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Espaco Discente O ATUAL CONCEITO DE VALOR MOBILIARIO* JEFFERSON SIQUEIRA DE BriTO ALVARES 1 — Apeesenracio: 1. A instrumentalidade do conceito de valor mobilidrio ¢ @ mercado financeiro; 2. As tutelas administrativa e judicial do mercado de capitais; 3. Importancia da identificagao precisa do conceito de valor mobilid- rio. II ~ Vatores mosisdnios vo Direiro Comarano: 1. Os sistemas de conceituacdo e sua influéncia sobre o Direito Brasileiro; 2. Os sistemas de conceito restrito: 2.1 Panorama na Europa; 2.2 Direito francés: 2.2.1 As “valeurs mobiligres”; 2.2.2 “‘Valeurs mobilitres” e “effets de commerce”; 2.3 Direito italiano; 3. Direito norte-americano: 3.1 A legislagao sobre “securities”; 3.2 Construcdo jurisprudencial: 3.2.1 “Investment contracts”; 4.2.2 “Securities” tradicionais emitidas sem funcdo de investimento; 3.2.3 Instrumentos financeiros de investimento. 4. Conclusdo sobre 0 direito com- parado. Ill ~ Evovucio DA DOGMATICA DOS VALORES MoBILARIOS NO DiRetTO BRast- zzmo: 1. O sistema da Lei n.4.728/1965: 1.1 Implicacdes da expressdo “valor ‘mobilidrio”; 2. O sistema original da Lei n. 6.385/1976; 3. A ampliagao do rol da Lei n. 6.385/1976; 4. A Medida Proviséria n. 1.637/1998 e a Lei n. 10.303/2001. IV ~ O aruac concerto pe vator mositiAnio: 1. Conceito e defini- (6 jurtdica; 2. Existem valores mobilidrios que ndo se submetem ao regime da Lei n. 6.385/1976?; 3: Categorias tipoldgicas e valores mobilidrios em espécie: 3.1 Titulos emitidos pelas sociedades andnimas e seus derivados; 3.2 Cotas de fundos e clubes de investimento: 3.2.1 Cotas de fundos imobilidrios; 3.2.2 Cotas de clubes de investimento; 3.3 Contratos de investimento coleti- vo: 3.3.1 Certificados de investimento em obras audiovisuais; 3.4 Contratos derivativos: 3.4.1 Contratos a termo; 3.4.2 Contratos futuros; 3.4.3 Opcoes: 3.44 “Swaps”; 3.4.5 Derivativos no direito brasileiro; 4. A negociabilidade publica é elemento essencial aos valores mobilidrios?; 5. A questo dos valo- res mobilidrios como titulos de crédito; 6. Afinal, que é valor mobilidrio?: 6.1 Fungdo econdmica; 6.2 Risco potencial; 6.3 Negociabilidade; 6.4 Forma, delimitar um Ambito material especifico para o exercicio da regulagao estatal sobre a economia, sendo, por isso, instrumental.! I~ APRESENTACAO I: A instrumentalidade do conceito de valor mobilidrio e o mercado financeiro O conceito de valor mobiliario no di- reito brasileiro, A semelhanga de outros ordenamentos juridicos, tem a finalidade de * Baseado na Tese de Léurea de mesmo titulo defendida em dezembro de 2005 na Faculdade de Direito da"USP e aprovada com louvor pela banca ‘composta pelos professores Marcos Paulo de Almeida Esse ambito compreende 0 mercado de capitais e 0 mercado de derivativos, onde se verificam, respectivamente, a oferta pti- Salles (orientador) € Harold Malheiros Duclere Vergosa, 1. Nelson Eizirik, Reforma das S/A e do Mer- cado de Capitais, Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 139, 204 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 blica de investimentos e a transferéncia de tiscos de variagao de pregos entre agentes econémicos. O mercado de capitais, também conhe- cido como mercado de valores mobilidrios, €0segmento do mercado financeiro em que as empresas realizam a captacao de recur- sos junto ao ptiblico mediante a utilizagio de instrumentos denominados valores mo- bilidrios. O mercado de derivativos, ou mer- cado futuro, por sua vez, tem por objetivo propiciar hedge, ou seja, protegao contra a variagdo de pregos de mercadorias (commo- dities) ou de ativos financeiros, também por meio dos valores mobilidrios. Constata-se, assim, que esses merca- dos tém em comum o fato de suas ativida- des desenvolverem-se em torno do mesmo instituto: os valores mobilidrios. Nao s6 em tais mercados se negociam valores mobilid- rios, como somente neles é que essa ne- gociacao, quando publica, pode ocorrer. Disso decorre que 0 conceito de valor mo- bilidrio estabelece os limites dos mercados de capitais ¢ de derivativos, j4 que somen- te neles so negociados publicamente os instrumentos que se incluem nesse concei- to. Assim, sempre que o Estado desejar in- tervir nesses mercados, f4-lo-4 por meio dos valores mobilidrios, ora disciplinando sua emissao, distribuigao e demais aspectos de sua existéncia, ora alterando 0 contetido de seu conceito, Daf a sua instrumentalidade. 2. As tutelas administrativa e judicial do mercado de capitais Por acarretarem riscos & poupanga pblica e a estabilidade da economia, os mercados de capitais ¢ de derivativos es- to submetidos a controle estatal nas esfe- ras administrativa e judicial. No Ambito administrativo, seus parti- cipantes esto sujeitos a uma disciplina le- gal especifica e aos poderes regulamentar e de policia de uma entidade administrati- vacriada especialmente para os supervisio- nar: a Comissao de Valores Mobilidrios (CVM).? No exercicio de seu poder regu- lamentar, a CVM edita atos administrati- vos com 0 objetivo de normatizar as ati dades desenvolvidas, determinando, entre outras medidas, o registro prévio das emis- sdes piblicas de valores mobiliérios ¢ 0 fornecimento de informagées completas a seu respeito. J4 no exercicio do poder de policia, fiscaliza o adequado cumprimento das leis e dos regulamentos por ela expedi. dos, podendo infligir sangGes pelo seu des- cumprimento. Na esfera judicial, os interesses tran- sindividuais dos participates do mercado sio protegidos por meio da aciio coletiva calcada nas Leis ns. 7.347, de 25 de julho de 1985 (Lei da Agao Civil Publica), 7.913, de 7 de dezembro de 1989, e 8.078, de 12 de setembro de 1990 (Cédigo de Defesa do Consumidor).? Essas leis compéem 0 que se pode chamar de sistema brasileiro de prote¢do aos interesses transindividuais no mercado de capitais, conferindo legitimi- dade ao Ministério Publico, as entidades administrativas ¢ as associagées represen- tativas dos investidores para pleitear em juizo ressarcimento pelos danos a eles cau- sados. A abordagem da tutela estatal do mer- cado de capitais coloca em evidéncia a instrumentalidade do conceito de valor mobilidrio. Isso porque, no que respeita tutela administrativa, a ago interventiva da (CVM faz-se mediante a disciplina dos va- lores mobilidrios ¢ das atividades a eles relacionadas — emissao, distribuigao, escri- turagdo, custédia etc. E, no que tange a tu- tela judicial, ela somente abrange os titula- res de valores mobilidrios e os investidores nesses mesmos instrumentos (Lei n. 7.913/ 1989, art. 1°, caput). A ago estatal prote- tora gira em toro, pois, do conceito de valor mobilidrio. 2. Idem, p. 140. 3. Hugo Nigro Mazzilli, A Defesa dos Interes- ses Difusos em Juizo, 18 ed., Sao Paulo, Saraiva, 2005, p. 564. ESPAGO DISCENTE 205 3. Importancia da identificagdo precisa do conceito de valor mobilidrio A pesquisa do conceito preciso de va- lor mobiliério € importante, em primeiro lugar, pela sua presenga em varios segmen- tos do direito patrio, sem que os diversos estatutos legais que o contemplam forne- gam uma explicitagao satisfatéria de seu contetido, isso quando fornecem alguma. A presenca do conceito de valor mo- bilidrio em diversos ramos do direito € re- cente. Logo que surgiu no ordenamento ju- ridico brasileiro, foi objeto de estudo ex- clusivo do Direito Comercial, haja vista sua existéncia estar ligada & prética mercantile a institutos tradicionalmente estudados por esse ramo do direito, como as sociedades e 08 titulos de crédito. Com o passar do tem- poe o aumento da importdncia dos valores mobilidrios para a economia como um todo, 05 reflexos causados em outras dreas da vida social pela sua utilizag4o passaram a atrair a atengio do legislador. Dessa for- ma, 0 conceito de valor mobiligrio difun- diu-se paulatinamente para outros ramos do direito, a medida que passou a ser contem- plado em diplomas legais de natureza ndo- comercial. Atualmente, interessa, por exem- plo, ao Direito Tributério, na medida em que é utilizado para delimitar a competén- cia tributaria da Unido (Constituigao Fede- ral, art. 153, V);* ao Direito Penal, por constituir elemento descritivo de varios ti- pos penais de injusto, como os contidos nos arts. 2°, 7e 9 da Lei n. 7.492/1986;° ¢ a0 4. “Ant, 153. Compete & Unido instituir im- postos sobre: (...) V ~ operagées de crédito, cambio € seguro, ou relativas a titulas ou valores mobilid- ios; (..).” 5. “Art. 28, Imprimir, reproduzir ou, de qual- quer modo, fabricar ou pr em circulagao, sem auto: rizagdo escrita da sociedade emissora, certificado, cautela ou outro documento representativo de titulo ou valor mobilidrio: (..); Art.7%. Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, rftulos ow valores mo- bilidrios: (..); Art. 9°, Fraudar a fiscalizagao ou 0 investidor, inserindo ou fazendo inserir, em docu- ‘mento comprobatério de investimento em titulos ow valores mobilidrios, declaragio falsa ou diversa da que dele deveria constar: (..).” Direito Civil, no que se relaciona ao bem de familia convencional (Cédigo Civil, art. 1.712)6 No Ambito do Direito Comercial — que ocontemplado pelo presente trabalho — a formulagio acurada do conceito de valor mobiliério é importante para delimitar pre- cisamente o ambito material de atuacao da CVM, a fim de se atingir uma atuagao mais eficiente do Poder Piblico na regulagao da economia. Como efeito imediato, reduzir- se-4 a possibilidade de conflitos de compe- téncia dessa autarquia com outras entida- des ou 6rgios responsaveis pela disciplina dos demais segmentos do mercado finan- ceiro, como o Banco Central, por exemplo. Além disso, haja vista que a protecao judicial coletiva se destina aos interesses dos titulares de valores mobilidrios e aos investidores no mercado, a identificagao dos instrumentos que se enquadram naque- Ie conceito e dos limites do mercado de valores mobilidrios contribuir4 para a de- terminago do alcance do sistema brasilei ro de protec&o aos interesses transindivi duais no mercado de capitais, de forma a estabelecer os pressupostos autorizadores da atuaco do Ministério Puiblico e dos de- mais legitimados para a propositura da ago civil piiblica em defesa dos investidores sujeitos a atos lesivos.” II - Vavores MoBILIARIOS No Diretro COMPARADO 1. Os sistemas de conceituagao e sua influéncia sobre o direito brasileiro © estudo da disciplina dos valores mobilidrios no direito comparado revela a existéncia de dois grupos de sistemas dis- 6.““Art. 1.712. O bem de familia consistiré em prédio residencial urbano ou rural, com suas perten- {gas € acessérios, destinando-se em ambos 0s casos a domicilio familiar, e poderd abranger valores mobi- lidrios, cuja renda seré aplicada na conservacao do im6vel e no sustento da familia.” Nelson Bizirik, Aspectos Modernos do Di- reito Societério, Rio de Janeiro, Renovar, 1992, p. 150. 206 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 tintos: de um lado estado os sistemas em que se confere ao instituto um conceito restri- to, baseado na forma dos instrumentos con- siderados; de outro lado esto os ordena- mentos que atribuem uma acepgao abran- gente aos mesmos instrumentos, baseada na sua funcdo econdmica.’ O primeiro grupo possui seus expoentes no direito europeu e 0 segundo € caracterfstico do direito norte- american. A construgao do conceito de valor mobiliério no direito brasileiro recebeu a influéncia de ambos os sistemas. Em sua origem, predominava a influéncia européia, A propria expressio valor mobilidrio ori- ginou-se do termo francés valeur mobi- lidre,’ sendo que, até a edigio da Medida Proviséria n. 1.637/1998, 0 conceito ex- presso por aquele termo era andlogo ao en- contrado no direito francés. A referida medida proviséria, porém, ao introduzir em nosso ordenamento 0 conceito de contrato de investimento coletivo, absorvendo-o do direito norte-americano, representou pro- funda alteragaio do conceito de valor mobi- lidrio, tornando-o préximo do instituto nor- te-americano das securities. Posteriormen- te, comaLein. 10.303/2001, o conceito am- pliou-se ainda mais, passando a compreen- der todos os contratos derivativos, 0 que Ihe conferiu abrangéncia ainda maior do que a norte-americana. A seguir, empreender-se-4 um estudo detalhado dos dois sistemas de conceitua- 40, principiando pela sua disciplina nos paises europeus 2. Os sistemas de conceito restrito 2.1 Panorama na Europa Na Europa, os valores mobilidrios so conceituados numa acepcdo estreita. Em- 8, Waldirio Bulgarelli, “Os valores mobilié- rios brasileiros como titulos de crédito”, RDM 37/ 100, 1980; Arnoldo Wald, “O mercado futuro de in- dices ¢ 0s valores mobilidrios”, RDM 57/7, 1985. 9. Valeur ~ valor, em francés ~ é substantivo feminino e, por isso, as referéncias a valeur mobiliére serdo sempre feitas nesse género. bora a expresso valor mobilidrio tenha sido utilizada, originalmente, apenas na Franga, 0 mesmo instituto, com caracterfs- ticas semelhantes, encontra-se presente em outros paises, em muitos casos sob nomen- clatura diversa,"” Na Inglaterra, por exemplo, a expres- so security designa as agGes e as debéntu- res. Na Alemanha, os Wertpapiere so as ages, debéntures, partes beneficidrias e os titulos comuns de investimento. Na Holan- da, consideram-se valores mobilidrios as ages, as obrigagdes de emissao das com- panhias, as partes beneficidrias e as cotas de fundos miituos de investimento.'" Entre os espanhéis, a expressio valor mobiliario convive com o termo valor negociable. O primeiro consta da Ley de Sociedades Anénimas'? e designa os titu- los emitidos pelas companhias, enquanto 0 segundo foi adotado pela Lei do Mercado de Valores" ¢ carrega um contetido nao definido pelo legislador.'* Em Portugal, consideram-se valores mobiliérios as agGes, as obrigagGes, os ti- tulos de participagao e as unidades de par- ticipagdo em instituigdes de investimento coletivo, os direitos destacados desses ins- trumentos, desde que o destaque abranja toda a emissao ou série ou esteja previsto no ato de emissao, os warrants auténomos e demais documentos representativos de situag6es juridicas homogéneas, desde que negociaveis em mercado.'* 10. Wald, “O mercado futuro...", cit. na nota 8.7.9. I, Bizirik, Reforma das S/A, cit. na nota 1, pp. 145-46, 12, Real Decreto Legislativo n. 1.564/1989, de 22 de dezembro. 13, Lei n. 24/1988. 14, Francisco Satiro de Souza Jr, Regime Ju- ridico das Opcaes Negociadas em Bolsas de Valo- res, Tese (Doutorado em Direito Comercial), Facul- dade de Direito da USP, Sao Paulo, 2002, pp. 67-68 15. Art. I? do Cédigo dos Valores Mobilidrios (Decreto-lei n, 486/1999, de 13 de novembro, com alteragao do Decreto-lei n. 66/2004, de 24 de mar- {¢0). Antes da alteracdo de 2004, o art. 1° do Cédigo admitia a inclusdo de outros instrumentos no rol de valores mobilisrios por ato da Comissio do Merca- ESPACO DISCENTE O tratamento legislativo e doutrinério mais sistemético, porém, deu-se na Franca e exerceu grande influéncia sobre o direito brasileiro. Também o sistema italiano, estruturado em torno dos titulos de crédito, teve grande repercussao no Brasil. Por es- sas raz6es, passar-se-4 ao estudo dos valo- res mobilidrios na Franca e, a seguir, na It4- lia. 2.2 Direito francés 2.2.1 As valeurs mobiliéres Na Franga, o conceito de valor mobi- liério € altamente formal e bem delimita- do, vinculando-se basicamente a titulos emitidos em massa representativos de di- reitos de sécio ou de crédito decorrente de empréstimos a longo prazo."® Para a doutrina francesa tradicional, as valeurs mobiliéres so “titulos emitidos por uma pessoa juridica piblica ou priva- da, por um montante global e determinado, que atribuem direitos idénticos a seus titu- lares em uma mesma emissZo, eventualmen- te reembolsdveis em data Gnica ou por amortizagoes sucessivas, em prazo maior do que a duracdo normal dos créditos de curto prazo. Tais titulos sio negocidveis segundo os modos simplificados do direito comercial e os emitidos em grande nimero por companhias importantes so negocia- dos em bolsa”.!” Note-se que essa definigdo caracteri- za0s valores mobilidrios a partir de elemen- tos ndo funcionais, como a forma de nego- do de Valores Mobilirios ou do Banco de Portugal, desde que representassem situagdes homogéneas que viisassem direta ou indiretamente ao financiamento de entidades piblicas ou privadas e fossem ofertados a0 puiblico, tal qual ocorria no Brasil antes da Lei n. 10.303/2001 (cf., infra, itern HI, 2). 16, Rita de Cassia Luz Teixeira Motta, O Con- ceito de Valor Mobilidrio no Direito Brasileiro, Dis- sertagéo (Mestrado em Direito Econémico), Facul- dade de Direito da USP, Sio Paulo, 2002, pp. 62-63. 17. Georges Ripert-René Roblot, Traité de Droit Commercial, 1, 14% ed., Patis, LGDJ, 1991, p. 1.055 (trad. livre) ciagdo (“negocidveis segundo os modos simplificados do direito comercial”), a homogeneidade dos direitos conferidos (“que atribuem direitos idénticos aos seus titulares em uma mesma emissdo”) e o pra- zo de reembolso (“em prazo maior do que aduragao normal dos créditos de curto pra- z0"). Conforme a conceituagao acima, so valores mobilidrios os titulos representati- vos de empréstimo emitidos pelo Estado ou por outras entidades ptiblicas e as agdes, obrigagGes e partes de fundador (estas, nos estreitos limites em que subsistem) emiti- das pelas sociedades comerciais, bem como 0s direitos destacados desses titulos.'* Des- sa forma, desconsiderando as partes de fun- dador, cuja emissio € possivel excepcio- nalmente, pode-se afirmar que 0 conceito tradicional de valores mobilidrios na Fran- ¢a engloba basicamente titulos representa- tivos de direitos de duas categorias: direi- tos de s6cio (agdes) e direitos de mutuante (obrigagées)."” A dinamica da pratica comercial, en- tretanto, conduziu a diversificagao legisla- tiva dos valores mobilidrios. Em um pri- meiro momento, o legislador criou titulos a meio caminhoentre as agGes'¢ as obriga- bes; depois, Uitulos distintos dos valores mobiliérios cléssicos; e, por fim, consagrou a liberdade-de sua criagdo (art. 339-1 da lei de 14 de dezembro de 1985). 18, Georges Ripert-René Roblot, Traité de Droit Commercial, Il, 11*ed., Paris, LGDJ, 1988, p. 6 19. Thierry Bonneau, “La diversification des valeurs mobilires: ses implications en droit des sociétés”, in Rev. Trim. Dr. Com. Dr. Econ. v. Al, n. 4, 1988, p. 582. 