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“Pensar o Cinema pelo Cinema”: Deleuze, Filosofia e Cinema.

Uma Introdução
Author(s): SUSANA VIEGAS
Source: Revista Portuguesa de Filosofia , 2013, T. 69, Fasc. 3/4 (2013), pp. 491-504
Published by: Revista Portuguesa de Filosofia

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"Pensar o Cinema pelo Cinema":
Deleuze, Filosofía e Cinema.
Urna Introduçâo
SUSANA VIEGAS*

Resumo

Neste ensaio procuro analisar o movimento reversível que há entre cinema e filoso
pensamento de Gilles Deleuze. A filosofía do cinema é um dos temas deleuzianos po
lência e Cinema 1 e Cinema 2, dois dos seus livros mais estudados. Porém, que pape
o cinema no seu pensamento filosófico? Com o objectivo de analisar os diferentes tip
interferencias que ocorrem entre o campo estritamente filosófico e o campo nao-filos
pretendo demonstrar de que modo o cinema nâo foi apenas considerado como urna art
ilustrava ideias filosóficas já elaboradas, mas como urna arte que contribuiu para a pr
criaçâo conceptual.

Palavras-chave : filosofía do cinema, Gilles Deleuze, metafilosofia, noologia

Abstract

My aim with the present essay is to analyse the reversible movement that occurs in Gilles
Deleuze s thought between cinema and philosophy. Philosophy of cinema is one of the most
stimulating aspects of the deleuzian thought and Cinema 1 and Cinema 2 two of his most
studied books. However, which role had cinema in his philosophical thought? With the final
objective of analysing the different kinds of interferences that occur between the specific
philosophical field and the non-philosophical field, I want to clarify how cinema was not seen
as a mere artistic illustration of some pre-existing ideas but as a philosophical contribution.

Keywords : Gilles Deleuze, metaphilosophy, noology, philosophy of cinema

Introduçâo

lantes filosóficamente no campo dos estudos deleuzianos. Gilles


A filosofía
Deleuze do cinemaumé,ponto
terá encetado actualmente,
de vista diferenteum
nao sódos
da temas mais estimu
compreensâo filosófica da arte cinematográfica, mas também das inter
ferências das imagens em movimento no pensamento conceptual que
caracteriza, em exclusivo, a filosofía. "Imagem-movimento", "imagem

* Instituto de Filosofía da Linguagem - Universidade Nova de Lisboa.


susanarainhoviegas@gmail.com

Vol. 69 -J|
Fase. 3-4 J m JOU | 491-504

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-tempo" e "imagem-crista
rápidamente, passaram a
disciplinas do saber.
A aproximaçâo de Deleuz
papel que representou em
Rosier. No ano seguinte, e
particular, Les autres (197
espacial da cámara1 e, em
Henri Bergson ao cinema at
Marie Miéville, Six fois deu
Cahiers du cinema em 19
cinema entrou na sua vid
filosofía, Deleuze nâo im
cinema ainda que um elem
cineastas criavam "verdad
Ora, como compreender
"filosofía do cinema", ten
no seu pensamento e que
Como justificar a ligaçâo,
tâo espontánea que terá le
é deleuziano"?4 Este ensa
doxos. No fundo, o que e
por Gilles Deleuze é urna d
que modo a filosofía se re
tográfico.

I. Da teoría à filosofía do cinema

Antes de especificar os tipos de interferencias que ocorrem no m


mento recíproco entre a filosofía e o cinema, começo por distinguir
teoría do cinema de urna filosofía do cinema. Parto justamente da qu
que Deleuze colocou no final de A Imagem-tempo a propósito da re

1. Deleuze, Gilles - "Un art de planteur". In: Deleuze, Gilles - L'île déserte et autres tex
Textes et entretiens 1953-1974, éd. par Lapoujade, David. Paris: Minuit, 2002, pp. 401-
2. Deleuze, Gilles - Conversaçôes 1972-1990, trad. Miguel Serras Pereira. Lisboa:
de Século, 2003, pp. 59-70.
3. Deleuze, Gilles - Deux régimes de fous. Textes et entretiens 1975-1995, éd. par Lapou
David. Paris: Les éditions de Minuit, 2003, p. 263-271.
4. Toubiana, Serge - "Le cinéma est deleuzien". Cahiers du cinéma, 497 (1995), p. 21

