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Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 19, n. 3, jul.-set.

2007

Memória de trabalho, consciência fonológica e hipótese de


escrita****

Working memory, phonological awareness and spelling hypothesis

Gigiane Gindri*
Márcia Keske-Soares**
Helena Bolli Mota***

*Fonoaudióloga. Mestre em Abstract


Distúrbios da Comunicação Humana Background: working memory, phonological awareness and spelling hypothesis. Aim: to verify the
pela Universidade Federal de Santa relationship between working memory, phonological awareness and spelling hypothesis in pre-school
Maria. Endereço para
children and first graders. Method: participants of this study were 90 students, belonging to state
correspondência: Rua
São Luis, 1087 - Apto. 401 - Porto schools, who presented typical linguistic development. Forty students were preschoolers, with the
Alegre - RS - CEP 90620-170 average age of six and 50 students were first graders, with the average age of seven. Participants were
(fga.gigi@terra.com.br). submitted to an evaluation of the working memory abilities based on the Working Memory Model
(Baddeley, 2000), involving phonological loop. Phonological loop was evaluated using the Auditory
**Fonoaudióloga. Doutora em Sequential Test, subtest 5 of Illinois Test of Psycholinguistic Abilities (ITPA), Brazilian version
Lingüística Aplicada pela Pontifícia (Bogossian & Santos, 1977), and the Meaningless Words Memory Test (Kessler, 1997). Phonological
Universidade Católica do Rio Grande
awareness abilities were investigated using the Phonological Awareness: Instrument of Sequential
do Sul. Docente dos Cursos de
Graduação e Especialização em Assessment (CONFIAS - Moojen et al., 2003), involving syllabic and phonemic awareness tasks.
Fonoaudiologia e de Mestrado em Writing was characterized according to Ferreiro & Teberosky (1999). Results: preschoolers presented
Distúrbios da Comunicação Humana the ability of repeating sequences of 4.80 digits and 4.30 syllables. Regarding phonological awareness,
da Universidade Federal de Santa the performance in the syllabic level was of 19.68 and in the phonemic level was of 8.58. Most of the
Maria. preschoolers demonstrated to have a pre-syllabic writing hypothesis. First graders repeated, in average,
sequences of 5.06 digits and 4.56 syllables. These children presented a phonological awareness of 31.12
***Fonoaudióloga. Doutora em
Lingüística Aplicada pela Pontifícia
in the syllabic level and of 16.18 in the phonemic level, and demonstrated to have an alphabetic
Universidade Católica do Rio Grande writing hypothesis. Conclusion: the performance of working memory, phonological awareness and
do Sul. Docente dos Cursos de spelling level are inter-related, as well as being related to chronological age, development and scholarity.
Graduação e Especialização em Key Words: Working Memory; Phonological Awareness; Spelling Hypothesis; Preschool; First Grade.
Fonoaudiologia e de Mestrado em
Distúrbios da Comunicação Humana Resumo
da Universidade Federal de Santa
Tema: memória de trabalho, consciência fonológica e hipótese de escrita. Objetivo: verificar a relação
Maria.
entre a memória de trabalho, a consciência fonológica e a hipótese de escrita em alunos de pré-escola
****Parte da Tese da Dissertação da e primeira série. Método: a amostra foi composta de 90 alunos da rede estadual de ensino que
Primeira Autora Realizada na apresentavam desenvolvimento lingüístico típico. Destes, 40 alunos eram da pré-escola, com idade
Universidade Federal de Santa Maria média de seis anos e cinco meses, e 50 eram da primeira série, com idade média de sete anos e dois meses.
Apresentada no Curso de Mestrado em A amostra selecionada foi submetida à avaliação das habilidades de memória de trabalho com base no
Distúrbios da Comunicação Humana Modelo de Memória de Trabalho de Baddeley (2000), envolvendo o componente fonológico. O
da Universidade Federal de Santa
componente fonológico foi avaliado através do subteste cinco, Memória Seqüencial Auditiva, do Teste
Maria.
Illinois de Habilidades Psicolinguísticas (ITPA), adaptação brasileira realizada por Bogossian e Santos
(1977), e da Prova de Repetição de Palavras sem Significado, elaborado por Kessler (1997). As
habilidades de consciência fonológica foram estudadas a partir do teste Consciência Fonológica:
Artigo de Pesquisa Instrumento de Avaliação Seqüencial (CONFIAS), elaborado por Moojen et al. (2003), considerando
tarefas de consciência silábica e fonêmica. A escrita foi caracterizada conforme a proposta de Ferreiro
Artigo Submetido a Avaliação por Pares e Teberosky (1999). Resultados: os pré-escolares apresentaram capacidade de repetir seqüências de
4,80 dígitos e 4,30 sílabas; em consciência fonológica, o desempenho em nível de sílabas foi de 19,68
Conflito de Interesse: não
e 8,58, em nível de fonemas; e hipótese de escrita pré-silábica, em sua maioria. Os alunos de primeira
série repetiram, em média, seqüências de 5,06 dígitos e 4,56 sílabas, apresentaram desempenho de
31,32, em consciência fonológica em nível de sílabas, e 16,18, em nível de fonemas; e hipótese
alfabética de escrita. Conclusão: o desempenho em memória de trabalho, consciência fonológica e
nível de escrita se inter-relacionam, bem como estão relacionados com a idade cronológica, a maturidade
Recebido em 02.03.2006. e a escolaridade.
Revisado em 15.12.2006; 10.04.2007;
Palavras-Chave: Memória de Trabalho; Consciência Fonológica; Hipótese de Escrita; Pré-escola;
18.06.07; 27.07.2007.
Aceito para Publicação em 27.07.2007. Primeira Série.

