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; mY CRIANC a bai A ms CO Lele A CRIANGA AOS 9 ANOS A queda do paraiso Idade de introspeccao e de mudancas internas profundas e decisivas Direitos desta edigdo reservados d Editora Antropos6fica L Rua da Fraternidade, 180 - 04738-020 - Sao Paulo Sp” www .antroposofica.com.br | editora@antroposofica.com.br Este livro tradugio da edicio inglesa, publicada e 7 the Self”, que foi traduzida da segunda edi¢go do eat ee Lebensjahr’”, publicada em 1985, pela Philosophisch-Anthroposophischer ve a do Goetheanum, em Dornack, Suica, Para a sua atualizagdo, foram feiten oe tima edicio alem desta mesma obra, publicada em 1997. Por soln do autor, foram acrescentados os capitulos: “Queridos Pais”, da edicio onal mio, ¢“Uma Reunigo de Pais na Oficina”, e excluidos o capitulo da edigdo inglesa, ¢ 0 anexo “O Vigoroso Raio de Sol”, “Quetidos Pais”, ‘Tradugao da edi lesa: Celia T. Bottura ‘Tradugao do alemao: Ute Craemer, Paula Bennink e Reinaldo Nascimento, Cotejo: Dr-Sérgio Spalter. Revisdo: Ute Craemer, Paula Bennink e Celia T, Bottura Projeto grafico e capa: Gabriela Sofia Antonio Fotografia da capa: Ricardo Teles ISBN 978-85-7122-221-2 2014 Reimpressio - 2016 Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Br: Koepke, Hermann ‘A crianga aos 9 anos: a queda do paraiso/ Hermann Koepke; {tradueio da edicio inglesa Celia T. Bottura; tradugao do alemio Ute Craemer, Paula Bennink e Reinaldo Nasciment ‘Sao Paulo: Antroposéfica, 2014 ‘Titulo original: Das neunte Lebensjahr: seine Bedeutung in der Entwicklung des Kindes. ISBN 978-85-7122-221-2 1Antroposofia 2. Crianga - Criagio g, Crianga ~ Desenvolvimento 4. Método Waldorf de Edueagao I. Titulo, 3713 eon cDD-371.39) indices para catilogo sistematico: 1 Pedagogia Waldorf: Educagio 971.39 ACRIANCA AOS 9 ANOS A queda do paraiso \dade de introspeccao e de mudancas internas profundas e decisivas HERMANN KOEPKE 2 ANTROPOSOFICA Prefacio para a edi¢ao em portugues, 13 Preficio para a edigao inglesa, 15 Agradecimentos, |7 Prefacio original, 19 Introducao, 21 parte 1 A CRIANGA AOS 9 ANOS, 23 Uma conversa com os pais de Pedro, 25 Visita do professor a casa do menino ~ Cooperacio professor © pal ~ Contos, histérias sobre o mundo real, € religiio — José e Robinson Crusog — Conexio das aulas com a vida didria - De onde vem a eletricidade? — Retorno a natureza ~ Influéncias nocivas da técnica no nono ano de vida — Como a conversa pedagégica ajuda na educacio. Uma conversa com os pais de Ménica, 39 Visita do professor a casa da menina —Comportamento e expressio da transicdo de vida —Vislumbre da morte e da mortalidade ~ Sacrificio de Isaac — Sara e o demanio - Ligacdes de “sangue” € amor Percepcao da individualidade. sstranho como, a0 préximo com liberdade ~ Queridos pais, 5! ‘A passagem dos nove anos ~ Percepsio do temp: dos adultos A visio horizontal do mundo — Limites do presence = 10 diferente das criangas Escuridio do futuro ~ Escuridio do passado —Abertura gracas a vis, vertical do mundo — A “queda do parais i entre o nono eo décimo ano de vida ~Trés exemplos de aula: vivificagéo do passado, ampliags .ampliagio da presenga do espirito, conexio com 0 futuro através da vonaq le — Como a autoridade atua na crianga — Um possivel mal entendide Porque o nono ano de vida é uma virada essencial. Uma reunido de pais na oficina, 67 Aprofundamento através do tocar na argila ~ Duas esferas opostas 0 entorno se torna uma esfera ora convexa, ora céncava, permitindo ur im exercicio de equilibrio . Do informativo escolar, 79 ‘Abertura da percepcio sensorial e reforgo da capacidade de representagio — José e seus irmios — O interior se exterioriza - 0 exterior surge no interior. Os nove anos na biografia, 83 Heinrich Schliemann, o pesquisador — Hans Carossa, 0 poeta e médico — Oskar Kokoschka, 0 pintor — Bruno Walter, o dirigente ~ Dante Alighieri, o poeta — Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia ~ Heinz Miller, 0 pedagogo. parte 2 ENTENDENDO O SER HUMANO BASEADO NAS EXPERIENCIAS DO 9° ANO, 99 © segundo seténio, 101 Trimembracao do segundo seténio — Maturagao terrestre dos dentes © da respiracdo — Atuacio de cima e de baixo — Passagem de dust correntes opostas Uma Comparacao entre a ci anos, 105 sa de sete e a de doze Os membros, 105 Comprimento dos membros em relagio a idade — Simpatia e antipatia — Conscientizagio e estruturacio A cabega, 107 Cabega grande e cabeca pequena — Espirito da cabega: adormecido ou desperto — Imaginagéo e representagio. © tronco, 110 ‘Altura quando esta sentado ou em pé — Respiracio dominante nos pequenos, valores do pulso nos grandes. Sumario, 114 Comparagio entre alunos do terceiro do sexto ano. Aci nga na transicao dos 9 anos, |15 A mudanga na propria casa, 115 Virada no Ambito da cabeca e dos membros — Mudanca no sistema co — Atuacio das forgas de cimae de baixo - Curva do pulso ascendente e curva respirateria descendente ~ Esquema da mudanga —A passagem do nono ano — Libertagdo do pensar, sentir € querer através do Eu ~ Olhar complementar da visio do mundo @ do ser humano — Unilateralidades no educador e seu espelhamento no educando — Repercussdes na vida adulea. Como o curriculo ajuda, 122 Construgio da casa —Vida rural ~ Ensino de linguas ~ Misica Distarbios no pensar, sentir e querer, 126 Pressio na cabeca, dor de barriga, batimentos do corasao © difculdades respiratérias - Envenenamento dos trés sistemas atrivss da intelectualizacio - Comparagio com o conto ‘Branca de Neve A encarnagao do Eu, 129 ‘Ajuda de trés impulsos:A origem ivina, 0 vivo no morto, a arte. Pontos de vista do médico da escola: Dr. Walter Holtzapfel M.D, 133 Mudanga de processos vitais no nono ano ~ A doenga escolar ou .sindrome periddica” — Doengas mais graves — Origem e tratamento das doencas escolares. PARTE 3 APENDICES, 137 ___ PARTE eee Os meio-nés lunares, 139 Reverso no nono ano de vida como espelhamento do trajeto lunar. © reverso na troca dos dentes, |4! Olhar comparativo da formacao dos dentes e o desenho de forma. Desenhos de forma indicados por Rudolf Steiner para os eiros anos escolares, 145 ografia, 15! PREFACIO PARA A EDICAO EM PORTUGUES Finalmente chega ao Brasil um livro que preenche uma la- cuna na compreensio da crianca e de seu desenvolvimento, cujo foco é 0 periodo entre os nove e os dez anos de idade. Neste pe- riodo, a crianga passa por um estagio de introspeccdo e de trans- formagoes fundamentais, tanto fisicas como emocionais, que po- derao, inclusive, definir sua vida futura. Este importante estagio na vida da crianga foi até hoje desconsiderado por grande parte dos estudiosos do desenvolvimento humano, como se, entre o fi- nal da primeira infancia e 0 inicio da adolescéncia, houvesse um periodo de menor importancia no desenvolvimento da persona- lidade humana. Publicada pela primeira vez em 1983, na Alemanha, e, posteriormente, traduzida para o inglés e para mais de vinte idio- mas, esta obra de Hermann Koepke tem sido objeto de estudos e debates entre especialistas, pais, professores e pessoas interessa- das no tema, principalmente ligadas a antroposofia e as escolas orientadas pela Pedagogia Waldorf, em diferentes paises. Agora, pela dedicagao especial do grupo de publicagdes da Associagao Comunitaria Monte Azul, chega as nossas maos, levando este co- nhecimento para além da comunidade antroposéfica. © autor, na sua experiéneia de professor por quinze