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Velocidade e Politica L Bites como pensacor en core poder douse Ue Esprta 20 Vieng da Revo Cho Francesa ea a bernie posso pelo eros «pra Tou, Magutave, Napotedo, Gauge ates Sn, an Historia perde espago, ¢ humane, fica subjugado a vertigem da aceleragéo, a velocidade v0 movimento desttoem 0 Tempo: & ma de “Estado de turgéncia”, onde “parar significa Nesta cativante reflexao sobre a implosio da Histiria, Virilio mes. tra comoo homem assume pprimeiro a rua, para depot ber que espace que canta éa estrada, © movimento. Esparta a suicumbiu porque nda naveg Inglaterra se firmou come pot cia porque controlou os mares — as auto-estradas da ¢paca — dei xando as onitras poreneias européias se digladiarem em guertas pelo controle da massa continental quando 0 que conta va cra 0 movimento, as vias de comunicagao, 0 acess rapido as coldnias, a velocidade de desloa ena, A esse respeito, em Tonge Uepoimento a Frangois Ewald 0 Magazine Liaéraire de novembve vie 1995, Vitlio nos revela come, foi surprendido cede pelo impac to da velocidade conjugada com essa forina consagrada de lazer politica que €a guerra: “Um dla, ‘em 1949, estamos almogando. 0 radio anuneia que os alemies esto em Orléans, Pouco tempo depois, ouvimes um barulho cestranho na rua, Como todos os Imeninos, me previpito para ver Velocidade e Politica ee Paul Virilio Velocidade e Politica Tradugao de Celso Mauro Paciornite Preficio de Laymert Garcia dos Santos Estogéo Liberdade | Publicado originalmente em 1977 s0b o titulo Vitee politiquepor Editions Galilee, 9, ue Linné, 75005, Pats, © Preficio: Laymert Garcia dos Santos, 1996 1d Ceo Ma Pani $212 | ayia de Tan Ang Bote V3V9~ sede Toe Mate Lee Helm Macao Ihe : oa srg da Capa: Aya Okano, se lo, Ei [ ceeica mista sel, 80x100em, 1995 ES, Fa | Pe ia Aono# Sura Fan fi mp Mags Azevedo e saya Esto cro ‘Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Virli, Paul ‘Velocidade epolitia Paul Vir Celso Mauro Paciornik. ~Sio Paul: seadugio cio Liberdade, 1996 ‘Tiealo original : Vitesse et politique 1, Mudunga social 2. RevolugBes— Histéria 3. Velocidade I Titulo, 96-1626 €DD-306.2 Incices para catilogo sistemico 1. Waocidade politic Sociologia poitien 306.2 ISDN 85-85865-12-1 1996 OTOCOPIAR ESTELIVRO E LEGAL E VIOLAOS DIREITOS DO AUTOR ‘Todos os direitos para lingua portuguesa reservados EDITORAESTAGAO LIBERDADE Av. Dr. Arnaldo, 1155 (01255-000 Si0 Paulo- SP Tel/Fax (011) 872-9515 em-00100231-5 Indice PREFACIO. 9 PRIMEIRA PARTE A REVOLUGAO DROMOCRATICA 17 1, Do dieito & rua ao ito ao Estado 19 2. Do dircito 3 estrada ao direito a0 Estado 37 SEGUNDA PARTE © PROGRESSO DROMOLOGICO 47 a0 Estado 49 1. Do direito a0 espago 20 dl 2. A guerra pritica 59 ‘TERCEIRA PARTE ASOCIEDADE DROMOCRATICA 65 1. Corpos incapazes. 67 2. Assalto aos veiculos metabélicos 79 3. O fim do prolctariado 95 4, Uma seguranga consumada 113 QUARTA PARTE OESTADO DE EMERGENCIA 121 "Eu ni queria ser sum sobrevivente”™ Jean Mermoz Preficio Velocidade e Politica é um livto de 1977, 0 terceiro de Paul Vitilio, depois de Bunker Archéologie © de Linsécurité du territoire, dois textos dedicados as relagdes entre a guerra ¢ 9 espago. Ao escrever seu segundo texto, 0 autor desembocara num capitulo incitulado “Veicular”, no qual tentou responder a uma questio que se impunha: “Onde estamos quan~ do viajamos? Qual é esse ‘pais da velocidade’ que nunca se confunde ‘exatamente com o meio atravessado?” Seguindo suas intuigdes ¢ associ- agées, Virilio percebeu que ovorre uma mudanga de estado, um crans- porte, pois passamos a habitar um ndo-lugar ~ € se pds a buscar 0 sentido dessa mudanga. Deslocamento, trajeto, transporte, projecio, transmissio, veiculo ~ em “Veicular” todas essas nocbes comecaram a se precipitar para configurar a descoberta desse nio-lugar como um ovo pais ou continente, o da velocidade; mais ainda: para determinar ‘como uma “aristocracia da velocidade” nele se consticufa visando dominar © espago, Em “Veiculae” despontava o sentido da velocidade. © préprio Virilio, numa longa enerevista a Sylvére Lotringer, narra a genese de Velocidade e Politica: “Em ‘Veicular’ comecei a adivinhar certas coisas. Dei-me conta de que a questio da guerra resumiase na ‘questio da velocidade, de sua agate e prodesso, ‘enfim, em tudo © que a circunda. Assim, depois de Linséeurité du servitoire, publiquei lum texto que era menos rico em desenvolvimento, mas mais rico do 9 I | ponto de vista teérico. (..) E um liveo sipido, mas um livro-chave No é 0 mimero de paginas que conta: eu nunca escrevo coisas longas. Meu grande ponto de referéncia nio € Clausewitz mas Sun Tsu. Sua “Arte da Guerra tem apenas 120 piginas. Velocidade ¢ Politica é um pequeno livro importante porque foi o primeito a levantar a questio da velocidade. E uma introdugio a um mundo totalmente novo que nunca havia sido mostrado antes. Nio foram muitos os autores que tocatam na velocida- de. £ claro que existe Paul Morand, algum Kerouac, mas isso ¢ literatura, Para uma visio mais politica da velocidade, hi Marinetti ¢ os futuristas italianos, e depois Marshall McLuhan, que deu um passo nesta diregio — © isso é ido. Velocidade ¢ Politica nio € tio importante pelo que diz, como pela questio que levanta.”” O depoimento de Virilio diz 0 essencial sobre a relevancia de sew pequeno 0, € como ele chegou a concebé-lo. Velocidad e Politica, que tinha como subtitulo na primeira edigio francesa Ensaio sobre Dromolagia*, & uma introdugio a légica da corrida, 4 logics que toma como referéncia absoluta, como equivalente geral, nio mais a riquesa ¢ sim a velocidade. A “questio que levanta” é, precisamente, a da pertinéncia dessa mudanga de perspectiva, ¢ da releitura da Ocidente que ela implica Tal releitura, pordm, s6 se justifica se a propria evolucio histérica estabelecer © primado da velocidade, Assim como Marx concebera a riqueza como equivalente geral a partir do advento do capitalismo, Virilio vai considerar a velocidade como valor a partir do advento da taria do revolugao técnica de sua conexio com a revolugio politica. Nesse sentido, se a légica da riqueza se expressa numa economia politica, a ligica da corrida se explicicaria numa concepsie (eérica capa de arti- " Paul Virilio/Sylviee Lotringer, Pure War, New York, Semiotexe(e), 1983. Na edigio brasleis, Guerra Pura — A miliarizagto do cetidiana, S30. Palo, Brasliense, 1984. Tradusio de Flea Miné e Laymert G. dot Santos. Apresentagto de Laymere G. dos Santos +N. T,- Tanto esta palavea (dromologia) como outras que aparccem no decorter da obra (dromecritico, dromoctacia, dromocrata) sfo neologismos empregalos pelo autor como variantes da palavea grega “dromos" que exptime a idéia de “corida”, “eu So", “marcha, A sinica palaven dicionarizada em portugués com este prefixo € “romomania’, que significa “mania de vagueae; pendor mécbido para a vida cttante™ conforme o Diciondvio Brasileiro de Lingua Poetuguesa (MIRADOR), 10 a pcr ght nn cular velocidade ¢ politica. E essa articulagio que o autor tenta cons- fruit ~ dai a elaboracio do livro em quatro partes: “A revolusio dromocrética™, “O progresso dromolégico”, “A sociedade