Referenciar este material como:


GINDRI, G.; KESKE-SOARES, M.; MOTA, H. B. Memória de trabalho, consciência fonológica e hipótese de escrita. Pró-Fono Revista de Atualização
Científica, Barueri (SP), v. 19, n. 3, p. 313-322, jul.-set. 2007.

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Introdução

A memória de trabalho, a consciência fonológica, anos de idade (Baddeley, 2003).


a rapidez e a precisão no acesso ao léxico mental Parece haver indícios que a memória de trabalho
são habilidades do processamento fonológico. tem um importante papel nas tarefas que solicitam
Segundo Torgesen et al. (1994) e Capovilla et al. a consciência fonológica (Alloway et al., 2004;
(2004), elas se referem à forma como as informações Morgado, 2005). Isto parece ocorrer, porque,
são processadas, armazenadas e utilizadas. O durante a realização de uma tarefa desta natureza,
processamento fonológico é considerado uma é necessário que o material verbal seja mantido na
habilidade necessária à alfabetização e facilitadora memória de trabalho, a fim de haver sucesso na
da aprendizagem da leitura e da escrita (Torgesen et resolução da tarefa solicitada.
al., 1994; Demont, 1997). O presente trabalho está circunscrito ao
Segundo Miller (1956), a memória de trabalho é componente fonológico da memória de trabalho,
limitada quanto à capacidade de armazenamento que é um dos aspectos mais estudados.
imediato de informação. Fica, pois, em evidência, Ao investigar a capacidade de armazenamento
que este sistema de memória apresenta limitação memória de trabalho, Miller (1956) constatou que a
quanto ao tempo, mas pode ser mantido, se for capacidade de manutenção e durabilidade é frágil e
ativado pela repetição de manutenção ou pela limitada a, aproximadamente, um número de partículas
transferência à memória de longo prazo. Tarefas que diferentes, entre cinco e nove. Gathercole (1995)
envolvem habilidades fonológicas, como nomear observara que ela diz respeito a um curto período de
letras e objetos, relembrar sentenças faladas e ouvir tempo, durante o qual se precisa registrar e manter a
histórias e rimas infantis, promovem as habilidades informação estável, para que seja compreendida e
de memória (Mann e Llberman, 1984; Santos e utilizada, tendo a capacidade de codificar, em média,
Siqueira, 2002). Desta forma, elas podem facilitar a de sete a oito itens distintos e de reter a informação,
habilidade de representar inputs fonologicamente durante um período de tempo limitado.
(consciência fonológica), na memória de trabalho. As habilidades de memória tendem a melhorar
A memória de trabalho é designada como um com o avanço da idade (Gathercole, 1995) devido
sistema capaz de reter e manipular temporalmente a ao processo maturacional (Hulme, Thomson,
informação, enquanto participa de tarefas cognitivas Lawrence, 1984; Baddeley, 2003) e à aprendizagem
como raciocínio, compreensão e aprendizagem (Etchepareborda e Abad-Mas, 2005; Gindri, Keske-
(Adams e Gathercole, 1995; Alloway et al., 2004). Soares, Mota, 2005).
Baddeley (2000) acrescentou ao modelo, que Na avaliação do componente fonológico,
compreende uma central executiva, dois sistemas de tarefas de repetição de seqüência dígitos - digit
suporte responsáveis pelo arquivamento temporário span - e de sílabas de palavras sem significado,
e pela manipulação de informações - um de natureza também chamadas de não-palavras, são usuais.
visuo-espacial e outro de natureza fonológica -, o Vários autores afirmam que os resultados destas
quarto componente, denominado buffer episodic. tarefas podem ser comparados (Adams e
Este corresponde a um sistema de capacidade Gathercole, 1995; Kessler, 1997; Baddeley, 2003). A
limitada, no qual a informação evocada da memória repetição de palavras sem significado, segundo
de longo prazo se torna consciente, permitindo lidar Gathercole (1995), avalia com maior precisão o loop
com a associação entre as informações mantidas no fonológico, uma vez que ele é desprovido das
sistema de suporte e promover sua integração com influências lexicais - fonologia, semântica e sintaxe.
informações da memória de longo prazo. A consciência fonológica é definida como a
A alça fonológica processa as informações capacidade para refletir sobre a estrutura sonora
verbalmente codificadas. Para isso, conta com dois da fala bem como manipular seus componentes
componentes: a memória fonológica de curto prazo e a estruturais, trata-se, portanto, da capacidade de
realimentação subvocal. O componente fonológico da pensar e operar sobre a linguagem como um objeto
memória de trabalho, também chamado de loop (Coimbra, 1997; Demont, 1997; Morais et al., 1998;
fonológico, realiza a estocagem de material verbal, que Moojen et al., 2003).
se deteriora rapidamente. A realimentação subvocal Cielo (2002) destaca que a consciência fonológica
ou loop articulatório permite resgatar as informações desenvolve-se espontânea e automaticamente, de
verbais em declínio e manter o material na memória. Ela modo natural, sem demandar atenção especial durante
sofre influência de extensão e freqüência do material a comunicação, embora possa ser acionada quando
verbal e inicia seu desenvolvimento a partir dos seis há necessidade de se ter controle sobre a língua. Isto

