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ATU a Lit FORENSE JOAO EUNAPIO BORGES CATEDRATICO DE DIREITO COMERCIAL DOS CURSOS DE BACHARELADO E DE DOUTORADO DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS TULOS DE CREDIT FORENSE CAPITULO I Crédito e titulos de crédito O CREDITO 1. Os titulos de crédito, geralmente considerados como a mais notavel criagio do direito comercial moderno, constituem o ins- trumento mais perfeito e eficaz da mobilizacéo da riqueza e da circulacao do crédito. Cumpre, pois, antes de dizer 0 que é 0 “titulo de crédito”, lembrar 0 conceito de crédito, sob 0 aspecto que interessa a nossa disciplina. Em qualquer operacdo de crédito 0 que sempre se verifica é a troca de um valor presente e atual por um valor futuro. Numa venda a prazo, o vendedor troca a mercadoria — valor presente e atual — pela promesa de pagamento a ser feito futuramente pelo comprador. No miituo ou em qualquer modalidade de empréstimo, & prestacéo atual do credor corresponde a prestacgdo futura do devedor. O crédito 6, pois, econémicamente, a negociacdo de uma obri gacao futura; é a utilizacdo dessa obrigacdo futura para a reali: zacao de negécios atuais. &, em suma, como diz WerNER Sompart, © poder de compra conferido a quem nao tem-o-dinheiro necessario para Yealizd-la. Ou, como ja dizia Sruarr Mrz, é a permissio de usar 0 capital de outrem. Na _nog&o. de crédito estao implicitos os seguintes elementos: @) a confianga: quem aceita, em troca de sua mercadoria ou de seu dinheiro, a promessa de pagamento futuro, confia no devedor. Confianga que pode nao repousar exclusivamente no de- vedor, mas em garantias pessoais (aval, fianca) ou reais (penhor, hipoteca, etc.) que éle ofereca em seguranca da oportuna. reali- zacdo da prestacéo futura @ que se obrigou; mas, de qualquer forma, é sempre a confianca elemento essencial do crédito; ») 0 tempo, constituindo 0 prazo o intervalo, 0 periodo que medeia entre a prestacéo presente e atual e a prestacdo futura. Como lembra CuarLes GIDE, 0 crédito faz entrar o futuro na esfera dos contratos, constituindo mera ampliacéo da troca, uma troca no tempo e nao no espa¢o. E o mesmo conceito de Knixs, que vé no crédito uma troca dividida pelo tempo, sendo a nao 8 tiruos De contemporaneidade das duas prestagdes a caracteristica de toda operacao de crédito. FUNCAO DO CREDITO 2» Do mesmo modo que a troca nao cria as mercadorias, o crédito nao cria capitais. Mas sao relevantes os servicos que presta & economia, permitindo a melhor utilizacgdo e disseminacio dos capitais existentes, Como ensinam todos os manuais de Economia, constitui fun- € efeito do crédito salvar da esterilidade, fecundar milhées e milhdes de capital que serao utilmente empregados na criacdo de riquezas e que permaneceriam improdutivos nas maos de quem nao quer ou nao pode utilizd-los diretamente. Incluindo-se entre 0s que nao querem ou nao podem empregar diretamente os scus capitais ou as suas economias, além das pessoas impedidas por motivos de idade, sexo, profissao etc. — as que por serem muito ricas se desinteressam’ de qualquer iniciativa pessoal no campo da producao, e as demais, em maior numero, cujas pequenas eco- nomias sao de todo insuficientes para qualquer emprégo produtivo pessoal e direto. O TiTULO DE CREDITO 3. Relembrada a nogao de crédito — negociacao de uma obri- gacdo futura, troca de um valor atual por um valor futuro — digamos que 0 titulo de crédito é, antes de tudo, um documento. O documento, no qual se materializa, se incorpora a promessa da prestacdo futura a ser realizada pelo devedor, em pagamento da prestacdo atual realizada pelo credor. Como se veré mais adiante, nem todo documento ser titulo de crédito; mas, todo titulo de crédito é, antes de tudo, um qo- cumento, no qual se consigna a prestacdo futura prometida pelo devedor. E a possibilidade que tem o credor de — pelo desconto, pela negociacao do titulo — realizar imediatamente 0 seu valor, uti- lizar para negécios atuais aquela prestacao futura, atualizando-a a qualquer momento, tal possibilidade constitui a principal funcdo do titulo de crédito, % em virtude dela que o industrial pode vender a prazo os seus produtos, recebendo em pagamento pedacos de papel — du- licatas, letras de cambio, notas promissorias ete. — porque, des- contando tais papéis, éle receberé imediatamente aquéle preco que o comprador somente pagara em 60, 90, 120 dias ou mais, por oca- sido do vencimento do titulo que éle assinou. N&o ficara assim, no prazo que medeia entre a entrega da mercadoria e o dia em que 0 comprador se obrigou a pagd-la, privado do capital correspon- dente ao preco dos produtos que vendeu a crédit Por sua vez, 0 atacadista que comprou a crédito, vendera tam bem a crédito, ao varejista, éste, do mesmo modo revenderé a chéorro & THTULOS DE cREDITO ° mesma mercadoria a seus fregueses. E cada um receberé em pa- gamento, em vez de dinheiro, pedacos de papel, titulos de crédito, que, pela mesma operacao do desconto, se converterao imediata- mente em dinheiro. Dai aquéle efeito em aparéncia quase miraculo- so apontado pelos economistas A criacdo dos titulos de crédito; ela equivaleria a verdadeira ‘multiplicacao do capital, pela possibili- dade de sua simultanea utilizacdo por diversas pessoas; aquela mesma mercadoria, vendida e revendida varias vézes até chegar as méos do consumidor, deu origem a diversos titulos de crédito que, descontados, ensejaram ao industrial e a cada um dos comercian- tes intermediarios 0 g6zo simultaneo de um so capital. Dai a exa- tiddo do conceito de Wurracker (José Maria), que vé no titulo de crédito 0 documento capaz de realizar imediatamente o valor que representa. O devedor sé o pagara no vencimento; mas o credor, mediante o desconto do titulo, realizard desde logo o seu valor. Dai o entusiasmo de economistas e comercialistas que, com Macteop, Giorci e muitos outros, afirmam que os titulos de crédi- to tém contribuido mais que todas as minas do mundo para © enriquecimento das nagoes. Por meio déles, o direito consegue yen- cer tempo e espago, transportando com facilidade bens distantes e materializando no presente — atualizando-as — as possiveis ri- quezas futuras. NOCAO E REQUISITOS DO TiTULO DE CREDITO 4. Materializando-o em um pedaco de paptl, estruturando 0 titulo de crédito, 0 direito dotou a economia dos meios necessarios & circulagdo facil e segura do crédito. Térmo final de lenta evolugdo,' 0 titulo de crédito, para exer- cer com eficacia a sua funcao, deverd satistazer os dois requisitos ‘A transmissibilidade das obrigacdes patrimoniais, sob 0 set. aspecto ativo — a cessio de créditos — é conquista do direito moderno