20. Idem, pp. 538-39. Comentando sobre 0 fendmeno de diversificacao dos valores mobilisrios, Ripert e Roblot ensinam que “certos valores mobilid- ios combina as vantagens respectivas da aco € da obrigagio, permitindo ao titular transitar de uma categoria a outra: obrigacdes converstveis em acées, cambidveis contra agdes, com bonus de subscricdo de acdes. Outros se destinam, mais especificamen- te, a drenar capitais privados as empresas nacionali- zadas, sem conferir participago no exercicio do po- der: 0 certificado de investimento corresponde a um REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 Ao cabo desse processo de diversifi- cago, a dicotomia entre ages e obrigacdes passou a nao mais se justificar, j4 que co- megaram a ser criados valores mobilidrios representativos de outros direitos, além daqueles vinculados & qualidade de sécio ou de mutuante. Foi nesse contexto que a lei 88-1201, de 23 de dezembro de 1988, forneceu pela primeira vez uma concéitua- do, fundada, porém, na classica distingao entre acdes e obrigagdes, parecendo des- considerar a diversificagao dos instrumen- tos existentes: “Sao considerados valores mobilidrios, para a aplicagio da presente lei, os titulos emitidos por pessoas juridi- cas piblicas ou privadas, transmissiveis por inscrigdo em conta ou tradigZo, que atribu- em direitos idénticos por categoria e dio acesso, direta ou indiretamente, a uma fra- do do capital social da pessoa juridica emissora ou a um direito de crédito geral sobre seu patriménio” (tradugdo livre). O Cédigo Monetério ¢ Financéiro,! em seu art. L211-2, também trouxe uma de- finigdo de valor mobilidrio, idéntica & da lei de 1988, Incluiu, nao obstante, as cotas de fundos de investimento, como se tem: “Constituem valores mobilidrios os tt- tulos emitidos por pessoas juridicas, piibli- cas ou privadas, transmissiveis por inscri- ¢40 em conta ou tradico, que atribuem direi- tos idénticos por categoria e dao acesso, di- reta ou indiretamente, a uma fragio do capi- tal da pessoa juridica emissora ou a um di- reito de crédito geral sobre seu patrim6nio. “So igualmente valores mobilidrios as participagdes em fundos comuns de in- vestimento e em fundos comuns de crédi- to” (tradugao livre). desmembramento da ago € representa os direitos pecuniérios, separados do direito de voto; o titulo Participativo aproxima-se mais da obrigagao. Apés diversas regulamentagdes fragmentérias, a lei de 14 de dezembro de 1985 propés um quadro geral para todos os “valores compostos’, que ‘dao direito & atr- buigdo de titulos representativos de uma fragio do capital social” (Traité, cit. na nota 17, p. 1.056 — trad. livre). 21. Lei 2001-602, de 9.7.2001. Com base nessa conceituagao legal ¢ levando em consideragdo 0 fendmeno da diversificagao dos valores mobilidrios, a doutrina atual ressalta sua fungao econ6- mica de instrumentar.o aporte de capital para atender as necessidades de uma pes- soa juridica, seja ela de direito piiblico ou privado, definindo-os como “titulos nego: ciaveis representativos de direitos idénti cos por categoria, adquiridos por quem que tenha aportado a uma pessoa juridica, pu- blica ou privada, o dinheiro ou os bens ne- cessdrios ao seu financiamento. Represen- tam, conforme o caso, uma fracao do capi- tal da pessoa juridica emissora ou um cré- dito a longo prazo contra ela, Sao susceti- veis de ser cotados em bolsa. Os principais dentre eles so as agdes e as obrigagdes (CMF art, L211-2)".” 2.2.2 “Valeurs mobilizres” ¢ “effets de commerce” Importante aspecto do direito francés € a dicotomia entre valeurs mobiliéres effets de commerce. Ambos pertencem & categoria dos titulos negocidveis, mas di- ferem em que, enquanto os primeiros se caracterizam, como visto, por serem emiti- dos em massa e fungiveis, podendo confe- rir ao seu titular direito de participagao so- cial ou de crédito a longo prazo, os tiltimos so titulos representativos de crédito a cur- to prazo e funcionam, ao mesmo tempo, como meio de: pagamento.* Os efeitos de comércio foram criados para instrumentar a realizacio de operacdes comerciais,”* constituindo, a um sé momen- to, instrumento de crédito e meio de paga- 22. Yves Guyon, Droit des Affaires, 1, 12*ed., Paris, Economica, 2003, p. 781 (trad. livre. 23. Bulgarelli, “Os valores mobilidrios...”, cit, nna nota 8, p. 100. 24, Ripert-Roblot, Traité, cit. na nota 17, p. 115. A letra de cémbio, p. ex., era utilizada em ope- ragdes de troca de moeda € 0 bilhete & ordem, em ‘operagdes de empréstimo entre comerciantes. Além desses, sio também efeitos de comércio o warrant € © cheque. ESPAGO DISCENTE 209 mento. Podem ser definidos como “todo titulo recebido correntemente em pagamen- to nas transagdes comerciais em lugar da moeda, sem apresentar, entretanto, os atri- nab butos desta”. Roblot identifica quatro caracteres comuns aos efeitos de comércio sem os quais dificilmente substituiriam a moeda e que servem para distingui-los de outros ti- tulos assemelhados.”” Segundo o autor, os effets de commerce (i) sao titulos negocié- veis, isso é, pagdveis A ordem ou ao porta- dor, (ii) ostentam a indicagao de seu valor, (iii) representam um crédito pecunidrio, o que lhes permite cizcular de maneira célere e (iv) constatam um crédito de curto prazo, de onde deriva sua aptidao para ser objeto de desconto bancétio. Segundo a doutrina, é neste tltimo ponto que reside a principal diferenga en- tre os efeitos de comércio e os valores mo- biliérios. A emissao destes representa um direito de crédito de longo prazo, enquan- to os efeitos de comércio representam um crédito exigivel em curto prazo. Disso ad- vém a inaptidao dos valores mobilidrios para substituir a moeda como meio de pa- gamento.* Além disso, os valores mobiliérios so emitidos em massa, isso é, em séries divi- didas em fracées iguais, de forma que os titulos de uma mesma série somente se dis- tinguem pela sua numeragao. Diversamen- te, os efeitos de comércio so emitidos in- dividualmente, por ocasiao de uma opera- ¢4o determinada, portando cada um o seu proprio valor.” 25. Segundo Bulgarelli, “a doutrina francesa tem presente, na caracterizagao dos efeitos de co- ‘ércio, a sua assimilagio & moeda (valor determina- do; prazos curtos e facil circulabilidade) (..). E se- ‘gundo essa linha de assimilagao & moeda (como ins- trumento de pagamento) que € feita também a distin- 40 entre efeitos de comércio € valores mobilidrios” (Os valores mobilidrios...”, cit. na nota 8, p. 101). 26. René Roblot, Les Effets de Commerce, Paris, Sirey, 1975, p. 2 (trad. livre. 27, Idem, pp. 2-4 28. Idem, p. 4. 29. Idem, p. 7. Assim, as diferencas essenciais entre os effets de commerce ¢ as valeurs mobi- ligres podem ser sumarizadas da seguinte maneira, conforme a igo de Bonneau: “en- quanto os valores mobilidrios representam um direito de crédito coletivo a longo pra- 20, 08 efeitos de comércio nao fazem parte de uma emissio global, sendo emitidos in- dividualmente, e representam um crédito a curto ou médio prazo: so estranhos &s ope- rages de longo prazo”.” 2.3 Direito italiano Na Itdlia, a expressdo valori mobiliari sempre foi tida como referéncia a um insti- tuto juridico estrangeiro, sem correspon- déncia com uma categoria precisa no direi- to daquele pafs.*' Lé, os instrumentos que mais se aproximam do conceito francés de valor mobilidrio so os tftulos de massa, que se contrapdem aos titulos individuais, analogamente relacionados aos effets de commerce do direito francés.”* Incluem-se no Ambito dos titulos de massa as acdes e as obrigagdes societdrias, bem como os tf- tulos da divida publica. Tanto os titulos de massa quanto os individuais pertencem a categoria dos titu- los de crédito, da mesma forma como, na Franga, valores mobilidrios e efeitos de co- mércio retinem-se na categoria dos titulos negocidveis. Para Francesco Messineo, a diferenga entre ambas as categorias reside na fungibilidade e massificagao dos titulos de massa, em oposicao a infungibilidade singularidade dos titulos individuais.* A isso adiciona Ascarelli 0 fato de os titulos 30. “La diversification...”, cit. na nota 19, p. 592 (trad. livre). 31, Bulgarelli, “Os valores mobilidtios. na nota 8, p. 102. 32. Giuseppe Ferri, Titoli di Credito, 2 ed., Turim, UTET, 1965, p. 36; Tullio Ascarelli, Teoria Geral dos Titulos de Crédito, trad. Nicolau Nazo, So Paulo, Saraiva, 1943, p. 426. 33. Idem. 34. I Titoli di Credito, 1, Pédua, Milani, 1933, pp. 58-59. Ascarelli acrescenta que, no caso dos ti- cit 210 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 de massa serem geralmente emitidos para pagamento a longo prazo ¢ dotados de abs- tragdo. Aponta, além disso, que tais titulos so negociados em bolsas de valores, a0 Passo que os titulos individuais so, em geral, negociados nos bancos.}* 34 para Ferri, a distingdo entre os titu- Ios individuais e os titulos de massa encon- tra-se na diversidade de funcao econémi- ca, determinada pela vontade do emitente: os primeiros so instrumentos de mobili- zagao de crédito, enquanto os segundos constituem instrumentos de dissociago en- tre a propriedade e o controle da riqueza.** Ainda segundo o mesmo autor, ndo obstante se prestem a fungSes diversas, os instrumen- tos de ambas as categorias nao diferem no tulos emitidos em massa, em uma tinica operagio sio emitidos muitos titulos envolvendo, cada um deles, direitos idénticos, podendo haver diferenga centre titulos de diversas emissOes, mas ndo entre tulos de mesma emissao. J4 no caso dos titulos indi- viduais, a criagdo de cada titulo ocorre por ocasiao de um negécio distinto € 0 direito mencionado em um pode divergir do contido em outro (Teoria Ge- ral, cit. na nota 32, p. 425). 