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ocorre para que o indivíduo possa se concentrar na Ciasca, 2000; Santamaria et al., 2004). As atividades
forma em detrimento ao conteúdo, seja na fala, seja de consciência fonológica contribuem para melhorar
na escrita. Magnusson (1990) afirma que o papel da o desempenho da criança, durante a fase inicial do
consciência fonológica é mais evidente para o aprendizado da leitura, repercutindo, positivamente,
desenvolvimento da linguagem escrita do que para a em estágios mais avançados do processo, assim
fala. Gombert (1992) e Flores (1992) concordam que, como o treinamento e a terapia são fatores que
para a aquisição da língua oral e escrita, esta facilitam a aquisição do código escrito (Lazarrotto e
habilidade é importante. Cielo, 2002; Capovilla et al., 2004).
Yavas (1989) destaca que a consciência O processo de aquisição da língua escrita
fonológica mostra melhora com a idade, embora ultrapassa o automatismo. Santos e Navas (2002)
alguns níveis requeiram contato com a instrução acrescentam que a escrita é uma forma de expressão
alfabética. Morais et al. (1998) e Moojen et al. (2003) da linguagem, sendo uma das suas funções
consideram apropriada a hipótese de uma relação de principais a comunicação simbólica. As habilidades
causalidade recíproca entre o aprendizado do código necessárias para a aquisição da escrita dependem
escrito e o desenvolvimento das habilidades de do nível em que o processo se encontra, o qual se
consciência fonológica. Maluf e Barrera (1997), a relaciona a diferentes fatores internos e externos
partir da perspectiva psicogenética, mostraram haver ao sujeito (Dockrell e McShane, 1997; Morais et
correlação significativa entre os níveis de consciência al., 1998; Etchepareborda e Abad-Mas, 2005).
fonológica e de aquisição da linguagem escrita, Ferreiro e Teberosky (1999) propõem que a
independente do gênero. Capellini e Ciasca (2000) e construção da escrita é resultante de um processo
Santamaria et al. (2004) pontuam que a consciência gradual, em que são contrastadas situações de
fonológica pode ser desenvolvida também em desenhar com situações de escrever,
concomitância com o processo de alfabetização. experimentação e experiências. Quatro hipóteses
A introdução de um sistema alfabético auxilia de escritas fundamentais são definidas: pré-
no desenvolvimento da consciência fonológica, silábica, silábica, silábica-alfabética e alfabética.
ressaltando-se sua importância para as habilidades Na hipótese pré-silábica, a criança acredita que
fonêmicas (Demont, 1997; Capovilla et al., 2004). escrever é desenhar o objeto. Aparecem tentativas
A consciência fonológica se desenvolve em um de correspondência entre a escrita e o objeto referido
continuum de padrões de complexidade, em etapas (realismo nominal). Outras características são: os
evolutivas sucessivas, não necessariamente diferentes estilos, utilizados nesta fase inicial da
lineares, integrando um processo continuado. escrita; as problemáticas quanto à orientação espacial
Roazzi e Dowker (1989) explicam que os resultados da escrita; a dificuldade em estabelecer diferença entre
de desempenho, nas tarefas de consciência as atividades de escrever e desenhar (ora a escrita é
fonológica, diferenciam-se pelo grau de experiência representada por letras, ora por desenhos, ou por
cognitiva que cada uma exige, isto é, pela capacidade ambos); a quantidade mínima de caracteres exigidos;
de processamento de informação que solicitam. a variedade desses caracteres. Desta maneira, cada
As habilidades de consciência silábica precedem um só pode interpretar a sua própria escrita e não a
à capacidade de a criança tomar os fonemas como dos outros. A maioria das crianças, na faixa dos seis
unidades lingüísticas (Magnusson, 1990; Capellini anos, faz corretamente a distinção entre texto e
e Ciasca, 2000). Considerando-se as diferenças desenho, sabendo que o que se pode ler é aquilo que
quanto às dificuldades observadas entre a análise contém letras. Algumas, no entanto, ainda persistem
silábica e a análise fonêmica, Coimbra (1997) sugere na hipótese de que se pode ler tanto as letras quanto
que as habilidades de síntese, tanto silábica quanto os desenhos. Respeitam duas exigências básicas: a
fonêmica, aparecem primeiro, antecedendo as quantidade de letras (nunca inferior a três) e a
habilidades de segmentação e de manipulação variedade entre elas (não podem ser repetidas).
silábicas e fonêmicas, que são intermediárias. A A hipótese silábica tem como principal
última habilidade a se desenvolver é a de característica a tentativa de associar um valor sonoro
transposição, tanto de sílabas quanto de fonemas. a cada uma das letras que compõem a escrita. Nesta
Vários estudos apontam que crianças que têm etapa, a criança passa pelo período de maior
consciência dos fonemas avançam de forma mais importância evolutiva, em que cada letra vale por uma
fácil e produtiva na escrita e na leitura (Santos e sílaba. A criança avança muito qualitativamente, pois
Navas, 2002; Ferreiro, 2004), enquanto as que não supera a correspondência global entre a forma escrita
têm estas habilidades correm risco de não e a expressão oral, para fazer a correspondência entre
conseguirem aprender a ler e a escrever (Capellini e as partes do texto, que são as letras, e as partes das