dromocrética ¢“O estado de emergéncia” oe primeira, Virlio procura mostrar como a dinamica das revolu- goes modernas se alimenta da enorme energia desencadeada pela semsformacio do proletitio-operitio em proletiio-soldado e do prole- tirio-soldado em proletirio-operério; isto é, como nas revolugées as massas so produtoras da velocidade necessiria para tomar de assalto o poder. No entanto, embora produtoras, as massas nfo controlam essa velocidade, ‘¢ sao antes massas de manobra nas maos de uma classe industrial-militar {que, esta sim, capitaliza 0 movimento, ¢ investe-o na ocupagio € no controle dos territérios ¢ de tudo 0 que neles circula. As revolugaes modernas instauram a ditadura do movimento, poem em pritica a idéia politica de nacies em marcha / Na segunda parte, “O progresso dromoldgico”, Virilio ira analisar como a velocidade do assalro, que antes se exercia sobre o espago territorial, se transforma a0 abandonar a terra, c scus obsticulos, ¢ desaparecer no horizonte. Em vez de visar-se um ponto no espago ¢ no tempo, agora pretende-se dominar nao através do confronto mas de uma estratégia indireta, na qual um constante deslocamento de forgas gera uma ameaga permanente. Eo dominio dos inglescs sobre os mares, criando uma zona de inseguranga global que permite prolongar indefinidamente as hostili- dades. A légica da corrida se vransfigura, muda de plano, enquanto a velocidade comeca a se desterrirorializar, ¢ a atengio se desloca do prd- prio elemento (terra, mar) para 0 dinamismo dos corpos automotivos. Eshoga-te, a partic afirmando como idéia pura ¢ sem conteiido, como puro valor, que ame- aga ultrapassar até mesmo 0 valor do capital. No mar, com os ingleses, opera-se a transferéncia da vitalidade natural para a vitalidade tecnolégica, no mar a velocidade deixa de ser metabdlica, pasando a refetir-se a si mesma. Como escreve Virilio: “E precisamente no momento em que 0 ‘esquema do evolucionismo tecnoligico ocidental sai do mar que a subs- ‘€ncia da riqueza comega a desmoronar (..) Tal como na origem da fleet in being « manutengio do monopdlio exige que a todo novo engenho seja logo contraposto um engenho mais rapido, Mas com o limiar das velocidades se estrcitando sem para, fiea cada ver mais diffil conceber © toda uma evolugio, na qual a velocidade vai se n engenho ripido, Ele freqiientemente se torna obsoleto antes mesmo de set aproveitado; 0 produto esti lireralmente gasto antes de ser usado, ultrapassando, assim, na “velocidade”, todo o sistema de lucro da obsolescéncia industrial!” ‘Tornando-se a medida, a velocidede passa entio a dividir a huma- nidade em poros esperangosos (0s que a capitalizam 0 suficiente para continuarem projetando-a infinitamente) & povos desesperancosos (imo- bilizados pela inferioridade de seus veiculos técnicos, vivendo e subsis- tindo num mundo finito). Tornando-se a medida, a velocidade transforma-se na “esperanga do Ocidente” ~ esperanga de supremacia, cevidentemente, consubstanciada no veicula, isto é no veror tecnolégico Na terceia parte, ‘A sociedade dromocritics’, Virilio se volta para 98 efeitos que o investimento na velocidade tecnolégica provoca nos corpos. O objetivo € mostrar como a légica da corrida, desinvestindo da terra e do mundo, e investindo progressivamente no vetor, piomove tum verdadero assalto & natureza do homem, De um lado, hit as elites dromocriticas, que prezam a mobilidade acima de tudo, porque sabem que dominar significa poderinvadir © ocupar uma posigio dominante, © que as leva a buscar préteses cada ver mais sofisticadas. De outro, bi 08 proletirios-soldados € os proletitios-operirias, cujos corpos serio despotenciados, induzidos a uma morte lenta. E se a progressiva desterritorializacao significa para as elites uma intensificagao do domi- nio, para as massas, significa desenrai-zamento, destruiio do habitat, privasio de identidade, exclusto, perda da anima, do movimento. Nesse contexto, enquanto a guerra moderna vai prescindindo cada vez mais do proleririo-soldado, a automasio da producio vai tornando obsoleto © proletirio-operirio, prenunciando 0 fim do proletariado. A esse respeito, é interessante notar como a leitura de Virlio, antes ‘mesmo que 0s anos 80 comegassem a tornar evidente a progressiva superfluidade do proletariado, j previa: "(..) foram-se os tempos em que a energia cinética do proletariado dominava a vida politica apds cer dominado 0 campo de batalha (..). Doravante, 0 corpo animal do proletariado ests desvalorizado como acontecera, antes dele, com os compos das outras espécies domésticas.” A andlise crua, chocante, tevelava uuma tendéncia que os fatos postetioress6 vieram confirmar, A progressiva obsolescéncia do proletariado, mas também a crescente latino-ameti~ canizagio dos paises industrializados, a fusio dos interesses industriais R ‘e militares, a desordem urbana, a desestabilizagao do Estado-nacio, foram criando um clima de inseguranga que os analistas politicos hoje denominam “a nova (desjordem mundial” e que Virlio j& antecipar Com efeito, Velocidade e Politica aponta até mesmo para a transformagio da seguranga numa das principais commodities do capitalismo con temporineo, ¢ para a correlata promogio do gangsterismo (que tem na ‘chantagem, na venda de protegio, a sua principal atividade) ao estatuto de politica oficial. Mais ainda: o livro j4 tematiza como a seguranga deve passar pela imobilizacio dos corpos, pela supressao das vontades ¢ dos gestos. Depois de anunciar que a revolugio dromocrética institui a dita dura do movimento, que o progresso dromolégico estabelece a velocidade desterritorializada como valor supremo, ¢ que a sociedade dromocritica instaura um regime de dominagio exercide através do controle do movimento, Virilio conclui seu répido insight sobre a logica a cottida com algumas consideragSes sobre o estado no qual passamos a viver ~ estado de emergéncia. E escreve: “A manobra que consistia fontem em ceder terreno para ganhar tempo perde todo sentido; atualmente, 0 ganho de tempo € questio exclusivamente de vetores, € 0 territério perdeu seu significado ante o projétil. De fato, 0 valor estratégico do néo-lugar da velocidade suplancou definitivamente 0 do lugar, ¢ a questi da posse do tempo renovou a da posse territorial.” ‘Assim, a guerra e a politica nio sio mais travadas pelo controle e ocupacio do espaco, mas pelo dominio do e no tempo. A dissuasio € a automagio expressam, nos campos militar e civil, esse avango da légica da corrida que troca a estratégia pela logistica, desloca © conflico do estigio da asia para o da concepsio ¢ Petmanente estado de tensio. Velocidade e Politica é, porcanto, como que uma espécie de captasio, numa vertigem, das implicagoes politico-militares da desvalorizagio do mundo enquanto ceatro de operacSes e campo da liberdade de a¢io humana? O livro ¢ 0 registro de uma descoberta fecunda — a supremacia do nio-lugar sobre o lugar — cujos diversos aspectos e implicagdes Virilio neecipa o confronro, gerando um * Geifo do autor 2 Hurl ‘scabou o contara com a rer imunda!” = exlama o frais Marines em 1905. Meio meas passard a explorar em todos os seus textos subseqiientes. E significative