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"Pensar o Cinema pelo Cinema": Deleuze, Filosofía e Cinema. Urna Introduçâo 493

entre teoría e prática cinematográfica nos autores dos Cahiers du cinema:


para que servem os livros teóricos sobre o cinema.5 O ponto de vista estético,
deliberadamente comprometido a nivel político, das críticas publicadas
nos Cahiers du cinéma, nâo é compreendido como urna mera teoría cine
matográfica. A teoría deverá, segundo Deleuze, ser táo concreta quanto o
seu objecto de estudo, isto é, a teoría perse nâo existe abstractamente, mas
precisa de ser criada, trabalhada. Neste sentido, urna teoría sobre o cinema
nâo dirá respeito à arte cinematográfica mas, ao invés, aos seus conceitos,
aos conceitos que nos sâo facultados pela própria arte ("o que importa é
retirar ao filósofo o direito à reflexâo «sobre»"6). Urna teoría é, deste modo,
urna actividade criativa dependente, por sua vez, do trabalho filosófico. Tal
como a crítica de cinema tinha sido, em primeiro lugar, urna prática cine
matográfica para os próprios críticos dos Cahiers du cinéma. Assim, em
Deleuze, urna filosofía do cinema nâo se limitará a ser a elaboraçâo de um
corpus filosófico sobre o cinema, no mesmo sentido em que a teoría nâo se
limita à reflexâo de hipóteses abstractas. A leitura que Noël Carroll faz de
urna filosofía da crítica esclarece internamente o que defendo estar em causa
naquilo que podemos resumir pela fórmula "Filosofía de X"7: segundo este
modelo, urna "Filosofía do cinema" correspondería a urna reflexâo sobre
o cinema na qual o cinema participaría como urna instância de segunda
ordem. Segundo este paradigma, o conteúdo da análise reflexiva - no
caso, o cinema - diz já respeito a urna prática, logo, é algo que pré-existe à
própria reflexâo filosófica. Através da análise deleuziana, pretendo escla
recer de que modo é que o cinema, ainda que seja urna instância anterior,
pré-existente e independente à sua reflexâo filosófica, possa ter tido, no
seu pensamento, uma funçâo mais orgánica e necessária. Neste caso, urna
"filosofía do cinema" aproximar-se-á mais da coerência interna que há,
por exemplo, na sua estética ou ontologia,8 ou seja, aproximar-se-á mais
da coerência segundo a qual o pensamento filosófico cria internamente o
assunto (conteúdo) da análise reflexiva: em oposiçâo a um tipo de meta
discurso filosófico, por vezes vazio, Deleuze defende que o pensamento é
ele próprio uma prática. Uma filosofía do cinema torna-se, assim, numa
prática conceptual sobre uma prática artística.

5. Deleuze, Gilles - Cinéma 2: L'Image-temps. Paris: Minuit, 1985, p. 365.


6. Deleuze, Gilles - Conversaçôes 1972-1990, cit., p. 166.
7. Carroll, Noël - On Criticism. Londres / Nova Iorque: Routledge, 2009, pp. 2-3.
8. Sobre alguns dos equívocos relacionados com o termo "ontologia" no pensamento de
Deleuze leia-se: Zourabichvili, François - "Introduction inédite". In: Zourabichvili, François,
Sauvagnargues, Anne & Marrati, Paola -La Philosophie de Deleuze. Paris: PUF, 2004, pp. 6-9.

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Susana Viegas

Segundo esta perspectiva, A Imagem-movimento (1983) e A


-tempo (1985) nao se tornaram apenas livros fundamentais para os
diversos estudos e teorías sobre o cinema; eles sao também urna peça
fundamental no próprio pensamento deleuziano como um todo, como
um sistema, como urna prática. Eles apresentam, na base dos seus argu
mentos e exemplos cinematográficos, urna filosofía da diferença tal como
tinha sido desenvolvida por Deleuze a partir de Diferença e Repetiçâo
(1968). De facto, a sua preocupaçâo dizia respeito "a todo o cinema, ao
todo do cinema",9 a urna taxonomía de todos os signos. Porém, a ideia
de reuniâo de "todos os signos" nâo nos deverá desviar da verdadeira
intençâo de Deleuze: a busca pelo todo nâo se limita à enumeraçâo das
partes mas, ao invés, relaciona-se com a sua formaçâo - o que Deleuze
pretendía era, na verdade, delimitar o processo de formaçâo desses signos.
Ou seja, tal como defende em Diferença e Repetiçâo no contexto da taxo
nomía em Darwin, "trata-se de saber em que condiçôes pequeñas dife
renças, livres, flutuantes ou nâo ligadas, se tornam diferenças apreciáveis,
ligadas e fixas".10 Para além disso, estes livros esboçam uma redefiniçâo da
filosofía enquanto "criaçâo de conceitos" que será posteriormente desen
volvida em O que é a filosofía? (1991), com Félix Guattari. No entanto, se
a teoría em sentido estrito aborda o cinema como um objecto de estudo
como tantos outros, como uma instância de segunda ordem, a filosofía
deleuziana, por seu lado, procura a criaçâo de conceitos; será através
da arte cinematográfica que nos descobrimos no campo filosófico tal
como tinha sido através da crítica de cinema que os críticos da nouvelle
vague se descobriram na realizaçâo de filmes. A Imagem-tempo, defende
Deleuze, nâo termina no campo cinematográfico mas no campo filosófico.
Porém, Deleuze nunca estivera no campo estritamente teórico. Ou seja, os
conceitos de cinema sâo criaçôes filosóficas: os conceitos de cinema nâo
estâo dados no cinema; eles sáo, na verdade, conceitos filosóficos, criados
a partir das ideias dessa arte em concreto e nâo das teorías sobre o cinema.
É neste sentido que uma filosofía do cinema é compreendida por Deleuze
como uma "prática conceptual", "o próprio cinema é uma nova prática
das imagens e dos signos, cuja teoría a filosofía deve realizar como prática
conceptual".11