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impressões orais, representadas pelo recorte silábico metafonológicas como auxiliares para a aquisição do
do nome. A criança considera que a escrita representa código escrito (Capovilla et al., 2004).
as partes sonoras da fala. Cada grafia traçada Há estudos relacionando a memória de trabalho
corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser com a escrita, a consciência fonológica com a escrita,
usadas letras ou outro tipo de grafia. bem como a memória de trabalho com a consciência
A transição entre a hipótese silábica e a alfabética fonológica, mas não o cruzamento dos três aspectos.
caracteriza a hipótese silábico-alfabética. A criança Neste sentido, esta pesquisa tem por objetivo verificar
abandona a primeira e descobre que necessita analisar a relação entre a memória de trabalho, a consciência
outras possibilidades de escrita. Nesta etapa, duas fonológica e a hipótese de escrita de alunos de pré-
características importantes da escrita anterior tendem escola e primeira série, da rede estadual de ensino da
a desaparecer: a de quantidade mínima (uma exigência zona urbana de Santa Maria - Rio Grande do Sul.
interna da própria criança) e a de variedade de
caracteres (o número mínimo de grafias). A criança, Método
então, começa a perceber que escrever é representar,
progressivamente, as partes sonoras das palavras, Inicialmente a pesquisa foi submetida ao Comitê
ainda que não o faça corretamente. de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde,
A hipótese alfabética é a etapa final da evolução da Universidade Federal de Santa Maria, tendo sido
desta psicogênese. Ao chegar nesta fase, a criança o projeto aprovado sob o número 097/04.
compreende que cada um dos caracteres da escrita Nas escolas visitadas da zona urbana que
corresponde a valores sonoros menores que a concordaram com a realização da pesquisa em suas
sílaba. Realiza, sistematicamente, a análise sonora dependências, os responsáveis assinaram o Termo
dos fonemas das palavras que necessita escrever. de Consentimento Informado Institucional.
Santos e Navas (2002) propõem que a linguagem Posteriormente, após esclarecimentos sobre a
escrita tem relação íntima com a oral. Apesar de ser pesquisa, foi solicitado o consentimento dos pais
relativamente fácil, para a maioria das crianças, e/ou responsáveis através da assinatura do Termo
aprender a ler e a escrever, as habilidades lingüísticas de Consentimento Livre e Esclarecido.
e cognitivas básicas, necessárias para que a Realizou-se, para delimitação da amostra,
aprendizagem possa ocorrer, são numerosas e estudo estatístico apenas com os alunos
complexas. É aceito que as habilidades da linguagem autorizados. Devido às dificuldades metodológicas
falada constituem a base para a aquisição da leitura e quanto ao consentimento para a realização da
da escrita (Flores, 1992; Demont, 1997; Ferreiro, 2004). pesquisa, muitos alunos deixaram de ser incluídos,
As atividades cognitivas - como a aprendizagem por não possuírem autorização dos responsáveis,
formal de leitura e escrita, a compreensão e o raciocínio embora a escola desejasse as avaliações. Isto
- são realizadas com aporte da memória de trabalho. determinou uma amostra por conveniência.
O processo de ensino-aprendizagem solicita Utilizando-se de amostragem aleatória simples
constantemente o uso da memória (Morgado, 2005; em cada grupo, foram selecionados, através de
Etchepareborda e Abad-Mas, 2005). sorteio, efetuado na presença de um juiz, os alunos
O conhecimento alfabético requer uma série de autorizados da pré-escola e da primeira série. Este
habilidades fonológicas especializadas. procedimento foi repetido até que, preenchendo
Inicialmente, a consciência fonológica, que é a as variáveis necessárias, atingiu-se o número
capacidade de detectar sons de fala similares nas esperado para estudo significativo estatisticamente
palavras, permite às crianças representar os e representativo das sete áreas geográficas da zona
segmentos de som na linguagem escrita. Aprender urbana de Santa Maria - Rio Grande do Sul.
a ler, no entanto, solicita tipos mais avançados de Os alunos que fizeram parte do estudo
consciência fonológica. À medida que as crianças preencherem os seguintes requisitos: ter autorização
tomam consciência de tipos diferentes de unidades dos pais e/ou responsáveis para a participação na
fonológicas, ou seja, de sílabas, rimas e fonemas, e pesquisa; apresentar desenvolvimento
aprendem a manipulá-las, há concomitante evolução neuropsicomotor normal; apresentar
da leitura (Morais et al., 1998; Santamaria et al. 2004). desenvolvimento típico de fala; ter ausência de
As implicações educacionais da relação entre repetência em seu histórico escolar; não apresentar
memória de trabalho, consciência fonológica e escrita deficiência auditiva ou visual; não apresentar suspeita
são bastante expressivas (Santos e Siqueira, 2002), de alterações psicológicas e neurológicas; não
embora atualmente os programas de alfabetização apresentar alterações fonoaudiológicas, como
ainda dêem pouca importância ao uso das habilidades dificuldade de aprendizagem, retardo de linguagem,