anos, péde observar e descrever, minuciosamente, 0 comporta- mento de seus alunos e as transformagoes pelas quais passavam. A riqueza de tais observacées, e dos relatos aqui apresentados, mostram a importancia deste momento na vida da crianga. Esta obra traz, também, informagées importantes para as relagées pais-fils e professor-aluno, e estimula a aproximagéio de pais com professores, beneficiando sobremaneira a crianga, sua autoestima, sua satide e 0 seu aprendizado. Conhecer pro- fundamente as caracteristicas da crianga nesta idade abre o leque de oportunidades para as melhores intervengées, considerando que pequenas diferencas na abordagem aos comportamentos e sentimentos da crianca podem gerar mudaneas significativas em sua historia. O presente trabalho encontra ressonancia na obra da clini- ca Tavistock, de Londres, que tem se dedicado a observar as sutis diferencas nas caracteristicas das criangas a cada ano de vida. Poderao existir discordancias entre os especialistas com relagaio 4s observagSes aqui apresentadas; isto no as invalida, na medi- da.em que o autor nao impée suas ideias, ao contrério, apresenta © resultado de suas observagées, abrindo a possibilidade do de- bate, em que o bem estar do ser humano e a promogdo de sua satide so os objetivos maiores. Wimer Bottura Junior Sao Paulo, 27 de janeiro de 2012 PREFACIO PARA A EDIGAO INGLESA Setembro de 1988 Desde a primeira aparigio de “Das Neunte Lebensjahr”, de Hermann Koepke, na Alemanha, em 1983, muitos professores do mundo da lingua inglesa perceberam, com certa esperanca, que este provavelmente poderia dar novos insights para seus tra- balhos com criangas com a idade entre nove e dez anos. O curri- culo desenvolvido por Rudolf Steiner para cada nivel nas escolas Waldorf esta intimamente relacionado com as idades das crian- Como nas esco- las, tanto as piblicas como as privadas, as criancas. geralmente ‘iam seus estudos quando tém seis ou mesmo cinco anos, sur- gem discrepancias, olhando-se para a idade cronol6gi eocurriculo, “A Crianga aos nove anos” nao somente exploraeste perio- do importante no desenvolvimento das criangas em geral, como também contém indicagdes especificas que vao ajudar professo- res e pais a reconhecer as transformagées que ocorrem durante esta fase de desenvolvimento, sem considerar a série da crianca na escola. Os professores serao certamente ajudados na prepara- a0 dos estudos e das atividades com as criangas, de modo que estas discrepdincias possam ser minimizadas. Agradecemos especialmente a Jesse Darel, professora Waldorf na Inglaterra hé muitos anos, pela tradugio deste tra- balho, que se mantém fiel ao Alemao em sentido, e que pode ser lido como se o original fosse em inglés. Esta tradugao liicida e es- tilisticamente bela servira para tornar “A crianga aos nove anos” acessivel a pais e educadores no mundo que fala a lingua inglesa. AGRADECIMENTOS BEE EERE EELS CREE eee Eran ee Gostaria de agradecer a todos que atrairam a atengio de tantos pais para este pequeno livro, do qual se tomou necessétia uma nova edicao depois de um curto espaco de tempo. Com isto, eles ajudaram um grande nimero de criangas nesta fase critica da vida. Na segunda edico, o capitulo “Queridos pais” foi revisto e aumentado. Agradeco ao Dr. Walter Holtzapfel pela sua cooperagao pelo capitulo: “Pontos de vista do doutor da escola”. Ele nos dé indicagdes importantes e estimulantes provindas de sua grande experiéncia, que vao de encontro aos desejos de muitos pais. Pascoa de 1985 Hermann Koepke PREFACIO ORIGINAL ene iit Na vida de todos nés existe um importante “ponto de mu- tacdo” (turning point) entre as idades de nove e dez anos. Mais acentuado em alguns e menos acentuado em outros, Neste perio- do, acontece alguma coisa que funciona como um fator determi nante no destino futuro daquele ser humano. Ainda que Rudolf Steiner sempre tenha dado atengao a este fato em seus escritos fundamentais da Educagao Waldorf, nada mais foi publicado que trate mais profundamente este assunto. Hermann Koepke descobriu que, nesta fase da infancia, acontece uma reversao no ser humano trimembrado, uma rever- sao através da qual o Eu passa a tomar conta da organizacao do corpo fisico. Este livro resultou da experiéncia do autor, atuante como professor durante quinze anos, e também de imimeros semind- rios e cursos na Pedagogia Waldorf. Agora, temos a alegria de coloca-lo nas mios do maior niamero possivel de pais. Ele comeca com uma conversa entre pais e professor. 0 autor mostra, por meio de exemplos, como podemos ajudar uma crianga a atravessar esta fase tao especial. Neste ponto critico de mutagdo na vida da crianga, ela poder ter no Eu uma base que apoiard seu desenvolvimento futuro, em direcao a liberdade. Jorgen Smit 19 INTRODUCGAO Eu havia acabado de pendurar na parede as aquarelas fei- tas pelas criangas do meu 1° ano, quando Gerda Langen, uma das nossas colegas mais antigas, entrou na sala. Ela ficou olhando para as pinturas com evidente encantamento. Entio, virou-se para mim e diss ‘Vocé nao precisa se preocupar quando seus alunos perderem este rico potencial de fantasia, pois eles volta- rao, embora de forma diferente.” Esta afirmacio e outras que se seguiram ainda estdo vivas em minha memoria, embora nao me lembre exatamente palavra por palavra. Elas foram 0 primeiro estimulo que me levou a eserever este pequeno livro. Gerda, como pedagoga experiente, sabia como as forcas da tenra infancia, no final das contas, desaparecem. Enquanto observava estudantes em uma escola ptiblica, durante sua for- macao como professora, ela observou a diferenca entre as faces coradas e felizes das criancas menores, quando vinham para a escola, e a palidez, as olheiras, a aparéncia doentia das mais ve- Ihas. Isto a fez perceber que estas criangas tinham perdido suas melhores forcas depois que comecaram a estudar. Ela se ques- tionou se realmente iria em frente e se tornaria uma professora. Em seguida, contou: "Fui a uma palestra de Rudolf Steiner carre- Bando o fardo deste problema, e algo extraordindrio aconteceu: foi como se ele se desviasse do tema de sua palestra para dizer algo que tinha relagdo com o que me preocupava. Ele falou sobre um rio que serpenteia sem destino e some dentro do solo, para Teaparecer em outro ponto e continuar o seu curso. Comparou sete fenémeno da natureza com o desenvolvimento da alma no «or humano, Nestes existem forgas interiores que também de- saparecem, mas que podem retornar novamente de uma forma modificad A palestra trouxe um grande alivio para Gerda. Ela se- guiu as indicagdes de Steiner e verificou que, através da Pedago- gia Waldorf, as forcas da fantasia perdidas, de fato, retornam de outra maneira. “Em algum lugar, entre os nove e os dez anos” ela continuou, “a crianga passa por uma mudanga considerdvel. O PARTE | nono ano se situa entre a troca dos dentes e a puberdade. Estes dois estégios de desenvolvimento, que se manifestam no corpo, so bem conhecidos. Entretanto, no nono ano de vida, algo acon- tece, inicialmente no animico-espiritual. Rudolf Steiner sempre fala de uma “transigao na vida", aos nove anos, que acontece principalmente na alma e no espirito. £ o momento mais impor- tante da vida: algo desaparece e algo novo surge.” Esta professora, pela qual sinto uma profunda reveréncia da qual recebi estas importantes indicagdes, morreu aos 73 anos €m 1970. Sinto seu espfrito