35: Teoria Geral, cit. na nota 32, p. 426. 36. Titoli di Credito, cit. na nota 32, p. 36. 0 fendmeno da dissociagao entre a propriedade e 0 seu controle ¢ talvez 0 efeito mais importante da utiliza- ‘¢do em massa dos titulos de crédito, Os primeiros a apontar sua existéncia, no ambito das sociedades an6nimas cujas agdes se encontram difundidas entre © pablico, foram Adolph Berle e Gardiner Means, em The Modern Corporation and Private Property (Ascarelli, Teoria Geral, cit. na nota 32, p. 457, nt. 1). Foi Ascarelli, no entanto, quem ide fundamento do fenémeno residia nos titulos de cré- dito. Para esse autor, com a difusdo e multiplicagao dos titulos de crédito, “a propriedade comeca a ter por objeto ndo s6 bens materiais, normalmente go- zados por um sujeito e por ele mesmo administra- dos”, mas também “pedagos de papel, que, por seu turno, corporizam direitos a bens materiais, dos quais depende, naturalmente, em cardter definitivo, 0 seu valor econémico” (idem, p. 456). E dessa duplica- do que surge a dissociagdo entre a propriedade € 0 controle da riqueza: “enquanto a propriedade da ri- queza pertence aos titulares dos titulos de crédito, 0 seu controle acaba por pertencer, pelo menos ime- diatamente, aos detentores dos bens materiais” (idem), No Brasil, desenvolveu a mesma temética Fabio Konder Comparato (O Poder de Controle na Sociedade Anénima, 3 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1983, pp. 36-67), que respeita & sua forma de circulagio, 0 que justifica submeterem-se a uma disci- plina jurfdica comum.” Isso quer dizer que a razo para a dis- ciplina juridica comum a ambas as catego- rias de instrumentos sua idéntica forma de circulagao, baseada no principio da abs- tragio. No entanto, reconhece-se que, pelo cardter em série de sua emissdo e grande dispersao, a seguranga dos negécios com titulos de massa poderia requerer tutela ju- ridica mais especifica,* desnecessdria aos titulos individuais, j4 que, ainda de acordo com Ferri, “quanto mais o mercado de cir- culagao do titulo se amplifica, mais forte se torna a exigéncia de tutela da boa-fé dos terceiros e de seguranca da circulagao e ain- da mais intenso o vinculo entre documento e direito”.? Apesar de parte da doutrina italiana conceber essa diferenca funcional entre os titulos de massa e os individuais, de molde a justificar a adogao de regimes juridicos diversos, como o faz Ferri, poucos sao os autores que chegam a ponto de preconizar uma disciplina juridica especffica para cada um dos dois grupos. A maior parte identifi ca a distingdo entre ambas as categorias apenas sob 0 aspecto formal, justificando, assim, sua disciplina unitéria sob a teoria dos titulos de crédito. Portanto, no direito italiano prevalece © rigor formal na identificagao dos titulos de massa, que se diferenciam apenas pelo caréter difuso de sua emissio, estando sub- metidos as mesmas normas relativas dos titulos individuais, correspondentes aos tf- tulos de crédito. Isso significa que, enquan- to na Franga os valores mobilidrios se se- pararam dos efeitos de comércio, fazendo jus a um regime préprio por conta de suas peculiaridades, na Itélia os tftulos de mas- sa nao lograram tal distanciamento, perma- 37. Titoli di Crédito, cit. na nota 32, p. 40 (trad, livre). 38. Motta, O Conceito, cit. na nota 16, p. 64. 39. Titoli di Credito, cit. na nota 32, p. 37 ESPAGO DISCENTE 21 necendo em estigio de desenvolvimento anterior ao observado no direito francés. 3. Direito norte-americano 3.14 legislagao sobre “securities” Nos Estados Unidos, 0 conceito de security engloba os instrumentos que sio classificados como valores mobilidrios nos paises ligados & concepeao restrita do ins- tituto, sem, contudo, limitar-se a eles.” Em linhas gerais, toda modalidade de investi- mento realizado difusamente com captacao da poupanga popular constitui uma security. Até 1933, a legislacao norte-america- na sobre securities consistia apenas de leis estaduais, conhecidas como blue-sky laws."" Isso porque o Congresso sempre havia re- lutado em exercer sua competéncia legisla- tiva na esfera do direito privado, dado que a competéncia para legislar sobre Direito Comercial pertencia, primariamente, aos Estados-membros, cabendo a Unido legis- lar apenas sobre comércio interestadual € internacional. Contudo, as deficiéncias das blue-sky laws, que se demonstraram inca- pazes de proteger adequadamente o ptib co investidor, levaram a Unido a interferir no mercado de capitais, 0 que se deu por meio da edig&o de dois diplomas: o Securi- ties Act, de 1933, € o Securities and Ex- change Act, de 1934. 40: Ary Oswaldo Mattos Filho afirma que a maior ou menor abrangéncia do conceito de valor mobilidtio € proporcional a dramaticidade do even- to que tenha feito surgir a necessidade de protecao a0 mercado de capitais. No caso dos Estados*Uni- dos, 0 conceito de security foi desenvolvido apés a crise de 1929, de proporgdes mundiais. Por essa ra- zo, sua formulagdo conceitual é uma das mais abrangentes (“O conceito de valor mobilidrio”, RDM 59/39, 1985) ‘41. A expressio blue-sky law nasceu da ob- servagdo jocosa de que muitos empreendedores ven- diam terrenos no céu (building lots in the blue-sky), numa alusdo aos esquemas ilus6rios que prometiam a0 pubblico lucros impossfveis (Louis Loss, Securities Regulation, Boston, Little Brown, 1951, p. 8). 42, Louis Loss, O Papel do Governo na Pro- tecdo dos Investidores, trad. Aty Oswado Mattos Atualmente,; 0 mercado norte-ameri- cano de securities € disciplinado por sete leis federais, além de indmeras leis esta- duais, suplementares Aquelas ¢ validas no que com elas nao conflitarem. As leis fede- rais so as seguintes:* Securities Act, de 1933; Securities and Exchange Act, de 1934; Public Utility Holding Company Act, de 1935; Trust Indenture Act, de'1939; In- vestment Company Act, de 1940; Investment Advisers Act, de 1940; e Sarbanes-Oxley Act, de 2002. Varios desses diplomas trazem definigdes substancialmente idénticas do ter- mo security, como a contida no Securities and Exchange Act, § 3(a)(10), € no Invest- ment Company Act, § 2(a)(36). Costuma-se adotar a definigdo veiculada pelo Securities ‘Act, que, na atual redagao de sua Section 2(1), apresenta o seguinte contetido: “The term ‘security’ means any note, stock, trea- sury stock, bond, debenture, evidence of indebtedness, certificate of interest or parti- cipation in any profit-sharing agreement, col- lateral-trust certificate, preorganization cer- tificate or subscription, transferable share, investment contract, voting-trust certificate, certificate of deposit for a security, fractional undivided interest in oil, gas, or other mine- ral rights, any put, call, straddle, option, or privilege on any security, certificate of depo- sit, or group or index of securities (including any interest therein or based on the value thereof), or any put, call, straddle, option, or privilege entered into on a national securities exchange relating to foreign currency, or, in general, any interest or instrument commonly known as a ‘security’, or any certificate of interest or participation in, temporary or in- terim certificate for, receipt for, guarantee of, or warrant or right to subscribe to or pur- chase, any of the foregoing”. Filho, RDM 58/74-75 77, 1985; Luiz Gastio Paes de Barros Ledes, “O conceito de security no direito norte-americano e 0 conceito anslogo no direito bra- sileiro”, RDM 14/45, 1974. 43. De acordo com a Securities and Exchange Commission ~ SEC (dispontvel on line em http:// www.sec.gov/about/laws.shim!, 2.11.2006). 44, “O termo security compreende toda nota, ago, agdo em tesouraria, obrigagdo, debénture, com- REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 3.2 Construgao jurisprudencial Pela redagao do Securities Act, vé-se que o legislador norte-ameticano no for- neceu uma conceituagao legal de security, contentando-se em enumerar os tipos que perfazem o instituto. Entre esses tipos, co- existem instrumentos bem definidos, como as notas, as agdes e as debéntures, ao lado de expressées vagas e indefinidas, como “contrato de investimento”, “todo instru- mento comumente conhecido como secu- rity” e “certificado de diteito ou participa- g4o em qualquer contrato de comparti- Ihamento de lucros”. Coube a jurisprudén- cia, no exercicio de identificar se determi nadas operagdes econémicas constituiam ou nao securities para fins de submeté-las a legislag&o do mercado de capitais e a fis- calizagio da Securities and Exchange Commission (SEC), fornecer 0 contetido desses tipos indefinidos, estabelecendo, assim, o alcance do conceito de security.