Embora préticamente fosse ela possivel, quanto aos seus efeitos prin- cipais, tedricamente nunca foi ela admitida pelo direito romano. Teori- camente impessivel porque, sendo a obrigacéo. vinculo_eminentemente Pessoal, a pessoa constitui elemento essencial da obrigacao. Mudado tal elemento, desaparece a primitiva obrigacao, surgindo outra Mas diversos expedientes e ficcdes conciliaram o respeito aparente ao yelho principio com as imposicdes praticas, de ordem econémica. A delegatio nominis (exigindo a estipulacao direta entre o devedor e 0 novo credor — 0 cessionario), a procuratio in rem suam (o cessionario, como mandatario do cedente, agia em nome déste que, perante terceiros, conti- nuava como credor), as actiones utiles (criacdo pretoriana, que permitia ao cessionario agir diretamente contra o devedor) foram expedientes atra- vés dos quais se conciliava o rigor dos principios com as necessidades praticas. E como no itiltimo periodo do direito romano era apenas nominal a diferenca entre acdes uteis e acdes diretas, 6 licito aflrmar-se que, na pratica, 0 direito romano conheceu a cessdo de eréditos, Mas, no campo dos principios, permaneceu sempre a incessibilidade. - E tal situac3o — incessibilidade tedrica que nao impedia na pratica as cessdes de erédito — perdura até 0 direito moderno, que deu o pequeno 10 tiruLos DE crédito seguintes:-a) que a aquisicao do documento determine a aquisicao do direito néle consignado; b) que a sua posse seja necessdria e, as vézes, suficiente para o exercicio do direito déle resultante, Sao exigéncias de ordem econémica que o legislador conver- teu em normas juridicas, a fim de que a realizacao da prestacao (prometida no titulo) seja, quanto possivel, independente de cir- cunstancias alheias ou exteriores ao documento ‘Tais exigéncias, que condicionam a circulagao segura e rapida ». ‘0, determinam as diferencas existentes entre os titulos de crédito 'e os documentos ou quirégrafos comuns. _assim que o direito constante de um déstes quirdgrafos muns: @)__ existe sem o documento que, embora util e as vézes ne- cessario como prova, nao é imprescindivel para a existéncia do direito; b)__pode_transmitir-se_sem o documento, que pode acompa- hax_ou n&o.a.cesso.do direito néle mencionado; ¢)_pode ser exigido sem a exibicéo do documento, valendo 4 quitacao dada pelo eredor como prova. oponivel erga omnes da extineao do direito; fo xf Fespectiva.cessaio transmite um direito derivado, de acér- do com a regra classica: nemo plus jus ad alium transferri potest quam habet, O direito do cessionario é o mesmo do cedente, poden- lo o devedor alegar contra aquéle as mesmas excecdes que poderia opor a éste, Se_o documento, porém, f6r_um_titulo de crédito, sera éle ual imprescindivel do direito que néle se contém, de tal forma ue I — 0 direito nao existe s¢ ento ni al se ma- teriatizon; ex) em_o.documento no qu: I — 0 direito_nao_se.transmite sem a transferéncia do documento; __ HI — 0 direito nao pode ser exigido sem a exibi¢gdo ¢ a en- trega do titulo ao devedor que satisfez a obrigacao néle prometida. _,, LV — 0 adquirente do titulo nao 6 sucessor do cedente, na velacdo juridica que o liga ao devedor, mas investe-se do direito constante do titulo, como credor originério e auténomo. Sao-lhe ass Necessirio ao reconhecimento da cessibilidade dos créditos, acolhida ho Codigo de Napoleao € nos que se Ihe seguiram, nos séculos XIX e XX. E que, como salientou Portatis, “la créance est la création de homme; elle cst Voruvre de nos mains; elle est dans le commerce, comme les autres blens, susceptible détre vendue, cedée, transportée”. is (ipbtiBacto, o vinculum juris desprendeu-se da pessoa, passou a ter existéncla objetiva, 0 crédito patrimonializou-se ,__© 0 direito comercial, consagrando a pratica elaboracao dos comer- ciantes, deu um passo a mais nesta despersonalizacio e patrimonizacao do direito que, materializado num pedaco de papel, passou a cireular facil © seguramente, livre das normas que, no direito civil, entravam e dificultam tal cirewlacao. erepite © TiteLos DE cREDITO u inoponiveis as defesas pessoais do devedor contra os seus anteces- sores na propriedade do titulo. Tais caracteristicas do titulo de crédito, extremando-o dos documentos comuns, justificam a cléssica defini¢o de VivaNTE: “titulo de crédito é 0 documento necessario para o exercicio do direito literal e auténomo que néle se contém”.? Ja vimos que para nosso WurTacker, titulo de crédito é 0 do- cumento capaz de realizar imediatamente o valor que éle represen- ta. Definic&o que, sob certo aspecto, é mais abrangente do que a de Vivanre: 6 assim que uma aco nominativa de sociedade and- mima poderia incluir-se entre os titulos de crédite propriamente ditos, na definigdo de Wxracker; nao, porém, na de VivaNTE, uma ‘vez que 0 respectivo titulo representativo n&o constitui documento necessdrio ao exercicio dos direitos resultantes da acao. Pode ser realizado imediatamente, pela venda, o valor representado pela aco, possua ou nao possua seu titular o documento — cautela ou certificado — representativo da agao. 2 © art. 899 do Projeto de Cédiyo de Obrigacées, em tramitacso no Congresso Nacional, perfilhou a definicdo de Vivante: “O titulo de crédito, documento necessirio ao exercicio do direito literal e auténomo néle con- tido, somente produzira efeitos quando encerre os requisitos da lei. CAPITULO IV Classificacgao dos. titulos de crédito COMPROVANTES E TiTULOS DE LEGITIMACAO 26. Fonte de obrigacdéo para os devedores e de direito para © seu proprietario, o titulo de crédito é, antes de tudo, um do- cumento, O documento com que se legitima o titular para o exer: cicio de seu direito, © titulo-de-crédito.6 sempre, pois, um documento de legiti- mac@o,em-virtude.do.qual.o seu possuidor pode exercer o direito constante do titulo, salvo a prova, a cargo de quem o afirmar, de que o legitimado aparentemente pelo documento nao é 0 verdadei- ro titular do direito, Mas, nem todo documento de legitimacdo sera titulo de crédito. Além dos titulos de crédito, ha duas outras categorias de documen- tos de legitimaco: os comprovantes de legitimagao e os titulos de legitimacdo, que s&o (estas duas categorias) os chamados tétulos impréprios. Séo os que VivaNre denomina titulos ao portador apa- rentes. Nos.comprovantes de legitimacao-o-direito do titular nao de- riva do documento, mas de um.contrato ou-mesmo de um simples fato (como.o lugar em uma fila) de que 0 documento é simples rova, O devedor pode efetuar validamente a prestac&o ao apre- sentante do documento, Sao comprovantes de legitimacdo as passagens de énisus, de trens de ferro, recibos.de depésitos,-as fichas