bondoso, como uma estrela guia so- ‘bre este trabalho, no qual espero que pais e professores possam encontrar muitas ideias que os ajudem. Dedico este livro, com muita gratido, a Gerda Langen, A crianga aos nove anos Dornach, Michael 1982 ' UMA CONVERSA COM OS PAIS DE PEDRO a Desde 0 io do terceiro ano, mais e mais pais vinham solicitando uma visita do professor de classe. Eles queriam saber o que estava ocorrendo com os seus filhos. (1) O professor estava acaminho da primeira destas visitas e, conforme caminhava, se Jembrava como Pedro o havia cumprimentado naquela manha. Era um garoto alto, com olhos azuis, cabelos fartos ¢ algumas sardas no nariz. Uma vez mais ele veio ao encontro do profes- sor com seu entusiasmo usual. O professor o observou entrar na sala de aula: em cada passo parecia “jogar” seus pés, como se 0S sapatos fossem muito pesados ou muito grandes para ele, 0 que, entretanto, nao era 0 caso. Amaneira de Pedro andar mostrava que ele tinha mui- ta dificuldade para se conectar com o chao. Seu cumprimento era, certamente, espontineo; recentemente tinha se acostumado a segurar a mao do professor com vigor e, a0 mesmo tempo, 0 observava. Apenas depois que este tivesse carinhosamente pego as suas maos por alguns momentos, é que Pedro conseguia olha- -lo nos olhos. Depois saia correndo para junto de seus amigos para bater um papo animado e barulhento, em alta e viva voz. Como todas as criangas, esses seus amigos, sem piedade, perce- beram suas fraquezas e Ihe deram o apelido de “Cara Pintada” porque, ocasionalmente, ele tinha rubores incontrolaveis. A isto, acrescentaram “Sabe Tudo”, porque ele era dado a fazer, com fre- quéncia, criticas sonoras e petulantes, mesmo durante as aulas. Apesar disto, Pedro era um garoto correto e alegre. y E ol velho, e tinha dois irmaos e uma irma. No Bra 0 Fh asi permitido sentar ao lado de seu pro- fe eee imensamente honrado por esta Javra durante toda a refeicao. Jimparam a mesa. A um sinal jantar desta tarde, ’ fessor, a mesa redonda. El distingdo, mas nao disse uma pal nou, as eriangas ando esta terminou, ie +. disseram “Boa Noite” e desapareceram da sala, Logo, a io inde foi lavar a louga. O pai virou-se para 0 professor e pergun- tou: “Por que meu filho de repente se tornou tao critico Es “Tentarei explicar,” disse o professor. “O senso critico que ele apresenta tem a ver com sua idade. Isto acontece frequente- mente no inicio do nono ano. Até recentemente seu filho estava parado, quieto, em seu estgio imitativo anterior, simplesmente interagindo com o que estava acontecendo a seu redor. Nestas condigdes, estava ainda como que em um sonho, no qual, pode-se dizer, estava conectado com o seu ambiente. Entretanto, agora, aos nove anos, tudo muda para a crianga: aparece uma espécie de limiar em sua vida. Ela acorda e, pela primeira vez, vé o que est acontecendo a sua volta, muito mais conscientemente do que via antes. Ela realmente vive uma mudanga interna, experimenta seu proprio Eu muito mais profundamente do que antes e, como consequéncia, olha para o mundo com olhos novos e observado- tes. (2) Além disso, consegue acompanhar, mais claramente do que antes, o curso dos pensamentos por detras do que acontece a Sua volta. Percebe muitas coisas que antes nao percebia. Este despertar pode levar a um questionamento silen- me ou também a uma tendéncia a critica. A crianga, agora, também percebe mais conscientemente comportamentos irae como absurdos e estipidos. Que sua critica percaa obletiitiaaa’é b jetividade é outro assunto, Sua habilidade para perceber cone- que a tao, por exemplo, ela consideraré muito injusto quando seu pai usa, dentro de casa, seu sapato de andar 14 fora, enquanto fe mesma sempre precisa colocar seus chinelos.O pai poderta terse esquecido de tirar os sapatos lé fora, ou poderia também, precisar sair logo, e manteve seus sapatos nos pés porque néo estava cho- vendo e porque eles nao estavam sujos. Entretanto, coisa nao é levado em conta pela crianga, “Vocé est dizendo, enta este tipo de disse o pai ”que a inclinagao de nosso Pedro para criticar tem a ver simplesmente com a sua ida- de?” “Num sentido muito real, certamente, é isto. Nesta idade, a crianga comega a deixar de ver os adultos como pessoas infaliveis ousuperiores. Bem li no fundo, pergunta: como os adultos fazem para saber tudo? E, dentro desta interrogaco mais ou menos in- consciente, questiona se eles, de fato, sabem tudo, Os meninos expressam suas diividas ¢ criticas mais rapidamente do que as meninas, que so mais inclinadas a calar e a guardé-las para si, Nesse momento, o professor ficou em siléncio. Pergunta 4 Si mesmo se o impulso de Pedro para criticar, de fato, se deve apenas a sua idade. A transicdo do nono ano muitas vezes traz a tona algo que, na verdade, seria uma espécie de visio unilateral ou fraqueza existente no ambiente da crianga. Poderia ser este © caso? O professor notou durante a refei¢do que as palavras do Pai, sobre qualquer assunto, apesar de espontdneas e irrefletidas, cram tomadas como conclusivas. Sua atitude dava o tom para a famflia. Suas instrugdes eram executadas imediatamente pelas criangas. Era como se ele estivesse todo 0 tempo levantando um dedo invisivel, indicador da autoridade paterna. Além disso, 0 due ele indicava deste modo, referia-se sempre a algo externo. Qualquer opiniao parecia estar condenada ao siléncio jé de ini- cio, Isto era totalmente compreensivel dentro das circunstancias familiares, pois seis bocas famintas para alimentar, viver e admi nistrar a familia, eram objetivos a serem focados todos os dias. finica forma Nem o pai, nem a mae tinham tempo para ler, e sua th ir musi meio do radio. ara ouvir misica era por ‘Tudo isto, de repente, ficou claro para 0 professor, e ele se questionou se poderia falar sobre isto com o a . ate que uma crianca frequentemente é reflexo das circunstan ae 1S adultos que a cercam. O professor estava preocupado em bad fa- zer qualquer tipo de critica, mas a questo do autoconhecimento dos pais era importante na presente situagao. Os pais de Pedro jé haviam rejeitado criticas vindas do fi- Iho. Como eles poderiam reagir se alguém, fora da familia, ques- tionasse alguma de suas atitudes? O professor percebeu que dependia, fundamentalmente, da cooperagao do pai, mas, jus- tamente neste ponto, ele nao conseguia juntar a coragem ou as palavras que precisava. Ficou pensando em como se situava em relagio a seu autoconhecimento, e como ele préprio reagiria a este tipo de critica. Mas, poderia, em s consciéncia, ficar quieto? Ele ndo devia isto a crianga: ser franco e sincero? Os pais nao estariam esperando alguma resposta dele? Esta sua hesitagio, afinal, nao seria apenas covardia? Justamente quando ele se aprumou e estava para dizer alguma coisa, 0 pai se antecipou e disse com um sorriso: “Tal- vez meu filho tenha adquirido estas atitudes de mim. No meu servigo, tenho que supervisionar 0 que as outras pessoas estiio fazendo e, com certeza, aparecem ocasides nas quais tenho que criticar uma coisa ou outra, Isto pode ter deixado suas marcas nele. Vocé no acha?” tou para a mae. “Eu tentej exatamente fazer isto”, com énfase, “mas nao tive Sucesso, embora tenha Procurad loo melhor conto de fadas que Pudesse encontrar,” Pedro declarou imediatamente: “Eu nao quero conto de fadas, Pro, : » quero ouvir hist6- rias verdadeiras.” No préximo. dia, 4 mesa na hora da