons esforços da Defesa, os elementos


reunidos no processado imprimiram relevo à pretensão
punitiva e, pois, justificaram o edito condenatório.
A prova oral evidenciou que o réu ameaçara de morte a
vítima porque reclamara contra o incômodo e prováveis
danos provocados por jogo de bola defronte do portão de sua
casa.
Em face da oposição da vítima, disse-lhe o réu que iria a
casa buscar uma arma para matá-la.
Na instrução criminal, a vítima descreveu a ocorrência e
salientou que o réu deveras a ameaçara de morte (fls. 60/61).
As testemunhas José Francisco Germano e Sérgio Lúcio
dos Santos, presenciais dos fatos, confirmaram-lhe as
declarações (fls. 62/63).
Ainda que as testemunhas arroladas pela Defesa (fls.
66/68) se afadigassem por menoscabar a impressão deixada
no espírito da vítima, é fora de dúvida que esta “ficou
apavorada” (fl. 62).
Não há razão para negar credibilidade às palavras da
vítima, que não tinha motivo para acusar falsamente o
apelante.
43

Donde a escorreita conclusão da r. sentença: “Assim, é


certo que o réu praticou uma ameaça contra a vítima, dizendo que iria
buscar uma arma em sua casa e que todos os presentes queriam agredir
o acusado” (fl. 95).

4. A lição de Tourinho Filho, jurista eminente, vem aqui a


ponto:
“Em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do
crime. Assim, naqueles delitos clandestinos — qui clam comitti
solent (que se cometem longe dos olhares de testemunhas) —,
a palavra da vítima é de valor extraordinário” (Processo Penal,
p. 296).
Pelo que respeita ao delito de ameaça, notáveis são estas
palavras de Nélson Hungria:
“(…) a ameaça é um crime formal, isto é, consuma-se ainda
quando, in concreto, não se verifique o resultado (intimidação)
visado pelo agente, desde que a ameaça, considerada em si
mesma, seja idônea para atemorizar um homem comum”
(Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VI, p. 184).
Doutrina é esta que, sem discrepância, professam
nossos Tribunais:
a) “A ameaça é delito formal. Para a sua consumação, basta que
seja séria, injusta e idônea para intimidar, e feita com o
propósito deliberado de atemorizar” (Rev. Forense, vol. 133,
p. 564);
b) “Para a configuração do crime de ameaça não importa que o
agente tenha ou não o propósito de torná-la efetiva; basta
que aquela seja idônea para causar temor” (Rev. Forense,
vol. 138, p. 262).
44

As razões do apelo, ainda que articuladas com


proficiência pela Defesa, não abalaram os fundamentos da
sentença condenatória, que resolveu com acerto o litígio.
A pena, fixada com benigno critério — 10 dias-multa,
no valor mínimo legal —, não sofre alteração.
Merece confirmada, destarte, por seus próprios e
jurídicos fundamentos, a sentença que proferiu o mui distinto
e culto Juiz Dr. Rogério Danna Chaib.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 13 de janeiro de 2003


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

4
TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.353.197/9


Comarca: Araraquara
Apelante: DDB
Apelado: Ministério Público

Voto nº 4546
Relator

– É passível do rigor da lei o sujeito que,


detido por policial militar — porque
condenado pela Justiça —, entra a
ameaçá-lo de morte e à família.
– A ameaça, crime formal, consuma-se
com o prenúncio do mal injusto e grave
a alguém, capaz de causar-lhe fundado
temor (art. 147 do Cód. Penal).
46

– Nos crimes de ameaça, pelo geral


cometidos ocultamente e sem
testemunhas, tem a palavra da vítima
valor extraordinário, que se não deve
subestimar nem desmerecer, salvo
hipótese de má-fé, que não se presume,
antes requer prova plena e cabal.
– Outro tanto em relação ao testemunho
policial: não merece a nota universal de
tendencioso e suspeito; unicamente em
face de contradição aberta e inverossímil
com o conjunto probatório é que se lhe
deve dar de mão.
– À luz do art. 46 do Cód. Penal, não tem
lugar a substituição da pena corporal
inferior a 6 meses por prestação de
serviço à comunidade, mas somente por
multa ou outra restritiva de direitos.