dadas nos guichés dos bancos aos apresentantes de cheques ete. Segundo. Vivanre, a titularidade, em tais documentos, opera apenas em favor do devedor, que podera exigir do apresentante do documento a prova de ser 0 verdadeiro titular do.direito. Exem- plificando: a ficha entregue ao apresentante do cheque nao da, por si sd, 0 direito a receber o dinheiro, se o portador da ficha nao for 0 mesmo apresentante do cheque. Quer isso dizer que 0 comprovante de legitimacdo exerce nor- malmente sua funcao em favor do contraente originario e nao de um cessionario eventual. Aliés, freqiientemente, tais documentos (passes e entradas de favor, por exemplo) sao expressamente de- clarados intransferivei Os titulos de legitimacao sio também documentos meramente probatérios, cujo possuidor nao goza de nenhum direito auténomo cLASsIFIcAGAo Dos TiruLOs DE cnéDITO 3 em relacéio ao contrato de que o documento se origina. Mas, ao contrario dos simples comprovantes de legitimagdo, referem-se a direitos transferiveis, operando, pois, a cessio em relagéo ao de- vedor, independentemente de notificacao. Legitima-se, pois, 0 possuidor do documento, quer como con- traente origindrio, quer como cessionario. Entre os ¢itulos de legi- timacdo se incluem os vales postais, e, em algumas legislacées, as cautelas de penhor ao portador ete. ‘Assim, pois, nos comprovantes de legitimagdo, provado que o possuidor nao é 0 titular originario, o devedor nao é obrigado a prestaciio; nos titulos de legitimaedo, a obrigacéo s6 inexistiré se for provada a falta da cessao do credor originario ao possuidor. Em resumo: nos comprovantes de legitimagdo, o possuidor se 1e- gitima como contraente originario; nos tituios de legitimacao como contraente ou cessionario, e, nos titulos de crédito, como proprietario do titulo. CLASSIFICAGOES DOS TITULOS DE CREDITO 27. Os titulos de crédito sao suscetiveis de diversas classifica- ees, que variam de acérdo com 0 critério com que séo feitas: a forma'de circulacdo, a natureza ou 0 contetido do direito, a pessoa do emitente, a natureza ou espécie de emissao etc., etc. Entre intimeras classificacoes, mencione-se por amor a prata da casa, a conhecida classificacao de Carvaruo pz MENDoNca (J.X.), que é, com pequena diferenca, a de Vivanre: 1) os titulos de crédito propriamente ditos, nos quais se ates- ta uma opcraca0 de crédito, figurando entre éles os titulos da divida publica, as letras de cambio, os zcarrants, as debéntures etc. 2) os titulos de crédito impropriamente ditos, nos quais, ain- da que nao representem uma operacdo de crédito, se encontra, a par da sua literalidade e autonomia, id quod quacumque causa debetur: A) Os titulos que permitem a livre disponibilidade de certas mercadorias, tais como: a) os conhecimentos de depésito, emitidos pelos armazéns erais; Bere) os conhecimentos de carga. B) O titulo que permite ao emissor retirar fundos disponi- veis em poder de comerciante — O Cheque — que é sobretudo um titulo de exacao. C) Os titulos atributivos dos direitos de séeio — acées das sociedades anénimas e em comandita por acdes. CRITERIOS DE CLASSIFICACAO 28. Em relacdo & pessoa do emitente, os titulos serao piblicos (apélices, bonus, letras do tesouro etc.) quando emitidos por entes publics ou privados (todos os emitidos por pessoas privadas, na- turais ou juridicas). h 22. TiruLos DE cRépITo Quanto & forma da emissdo, os titulos serdo individuais ou singulares (cambiais, cheques, duplicatas etc.), tendo cada um a sua propria individualidade, e os titulos em série (emitidos em massa), como as apdlices, as acdes e obrigacdes (debéntures) das Socieciades anénimas, os titulos da divida publica etc. Os titulos em série ou em massa, emitidos em geral a longo prazo, comportam freqiientemente o direito a prestacdes periédicas (juros, dividendos etc.), 88 quais podem corresponder ¢itulos aces- Sorios, que se contrapoem, assim, aos titulos principais, de que dependem e a que se referem. Os titulos em massa negocidveis nas Bélsas de Valéres, sao os chamados valéres mobilidrios (valeurs mobiliéres), que se pres- tam tanto para a duradoura aplicacio de capital, como para a simples especulacdo. Os titulos individuais, em geral negociados nos Bancos, que os descontam, sao os titulos ou efeitos comerciais (effets de commerce), sobretudo letras de cambio, notas promis- sorias, duplicatas, warrants etc. Dividem-se ainda os diversos titulos de crédito em causais e abstratos, como foi visto em 0 n.° 10 do Capitulo II, supra. A PRINCIPAL CLASSIFICACAO 29. Para Vivawre, tédas essas classificagdes séo indiferentes & doutrina dos titulos de crédito, que sé interessam a ela, depois de constituidos, e em vista de sua circulagao. De sorte que a unica distin¢xo_a_que_o mestre italiano da importancia e considera fe- cunda, em conseqiiéncias juridicas, ¢ a que divide os titulos de crédito, com base na forma de sua circulagao, em nominativos, a ordem e ao portador. Os titulos nominativos (a que nem todos reconhecem o carater do titulo de erédito) sao emitidos em nome de pessoa determinada € sua transferéncia se opera mediante um térmo de transferéncia, lavrade em liyro proprio (livro de transferéncia de agdes nomina- tivas, de apélices etc.) e assinado pelos cedente e cessionario. Circulacdo segura, mas dificil. Segura, porque a presuncao de propriedade do titulo resultando da inscricdéo do nome do titular no registro do instituto emissor, € nao da posse do documento — como cautela ou certificado de acées ou apdlices — a perda do titulo, por exemplo, nao causaré nenhum prejuizo a seu dono. Enquanto nao assinar éle o térmo de transferéncia, continuara proprietario do titulo, muito embora tenha perdido a sua posse. Mas, circulacdo incémoda.e dificil, sobretudo quando a negociacao do titulo se realiza em lugar diferente da sede do instituto emissor do titulo, na qual se encontra o livro de transferéncia. Assinado 0 térmo de transferéncia, 0 adquirente dos titulos, cujo nome substituira, nos registros do emissor, o nome do cedente, terd direito a novo titulo — cautela, certificado etc. — emitido diretamente em seu nome. cLASSIFICAGKO DOS TiTULOS DE cREDITO 33 Os tétulos ao portador séo os que se transferem pela simples tradicdo. O possuidor do titulo presume-se seu proprietario. Ao contrario, pols, dos titulos nominativos, a circulacéo dos titulos ao portador é facil e rapida, mas, perigosa. Além da simplicidade com que se opera a transferéncia, os titulos ao portador apresen- tam diversas vantagens, inclusive de natureza fiscal. Mas a perda ou furto dos titulos — que se presumem pertencer legitimamente ao portador — pode constituir para o seu titular irrepardvel pre- juizo, dada a dificuldade da recuperacdo dos titulos. 