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A Cidade Terrena a luz da nogao de Peregrinagéo em Agostinho de Hipona (Uma andlise do De civitate dei e do Enarrationes in Psalmos, CXXXV1) Angelo Zanoni Ramos* dba de parogrinags inserts no modelo gostnho_Pretendemos sabenar que © con rise colste snconia-se-da passapem no Inrin gam que sus anigem exgosal dbstua a spo des nst- xistontos Pilewesacchaver pereqrnacSo ~ cidade terana~ cidade celeste ~ paz ~ “Bu nao sow da sua ra Bu a fal aoa lingua Minha vida é diferente da sua sto aqui de passagem Esse mundo ndo é mes” (Branco Mello © Arnaldo Antunes) Na leitura da obra de Agostinho, sobreiudo do De ciuitare dei, o leitor constantemente depara com a explicit relaglo aa + Doutofnda do Departamento de ili Uiveiade Sto Paso blit+ aL FAPESP Beal nplommni@htmal.com 6 ‘Ramas, A, Cadernos de Etica 2 Fasata Polica 3p, 115-24, 2001 g0nica entre 0 que o autor denomina cidade de Deus e cidade terrena, De fato, 0 contexto no qual @ extensa obra apologética ‘comegota ser redigidaé ntidamenteassinalado pelo conflito ver bal entre crstaos e pagios na ccasito da debilitagto do império romano em razfo dos constantesataques bérbaros, das quais des ‘acamos o saque de Roma pelas tropas do rei visigoda Alarico, no ano de 4100 Quase um século apés o éita de Constantino, a fagilidade {do império soava para os pags como uma conseqtiéncia da con- versio de Roma ao cristanismo, cuja doutrina, embore ainda em fase de composigto, parecia arefecero espirto guerrero, sobre tudo pelo duplo mandamento do amor ao préximo, a rejeigto & violéncia, ow outras méximas de dificil digestio para o eidadzo romano, saudosista daquele império que, nos tempos da religifo aga, anexava os reinos vizinhos ao seu-terrtsrio, combatendo sloriosamente os exércitos que Ihe impunham resistencia, Dos pagios ressoavam insmeras acusagSes contra 0 crists- nismo. Ao que parece, estavaIatente 0 conflita entre 0s pagios © 0s eristios mais doutrinados que se empenhavam na defesade sua Feligifo, de tal modo que se compunham dois exteemos no interi- ‘or da Sociedade romana, o: quais, consequentemente,inspiraram ‘em Agostino o madeto das duas cidade a cidade terrena de um Indo, recebendo a penalidade pelos seus aos injustos; do extremo ‘posto, a cidade de Deus (Jerusalém celeste, o 0 conjunto do povo destinado 2 salvaglo), viajante na sociedade ¢ sofrendo os mesttos agoites E nesse contexto que 0 bispo Agostinho, com o intuito de ‘omar a defesa da cidade de Deus, ou celeste, desenvolve sia apo- logia numa volumosa obra escrita,inttalada De ciuitate det. No preficio ds obra, a cidade divina 6 definida como o conjuato dos ‘homens que vivem no século (temporum cursus) pela f& e espe- ama firmeza da morada eterna; a cidade do diabo, x0 contrio, & © conjunto dos povos escravos, deminades pelo préprio desejo de dominio (dominandi libido dominatur). ano. A, Caden oa Foote Pate 3p 1938300 a De fato, as duas entidades antagénicas encontram-se inseri- ‘das no mesmo espago fisico no qual elementos das duas cidades se encontram misturados naquilo que denominamos sociedad. Em * ‘utras palaveas, pode-se dizer que ambas as cidades esto presen tes em Roma, como em qualquer espago habitado por homens, Por itso, cidede de Deus ea cidade terrena, Jerusalém e Babilénia, esto misturadas corporalmente, enquanto situadas num mesmo espaco fisico, Entretanto, slo bem distintase se mantém separs- as espiritualmente, pois diferem nos seus fins, uma ver que urna ‘espera a morada etema, no desfecho da histSria da salvagio, © 4 ‘outra se volta para seu desejo de domfnio, limitando seus anseios 0s resultados que nio ultrapassam o plano temporal. Cada una tem, como motor de suas expectativas, um desejo que a impele se empenhar em atingirsua meta: “‘Dois amores fzeram, pots, duas cidades, a saber: 0 amor de si (amor sui) até o desprezo @ Deus, a terrena; 0 amor a Deus (amor dei) até 0 despreto de si, a dese espalhar entre suas vitimas 0s sentimentos contrério & paz, havienele uma telagio causal entre o desejo de pez as atrocida- des que cometia, pois roubava, matava e-devorava com vistas & propria sobrevivencia, isto 6, a situagio de paz com seu proprio ‘corpo mortal (Agostinho 8, Parte I, p. 400-1) Portanto, € da natureza do homer busca pela auséncia de transtomo, que Agostinho chama de paz. Essa busca pelo equili. brio nfo é exclusiva do homem tomado individualmente, mas 56 estende para a relagdo entre os homens no interior da cidade e do ‘te. Se, de acorda com 0s fats incontestéveis,shistria do ien. pério romano havia sido extremamente marcada pelas guerras con tra 08 reinos vizinhos, na condicao ofensiva ou defensive, tas fa- os néo invalidam a afirmagéo da universalidade da paz. Segundo ‘Agostinho, toda guerra fem Ietente um desejo de instituiglo ou ‘manutengio da paz ‘Os que investem contra os rebeldes pretendem submeté-Ios ‘seu dominio, sustentando assim ume pag, @ seu ver, jd existente de fato, Os que atacam algum reino rival ou um poder institutdo no seu reino, fazem-no porque nfo considerams um estado de pa. 8 situagSo presente e pretendem conquistar uma paz de acordo com seus préprios moldes (id, ibid, p. 400), Portento, a paz naquele espaco comu é fnalidade de todos ‘os homens que ali se encontram, Sejam eles 0s eleitos da cidade ano AZ. Caden geen a Flos Pat 3. 11535200 1 celeste ou os condenados do outro grupo, Cada uma das duas es- pécies de cidadios se esforsa por manter a paz digna da sua con Aigha: “Uma dela (cidades)certemente 6a dos homens que querem vie ver segundo a eaene (eao), 9 outta 4.405 que quetem viver se. undo o exptito (spins), querendo, eada qual © seu proprio Enero de pax © vivendo no sea prio género de pa, com n gut ‘conseguem o que pretendem” (Agostinho 1, p. 414) ‘A paz puramente terrena, a pax remporalis, etd sueita as ‘ragilidades que marcaram a histéria dos rinos, a qual se asseme~ tha a diseérdia,e nio obstant, pela razio mencionada eeima, no ddeixa de ser paz, na medida em que, apés um eventual confit, & estabelecida uma coneérdia ordenada entre 0s cidados que mea dam eos que obedecem. A pas da cidade celeste, a0 contro, ato se assemelha a controvérsas: supde uma ordem estabelecida pelo cxiador por meio da qual os homens gozam do mesmo Deus, nim acordo absoluto, mantendo uma ordenadtssima e coneordiasima Sociedade (ordinatissima et concordissima societas) entre seus membros (cf. idem 8, Parte I, p. 402) Portanto a cidade terrena busca a paz como uma espécie de cordem suficiente para a manutengdo das relagdes de convivéacia, no meio social. A cidade de Deus, por sua vez, busea uma paz. superior na qual, segundo a ordem celeste seus membros goza

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