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desvio fonético e/ou fonológico e respiração oral; mantendo distância aproximada de 50 centímetros
não estar em ou ter antecedente de terapia do pavilhão auricular, como recomendado pelo
fonoaudiológica; não estar em atendimento padrão ANSI, 1969 (Northern e Downs, 1989).
psicopedagógico, reforço escolar ou Os alunos com suspeita de alterações de
acompanhamento pedagógico. linguagem, motricidade oral, audição, neurológicas,
Contou-se com uma amostra de noventa oftalmológicas e psicológicas foram encaminhados
alunos, sendo quarenta de pré-escola e cinqüenta para avaliações complementares
de primeira série. A média de idade dos alunos da (otorrinolaringológica, audiológica, neurológica,
pré-escola foi de seis anos e cinco meses e dos oftalmológica e psicológica) e excluídos da pesquisa.
alunos de primeira série, de sete anos e dois meses. Os alunos selecionados para o estudo foram
Quanto ao sexo, na pré-escola havia catorze alunos submetidos às avaliações específicas de hipótese
do sexo masculino e vinte e seis do feminino, de escrita, do componente fonológico da memória
enquanto na primeira série havia vinte e seis do de trabalho e de consciência fonológica.
sexo masculino e vinte e quatro do feminino.
Os procedimentos constantes para o estudo Avaliação da hipótese de escrita
foram realizados no ambiente escolar, em sala
silenciosa, com cada aluno individualmente, durante Na avaliação da hipótese de escrita, solicitou-
o mesmo período de suas aulas. As avaliações foram se a escrita do próprio nome e de uma amostra de
realizadas, a viva voz, em intensidade de palavras e frase, utilizando-se o proposto pelo teste
conversação, pela pesquisadora, durante o mesmo CONFIAS - o aluno escreve "castelo", "esqueleto"
período letivo na pré-escola e primeira série. Ainda e "O fantasma abriu a porta" ( Moojen et al., 2003).
foram realizados os devidos registros, com A fim de motivar o aluno para esta tarefa, procurou-
anotações nos protocolos específicos. se criar uma situação de haver um castelo, no qual
A fim de conhecer a história individual e verificar morava um esqueleto e, em certo momento, um
os quesitos necessários para a participação na fantasma chegou e abriu a porta. Além disso, os
pesquisa, realizou-se a anamnese fonoaudiológica trabalhos dos alunos, especialmente os
abordando aspectos relacionados a relacionados com a escrita, foram observados em
desenvolvimento neuropsicomotor, de linguagem sala de aula, tendo sido constatado que os mesmos
e fala; voz; hábitos orofaciais; antecedentes guardaram relação com o obtido quando da
fisiopatológicos e familiares; escolarização e aplicação da avaliação.
aprendizagem. Considerando-se a produção como um todo, isto
A triagem fonoaudiológica foi realizada a fim de é, com as palavras e a frase componentes,
verificar se a criança podia fazer parte do estudo e caracterizou-se a escrita com base nas hipóteses de
envolveu linguagem, aspectos da motricidade oral escrita propostas por Ferreiro e Teberosky (1999) -
e audição. A linguagem foi observada de maneira pré-silábica, silábica, silábica-alfabética e alfabética.
informal, utilizando a figura "circo" proposta por
Hernandorena e Lamprecht (1997), através de fala Avaliação do componente fonológico da memória
espontânea. Nessa avaliação, foram observados os de trabalho
componentes fonológico, semântico, sintático e
pragmático da linguagem. Na oportunidade, ainda Na avaliação do componente fonológico da
se observaram fala, fluência e voz. Os alunos sem memória de trabalho, utilizou-se o subteste cinco
alteração no desenvolvimento da linguagem oral e, de memória seqüencial auditiva, do Illinois Test of
portanto, com desenvolvimento lingüístico típico, Psycholinguistic Abilities (ITPA), com adaptação
foram selecionados. brasileira de Bogossian e Santos (1977), e a prova
No que concerne à motricidade oral, foram de repetição de palavras sem significado (Anexo),
observados aspecto, tônus, postura e mobilidade elaborada por Kessler (1997), pois estes têm sido
dos órgãos fonoarticulatórios e as funções amplamente empregados em estudos recentes na
neurovegetativas (Marchesan, 2005). literatura brasileira e estrangeira (Kessler, 1997;
Para excluir possíveis alterações auditivas, Linassi et al., 2001; Gindri et al., 2005).
realizou-se screenig auditivo, precedido por O subteste cinco do ITPA consiste na repetição
meatoscopia. O screenig auditivo foi realizado com de 28 seqüências de dígitos, distribuídas de dois a
Audiômetro Pediátrico Interacoustics PA2, com sete dígitos, enunciados fora de ordem, com número
tons puros, nas freqüências de 500Hz, 1KHz, 2KHz variado de seqüências para cada quantidade de
e 4KHz, e intensidade de referência de 20dB NA, dígitos, imediatamente após o examinador enunciá-