1. Inconformado com a r. sentença que proferiu o MM.


Juízo de Direito da 2a. Vara Criminal da Comarca de
Araraquara, condenando-o a cumprir, em regime semiaberto,
a pena de 1 mês e 15 dias de detenção, substituída por
restritiva de direito (prestação de serviços à comunidade), por
infração do art. 147, “caput”, conjugado com o art. 61, no I, do
Código Penal, interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com
o propósito de reformá-la, DDB.
Nas razões de recurso, que lhe apresentou esforçado
patrono, afirma que o conjunto probatório, em extremo
frágil, não prestigiara os termos da denúncia.
Acrescenta não ser verdadeira a alegação de que
ameaçara a vítima.
47

Ao demais, testemunhos produzidos por policiais


deviam receber-se com cautela pela suspeita de parcialidade,
pois que interessados no desfecho da causa.
À derradeira, sustenta que a pena restritiva de direito,
no caso, não podia ser prestação de serviços à comunidade,
por força do disposto no art. 46 do Código Penal, senão multa
ou outra pena restritiva de direito (fls. 61/63).
A douta Promotoria de Justiça apresentou contrarazões
de recurso, nas quais repeliu os argumentos da nobre Defesa
e propugnou a manutenção da r. sentença de Primeiro Grau
(fls. 65/68).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em incisivo e
abalizado parecer do Dr. Jorge Augusto Sarhan, opina pelo
improvimento da apelação (fls. 75/76).
É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público submeteu a processo o


apelante porque, no dia 12 de junho de 2001, pelas 19h, na
Av. Jorge Biller Teixeira, em Araraquara, ameaçou causar mal
injusto e grave ao policial militar Alexandre Rezende.
Reza a denúncia que a vítima realizava patrulhamento
de costume, na função de policial militar, quando deu com o
réu, a quem a Polícia procurava.
Após detê-lo, conduziu-o até à Cadeia Pública local.
Nessa ocasião, ameaçou a vítima de morte.
Instaurada a persecução criminal, transcorreu o
processo na conformidade dos ditames da lei; ao cabo, a
r. sentença de fls. 43/45 acolheu os termos da denúncia e
48

condenou o apelante; este, insatisfeito e jurando inocência,


comparece perante a Segunda Instância, à espera de
absolvição.

3. Muito empenhado que tenha sido seu patrono, nem por


isso é de atender ao clamor do apelante, pois ninguém pode
negar o que a evidência mostra.
De feito, aquele que perlustrar, com suficiente
consideração os autos do processo, virá ao conhecimento de
que o apelante violou, em seu espírito e forma, o art. 147 do
Código Penal.
Ainda que, na fase administrativa (fl. 2), pusesse timbre
em negar a imputação, os mais elementos probatórios o
incriminaram sem falta.
Deveras, inquirida na quadra da instrução criminal,
declarou a vítima, com firmeza, que o apelante a ameaçara de
morte e advertira que sabia onde morava.
A testemunha Delcides Aparecido Soares, também
policial militar, acrescentou força e relevo às declarações da
vítima: ao depor, em Juízo, confirmou ter ouvido ao réu que
iria matá-la.
O acervo probatório imprime veracidade aos termos da
proposta acusatória.

4. O ato de que foi increpado o apelante, portanto, não há


negá-lo sem imprudência.
49

O engenhoso argumento da Defesa, de que a palavra


do policial não era suficiente à formação de juízo de
culpabilidade do réu, não merece o relevo que lhe emprestou.
Palavras de vítima e testemunha policial não se
desprezam, em princípio.
Deveras, quem mais abalizado para discorrer de um fato
senão aquele que lhe foi o protagonista? Exceto na hipótese
(mui rara) de mentira ou erro, suas declarações bastam a
acreditar um termo de condenação.
Assim têm decidido nossos Tribunais:
“As palavras da vítima, como de quem foi protagonista do evento
criminoso, importam muito para aferir-lhe as circunstâncias,
máxime a autoria, e podem justificar decreto condenatório,
quando em harmonia com as mais provas dos autos” (Rev.
Tribs., vol. 776, p. 611).
Outro tanto em relação ao testemunho policial: não
merece a nota universal de tendencioso e suspeito.
Feriu o ponto, com muita exação e propriedade, o ven.
acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, cuja ementa reza:
“Quanto ao depoimento de policiais, presume-se que agem eles no
cumprimento do dever e nos limites da legalidade, havendo
que se repudiar sua palavra somente quando em flagrante
dissonância com os demais elementos de convicção trazidos
ao processo” (Rev. Tribs., vol. 727, p. 473; rel. Devienne
Ferraz).
50