*® Nesse trabalho, os tribunais buscaram iden- tificar os elementos comuns aos varios exemplos enumerados no texto legal para, mediante'um raciocinio indutivo, divisar as notas caracteristicas do conceito estudado. provante de divida, certificado de interesse ou parti- cipagdo em qualquer contrato de compartithamento de luctos, certificado de depésito em garantia, certi- ficado ou subscrigio pré-constituigdo, agdo transfe- rivel, contrato de investimento, certificado de trans- feréncia de direito de voto, certificado de depésito de securities, co-propriedade de direitos em petr6- Jeo, g&s ou outros minerais; toda opgio de venda, opgio de compra, box de opgdes ou preferéncia rela- tivos a qualquer security, certificado de depésito, grupo ou indice de securities (incluindo qualquer direito sobre estas ou baseado no seu valor); toda opgio de venda, opcdo de compra, box de opedes ou preferéncia celebrados em bolsa de valores referen- ciados em a moeda estrangeira; em geral, todo direi- to ow instrumento comumente conhecido como e ainda todo certificado de direito ou parti- cipacdo, permanente ou temporério, recibo, garantia € direito de subscrigdo ou aquisi¢ao referentes aos titulos e valores acima mencionados” (trad. livre) 43. De acordo com Motta (0 Conceito, cit. na nota 16, p. 66, nt. 105), os dez principais casos exa- minados pela Suprema Corte nesta matéria foram os seguintes: SEC v. C. M. Joiner Leasing Corporation, As questdes interpretativas mais im- portantes com que a jurisprudéncia norte- americana se deparou na construgio do conceito de security giravam em torno de trés tipos de negécios:* (a) investment contracts, isso é, instrumentos representa tivos de investimento em empreendimen- tos com finalidade lucrativa desprovidos da forma dos instrumentos tradicionalmente: considerados securities, tais como as stocks (ages, cotas) € as notes (notas promiss6- rias), (b) securities tradicionais emitidas sem a fungio de captago de investimento; € (c) tipos especiais de instrumentos de in- vestimento emitidos por instituigdes finan- ceiras, como as companhias seguradoras e. cooperativas de crédito. 3.2.1 “Investment contracts” A interpretagao jurisprudencial que forneceu os elementos essenciais do con- ceito em aprego foi construfda em torno do conceito de investment contract (contrato de investimento).” Fixados os Caracteres essenciais desse tipo, foram eles extensi- vamente atribufdos as demais securities, inclusive aos instrumentos j4 bem estabe- lecidos, como as ages € as notas promis sérias. A primeira vez que a Suprema Corte foi chamada a decidir se uma operaco eco- némica configurava ou nao security foi em SEC v. C. M. Joiner Leasing Corporation, 320 USS. 344 (1943); SEC v. W. J. Howey Co., 328 U.S. 293 (1946); SEC v. Variable Annuity Life Insurance Co. of America, 359 U.S. 65 (1959); Teherepnin v. Knight, 389 U.S. 332 (1967); United Housing Foundation, Inc. v. Forman, 421 U.S. 837 (1975); International Brotherhood of Teamsters, Chauffeurs, Warehousemen & Helpers of America v, Daniel, 439 U.S. 551 (1979); Marine Bank v. Weaver, 455 U.S. 551 (1982); Landreth Timber Co. x. Landreth, 471 U.S. 681 (1985) ¢ Reves v. Ernst & Young, 494 U.S. 56 (1990), 46. David L. Ratner, Securities Regulation in a Nutshell, 6" d., Saint Paul, West, 1998, pp. 21-22. 47. Ledes, “O conceito de security..", cit. na nota 42, p. 44, ESPAGO DISCENTE em 1943.** Naquele caso, a empresa Joiner havia arrendado lotes de terra no Texas totalizando 3.002 acres com o objetivo de explorar petr6leo. Para financiar 0 empre- endimento, que inclu‘a a prospecgdo e a perfuragao do solo, a Joiner oferecera ao piiblico a cesso onerosa de partes do con- trato de arrendamento equivalentes a lotes no superiores a 20 acres. Como contra- prestagdo ao investimento, prometera’ aos investidores a participagao nos lucros que adviessem da exploracio. A Corte entendeu que as cessdes contratuais realizadas pela Joiner configu- ravam oferta piiblica de securities do tipo contrato de investimento. Apesar de se tra- tar, do ponto de vista formal, da mera ces- so de um contrato de arrendamento, do ponto de vista funcional cuidava-se da ofer- ta publica de investimento em empreendi- mento conduzido sem a ingeréncia do in- vestidor. Ao prolatar a sentenca, o Justice Jackson apontou o que seria o elemento essencial a todas as securities: “A oferta piblica de tais instrumentos de cesso apre- sentava todas as caracteristicas inerentes & oferta publica de securities. Na legislagao especifica, 0 termo em pauta foi definido dé molde a permitir a inclusdo, por forga de nome ou de descricao, de todo e qual- quer instrumento cujo trago comum seja negécio de investimento”.® : Em 1946, a Suprema Corte julgou o que viria a ser considerado o leading case na elaboracdo do conceito dé contrato de investimento e, por extensio, de security. Trata-se do caso SEC v. W. J. Howey Co.,"° no qual a empresa Howey ofertara publica- mente contratos de compra e venda de lo- tes de terra conjugados a contratos de pres: tagdo de servigos de plantio e cultivo, bem como de comercializagao das frutas ali pro- duzidas, sendo que tais servigos seriam rea- lizados por uma empresa subsidiéria, a Ho- 48, 320 U.S. 344 (1943), 49. Leies, “O conceito de security...", cit. na nota 42, p.46. 50, 328 U.S. 293 (1946), wey-in-the-Hills Services, Inc. O negécio seria gerido sem.a intervengao dos investi- dores, que, entretanto, fariam jus a partici- paco nos lucros do empreendimento. A Corte entendeu que tal negécio nao configurava mera venda de terrenos con- jugada a simples contratagio de servigos, constituindo, na verdade, uma oferta publi- ca de contrato de investimento e, portanto, de security. Em seu voto, 0 Justice Murphy forneceu uma conceituagao de contrato de investimento, inovando em relaco ao caso Joiner$' Bi-la: “um contrato de investimen- to, para os fins do Securities Act, compre- ende todo contrato, transagdo ou esquema por meio do qual uma pessoa investe seu dinheiro em um empreendimento comum € é levada a esperar lucros advindos exclusi- vamente dos esforcos do empreendedor ou de um terceiro”.* . Essa definigao de contrato de investi- mento celebrizou-se e transbordou os limi- tes do préprio objeto definido, transforman- do-se na prépria definig’o de security. Isso porque a Suprema Corte, ao defini in- vestment contract, revelou o raciocinio’a ser seguido na identificagao de todas as demais securities, isso é, mostrou que .a substdncia do negécio deve prevalecer so- bre a sua forma, atribuindo-se énfase a rea- lidade econdmica subjacente. No caso Howey, a realidade econdmi- ca présente em todas as securities foi reve- ada a partir da andlise dos contratos de in- vestimento. Desde ento, para se verificar se determinada’transago constitui uma security, deve-se averiguar se ela se enqua- dra na definigdo formulada pela Suprema Corte. Esse € 0 chamado Howey test, com- posto pelos elementos retirados da defi 40 de contrato de investimento, quais se- jam (a) contrato, transagiio ou esquema que importe em (b) investimento em dinheiro SI. Loss, Securities Regulation, cit. na nota 41, p. 314, 52. Idem, p. 316 (trad. livre). 53. Ledes, “O conceito de security..."; cit. na nota 42, p. 47, - 214 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 (c) num empreendimento comum (d) com expectativa de lucro (e) decorrente exclu- sivamente do esforco do empreendedor ou de terceiros. Examinemos cada um deles. (a) “Contrato, transagao ou esque- ma”. Trata-se de expressdes utilizadas em sentido amplo, querendo significar todo e qualquer negécio juridico que, independen- temente de sua forma, atenda as demais caracterfsticas da definigao, isso é, que im- plique em investimento de dinheiro num empreendimento comum com finalidade lucrativa, sendo o empreendimento condu- zido exclusivamente pelo lancador ou por terceira pessoa.** (b) “Investimento em dinheiro”. Inves- timento, para fins de se caracterizar uma security, quer dizer aporte de capital para a Consecugao do empreendimento. Nao se requer que as entradas sejam feitas em es- pécie, podendo consistir na entrega de bens suscetiveis de avaliagao econémica. (©) “Empreendimento comum”. A res- peito da expressdo empreendimento co- mum, duas interpretagdes sao possiveis, ambas contempladas pelos tribunais. Pela primeira, o empreendimento é comum quando todos os investidores compartilham de um nico acervo de bens, formando, as- sim, uma comurihdo® horizontal. De acor- do com a outra interpretagio, o empreen- dimento € caracterizado como comum mes- mo quando 0 promotor do negécio contra- ta individualmente com cada investidor, si- taco em que inexiste um acervo de bens compattilhado pelos investidores (comu- nhdo vertical). No caso Marine Bank v. Weaver,® a Suprema Corte firmou 0 enten- dimento de que um tnico contrato de parti- cipagiio nos lucros negociado individual- mente pelas partes nao constitui uma security.’ Assim, para o mais alto tribunal 54, Idem, p. 48. 5. Pode-se definir comunhdo como um com- plexo de interesses juridicamente interligados (Mattos Filho, “O conceito...", cit.na nota 40, p. 42). 56. 455 U.S. 551 (1982), 57. Ratner, Securities Regulation, cit. na nota 46, p. 27. estadunidense, 0 requisito do empreendi- mento comum significa que os investido~ res devem compartilhar um tinico conjunto de ativos, sujeitando-se, de alguma manei- ra, aos riscos de um mesmo negécio (co- munhio horizontal).