08 titulos @ ordem, os mais importantes, constituem um meio térmo entre os dois outros grupos, Sua circulacdo, menos simples do que a dos titulos ao portador e menos dificil de que a dos zo- minativos, exige também, além da tradicaio do documento, um tér- mo breve — que pode reduzir-se 4 simples assinatura do alienante — lancada no proprio documento. __A transferéncia dos titulos @ ordem opera-se por meio do en- désso, cuja natureza e efeitos veremos oportunamente, e da tra- dicao do titulo. Ou, melhor, a transferéncia opera-se por meio da tradicao documentada com a assinatura do alienante lancada no proprio titulo. A perda ou 0 furto do titulo & ordem, que é sempre emitido em nome de pessoa determinada, nao sera tao grave como a do titulo ao portador, Porque sua utilizacao pelo ladrAo, ou inventor, exigira 0 auxilio de um crime: a falsificacdo da assinatura do verdadeiro titular. Mais facil, pois, do que a dos titulos ao portador sera a reivindicacao e a recuperacdo dos titulos & ordem. NORMAS RELATIVAS A CIRCULAGAO 30. Regra fundamental nessa matéria é que todo titulo nas- ce com a lei de sua circulacdo, a qual pode ser imposta pelo legis- lador ou simplesmente pelo criador do titulo. A imposi¢do de determinada forma de circulagao pode resultar da lei: assim, a nota promisséria é um_ titulo essencialmente & ordem; a letra de cambio (na lei uniforme) também sé pode ser emitida 4 ordem; as ac6es de sociedades serao sempre nominativas, enquanto nao forem integralizadas ete. Quando a lei permite a opeao entre varias formas de circula- cdo, ser a vontade do emitente que determinaré a lei de circulacao do titulo que éle criou: Assim, 0 cheque poder ser emitido ao portador ou, nomina- tivo, com ou sem a clausula & ordem. Cabera entao ao émitente a escolha, podendo emiti-lo sob qualquer das modalidades permi- tidas pela lei. Quer decorra da lei, quer da vontade do emitente, a forma de circulacao do titulo — com 0 qual foi emitido — nao poderé ser alterada pelo tomador imediato ou pelos sucessivos possuidores do titulo. TC. feb. — a 4 ‘riruLos DE crEDITO Assim, emitido um cheque com a clausula & ordem, nao pode- ré o portador suprimir tal ciausula, transformando-a em nomina- tivo, ou, muito menos, em ao portador. Se no fésse assim, ficaria ao arbitrio do portador a imposigao ao emitente de uma obrigacéo diferente da que éle quis assumir: transformando 0 cheque nominativo em ao portador, perderia o emitente possiveis excegdes contra o tomador mencionado no che- que; transformado em nominativo um cheque ao portador, impor- -se-ia ao sacado, contra a ordem do emitente, a obrigacao de iden- tificar o apresentante do cheque. Por isso, a ilicita transformagéo — pelo possuidor — de um titulo ao portador, em nominativo ou a ordem, nao retiraré ao emi- tente (ou ao sacado) nem o direito, nem o dever de pagar ao porta- dor. Isso nao impede, evidentemente, a conversdo dos titulos de ‘uma forma em outra, quando admitida pela lei ou pelo emissor. 0 caso, por exemplo, da conversdo de agdes € apélices nomina- tivas em ao portador e vice versa. A CIRCULAGAO DOS TiTULOS DE CREDITO, NO PROJETO DE CODIGO DE OBRIGAG6ES 31. O Projeto de Codigo de Obrigagées, apresentado ao Con- gresso Nacional e cuja parte relativa 20s titulos de crédito foi ela- borada pelo Prof, Tz6rtLo DE AZEREDO SANTos, contém algumas inovagées relativas a circulagéo désses titulos. Mencionemos as principais. : © art, 908 dispde expressamente que as disposigses gerais do Titulo I, relativas 9 titulos de crédito, ndo se aplicam “aos do- cumentos que servem sdmente para identificar o direito a presta- ¢&o ou para autorizar sua transferéncia sem a observancia das formas prescritas para a cessao”. Os documentos a que se refere éste artigo séo, como vimos em 0 n.° 23, supra, os comprovantes e 0s titulos de legitimagao. ‘Titulos nominativos, nos térmos do art. 909, séo “os expedidos em favor de pessoa cujo nome conste do registro do emitente” e, de acérdo com o art. 911, “sémente podem ser transferidos através de endésso em préto, efetuada a averbacAo no livro do emitente”. O art. 912, confundindo, em parte, endésso com transferéncia, dispde em seu pardg. unico, que “o endésso se completa pela en- trega do titulo”. N&o: o endésso, mesmo reduzido 4 simples assi- natura do endossante, est4 completo; 0 que se completa pela en- trega do titulo, pela tradicdo, é a sua transferéncia; antes dessa. tradi¢&o, o endésso, embora completo, pode ser cancelado. O art. 913, acolhendo norma da Lei Uniforme, de Genebra, dé ao tomador o direito de, mediante clausula expressa, impedir © endésso do tftulo, cuja transferéncia se fara, entaéo, mediante cessio, CLASSIFICAgAO DOS ‘FITULOS DE CREDITO 35 Completando o art. 913, o parag. tinico do art. 912 da ao en- dossador 0 direito de proibir névo endésso; n&o se responsabili- zando neste caso perante as pessoas “a quem, nao obstante, fér 0 titulo posteriormente endossado”. Finalmente, consagrando inovacéo que néo consta_do ante- -projeto do Prof. TdF, 0 Projeto de Cédigo de Obrigacées, acres- centa as trés categorias classicas de titulos de crédito — nomina- tivos, 2 ordem e ao portador — uma quarta categoria: os titulos valéres, que poderao ser nominativos ou ao portador (art. 941) e cuja nocao é dada no art. 939: “pelo titulo-valor incorpora-se 0 di- reito de participacdo de seu possuidor nas vantagens por éle atri- buidas”, Acrescentando o art. 940 que “o titulo-valor conteré no seu proprio contexto as indicagées prescritas na Jei que autorizar @ sua emissao”. Como se vé, é muito vaga a nogdo de titulo-valor constante do Projeto. Todo titulo de crédito é, em rigor, um titulo-valor, um Wert- papier, nada justificando que se erija em categoria auténoma o grupo de titulos de crédito (nominativos ou ao portador) a que o Projeto quis referir-se: debéntures, ag6es? CAPITULO Vv A letra de cambio — sua historia ORIGENS , 22. Entre.os-titulos-de-crédito,.o mais importante é, sem divida, a_letra.de.cambio,em térno da qual; como afirmado no Capitulo II, foi elaborada a teoria geral dos titulos de crédito. Onde e como apareceu a cambial, qual a origem de seu nome, que funeao exercia inicialmente de que modo chegou, no térmo de sua evolucao a ser, na sintese de VanErr “Titulo de crédito susce- tivel de circular por endésso, contendo promessa abstrata de pa- gamento de uma soma determinada, vinculando-se solidariamente todos os varios subseritores do titulo”? _ Que caminhos percorreu, desde as suas primeiras origens até hoje, o titulo de crédito por execeléncia, a letra de cambio cujo proprio nome é mistério para