De tudo o exposto se conclui que, ao revés do que


insinua o estrênuo defensor do réu, o conjunto probatório
serviu de pedestal seguro ao pronunciamento condenatório.

5. Ao demais, como o ponderou o douto parecer da


Procuradoria-Geral de Justiça, passa por irrelevante a
circunstância de a decisão estar alicerçada, principalmente,
nas palavras da vítima. Em tema de ameaça, cometida
geralmente longe da vista de outras pessoas, não invalida os
elementos de convicção coligidos. A palavra do ofendido é
meio de prova e, não existindo nada que demonstre a
suspeição de suas declarações, está a merecer crédito.
A lição de Tourinho Filho vem aqui a ponto:
“Em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do
crime. Assim, naqueles delitos clandestinos — qui clam comitti
solent (que se cometem longe dos olhares de testemunhas) —,
a palavra da vítima é de valor extraordinário” (Processo Penal,
p. 296).
Pelo que respeita ao delito de ameaça, notáveis são estas
palavras de Nélson Hungria:
“(…) a ameaça é um crime formal, isto é, consuma-se ainda
quando, in concreto, não se verifique o resultado (intimidação)
visado pelo agente, desde que a ameaça, considerada em si
mesma, seja idônea para atemorizar um homem comum”
(Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VI, p. 184).
Doutrina é esta que, sem discrepância, professam
nossos Tribunais:
51

a) “A ameaça é delito formal. Para a sua consumação, basta que


seja séria, injusta e idônea para intimidar, e feita com o
propósito deliberado de atemorizar” (Rev. Forense, vol. 133,
p. 564);
b) “Para a configuração do crime de ameaça não importa que o
agente tenha ou não o propósito de torná-la efetiva; basta
que aquela seja idônea para causar temor” (Rev. Forense,
vol. 138, p. 262).
As razões do apelo, ainda que articuladas com
proficiência pela Defesa, não abateram os fundamentos do
edito condenatório, que resolveu com acerto o litígio.
A pena, fixada com benigno critério, não sofre
alteração.

6. Acho razão, no entanto, ao combativo Defensor, que


houve por desconforme ao direito a substituição da pena
corporal por prestação de serviços à comunidade: só a admite
a pena privativa de liberdade superior “a seis meses” (art. 46 do
Cód. Penal).
Assim, com fundamento no art. 44, § 2o, do referido
estatuto, substituo a pena de detenção do réu por 13 dias-
-multa — alguma coisa acima do mínimo, por seus maus
antecedentes — , mantida no mais a r. sentença que proferiu
o distinto e culto Magistrado Dr. Marcos Antonio Corrêa da
Silva.
52

7. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso para


substituir a pena do réu por 13 dias-multa, no valor mínimo
legal, mantida no mais a r. sentença de Primeiro Grau.

São Paulo, 4 de abril de 2003


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

5
TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.274.365/3


Comarca: São José do Rio Preto
Apelantes: RCS e JES
Apelado: Ministério Público

Voto nº 3300
Relator

– Incorre na sanção do art. 129 do Cód.


