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‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 145-164, 2. sem. 1990 SACRIFICIO E LIQUIDACAO DO SUJEITO: Notas sobre a sociologia da musica de Adorno Leopoldo Waizbort* RESUMO: Este artigo busca retrabalhar alguns aspectos da critica miisico-sociol6- gica de Theodor W. Adorno. Tem por base alguns pardgrafos da Filosofia da nova miisica, em que Adorno analisa A Sagracéo da Primavera, de Igor Stravinsky. Aceita a premissa de que a Filosofia da nova misica & um excurso da Dialética do Esclarecimento, ¢ vai 208 textos na procura de suas relades internas; daf 0 papel central da andlise ¢ da critica do tema do sacrificio na Sagracao. Trata-se, entéo, de averiguar na miisica de Stravinsky 0 sacrificio ¢ suas miiltiplas manifestagdes. Ao mesmo tempo, quer mostrar como esse s2- crificio alinha-se & idéia de liquidagao do sujeito, recorrente na obra de Adorno. Por fim, aponta algumas premissas fundamentais da critica de Adorno, procurando relacioné-la & obra miisico-sociolégica de Max Weber. UNITERMOS: Adorno, sociologia da misica, Stravinsky, A Sagra¢o da Prima- vera. Em um “aprés-midi” da primavera de 1913, mais tarde célebre, a casa de Louis Laloy presenciou o encontro de Claude Debussy, “‘musicien francaise”, e Igor Stra~ * Mestrando do Programa de P6s-Graduagio do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP. 146 WAIZBORT, Leopoldo. Sacriffcio e liquidacio do sujeito: notas sobre a sociologia da miisica de Adorno. Tempo Social; Rev, Sociol. USP, S. Paulo, 22): 145-164, 2.sem. 1990. vinsky, entao prestes a completar 31 anos '. Stravinsky trouxe consigo a partitura da redugdo para piano a quatro mios de sua tiltima obra, por essa época provavelmente ainda ndo inteiramente orquestrada: A Sagracdo da Primavera. Os dois compositores dividiram a execugdo no Pleyel de Laloy. Algum tempo depois (mas ainda antes do fa- tidico 29 de maio), Debussy escreveu um revelador pardgrato a Stravinsky: “Nossa leitura ao piano de A Sagracdo da Primavera, na casa de Laloy, esté sempre presente em meu espirito. Ela me persegue como um belo pesadelo, ¢ tento em vao reinvocar a maravilhosa impressio” (Stravinsky, 1982, p. 4; Stravinsky € Cratt, 1984, p. 37). Em outra carta, cuja data coincide com a premiere da Sagracdo, Debussy afirma que “A Sagracdo da Primavera € um acontecimento extraordinariamente selvagem... Se se quiser, é miisica primitiva com todos os recursos modernos” ?. Finalmente, em uma conversa com Ernest Ansermet, pouco antes da exploséo da Primeira Grande Guerra, Debussy comenta: “(...) A Sagragao perturba-me. Parece-me que Stravinsky esté tentando fazer mi- sica com meios ndo-musicais (...)” 3. Ao proprio Stravinsky ficou claro que Debussy nio era mais to receptivo & sua miisica como 0 fora em relagéo & Petroushka, Mas a fina percepgéo de Debussy nos deixou, em duas palavras, a mais precisa descricdo ¢ a mais sintética andlise de A Sa- gracdo da Primavera: um belo pesadelo. 1 A data do encontro é duvidosa, mas sem divida anterior a premiére da Sagracao. Laloy assinala a primavera de 1913 (Laloy, 1928), Stravinsky afirma estar Laloy equivocado, mas no fornece outra data (Stravinsky e Craft, 1984). Boucourechliev (1982) data o encontro em 9 de junho de 1912. 2 Carta de Debussy a André Caplet, 29-5-1913, apud White, 1979. 