que, quase vinte anos depois de seu fangamento, em 1995, 0 autor publique Vitese de libération’, meditagio sobre as transformagdes ope- radas em nossa percepgio desde que os astronautas da Apollo 11 se cemanciparam da forga da gravidade terrestre a 28.000 km/hora, ¢ “cal- ram para cima”. Ali, Vitilio escreve: “Na Terra, a velocidade de liberardo € de 11.200 km por segundo. Abaixo dessa aceleragio, todas as velo: cidades estio condicionadas pela atragio terrestre, inclusive a de nossa visio das coisas, Forga centrifuga e centripeta, de um lado, resisténcia 20 avango, de outro, tode movimento de deslocamento fisico, horizon- tal ou vertical, depende portanco da forga de gravitaco na superficie do globo. Como entéo nio centar estimar a interacio dessa gravidade com nossa percepgao da paisagem mundana?” Viteste de libération & um ensaio sobre 0 que acontece quando a atragio terrestre € superada. Assim, em virtude de seu préprio tema, pode-se dizer que esse livro é a continuagao ou a retomada de Velocidade ¢ Politica. Muitas e enormes mudangas sociais, econdmicas ¢ tecnol6gicas ocorreram no intervalo que separa os dois volumes, e seria até supérfluo enumeré-las. Mas se hi uma que se tornou patente para todos, € a que se refere a0 encolhimento do mundo, a essa estranha contragio que foi aproximando tanto todos os lugares, todas as suas faces, a ponto de fazer dele uma interface. Virilio pressentiu que a revolugio da informacio € 0 movimento de globalizagio conduzitiam tal processo. Por isso mes- imo, € tentador deixar-Ihe a tiltima palavra, como um convite para que © leitor descubra também © que se anuncia em seu tltimo texto: “Ja fundamentalmente depreciado pela poluigio material das subs- tincias (atmosfera, hidrosfers. litosfera.... nosso planeta também o é, embora mais discretamente, pela poluigdo amaterial das distincias (estas, dromosféricas) que nos leva a nos emanciparmas do “solo de referencia” da experiéncia sensivel da geografia — gracas principalmente 4 aquisigio de uma velocidade dita de liberagia ~, mas que tambérn nos obriga a perder as referencias, © contato com as superficies da matéria, para inserever nossa ago interativa no extra-campo de um espaco sem gravi- dade, para tcleagir instantaneamente na trajetéria cibernética de * Paul Viilio, Vitewe de ination, Cll. Espace critique, Pais, Galilee, 1995. “4 ‘uma realidade segunda; como as prdprias nogées de relevo ou de volume ngo afetam mais apenas a matéria e sua terceira dimensio, mas também ia propria realidede da quarta dimensde, provocam entio wma ‘castrofe temporal’, esse acidente do tempo real que hoje vem sobrepor-se & antiga ‘catéstrofe material’, cuja marca o tempo profundo de nossa ‘geologia’ ainda conserva.” Laymert Garcia dos Santos, abril de 1996 15 Primeira parte A revolucio dromocratica Do direito a rua ao direito ao Estado "Eta massa de individuct gue a menor unidade silcar apreenca ao albar, uni ranma vigem contum ‘cuusewrr, 1806, Em todas as revolugies, a circulagio € uma presenga paradoxal. Em junho de 1848, observa Engels: “Os primeiros ajuntamentos acon- tecem nos grandes bulevares, onde a vida de Paris circula mais intensa- mente.” Menos de um século mais tarde, Weber comenta sabre 0 desaparecimento de Rosa Luxemburgo e K. Liebknecht, como se estivesse tratando das conseqtiéncias de uma colisio, de um engavetamento: "Eles invocaram a rua ¢ a rua os matou!” A massa nfo é um povo, uma sociedade; é uma multidio de passantes. O contingente revelucionitio ‘fo atinge sua forma ideal nos locais de producio e sim na rua, quando deixa de ser, durante algum tempo, substituto técnico da méquina ¢ tomate, ele préptio, motor (maquina de assalto), isto &, pradutor de vwelocidade. Para a multidio de desempregados, de operirios desmobilizados ¢ sem ocupacio, Paris é una malha de trajetérias, uma sucessio de suas ¢ avenidas por onde eles erram boa parte do tempo sem objetivo, sem destino, sob assédio de uma repressio policial encarregada de contcolar sua vadiagem. Para os diversos bandos revolucionatios, como os apache?! J: imprensa parsicnse popularizou 0 term depois da agresio de um veculo Baru de Bagot, pox um ban de malekores cj edebe “apacte dour As serviuie de inapiaqan " ¢ outros grupos suspeitos dos bairros periféricos, na hora H_seré mais importante conservar a rua do que ocupar este ou aquele edificio. Em 1931, durante as lutas travadas pelos nacional-socialistas contra ‘0s partidos marxistas na capital alem&, observa Joseph Goebbels: “Quem conquistar a rua, conquistard também o Estadot"? © asfalto seria entio territério politico? © Estado burgués, seu poder, sera a rua ou estaré na rua? Sua forca virtual e sua extensio estario nos locais de circulagao intensa, na via ripida? ‘Assim, escreve ainda Goebbels, a tespeito dos combates de Berti: “O ideal militance ¢ 0 combatente politico dente do Exército Pardo, enquanto Movimento... c obedecendo a uma lei que as vezes nem mes- ‘mo conhece, mas que poderia recitar em sonho... assim, colocamos em marcha seres fansticos.” Ele compara entio, cientificamente, os estenogramas de seus di- versos discursos, os que fizera no interior e depois, em Betlim, cons- tratando que o “conglomerado sociolégico informe” da capital exigiu a invencio de uma “nova linguagem de massa" “O ritmo da metrépole de quatro milhdes de almas palpita como lum sopro ardente em meio as pregacées dos propagandists... Falou-se aqui uma lingua nova e moderna que nada mais tem a ver com as formas de expressio arcaicas e, por assim dizer, populares; este € 0 inicio de um estilo artistico inédito, primeira forma de expressio animada e galvanizante.” A rebelido recompse a matilha (a original, dos cagadores/das razzias). Conduzir os bandos de “soldados perdidos” do exézcito operitio, seus DROMOMANES®, € para seu lider, o mesmo que sublevé-los, “condusiclos a0 ataque como uma matilhs de cies” — precisava Saint. Just =, cadenciar trajet6ria da massa mével com métodos de estimulagio grosseitos, sinfonia polémica, transmitida de longe em lon- ge, de um a outso, polifénica e multicolorids', como sinais e placas de 2, Kampf um Berlin, publicado dois anos antes da tomada de poser pelos nacional- socialists, em 1931, ¢ dedicado por Josoph Goebbels “A velha guarda berlinense do Pars. 3. Dromomanes, Nome dado 205 deserotes na époea do Ancien Régime, e,em pi ‘uiatra, mania deambulacéia (feomommania). 