Penal o sujeito que, sem razão de direito,
desfere socos e pontapés em desafeto,
nele provocando lesões corporais.
– O argumento de que a ameaça proferida
em estado de cólera não caracteriza
o crime do art. 147 do Cód. Penal
deve receber-se “cum grano salis”, que
admiti-lo equivaleria a abolir a figura
delituosa, pois difícil coisa é alguém
ameaçar, estando-lhe o ânimo plácido
e despreocupado.
54

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito da


3a. Vara Criminal da Comarca de São José do Rio Preto,
condenando-os, por infração dos arts. 129 e 147 do Código
Penal, às penas de 3 meses e 15 dias de detenção, substituída
a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos
(prestação de serviços à comunidade), interpuseram recurso
para este Egrégio Tribunal, com o escopo de reformá-la, RCS
e JES.
Nas razões de recurso, que lhes apresentou dedicado e
culto patrono, afirmam que a prova dos autos não se
mostrava idônea para embasar decreto condenatório.
Acrescentam que, se praticaram desforço físico, foi para
defender-se de injusta agressão.
À derradeira, pelo que respeita ao crime de ameaça,
argumentam não se tipificara, porque praticado em estado de
cólera súbita e momentânea.
Aguardam, destarte, absolvição, como ato de justiça (fls.
98/101).
A douta Promotoria de Justiça repeliu a pretensão da
nobre Defesa e propugnou a confirmação da r. sentença de
Primeiro Grau (fls. 103/104).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em detido e
criterioso parecer do Dr. Plínio Antonio de Britto Gentil,
opina pelo improvimento da apelação (fls. 109/111).
É o relatório.
55

2. Foram os réus chamados a prestar contas à Justiça


Criminal porque, segundo a denúncia (fls. 62/63), no dia 7 de
janeiro de 2000, pelas 11h45, na Rua Fritz Jacobs (Jardim Alto
Rio Preto), na cidade de São José do Rio Preto, perpetraram
os crimes de ameaça e lesões corporais.
Reza a peça acusatória que, certa feita, RCS tivera
desentendimento com Julian Clener Vendramel e, na data dos
fatos, de posse de uma faca, ameaçou causar-lhe mal injusto e
grave, prometendo-lhe morte; Julian, armado de um pedaço
de pau fez que Rodrigo mudasse de ideia e rompesse em fuga.
Terceira pessoa não-identificada, porém, arremeteu a
bicicleta que o conduzia em direção de Rodrigo, dando com
ele em terra.
Comunicado o fato à Polícia, esta entrou a diligenciar e
logrou bom êxito, localizando Rodrigo e seu pai JES, os quais
foram encaminhados até à residência de Eduardo Henrique
Lopes, onde estava Julian.
Neste comenos, Rodrigo desferiu um pontapé em
Julian, o que fez também seu pai JES, que o golpeou com um
pedaço de madeira, provocando-lhe os ferimentos descritos
no laudo de exame de corpo de delito.
Instaurada a persecução criminal, transcorreu o
processo na forma da lei; ao cabo, a r. sentença de fls. 88/92,
acolhendo o requistório do Ministério Público, lavrou a
condenação dos réus, que, insatisfeitos, apelam para esta
Corte de Justiça, em busca de absolvição.
56

3. Conquanto digno de encômios o esforço de seu nobre


patrono, a pretensão dos réus não se mostra atendível,
porque em desacordo com o conjunto probatório.
Na real verdade, embora negassem os réus, em Juízo, a
imputação (fls. 77/80), a mais prova dos autos revelou que,
deveras, praticaram os crimes que lhes imputou a denúncia.
Inquirida na fase extrajudicial, a vítima Julian descreveu,
por miúdo, as agressões que sofreu dos réus, além da grave
ameaça que lhe fez o corréu Rodrigo.
Suas palavras, não há para que se negue, sobrepõem-se
às dos acusados, ou por mais verossímeis, ou porque tiveram
por si o apoio do laudo de exame de corpo de delito de fl. 11.
Além de que, o policial militar Anésio, ouvido na
instrução criminal, asseverou ter visto o corréu José agredir a
vítima com um pedaço de madeira (fl. 74).
O policial militar Sandro Bosquetti, depondo em Juízo,
afiançou ter visto o corréu José ameaçar uma senhora e dois
rapazes (fl. 73).
Também a testemunha Eduardo Henrique Lopes
declarou que Rodrigo a ameaçara de morte (fl. 71).
O conjunto probatório, portanto, não deixa dúvida
acerca da ocorrência dos delitos de lesão corporal e de
ameaça.
Pessoa idônea, a vítima não incriminaria gratuitamente
os réus.
Ao demais, seus delitos tiveram apoio em prova oral
convincente.
57