refeicao, ele declarou: “Esta mesa nao é feita de madeira, é apenas aparéncia,” Isto mostra que ele quer ter Contato apenas com coisas inteiras e reais. Ele nao quer mais saber de contos de fadas”, © professor se culpou por nao ter entrado em contato com a familia por tanto tempo. Ble os havia aconselhado a con- tar contos de fadas para o garoto hé mais de dois anos, Depois disso, muitas coisas mudaram em Pedro. “Contos de fadas nao So mais a coisa certa para ele.” disse o professor, confirmando a opiniao da mae. “Contos de fadas, nesta idade, podem atrasar seu desenvolvimento, Pois seu filho cruzou o limiar dos nove anos, Nos contos de fadas, as criangas pequenas vivem em unio pa- Tadisfaca com o mundo, no qual todas as coisas falam entre sie compreendem umas as outras. Entretanto, depois da transigio NO nono ano, a crianca nio sente mais o mundo a partir de seu interior, ela nao escuta mais os segredos cochichados entre as Coisas, ou como tudo revela algo interiormente. A crianca agora véo mundo a partir de fora, em todos os seus siléncios misterio- Sos. Questdes siio despertadas na crianga; ela quer conhecer 0 mundo real.” “Entdo, nao devemos mais contar historias para ele?” per- Buntou a mae, “Historias, muitas, mas no mais conts de fad © que interessa agora a seu filho sdo as conex6es entre coisas da Propria vida, como por exemplo, o que esté acontecendo em uma sol ou hist6rias sobre a interessé-lo, fazenda. Isto pode realmente in as estdio fazen- as pess0i vida na montanha ou na floresta, ou 0 que as pess¢ if locais de trabalho.” ; ‘ oo eae isto podera conduzi-lo ao mundo exter- “Mas, jl mas Ou- no,” objetou o pai, ane, até ene fees ai aoe i a. “Na tiltima vez a1 : ; Ca is te i Acho que voeé usou a expresso “o mundo interior da erianga. “Na verdade, a proposta dos contos de fada”, disse 0 pro- fessor, “é para preparar a crianga — como num onan antes de acordar - para o mundo. Contos de fada ajudam a crianga a ver 0 mundo por esta ética, a reconhecer o que nele é bom ou mau, atl ou errado. Entretanto, seu garoto agora esta em outro estagio. Por exemplo, agora, quando Pedro esta comendo um pedaco de pio, ele querera saber tudo sobre padaria, moinho, colheita, etc.” “O que se poderia fazer quando a crianga deixa de lado suas torradas ou mesmo joga pies fora?” acrescentou a mae rapi- damente. “Acho isto terrivel. O que vocé faria?” “Deixa-me contar: nés assamos pao com a crianca” res- pondeu o professor “ou talvez moamos alguns gros em um pe- queno moinho manual, ou entio, quando saimos juntos para uma caminhada, Passamos por uma plantac&o onde os graos esto amadurecendo, Nessas ocasides, pode-se conversar com a crianga e Ihe dizer que os pequenos Bros so como pequeninos Pies que 0 sol assou. Também que nés, ao fazer 0 pao, junta- mos os elementos da Agua, do ar e do fogo, e entio, realmente o que acontece fora, vento e do calor do sol. E enti repetimos na natureza, através da chuva, do 0, quando estamos fazendo pao, ‘trabalho uma qualidade special, um clima especial.” “Mas, quando a crianga na : ‘ca nao tem reverénej a Sepode fazer?” A mie falou o aa eae Pense em como produzimos 0 pio do grio, como 0 arto luz é uma forca que faz tudo i A forca que atua no pao é esta que os nutre, Ndo ha sentimentalismo nisto, Esta verdade « crianga sentird se, antes de comermos, falamos u crescer e se dirigir ao Criador, im verso como este para agradecer”: 0 pio vem do gro, O grao da luz. Aluz nasce Da face de Deus, Os frutos da Terra Do brilho de Deus, Que a luz possa nascer também, Dentro do meu coracio. “Uma vez que a criani fora um pio, ou, da refeigdo, vai ac fe.” 'ca sentiu isto, ela nunca mais jogara Se jogar ¢ nao tiver nada para comer na hora Teditar que isto foi uma consequéncia pelo que “Acredito’, disse a mie, depois de ponderar por um tem- Po, “que deixamos muitas dessas coisas de lado - que fizemos muito pouco neste sentido, nao levando a sério as recomenda- SS que voeé nos deu. Nés dois, como pais, Pouco em conta os sentiment cebe isto. temos levado muito itos de Pedro, e ele certamente per- Lembro-me que, aos nove anos, li, pela primeira vez, na minha aula de leitura, uma histéria intitulada Montanha”. 4 hist6ria falava das neblinas do out da neve que forcava o fazendeiro a ficar dentro de sua casa aque- cida. Falava do estébulo aconchegante e dos pastores esperan- do, atrés das pequenas vidracas, a chegada da primavera, Entao Velo o degelo, flores, 0 movi “A Fazenda na itono, do frio e © sol da primavera, o surgimento das primeiras mento do gado indo para os pastos na montanha, & depois, a subida dos funciondrios do fazendeiro para os altos o feno. Um dia, quando eu era ainda uma vveio A minha mente: 0 que faz 0 agricul- ‘ol. Quando 0 sol se pée no inverno, ele do o sol comega a subir alto no prados, para preparar crianga, uma pergunta tor? Ele sempre segue 0 a vai para dentro de casa, e quant e on também sobe para as alturas. Isto foi o que senti nesta como me tornei consciente disto, isto representou algo E entio, um dia, nosso professor me 0 que faz. o agricultor?” Lembro- palavras o que tinha sen- céu, época e, muito especial para mim. fez exatamente esta pergunta: “ -me bem que eu nao conseguia por em tido tao profundamente. Estou certa de que acontece da mesma maneira com o nosso filho. Muita coisa estd acontecendo dentro dele, mesmo quando fica calado, e nés entramos muito pouco no mérito da questo, deixando o dito pelo nao dito.” A énfase da mie nestas ultimas palavras ~ “o dito pelo nao dito”- fez 0 fato ressoar em seu interior. Ela se sentou silenciosamente, olhando fixamente para frente. Ento, o pai acrescentou: “quando eu tinha nove anos e estava na terceira série, nds lemos “Robinson Crusoé”. Isto foi realmente algo importante: logo estévamos fazendo cabanas nas 4rvores e arrumando-as. Entio mordvamos nelas, e, bem, nos tornévamos Robinson Crusoé”. Neste ponto, ficou claro para o professor porque Rudolf Steiner aconselhou contra o uso do livro de Daniel Defoe, Ro- binson Crusoé, para criancas. (3) Se a imagem da vida contida nesse livro fosse implantada na alma jovem, o instinto de auto- -preserva¢ao poderia tomar uma enorme importancia e qualquer oe Se presente no destino de todas ect nei! ats araaa Exatamente esta cone- vel, ser vivida aos nove anos, ee sree Relacionando-se ao tema, o professor diss ‘tenho certeza uM que justamente nesta idade as criancas estao ouvindo a historia de José, como ele foi vendido pelos seus irmios, e como, mais tarde, estava preparado Para ajudé-los. Ele era capaz de fazer isto porque Cae Lactate e tinha um carater altruista, mas tam- bém porque tinha a ajuda das forgas-guia de seu destino. O papel delas também se expressa em seus sonhos. Quando uma erianga acredita nesta histéria, aprofunda sua propria relagio com um poder maior do que nés. Ela cresce num contexto maior, além do ambiente imediato. Algo muito diferente 6 apresentado em Robinson Crusoé. A pergunta “qual é a melhor forma para eu me ajudar” percorre a narrativa inteira como um fio vermelho, presente em todos os lugares ~ tudo esté deserito de uma forma muito refinada emocionante e atraente. No entanto, o perigo que existe na narrativa 6 que ela é unilateral, Com certeza todas as pessoas precisam cuidar de si até certo ponto, mas elas nao exis- tiriam se nao ajudassem outras pessoas € se estas pessoas nao as ajudassem. Em Robinson Crusoé, isto nao é diferente. Onde ele conseguiu sua espingarda, sua pélvora, seu machado ea sua espada? Se nfo tivesse os objetos que o fabricante de armas, 0 ferreiro e 0 carpinteiro fizeram, nao Ihe seria possivel morar na sua ilha. A conexfo social, que é necessaria nas vidas de todas as pessoas, foi negligenciada por Defoe em sua historia. E perigoso se a crianga vive s6 desta forma, pois, nesta idade, ela quer estar ligada ao seu entorno, aos seus relacionamentos sociais, viven- cié-los, conhecé-los.