4, Marinette comentérios de Giovanni Lista, Pots dawjourd ui 20 twinsito destinados a acelerar trombada, 0 choque acidental, objetivo final da manifestagio de rua, da desordem urbana. “A propaganda deve ser feita diretamente pela palavra e pela imagem, do pelo escrito”, afirma ainda Gocbbels, ele mesmo um arauto do audiovisual na Ale- manha. O tempo de leitura implica o de reflexio, uma desaceleragio que destrdi a eficitncia dindmica da massa. Se algum monumento é ocasionalmente ocupado pela malta, ele ser rapidamente transfor do em lugar de passagem onde cada um entra e sai, leva e trazj trata de uma tomada com ocupagio temporaria, o saque pelo saque, como se viu em 1975, por ocasifo da queda de Saigon. Existe, a0 longo de toda a histéria, uma errancia revolucionétia no expressa, no revelada, a organizagio de um Pxistino TRANSPORTS: CoLETIVvo que, no entanto, ¢ a prépria revolugio. Assim, a velha convic- slo de que “toda revolugio ¢ feita na cidade”, vem da cidade, e a expres- sio “ditadura da Comuna de Paris’, ucilizada desde os acontecimentos de 1789, nio deveriam sugerir tanto a clissica oposicio cidadc/campo quante_2 oposigio estagio/cisculagio. ‘Apesar das investigagdes comprobatérias sobre os tragados urba- nos, a cidade nio foi priaritariamente percehida como habitat humano penetrado por uma via de comunicasio répida (rio, estrada, litoral, via frrea..). Ao que parece, esquecet-se que a rua € té0-somente uma estrada atravessando uma aglomeragio urbana, ainda que, a cada dia, entretanto, a legislagio sobre a “limitagao de velocidade” dos vefculos, nas cidades nos evoque essa continuidade do deslocamento, do movimento, que apenas a lei da velocidade pode modular. A cidade é apenas uma paragem, um ponto sobre a via sinéptica de uma trajer6- fin, antigo talude de forcificasio snilitas, plataforma de vigildacis, fron- teira ou margem, onde se associam instrumentalmente o olhar ¢ a velocidade de locomogio dos veiculos. Gomo ja disse em outra oportu- hiidade, existe apenas a_circulagio habisdvel ', © esta € particularmente evidente hoje, por exemplo, no Japio, naquelas imensas baralhas revo- luciondtias que se reduzem 4 mera colisio, 4 provacagia do choque com 0 scrvigo de manutenga da ordem urbana, onde a massa superercinada de militantes esti armada com aparelhos audiovisuais, elmeras, gravadores, ete. Fla est consciente do eariter cinético de sua 5:*Gireulation habitable”. Absil de 1966. Architecrare Principe, N 3 au ago, da instantancidade de sua presensa, desaparecendo logo cm se- guida da rua que filma e grava, cles, os préprios passantes, pars quem @ proibigéo de estacionar acumula-se a de se congregar. Escamoreou-se, igualmente, o slogan to revelador dos revoltosos de 1848: “Massas desesperadas”, escreve Engels, “que reclamavam pio, trabalho ou a mor- te.” Na verdade, a palavra de ordem desses “batalhdes operirios”, como ‘cram chamados, ¢ que deviam ser deportados & forca para o interior, ou ‘engajados no exército, era: “NOs FiCAREMOS!”... nés estacionaremos! Tanto_ a utopia socialista do século XIX quanto a utopia democritica da égora_ antiga Toram Titeralmente enterradas sob o vasto canteiro de obras da_ construgio urbana, ocultando 0 aspecto antropolégico fundamental da revolugio, da_prolerarizacio: © fendmeno migratério. Em 21 de setembro de 1788, Arthur Young observa em seu célebre: didrio: “Desde minha chegada a Nantes, tenho ido ao teatro que foi recentemente construido em bela pedra branca. Era domingo e, conse- giientemente, ele estava cheio, Meu Deus! exclamava intimamente. para este espeticulo entao que conduziam todas aquelas charnecas, aque- les desertos, aqueles lamacais, aquelas brumas, aqueles cerrenos pantanosos percortidos ao longo de 300 milhas? Passais sem grande transig¢&o da mendicincia & abundancia, da miséria das cabanas de terra a esplendidos espetéculos que custam 500 libras por sessio. ‘A cidade nova com sua riqueza, suas organizages récnicas inéditas, suas universidades e seus museus, suas lojas ¢ suas festas permanentes, seu conforto, seu saber e sua seguranga, parecia um ponto fixo ideal onde vinha encertar-se uma penosa viagem, um desembarcadouro final da migragéo das massas ¢ de suas esperangas depois de uma travessia perigosa, de tal sorte que se confundiu, até recentemente, uthano © urbanidade, que se tomou pot um lugar de trocas sociais € culturais 0 que nio passava de um entroncamento rodovidrio ou ferrovidrio. Confundiu-se uma encruailhada com a via pata 0 socialismo. ‘Se as municipalidades alugam a prego de ouso-e sobrecarregam de impostos.as janelas-e-fachadas-que-dao-para-as-ruas, as pérticos, é que todos esses detalhies arquitetSnicos-do-domieilio. burgués comportam, tradicionalmente, a possibilidade de comércio € informagio. As vitri- nes das prostitutas holandesas reproduzem, ainda hoje, aquelas ancigas bow-windous, cujo peitoril saliente permitia uma visio panordmica de tudo que chegava e partia, © espeticulo da ruaé a citculagio, o pilgrim’ 2 progress, movimento de progressio, de procissao, simultaneamente via- igem ¢ aperfeigoamento, marcha equiparada ao progresso rumo a alguma coisa melhor, peregrinagio que inundou a Idade Média.® A rua é como. um novo literal: o domictlio, um porto do transporte de onde se pade ‘medir a importincia do fluxo social, prever scus teansbordamentos..As portas da cidade, seus postos fiscais e suas alfindegas sio barreizas, filtros a fluidez das_massas, ao poder de penetragio das hordas migrat6rias. As antigas praias pantanosas e malsis que rodeavam a cidade fontficada, os congeplains do escravo americano, as velhas fortificagses, as periferias pobres e as favelas, mas também o hospicio, a caserna, e a prisio, resolvem mais um problema de circulagio que de enclau- suramento ou de exclusio. Sio todos lugares imprecisos porque, entre duas velocidades de trinsico, agem como freios & penetragio, a sua aceleracio. Situados, desde a origem, nas vias de comunicagio terrestte ou fluvial, clas sio posteriormente comparadas a cloacas, a dguas estagnadas, A interrupeao do fluxo (do progresso), a brusca auséncia de motricidade ctia, inelutavelmente, uma cortupcio quase orginica das massas, “Espasos.neutros, espagos sem género”, escieve Balzac, “onde todos_os_vicios, todos.os infortuinios de Paris encontram asilo.” Ea origem do subirbio, simultancamente jurisdicgao de proibicio ¢ dis- tancia linear ¢ horétia, isto & depdsito e divisio de carga da macéria social como de mercadorias, de viveres, e daquele gado a0 qual 0 prole- tariado “bragal” ¢ equiparado hi milénios, animais um tanto selvagens transformados em bestas de carga ou de guerra. As condigoes de explo- tagio das massas proletarizadas ilustram, perfeitamente, aliés, a definigao de domesticagio de Geoffroy Saint-Hilaire: _“Domesticar um animal ¢ habitui-lo a viver © a se reproduzis nas hrabitagées dos homens ou 20 seu lado.” O “direito de alojamento” nao & como se pretendeu, “o direito 3 cidade”. Como o bande inorginico de animais selvagens, a multidio proletéria waz em si-uma ameaga, uma carga de mistério c de ferocidade. Permite-se que cla, em sua condicéo de “doméstica", congregue-se e teproduze-se-pervo-da morada 80 suas vistas — os problemas do habitat humano propria- mente dito sio absolutamente diferenciados dos do plantel proletério, & Pili progres Lait rave Uh p. 353, colegio Ea, Levis Momfod ne, Eons du Sel 1964 23 de seu alajamento no galinheiro do castclo, nos subitbies da praca forte. Tal como o estibulo ou 0 cercado, 0 alojamento provisério das rmassas migrantes implica seu relativo afastamento da moradia dos ho- mens, isto 6, da cidade. A burguesia extrairé seu poder inicial ¢ suas caracterfsticas de classe menos do comércio e da inciistria (que, como m especificos ~ conhece-se 0 papel crucial do se sabe, nao Ihe © monasticismo, da cavalaria, etc., no dominio dos bancos, das indisttias...) do que desta implaniagao