Aquele que, sem justo motivo, ofende a integridade


alheia incorre na censura da lei:
“Tendo o réu praticado o fato típico, ofendendo a integridade física
da vítima, ato contrário ao direito, cuja antijuridicidade a
situação fática não excluiu, querendo o resultado ou assumindo o
risco de produzi-lo, é passível de sanção penal” (Rev. Tribs., vol.
497, p. 400).
O argumento da nobre Defesa, segundo o qual não se
caracteriza a grave ameaça quando proferida em estado de
cólera súbita e momentânea, “data venia”, não procede.
A aceitar semelhante raciocínio, estaria abolida, “ipso
facto”, a figura da ameaça, pela simples razão de que difícil
coisa é possa alguém ameaçar com o ânimo plácido e
despreocupado.
Esta inteligência mereceu o sufrágio de decisões
inúmeras de nossos Tribunais:
“A assertiva de que o crime de ameaça é incompatível com a ira e o
dolo de ímpeto deve ser recebida com prudência, pois colide com
o sistema legal vigente, que não reconhece à emoção e à paixão
a virtude de excluírem a responsabilidade penal” (Rev. Tribs.,
vol. 607, p. 313; rel. Dante Busana).
A condenação dos réus era, portanto, não só a
consequência lógica do exame atento do processo, que
também inspiração de justiça.
As penas foram fixadas, moderadamente, segundo os
limites legais, com substituição da pena corporal por
restritiva de direitos.
58

Confirmo, pois, por seus excelentes fundamentos, a r.


sentença de Primeira Instância que proferiu o distinto e culto
Juiz Dr. Osni Assis Pereira.

4. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 19 de setembro de 2001


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

6
TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.291.751/5


Comarca: Ribeirão Preto
Apelante: AM
Apelado: Ministério Público

Voto nº 3569
Relator

– É passível do rigor da lei o agente que,


após separar-se da mulher, entra a
ameaçá-la de morte, por telefone e
pessoalmente, caso não desista das ações
judiciais que lhe intentara.
– A ameaça, crime formal, consuma-se
com o prenúncio do mal injusto e grave
a alguém, capaz de causar-lhe fundado
temor (art. 147 do Cód. Penal).
60

– Nos crimes de ameaça, pelo geral


cometido ocultamente e sem
testemunhas, tem a palavra da vítima
valor extraordinário, que se não deve
subestimar nem desmerecer, salvo
hipótese de má-fé, que não se presume,
antes requer prova plena e cabal.

1. Inconformado com a r. sentença que proferiu o MM.


Juízo de Direito da 4a. Vara Criminal da Comarca de Ribeirão
Preto, condenando-o ao pagamento de 20 dias-multa, por
infração do art. 147, “caput”, do Código Penal, interpôs recurso
para este Egrégio Tribunal, com o propósito de reformá-la,
Antônio Moura.
Nas razões de recurso, que lhe apresentou esforçado
e culto patrono, afirma que o conjunto probatório, em
extremo frágil, não prestigiara os termos da denúncia.
Acrescenta não ser verdadeira a alegação de que
ameaçara a vítima.
Pelo que respeita à acusação de que efetuara disparos de
arma de fogo, tem-na por incomprovada à conta da falta de
exame de corpo de delito.
Destarte, invocando em prol de suas alegações o
magistério da Doutrina e da Jurisprudência, espera que a
colenda Câmara o absolva (fls. 450/457).
A douta Promotoria de Justiça apresentou
contrarrazões de recurso, nas quais repeliu os argumentos da
nobre Defesa e propugnou a manutenção da r. sentença
de Primeiro Grau (fls. 459/461).
61

