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FILOSOFIA MEDIEVAL Digitalizado com CamScanner oN Pip an nro Frederick Cals Copleon, 1952 Medieval Fh Catalogréfiea Capleton reerck Chars, 1907-1994 ta mele ilu Flee ha Coplenon—Y64— Cup, Dandbio Editor, 2017, nie 192 pp. ISBN: 978-5-67801-15-5, 1 Miséria da flosofi 2 Filsofla medieval. 3. Flosofle I. Titulo, OO Editor: Jefferson Bombachim Tradutor: ‘Wilson Filho Ribeiro de Almeida Editoragio: Caterina Veneziano Pace Matheus Bazzo Dist: (CEDET--Cenzo de Desenvolvimento Profsionle Tecnolégico Rus Angdlo Vieni, 70, Compal? ‘Todos os drcios dex edict pertencem & Lives Danio Edtora Leda ‘NPY: 17.764.031/0001-11- Sie: www, edizoradanubio.combe Protbide oda qualquer reproduc dea edo por qulquer meio ou forms ‘sp ce ltbaiea ou mecca, fotocépi,gravasio ou qualquer meio. Digitalizado com CamScanner CAPITULO VI SANTO TOMAS DE AQUINO 1. Ohomem que realmente tentou juntar o sistema filoséfico de Aristételes e a teologia cristé em um todo harmonioso foi o frade do- minicano Santo Tomés de Aquino. Voltando-se para trés, a olhar 0 cendrio medieval através dos séculos que se passaram desde que Santo Tomés viveu ¢ escreveu, pode-se esquecer que ele foi um inovador € que parecia aos seus contemporaneos um pensador “avancado”. Pode-se porventura pensar consigo mesmo: “Filosofia medieval? — Ah, sim, Aristételes!” O fato, todavia, é que, ao dar seu apoio total, ¢mbora nao sem eriticas, a filosofia aristotélica, cuja dimensio apenas Tecentemente se tornara conhecida, Tomds de Aquino nao 86 enti- ae é um (ueceu imensamente 0 pensamento cristo, mas também deu , i icas de P80 corajoso, Jé vimos como as obras metafisicas ¢ cosmolégic a ae se possa Ntistteles haviam sido proibidas em Paris. Seja 0 que for que se P' : ivelamento com Pensar de alguns aristotélicos cristaos posteriores, © nivelame Digitalizado com CamScanner acusagiio de “obscurantismo” contra Tomas de Aquing Sa completa incompreensao da situacao da bling Tid século XIII. Por sua vez, Tomas de Aquino NAO abra, a aristotelismo simplesmente porque era novidade, ele o abragoy que pensava ser, na maior parte, verdadeiro, embora certa considerasse Aristételes infalfvel. Santo ToMAS DE AQUINO nasceu no fim de 1224 oy 70 come de 1225, em Roccasecca, perto de Napoles. Seu Pai era 9 Conde : Aquino. Santo Tomés entrou para a ordem dominicana em 12H foi para Paris em 1245. Passou a vida estudando e lecionand, palmente em Paris, embora tenha passado um tempo tai Vi. Mente Nip 0, Dring). mbém na corte papal. Afora alguma agitacaio na juventude, quando a familia g seqiiestrou e tentou impedir que persistisse em sua decisao de ser um dominicano, ele seguiu a vida de professor universitario: de fato, ele tinha algumas das caracteristicas tradicionalmente associadas com os professores, tais como a distragdo. Paciente, minucioso, compreensiyo e justo, era livre de todo fanatismo e nunca considerava 0 abuso como substituto adequado para o argumento e a discussaio fundamentada, Um “racionalista” no melhor sentido da palavra, foi também um santo, que, de qualquer forma, proximo ao fim de sua vida, desfrutou da experiéncia mistica de Deus. Morreu em 7 de margo de, 1274, quando estava a caminho de Napoles para tomar parte no Segundo Concilio de Lyon. Quando estudante, Tomés tivera estreito contato com um ho- mem notével, Santo Alberto Magno (1206-80), um dominicano alemao que lecionou em Paris e Colénia. A filosofia de Alberto tinha um carter um tanto eclético, combinando teorias tomadas do agosti nismo tradicional e do neoplatonismo, como ilustrado pelo Liber de Causis, com genuino