estratégica, estabelecenda-o “domicilio fixo” como valor (moneritio, social)” da especul: rio), deste direito de enquanto venda ¢ teéfico-do.imével (do imo! tesidir por trés das muralhas das cidades forvificadas: direito 4 seguranga. A preservagio em meio a perigosa migra¢o de um mundo de petegri- nos, compradores, soldados, exilados, deslocando-se-aos-milhaes. A pattir de 1027(a Comuna de Cambrai), as “liberdades urbanas” vio se estender, pouco a pouco, a todas as cidades comerciais — pode-se identifici-las facilmente em um mapa. Elas estao todas logicamente instaladas Js margens-das-principais-vias-fluviais-ou-terresttes, 20 asso ‘que as regides de dificil acess0, como a Bretanha ou o Mevigo Central, apresentam poueas ou nenhuma cidade. A instauragao do poder bur- gués com a revolugio comunal jé pode ser comparada a uma “guerra de libertaggo nacional’, pois opée diretamente uma popu um ocupante militar vindo do Leste que pretende organizar sua con- aquista. A garantia das liberdades urbanas é, em primeito lugar, a rcor- ganizagio do antigo sitio galo-tomano segundo a formula do_castelo fortificado, a construgio daquelas fortalezas impenetraveis que nada tinham a temer das maquinas de guerra de entio, e tudo a temes, cons- tantemente, das surpresas ¢-acdis trazidos de fora, do exteriar, de longe, com a massa némade. Se a organizacio da antiga villa, sua transforma ‘gio em castelo pelo colonizador feudal, erguia suas paligadas ¢ seus taludes de terra contra todos os perigos ¢ flagelos naturais sem distin- Gio, a arquitetura do castelo fortificado que o sucedeu perde este cardter rural ¢ tomna-se genuinamente militar. Ela visa agora um nico inimigo: co homem de guerra. Além do mais, o que diferencia a fortaleza antiga e ada Idade- Média européia, apesar de sua aparente semelhanea, & que 7. Tem. A presen funditra considerada, em si, como sufciente, antes da presen a especulativa 24 a esta siktima,_gracas & organizacio arquiteténica de seus espagos inter- hnos®, permite prolongar indefinidamente 0 combate, com seus orificios, seus ressaltos, sts chicanas, suas altas muralhas... 0 recinto fortificado da Idade Média cria um campo attifici ‘onde a coagio pode ser exercida tanto no plano fisico quanto no psicolégica, Depois de Maquiavel, Vauban preconizard energicamente esta maneita de evitar a carnificina ¢ eliminar 0 inimigo pela simples construcéo de um universo topolégico constituido “de um conjunto de mecanismos capar de receber uma forma definida de energia (nas cir- ccunstincias, a massa mével dos ageessores), transfarmé-la e, finalmente, restitui-la sob uma forma mais apropriada... Reorganizada segundo 0 mesmo principio, a fortaleza comunal faz desse campo um paleo continua sendo um “campo de armadilhas” estendido ao adversario, mas este tilrimo muda uma vez mais de natureza, pasando a ser doravante um inimigo social. Além de sua funeo milicar, a muralha dessa praga forte assume uma fungio de classe; € sua concepgio poliorcética que a capacita a prolongar indefinidamente o enfrentamento social. A burguesia comunal cria um novo fenémeno, uma espécic de guerra prolongada ¢ paciente que teria toda a aparéncia da inércia da paz, sem as efusdes sangrentas da antiga guerra civil, das explosoes sazonais ¢ das movimentagées violentas do campo de batalha camponés, © poder burgués é militar antes de ser econdmico, mas cle se relaciona mais precisamente & permanéncia oculta do estado de sitio, a0 surgimento das pragas fortes, essas “grandes miquinas iméveis diferes temente fabricadas””. Da mesma forma, a decadéncia da burguesia enclausurada ea perda de sua vontade propria, estario relacionadas a0 fracasso de sua técnica militar (no Ambito dos conflitos terrestres), naquele ‘momento cm que, como observa Montesquieu: “Com a invengio da pélvo- 2 no h4 mais lugar inexpugnivel.” ‘Clausewitz mostrou admiravelmente 0s mercenstios das grandes cidae des italianas, e depois, das européias, prestando servigos as economias pode- ros, as inicas capazes de fornecer 20 empresirio militar um orgamento cada 8 Paul Visio, Linctarié du terre, p. 77 © sepimtes, colegio Monde Ours, Stock, 1976, , . 9. Curso de fortifcagio permanente da Feo ‘applica 1888. Citagio de Vauban n du génie er de Varillese, 25 vez mais substancial: bens ¢ valores tansferiveis que ele poder evar consigo 30 final de seu contrato de engajamenco (donde “esa combinacio evidente entre a moeda e o que pareve fundi-la, seu significado militar”. Marx a Engels, 25 de setembro de 1857), mas nao percebeuclaramente seu papel como conselheira técnico, como engenhciro (fbricante de engeniwos). Ora, séo precisamente os engenbiros militares que-conforme as circunstinciss,sio capazes de. proceger ou destin as segurangas-privadas no interior da cidadela burguesa. E esta, pois, a conjuntura ndo expressa de onde saitio.2s “eases antropdfigas’, no somente a burguesia-mas também a classe militar permanente. A definigio rmanssta do capitalism “consumidor da vids humans-e fandador do-trabalho ‘morto” aplica-se bem a burgucsia, mas enquanto asociada a seu conselheiro téenico. miltay inventando.simultancamente os meios.de_produzir ¢ destruie aquilo que cle produz, empresiria de guerra que estari na origena dos exércitos de Estado e, mais tarde, do complexo industrial-militar. Assim como 0 condeiiere soubera rentabilzar seu sistema de ruina inBluindo na organizagi econémica da cidade, a burguesia corral az em sia mesma soa ambigua de riqueza ¢ de produgio da descruigio ‘A formagao do amélgama fatal produaiu-se na pritica come um encon- tro fortuito: “A importincia estrarégica de uma posigéo nao resulta de com- binagBes mais ou menos hipotétcase sim da prépria configuracio da reo serd um enttoncamento importante de vias de comunicagio, o ponto de cruzamento de numetosas estradas ou a confluéncla de vale.” Como vimos anteriormente, em todo o lugar onde essas condigaes foram ppreenchidas, hi centros populacionais; onde hi circulagio, hé aglomerasio urbana. Em suma, as.condigies que facultaram 0 nascimento das grandes cidades-sio_as mesmas que cornam importantes os pontos estratégicos."” A solugéo impés-se por si mesma e, até 0 seulo XX, quase sempre sc decidiu transformar os centros mais populosos em grandes fortalezas. A Defesa Nacional_continuot misturando, de maneira quase medieval,-os militares aos civis, cujos recursos nfo deixavam.o exército indiferente_(abastecimento, mao-de- obra, alojamento, armamento, etc), 0s préptios-fundamentos-do capi- talismo. A imobilidade de suas riquezas ¢ que permite sustentar diretamente.o estado de sitio! Se a praca forte é uma méquina imével, a tarefa especifica do en- genheiro militar é lutar contra sua inércia. “A finalidade da fortificacio 10, Mem, 26 r io é de deter os exézcitos, de conté-los, «sim dominar e até movimentos” Por volta de 1870, 0 coronel Delair observa: “Toda fort Jeza deve possuir uma certa condigio particular, uma certa forga de resistncia que, entre os homens, chama-se de boa satide. Em tempos de paz, nés, oficiais de fastificagio, somos encarregados de manter_as_ fortalezas cm bom estado de saide...” E um pouco mais adiante: “A arte defensiva deve estar