9. Ropars-Wuilleumier, Marie-Claire - "Le tout contre la partie: une fêlure à réparer".


In Fahle, Olivier & Engell, Lorenz (dir.) - Der film bei DeleuzeJLe cinéma selon Deleuze. Verlag
der Bauhaus Universitat Weimar / Presses de la Sorbonne Nouvelle, 1997, p. 243.
10. Deleuze, Gilles - Diferença e Repetiçâo, trad. Luiz Orlandi & Roberto Machado.
Lisboa: Relógio D'Água, 2000, p. 400.
11. Deleuze, Gilles - Cinéma 2: L'image-temps, cit., p. 365.

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Assim, teoría e filosofía respondem diferentemente aos mesmos


problemas: a teoría, enquanto base metodológica para analisar qualquer
filme segundo um determinado assunto (produçâo, distribïïTçâo, autor,
género, etc.), procura urna soluçâo para os novos problemas. Pelo con
ário, na filosofía, entendida no sentido deleuziano, nao há soluçôes, nem
verdades: o conceito filosófico nâo é compreendido como soluçâo de um
problema mas a sua natureza é, ela própria, problemática. O que procu
ramos nos filmes nâo deverá ser apenas o seu enquadramento e reconhe
cimento num modelo já conhecido, mas a sua diferença. Por este motivo,
a filosofía do cinema em Deleuze engloba os dois movimentos (da filosofía
ao cinema e vice-versa) de tal modo que, no seu percurso, Deleuze começa
com o questionamento filosófico, passa pela análise de diversas imagens
e planos cinematográficos para regressar à filosofía e nâo para ficar na
mera teoría e crítica dos filmes.12 As consequências da demarcaçâo entre
elaborar urna teoría sobre o cinema, enquanto reflexào sobre o cinema, e
urna filosofía do cinema, enquanto prática conceptual, ecoam, de algum
modo, nas palavras fináis de A Imagem-tempo, que impregnam sub-repti
ciamente as afinidades que procuro no interior da própria filosofía deleu
ziana: "há sempre urna hora, meio-dia/meia-noite, onde já nâo é necessário
perguntar o que é o cinema?' mas 'o que é a filosofía?'".13

II. Do cinema à filosofía, urna via de dois sentidos

Gilles Deleuze confirmará mais tarde que "[o] afecto, o percepto


e o conceito sâo très potências inseparáveis, vâo da arte à filosofía e
inversamente".14 Neste contexto, o cinema poderia ser considerado como
um objecto de estudo entre outros, como a pintura de Francis Bacon ou a
escrita de Marcel Proust, de Franz Kafka, de Herman Melville ou de Lewis
Carroll. O movimento recíproco ocorre, de facto, entre a filosofía e a arte
em gérai. Se há um movimento recíproco entre a arte em gérai e a filosofía,
e se passamos naturalmente da filosofía para o cinema em particular,
também naturalmente percorremos o caminho inverso, do cinema para a
filosofía: "Nâo se tratava de aplicar a filosofía ao cinema mas íamos direc
tamente da filosofía ao cinema. E o inverso também: íamos directamente

12. Rodowick, David N. - "An Elegy for Theory". October, 121, 2007, pp. 99-110.
13. Deleuze, Gilles - Cinéma 2: L'image-temps, cit., p. 366.
14. Deleuze, Gilles - Conversaçôes 1972-1990, cit., p. 187.