aristotelismo, Mas foi ele quem abriu a mente de seu pupilo, Tomas de Aquino, para o valor e a importancia da f- losofia aristotélica, que explicava em suas palestras ¢ escritos. Além Digitalizado com CamScanner Filosofia Medieval Alberto Magno, tinha um forte ¢ intenso interesse na pesqui sa ae vigorosa confianga no valor da observagiio ¢ da Verificaca . ’ a ‘a0. pras sobre plantas € animais, ele nao confiava simplesment 1 diss0, empitic Em suas 0 : . ia declaragoes de escritores anteriores, mas dava os resultados de suas proprias observagoes, até onde havia sido capaz de fazé-las, insis- tindo que, em™ matérias desse tipo, 0 conhecimento depende da observagao empfrica. Em suas especulagdes em matérias cientfficas, evidenciava bom senso e aversao a tirar conclusdes precipitadas. (E- xistem, a propésito, historias sobre suas préprias invengées.) Porém, apesar de ter exercido uma forte influéncia formativa no espirito de Tomés de Aquino, ele aparentemente nao transmitiu ao seu pupilo sua propria curiosidade onfvora e sua paixao pela pesquisa empfrica. Alberto nao possufa o génio de Tomés para a sistematizagao; e este tiltimo nao compartilhava da inclinagao do primeiro para investiga- goes cientificas. Nao se pode fazer tudo, por certo. 2. No primeiro capftulo ew disse que Tomés de Aquino tinha uma opiniao clara sobre a diferenga metédica entre filosofia e teolo- gia. Que ele tomava essa distingéio seriamente, pode-se mostrar com um exemplo. Ele estava convencido de que nao eram conclusivos os agumentos apresentados por um pensador como Sao Boaventura Para mostrar que o movimento e 0 tempo devem ter tido um come¢o. De acordo com Tomas, nenhum fildsofo jamais conseguiu provat conclusivamente que a criag&o a partir da eternidade € impossivel ¢ que o movimento e o tempo, portanto, devem ter tido um come¢o. O fil6sofo, entdo, deve suspender seu julgamento nesse assunto. Por ou- tto lado, a teologia ensina que o tempo teve um comego. Em outras Pal . x, 0 filésofo pode dis- pene que nunca conseguiu provat. Isso sofo pode provar o oposto do que a te Digitalizado com CamScanner Frederick Copleston rejeitava os argunentos de Boaventura para provar que o m ¢ 0 tempo tiveram um comego, ele também rejcitaya 08 ar, de Aristételes para mostrar que nao podem ter tido um co més pode ter tido uma profunda admiragao por Aristétele: considerava um argumento como valido simplesmente p tételes o usava, ou uma afirmagdo como verdadeira simplesmeny porque Aristételes a proferia. Pode-se ou nao concordar co; : telismo de Toms; mas nao hé raziio para considerdlo venerador acritico no santuario de Aristételes. Ao contrario, ficou profundamente o aristotelismo, cristd e dos ensinamentos dos Padres, prias reflexdes. OVimenty Bumentos Mego, Te. ‘S, Mas Nig OTdue Aris, ™M 0 atisty. Como um G » ele modi. ndo apenas a luz da Teligiig mas também a luz de Suas pr. nO ne 3. Talvez a maneira mais facil de dar alguma idéia da filosofia de Tomés de Aquino seja comegar por resumir sua anilise daquelas coi. sas corporais que formam o objeto imediato de nossa experiéncia i normal. Nessa andlise podem-se distinguir varios niveis, Por assim di- j zer. Em primeiro lugar, Tomés aceitou a doutrina aristotélicg | tradicional de substancia e acidente. O tamanho efetivo ou a corde | um bode, por exemplo, é uma modificagao acidental: podem muda, enquanto que o bode permanece a mesma substancia, Mas suponhe- | mos que o bode seja morto e comido por um lego. Aquela que era carne do bode recebe, quando digerida pelo ledo, uma outra determi: nacao ou “forma” substancial; ela esta agora “informada” pela forma do