os nao iniciados? Em_torno_das.origens.da_letra_de cambio, dizem Supino e Dz Szmo, em vio fatigaram-se exageradamente as inteligéncias dos juristas que,.a respeito, deram largas a freqiientes e indemons- traveis fantasias: desde remota antiguidade, conhecida na india ena Assiria,.a letra de cambio teria sido utilizada pelos judeus, gregos.e- romanos. Atribuem outros sua invencdo, em época mais recente, ou aos judeus expulsos da Franca, ou aos genoveses ou aos gibelinos desterrados de Florenga. Certo @, porém, que a letra de cémbio, propriamente dita, foi completamente desconhecida da_antiguidade, nao se apoiando em documentos seguros, as afirmacdes em contrario. E, como salienta Boxst1, as intmeras pesquisas historicas em térno da cambial serviram apenas. para_confirmar.a_imagem com que Dz TurRRIs comparava_a génese da letra de cambio & de um rio caudaloso formado por grande nuimero de pequenos e desconhecidos afluen- tes, dos quais é impossivel fixar, com preciso, quer o lugar, quer o tempo.em que nasceram. i | ‘Abandonando, pois, a_pré-histéria, fantasiosa, obscura e in- certa do instituto, repitamos, com todos os autores que, se 6 incerta a origem, € fora de qualquer duvida que a difusao da letra de cam- pio se verificou na Idade Média; e é nas comunas italianas que se encontram,historicamente.documentados, os primeiros casos praticos, as_primeiras disposig6es.legislativas ¢ os -primeiros ru- Fimentos doutrinais-sobre.a.letra de cimbio. A LETRA DE CAMBIO — SUA HISTORIA 37 Para Kuntze, os costumes dos cambistas italianos, a pratica dos florentinos e genoveses dos séculos XIII, XIV e XV, devem con- siderar-se a unica fonte de téda a matéria cambidria. Alias, como salienta VALERY, ndo ha uma so das instituicdes mercantis moder- nas cuja_fonte nao se encontre no jus mercatorum formado nas corporacées medievais italianas. © CONTRATO DE CAMBIO 33. A multiplicidade de pequenos Estados, cada um com a sua moeda, a necessidade geral de enviar somas de dinheiro de um para outro lugar, através de estradas perigosas e inseguras, e, pois, as dificuldades e os riscos com que se efetuavam tais re- messas, tudo isso explica 0 aparecimento, 0 éxito e a rapida difusao da letra de cémbi0, que surgiu modestamente como simples instru- mento de permuta e de transporte de dinheiro. Ao contrato de cdmbio, de que inicialmente era o instrumento, deve a letra de cambio a sua denominagio. A palavra cambium designava, genéricamente, qualquer troca, mas, especialmente a permuta de dinheiro, atividade a que se dedicavam profissionalmente os banqueiros que, por isso, eram chamados cambiatores ou campsores. Havia duas_espécies de _cambio..O-cambio-manual.ou.real (cambiumminutum. sine litteris) que consistia na simples. troca. imediata de _moedas diferentes: as operacdes que fazem hoje as Casas de Cambio, permutando cruzeiros por délares, libras por francos etc. E 0 cambium trajecticium, por meio do qual o banqueiro 1 cebia dinheiro, que se obrigava a restituir em outro lugar e, natu- ralmente, na moeda désse lugar. Essa diferenca de lugar — a distantia loci — era 0 elemento essencial e caracteristico do contrato de cambio, por forca do qual © banqueiro se obrigava a pagar em outro lugar, a transportar a moeda recebida de um para outro lugar (cambio trajecticio). Essa troca, ésse cambio de moeda presente (de pecunia prae- senti) contra moeda ausente (cum pecunia absenti), constituia © contrato de cambio, que, embora nao obrigatoriamente, se rea- lizava normalmente por escrito e era o cambium per litteras. O instrumento do contrato de cambio (instrumentum ex cau- sa cambii) era a cautio, lavrada por notario (tabeliao) que conti- nha o reconhecimento da divida proveniente da moeda recebida (valuta) e da obrigacao de pagar o equivalente no lugar e tempo convencionados. Com a declaracao de que o pagamento seria feito pelo proprio banqueiro ou por mandatario seu (per me vel meum nuntium) a quem entregou o dinheiro ou a mandatario déle (¢ibi vel tuo nuntio). Faltando a diterenea de lugares, a distan‘ia loci, que era a causa legitima do contrato, a causa cambii, o ato incidia nas penas, da legislacao canénica contra a usura, que enxergava no ato mera, 38. tiruLos DE crEDITO simulacdo, na_qual-se-ocultava um empréstimo usurario: era_o chamado cambio séco (cambium siccum) impuro, morto, ou adul- terino. No legitimo contrato de cambio, a comisséo do banqueiro justificava-se pelo servico e pelos riscos do transporte da moeda; no cambium siccum, ela representava 0 juro do dinheiro, reprimido pelas leis eclesiasticas. Cambia sicca, dizia Batpus, non sunt cambia, sed mutuum usurarium, E 0 Papa Sio Pio V, na Bulla super cambiis, de 1570, condenou as operagdes de cambio quae sicea nominantur. Dai a estreita relacfio existente, na Idade Média, entre a lite- ratura do direito cambidrio e a que versava sébre a usura. Ao_instrumento.ptiblico.do contrato de cambio — a cautio que continha, em substancia, a promessa do banqueiro de efe- tuar 0 pagamento da soma recebida, veio juntar-se, provavelmente culo XIII, uma carta particular do banqueiro a seu corres- pondente,.no lugar do pagamento, encarregando-o de pagar a res- pectiva soma ao apresentante da.carta, da lettera di pagamento. A cautio teria sido a origem da nota promisséria (a _cambiale propria do direito italiano).e.a lettera di pagamento di cambio (também. denominada tracta) constitui a primitiva letra de cam- bio (a cambiale iratéa), cuja denominacdo littera cambii foi ex- pressamente consagrada em 1368 nos Estatutos dos Comerciantes de Pavia. Ao contrario da letra de cambio, a nota promisséria (Cam- biale propria, eigener Wechsel) — derivada da cautio — teve sua eyolucio.paralisada durante muito tempo ¢ sé modernamente soa portancia, precisamente por ser 0 instrumento do con- lenado.cdmbio-séco. Se 0 sacado, o correspondente do banqueiro, deixasse de aten- der a solicitacdo contida na tracta, a acao do portador’ contra o banqueiro nao se baseava, a principio, na littera cambii, mas na cautio, no instrumento publico do contrato de cambio. ‘Aos poucos, porém, & medida que as operagdes de cambio se toraram mais freqiientes, sentiram os interessados que o instru- ‘0 piiblico, dispendioso e demorado, era de todo supérfluo. E 1 cautio, suplantada pela littera cambii, caiu em inteiro desuso, passando a littera, a tracta entregue pelo banqueiro ao tomador a ser considerada prova suficiente do contrato de cambio: a pro- messa de pagamento em determinado lugar, contra a entrega ao banqueiro, pelo tomador da letra, da importancia (valuta) nela mencionada. Dai 0 nome — letra de cambio — que se conservou o mesmo através dos tempos e em