em continua transformagio; ela no escapa & Ici geral de nosso mundo: estacionar é morres." A fortaleza comunal é uma cidade-méquina, a tal ponto que Cormontaigne, Fourcroy ¢ muitos engenheiros do século XVIII, em seus “didrios ficticios devcercos” ou seus “momentos da fortificagéo”, fazem absttagio das tropas encarregadas de sta defesa, como se ela pu- desse funcionar sozinha, e 0 general Villemoisy constata, no século XIX, sua superioridade técnica: “Em trezentos cercos feitos pelos euro- peus desde 0 inicio do século, apenas em uma dezena de casos a fortificagao sucumbiu primeiro.” Os militares aparecem entio como dependences da concepgio geral da praca forte. Carnot preconiza, a esse respeito, a divisia. do trabalho: “Estd comprovado que a bravura a indiistria que, tomadas separadamente, nao seriam suficientes, po- dem, a0 ser reunidas, multiplicar-se muruamente.” Depois de Vauban, 0 defensores da cidade fortificada nao serio ocasionais, O decreto de 28 de setembro de 1886 determinard ainda a permanéncia dos gover- nadores das cidades fortficadas em scus postos, tanto em tempo de paz como de guerra, Da mesma maneira, a guarnicio ficaré adstrita a tarefas cotidianas, cada um de seus integrantes com uma fungio definida invaridvel, repetida dia apés dia (Os ocupantes da Linha Maginet, por sua ver, haviam adquirido hibito de chamé-la de “a fibrica’, Muito tempo depois do desman- telamento da velha cidade comunal c até o século.XX, quando subsistem as grandes fortificacées,-os militares continuam a s¢ abastecer-juntoa seu antigo empregador burgués, tomando-se lentamence “compradores", 0s interesses do empresirio de guerra continuam mesclados aos do ‘capitalismo em esquemas estratégicos permanentes: em,1793, Barére yalesa urbana 1, Idem. Ai também 0 objetivo militar junta-se 20 esquema da for “da evacuacio Desde a origem, & na cidade que se ealocam os problemas da sade, dos “dsjetos" 7 ‘compara a jovem Repitblica (a Comuna de Pars) a tema grande cidade sti, & pede que a Bunga inteim nfo-sia mais que um wisto campo militar. O triunfo politico da revolugio burguesa consist: em estender, 0 conjunto do rertitério nacional, o estado de sitio da cidace-mquina comunal, imével no interior de seu talude logistico ¢ de seus alojamentos domésticos. Em 1795, cla confiard aos novos exérctos ce Camot o encargo de rechaga para longe 0 assalto das massas populares vindas dos subsirbios, cercar o bitro Saint- Antoine, coagir os operitios apavorados a entregar as armas a seus 20 mil soldados que "j4 néo se lembravam que eles pertenciam a0 povo’(Babeut). O poder politico do Estado s6 é, pois, secundariamente, “o pader— organizado de uma classe para a opressio de outsa’. Num plano mais material, ele ¢ pili, policia, isto 6, servico de manutengao do sistema viirio, na medida em que, desde a aurora da revolugio burguess, © discusso politico nada mais é do que a retomada mais ou menos consciente de uma série de bandeiras da velha poliorcética comunal, confundindo a otdem social com o controle da circulacio (das pessoas, das mercadorias), €.a revolugio, o levante, com o engarrafamento, 0 estacionamento ilici- {@, 0 engavetamento, 2 colisio, Os resultados das eleicoes municipais, nna Franga, foram exemplares a esse respeito, pois reinscroveram no rer ritétio nacional, em 1977, o velho esquema de Baréee, dividindo a Franca em duas: no centro, 0 nticeo decisério da capital, onde a direita triunfa, ¢ a0 redor 0 vasto campo militar do subiixbio e do interior que votou na esquerda porque esté conscience de estar se transformando em um interior onde as atividades produtivas se debilitam. Ao conttitio, essas eleigGes mostram também o quanto © discurso da oposicio esti dominado pelo esquema retrégiado da poliorcética burguesa, confun- dindo a aptidio para 0 movimento de massa com a aptidio para 0 assalto, a ultreta do pilgrim progress. Mais ainda, este-esquema politico! policial admitido.finalmente-nos-tilimos-anos-por-todas as ideologias pesa tanto no planejamento urbano quanto na organizacio planetiria ‘A passagem_da “grande miquina imével” ao Estado-maquina e, final ‘mente, ao_planetaemiquista,.tealiza-se sem dificuldade, Politica de pro- stesso, de mudanga, sio.palavras varias se-ndo-se-cnxergar por tris. da megalépole elétrica, da cidade que nfo pira, a silhueta escura da velha fortaleza lutando-contra sta inércia © para quem parar significa morret Em todas as latitudes, 0 alojamento social, cidade-dormitério ow de trinsico, implantado nos limites das cidades, 4 beira das auto-estradas 28 an ‘ou das vias Férreas, os sistemas de pedigio rodovidrio que com tanta jnsisténcia © governo quer instaurar As postas mesmas de uma capital despovoada pela selegio, os quartéis-generais das forcas policiais instalados nas proximidades, todo esse aparato ¢ tio-somente a reconstituicdo das diversas pesas do motor da fortaleza, com seus flancos, suas gargantas, suas passagens subcerrineas, suas chicanas, a admissio 0 escapamento de suas portas, todo esse controle primordial da massa pelos érgios da defesa urbana. Viuese também, durante a ocupagio alemi, com que facilidade os pseudo-alojamentos sociais de subsirbio (Draney, por exemplo) podi- am, como © velho hospicio, transformar-se em agulhas ferrovistias desviando para oucras viagens, outras deportacées. E préprio de todos os regimes autoritétios, seja qual for sua ideologia, crazer para o primeiro plano o papel moderado dos exércitos das policias (atente-se para sua rivalidade) com respeito A ordem menosprezada da cireulagao politica Pode-se mesmo dizer que a ascensio do-totalitarismo-é perfeitamente cequiparével a0 desenvolvimento do controle estatal sobre a circulasio das massas ¢, portanto, desde a origem, facilmente identificével na his- teria dos grandes organismos administrativos do Estado: ¢ Sully, ele proprio grande mestre das vias puiblicas, quem tira “a administracao das fortificagies’ do marasmo, com 0 edito de 1604, ¢ Ihe imprime uma forma moderna que persistiré até 0 século XX, a despeito de todas as aparentes revolugées. Como observa Tocqueville, “os intendentes das forvficagées acumulam, da maneira mais ambfgua, os encargos civis do Estado com seus encargos militares". No reinado de Luis XIV, Mestine sera encarregado de recrutar companhias permanentes de mineiros, sapadores, barqueitos, que serio a origem do corps dic génie* ¢ substi- {uirio os engenheiros voluntérios, os inspetores do trabalho improvisados ou 05 empreiteiros civis de obras puiblicas, como o célebre Tarade, que estava encartegado simultaneamente do sistema visrio parisiense. Assim, as vésperas da revolugio burguesa de 1789, a0 corpo de engenheiros militares seria atribuida, providencialmente, uma tarefa nacional: * Corps da genie: sulsdviso tdenica das Fargas armadas tecestresencarregada, desde © século XVIII, na Franga, dos tabalhos de fotificagao, omganizagto do cerreno € das vias de comunicagdo, Mais genericamente, génie seria a are do ataque © da defesa dos Postos, locas, ete (N. do T) 29 cencarregava-se nfo s6 da consteusso/destrtisio da muralha urbana, mas também da expansio do talude logistico 20 conjunto do tertitétio (“0 vasto campo militar da nacio", de Bartte), Nao € preciso dizer mais nada sobre a reputagio excepcional do corpo de engenheiros militares, a partir do século XVI, reputagio que transformar-se-ia, no. século XIX, num verdadeiro culto, na filosofia, no romance. O engenheiro é celebrado como “sacerdoce da civilizagao” (Saint-Simon), imagem per- versa da qual voltaremos a falar, mas que surge muito naturalmente depois daquela do “castrametador”, ele préprio padre ou homem de Igreja, encarregado de ensinar “a arte de delimitar os campos ¢ cidades icadas com tracados geomérricos”. (Mas como observa 0 coronel Lazard, jd no se tratava de uma arce epecificamente militar e sim de uma espécie de reino da geometria descritiva projetada sobre os locais, sobre 0 conjunto da naturcza...)"