* “Vocé se engana* protestou 0 pai, vés da construgdo da casa na arvore que nos torn ' de amigos jurados. Mais que isso, também aprendemos muito sobre o carpinteiro e outros artesios. A nossa vida de Robinson “foi precisamente atra- amos um circulo Nos aproximou de muitas outras pessoas”. 7 “Bisco mesmo,” disse a esposa apoiando seu mario “Voots fizeram exatamente 0 que precisavam e este fo}, mente, um tempo maravilhoso para vooes Mas existe outro as? 4h ‘obre ele é feito por ele. Ele anteci- joa a Cre mo sabemos, relacit pou o indiferente se a vida geralmente ca sos dias. Co! ,jfmade man de nos eee a de forma diferente. As coisas podem ‘conteceram no destino de José, e s6 no oo se ‘do muito profundo nelas. Talve2.seja isto cé tenha em mente”, a mae perguntou a0 geokemoe wa verdade é um romance,” admite 0 Pai, “mas, Prec a nesta idade - e para meninas, também to e pratico. Além de acontecer como a ve que existe um senti que vo dizer que, para meninos — 6 muito bom trabalhar em algo concre Pe tudo, mais tarde precisario viver no mundo real, ea sala de aula é apenas uma parte da vida. Sua educacao pode se tornar muito unilateral se ndo é visto o que a vida exige como um todo. 0 professor concordou imediatamente. Sabia muito bem o tamanho do perigo de se associar 0 processo de aprendizado somente ao campo do abstrato; da falta de referéncia e de cone- xo com a vida. O que ajudaria a desenvolver um belo equilfbrio interior seria fazer, junto com as criancas, atividades como: bater pregos, costurar, construir, lavrar a terra e fazer po. Pedro era um aluno um tanto desleixado, mas tinha pra- zer em dar uma mio em qualquer coisa pratica. Ele nao poderia amar mais 0 professor se eles trabalhassem juntos? E, também ~ isto ficaria a ser visto - seus trabalhos escritos nao teriam outra aparéneia? Neste ponto, a mie ofereceu ao professor mais uma xica- ta de cha, mas este nao aceitou, estava se sentindo incomodado consigo mesmo. Estava imaginando como poderia transformar as observagdes dos pais, que tinham mexido com ele, em acdes coneretas. “Sabe,” disse o pai, tranquilam “ is ___“Sabe, is lente, “as coisas praticas sao muito importantes na vida; i O professor ponderou por um momento. “Ele conhece o dinamo em uma bicicleta. Entao, se poderia dizer: olha, a roda da bicicleta também produz corrente elétrica. Vocé vai aprender, em alguns anos, em detalhes, como ela funciona. Uma pequena cor- rente é suficiente para uma bicicleta. Quando se precisa de uma corrente maior, usa-se uma roda grande ou uma turbina movida pela forca da agua. Entio, se deve falar sobre o poder da 4gua, e, em particular, explicar como a agua que desce da montanha é represada. Neste caminho, deve-se voltar e falar das forcas do sol, de maneira que a crianca tenha a sensagio que estas forcas solares estao na corrente, como em muitas outras coisas, de ou- tra maneira. Deve-se estabelecer uma conexao com a natureza em qualquer questo relacionada a assuntos téenicos. Nao ha nada na tecnologia que nao tenha, afinal de contas, sido derivado da natureza. Com certeza, mais tarde, a crianca se familiarizara gradualmente com esta area da tecnologia. No sexto ano d-se inicio a fisica, mas, as orientaces sobre ciéncias, num sentido mais restrito, nao sao frutiferas antes dos quatorze anos. “Vocé esté muito certo. Muitas criangas hoje em dia es- tao intensamente interessadas, muito precocemente, em coisas técnicas. Rudolf Steiner, ele mesmo, filho de um funcionario de estacdo de trem, disse uma vez que a pior coisa para uma crianga é ter, antes dos nove anos, 0 conhecimento tecnolégico de como a locomotiva (ou 0 trem) funciona. Isto prejudicaria o seu desen- volvimento. E muito diferente mostrar para uma crianga como todas as descobertas técnicas tém algo que é derivado da natu- reza.” (4) “Com a tecnologia, acrescentamos o quarto reino da natu- Teza aos outros trés, aos minerais, as plantas e aos animais. Estes trés ~ o mineral, certamente através dos outros dois — esto su- Jeitos aos processos de vida e morte, enquanto que tudo 0 que é técnico esté morto desde 0 inicio.” sol “a tecnologia segue seu » eoncorda 0 pai, segue : responsével por nos distanciar- embora nao tenha culpa. O cul- nao existiria nenhuma tec- “Naturalmente, : la também € la natureza, pois, sem ele, ee Terra. ia para destruir a vida e a ae tanciar mais da natureza, mas, de prefe- ea 7 be mente. E isto também precisa ser levado aan educa Desta maneira, um garoto de — anos precisa primeiro entender asi mesmo le certamente nao apren- de a fazer isto pela tecnologia, que ¢ absolutamente morta, que sempre ameaca afastar o ser humano de si mesmo. Podemos wer jsto por nés mesmos em nossas criangas, por exemplo, 0 efeito negativo que a televisao e o computador tém sobre elas.” “Bu penso”, falou a mae, “que as criangas poderiam ter uma distracdo no jardim, um amor por isto, antes de irem para as coisas técnicas, Como ¢ agradavel quando trabalhamos juntos no jardim, mesmo quando estamos cansados, no entardecer. Que alegria olhar para uma azaleia com seus cachos de flores rosadas, ou para o verde tenro da bétula, ou ainda para as espléndidas nuvens da primavera, como elas navegam pelo vasto azul do céu. Ontem relembrei um Salmo que aprendi quando crianga: proprio caminho. El ‘mos cada vez mais d ; 0, i pado é o ser human Precisamos voltar atras. Bendize, 6 minha alma, ao Senhor! Senhor, Deus meu, tu és magnificentissimo! Estés vestido de honra e de majestade, ‘Tu que te cobres de luz como de um manto, Que estendes os céus como um tapete. : Es tu que pées nas Aguas os vigamentos da tua morada, Que fazes das nuvens 0 teu carro, ; Que andas sobre as asas do vento, (Ps, 104) i : nae eu nn ctianga estas palavras nao significavam gran para mim, mas, agora elas tm um significado mui- to diferente. Este Salmo de David é uma forca real do coragao e as criangas também deveriam aprender coisas deste tipo para as suas vidas futuras.” “Precisamos falar um pouco mais sobre Pedro”, disse 0 pai, “sobre sua mania de criticar. Agora vejo mais claramente a que ela esta ligada. Uma parte disso, ele tem de mim, por isso, tenho a certeza de que ele também precisa de algo que o preencha mais, interiormente. Ele ainda ndo esta 4 vontade consigo mes- mo. Vocé entende o que estou querendo dizer: “Sim, certamente”, disse o professor. “Concordo inteira- mente com vocé. Tentarei atrair mais a atencdo dele na escola, mas, quando os pais falam com as criangas, as de nove anos aprendem a lidar com suas proprias dificuldades de uma manei- ra bastante especial, Fale com ele, isto é, fale sobre outras coisas além dos acontecimentos didrios. As ideias que pais e mies tro- cam com seus filhos podem causar um grande impacto neles. A falta de equilfbrio na crianga pode ser corrigida pela harmonia entre o pai ea mae. &s criancas sempre vivenciam isto como uma béngao, especialmente neste ponto de mutagao dos