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


meticuloso, sereno e abalizado parecer do Dr. José Eduardo
Diniz Rosa, opina pelo improvimento da apelação (fls.
472/477).
É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público submeteu a processo o


apelante porque, no período de setembro de 1998 a março de
1999, na Rua Olinda e em outros locais, na cidade de Ribeirão
Preto, ameaçara Sirlene de Paula Nicolino, com palavras e
gestos, de causar-lhe mal injusto e grave.
Reza a denúncia que a vítima foi casada com o apelante,
o qual, após a separação, passou a ameaçá-la constantemente.
Deveras, telefonava-lhe para a residência e dizia que
a haveria de matar; ajuntava do mesmo passo que a vítima
não obteria bom êxito nas ações judiciais que lhe estava
promovendo, pois a morte lhe haveria de primeiro pôr termo
aos dias.
Consta ainda que, pelo mês de dezembro de 1998, pela
manhã, o apelante ameaçou de morte a vítima, caso deixasse
o filho do casal, de nome Israel, brincar com outro filho, de
nome Cristiano, havido de seu primeiro casamento.
Certa noite, dois disparos de arma de fogo foram
efetuados contra a porta da residência da vítima.
Instaurada a persecução criminal, transcorreu o
processo na conformidade dos ditames da lei; ao cabo, a r.
sentença de fls. 435/441 acolheu os termos da denúncia e
condenou o apelante; este, insatisfeito e jurando inocência,
62

comparece perante a Segunda Instância, à espera de


absolvição.

3. Muito empenhado que tenha sido seu patrono, nem por


isso é de atender ao clamor do apelante, pois ninguém pode
negar o que a evidência mostra.
De feito, aquele que perlustrar, com suficiente
consideração, os autos do processo virá ao conhecimento de
que o apelante violou, em seu espírito e forma, o art. 147 do
Código Penal.
Ainda que, em seu interrogatório judicial (fls. 100/105),
pusesse timbre em negar a imputação, os mais elementos
probatórios incriminaram-no sem falta.
Deveras, inquirida na quadra da instrução criminal,
declarou a vítima, com acentos de mágoa e temor, que o
apelante a vinha ameaçando de morte, em ordem a que
desistisse das ações judiciais que lhe encetara.
Acrescentou que eram freqüentes os atritos com o
apelante, por seu gênio violento e irascível: até disparos de
arma de fogo efetuara contra sua residência (fls. 180/182).
Também o filho do recorrente, Israel Nicolino Moura,
foi ouvido com o caráter de informante. Em depoimento que
ressuma indignação e fundado receio de que lhe suceda
algum mal, confirmou as ameaças do pai à mãe (fls. 183/185).
A testemunha Erotides de Paula Nicolino, mãe da
vítima, essa depôs que, realmente, muitas vezes o apelante
ameaçara sua filha. Esclareceu que o fazia munido de arma de
fogo (fl. 154).
63

O acervo probatório, portanto, acredita a veracidade


dos termos da proposta acusatória.
As fotografias de fls. 75/78, que ilustram a instância,
revelam ter a vítima recebido vários telefonemas durante a
madrugada, que atribuiu ao apelante.
Esta alegação — que se presume verdadeira, visto a não
refutou a Defesa — inculca “a perseguição do acusado contra a
vítima” (fl. 439).

4. Os atos de que foi increpado o apelante, portanto, não


há negá-los sem imprudência.
O engenhoso argumento da Defesa de que, sem o
respectivo exame de corpo de delito, não era lícito admitir
fato que deixou vestígios — disparos de arma de fogo —, não
merece o relevo que lhe emprestou.
A razão é que, em vista da exuberância da prova de que
o apelante usava trazer arma consigo (fls. 154, 180 e 184), era
despiciendo provar a autoria dos disparos. Além de que, a
ameaça de morte foi atestada não só pela vítima, senão
também pelo próprio filho do apelante (fl. 184). Por fim, não
consta dos autos que outras pessoas — exceto o apelante —
quisessem causar mal à vítima.