* (a) “Expectativa de lucro”. A auferigio futura de lucro deve ser a motivagao para a realizagao do investimento. Se_o fornece- dor de capital esperar como contraprestagao algo que no seja lucro, nao se estard fren- te auma security. No caso United Housing Foundation, Inc. v. Forman,” por exem- plo, foi decididé que a aquisigao de cotas de uma cooperativa habitacional nao cons- titufa security do tipo contrato de investi- mento, j4 que a motivago dos participan- tes era a aquisi¢ao de moradia de baixo custo, e nao a obtengao de lucro, muito em- bora as cotas tivessem sido vendidas ao ptiblico como forma de obter recursos para a construcao dos iméveis. ‘ (e) “Esforgo exclusivo do empreende- dor ou de terceiros”. A passividade é ca: racteristica essencial do investidor em secu- rities. Ele € simples prestador de capital, sem direito a participar das decisées do negocio. Esse fator ¢, alids, o principal mo- tivador da intervengao estatal sobre o mer- cado de capitais - intervencao que se dé principalmente pela exigéncia de prestaco_ de informagées completas previamente & captacio dos recursos -, pois, se o investi- dor pudesse interferir no controle do em- preendimento, estaria em posigao de pro- teger o seu investimento.” Sendo 0 con- ceito de security um instrumento para a in- tervencio estatal na economia, compreen= de-se facilmente que a hipossuficiéncia téc nica do investidor seja um de seus compo- nentes, pois ¢ em torno desse investidor que todo o arcabouco regulatério € érigido. Por fim, cumpre fazer referéncia a um elemento implicito na sistematica dos con- 58. Ledes, “O conceito de security nota 42, p.48. 59. 421 U.S. 837 (1975). 60. Less, “O conceito de security. nota 42, pp. 54-55. "cit. na »oit. na ESPACO DISCENTE tratos de investimento, qual seja sua ne- gociabilidade publica. De fato, consideran- do-se a finalidade do conceito de security, que é servir de instrumento para a tutela estatal ao piblico investidor, someite se en- quadram nessa categoria.os instrumentos que representem risco 4 poupanga popular, por serem negociados publicamente. Assim, haverd instrumentos que, apesar de preen- cherem os requisitos funcionais das secu- ities, nao serao considerados como tais, j4 que nao causam riscos ao ptiblico.* 3.2.2 “Securities” tradicionais emitidas sem fungao de investimento “A substdncia deve prevalecer sobre a forma, atribuindo-se énfase & realidade eco- némica subjacente”. Esse é 0 principio ba- silar do conceito de security erigido pelos tribunais americanos.* Sua aplicagao faz- se inclusive aos instrumentos tradicional- mente considerados como securities, como 0.caso das ages e das notas promiss6rias, 0 que significa que os aspectos externos nao so condigdo suficiente para inseri-los na- quela classificagao. , No caso Forman, por exemplo, viu-se que a Suprema Corte julgou que a partici- aco em uma cooperativa habitacional nao configurava security do tipo contrato de investimento, jé que faltava aos destinaté- ios do negécio o intuito lucrativo. Indo mais além, a Corte sustentou que, apesar de tal participaco se dar por meio da aqui- sigo de stocks (cotas) da cooperativa, ex- pressamente elencadas no Securities Act de 1933, 0 fato de o instrumento ser denomi- nado stock no era suficiente para autori- zat sua classificacio como security. Por isso, apesar de ser dotado da forma de uma stock, tal titulo no era security. 61. Idem, p. 56.-Cf. a discussio sobre a negociabilidade piblica no direito brasileiro (infra, item IV, 4) 62. Ratner, Securities Regulation, cit. na nota 46, p. 22. : 215 Em Reves v. Ernst & Young,® a Su- prema Corte estabeleceu critérios funcio- nais para identificar se determinada emis- so de notas promissérias caracterizava security, sem ter de recorrer ao teste Howey, elaborado especificamente para os contra- tos de investimento. De acordo com a Cor- te, deve-se atentar, primeiramente, para a intengao do vendedor e do comprador das nots. Se 0 objetivo do primeiro for captar recursos para o desenvolvimento de um empreendimento ¢ 0 do segundo for obter lucro por conta do esforco daquele, estara presente um traco caracterfstico das secu- rities. Em segundo lugar, deve-se exami- nar o plano de distribuigao dos titulos e, em terceiro, a expectativa do piiblico. Em caso de se tratar de uma emissao divulgada junto ao ptblico investidor, gerando neste a expectativa de ganhos mediante 0 inves- timento, entdo outro trago das securities estard presente. Por fim, deve-se averiguar se a transaco jé est amparada por uma disciplina legal especffica, de molde a dis- pensar a proteco conferida pela legislagao do mercado de capitais.* As decisdes acima comentadas eviden- ciam, mais uma vez, a visdo funcionalista do conceito de security encampada pela ‘Suprema Corte, de forma que, mesmo para os tipos normalmente presumidos como securities (stocks ¢ notes), deve-se exami- nar a funco econémica do instrumento para se confirmar tal presungao. 3.2.3 Instrumentos financeiros de investimento Foram elencados acima os requisitos para a identificagao de uma nota promiss6- tia como security, de acordo com a decisio do caso Reves. O tiltimo requisito mencio- nado — que 0 instrumento nao esteja sujeito a regulacao especffica— implica em excluir do conceito analisado grande parte dos ti- tulos de investimento emitidos por institui- 63. 494 US. 56 (1990), 64. Motta, O Conceito, cit. na nota 16, p. 72. 216 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 Ses financeiras. Por esse requisito, tem-se que a legislago do mercado de capitais é subsididria, aplicando-se aos instrumentos que, além de perfazerem 0 conceito da § 2(1) do Securities Act em sua interpretacao jurisprudencial, ndo estejam sujeitos a uma disciplina legal protetora especifica. Nessa mesma linha, 6 rol de excegdes contido nas leis sobre securities abrange grande ntimero de instrumentos financeiros, como os contratos de seguro, as cotas de cooperativas de crédito e os certificados de depésito bancério, desde que estejam su- jeitos a fiscalizagao de érgio setorial espe- cffico.© As excegées legais, contudo, nao séo absolutas. A Suprema Corte jé decidiu que, quando tais instrumentos oferecem uma taxa de retorno varidvel atrelada & lucrati- vidade da instituigao langadora ou de uma carteira de securities, nao devem ser in- cluidos nas excegdes legais. Em SEC v. Variable Annuity Life Insurance Co. of America ¢ SEC y. United Benefit, por exemplo, entendeu-se que planos de segu- ro com anuidade varidvel configuravam securities do tipo contrato de investimen- to, sujeitos a registro na SEC. Isso porque, naquele tipo de plano, a companhia emi: sora nao suportava nenhum risco, como suportaria se tivesse de efetuar um paga- mento fixo aos beneficidrios. Ao contrario, eram os prdprios segurados que arcavam com o risco. Outros instrumentos financeiros de interesse para 0 mercado de securities sto 08 contratos derivativos. Nos Estados Uni- dos, 0s tnicos derivativos definidos como securities so as opgées referenciadas em outras securities, em indices de prego ou na taxa de cambio (estas ultimas, desde que negociadas em bolsa de valores). Os con- tratos futuros, inclusive os referenciados em 65. Securities Act § 3(a)(2), (5) € (8) € Securities and Exchange Act § 3(a)(12). 66. 359 U.S. 65 (1959) e 387 US. 202 (1967), respectivamente. 67. Motta, O Conceito, cit. na nota 16, p. 14. securities ou indices de securities, sio de- finidos como commodities pelo Commo- dities Exchange Act e, por isso, sao regul: dos pela Commodities Futures Trading Commission (CFTC), e nao pela SEC.* O mesmo ocorre com as opgées envolvendo futuros, commodities e demais ativos que no sejam securities e com as op¢des referenciadas em moeda estrangeira, des- de que negociadas fora da bolsa.” 4. Conclusdo sobre o direito comparado Da anilise até aqui désenvolvida, pode-se concluir que, em contraste com 0 Instituto europeu dos valores mobilidtios, do qual as valeurs mobiliéres sao 0 exem- plo paradigmatico, 0 conceito norte-ame- ricano de security possui um alcance bem mais amplo. Enquanto os valores mobilid- rios europeus se referem basicamente a ti tulos de responsabilidade das sociedades anénimas emitidos em massa e aptos a se- rem negociados publicamente (em bolsa de valores e mercado de baledo), as securities consubstanciam qualquer investimento rea- lizado mediante captagao piiblica que pos- sa acarretar danos ao investidor ¢ tenha por objetivo a capitalizacao de uma companhia ou de outra modalidade de empreendimen- to” Em ambos os casos, porém, o carter difuso em que 0s titulos sao emitidos e ne- gociados, acarretando riscos A poupanga publica, 0 fundamento para sujeitd-los a uma disciplina propria. Isso quer dizer que, por maiores que sejam as diferencas nos diversos ordenamentos juridicos, todos convergem para um ponto comum, que é a identificagdo dos negécios em que ocorre captagio piblica de recursos para aplica- do em atividades de risco a’fim de sub- meté-los & regulacao e fiscalizagao do Es- * 68, Ratner, Securities Regulation, cit..na nota 46, p. 25. 69. Motta, O.Conceito, cit. na nota 16, p. 14. 70. Wald, “O mercado futuro...” cit. na nota 8, p.1L ESPACO DISCENTE 217 tado.”' Esse é 0 nticleo do instituto, que justifica a inclusdo de instrumentos & pri- meira vista muito diversos sob a mesma ru- II - Evoww¢io va DocMATICA Dos VALORES MOBILIARIOS NO DiREITO BRASILEIRO 1. O sistema da Lei n. 4.728/1965 No Brasil, o primeiro diploma legal a mencionar os valores mobilidrios foi a Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965.” Essa lei inspirou-se grandemente na legislaco nor- te-americana do mercado de capitais, cons- tituindo um esforgo de adaptagao da expe- rigncia juridica dos Estados Unidos ao di- reito brasileiro. Toda sua sistematica gira- va em torno do conceito de titulos ou valo- res mobilidrios, 0 que se confirma pela lei- tura do art. 28, o qual, ao enumerar os obje- tivos da atuagio do Conselho Monetério Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil, utilizava essa expresso em todos os seus incisos.