nove anos. Esperemos que nossa conversa de hoje sirva de ajuda no futuro. Frequentemente tenho tido a confirmagao que as criangas sao be- neficiadas diretamente quando os adultos reservam tempo para conhecé-las melhor. Isto é tao essencial para elas quanto comer e beber. A melhor coisa que pode acontecer sera se pudermos nos encontrar novamente em um futuro préximo.” Nesta noite, mais tarde, em seu caminho para casa, 0 pro- fessor sentiu que estava mais proximo dos pais de Pedro. Notou que eles também estavam procurando se auto-educar. Este en- tendimento produziu um forte sentimento de proximidade com 0s pais. Desta maneira, apesar de algumas dificuldades, conse- guiu melhorar ainda mais sua relagéo com Pedro. Justamente isto é da maior importancia na fase de transi¢o dos nove anos. tempo depois, estimulado pelo que os pais de Pedro Algum tem nstruiu, am contado, 0 professor Co! aan oor a de madeira. Quando estava quase Pronta, os alu ‘car para o professor fazer nela uma porta, send no —. se do mundo e ficarem sozinhos dentro ria possivel apartarem~ d : a Esta nao era uma tarefa facil para o professor, com suas limitadas habilidades de carpintaria, mas o pai de Pedro veio dar uma boa mao para colocar a porta. “Nossa casa 7 arvore tam- pém tinha uma porta.” disse ele, sortindo. “Ela foi suspensa com argolas de couro. Alids, minha esposa Ihe enviou saudagées. Ela pediu-me para Ihe dizer que Pedro esté muito diferente desde sua tiltima visita. Eu também acho. Ou pode ser que estejamos vendo-o de uma forma diferente — talvez um pouco de ambos. De é muito certa: algo que, antes, estava com a sua classe, uma ronta, os alu- pequena ca: qualquer forma, uma totalmente escondido foi despertado nele agora”. UMA CONVERSA COM OS PAIS DE MONICA ee eee As tltimas notas da misica estavam se esvaindo. Enquan- to a mae de Ménica preparava sua filha para deitar, seu pai fi- cou com o professor na sala de misica e teve a oportunidade de abrir seu coracdo para ele. “Estamos muito felizes porque voce veio nos ver esta noite”, disse ele, "j4 que, francamente, estamos muito preocupados com a Ménica. Como vocé mesmo sabe, ela é uma crianga muito sensivel e muito talentosa, pelo menos no que diz respeito 4 musica. E agora estamos notando coisas nela, em especial recentemente, que realmente nos preocupam. Nao é uma alteracdo de humor ou mudanga temporaria. Minha esposa tem notado fatos muito estranhos.” Neste meio tempo, a mie voltou para a sala, e disse: “vocé Poderia ter visto o maior exemplo disto agora. Ela adquiriu habits muito estranhos. Nao se deita para dormir até que tenha primeira olhado embaixo da cama para ver se alguém esta la. Ela acabou de repetir este ritual noturno, afasta cuidadosamente o cobertor, como se um estranho pudesse estar dormindo em sua cama.” “Isto nao é estranho?”, perguntou o pai. “Certamente, algo deve estar acontecendo dentro dela.” “Mas, isto no éa tinica coisa”, continuou a mae. “Temos um grande espelho no hall de entrada que est pendurado perto de um armario. F dificil acreditar, mas exis- tem momentos nos quais Ménica nao passa na frente dele. Um dia ou dois atrés, fiquei na frente do espelho, antes que ela entrasse na Sala de miisica, que fica do lado oposto a ele, na entrada.” “Minha esposa fica muito orgulhosa em poder tapar todo 39 40 cosamente. Prevenindo-se ataques gentis da esposa a isto, o marido durado casacos sobre ele para que, pelo is a nossa filha.” © professor escutava , continuou a mae. “Preciso o expelho", disse 0 pai de Monica, jo com um sorriso dos continuou: “temos per nao perturbe mal isto nao é tudo’ ra voe’ algo mais, que vi um tempo ats.” 7 “minha esposa estava de pé diante da De ld temos uma vista panoramica ola; estava caminhando menos, atentamente. “Mas, contar 0 pai interrompeu: janelado pavimento superior. a. La, vinha Monica da eset como de costume. Entao, de repente, comegou correndo como se alguém, de toda a ru vagarosamente, a correr como se tivesse ficado louca, sse atrds dela.” inguém a vista, ndo havia uma tnica mie. “Ela correu para a porta da ‘a chave, e ent&o achou nio sei quem, estive “Mas, nio havia n alma em toda rua", exclamou a frente, procurando com grande pressa sui com dificuldade o chaveiro. Finalmente abriu a porta, transpés deumsalto ocapacho; e,o que ela fez entao? O que ela fez entao? Diga vocé; voce viu e ouviu o que ela fez”, disse a me enquanto sinalizava com a cabega para o marido. “Primeiro, ela pisou com forga, e ento murmurou: ‘Estou salva, salva’. Vocé pensa que isto 6 normal?” O pai olhou para 0 professor esperangosamente. Por um momento, sem falar, 0 professor pensou sobre 0 quetinha ouvido Entio, disse: ‘ndo posso dar uma explicagio no sentido usual, entretanto, talvez possa ajudar vocés se souberem nao sto apenas vocés que esto preocupados com vivéncias Setar —— ave, como sua filha, esti tendo dn nto none cos deans. Por aor “Nesta idade, a cranga enfenta um i ira infancia e as es eee eet apresentamaela,Derepente, ele pa ne anette BOvaS que 5° » ela percebe o seu entorno, quando prime’ antes nao o percebia. Quase se poderia dizer que ela esteve se relacionando com o que estava a sua volta através da imitacao, vivenciando seu ambiente numa espécie de doce sonho. Agora, isto terminou, e Monica percebe. Todas as coisas que vocés des- creveram estio, de certa maneira, relacionadas a isto. Mas, o que eu realmente gostaria de Thes contar nao é do tipo de explicagdo cientifica que as pessoas procuram hoje em dia.” “Nao se preocupe com isto”, disse o pai, “vamos em frente.” “De certa forma’, disse o professor com um sorriso, “te- mos varias op¢des; é como a interpretacio de um sonho. Acredito que, em tudo que vocés tém observado, sobressai sempre que a filha de vocés esta experimentando a transi¢ao que mencionei, jaem de uma maneira especial. Podemos ver isto nitidamente, conexiio com o limiar da casa ou a passagem do dia para a noite “E 0 espelho?” - pergunta a mie. O professor pensou so- bre isto por um momento. “Como jé falei, nao s6 vocés observam esse tipo de coisas. Nesta idade, o espelho faz parte das coisas da casa com as quais a crianga se confronta.” “Mas, por qué?” - pergunta a mae. “Nao ha explicagdes para isso, ou melhor, ndo conheso nenhuma explicagéio. Mas, podemos entender 0 que acontece na alma da crianga quando é perturbada por sua imagem no espe- lho. Ela nao quer estar exposta desta maneira a este confronto consigo mesma, pois, justamente nesse instante, seu Eu comeca a tomar conta do seu destino. A crianca vive interiormente esta situagéio de limiar e, neste momento, 0 espelho é como que uma caricatura. Ela foge disso.” “Eu nao tinha ideia que algo assim pudesse estar por de- tras disto”, disse a mie, e se calou. “Mas, se isto é algo que acontece nesta idade da crianga”, objetou o pai, “outras criangas devem também ter este tipo de experiéncias. Vocé conhece alguma?” 