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do cinema à filosofía."15 M
imagens cinematográfica
filosofía, já nào pergunta
natureza da filosofía.
Afinal, quai a verdadeira relaçâo-interferência entre a filosofía e a arte?
"A arte nâo pensa menos do que a filosofía, mas pensa através de afectos e
perceptos. O que nâo impede que as duas entidades passem muitas vezes
de urna para a outra [...] numa intensidade que as co-determina." E, de
seguida, Deleuze e Guattari reafirmam o nivel de familiaridade desta rela
çâo-interferência: "O plano de composiçâo da arte e o plano de imanência
da filosofía podem deslizar de um para o outro, a ponto de alguns lados de
um serem ocupados por entidades do outro."16
Gilles Deleuze proferiu, a 17 de Março de 1987, a famosa confe
rencia na La Fémis sobre o acto de criaçâo, questionando o que significa
ter urna ideia no cinema ou na filosofía.17 Deleuze começa por afirmar
que, para além da raridade do acto de criaçâo, nâo temos ideias em geral
mas sempre num campo específico: os pensamentos sâo sempre algo de
concreto, de imánente ás imagens e nâo algo separado destas. Urna ideia
é, para Deleuze, urna imagem que nos faz pensar, urna imagem pensativa
que é, por natureza, pensamento em potencia, e é deste modo que, conse
quentemente, o cinema se poderá encontrar "cheio de ideias".18 A filo
sofía é, tal como o cinema, urna actividade criadora,19 autopoiética. Deste
modo, a filosofía nâo se define nem pela contemplaçâo, nem pela reflexâo
em abstracto sobre um assunto qualquer, como urna "Filosofía de X"
segundo a fórmula referida. Se o que é próprio da filosofía é criar conceitos
(que nâo se confundem com ideias gérais ou abstractas), à arte em geral
compete criar perceptos e afectos (que nâo se confundem com percepçôes
ou sentimentos). Cada dominio terá os seus conteúdos exclusivos, ainda
que as duas disciplinas comuniquem entre si através da partilha de urna
actividade criadora. Se a filosofía tem conteúdos próprios - os conceitos -,

15. Deleuze, Gilles - Deux régimes de fous. Textes et entretiens 1975-1995, cit.,
pp. 263-264.
16. Deleuze, Gilles & Guattari, Félix - O que é a filosofía?, trad. Margarida Barahona &
Antonio Guerreiro. Lisboa: Presença, 1992, p. 61.
17. Esta conferência está disponível no terceiro DVD de Deleuze, Gilles & Parnet,
Claire - L'Abécédaire de Gilles Deleuze. Paris: Éditions de Montparnasse, 2004, 3 DVD's.
18. Deleuze, Gilles - Deux régimes de fous. Textes et entretiens 1975-1995, cit., p. 197.
19. Deleuze & Guattari - O que é a filosofía?, cit., p. 12.

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"Pensar o Cinema pelo Cinema": Deleuze, Filosofía e Cinema. Urna Introduçâo 497

também o cinema em particular terá conteúdos exclusivos: os "blocos de


espaço-tempo",20 os seus perceptos e afectos.
Se ter urna ideia é um acto raro, único, esse acto revela-se insepa
rável de um modo de expressâo, ou de urna certa imagem do pensamento.
Por exemplo, a dissociaçâo ou disjunçào entre o som e a imagem é, para
Deleuze, uma ideia originariamente cinematográfica correspondendo "ao
impossivel de Duras" e "ao incomensurâvel de Godard".21 As ideias filosó
ficas, quando surgem, encontram-se já encaminhadas por uma imagem
do pensamento. Ou seja, as ideias distinguem-se de conceitos filosóficos,
sendo elas próprias expressöes pré-conceptuais. Entre o cinema e a filo
sofía, os livros de Deleuze reflectem dois movimentos convergentes a uma
filosofía do cinema e a uma noologia: os movimentos que caracterizan!
uma "filosofía-cinema" (philosophie-cinéma). Porém, deparamo-nos com
uma outra questâo pertinente e que se prende com o facto de Deleuze
equiparar os cineastas nâo só aos pensadores, mas aos filósofos. Mas, esta
comparaçâo esconde uma complexa distinçào entre pensar e filosofar que
urge esclarecer. Ao declarar e defender esta ligaçâo inerente, Gilles Deleuze
redefine quer os estudos de cinema, quer a própria filosofía tal como esta
era pensada no século XX. Nesta aproximaçâo, os realizadores de cinema
têm a particularidade de pensarem com imagens-movimento e imagens
tempo e, neste sentido, nâo será absurdo colocar em diálogo a filosofía
de Immanuel Kant com as imagens de Jean-Luc Godard, René Descartes
com Alain Resnais, Biaise Pascal com Robert Bresson ou mesmo Soren
Kierkegaard com Cari Dreyer, tal como defendía Deleuze.22

III. Movimento reversível: da filosofía ao cinema

Gilles Deleuze dedicou quatro anos lectivos, de Novembre de 1981 a


Junho de 1984, à questâo do cinema, da imagem-movimento e da imagem
tempo, para no ano lectivo de 1984-1985 permanecer empenhado em
analisar o cinema mas agora para o relacionar com a "imagem do pensa
mento". A imagem do pensamento é um conceito-chave nâo só para se
compreender a filosofía do cinema de Gilles Deleuze, mas também para
se compreender a própria ideia de filosofía e de pensamento neste filósofo
francés. De acordo com Jacques Rancière, a complexidade da distinçào
entre os dois regimes de imagens (movimento e tempo) nâo se limita

20. Deleuze, Gilles - Cinéma 1: L'image-mouvement, cit., p. 87.


21. Deleuze, Gilles - Cinéma 2: L'image-temps, cit., p. 237.
22. Deleuze, Gilles - Cinéma 1: L'image-mouvement, cit., p. 161.