todos os lugares. Porque letra de cambio era primitivamente uma carta (ittera) dirigida por um banqueiro a outro, contendo a ordem de pagar determinada quantia que o primeiro havia recebido do tomador da letra, em virtude do con- trato de cambio. A LETRA DE CAMBIO — SUA HISTORIA 39 O PAPEL DAS FEIRAS 34. Se foi grande a influéncia das feiras na fixagéo e na difuséo do jus mercati, em geral (veja-se meu Curso de Direito Comercial Terrestre, pag. 35), na formacdo e desenvolvimento das normas cambiais, o seu papel foi de decisiva e enorme importancia. Nessas periédicas reunides, em que se concluiam e liquidavam 0S negécios tratados nas diversas pracas donde provinham os co- merciantes, convergiam igualmente os banqueiros para o acérto das operacdes cambiais. Como nas modernas Cémaras de Com- pensacao, os banqueiros liquidavam por compensacao as diversas letras apresentadas, tédas com o mesmo vencimento (em feiras) € avaliadas em uma unica moeda convencional e imaginatia (0 scutus marcharum). Para tal compensaco, as letras eram apre- sentadas aos banqueiros no inicio da feira, surgindo dai 0 instituto do aceite, E os demais institutos cambiais — aval, endésso, intervencao ete. — se fixaram e se desenvolveram nestas feiras, cuja influéncia toi tao grande, que os escritores dos séculos XVI e XVII conside- ravam regulares apenas as letras pagaveis nas feiras (letras nun- dinales, as Messwechsel da terminologia alema), as letras prove- nientes do cambium nundinale (as feiras, em Roma, eram cha- madas nundinae, porque se reuniam de nove em nove dias). Tédas as demais eram consideradas irregulares (cambia pia- tearum). Essencial, como vimos, no contrato de cambio, era a diversi- dade de lugares — a distantia loci —. Nas feiras, passou a ter im- portancia 0 prazo, a distantia temporis, a fixagao do vencimento para feira determinada, OS SUJEITOS DO CONTRATO CAMBIARIO — O ACEITE 85. A principio eram quatro, normalmente, as pessoas que intervinham nas relacdes derivadas do contrato cambiario e, pois, da littera cambii: o banqueiro que recebia o dinheiro — a valuta — ¢ emitia a letra, o sacador; a pessoa que dava o dinheiro e re- cebia a letra — 0 tomador; a pessoa encarregada de pagar — 0 sacado — e a encarregada de receber, na praga do pagamento. Sendo as duas tltimas, em geral, mandatarias das primeiras. Com a evolucao do instituto, porém, 0 sacado nem sempre era mandatario ou s6cio do sacador: a letra a éle dirigida se explicava, entéo, por um débito anterior seu ou pela provisio de fundos, oportunamente a éle enviada pelo sa¢ador. Ento, 0 aceite, desnecessdrio, a principio, ou resultante ape- nas do siléncio do gacado ao receber e conservar a letra (aceite tacito, per retentionem litterarum), tornou-se expresso e indis- pensavel para traduzir o acérdo do sacado em assumir a divida do sacador. 40 TiruLos DE cREDITO Questo duvidosa 6 a relativa aos efeitos do primitivo aceite, em relacdo a obrigacéo do sacador. Entendiam alguns que 0 sa- cador se exonerava de qualquer responsabilidade, que era assumida inteira e exclusivamente pelo sacado (como acontece, entre nés, com a marcacdao do cheque); sustentavam outros, que o aceite nao tinha tal efeito, subsistindo ao lado da do sacado, a responsabili. dade do sacador. O costume impés esta segunda solucéo que, ja no século XVI, era por todos acolhida, sem restricdes. PROTESTO — INTERVENGAO — AVAL E ENDOSSO 36. Recusado o pagamento pelo sacado (aceitante ou nao), era indispensavel a protestatio, ato solene a ser realizado perante tabeliao e testemunhas e com base no qual o credor poderia agir regressivamente contra 0 sacador. : : E, desde o século XV, ja era conhecida a intervenco, com que terceiros podiam evitat a desonra da letra, intervindo, no ato da protestatio, a fim de aceitar ou de pagar pro honore litterarum. Aval ¢ endésso, as vézes confundidos na figura do giro-avallo, surgiram igualmente desde os primeiros tempos da letra de cam- bio, assumindo muito cedo ao influxo da pratica mercantil e sob a influéncia das feiras, a grande importancia que tém entre os institutos cambiais. Nos capitulos a éles consagrados, voltaremos & sua historia, DIVERSOS PERiODOS 37. Os autores costumam dividir a historia da letra de cam- bio em trés_periodos,. No primeiro.—. periodo italiano — das origens a 1650, a letra de cambio é exclusivamente meio de troca de dinheiro, instrumen- to do contrato de cambio. No segundo — periodo francés — de 1650 até 1848, é meio de_pagamento, em geral, a servigo dos comerciantes; sobretudo, meio de pagamento de mercadorias compradas a crédito. 1848, data da lei cambial alemé é 0 limite preferido por Kunr- ze e pela maioria dos escritores alemaes. Lemmann, no entanto, prefere como térmo inicial do terceiro perfodo 0 ano de 1794 — data da lei prussiana — que, pela primeira vez, consagrou o prin- cipio fundamental da autonomia dos direitos cambidrios: o pos- suidor de boa-f6 os adquire, mesmo que nao fésse legitimo titular déles o seu endossador. Finalmente, no terceiro periodo — 1848 (ou 1794) até hoje — a letra de cambio ¢ titulo de crédito, com as caracteristicas men- cionadas no inicio déste capitulo, a servico de todos, comerciantes ou nao, Para Bonetti, ARCANGELLI € outros autores, é mais ou menos arbitréria essa diviséo em trés perfodos e a fixacfio da época de cada um. Entendem éles que, em téda a historia da cambial, sé A LETRA DE CAMBIO — SUA HISTORIA 41 se verificou uma transformacao verdadeiramente substancial, de- corrente da introducao do endésso, impondo-se a divisao dessa historia em dois tinicos periodos: antes e depois do enddsso. Antes do endésso, a letra 6 apenas 0 instrumento de um con- trato de cambio, com uma relagao acesséria de delegacfio ou de mandato. Com a introducdo do endésso, e o reconhecimento do direito auténomo do endossatario, a letra adquire sua feicdo defi- nitiva de titulo @ ordem circulante, conquistada em luta ardua contra as naturais resisténcias das tradigdes e dos principios do direito romano A DISCIPLINA JURiDICA DA LETRA DE CAMBIO 38. Criada ao influxo das necessidades do comércio medieval — necessitas industriae mater, dizia Dr Turris — a letra de cambio, como as demais instituicdes mercantis foi disciplinada pelas nor- mas costumeiras elaboradas nas corporacoes medievais e difw didas, através das feiras, entre tédas as cidades mercantis da Eur pa. Normas que, como as demais do direito estatutario, se iam emancipando do direito romano-candnico entao vigente, obedien- tes tao-somente as imposicdes das necessidades do trafico mercan- til e da utilidade do comércio. Coram publici commercii utilitate, dizia Casarrcis, omnes regulae juris