3 Citado por Ansermet em seu livro L'Experiénce musicale et le Monde d aujourd hui. Cito via White, 1979. WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio e liquidaco do sujeito: notas sobre a sociologia da misica de Adorno, 147 ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, 8. Paulo, 2(2): 145-164, 2.sem. 1990. I A Sagracdo € misica cénica, e apesar de hoje em dia ser executada quase que so- mente como pega de concerto, raramente como ballet, ela foi concebida como bailado e sua composicao foi inteiramente elaborada a partir de um argumento extra-musical. Mesmo quando executada somente pela orquestra, A Sagracdo invoca sua origem céni- ca, de que lhe € impossivel separar-se. Nas palavras de Stravinsky, “A Sagracdo da Primavera é uma obra musical-coreogréfica” +. Boucourechliev destaca que nio se trata de um “programa” (tendo em vista toda a polémica em relag&o a “‘miisica de pro- grama” no século XIX), mas sim de um “argumento coreogrifico”’; ““o papel do argu- mento [...] € de ordem essencialmente estrutural”’ (Boucourechliev, 1982, p. 77). O ar- gumento da Sagracdo possui variadas versées. Tomemos uma que tem a vantagem de ter sido escrita pelo préprio compositor: “Primeira parte: O beijo da terra A celebracéo da primavera. Ela tem lugar nas colinas. Os pifaros tocam as jo- vens predizem o futuro. A velha mulher entra. Ela sabe o mistério da natureza € como prever o futuro. As jovens, com as faces pintadas, vém da ribeira, em fila, uma por uma. Elas dangam a danga da primavera. Os jogos comegam. O jogo do rapto. Seguem-se as rondas primaveris. Dividem-se em cidades. Uma cidade con- tra a outra. Nos jogos da primavera rompe de um canto 0 cortejo sagrado dos ve~ Ihos ~ muito s4bios. Os jogos interrompem-se. Espera-se com temor a aco sagra- da do anciéo — a bénco da terra primaveril. E dado o sinal. O beijo da terra. Danca-se a terra para santificd-la e se unir a ela. Segunda parte: O grande sacrificio As jovens conduzem os jogos secretos, formando os cfrculos. Uma delas é prome- tida ao sacrificio. O acaso a designaré assim que ela for apanhada pela segunda vez no cfrculo fechado. As jovens glorificam a eleita em uma danca marcial. Invo- cam-se 0s ancestrais, Confia-se a eleita ao sébio ancido. Em sua presenga ela exe- cuta a grande danca sagrada — o grande sacrificio” 5. 4 Chroniques de ma vie, citado por Boucourechliev, 1982, p. 77. 5 Traduzido do original russo por Boucourechliev e citado em sua obra, p. 78. 148 WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio e liquidacdo do sujeito: notas sobre a sociologia da miisica de Adorno. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 145-164, 2sem. 1990. Stravinsky, em Chroniques de ma vie, resume 0 argumento da Sagragéo como “‘o espetéculo de um grande rito pagao: os velhos sabios, sentados em circulo, observam a danca até a morte de uma jovem, que eles sacrificam ao deus da primavera para obterem favores” (Apud Boucourechliev, 1982, p. 75). il Th. W. Adomo foi muito fiel a Stravinsky ao afirmar que 0 niicleo da Sagracdo da Primavera era “0 sacrificio anti-humano ao coletivo” (Adorno, 1978, p. 135). Fiel porque suas andlises da Sagracdo partiram daquele elemento que Ihe é central, seu ar- gumento; esse argumento descreve 0 sacrificio da jovem eleita como dédiva a natureza, que em troca deve agradecer ao sacrificio com a vinda da primavera, que significa tanto a fertilidade como a repeticao do ciclo natural da vida (Cf. Adorno e Horkheimer, 1988, p. 23). Mas 0 sacrificio da Sagracdo € um sacrificio peculiar: um “sacrificio sem tragé- dia, oferecido néo a imagem emergente do homem, mas sim & confirmacdo cega de uma situacdo reconhecida pela propria vitima, seja mediante 0 auto-escémnio, seja mediante a auto-extingo” (Adomo, 1978, p. 135-6). Que 0 niicleo da Sagracdo é temético (ou ar- gumentativo), € 0 tema € 0 sacrificio, € claro. Mas esse sacrificio que estrutura A Sa- gracdo nao € um sacrificio tragico, a ser lamentado, evitado, que aparece como uma perda, mas antes um sacrificio