ledo. Em toda substincia corpérea nés podemos distinguir a “me teria” ¢ a “forma”. E se colocarmos de lado todos os prinetpios determinantes ou “formas”, podemos conceber, embora apenas pot um processo de negacdo, um princfpio puramente potencial, que é capaz de receber, embora apenas sucessivamente, todas as formas cor porais. Em toda substancia corpérea nés podemos distinguir, ent®>, ’ Digitalizado com CamScanner Filosofia Medieval ue Aristételes chamava de “matéria prima”, 0 ptincfpio potencial, e aforma substancial, onptinbipto determinante que faz de uma coisa o tipo de coisa que ela €. ‘Adistingao entre substancia e acidente era familiar aos medie- vais desde 0 comego, enquanto que a teoria hilomérfica (matéria e forma) fez sua aparigdo em Chartres no século XII, como jé foi obser- yado. Tanto a teoria de substancia-acidente quanto a teoria hilomérfica eram aristotélicas. Assim também era a distingao entre ato e poténcia ou potencialidade. Seguindo Arist6teles, Tomas de A- quino via em todas substancias finitas, sejam corpéreas ou nao, tanto a capacidade de receber novas perfeigSes ou modificagdes quanto 0 prinefpio determinante que faz a coisa sero que ela 6 ou vem a ser. A composig&o a partir de matéria e forma é apenas um caso, limitado as substancias corpéreas, da distingao entre potencialidade e ato: a ma- téria estd em potencialidade para a recepgao da forma, e a forma est4 para a matéria como 0 ato para a potencialidade. Mas nos seres espi- rituais, também, a distincdo entre ato e potencialidade existe. Um anjo, por exemplo, € capaz de realizar atos de amor ou de receber a iluminacdo ou a graga divina. A distingdo entre ato e potencialidade é, assim, mais fundamental e universal que aquela entre matéria e forma. fi, além disso, uma marca da limitagdo e da finitude: uma coisa € capaz de mudar ou de receber uma nova perfeigao ou deter- minagao porque é limitada ou finita ou imperfeita. Deus, que é puro ato e absoluta perfeigdo, nao pode mudar ou receber nova perfeigao: 0 ser absolutamente perfeito simplesmente é: ele nao pode vir a ser. Agora, néio quero sugerir que a citada andlise da substancia cor- P6rea, em particular, e do ser finito, em genal, é especialmente ‘omista. Ela é aristotélica em origem, e é encontrada em outros filé- Sofos medievais, em Boaventura, por exemplo, Mas Tomas de Aquino levou a andlise do ser finito a um estégio além de Aristételes ao distin- Buir entre esséncia e existéncia em cada ser finito. Um ser, ou Digitalizado com CamScanner Frederick Copleston substincia, finito tem ou possui existéncia; e sua existéncia ¢ hs | em relagdo A sua esséncia ou natureza. Em outras palavras, existir al da esséncia de nenhum ser finito: sua existéncia é recebida ‘ ie tada por sua esséncia. Mas existéncia e esséncia nao sao duas we "f separdveis: tampouco a esséncia tem o ser primeiro ¢ recebe a ae { téncia depois. Dizer isso seria afirmar uma contradicao de teinag Esséncia ¢ existéncia sao os dois princfpios fundamentais constitut;. vos, metafisicos, de cada coisa finita. Hoje esse linguajar de esséncig. existéncia est4 com certeza inteiramente fora de moda nos citeulos filos6ficos britanicos; mas nao pode haver dtivida sobre a importancig | que Tomas de Aquino atribufa a essa andlise do ser finito, mesmo que | a natureza precisa da distingao que ele queria afirmar entre esséncia | e existéncia tenha sido, e ainda seja, matéria de disputa. A distingio , de esséncia-existéncia nao era inteiramente uma novidade. Como vi. mos, era reconhecida por Avicena, embora ele costumasse usar existéncia e acidente; e entrou para a filosofia escoldstica com Gui- Therme de Auvérnia. Mas foi Tomas de Aquino quem primeiro lhe atribuiu uma importancia profunda. Por meio dessa anilise, a depen- déncia de cada coisa finita é revelada. E isso imediatamente levanta 0 problema de Deus. Talvez valha observar imediatamente que, para Tomés de Aquino, em Deus nao hé nenhuma distingdo entre essén- cia e existéncia. A esséncia e a existéncia de Deus sao idénticas: sua esséncia é existéncia. E € isso que Tomas de Aquino quer dizer quando se refere a Deus como o “ser necessario”. 