silere debent. Segundo Kunrze,.a mais antiga ordenanca cambiaria propria- mente dita é a de Bolonha, em 1569, a que se seguiram diversas outras na Italia, na Bélgica, na Alemanha, na Holanda etc. Entre elas, as Pragmdticas Napolitanas, de 1607, uma das quais proibia a multiplicidade de endossos e exigia no tnico en- désso permitido, 0 reconhecimento da firma do endossador. A célebre ordenanca francesa de 1673 — 0 Codigo Savary — consagrou e consolidou_as normas cambiais que caracterizaram o Chamado periodo francés: € permitida a letra de cémbio, na qual © valor fornecido ao sacador (valuta) seja mercadoria, em vez de dinheiro; a letra é endossdvel sem qualquer restric&o; ¢ admitida a letra ao portador e é expressamente consagrada a regra da ino- ponibilidade das excecdes a possuidor de boa-fé, a quem se atribui, assim, a autonomia do direito adquirido com 0 titulo. Foi mantido, no entanto, o requisito da distantia loci, assim como a necessidade da provisao. O Cédigo francés de 1807 inspirou-se na Ordonnance de 1673, cujas disposicdes principais foram mantidas, como, por exemplo, a necessidade da distantia loci, so abolida em 1894. _ A lei alema de 26 de novembro de 1848 (Allgemeine Deutsche Weehsel Ordnung), que unificou 0 direito cambial alemao, assi- nala a ultima etapa da eyolucdo da letra de cambio, consagrando os principios caracterizadores do periodo alemdo, nos quais, entre muitos, se inspirou nossa lei cambial — a lei n.° 2.044, de 31 de dezembro de. 1908. O nosso inexcedivel Warracker sintetizou, em poucas palavras, © caminho percorrido pela letra de cambio, desde suas origens até 43 TiTULOS DE CREDITO hoje: “no primeiro perfodo, a letra operava a circulacao do dinhei- To; no segundo, a circulagao de valéres; no terceiro, passou a cons- tituir por si mesma um valor”, sendo, pois, a letra atualmente “um titulo representativo de valor contendo implicitamente a obriga- cao de realizar ésse valor”, O DIREITO BRASILEIRO 39. Nosso_velho Cédigo Comercial de 1850 disciplinava as letras de cémbio, letras da terra e notas promissorias no titulo 16 do Livro 1.0 (arts. 314 a 427), inteiramente substituido em 31 de dezembro de 1908 pela lei n.° 2.044. A titulo de curiosidade, mencione-se apenas 0 seguinte: entre as declaracdes exigidas pelo Cédigo, da letra devia constar expres- samente 0 valor recebido, “especificando se foi em moeda, e a sua qualidade, em mercadorias, em conta ou por outra qualquer ma~ neira” (art. 354, IIT); “o endésso — & ordem — sem declarar se é valor recebido ou em conta, confere somente podéres de manda- tario, sem transferéncia da propriedade” (art. 361, III); 0 sacador € obrigado a ter suficiente provisdio de fundos em poder do sacado ao tempo do vencimento (art. 366); as letras da terra séo em tudo iguais 4s letras de cambio, com a tinica diferenca de serem pas- sadas e aceitas na mesma Provincia (art. 425). Em 31 de dezembro de 1908, foi sancionada a lei n.° 2,044 que, revogando “todos os artigos do Titulo XVI do Cédigo Comercial, e mais disposicdes em contrario”, disciplina entre nds a letra de cambio € a nota promisséria. Foi autor do projeto que, com insig- nificantes modificagées, se transformou na lei n.° 2.044 .0 eminente desembargador José ANTéw1o Saraiva, professor da Faculdade Livre de Direito de Belo Horizonte (atual Faculdade de Direito da Uni- versidade Federal de Minas Gerais). Profundo conhecedor de tédas as doutrinas e legislagoes cambiérias, Saraiva era decidido parti- dario do sistema germanico, inspirando-se seu projeto, conforme declaraeao do autor, na teoria da declaragdo de SrecEx. Podendo confrontar-se vantajosamente com as mais perfeitas e modernas legislacdes cambiais, a lei n.° 2.044, em vigor ha quase 70 anos, com pequenas alteracdes se adaptara inteiramente & Lei Uniforme que o Brasil, um dos signatdrios das Convengdes de Ge- nebra, de 1930, se obrigou a introduzir em nossa legislacéo. TENTATIVAS DE UNIFICACAO 40. Se so evidentes as vantagens de um direito comercial comum a tédas as nacoes civilizadas (& imitaco do jus mercati medieval), sd0, por outro lado, grandes as dificuldades que se opdem a ésse ideal de unificagéio. Em matéria cambial, porém, tal unificagéo é mais facil e ten- de a realizar-se ha muitos anos. A LETRA DE CAMBIO — SUA HISTORIA 43 Tal unificagéo, ja vislumbrada em 1746 por Herectus, em seu Elementa iuris cambialis, foi realizada, para os Estados ale- mies, pela ordenanga de 1848 (Allgemeine Deutsche Wechsel Ord- nung). Em 1863, foi emitido por Asser, na National Association for the promotion of Social Sciences, reunida em Gand, um voto su- gerindo a convocagéo de uma conferéncia internacional para tra- tar da unificacaéo das normas relativas & cambial. Depois disso, diversos congressos e associagdes continuaram propagando a mesma idéia, tentando realizar ou pelo menos pre- parar o caminho para a desejada unificagio. De diversas sess6es da International Law Association, reali- zadas de 1875 a 1912, resultaram as Resolugdes de Bremem, inspi- radas no sistema germanico. Representantes de 15 nagdes reuniram-se em dois congressos, em Antuérpia (Anzers), em 1885, e em Bruxelas, 1888, para o fim de ser aprovado projeto unificador elaborado por uma comissio internacional. Sem éxito qualquer déles. © Congreso de Direito Internacional de Montevidéu, em 1889, aprovou uma Convencao de Direito Comercial Internacional, cujo Titulo IX 6 dedicado aos papéis de crédito. Em setembro de 1908, por solicitacdo da Alemanha e da Itélia, © govérno holandés dirigiu-se a 46 Estados, aos quais enviou um questionario relativo a uma conferéncia internacional para a uni- ficagdo do direito cambiario. Em 23 de junho de 1910, com 0 tados convocados, instalou-se a prim’ dela resultando um anteprojeto de e um anteprojeto de lei uniforme (com c&mbio e nota promisséria. em Haia, de 15 de junho a 23 Segunda conferéncia reuniu-se ho a de julho de 1912. Compareceram 38 Estados e, como na primeira, © resultado foi uma convencdo internacional (31 artigos) e um projeto de lei uniforme (80 artigos) sdbre letra de cambio e nota promissoria, com o apoio de 27 Estados. Nas Conferéncias de Haia foram consagrados os prinefpios do sistema alemdo, ou, melhor, teuto-italiano. Pelo dec, 3.756, de 27 de agésto de 1919, foi aprovada pelo Bra- sil a Conveng&o de Haia de 1912 (art. 1.9), dispondo o art. 2.