™ Porém, apesar de disci- 71. Satiro, Regime Juridico, cit. na nota 14, pp. 68-69. 72, Idem, p. 69. Cf. a discussdo sobre 0 risco como fundamento metajuridico do conceito de valor mobilidtio no direito brasileiro (infra, item IV, 6.2). 73. Bulgarelli afirma que a expressio ja era utilizada pela doutrina antes do advento da lei que a consagrou (“Os valores mobilidrios..”, cit. na nota 8, p. 99). 74. “Art. 28, O Conselho Monetério Nacional € 0 Banco Central exercerdo as suas atribuigdes le- gais relativas aos mercados financeiro ¢ de capitais com a finalidade de: I - facilitar 0 acesso do piblico a informagées sobre os titulos ou valores mobilid- rios distribuidos no mercado e sobre as sociedade que os emitirem; Il - proteger os investidores contra emissdes ilegais ou fraudulentas de titulos ou valo- res mobilidrios; II - evitar modalidades de fraude € manipulagdo destinadas a criar condigdes artificiais da demanda, oferta ou preco de titulas ou valores ‘mobilidrios distribuidos no mercado; IV - assegurar a observancia de préticas comerciais equitativas por todos aqueles que exergam, profissionalmente, fu Ges de intermediagio na distribuigao ou negoci Gio de titulos ou valores mobilidrios; V ~ discipl nar a utilizago do erédito no mercado de titulos ou valores mobilidrios; VI — regular 0 exercicio da at vidade corretora de titulos mobilidrios e de cambio.” plinar o registro, a emissio, a distribuiga0 € a fiscalizacao dos titulos ou valores mo- bilidtios, a Lei n. 4.728/1965 deixou-os in- definidos. © Banco Central, por sua vez, ao dis- ciplinar a constituigao, a organizagao e 0 funcionamento das bolsas de valores, por meio da Resolugio n. 39/1966, também se eximiu de conceituar 0 novo instituto, li- mitando-se a permitir que fossem negocia- dos nas bolsas de valores os titulos ou va- lores mobiliérios de emissdo de pessoas juridicas de direito publico e de direito pri- vado — no caso destas tiltimas, desde fos- sem previamente registrados (art. 57). O nico indicio sobre o que seriam esses tftu- los ou valores mobilidrios era dado pelo art, 58, que dispunha também serem nego- cidveis em bolsa os direitos de subscriga0 eas opgbes referentes a acdes e debéntures. Posteriormente, ao disciplinar o regis- tro das pessoas juridicas de direito privado emissoras de titulos ou valores mobiliarios negocidveis em bolsa e nas demais institui- Ges integrantes do sistema de distribuicao no mercado de capitais, bem como 0 regis- tro das respectivas emissdes (Resolugao n. 88/1968), o Banco Central incluiu no con- ceito de titulos ou valores mobilidrios ape- nas as agGes e as obrigacGes emitidas pelas sociedades anénimas.”* Note-se que a locugiio titulos ou valo- res mobilidrios contém dois nicleos, os quais, devido & mé redaco, podem ser iden- tificados de duas formas. Numa primeira leitura, pode-se entender que 0 adjetivo mobilidrios qualifica ambos os substanti- vos que o antecedem — titulos e valores -, de forma que a expressdo poderia ser de- composta em titulos mobilidrios e valores mobilidrios. Numa segunda interpretacao, mobilidrios estaria qualificando apenas o substantivo que imediatamente o antecede ~ valores -, podendo a expresso ser des- membrada em titulos - genericamente, sem adjetivo - e valores mobilidrios. 75. Ledes, “O conceito de security nota 42, p. 59. cit. na REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 Pela primeira leitura, existiriam duas figuras inéditas na legislagao: os titulos mobilidrios e os valores mobilidrios. Pela segunda, a novidade restringir-se-ia aos valores mobilidrios, j4 que os titulos ~ es- pecialmente os de crédito — jé eram disci- plinados de longa data. O Banco Central, porém, ao regulamentar a matéria nas Re- solugdes ns. 39/1966 e 88/1968, tratou os titulos ou valores mobilidrios como sendo uma tnica entidade, sem decompor a ex- pressdo em suas possiveis partes constitu- tivas. Em todo 0 caso, 0 importante, para 0 presente estudo, nao é saber se a leitura do Banco Central foi ou nao correta. Importa identificar que, j4 nos primérdios da disci- plina legal dos valores mobilidrios, havia uma dificuldade interpretativa oriunda da opcao lingiiistica do legislador, consubs- tanciada na expressio titulos ou valores mobilidrios. Essa dificuldade parece re- montar a estreita ligacéio que, no principio, os valores mobiliérios mantinham com os titulos de crédito. Daf a inclusao da pala- vra titulos ao lado da expresso valores mobilidrios.”* 1.1 Implicagdes da adogdo da expresso “valor mobilidrio” Apesar de a Lei n. 4.728/1965 utilizar a expresso composta titulos ou valores mobilidrios, o costume acabou encurtando- a para valores mobilidrios. Isso se explica porque, antes daquela lei, a doutrina ja ha- via consagrado esta tiltima expressao. Some-se a isso 0 fato de a regulamentacao do Banco Central nao haver diferenciado entre titulos ¢ valores, 0 que, aliado & men- cionada familiaridade vocabular, contribuiu para que 0 niicleo semantico do instituto recém introduzido se concentrasse na ex- pressio valores mobilidrios. Valor mobilidrio, como jA visto, é tra- dugio da expresso francesa valeur mobi- 76. Cf. a discussdo sobre a relagdo entre valo- res mobilisrios e titulos de crédito (infra, item IV, 5). ligre, que designa um instituto de matizes muito mais restritos do que o instituto ané- logo do pafs cujo ordenamento serviu de inspiragao & Lei n. 4.728/1965 — os Esta- dos Unidos.” Para que o sistema entio cria- do fosse harménico, 0 conceito de valor mobiliério adotado, central a prépria defi- nigdo de mercado de capitais, deveria se- guir as linhas do ordenamento que forne- ceu a maioria dos principios informadores que ora se implantavam. Nao foi, porém, 0 que ocorreu e disso derivaram importantes assimetrias.”* Com efeito, essa questo aparentemen- te singela, atinente & nomenclatura do ins- tituto, teve repercusses interpretativas mui- to significativas. Ledes aponta que a expres- sio valor mobilidrio trazia consigo alguns conceitos arraigados que, em principio, tor- navam a tradugdo feita uma traigao, pois que, em lugar de conferir énfase aos aspec- tos funcionais dos instrumentos classifica- dos em seu interior, 8 semelhanga do mo- delo norte-americano, prendia-se demasia- damente aos seus aspectos formais. Segun- do esse autor, o legislador parecia “nao cogitar sendio daqueles titulos e valores mo- bilidrios que se ‘materializam’ em um do- cumento, tais como os titulos de crédito e 0s titulos de participagdo em uma socieda- de anénima”,” 0 que, evidentemente, cons- titufa excessiva restri¢Zo conceitual. Como mais tarde se verificou, essa nomenclatura, por toda a carga semantica que continha, teve 0 condao de afastar o instituto de seu anélogo norte-americano, a0 menos num primeiro instante, fazendo- o ser estudado no interior do rigorismo dos titulos de crédito, alheio a maiores incur- ses acerca de sua funcao econ6mica — jus- tamente 0 oposto do que pretendia o legis- 71. De fato, 0 conceito de valeur mobiliére contém-se no conceito de security, que, além de mais amplo, é também mais flexivel e funcionalista do que aquele (cf., supra, item II, 4) 78, Wald, “O mercado futuro...", cit. na nota 8, p. 13. 79, Lees, “O conceito de security nota 42, p. 59. "cit. na ESPAGO DISCENTE ador, ao se inspirar na sistemética norte- americana do mercado de capitais. % 2. O sistema original da Lei n, 6.385/1976 A Lei n. 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que revogou parcialmente a Lei n. 4728/1965, consagrou definitivamente a expresso valor mobilidrio, em lugar da anterior titulos ou valores mobilidrios. Foi também o primeiro diploma a veicular uma definigao do instituto, sob a forma de enu- merago. Alids, no se poderia conceber que essa lei, que criou a Comissao de Valo- res Mobilirios, mantivesse 0 siléncio de sua antecessora, sob pena de a nova enti- dade no ter um Ambito de atuagao preci- so.