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498 Susana Viegas

apenas ao tipo de ligaçâo


ou directamente, mas co
A Imagem-movimento an
matéria", no sentido berg
matográfica do ponto de
Suzanne Hême de Lacotte
resumida na seguinte per
é um processo exterior a
impensado anterior e exte
Este era, justamente, o pr
diferencial ou de urna nova
Em Nietzsche e a floso
nova imagem do pensame
dogmática, ou clássica, do
dedicara também um capítulo à questâo da imagem do pensamento,
defendendo, pela primeira vez, a ligaçâo intrínseca e inseparável entre
expressâo artística e o pensamento mas apartando, porém, pensamento e
flosofa. Na leitura que faz, Marcel Proust criou urna imagem do pensa
mento diferente daquela criada pela filosofía. Importa destacar nesta
nova ideia do pensamento o facto de Deleuze considerar o pensamento
como urna agres sao, como urna força ou violência, que nâo tem origem
na vontade de um "eu" mas antes é afecçâo involuntâria: "A ideia de que
todo o pensamento é uma agressâo, surge com o constrangimento de
um signo, que nâo pensamos senâo constrangidos e obligados. E que,
portanto, o pensamento já nâo é executado por um eu voluntário mas por
forças involuntárias."26 Por outro lado, em A Imagem-movimento, Deleuze
desenvolve os très momentos da relaçâo entre imagem e pensamento no
regime das imagens-movimento em que a teoría e a prática do cineasta
Sergei Eisenstein é o seu principal exemplo. O primeiro movimento, ou
"pensamento crítico", vai da imagem ao pensamento ou do percepto ao
conceito.27 Neste caso, o movimento da imagem para o pensamento é o

23. Rancière, Jacques - La fable cinématographique. Paris: Seuil, 2001, pp. 151-152.
24. De Lacotte, Suzanne Hême - "L'image de la pensée ou comment le cinéma
nous aide à fonder de nouveaux présupposés philosophiques". Cinémas: revue d'études
cinématographiques / Cinémas: Journal of Film Studies, 16 (2-3), 2006, pp. 54-72.
25. Deleuze, Gilles - Nietzsche et la philosophie. Paris: PUF, 2010, p. 118.
26. Deleuze, Gilles-L'île déserte et autres textes. Textes et entretiens 1953-1974, cit., p. 193.
27. Deleuze, Gilles - Cinéma 2: L'Image-temps, cit., pp. 205-206. Primeiro movimento
sem que seja necessariamente anterior ao segundo movimento, isto é, é-nos indiferente quai
o movimento que ocorre primeiro pois o que importa salientar é o carácter inseparável,
comutativo, dos dois movimentos: o orgánico é inseparável do patético.

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"Pensar o Cinema pelo Cinema": Deleuze, Filosofía e Cinema. Urna Introduçào

resultado do trabalho da montagem, enquanto associaçâo de imagens,


ou seja, é urna representaçâo indirecta do tempo. O choque criado pela
oposiçâo das imagens criada pela montagem obriga o pensamento a pensar.
O segundo movimento, ou "pensamento hipnótico", faz o percurso inverso,
do conceito ao afecto ou do pensamento à imagem. Criamos figuras,
atracçôes, metáforas. Pensemos em Play Time - Vida Moderna (Play Time,
1967) de Jacques Tati, quando Monsieur Hulot desee a escada rolante e a
cámara acompanha-o: a descida de um andar panorámico dos gabinetes
de trabalho, atarefados, povoados e barulhentos, para um nivel inferior,
silencioso, deserto, sepulcral, é urna descida ao mundo dos mortos, ao
mundo da modernidade criticada pelo cineasta. Do ponto de vista cinema
tográfico, a sala de cinema tem sido urna das metáforas mais recorrentes.
Por exemplo, em Sherlock Holmes Jr. (Sherlock Jr., 1924), Buster Keaton
"entra" no filme que os espectadores estâo a ver (o inverso acontece em
A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985) de Woody Allen)
ou em O Misterioso Assassínio em Manhattan (Manhattan Murder Mystery,
1993), a personagem de Woody Allen esconde-se atrás de um ecrá onde
está a ser projectado A Dama de Xangai (The Lady from Shangai, 1947) de
Orson Welles, precisamente na cena dos espelhos quebrados que esteve na
origem do conceito de imagem-cristal criado por Deleuze.
Contudo, Deleuze refere ainda um terceiro movimento: a identidade
entre pensamento, conceito, e imagem. Como conciliar, nesta identidade,
as semelhanças com as diferenças? "Já nâo é o orgánico e o patético [de
Eisenstein] mas o dramático, o pragmático, a práxis ou o pensamento
acçâo."28 Este pensamento-acçâo é a unidade sensório-motora entre o
Homem e o Mundo. A afirmaçâo desta identidade requer, naturalmente,
mais esclarecimento nâo só porque o pensamento é algo de comum à arte,
filosofía e ciência, no sentido em que há ressonâneias entre as très formas
de expressáo noológica, mas também porque esta unidade traduz-se na
devoluçâo da crença no mundo.29 Mas, este circuito revela-se fechado,
limitado pelo choque enquanto cliché, como aliás é exemplo a cinemato
grafía de Alfred Hitchcock, que nâo rompe definitivamente com o modelo
clássico de cinema. Nâo pretende ser tâo-pouco os pseudo-conceitos das
metáforas. A saída deste circuito, a sua abertura, acontece pela vontade de
tornar visível o pensamento através do impensável.
Esta identidade entre pensamento e imagem parece contrariar tudo
aquilo que Deleuze diz sobre o trabalho exclusivamente filosófico do pensa
mento conceptual, nomeadamente a paridade entre cineastas e filósofos.