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las. As seqüências foram apresentadas oralmente, ponto e as incorretas valem zero. Na sílaba, o
em ritmo uniforme de dois dígitos por segundo. A máximo de pontuação são 40 pontos e nos
soma dos pontos levou à obtenção do escore bruto, fonemas, o máximo são 30, totalizando 70 pontos.
que foi convertido em escore escalar, de acordo com Após a coleta dos dados, os resultados foram
a faixa etária e correspondente à idade cronológica tabulados e analisados, por meio de procedimento
individual. O desempenho médio do grupo de estatístico com uso do Software Estatístico SPSS -
referência equivale, para idade em estudo, ao escore versão 8.0 (Barbetta, 2003). O teste x2, com p < 0,001,
de 36 pontos, podendo variar em seis pontos, para complementado pela análise de resíduos ajustados,
mais ou para menos. O escore escalar esperado com p < 0,05, foi utilizado para verificar a associação
variou entre 30 e 42 pontos. Além do escore escalar, entre o nível de hipótese de escrita dos alunos em
foi realizada a análise do número máximo de dígitos relação à escolaridade. Os resultados obtidos quanto
repetidos corretamente. ao componente fonológico da memória de trabalho e
O subteste cinco, memória seqüencial auditiva, à consciência fonológica foram analisados através
foi realizado no início da avaliação de cada aluno, do Teste T de Student, considerando-se p < 0,001.
a fim de reduzir o efeito da fadiga.
A prova de repetição de palavras sem significado Resultados e Discussão
consiste na repetição de palavras formadas por
seqüências fonológicas desprovidas de significado. O desempenho de alunos de pré-escola e
Ela é composta por 30 palavras sem significado, primeira série quanto à hipótese de escrita são
constituídas por estrutura silábica simples, do tipo apresentados na Tabela 1.
consoante-vogal, seguindo a estrutura fonológica do Verificou-se que os alunos de pré-escola estão
Português. As palavras são dispostas em seis listas, localmente associados aos níveis de escrita pré-
cada qual com cinco palavras sem significado, silábica e silábica e os de primeira série ao nível
conforme o número de sílabas, que varia de uma a seis. alfabético de escrita, havendo diferenças
Na aplicação da referida prova, o aluno foi significativa entre os grupos quanto à hipótese de
convidado a brincar de falar uma língua diferente, escrita (Tabela 1). Esta constatação encontra
com palavras que ele não conhecia, mas deveria respaldo em Ferreiro e Teberosky (1999), pois a
repetir, imediatamente, após o modelo. Nesta tarefa, criança pode iniciar seus conhecimentos no mundo
o parâmetro considerado é de um ponto quando o da escrita muito antes que qualquer tentativa formal
aluno consegue repetir o item, tal qual foi apresentado. de ensino seja proposta. Isto explica por que alunos
A tentativa é considerada incorreta quando o aluno de pré-escola estavam adiantados, em relação aos
omite, substitui, não produz nenhum fonema ou da primeira série, quanto à hipótese de escrita.
quando não consegue reproduzir o item, como este Apesar de não estar recebendo instrução formal
foi apresentado pelo examinador. Nestes casos, não para aquisição da escrita, alfabetização, 11 pré-
é atribuído ponto. Na análise das respostas por lista, escolares mostravam aquisições quanto à escrita.
foi considerada aquela de maior número de sílabas,
em que houve a repetição correta dos cinco itens.

Avaliação da consciência fonológica TABELA 1. Desempenho quanto à hipótese de escrita de alunos de pré-
escola e primeira série.

Na avaliação da consciência fonológica, foi


utilizado o teste consciência fonológica: Escolaridade
TOTAL
instrumento de avaliação seqüencial (CONFIAS), Hipótese de Escrita Pré-Escola Primeira Série
elaborado por Moojen et al. (2003). O instrumento
n % n % n %
é composto por tarefas de síntese, segmentação,
identificação, produção, exclusão e transposição nível pré-silábico 29* 72,5 0 0,0 29 32,2
silábica e fonêmica. A aplicação seguiu a proposta nível silábico 5* 12,5 0 0,0 5 5,6
seqüencial de iniciar pelas tarefas que envolvem nível silábico-
1 2,5 2 4,0 3 3,3
consciência da sílaba e, posteriormente, as que se alfabético
referem ao nível do fonema, respeitando sua ordem. nível alfabético 5 12,5 48* 96,0 53 58,9
Para este estudo apenas foram utilizados os TOTAL 40 100,0 50 100,0 90 100,0
resultados em nível de sílaba, de fonema e total.
A pontuação do teste é realizada no protocolo x2 = 68,96; p < 0,001
de respostas. As respostas corretas valem um * Análise de resíduos ajustados: p < 0,05