5. Ao demais, como o ponderou o douto parecer da


Procuradoria-Geral de Justiça, passa por irrelevante a
circunstância de “a decisão estar alicerçada, principalmente, nas
palavras da vítima. Em tema de ameaça, cometida geralmente longe da
vista de outras pessoas, não invalida os elementos de convicção
64

coligidos. A palavra da ofendida é meio de prova e, não existindo nada


que comprove a suspeição de suas declarações, essas merecem crédito”
(fl. 474).
A lição de Tourinho Filho, transcrita no referido
parecer, vem aqui a ponto:
“Em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do
crime. Assim, naqueles delitos clandestinos — qui clam comitti
solent (que se cometem longe dos olhares de testemunhas) —, a
palavra da vítima é de valor extraordinário” (Processo Penal,
p. 296).
Pelo que respeita ao delito de ameaça, notáveis são estas
palavras de Nélson Hungria:
“(…) a ameaça é um crime formal, isto é, consuma-se ainda
quando, in concreto, não se verifique o resultado (intimidação)
visado pelo agente, desde que a ameaça, considerada em si
mesma, seja idônea para atemorizar um homem comum”
(Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VI, p. 184).
Doutrina é esta que, sem discrepância, professam
nossos Tribunais:

a) “A ameaça é delito formal. Para a sua consumação, basta que seja


séria, injusta e idônea para intimidar, e feita com o propósito
deliberado de atemorizar” (Rev. Forense, vol. 133, p. 564);

b) “Para a configuração do crime de ameaça não importa que o


agente tenha ou não o propósito de torná-la efetiva; basta que
aquela seja idônea para causar temor” (Rev. Forense, vol. 138,
p. 262).
65

As razões do apelo, ainda que articuladas com


proficiência pela Defesa, não abateram os fundamentos do
edito condenatório. que resolveu com acerto o litígio.
A pena, fixada com benigno critério, reconhecido o
crime único (e não três, em concurso material), não sofre
alteração.
Merece confirmada, assim, por seus próprios e jurídicos
fundamentos, a sentença que proferiu o mui distinto e culto
Juiz Dr. Lúcio Alberto Eneas da Silva Ferreira.

6. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 1º de fevereiro de 2002


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

7
TRIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.297.339/7


Comarca: São José do Rio Pardo
Apelante: Ministério Público
Apelado: MSS

Voto nº 3589
Relator

– Não comete o crime de ameaça o sujeito


que, após demasias alcoólicas, entra a
proferir contra terceiro expressões que,
embora de cunho funesto, não são
tomadas ao sério, servindo antes de
ocasião de riso e talvez comiseração (art.
174 do Cód. Penal).
– Incensurável é a decisão que, em face
da dúvida quanto ao dolo do agente,
decreta-lhe a absolvição com base no
art. 386, nº VI, do Cód. Proc. Penal.
67

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito da


Vara Distrital de São Sebastião da Grama (Comarca de São
José do Rio Pardo), absolvendo MSS da imputação de infrator
do art. 147 do Código Penal (ameaça), interpôs recurso para
este Egrégio Tribunal, com o escopo de reformá-la, o ilustre
representante do Ministério Público.
Afirma, nas razões de apelação, que a r. sentença não se
houvera com inteiro acerto, porque, sem embargo de ter
reconhecido a materialidade e a autoria do fato criminoso,
absolveu o acusado.
Acrescenta que, no caso, conspiravam os elementos
configuradores da ameaça; pelo que, ainda que se admita o
houvesse praticado sob a influência do álcool, era força dá-lo
culpado.
Pleiteia, destarte, o provimento do apelo para seja o réu
condenado nos termos da denúncia (fls. 55/58).
Apresentou a nobre Defesa contrarrazões de recurso,
nas quais repeliu a pretensão da douta Promotoria de Justiça
e encareceu a manutenção da r. sentença de Primeiro Grau
(fls. 70/71).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em firme,
criterioso e pontual parecer do Dr. Carlos Henrique Maciel,
opina pelo improvimento da apelação (fls. 73/74).
É o relatório.
68