4. Tomds de Aquino, na Suma Teoldgica, apresenta cinco is tir do para provar a existéncia de Deus. Primeiro ele argumenta, a pat plesmente locomogao, ma fato do movimento (que nao significa sim, | cialidade ao ato), Pe? tal como em Arist6teles, a conversdio da poten Digitalizado com CamScanner ancia dum primeiro mots Esse argumento € baseado no argu- i de Aristoteles na Metafisica. Em segundo lugar, argumenta haver uma primeira causa eficiente; e, em terceiro lugar, haver um ser necessdrio. Vemos que ha, de qualquer modo, ue nao existem necessariamente, pois hd seres que co- exist mel que deve que deve! ns seres maser e cessam de ser. vias esses seres (seres contingentes) nao exitiiam caso fossem 0 tinico tipo de ser; pois sdo dependentes para Ee existencia. No fim das contas, deve existir um ser que existe ne- cessariamente endo é dependente. O quarto argumento prossegue a patti dos graus de perfeicao observados no mundo até a existéncia de | umser supremo ou perfeito; e 0 quinto argumento, baseado na fina- 1 dade no mundo corpéreo, termina por asseverar a existéncia de Deus como causa da finalidade e da ordem no mundo. Nessas provas, alg meg | 4 idéia de dependéncia é fundamental, sendo aplicada sucessiva- mente aos fatos observados do movimento, da causalidade eficiente, {| do surgimento e do desaparecimento, dos graus das perfeigées finitas, e, por fim, da finalidade. Nenhuma das provas era inteiramente nova; nem Tomés de Aquino pensava que eram novas. Ele nao estava es- crevendo para ateus, mas sim estava empenhado em mostrar o fundamento racional da f€ como uma consideragio preliminar dos assuntos teoldgicos. A tinica prova que ele desenvolve em alguma me- 2] dida (na Suma Contra os Gentios) é a primeira, a saber, aquela sobre {© movimento. Nao pretendo discutir a validade dos argumentos de Tomas; mas ha varias observagdes explanatérias que devem ser feitas. Em primeiro lugar, quando ele fala sobre um “primeiro” motor ou uma “primeira” causa, ele nZio quer dizer primeiro na ordem temporal. Isso fica bas- a tante claro a partir do fato de que ele nao admitia que o filésofo F Pudesse provar a impossibilidade de uma série de coisas criadas vol- \ fando infinitamente, ou indefinidamente, ao pasado. Com Primeiro” ele quer dizer “supremo” ou “fundamental”. Sua opiniao Digitalizado com CamScanner ea propria série, soja finita ou infinite, Tequer uma Plica, gade dear portant, em segundo lugar, quando ele fala. gio iA de um “regresso infinito”, na série de causas a Or nanegl ele estd se wen a i Tegresso infinito Nig . ordem temporal, mas na ordem da d oan encia ontologica, Q ue ele quer dizer pode ser expressado dest forma: Um Tegtesso infinity de seres contingentes, por exemplo, no € eed explicagio da Cxistén, cia desses seres; ele é imposstvel no sentido de que, sem UM “sey necessrio”, a série, seja temporalmente finita ou infinita, nao exist. tia. Trazer a idéia de um regresso infinito como se fosse uma explicagao nao ajuda em nada: esse € 0 ponto que ele quer Mostrar, Em terceiro lugar, é certamente verdade que Tomas de Aquino Pres. supée, como