28. Ibidem, p. 210.


29. Ibidem, p. 237.

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500 Susana Viegas

Ou seja, haverá sensaçôes


haja, no entanto, sensaçô
pensar e criar passa, nece
entre filosofía e arte enqua
de ser urna característica
de ser exclusivo do campo
O que é a filosofa?, as trè
as artes, as filosofías sao i
criar conceitos em sentid
feitos, como corpos celest

IV. Novos meios de e

"A pesquisa de novos meio


Nietzsche e deve prossegu
artes, como, por exemplo
entre filosofía e cinema, d
"pensamento = imagem"
a funçâo conceptual da fi
Deleuze, ao contrário de,
Frampton,33 nâo chegou
sofía e cinema. É justame
procuro seguir. Ora, a qu
sividade, da ligaçâo entre
tanto da identidade entre
parece-me que o problema
sofía e o cinema pois, par
só ás diferentes expressóe
É de urna forma categó
distinguir a funçâo da fil
conceitos (filosóficos) e o
plano comum, o plano do
um corte no caos: em sum
sofía e arte sâo irredutív
os povoam. Este é o mom

30. Deleuze & Guattari - O que é


31. Deleuze, Gilles - Diferença e
32. Mulhall, Stephen - On Film
Philosophy: The Very Idea". AThe
33. Frampton, Daniel - Filmoso

Vol. 69 ~iA
Fase3-4 Q RTF

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"Pensar o Cinema pelo Cinema": Deleuze, Filosofía e Cinema. Urna Introduçâo

criaçâo, urna diferença fundamental para que se compreenda que, do


facto de partilharem pensamento nao se verifica a anulaçâo do carácter
diferencial das expressöes específicas. Deste modo, e ainda que se defenda
a partilha de "pensamento" quer por filósofos, quer por artistas, filósofos
e artistas afastam-se quanto à expressâo desse mesmo plano do pensar: se
o artista cria e constrói certos tipos de sensaçôes, compostas por afectos e
perceptos, o filósofo, por seu lado, cria e constrói conceitos: "O filósofo é o
amigo do conceito, é conceito em potência".34 Porém, Deleuze nao defende
apenas urna clara autonomia entre filosofía, ciência e arte: entre estes très
tipos de pensamento existe ainda, de um modo equitativo, urna ressonância
orientada precisamente por esse elemento noológico. Por exemplo, em O que
é a filosofa?, Deleuze e Guattari falam de movimentos de "vizinhança" entre
os conceitos filosófico e as imagens na arte. Conceitos, afectos e perceptos
constituem, deste modo, a própria heterogeneidade do pensamento.
Gilles Deleuze reconhecera que Marcel Proust tinha criado urna
imagem do pensamento, ainda que diferente daquela elaborada pela filo
sofía, concluindo, desse modo, que nao podemos, de todo, continuar a
associar imediata e únicamente o pensamento ao plano filosófico.35 Um
primeiro tipo de interferências extrínsecas entre filosofía e arte ocorre
quando o filósofo procura criar conceitos a partir de sensaçôes ou quando
um artista procura criar sensaçôes a partir de conceitos. Assim, um plano
de imanência nâo tem de ser exclusivamente povoado por conceitos; ou
seja, ele nâo é, por si só, sinónimo de plano filosófico, pois pode igual
mente ser povoado por figuras estéticas ou sensaçôes. Todavía, a criaçâo
conceptual vai preencher um plano até entâo deserto, pré-f losó feo, que
tende, e apenas nesse caso, para o plano filosófico.