* A classe militar nao nasce dos estados- maiores inchados do Ancien Régime, gabinetes onde se viam marechais € oficiais generais alternando-se, is vezes cotidianamente, no comando dos exércitos tradicionais. Esses nio se aventuravam, em tais condigoes € mesmo que dispusessem de orgamentos consideriveis, a apresentar alguma unidade de pensamento ou uma grande criatividade estratégi- ca. A Unica atividade militar que reivindica entio uma continuidade no plano das idéias € 0 projero logistico da fortaleza urbana. E dessa carga logistica equivoca que nasce o amélgama do planejamento dos combates ¢ da organizagio dos territérios, batizada de “Defesa Nacio- nal” pela revolugio burguesa. ‘Vauban € um precursor, neste caso. Grande leitor de Vitriivio ¢ ‘obcecado pelo modelo colonial romano, ele considera que as bases da guerra sio geopoliticas ¢ universais, que a geografia humana nao deve ficar A mercé da sorte ¢ sim de técnicas de organizacio capazes de con. trolar espagos mais ou menos vastos, impérios mais ou menos duradouros. Esse novo pensamento militar englabava, além do antigo 12, Vauban, Coronel Lazard, Libratie Alcan, 1934, Preficio de Weygand:"O autor ressalta, nos estitos de Vauban, a expresso “pais fonificads”, que ele aproxima, com felicdade, de “tepides fortfcadas"; 0 homem do genie nio & sempre tim precursor? ‘Quando o coronel Lazard estuda mais particulstmenteo engenheito no grande home de guera, ele insite em inocenté-o de qualquer formalism. Ze frm e pve ye 9 ‘verdadeio sistema de Vauban consisin em aplcara foifcco a terena No encontraron nada melhor, ultimamence, quando se tratou de protege nosso solo,” 30 sistema vidrio, a previsio econdmica, 0s problemas genéticos, limentares, etc. Foi também um engenheiro e diteror de fortificagdes, Charles de Fourcroy, que muito naturalmente publicou, em 1782, um dos primeiros organogeamas conhecidos, ¢ seu “Ensaio para uma tabela Jleométrica ou divertimento de um apreciador de mapas sobre os tamanhos de algumas cidades com uma planta ou tabela oferecendo comparacio dessas cidades por meio de uma mesma escala” foi o pri- meiro quadro contemporineo, com dupla entrada, do mapa cientifico da Franga dos Cassini Este pensamento milicar que pretende, pela planificagio funcio- nal, eliminar os acasos que Ihe parecem sindnimos de desastre € ru confunde-se perfeitamente, no final do Ancien Régime, com 0 pensa- ‘mento da classe politica burguesa, seu gosto pela nomenclatura racional, sua incansivel atividade de escriba roralitirio (enciclopedista), a osmose se fazendo & porta das cidades, membrana permesivel entre a estrada e a rua. © chefe da primeira municipalidade parisiense eta, como se sabe, patio da Hanse. A prefeitura controlava 0 porto de arcia, ¢ a nave ppermaneceria como o emblema veicular do que nfo era mais que uma nauta-cidade. As mesmas preocupagdes aparcciam, ainda por volta de 1749, nos erabalhos do oficial de matechalato Guillaute, por exempl “Fim das revoltas, das ocupagées, dos tumultos”, escreve Guillauce, ‘ordem piblica reinari se cuidarmos de organizar 0 tempo € 0 espaco hhumano encre cidade © campo por meio de uma regulamentagio severa do transito, se nos preocuparmos tanto com 0s horirios quanto com os nivelamentos € a sinalizagio, se pela normalizagao do habitat toda a Cidade se tornar transparente, isto é, familiar ao olhar policial.” Atualmente, muita gente descobre, com atraso, que uma-xez-pas- sado o “primeiro transporte coletivo” da tevolucio,.a-socialismo esvazi se bruscamente de qualquer contetido, pelo menos milicar (a Defesa Nacional) ¢ policial (a seguranga, a delagio, os campos militares). Ji € tempo de se render 2s evidéncias: a revolugio é 0 movimento, mas-o movimento nio €-uma revolugo. A politica nada mais é que 13. A Hanse patsiense, a quem se poderia chamar de os “mercadores de dgua € ‘que taficavam com o uso dos tos. (Ver Anciennes lis ampases t. XVID). 31 uma caixa de cimbio; a revolucio, apenas 0 overdrive a guerra “continuagto da politica por outros meios” seria antes uma perseguigéo “policial” em maior velocidade, em outros veiculos. A ultima rasio, justamente gravada nas pecas de artilharia de Luis XIV, exprimia per. feitamente esse procedimento de mudanga de velocidade: a pesa de artilharia € um veiculo misto que sintetiza dois tempos de deslocamen- to, o da carrera, racionada mais ou menos rapidamente, ¢ 0 do projétil, fulminante, rumo 4 explosio, como argumento iiltimo da razéo, Da mesma forma, o “socialismo politico” devido a sua natureza politica (Polis), normalmente fracassa quando cessa a aceleragio da guerra civil rumo & coliséo urbana. Hii quem veja com maus olhos a atual mulkiplicagio dos desfiles em Cidades, das manifestagbes deambulatérias © até mesmo dos “ralis de desempregados” como o de abril de 1977, por exemplo, em Thionville Eles nao perecbem claramente, apés a apoteose esportiva de maio de 1968, a eficécia profissional ou social de tais performances. Entretanto, tais tipos de comperigio urbana, de corridas com obstéculos, tém um objetivo preciso que clissicos da cultura revolucionaia ocidental como 0 Pravda recordavam, ainda no verdo passado: “O desfile nas ruas éa melhi alhadores para a luta pela comada do poder. Jé durante © Ancien Régime, quando a pessoa fisica do monarca cera identificads com 0 Estado, estar lé significava presenga do Estado, ocorrem agitagbes ¢ cenas de revoltas tio logo fica incerto 0 local de moradia do rei. © povo de Paris entra ininterruptamente Palais Royal adentro, contempla o soberano e retira-se mais tranqiilo. Da mesma forma, para as massas proletirias vindas dos campos ¢ dos subirbios, o simples fato de entrar no centro de Paris, de palmilhar suas avenidas ¢ suas twas epulentas, sko formas bem concretas de diminuir uma dis- tancia social ¢ politica real e mensurivel entre a massa ¢ 0 poder cons- tituido do Estado burgués. Com efeito, os movimentos de massa do Ancien Régime, exrando & procura da pessoa do monarca/Estado, prefiguravam esta nova organizagio dos fluxos de citculagao denomina, dh, arbitrriamente, de Revolusio Francesa, ¢ que € tio-somente a orga nizagdo racional de um rapto social. O “levante em massa” de 1793 € 0 rapio das massas. © discurso difundido pela propaganda revohucionstia é para a cidadela burguesa, como seu antigo discurso religioso; ele afasta ¢ 32 dissuade a massa mével, designa que o novo