princfpios metafisicos, os principios de razdo suficiente e de causalidade; mas também o fizeram seus contemporaneos. Vere. mos depois que a validade das provas tradicionais da existéncia de Deus foi questionada no século XIV. Se Toms de Aquino e seus co- legas metafisicos ou seus criticos do século XIV estavam certos ou errados € uma questio que o historiador nfo precisa discutir. Mas é importante perceber que Tomas de Aquino considerava um prinefpio como 0 de razao suficiente ndo como um simples princfpio “légico”, no sentido em que “princfpio légico” é as vezes entendido hoje, isto €, como um prinefpio ou “tautologia” puramente formal, mas como um principio metafisico, que afirma uma “lei” do ser. Pode-se, é claro, perguntar com qual justificativa Tomés de 4 quino chama o primeiro motor ou o ser necessério de “Deus”. Ms cle prossegue, € claro, de modo a mostrar que o “ser necessirio” deve ter os atributos que predicamos de Deus, Por exemplo, ele argument® que o ser supremo deve ser inteligente. Ora, isso levanta a questio do significado dos termos que predicamos de Deus; e essa questi ioe se ainda mais crucial wn com a psicologia e a epistemologia de 1” Se Aine Pois Tom i totélict 4s de Aquino nao sé aceitava a visdo ars Digitalizado com CamScanner {aq alma humana como “forma” do corpo, mas também afirmava que 0 conhecimento humano depende do sentido-percepgo. A alma nao esti no corpo como wm piloto em um navio; ela est naturalmente unida ao corpo, nado sendo a sua unido algo artificial. E essa verdade j se expressa € Se revela pelo fato de que o primeiro objeto do conheci- mento humano € a realidade material. Como pode, entio, a mente humana alcangar 0 conhecimento até mesmo da existéncia de um ser espiritual como Deus? A resposta de Tomas de Aquino é, em substan- cia, que a mente humana, que tem como seu objeto primério de conhecimento as esséncias das’ coisas corpéreas, pode reconhecer a relacao dos objetos da experiéncia com aquilo de que sao dependen- || tes. E, portanto, legitimo afirmar a existéncia do ser do qual as coisas que formam 0 mundo sao dependentes. Mas, quanto a natureza da- quele ser, a mente humana pode conhecé-la apenas na medida em que clase revela nas coisas finitas. Numa frase famosa, sabemos a res- peito de Deus que Ele €, em vez de o que ele é. Mesmo assim, predicar quaisquer termos de Deus levanta um problema. Pois os termos denotam principalmente qualidades ou per- feigdes experienciadas. Por exemplo, a palavra “inteligéncia” denota principalmente a inteligéncia da qual temos experiéncia, isto é, a in- teligéncia humana. Em que sentido ela é predicada de Deus? Quando dizemos que Deus é inteligente, nao queremos afirmar sim- plesmente que Deus é a causa da inteligéncia humana. Se isso fosse tudo 0 que quiséssemos afirmar, poderfamos também dizer que Deus € matéria. Quando predicamos de Deus aquelas perfeigdes que sao compativeis com o ser infinito, nao queremos dizer somente que Deus € a causa daquelas perfeigdes, e sim algo mais. Porém nao po- demos querer dizer que Deus é inteligente precisamente do mesmo modo que um homem é inteligente: ou seja, nfo podemos usar 0 temo num sentido unfvoco. Nem podemos usa-lo apenas equivoca- Mente. Se usdssemos, o termo ndo teria sentido quando aplicado a Digitalizado com CamScanner angcende nossa experiéncia natural. Nés sam, uum set que eae Aquino, analogicamente. Predicamgs ¢, : termo, acai com a qual a inteligéncia humana tem algun, oe 2 ae essa semelhanga € sempre acompanhada de Ee os temos nenhum conhecimento adequado da teal que é afirmada. O filésofo pode descobrir quis