V. Sobre a identidade Pensamento-Imagem

Cabe à filosofía, enquanto pensamento por conceitos, a tarefa de


criar conceitos, a partir das Ideias problemáticas, a partir de um plano
conceptualizável: neste sentido, os conceitos teráo sempre um autor, urna
assinatura ou um conceptor:36 Podemos defender que a arte pensa mas que
nâo o faz conceptualmente: ela pensa por sensaçôes. Ou seja, retomando
a questâo inicial da elaboraçâo de urna filosofía do cinema, cabe à filosofía
a criaçâo dos conceitos que sâo relativos ao cinema, que foram propor
cionados pelo cinema, mas que nâo sâo, no entanto, conceitos do cinema.

34. Deleuze & Guattari - O que é a filosofía?, cit., p. 12.


35. Deleuze, Gilles - Proust et les signes. Paris: PUF, 2003, p. 115.
36. Deleuze & Guattari - O que é a filosofía?, cit., p. 11.

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Susana Viegas

Logo, segundo esta linha de raciocinio, o pensamento-acçâo q


camos no cinema distingue-se, em primeiro lugar, de um acto
Esta demarcaçâo será fundamental para a análise da ligaçâo en
mento, filosofía e cinema. Será através do método dialéctico
Eisenstein que Deleuze desenvolve os très distintos momentos
entre pensamento e imagem cinematográfica no regime das im
vimento. Num primeiro movimento, o choque provocado pela
(segundo a quai a soma das partes excede o Todo) obliga-nos a
imagem-movimento ao pensamento do Todo, ou seja, obriga-nos a
percepto ao conceito. Partimos de um caso concreto de imagens-m
entendidas como percepto. Porém, se Poudovkine se limitara a
este choque a partir da oposiçâo entre imagens, Eisenstein procur
longe: o choque criado pela montagem leva o pensamento a pen
e, este Todo nao pode sendo ser pensado pois é urna representaçâo
do tempo. O próprio conceito é o Todo: neste sentido, Eisenste
cinema conceptual ou intelectual a partir de urna "montagem-pen
ou seja, neste caso "a montagem está no pensamento".37 O "EU PE
matográfico" nasce justamente aqui: quando o conceito de Tod
quando ele nao pode senáo ser pensado. Ou, como comentada
Godard, "Pensó, logo o cinema existe."38
Mas, num segundo movimento, de retorno do pensamento
para a imagem, passamos do próprio conceito para o afecto (e
um percepto): o processo intelectual previamente exposto car
processo sensorial que o acompanhe, isto é, as imagens-movime
transfiguradas em imagens-matéria ou massa sinalética,39 alca
"monólogo interior" através do qual visam expressar figuras,
Deleuze destaca aínda, neste sentido, "a mais hela metáfora da historia
do cinema": em O Navegante (The Navigator, 1924), Buster Keaton repre
senta Rollo Treadway, um jovem milionário, que por engano embarca com
a noiva num barco sem tripulantes. Depois de o barco andar à deriva, o
casal avista urna ilha e decide ir a terra. Keaton veste um escafandro para
o efeito. Porém, chegados ás margens da praia e ao observarem a tribo
habitante da ilha, rápidamente regressam ao barco. Keaton, asfixiando
sem oxigénio no fato, retira o capacete mas afunda com a água que rápi
damente entra no escafandro e, incapaz de subir a bordo com o peso, rasga

37. Deleuze, Gilles - Cinéma 2: L'image-temps, cit., p. 206.


38. Jean Luc Godard apud Cerf, Juliette - "Le succès de la 'cinéphilosophie'".
In: Telerama [em linha]. 19 mai 2012. [Consult. 1 Set. 2012]. Disponivel em WWW<URL:http://
www.telerama.fr/festival-de-cannes/2012/le-succes-de-la-cinephilosophie,81613.php>.
39. Deleuze, Gilles - Cinéma 2: L'Image-temps, cit., pp. 207-209.

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"Pensar o Cinema pelo Cinema": Deleuze, Filosofía e Cinema. Urna Introduçào 503