Estado revolucionsrio nfo esté ali, na cidade, na rua, e sim li fonge, distante, na imensidio de uma campanha universal e intemporal. “Abragat”, exclama Grégoire, a extensio dos séculos como a dos départements... liveat-se de wm preconceito muito arraigado que quer circunscrever a Republica a. um territério muito acanhado!” (27 de novembro de 1792). Enquanto atribui novas propriedades e bens imobilidrios para si propria, no local, € ameaca com a pena de morte os questionadores do principio da propriedade (18 de marco de 1793), 0 que a burguesia oferece como territirios a seus “convocades’, sio as estradas da Europa. “Onde estio os és, estd a patria” (ubi pedes, ibi patria) j& dizia 0 Direito Romano, Com a Revolucio Francesa, todas as estradas tarnam-se nacionais! © movimento sans-culotte parisiense precedeu o “levante em mas sas” de 1793, assim como, bem mais tarde, a sinistra aventura das Segdes de Assalto hitlerianas precede a mobilizagéo alema para a guerra total. Como as S.A., 0s sans-eulottes sio dromomaniacos, “estafetas do terror” langados na dianteira da Revolugio pelas ruas de Paris. © decreto de 21 de marco de 1793 legaliza sua fungao especifica: esses milixantes politicos enfierecidos so apenas o& agentes loghticas do terror, membros da “policia’: delacio dos “suspeitos”, vigilancia dos bairros ¢ dos iméveis, ificados de civismo, prisdes, mas também abastecimento, centrega de co tirclagio e wansporte mario dos genes alimenicios, eonttole dos precos... Em maio eles serio integrados 20 exército do Interior, e angados ‘em colunas infernais nas estradas dos departamentos; um ano mais tarde, seus chefes serio executados, como aconteceu com os chefes supremos das S.A., em 30 de junho de 1934, na “noite dos longos punhais”. A revolugio nada mais é que o desvio do velho assalto social. Carnot, como bom membro do Génie, canaliza sua vaga humana para longe da fortaleza comunal, para as “zonas dos exércitos’. Ele retira seus contigentes prioritariamente das forcas populares parisienses. O soldado do Ano II é arrancado da rua que pretendia conquistar ¢ engajado na viagem irracional, a deportagao da “marcha forgada’ longa ¢ mortifera “O novo exército” escreve Carnot, “é um exército de massa esmagando sob seu peso 0 adversirio numa ofénsiva permanente, x0 canto da 33 uma caixa de cambio; a revolucdo, apenas 0 over-drive a guerta “continuapdo da politica pot outtos meios” seria antes uma perseguigio “policial” em maior velocidade, em outros veiculos. A ulsima ratio, justamente gravada nas pecas de artilharia de Luis XIV, exprimia per feitamente esse procedimento de mudanga de velocidade: a pesa de antlharia é um veiculo misto que sintetiza dois tempos de deslocamen (0, o da carrera, tracionada mais ou menos rapidamente, ¢ 0 do projétil, fulminance, rumo 3 explosio, como argumento tikimo da razio. Da mesma forma, 0 “socialismo politico” devido a sua netweza politica (polis), normalmente fra tumo 4 colisio urbana... HA quem veja com maus olhos a atual multiplicagao dos desfiles em cidades, das manifestagoes deambulat6rias © até mesmo dos ‘ralis de desempregados” como o de abril de 1977, por exemplo, em Thiomille Eles ndo percebem claramente, aps a apoteose esportiva de maio de 1968, a eficicia profisional ou social de tais performances. Entretanto, tais tipos de competico urbana, de corridas com obsticulos, tém um objetivo preciso que cléssicos da cultura revolucionstia ocidental como 0 Pravda recordavam, ainda no verio passado: “O desfile nas ruas é a melh Dreparasio possivel dos erabalhadores para a luta pela comada do pode. Ji durante 0 Ancien Régime, quando a pessoa fisica do monarea ra identificada com 0 Estado, estar lé significava presenga do Estado, ocorrem agitagdes e cenas de revoltas tio logo fica incerto 0 local de moradia do rei. © povo de Patis entra inineercupeamente Palais Royal adentro, contempla o soberano e setira-se mais trangiiilo, Da mesma forma, para as massas proletirias vindas dos campos ¢ dos subtitbios, o simples fato de entrar no centro de Paris, de palmilhar suas avenidas suas ruas opulentas, sae formas bem concretas de diminuir uma dis- tincia social ¢ politica real e mensuravel entre a massa e 0 poder cons- tituide do Estado burgués. Com cfeito, os movimentos de massa do Ancien Régime, exrando & procura da pessoa do monarca/Estado, prefiguravam esta nova organizasao dos fluxos de circulacéo denomina. da, arbierriamente, de Revolugio Francesa, ¢ que étio-someate a orga nizacio racional de um rapto social, © “levante em massa’ de 1793 0 rapto das massas, O discurso difundido pela propaganda revolucioniria é, para a cidadela burguesa, como seu antigo discurso religioso; ele afista e ssa quando cessa a aceleragio da guetra civil 32 dissuade a massa mével, designa que © novo Estado revolucionsrio nfo esti ali, na cidade, na rua, ¢ sim 1é longe, distante, na imensidio de ‘uma campanha universal ¢ intemporal. “Abragar”, exclama Grégoire, “a extensio dos séculos como a dos départements... livearese de um preconceito muito arraigado que quer citcunscrever a Repiiblica a um territério muito acanhado!” (27 de novembro de 1792). Enquanto atribui novas propriedades € bens imobiliarios para si propria, no local, ¢ ameaga com 2 pena de morte os questionadores do principio da propriedade (18 de marco de 1793), 0 que a burguesia oferece como errtérios a seus “convocados”, sdo as estradas da Europa. “Onde estio os pés, estd a patria” (ubi pedes, sbi patria), jA dizia 0 Direico Romano. Com a Revolugio Francesa, rodas as extradas tornam-se nacionais! © movimento sens-culotte parisiense precedeu o “levante em mas- sas’ de 1793, assim como, bem mais tarde, a sinistea aventura das Segbes de Assalto hitlerianas precede a mobilizacao alema para a guerra total. Como as S.A., 08 sans-culoties sio dromomaniacos, “estafetas do terror" lancados na dianteira da Revolucio pelas ruas de Paris. O decreto de 21 de margo de 1795 legaliza sua funcio especifica: esses militantes politicos enfirecides sdo apenas os agentes ogisicos do terror, membros da ‘policia’: delacio dos “suspeitos”, vigilancia dos bairros e dos iméveis, entrega de certificados de civismo, prisées, mas também abastecimento, circulagao e transporte marftimo dos géneros alimenticios, controle dos pregos... Em maio eles serio integrados ao exército do Interior, e langados em colunas infernais nas estradas dos departamentos; um ano mais tarde, seus chefes serio executados, como aconteceu com os chefes supremos das S.A., em 30 de junho de 1934, na “noite dos longos punhais”. A revolugio nada mais ¢ que o desvio do velho assalto social. Carnot, como bom membro do Génie, canaliza sua vaga humana para longe da fortaleza comunal, para as “zonas dos exércitos”. Ele retira seus contigentes prioritariamente das forgas populares parisienses. © soldado do Ano II é arrancado da rua que pretendia conquistar € cngajado na vviagem irtacional, a deportagio da "marcha forcada’ longa ¢ mortifera. ‘© novo exército” escreve Carnot, “é um exército de massa ermagando sob sex peso 0 adversario numa ofensiva permanente, ao canto da 33

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