termos podem mamente ser predicados de Deus e qquais nao podem; ¢ Pode aproximar-se de um conhecimento dp significado objetivo daqueles termos ao tentar depurar seus conceitos; mas nao pode compreender o significado objetivo total daqueles termos. Existe, entao, na filosofig ® Deus | a | disp, lidade legit. de Toms um certo “agnosticismo”; mas € um agnosticismo Parcial M lado, e nas limitacdes da mente humana e da linguagem, de outro, nao da indiferenga ou da falta de esperanca de jamais descobrir qualquer coisa que seja sobre Deus. resultante de uma convicc4o na transcendéncia divina, de y >. JA foi observado que Tomés aceitava a doutrina aristotélica de que a alma é a forma do corpo. £, a alma racional do homem que faz do corpo humano um corpo humano, e que € 0 prinefpio de suas fungGes vitais e das sensagGes. Mas, uma vez apresentada essa concep- gao da relago da alma com o corpo, pode parecer surgir uma grave dificuldade no que diz Tespeito a imortalidade. Se a alma é natural mente a forma do corpo, ela nao deveria perecer com a morte, assim como a alma sensitiva de um animal? Santo Tomés responde que @ alma racional, embora seja a forma do corpo, deve ser uma forma espiritual ou imaterial, Que ela transcende a matéria, pode-se saber Por uma inspecSo de suas atividades; pois ela € capaz de wots todos os tipos de Corpos € nao esté confinada a um campo wane mesmo modo que o poder da visio estd confinado a perceps4? ° Digitalizado com CamScanner a qualidade de coloridos. A mente pode conhecer as essén- terials, ¢ pode, além disso, refletir sobre si mesma. Ela deve ser jmaterial. Mas a existéncia de uma forma imaterial so fintinsecamente dependent da matéria que ela informa. Tomés de guia, @ pantir da Se arstot ica da alma, tirou a conclusao de que? alma desencama ja nao é, propriamente falando, uma “pessoa”. como Boécio a definiu, uma substancia individual de na- nal; e 0 corpo € uma parte do homem, que é ele mesmo uma substancia completa. Nao obstante, a alma, sendo um princfpio material, sobrevive a morte corporal. Quanto a doutrina aristotélica, conforme interpretada por Averrées, de que a imortalidade pertence apenas 20 intelecto ativo separado, que € tinico em todos os homens, Santo Tomas se recusava a admitir que a doutrina tivesse qualquer fandamento real na experiéncia. A vida intelectual de um homem difere daquela de outro homem tanto quanto as sensagGes de um ho- rem daquelas de outro homem. Cada homem tem seu mem dife préprio intelecto ativo; ¢ a imortalidade é uma imortalidade pessoal. jas 4 porta 0, A pessoa c tureza racior 6. Acombinacdo do aristotelismo com uma filosofia inspirada por uma visao crista € muito clara na doutrina moral de Santo Tomas. Ele aceitava 0 eudemonismo e a teleologia da ética aristotélica, no sentido de que aceitava a doutrina aristotélica de que a felicidade € 0 ade ou a maldade das agoes depende da relacao delas com esse fim. Nesse sentido, ele aceitava a primazia dobem na vida moral. Mas, afora o fato dle que Santo Tomas entendia Por felicidade a finalidade da vida humana, um bem que s6 é perfei- ‘mente alcangavel na outra vida, ele conectava a ética e a metafisica deum modo que Aristételes nao havia feito, Mas a associagao da ética Com a metafisica na filosofia de Tomas de Aquino tem de ser cuida- dosamente entendida, A nogio de que a lei moral depende da escolha fim da vida humana e que a bond Digitalizado com CamScanner ou aprovagio arbitriria de Deus é completamente estranha 20 @ dimento de Tomas de Aquino. Sua posigdo era antes 2 Segui en Desde a eternidade, Deus teve em Sua mente, para falar de ae antropomérfica, uma