o ventre do fato para assim despejar a água, representando, desse modo,


o parto por cesariana. Neste caso concreto, a metáfora nao se encontra
na montagem, ou na oposiçâo ou sequência das imagens, como aconte
cería com Eisenstein ("montagem-pensamento"), mas podemos afirmar
que a metáfora (aqui, pensamento) está na própria imagem, nos próprios
elementos da imagem. De um modo comparável à natureza de um conceito
filosófico - múltiplo e divisível -, também esta imagem-movimento se revela
urna imagem múltipla e divisível em compostos. Consequentemente, o
choque no espectador provocado pela montagem tanto pode surgir entre as
diferentes imagens (planos) que compöem a montagem dialéctica, como na
própria imagem (quadro), entre os seus diferentes compostos.
Um terceiro movimento de identidade entre conceito e imagem
presente na dialéctica de Eisenstein, ou "pensamento-acçâo", provocará,
por seu lado, urna reavaliaçâo da unidade sensório-motora entre Homem
e Natureza: o objecto do cinema é agora, nao o melodrama e o climax
narrativo, mas a Natureza; e o seu sujeito já nào é o herói individual, mas
as massas, o sujeito colectivo (o Dividual). Este dividual é o verdadeiro
sujeito de obras como O Couraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin,
1925), um filme que procura "individualizar" um povo (no sentido da reali
zaçâo de um cinema de massas). Assim, Deleuze encontrará num cinema
conceptual, num cinema cerebral, a ligaçâo filosófica para se "pensar o
cinema pelo cinema"40: a este propósito, pensemos ainda em Alain Resnais
e Robbe Grillet, Jean-Luc Godard ou, mais recentemente, em Michael
Haneke. Esta identidade conduz-nos à problemática da ligaçâo entre
pensamento e filosofía, bem como à ligaçâo filosofia-cinema: alguns cine
astas podem ser considerados filósofos por criarem filmes filosóficos?
Ou sê-lo-âo porque partem de um corpus filosófico pré-existente para a
elaboraçâo de argumentos cinematográficos, através das imagens cinema
tográficas? Como contornar (e objectar) as críticas feitas à alegada "inveja"
que alguns filósofos parecem ter relativamente ao modo como os objectos
cinematográficos "pensam" a realidade?41 E, por último, pode o cinema
mais comercial ter o mesmo propósito filosófico que o cinema intelectual,
experimental ou avant-garde, intencionalmente tem?42

40. Ibidem, p. 215.


41. Mullarkey, John - Refractions of Reality: Philosophy and the Moving Image. London:
Palgrave MacMillan, 2008, p. ix.
42. Série de questôes desenvolvidas em Viegas, Susana - "Filosofía do Cinema: do
cinema como ilustraçâo ao cinema como criaçâo filosófica". In: 8.° Congresso LUSOCOM
[em linha]. Universidade Lusófona, 2009, 867-880. [Consult. 1 Set. 2012]. Disponível em
WWW <URL:http://www.conferencias.ulusofona.pt/index.php/lusocom/81usocom09/paper/
viewFile/54/29>.

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504 Susana Viegas

Conclusâo

Foi através do cinema que Gilles Deleuze questionou o que é


sofía, mas o movimento entre os dois é reversível. Comecei por
um dos percursos defendidos por Deleuze: o itinerario que vai do
filosofía. De seguida, no campo específico da filosofía, percorri o
inverso: o percurso que vai da filosofía ao cinema. Deste modo, p
dar a compreender nao apenas aquilo que Deleuze pensou sobre o
mas como é que ele pensou o cinema, que problemas seguiu e que
nos deixou. No fundo, a elaboraçâo de urna filosofía do cinema
do próprio projecto deleuziano de indagar pelas origens do pens
diferencial. Neste sentido, compreendemos melhor por que razâo
nâo quisera fazer urna filosofía do cinema entendida como urna
sobre o cinema, pois pretendia ir directamente de um campo para
através daquilo que cinema e filosofía partilhavam: os problemas
os modos de pensamento, o pensar de um modo diferente. A filo
entendida por Deleuze como urna prática conceptual e, tal como refe
no inicio de A Imagem-movimento, pretendia criar urna filosofía qu
guisse revelar que é o próprio cinema a impor um novo modo de pen
as imagens.43 Assim, a arte cinematográfica está na origem dos p
de criaçâo de urna nova imagem do pensamento. Consequentem
cinema é considerado nao apenas como urna expressáo artística
sobretudo, como urna arte que reflecte novos modos de pensar o
sermos mais exactos, urna arte que reflecte outras modalidades do pr
pensamento filosófico. O cinema é compreendido nao apenas com
exemplo artístico, inserido numa determinada estética e filosofía
mas, acima de tudo, como um exemplo de urna prática filosófic
inaugura e povoa urna determinada filosofía do cinema: num mov
que vai do cinema à filosofía e vice-versa. Como Deleuze afirma r
mente ao trabalho conjunto com Félix Guattari: "A pares, preten
ser o Humpty Dumpty ou os Bucha e Estica da filosofía. Urna fi

43. Deleuze, Gilles - Cinéma 1: L'Image-mouvement, cit., p. 7.


44. Nota de Gilles Deleuze à ediçâo italiana de Lógica do Sentido. Cf., Deleuz
-Deux régimes de fous, cit., p. 60. O encontró e a mutua influência entre Guattari
sào históricamente apresentados de uma forma sintética no "Prólogo" da biografí
por François Dosse, principalmente a nivel conceptual. Cf., Dosse, François - Gille
et Félix Guattari - Biographie Croisée. Paris: La Découverte, 2007, pp. 11-29.

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