*! Bis a definig&o veiculada: Art, 22, Sdo valores mobiliérios su- jeitos ao regime desta Lei I — as ages, partes beneficidrias e debéntures, os cupdes desses titulos e os bénus de subscrigao; II - 08 certificados de depésito de valores mobilidrios; IIL - outros titulos criados ou emiti- dos pelas sociedades andnimas, a critério do Conselho Monetirio Nacional. Pardgrafo tnico. Excluem-se do re- gime desta Lé 1 — 0s titulos da divida federal, esta- dual ou municipal; If - os titulos cambiais de responsa- bilidade de instituigdo financeira, exceto as debéntures. A redagio do dispositivo transcrito colocou algumas dificuldades para se che- gar ao conceito de valor mobilirio. Essas dificuldades acarretaram grande imprecisao na delimitago do 4mbito da competéncia regulamentar e fiscalizatoria da CVM ~ 0 80. Cf. a discussdo sobre a relagdo entre valo- idrios e titulos de crédito (infra, item IV, 81. Mattos Filho, “O coneeito...”, cit, na nota 40, p. 32. mercado de valores mobiliérios -, uma vez que tal Ambito era definido (¢ ainda o é, como jé visto) em fungaio daquele concei- to. A primeira dificuldade estava em que a definigdo era vazada na forma de uma enumeragio de tipos, de maneira similar a0 Securities Act. Tal enumeracao, contudo, era mais restrita do que a da lei norte-ame- ricana, De fato, diferentemente da defini- do americana, na redagio original da Lei 1n, 6.385/1976 0 termo valor mobilidrio com- preendia basicamente os titulos emitidos pelas sociedades anénimas suscetiveis de negociagao em bolsa de valores e mercado de balcao,"™ privilegiando, como refe- rencial, a natureza jurfdica do agente emis- sor e a forma do titulo, em detrimento da respectiva funco econémica, numa niti- da influéncia francesa, A segunda dificuldade residia no fato de que o rol de instrumentos era exempli- ficativo, permitindo-se que fosse expandi- do por iniciativa do CMN para incluir ou- tros instrumentos de emissao das socieda- des anénimas. Sem uma precisa concei- 82. Com efeito, o art. 18 da Lei n. 6.385/1976, ‘em sua redacao original, delimitava (e continua a de- Jimitar) 0 ambito material de sua aplicagao tendo por referencial o conceito de valor mobilidrio: “Serdo dis- ciplinadas € fiscalizadas de acordo com esta Lei as seguintes atividades: I - a emissdo e distribuicio de valores mobilidrios no mercado; Il — a negociacio € intermediagao no mercado de valores mobilidrios, Il —a organizagio, o funcionamento ¢ as operagdes das bolsas de valores; IV - a administragao de car- teiras e a custédia de valores mobilidrios; V ~ a au- ditoria das companhias abertas; VI - 0s servigos de consultor e analista de valores mobilidrios”. 83. Wald, “O mercado futuro...", cit. na nota 8, p. 13. A excegdo fica por conta dos certificados de depésitos de ages, que so emitidos por instituicio financeira ou bolsa de valores (arts. 43 ¢ 293 da Lei 1, 6,404/1976). 84, Mattos Filho informa que a limitagao dos instrumentos qualificados como valores mobilirios 0s titulos emitidos pelas sociedades anénimas foi ‘uma maneira de restringir a competéncia da CVM, 46 que 0 Banco Central do Brasil, por questdes poli- ticas, opunha-se & sua criagdo (“O conceito...”, cit. nna nota 40, p. 33). 85. Motta, O Conceito, cit. na nota 16, p. 102. 220 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL-142 tuagao de valor mobilidrio, essa permissio significava a outorga de poder discricioné- rio para que o CMN considerasse como tal © que entendesse conveniente, sem preo- cupago de rigor conceitual.** A terceira dificuldade referia-se ao fato de aenumeragao ser tipicamente instrumen- tal ou formal, ou seja, 0s titulos descritos eram considerados valores mobilidrios para os efeitos da Lei n. 6.385/1976. A princi- pio, pois, poder-se-ia admitir a existéncia de outros valores mobilidrios que, por nao se incluirem no rol do art. 22, nao estariam sujeitos aos ditames da Lei n. 6.385/1976, embora compartilhassem o mesmo quid que permitia serem identificados como valores mobilidrios.” A adogio deste entendimento teria efeitos prdticos importantes. De fato, com a defini¢do do ambito de atuagdo da CVM, 0 Banco Central passou a ter competéncia residual quanto & regulamentagio ¢ fiscali- zagio dos mercados nao abrangidos por aquela entidade. Isso quer dizer que, se se admitisse a existéncia de valores mobilid- rios nao sujeitos ao regime da Lei n. 6.385/ 1976, ficariam a cargo do Banco Central, além dos titulos negociaveis nos mercados monetério e de crédito, expressamente re- tirados da competéncia da CVM (Lei n. 6.385/1976, art. 2%, pardgrafo nico), os demais valores mobilidrios ofertados no mercado que, por nao constarem da enu- meragao do art. 2%, nfo se submeteriam & competéncia da CVM. Assim, a precisa conceituagao desse instituto era necessaria também para delimitar a area de atuagao do Banco Central.** Assim, a sistematica adotada pela Lei n, 6.385/1976, de listar apenas alguns ins- 86. Mattos Filho, “O conceito...", 40, p. 33. 87. Wald, “O mercado futuro...", cit. na nota 8, p.6. 88. Mattos Filho, “O conceito...", cit. na nota 40, pp. 32-33. Cf. a discussao sobre a existéncia de valores mobilirios além dos contemplados na Len, 6.385/1976 (infra, item IV, 2) na nota trumentos, emitidos por sociedade andni- ma, permitindo, paralelamente, a amplia- 40 do rol por ato do CMN, criou dois pro- blemas. De um lado, deixou de estabelecer um parametro para jungir 0 CMN a inclu- sao de instrumentos que realmente corres- pondessem a natureza juridica de valores mobilidrios. De outro, néo forneceu uma conceituacdo do que seriam os valores mobilidrios, para efeito de delimitagao das atribuigdes da CVM e do Banco Central, limitando-se a enumerar os instrumentos que ficariam sujeitos & sua disciplina (da lei). 3. A ampliagao do rol da Lei n. 6.385/1976 O rol do art. 2® da Lei n. 6.385/1976 permaneceu inalterado até 1986. Naquele ano, foi editado o Decreto-lei n, 2.286, que qualificou como valores mobilidrios os in- dices representativos de carteiras de agdes € as opgdes de compra e venda de valores mobilidrios. Posteriormente, outras leis vie~ ram e incluiram os seguintes instrumentos na lista dos sujeitos 4 disciplina da Lei n. 6.385/1976: a) titulos emitidos por companhias beneficidrias de recursos oriundos de incen- tivos fiscais (Decreto-lei n. 2.298/1986); b) cotas de fundos imobilidrios (Lei n, 8.668/1993); & ©) certificados de investimento em obras audiovisuais (Lei n, 8.685/1993). Algumas resolugdes do CMN, com fundamento no permissivo do inciso III do art. 2° da Lei n. 6385/1976, também alte- raram a lista de valores mobilidrios, inse- indo os seguintes instrumentos: a) direitos de subscrig&o, recibos de subscrigao, opgdes de valores mobilidrios e cettificados de depésitos de agdes (Reso- lugdo n. 1.907/1992); b) certificados representativos de con- tratos mercantis de compra e venda a ter- mo de energia elétrica (Resolugao n. 2.405/ 1997); ESPAGO DISCENTE c) debéntures agdes emitidas por companhias securitizadoras de créditos fi- nanceiros (Resolucao n. 2.493/1998); 4) certificados de recebiveis imobi tios — CRI (Resolugao n. 2.517/1998); € ) certificados representativos de con- tratos mercantis de compra e venda a ter- mo de mercadorias e de servigos (Resolu- gao n. 2.801/2000). Nao obstante, essa ampliago do rol de valores mobilidrios nao constituiu ino- vacao que indicasse a adocao de uma con- cepgao mais aberta e funcional do institu- to, a exemplo da contida na legislago ame- ricana. Ao contrario, os novos tipos conti- nuaram sendo identificados com base nos pardmetros europeus relativos & matéria.” 4. A Medida Proviséria n. 1.637/1998 ea Lei n. 10.303/2001 Em vista da crescente diversidade de investimentos ofertados ao puiblico despro- vidos de regulaco estatal, passou-se a exi- gir do legislador a ampliacaio do conceito de valor mobilidrio. Lefies, j4 em 1974, sustentava que o conceito de titulos ou valores mobilidrios, utilizado pelo legislador de 1965 para tra- duzir a realidade econémica andloga & dos Estados Unidos, deveria sofrer uma leitura generosa, tal como a interpretagao ameri- cana desenvolvida em torno das securities, de forma a permitir 0 policiamento satisfa- t6rio do mercado de capitais e a fiscaliza- do de todas as formas de captagio de re- cursos da poupanga popular.” Na mesma linha, Mattos Filho preconizava a adogao de um conceito suficientemente elstico, de tal sorte que conseguisse apanhar os neg6- cios que viessem a colocar o investidor e 0 mercado em risco.” Eizirik, igualmente, apontava como uma das falhas da Lei n. 89. Motta, O Conceito, cit. na nota 16, p. 102. 90. “O conceito de security...”, cit. na nota 42, p. 60. 91. “O conceito, cit. na nota 40, p. 40. 6.385/1976 a definigaio de valor mobilié- rio, a qual deveria ser flexibilizada e am- pliada para abranger quaisquer titulos ou direitos representativos de participagao em empreendimentos geridos por terceiros e passiveis de venda em massa, a semelhan- ga do conceito de security do direito norte- americano, englobando, além disso, as co- tas de fundo de investimento, as notas co- merciais ¢ os contratos a futuro.” A partir da década de 1990, aCVM e Banco Central comegaram a se preocu- par com a auséncia de regulacao sobre os contratos realizados com commodities ofer- tados publicamente, em especial os chama- dos contratos de boi gordo. Esses esque- mas negociais podiam ser considerados, formalmente, como contratos de parceria pecudria (Cédigo Civil de 1916, arts. 1.416 a 1.423), por meio dos quais um sujeito, denominado parceiro-proprietério, entre- gava seus animais a alguém, chamado par- ceiro-tratador, para os criar, mediante par- ticipago nos lucros. Apesar de se revestirem, externamen- te, da forma de contratos de parceria pecué- , do ponto de vista funcional os neg6- cios de boi gordo constitufam oportunida- des de investimento ofertadas ao ptiblico em que os empreendedores se encarrega- vam da compra, engorda e venda do ani- mal, transferindo aos investidores 0 ganho obtido, descontadas as despesas adminis- trativas e sua parte nos lucros.”> A primeira reacao estatal partiu do Banco Central, que passou a estudar a pos- sibilidade de enquadrar os contratos de boi gordo no art. 17 da Lei n. 4.595/1964, de forma a qualificar as empresas administra- doras desse tipo de negécio como institui Ges financeiras, sujeitando-as & sua disci plina propria." De fato, como as empresas 92. “A urgente reforma da Lei n, 6.385/1976", RDM 98/61, 1995. 93. Biziik, Reforma das S/A, cit. na nota 1, p. 154, 94. Haroldo Malheiros Duclere Vergosa, “A CVM e 0 contratos de investimento coletivo (“boi

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