idéia da natureza humana. Ele vig ms ag queridos para a realizagao da finalidade daquela natureza, oy = para o desenvolvimento completo de suas potencialidades, Esse me APticho divino. A natureza humana é um modo em que a esséncia divi | pésito para o homem € a lei eterna; mas ela no depende do © . : ina pode se refletir exteriormente; e, considerando a natureza huma | na, | hd certos atos que so requeridos para o desenvolvimento de suas tencialidades e certos atos que sio incompatfveis com fi | desenvolvimento. A lei moral é assim, em tltima instancia, baseada \ na propria esséncia divina, necessdria e imutdvel. Conforme Vista aprovada pelo intelecto divino (mais uma vez, esta é uma linguagem ' antropomérfica, mas esta linguagem € inevitavel), ela é a lei ctema | Essa lei eterna de Deus é refletida na lei natural, que € a totalidade dos preceitos da razdo pratica do homem a respeito do bem, que se | deve buscar, e do mal, que se deve evitar. A lei natural é imediata. | mente promulgada pela propria razio humana, e, nesse sentido, 0 | homem goza de certa autonomia moral. Mas a natureza humanaé sempre essencialmente a mesma; e dessa forma a lei natural €sempre | essencialmente a mesma. Portanto, nem o fundamento tltimoe transcendente da lei moral natural, nem sua promulgagao pela razio | pratica significa que a lei natural seja arbitréria ou que poderia ser diferente do que é. A razao humana promulga a lei através da reflexdo sobre a natureza humana. O imperativo moral é, assim, em lingua gem kantiana, um imperativo hipotético assertérico, apesar de que 0 fildsofo escoléstico nio iria gostar do uso da palavra “hipotético”. A obrigacio € 0 compromisso do livre arbftrio, na qualidade de livre, de realizar aquele ato que € necessdrio para a conquista do fim ultimo; € esse fim, a felicidade, € absoluto, no sentido de que a vontade na? Digitalizado com CamScanner sejielo. Quando se trata de interpretar 0 que € esse fim otumente, Seu cardter deve ser determinado pela referéncia a ya humana. Alei moral nao é puramente formal, mas tem um cessitiO, determinado pela natureza humana, ole evitar des palure? tor Ne 7, Essa teoria da lei natural tem conseqiiéncias importantes com relagao a lei positiva humana, a lei do Estado. A fungao da lei positiva humana é definir ¢ esclarecer a lei natural e torné-la explicita, aplica- Jae torné-la efetiva pelo estabelecimento de sangées. A lei do Estado deve definir 0 assassinato, por exemplo, ¢ estabelecer sanges que contribuirao para a observancia de suas leis. Isso nao é dizer que a lei do Estado deva conter sangGes sobre cada transgressao da lei natural; poisa primeira existe para 0 bem da comunidade, e pode nao ser para o bem da comunidade que uma infragao da lei natural através deste ou daquele tipo de agao deva ser reconhecida e punida pela lei do Estado. Mas sim significa que cada sangio legislativa do Estado deve estar pelo menos em harmonia com a lei natural. Se uma lei positiva humana é incompatfvel com a lei natural, diz Santo Tomas, ela sera uma perversdo da lei em vez de uma lei verdadeira. Serd uma lei in- justa, € ndo comprometerd na consciéncia. Esse, claro, € um caso extemo. Também € possfvel que o legislador decrete uma lei tinica eexclusivamente para seu proprio interesse particular e egofsta; e tal lei, mesmo se nfo for incompativel com a lei natural no que diz tes- Peito ao seu contetido, nao pesard na consciéncia, exceto nos casos €m que a nao observancia da lei produziria um mal maior do que aquele produzido por observar uma lei que, apesar de no ser intrin- Secamente mé, é supérflua e nao necessdria