318 Gindri et al..


Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 19, n. 3, jul.-set. 2007

Constatando que houve diferença significativa variável nível de escrita, porque se observaram
quanto à hipótese de escrita entre a pré-escola e a poucos casos nos níveis silábico e silábico-
primeira série, concorda-se com Morgado (2005), alfabético. Os níveis pré-silábico e silábico de escrita
aprendizagem e memória são processos complexos mostraram-se associados à pré-escola e os níveis
implicados entre si. silábico-alfabético e alfabético, à primeira série.
Para ser possível a comparação das médias de O desempenho no componente fonológico da
desempenho dos alunos de pré-escola e primeira série memória de trabalho, quanto à seqüência de dígitos,
na avaliação do componente fonológico da memória pontuação e escore escalar correspondentes, bem
de trabalho e de consciência fonológica quanto à como número de sílabas e sua pontuação, em
hipótese de escrita, foram associados os níveis de relação à hipótese de escrita dos alunos são
escrita pré-silábico e silábico e os níveis silábico- mostrados na Tabela 2.
alfabético e alfabético em função da distribuição da

TABELA 2. Desempenho em memória de trabalho quanto à seqüência de dígitos, pontuação e escore escalar correspondentes e número
de sílabas e sua pontuação, em relação à hipótese de escrita de alunos de pré-escola e primeira série.

Hipótese de Escrita
Pré-Silábico e Silábico Silábico-Alfabético e Alfabético P
Média Desvio-Padrão Mínimo Máximo Média Desvio-Padrão Mínimo Máximo
seqüência de dígitos 4,80 0,61 4 6 5,06 0,55 4 6 0,036
pontuação em seqüência de dígitos 21,95 5,23 11 34 24,86 4,32 16 35 0,005
escore escalar em seqüência de
36,48 3,95 30 46 37,12 2,94 31 43 0,393
dígitos
número de sílabas 4,30 0,52 4 6 4,56 0,61 4 6 0,031
pontuação em número de sílabas 21,50 2,58 20 30 22,80 3,06 20 30 0,031

p < 0,05

Tanto os alunos de pré-escola como os de primeira memória de trabalho com a idade, como propõe
série demonstraram capacidade de repetir seqüência Baddeley (2003), que afirma que ela está relacionada
de quatro a seis dígitos e de quatro a seis sílabas de com o aumento nas habilidades de fala e linguagem.
palavras sem significado, embora a média dos As diferenças observadas no desempenho médio
resultados demonstre diferença significativa entre os entre os alunos de pré-escola e primeira série são
dois níveis quanto aos testes, concordando com significativas em favor dos alunos de primeira série,
Miller (1956), Gathercole (1995) e Baddeley (2003). que são aqueles com idade superior e que
Gindri et al. (2005) compararam o desempenho apresentaram, em sua maioria, escrita alfabética,
de pré-escola e primeira série quanto à memória de enquanto os alunos de pré-escola têm idade inferior
trabalho. Os alunos de pré-escola foram capazes de e apresentaram, em sua maioria, escrita pré-alfabética.
repetir seqüências de três a cinco dígitos e palavras O desempenho semelhante nas tarefas de
sem significado com quatro a seis sílabas, enquanto repetição de dígitos e de sílabas sem significado
os de primeira série repetiram seqüências de quatro corrobora a hipótese de que estas tarefas podem
a seis dígitos e palavras sem significado com quatro ser comparadas, como apontam Hulme et al. (1984),
a seis sílabas. Os resultados do presente estudo Adams e Gathercole (1995).
são semelhantes. Concordam, ainda, com Kessler Alloway et al. (2004) propõem que os traços da
(1997) que, estudando pré-escolares, obteve média memória de trabalho servem de importante base para
de repetição de seqüências de quatro dígitos e de representações mais duradouras de novas palavras.
quatro sílabas de palavras sem significado. As relações entre memória de trabalho e conhecimento
Observou-se expansão da capacidade de fonológico tornam-se mais complexas a partir dos
cinco anos, como se observa na Tabela 2.

Memória de trabalho, consciência fonológica e hipótese de escrita 319


Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 19, n. 3, jul.-set. 2007

Na Tabela 3, é apresentado o desempenho demonstram este conhecimento estando em nível