42 disse o professor. "Apenas uma coisa deve “Certamente”, ia Siig ove as criancas si0 muito diferentes cera em stm observa em St propia fi ae ae é nada inusitado. No maximo, o que nao i i aera aforga dos sentimentine, ograu de agitagao com que tudo emerge no caso de Monica. - “Mas, existem realmente outras ae com 0 mesmo tipo de experiéncias: ” perguntou o pai, pressionando 0 profes- sora continuar. A mée, entretanto, interrompeu nesse momento com uma nova linha de pensamento. “Estou me lembrando quao profundamente nossa filha tem estado impressionada ultimamente com todas as coisas que voce tem dito em classe. Vejo imediatamente isto, ela fica pen- sando intensamente no que foi dito. A historia sobre a “Queda do Paraiso” assombrou-a.” Volta e meia ela me pergunta o que é realmente o mal, de onde ele vem, e por que Deus permite isto. Ela me pressiona arduamente com muitas perguntas. Mas, na verdade, nao presta muita atengdo ao que respondo. Ela s6 quer desabafar, e entao continua refletindo sobre o assunto. “Quando eu estava contando a histéria da Queda”, falou 0 professor, “todos da classe ficaram totalmente em siléncio. Es- cutavam com a maior atenc&o. Vocé poderia escutar uma gota caindo. Neste estagio as criancas esto muito preocupadas com 0 bem eo mal, como vocés tém observado” ae quero me desviar de sua questo”, disse o professor Parke pal, “mas, de certa forma, tudo esta conectado. Justamen- te hoje, uma antiga colega, agora com setenta anos e com difi- — on lidar com trabalho de escrita, estava me ditando a nessa, tenho aqui na minha pasta de do- sds siemens tania teeee ano tive iéncia mui © uma experiéncia muito significativa, ‘naquele do Eu. Estava vindo de uma aula na cidade e tinha que mudar de bonde. Eu estava esperando no ponto e, nesse exato momento, veio a minha men- te, com absoluta clareza, que diante de mim estava toda a minha vida e que era eu mesma que teria que administré-la. Ficou igual- mente claro para mim que, a partir de entdo, haveria coisas que eu precisaria resolver totalmente sozinha, inclusive que eu teria que lidar com o mal.” Ao dobrar o papel, o professor disse: “vocés vem que aos nove anos as criancas também jé deram este passo em seu de- senvolvimento. Além disso, nao sei se vocés repararam que 0 ce- nario, por assim dizer, a parada do bonde, corresponde, de certa forma, a descric&o de sua filha sobre sua experiéncia do limiar. Em muitos casos, as pessoas nfo observam suas criangas com tanta atengdo como vocés tém observado. Muitas vezes nao se presta atengio ao que acontece de marcante nas profundezas da alma da crianca.” “E£ como se algo muito novo quisesse entrar na natureza da Ménica, mas que nao encontra acesso. O que ¢ isso?” Havia certo desconforto na voz do pai. “Sim, vocé esta certo” - disse o professor. “E 0 Ser do Eu da crianga que esta querendo entrar. Infelizmente isto é algo que & muito pouco notado e apoiado. E, também, que o lindo mundo da infancia precisa ser deixado para tras; ele submerge. Entao, 0 medo aparece na crianca. Ouca 0 que tenho aqui. & um poema que copiei do Album de uma colega, que o escreveu aos nove anos:” O sol, de um vermelho brilhante, afunda no mar, Nada se move e tudo descansa. Entiio, a metade do sol afunda no mar, Pequenos raios ainda ardem no céu. Depois, 0 sol inteiro afundou no mar, Os iiltimos raios morreram no céu. Tudo se fez triste e vazio em volta de mim, Como se eu nunca mais pudesse ver 0 sol. al ‘ou para os pais, observando. A mae estava Thando para o chiio, como se estivesse tentando se lembrar de al ” 5 A fe, s algo de seu proprio passado. O pai parecia profundamente im- pressionado e parecia guia achar as palavras. Pree Finalmente, 0 professor quebrou o siléncio e perguntou: “que experiéncias vooés tiveram quando tinham nove ou dez 2° “Tento me lembrar disso o tempo todo”, disse a mae, “e perdi meu pai.” Entao, ela voltou a ficar olhou para ela com simpatia e, entao, de , minha lembranca deste tempo é muito ectada com morte. No meu nono ani- 0 professor oll querer falar alguma coisa, mas nfo conse- anos agora sei; foi quando em siléncio. Seu marido repente, falou: “vocé sab similar; também esté con versério, meus pais me prometeram que irfamos para a praia du- rante as férias de verao. Nasci na primavera, e quando chegaram as férias, pelas quais tinha esperado tanto, eu tinha nove anos e quatro meses. Fomos para uma pequena ilha. Ainda vejo niti- damente o que vivenciei l4: eu estava com meu pai, no meio de uma multidao de pessoas, que estavam muito silenciosas. Entao, passou por nés um grupo de marinheiros carregando um caixao de ferro, muito pesado, que colocaram num barco. Em seguida, remaram em diregdo ao alto mar, tao longe, que eu dificilmente conseguia ver o barco. Entio, meu pai disse: “olha, eles esto bai- xando o caixdo na agua. O capitao tera seu tiltimo lugar de repou- so no fundo do mar”. Jamais poderei esquecer a impressfio que isto causou em mim. Nunca antes tinha passado pela minha ca- beca que algum dia uma pessoa deitaria num atatide”. O pai ficou profundamente absorto. Algo estava acontecendo dentro dele, que o deixou alterado. O professor olhou para ele com simpatia. 7 “Voeé disse anteriormente”, continuou o pai com hesita- a see a ees “que esta sua ex- e isto poderia abrir outras he icon ae ie idades.” Obviamente agitado internamente, o pai olhou atentamente para os olhos do profes- sor, “quem € este ser desconhecido que minha filha procura em- baixo da cama, que minha filha sente de repente que esta perto dela e de quem ela fugiu para dentro de casa? Quem é ele? Nao poderia simplesmente ser algo ou alguém bom?” “Voce nao precisa ficar tio preocupado”, disse a esposa tentando acalmé-lo. “Vocé nao teria como saber, pois meu ma- rido e eu temos estado suspeitando de algo extraordinario, mas, depois do que voc nos disse esta noite, nossa ansiedade pare- ce sem razo. Vocé nao acha também?” - falou para seu marido, procurando novamente acalmar sua agitacdo. “preciso Ihe dizer francamente’, disse o pai, “Temos a im- pressaio que nossa filha tem intuig6es muito concretas sobre a morte”. Para uma crianga tio altamente sensivel, isto poderia ser bem possivel. Era Gbvio, este era o motivo pelo qual o pai teve tanta pressa em pedir a visita do professor. “Quanto a isso, posso tranquilizé-los. 0 que vocés tém ob- servado tem a ver com o que outros pais tém observado em seus filhos neste estagio de transigao. Suas observacdes sio muito cor- retas, mas vocés chegaram a um final diferente.” O pai imediatamente olhou para o professor. “Nao entendo bem 0 que vocé quer dizer com observagao e final”, disse a mae. “De certa forma, vocés esto certos sobre 0 que senti- ram, Quando a Expulsio do Paraiso aconteceu, como eu disse anteriormente, foram ditas a seguintes palavras: ‘barro voce & e barro voltard a ser.’ Mas, isto nao significa que Addo ¢ Eva tr vessem que morrer ld e naquele momento. Algo diferente estava sendo expresso. Um elemento que nao existia antes entra agora na consciéncia da crianga, que é a consciéncia da mortalidade do ser humano”. “Voeé je Peas ‘Vocé mesmo ouviu nossa Ménica ao piano €s as mmisicas e elas geval noite. Ela : vente tém mesma cria as palavras de su 46 a co imaginando se 0 que voce vem dizendo m morte. Fi > i imé ‘a ver COI snho artistico precoce.” O pai olhou imével explica um desempel rao carpete i ten que me despertou especialmente, enquanto a sua fi- tha estava tocando”, disse o professor, “foi 0 pensamento de que aqui esté uma crianga de apenas nove anos, que ji comegou a dar uma forma artistica & dor e & morte. Realmente, me fascina quando uma crianga dé atengdo a isto. Poucas 0 conseguem aos nove anos, embora todas passem por esta dolorosa experiéncia. ‘Ao lhe dar forma, Monica esta se libertando: pude ver isto quan- do deixou 0 piano. Estou certo de que, como artista, vocé mesma esta muito familiarizada com este processo”. Os dois homens se olharam tranquilamente, por um momento. “Talvez eu possa acrescentar algo bem pessoal ao que es- tava falando”, disse o professor, com certa hesitaco. Enquanto isto, o pai tinha recuperado sua compostura. “Se vocé for longe demais em seus questionamentos, sua filha mergulhard ainda mais para dentro de si mesma. Estara focalizando demais a si Propria e ficard deprimida. Deixe-a apenas seguir em frente e fa- ver miisica, como ela gosta, sem que vocé veja nada de inusitado nisso. Vocé logo vera que a misica é um tipo de terapia para ela.” “Voce deve estar certo. Vejo que tenho, de fato, interpreta- do de forma incorreta seu lamento melancélico, a maneira dela “xpressar sa perda do paraiso da infincia. Parece que estamos apenas lidando, por assim dizer, com o com a morte em si. Vou ficar e1 feliz por té-la owvido.” Aree cles estavam conversando, © professor levan ae ae embora, Por favor, fique um pouco mais’ pediu mute Vo en ilelaet Muito esta noite, mas hé algo mais também. Vood tere Pe: Talvez vocé possa nos ajudar nisto ‘Simpressio de que nossa filha levantou-se do ibolo da morte, nao "m paz com esta sua visio, estou piano com uma expressio mais live e confortével. Pode ser que seja 0 que vocé disse, mas eu sent algo muito diferente.” Entao, continuou: “anteriormente, eu ficava ao piano com minha filha, ou ela vinha e falava: ‘mame, venha, quero tocar algo para voc’. * Como os seus olhos brilhavam nesse momento! Eramos um so coragao e alma. Mas, agora minha simples presenca a atrapalha, E vocé pensa que ela, alguma vez, me pergunta se pode tocar algo para mim? Ela nem pensa mais nisto; toca horas para si mesma, Entao, se levanta, como se estivesse profundamente satisfeita, exatamente como vocé falou, vai para o ja r uma amiga, ou fazer alguma ligdo de casa. Faz tudo, exceto vir a Ecomo se algo tivesse acontecido entre nés. Isto tem acontecido desde que ela comecou o terceiro ano, Frequentemente, penso que estou per- dendo minha filha; que ela nao esta mais a meu lado.” “Esta manha”, disse o professor, “eu estava falando para as criangas sobre o sacrificio de Isaac. Tenho que confessar que por um longo tempo eu mesmo nao conseguia entender esta historia. Entretanto, através do que vocés me contaram, pela primeira vez comeco a vislumbrar algo do significado mais profundo dela”. A mie estava ouvindo com a maior atengio. “Por muito tempo”, continuou o professor, “eu nao consegui entender que significado teria testar se Abraiio amava mais a Deus do que a seu préprio filho. Entretanto, agora percebo a diferenga. O amor Por Deus aparece por si, quando pereebemos a atuagio de um Poder superior, divino, nas fases necessérias do desenvolvimento da crianga, e ajudamos esta vontade superior para que este de- senvolvimento necessério se realize completamente, mesmo que ~ €omo € 0 caso de transigdo na vida - exija sacrificio. Este sacri ficio requer que o amor da me se torne muito, muito grande ~ @ Ponto de libertar a crianga para que caminhe livremente. Se nfo existisse nos pais a disposigao para se sacrificarem, algo poderia Se introduzir no desenvolvimento da erianca, isto é, difcultaria 47 48 fessor fez uma pausa. A mae parecia ito”. O prot i a ° ceserelrine algo dentro dela rejeitava essa interpretacio. m: é i-filho”. soya verdade, esse € 0 problema pai ee pont, isto também pode ser verdade", disse © professor, “mas, a historia do meee . plana posteriormente na literatura Judaica. A hist mae im: Satands vai até Sarah, na forma de um homem idoso, ¢ fala para cla: voce sabe o que aconteceu? Sob o comando de Deus, Abraao sacrificou seu filho Isaac. O garoto chorou e clamou por piedade, mas seu pai mostrou-se irredutivel. Sarah deixou escapar um gri- to agudo, rasgou suas roupas e se jogou no chao. Chorando, ela disse, ‘Isaac, Isaac, meu filho! Eu estava com noventa anos quan- do dei a luz a vocé, e agora o Senhor o abandona para a faca e 0 fogo. Mas, isto foi o que Deus mandov’, disse ela, e o que Ele faz esta certo. Sio somente os meus olhos que choram, meu coracéo alegra-se”, “Sarah nao teve paz e foi procurar Abradio, mas, embora cla o tenha procurado em todos os lugares, no conseguiu encon- entendé-lo, tré-lo. Entio, o deménio se transformou em um homem jovem ©, vindo para ela, falou: ‘Isaac est vivo. Abrao nao o sacrificou.” Com estas palavras, Sarah foi acometida por tamanha alegria que seu coracio parou ¢ ela eaiu no chao, morta.” i © professor viu que a mie estava travando uma tremenda vatalha interna, Uma voz interna disse-Ihe que nao interferisse, apesar de queré-lo. A mae nao falou mais nada. 7 i F it ee Pai quebrou o siléncio; ele havia encontrado mente pan ak ns Sobre © Sattificio de Isaac, lendo-a rapida- Para si mesmo, Levantou 4 7 0s olhos e viu o que esta se Passando com sua mulher. Entio, leu 9 seguinte: eee teu proprio filho, quero abengod-lo e cendentes como as estre s ‘ : ultiplicar teus des- as do eéu, como a areia do mar e, através de um de teus descendentes, todos os povos serdo abengoados.” fa terra “Isto aponta para o nascimento de Cristo”, disse o professor, ‘A mae, como que transformada, virou-se para o marido e disse: “acho que sé agora fago ideia da ligagio mais profunda: Cristo é 0 mensageiro do amor fraterno; este amor nao 6 0 amor familiar, o amor de sangue. Por isso, preciso me afastar de minha filha. Vejo que um novo ser quer nela entrar: seu proprio Ser. Ele quer se sentir livre do velho amor de mae. Mais tarde, voltara a amar sua mae. Tinhamos algo errado em mente: estivemos de Juto pelo passado. Os tragos da infancia perdem sua nitidez. Isto é passado, encerrou. Agora, nossa filha se encontra consigo mes- ma. Poderemos estar proximos a ela e vivenciar tudo. Em suma, estou muito feliz com isso. Agora, -jo minha filha por outra otica” J49 QUERIDOS PAIS __ See Antes de comecarmos a falar sobre 0 nono eo décimo anos devida de nossos filhos, gostaria de convidé-los para uma viagem para as nossas préprias infancias. No tempo em que nfo existia o tempo, se posso me expressar com tal paradoxo: quando o tempo ainda parava e tinhamos tempo de sobra. Quando, para nés, era muito claro que vinhamos do céu e tinhamos uma vida eterna. Desta maneira, podem surgir em nés lembrangas claras e felizes da nossa infancia. Quando comparamos nossa vida de adultos, coma consciéncia que temos agora, com os nossos anos de infan- cia, vemos que aconteceram mudancas bastante significativas. Agora, 0 tempo nos escapa, ele é precioso e fazemos todos os esforgos possiveis para termos mais tempo. Vemos exemplos destes esforgos inacreditaveis nos campeonatos de esportes, nos quais sempre é exigido um tempo de desempenho cada vez me- nor. Gragas a estudos e pesquisas, sabemos que em dois segundos Podemos ter dois milhdes de pensamentos, mas 0 tempo se torna cada vez mais angustiante e, entdo, surge algo muito importante: Correr contra o tempo. Existe a necessidade de superar 0 tempo. Por que, na verdade, existe este desejo sem sentido? Posso imaginar que isto esteja ligado ao fato de que, mui- tas vezes, s6 vivenciamos 0 momento presente como um ponto de luz e, com isto, temos a sensagio que também este ponto de luz imediatamente desaparece e se torna passado. Assim, tudo desemboca ~ mais cedo ou mais tarde, conforme a capacidade ai a ‘j : la Memoria - numa escurido que nos assusta. Também, de ou

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