para o bem comum. Essa Concepcao das leis decorre da definicao de Santo Tomés da lei como Ha ordenagiio da razao para o bem comum, feita por aquele que Suida da comunidade, e que é promulgada”. Digitalizado com CamScanner Para muitas pessoas hoje, “lei” significa a lei do Estado, Pag Santo Tomas, contudo, a lei do a UM tipo te Jei, A palavra “lei”, como um Herzig gera , inclui a lei eterna de Dex, a lei natural, a lei positiva divina a lei revelada), ea lei positiy mana. No final das contas, toda lei deriva sua autoridade de Deus, ¢ assim possui um fundamento transcendente. Boa parte dessa concep, céio medieval da lei sera encontrada na filosofia do direito de Richard Hooker (1553-1600), o escritor protestante inglés; e, através de Hla ker, ela influenciou John Locke, pelo menos no que diz Tespeito ag carater moral da lei humana e sua relagdo com a lei natural, A poste. rior concepgao positivista da lei fica, obviamente, no polo posto ag da idéia de lei segundo Tomés de Aquino. 8. A estima que agora se tem na Igreja Catélica por Tomis de Aquino, como tedlogo ¢ filsofo, pode levar a supor que ele ocupava posicdo similar na Idade Média. Mas algumas de suas teorias eram consideradas inovagGes perigosas por certo ntimero de seus contem- poréneos. Em 1277, trés anos depois da morte de Tomas de Aquino, diversas proposigdes foram condenadas pelo bispo de Paris; e embora a condenagao fosse principalmente dirigida aos “averrofstas”, certas ‘eorias de Tomas de Aquino estavam inclufdas. No mesmo ano, 0 bispo dominicano da Cantuaria, Robert Kilwardby, condenou um Conjunto de proposigdes em Oxford, incluindo a teoria de Tomés de Aquino da unicidade da forma substancial na substancia individual* E, em 1284, Joao Peckham, sucessor franciscano de Kilwardby » Dr a . : z ocese da Cantuaria, tepetiu a condenagio. A razdo porque 61 ‘omés “Tani “auine defendia que no ser humano, por exemple, existe apens ir Saal xm bra alma racional, que diretamente dé forma & “matéria i Mas substanciais ont 42 Corporeidade”, e menos ainda existem distintas m=“ eee atts, vegetativa e sensitive, animais, tespectivamente. form@ ” Néo for sa vitais 098 P cortespondendo aos prinespios vitals Digitalizado com CamScanner nalistas contestavam a teoria de Tomas de que em qualquer ' rancia existe uma tinica forma substancial tinha um cariter teo- subst i an i Se a alma de Cristo, pensavam eles, fosse a tinica forma stancial do corpo de Cristo, e se nao houvesse nenhuma “forma subste da corpore! Cristo; Seu cor] consideravam que, igs dos santos nao jo diferente; mas seus criticos pensaram que sua rejeigéo da a tradicional da “forma da corporeidade” fosse uma novidade tradicl dade”, seguir-se-ia que, entre a morte e a ressureicao de po nao era realmente o Seu corpo. Além disso, eles na teoria de Toms, a veneragao dos corpos e re- gu poderia ser justificada. Tomés tivera uma opini doutrin: perigosa. Apés a c foram naturalme! anonizacao de Tomas de Aquino em 1323, esses ataques nte bastante amenizados; e, dois anos depois, 0 bispo de Paris retirou as censuras de 1277. Mas, embora Santo Tomas gra- dualmente tenha vindo a ser 0 doutor oficial da ordem dominicana, elenunca se tornou, durante a Idade Média, 0 filésofo oficial catélico. Eincorreto dizer que, mesmo agora, 0 tomismo como tal seja imposto oficialmente a todos os fildsofos catélicos; mas é inegavel que, desde acarla enciclica Aeterni Patris do papa Leao XIII, Santo Tomas des- fruta de uma posig&io na Igreja Catélica que nao foi concedida a nenhum outro filésofo. Digitalizado com CamScanner

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