obtido pelos alunos em consciência fonológica - de escrita mais avançado (grande maioria em
com a aplicação CONFIAS, ao nível de sílaba, de hipótese alfabética), concordando com Morais et
fonema e total - em relação à hipótese de escrita. al. (1989), Demont (1997) e Cielo (2002).
Verificou-se que as médias dos aspectos Os alunos com melhor desempenho nas
avaliados de consciência fonológica através do habilidades de consciência são aqueles que também
CONFIAS é significativamente maior para os alunos apresentam melhor desempenho em escrita (nível
de primeira série do que as médias dos alunos de alfabético - primeira série), o que concorda com as
pré-escola (Tabela 3). Este melhor desempenho dos propostas de Flores (1992), Gombert (1992) e Coimbra
alunos de primeira série está de acordo com Yavas (1997), a consciência fonológica faz parte dos pré-
(1989) que aponta o papel da escolaridade como requisitos para aprendizagem da leitura e escrita.
favorecedor, dando conta dos progressos A exposição formal à escrita, que ocorre durante
constatados com o início de alfabetização. a primeira série, evoca conhecimentos da escrita
Os resultados das tarefas de consciência alfabética e favorece as habilidades de consciência
fonêmica e consciência silábica mostram que as fonêmica, como se observa na Tabela 3.
habilidades de consciência fonológicas fazem parte Anteriormente, a criança não necessita possuir
do desenvolvimento contínuo, sendo que as tarefas conscientemente o conhecimento fonológico de que
que envolvem manipulação de sílabas precedem às o fonema é uma unidade sonora, porque, para falar,
que envolvem manipulação de fonemas (Cielo, 2002). isto não é necessário (Moojen et al., 2003; Santamaria
Houve diferença estatisticamente significativa et al., 2004). Evidencia-se que a introdução do sistema
nas habilidades de consciência entre as crianças de alfabético, que ocorre de maneira formal na primeira
pré-escola e as de primeira série, concordando com série, auxilia o desenvolvimento da consciência
Magnusson (1990) e Adams e Gathercole (1995) que fonêmica (Maluf e Barrera, 1997; Lazzarotto e Cielo,
afirmam que as habilidades fonológicas vinculam- 2002). O processo de escolarização é muito importante
se ao desenvolvimento cognitivo. Os resultados para o desenvolvimento do indivíduo, tendo em vista
também estão de acordo com os encontrados por a relevância dos processos de aprendizagem no
Hulme et al. (1984); Roazzi e Dowker (1989) que as desenvolvimento das funções mentais superiores, o
relacionam ao processo maturacional decorrente que justifica o desempenho superior dos alunos de
deste período. Acrescente-se que estas faixas etárias primeira série (Torgensen et al., 1994; Gindri et al.,
sofrem influência conjunta do tempo de 2005).
escolaridade, o que favorece o desenvolvimento da As habilidades de memória de trabalho e
consciência fonológica (Capellini e Ciasca, 2000; consciência fonológica favorecem o desenvolvimento
Capovilla et al., 2004). da alfabetização, segundo Mann e Llberman (1984),
As diferenças quanto à consciência fonológica, Santos e Siqueira (2002) e Morgado (2005), com o
tanto em nível de sílaba quanto de fonema e no que concordam resultados da presente pesquisa,
total de desempenho, podem ser explicadas pelo assim como o desenvolvimento destas habilidades
fato de alunos mais velhos (primeira série) estarem tem inter-relação com a aprendizagem (Santos e
em contato com a alfabetização, tanto que Navas, 2002; Etchepareborda e Abad-Mas, 2005).

TABELA 3. Média e desvio-padrão, na avaliação de consciência fonológica ao nível de sílaba, de fonema e resultado total relação à
hipótese de escrita de alunos de pré-escola e primeira série.

Hipótese de Escrita
Consciência Fonológica Pré-Silábico e Silábico Silábico-Alfabético e Alfabético
P
Média Desvio-Padrão Média Desvio-Padrão
nível de sílaba 18,44 3,85 30,82 5,25 < 0,001
nível de fonema 7,35 2,62 16,11 4,81 < 0,001
TOTAL 26,09 5,45 46,91 8,85 < 0,001

p = nível mínimo de significância do Teste T de Student

320 Gindri et al..


Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 19, n. 3, jul.-set. 2007

Conclusão

As habilidades de memória de trabalho e


consciência fonológica se inter-relacionam e guardam
dependência com a idade cronológica e conseqüente
maturidade. Estas habilidades favorecem a aquisição
inicial da escrita pelos alunos de pré-escola e primeira
série, bem como sofrem influência dos estímulos
provenientes da educação escolar.

Anexo
Prova de repetição de palavras sem significado (Kessler, 1997).

Uma Sílaba Emissão Repetição Quatro Sílabas Emissão Repetição


1. bó [‘bó] 1. palifemo [pali’femu]
2. lum [‘lũ] 2. romutega [Romu’tega]
3. rau [‘Raw] 3. pefisuni [pefi’zuni]
4. pin [‘pĩ] 4. morinati [mori’nači]
5. fe [‘fe] 5. jalopurti [žalo’purči]
Duas Sílabas Cinco Sílabas
1. dalu [‘dalu] 1. dojabefari [dožabe’fari]
2. leca [‘lεka] 2. ranocidomi [Ranosi’domi}
3. nusa [‘nuza] 3. zalivemafu [zalive’mafu]
4. bunfe [‘bũfe] 4. gocipobilo [gosipo’bilu]
5. quewsi [‘kewsi] 5. agucafire [aguka’fire]
Três Sílabas Seis Sílabas
1. quentagi [ken’taži] 1. femorituzoli [femoritu’zóli]
2. belsifi [bew’sifi] 2. alcabinteroca [awkabĩte’róka]
3. tonasso [to’nasu] 3. zovibescofari [zovibesko’fari]
4. lanasi [la’nazi] 4. gerobinfoquemi [žerobĩfo’kemi]
5. gamalo [ga’malu] 5. chedizatocaro [šežizato’karu]

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