° que “a ratificagao désse ato, pelo Govérno, sé sera feita depois que o texto do regulamento uniforme, a que se refere a mesma Conven- ¢Go, tiver sido convertido em lei”. A Conveng&o de Haia, base e precursora préxima da obra que se realizaria mais tarde em Genebra, teve seus efeitos paralisados pela deflagracdo da Primeira Guerra Mundial, em 1914. comparecimento de 32 dos Es- eira sesso na cidade de Haia, convengéo (com 26 artigos) 88 artigos) sobre letra de 44 TiruLos DE cREDITO A LEI UNIFORME DE GENEBRA 41. Finda a Guerra, o Comité Econémico da Liga das Nacées, correspondendo ao voto formulado em 1920 pela Conferéncia Fi- nanceira de Bruxelas, cuidou de reexaminar o problema da uni- ficago, que fora objeto das Convencées de Haia, solicitando a quatro grandes juristas (Lyon Cagn, Kinin, CHALMERS e JrTTA) um relatério-parecer sObre os meios de realizar a grande emprésa. E uma comissao de técnicos, banqueiros na maioria, foi consultada sObre as dificuldades praticas que se opunham a unificagao. Final- mente uma comissdo de juristas, sob a presidéncia de PERCEROU elaborou dois projetos de convencées e de leis uniformes relativos, um 4 letra de cambio e & nota promissdria e outro ao cheque. Tais projetos mantiveram a maior parte das disposicdes da Convencao de Haia, Assim. preparada, foi-a Conferéncia Internacional convocada pela Liga das Nacdes e, como comparecimento de 31 Estados, entre os quais_o Brasil, representado por Drocticio pr CAMPOS, professor de direito comercial no Estado do Para, instalou-se a con- feréncia em Genebra, no dia 13 de maio de 1930. Como resultado. dos.trabalhos, estudos e debates em que se defrontaram os grandes. especialistas da matéria, foram aprovadas em 7 de junho de 1930.trés.convengées, que foram assinadas por 22 Estados (entre os quais o Brasil): 1.8, uma convencao relativa a Lei Uniforme sébre letras de cambio e notas promissérias; 2.3, uma convencao s6bre conflitos de leis em relagao com letras de cambio e notas promissérias; 3.*, uma convencaio sobre selos em letras de cambio e notas promissérias (assinada esta ultima tami- bém pelo representante da Inglaterra). A primeira convencdo contém dois anexos, sendo um o texto da Lei Uniforme e 0 outro o texto das reservas permitidas, em re- lacdo a certas matérias, nas quais a unificagdéo dos dois sistemas — francés e alem&o — nfo foi possivel, Apesar das restricdes opostas por alguns, como Ferrara JUNIOR, que se refere a lei disforme de Genebra, tem razaio Siva Prvto (Pauzo J.) quando diz que, embora tenha faltado a obra unifica- dora de Genebra a importantissima adeséio dos povos ariglo-sax6es, foi ela “a maior realizacdo no sentido da unificagado internacional, pois permitiu apresentar o sistema continental como um bloco, em face do sistema anglo-americano, ensejando novos estudos de Gireito comparado, que servirdio de base a uma futura lei uniforme universal”. Esses novos estudos de direito comparado foram enfaticamen- te sugeridos por AkMINJo et Carry em relagéio ao sistema inglés, cuja ignorancia éles consideram injusta e prejudicial: “a lei bri- tanica codificada em 18 de agdsto de 1882 é obra notavel, que re- solve de modo feliz, com clareza e preciséo, numerosas questées que as outras legislacdes deixam insoliveis. # lamentavel que a Lei Uniforme nao se tenha inspirado mais amplamente nela”. A LETRA DE CAMBIO — SUA HISTORIA 45 A LEI EM VIGOR NO BRASIL 42. O Brasil deu sua ades&o as trés Convengdes de Genebra em 26 de agésto de 1942, mediante nota da nossa Legacaio em Berna ao Secretario-Geral da Liga das Nacées. Pelo dec. legislativo n.° 54, de 8 de setembro de 1964, foram aprovadas pelo Congresso Nacional as Convencées de Genebra, de junho de 1930 e 19 de marco de 1931, com os seus respectivos protocolos, E © Poder Executivo, pelos decs. n.° 57.595, de 7 de janeiro de 1966, e 0 n° 57.663, de 24 de janeiro de 1966, determinou que referidas Convengées sejam executadas e cumpridas tao inteira- mente como nelas se contém, observadas as reseryas feitas 4s Con- vences relativas as leis uniformes sobre letras de cambio, notas promissérias e cheques. = Em face désses decretos, que lei cambial esta em vigor no Brasil? A lei n.© 2.044, de 31 de dezembro de 1908, ou a Lei Uni- forme de Genebra? Entendem alguns que a Lei Uniforme, Nesse sentido, Awr6N10 Mercapo Junior publicou interessante estudo: esta em vigor, no Brasil a Lei Uniforme, com excecao de alguns dispositivos ‘nao aplicaveis, em virtude das reservas também aprovadas pelo Brasil. A tal ensino aderiu o Prof. ApROALDO Mesgurra pa Costa, Con- sultor geral da Reptiblica, em longo parecer publicado no Didrio Oficial de 26 de setembro de 1968. © assunto é interessante e de sérias conseqiiéncias praticas: por exemplo, seriam ilegais as letras de cambio ao portador, nao admitidas pela Lei Uniforme, e que, no entanto, continuam cir- culando livre e intensamente no Brasil. Parece-me, porém, que a lei n.° 2.044 nfo foi revogada e con- tinua em pleno vigor. O que foi ratificado pelo dec. legislativo n° 54 e mandado executar e cumprir pelos decs. ns. 57.595 e 57.663 sio as Convencoes de Genebra de 1930 a 1931, em virtude das quais se obrigou o Brasil a introduzir em sua legislacdo interna as leis uniformes s6bre as letras de cambio, notas promissérias e che- ques, com ou sem as alteragées permitidas pelas reservas que in- tegram as referidas Convencoes. Assim como fizeram os demais paises que modificaram as suas leis com base nas Convencdes genebrinas, 0 cumprimento pelo Brasil da obrigacdo assumida se faré mediante a conversdo em lei interna do Brasil do texto da lei_uniforme modificado nos térmos das reservas a que ficou condicionada aquela obrigacao. E a nova lei, elaborada e votada em obediéncia & Convencao man- dada cumprir e executar por decreto do Poder Executivo, sé po- dera resultar, normal e constitucionalmente, de texto votado pelo Congresso Nacional, sancionado e promulgado pelo Presidente da Republica, Alias, & época dos mencionados decretos, seria facilimo deixar a materia escoimada de qualquer ditvida: em vez dos inécuos decs. 46 TiroLos DE cRéDITO 57.595 e 57.663, um decreto-lei do Presidente da Reptiblica poria em vigor o texto completo e definitivo da nova lei, sem deixar ao yArio e incerto arbitrio do intérprete a fixacfo das normas da Lei Uniforme que, em virtude dessa ou daquela reserva, nao pudes- sem ser aplicadas. E é pena que, entre tantos decretos-leis do Pre- iente CasTELO Branco, nao tenha figurado mais ésse, que teria eliminado incémoda fonte de duvidas e controvérsias. ‘Acrescente-se que, para aumentar as diividas em matéria de tamanha relevancia e importancia pratica, recente e unanime acérdéo do Supremo Tribunal Federal — do qual ouso divergir — decidiu estar em vigor no Brasil a Lei Uniforme de Genebra, com as reservas, nos térmos dos decretos mencionados acima. Foi re- Jator do acérdao o ilustre Ministro Osvatpo TRIGUEIRO.

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