2. Reza a denúncia que, no dia 19 de abril de 2001, cerca de


13h, na Praça São Sebastião, na cidade de São Sebastião da
Grama, o apelado MSS, de apelido Black Night, que se achava
na companhia de Paulo Renato Rosa, ameaçou a vítima, por
palavras e gestos, de causar-lhe mal injusto e grave.
Foi o caso que, após altercação entre vítima e réu, este
lhe proferira as seguintes palavras: “você está morto!”; ao
mesmo tempo, fez-lhe sinal com a mão como se estivesse
a dar ao gatilho de arma de fogo.
Ao corréu Paulo Renato concedeu o MM. Juízo o
benefício do art. 76 da Lei nº 9.099/95, aplicando-lhe a pena
de prestação de serviços à comunidade (fl. 22); quanto ao
apelado, porque respondia a processo por crime doloso,
deixou o Ministério Público de fazer-lhe proposta de
transação penal, de tal sorte que o feito entrara em sua
regular tramitação; ao cabo, a r. sentença de fls. 48/50
decretou a absolvição do réu, por falta de prova do elemento
subjetivo do tipo.

3. Nada obstante o louvável empenho do mui digno


subscritor das razões de fls. 55/58, não procede, “data venia”,
o inconformismo da combativa Promotoria de Justiça.
Que o réu assacara algumas expressões contra a vítima,
lá isso é verdade; não caracterizaram, porém, o delito de
ameaça.
Com efeito, a admitir-se tenha dito “você está morto!” ao
ofendido, este o não tomara a sério.
69

A razão é que, havendo libado excessivamente ao deus


Baco, as ameaças do réu pareceram antes expansões bravias
de beberrão.
Aliás — circunstância muito de notar —, inquirida
na instrução criminal (fl. 35), declarou a vítima que não se
sentira ameaçada.
Ajuntou mais que, por sua vontade, o feito já não corria.
A questão da “ameaça produzida por quem está embriagado”,
ensinam abalizados autores, deve-se resolver com assaz de
cautela, “pode ou não excluir o delito, dependendo da seriedade
empregada pelo agente e captada pela vítima” (Guilherme Nucci,
Código Penal Comentado, 2000, p. 391).
No particular, é superior a toda a dúvida que o réu não
infundira no ânimo da vítima a idéia de que lhe infligiria mal
futuro injusto e grave; pois que de suas vociferações a vítima
não fez caso nem cabedal.
Donde a escorreita dedução da r. sentença: “a atitude da
vítima e seu depoimento revelam que o acusado não atingiu o tipo
penal já que suas palavras não foram levadas em consideração pela
vítima”, que o houve por incapaz de causar-lhe mal injusto e
grave (fl. 52).
Esta é a orientação que adotam nossos Tribunais:
“Não se configura o dolo de ameaça, se quem profere as palavras
ameaçadoras estiver embriagado. Para que o delito de ameaça se
configure, há que ser proferida em tom calmo e refletido, de modo
a causar temor na pretensa vítima” (RJTACrSP, vol. 97, p. 92;
rel. Bonaventura Guglielmi).
70

O desfecho absolutório da causa, portanto, guardou


estrita conformidade com o teor da prova e o magistério da
Jurisprudência; ao demais, serve de pedra de toque dos
singulares dotes de espírito de seu prolator, o distinto e culto
Magistrado Dr. Fábio Marques Dias.

4. Pelo exposto, nego provimento à apelação.

São Paulo, 11 de fevereiro de 2002


Carlos Biasotti
Relator
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurispudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência).
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurispudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palava da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura;
64. Código de Defesa do Consumidor (Casos Especiais em Matéria
Criminal);
65. Crime de Dano (Doutrina e Jurisprudência);
66. Nulidade Processual (Doutrina e Jurisprudência);
67. Da Coação no Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
68. Violação de Domicílio (Doutrina e Jurisprudência);
69. Indenização (Doutrina e Jurisprudência);
70. Desistência Voluntária (Doutrina e Jurisprudência);
71. A Embriaguez e o Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
72. Embargos de Declaração (Doutrina e Jurisprudência);
73. A Estrada Real do Direito;
74. Coautoria (Doutrina e Jurisprudência);
75. Medida de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
76. Centenário da Morte do Maior dos Brasileiros: Rui Barbosa;
77. Ministro Sydney Sanches (Honra e Glória do Supremo Tribunal
Federal).
www.scribd.com/Biasotti
Da Ameaça (Doutrina e Jurisprudência) Carlos Biasotti

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