automético, corriqueiro, despido de sua tensio. O sacri- ficio da Sagrado no € aquele de Ulisses, que sofre; pelo contrério, 0 sacrificio da Sa- gracdo € sacrificio sem sofrimento. Este € 0 né da anélise ¢ da critica de Adorno. Ao mesmo tempo, cabe mostrar como 0 sacrificio, enquanto argumento, tem 0 pa- pel estrutural de que fala Boucourechliev: 0 sacrificio esté presente, a cada compasso, de modo central no material musical da Sagracdo e no procedimento composicional de Stravinsky ®. A Sagragdo da Primavera tem no sacrificio no somente seu “‘enredo” (“plot”), como também sua categoria central em termos da prépria composicéo musical: organizacdo do material musical e técnica da composicéo. 6 © que néo passou desapercebido por Adorno. Ver Adorno, 1978, p. 145. WAIZBORT, Leopoldo. Sacriffcio e liquidacSo do sujeito: notas sobre a sociologia da miisica de Adorno. 149 ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, (2): 145-164, 2.sem. 1990. A Sagracdo diferencia-se tematicamente das obras de arte de vanguarda: enquanto nestas © tema € dado pelo proprio procedimento artistico, que assume o papel daquilo que € representado, na Sagragdo o tema é dado de fora, ¢ nao tem relaco qualquer com © proprio procedimento artistico ’. Na “Introduc&o” a Filosofia da nova miisica Ador- no chama a atencdo para a separacdo, proposta por C. Greenberg, de toda a arte em vanguarda e Kitsch (Adorno, 1978, p. 19). Em seu ensaio sobre “Vanguarda e Kitsch”, Greenberg delineia 0 quadro histérico do nascimento da vanguarda no século XIX — vale dizer do préprio modemismo ou modernidade estética — com a autonomizacao da arte e “l'art pour l'art”. Para Greenberg, a arte de vanguarda busca “‘criar algo que seja valido exclusivamente por si mesmo”; nesse propésito 0 préprio carter da obra de arte € alterado: ““O contetido hé de dissolver-se tao inteiramente na forma que a obra de arte ou de literatura no pode ser reduzida, no todo ou em parte, a algo que néo seja ela mesma” (Greenberg, 1979, p. 14-5). Temos aqui a marca da obra de arte modema, jé marcante no final do século XIX. A irredutibilidade da obra de arte baseia-se no seu Préprio fazer, poiesis. Na composicao da obra de arte, o artista imita (mimese) “‘as dis- ciplinas © os processos da arte ¢ da literatura. Temos aqui a génese do ‘abstrato’. Ao desviar a tengo do tema nascido da experiéncia comum, o poeta ou o artista fixa-a no meio de seu proprio oficio. © ‘abstrato’ ou no representacional, se h4 de ter uma vali- dade estética, néo pode ser arbitrrio nem acidental, mas sim deve brotar da obediéncia a alguma restricao valiosa ou algo original. E uma vez que se renunciou ao mundo da experiéncia comum ¢ extrovertida, s6 € possfvel encontrar essa restric&o nas disciplinas ‘0u nos processos mesmos pelos quais a arte ¢ a literatura imitaram jé o anterior. E eles se convertem no tema da arte e literatura” (Greenberg, 1979, p. 15). Este é 0 momento central da modernidade e da vanguarda artfstica: a auto-reflexdo critica do material e do procedimento no interior da prépria obra de arte 8. 7 E claro que isto nos leva diretamente a discussio do préprio conceito de modernidade (ou mo- dernismo), jé presente no século XIX (“Il faut étre absolument moderne”). Nao aqui o lugar dessa discussio, que é muito mais ampla do que o objetivo desse texto. Cabe somente notar que 0 cardter auto-reflexivo da obra de arte frente ao seu material ¢ a0 seu procedimento tem um mo- mento marcante na Philosophy of Composition de Poe ¢ sua traduco ¢ divulgagao no continente por Baudelaire. 8 E qualquer ouvinte da Sagracdo pode perceber claramente como se trata de uma obra em que predomina 0 arbitrério e 0 acidental, em que a composi¢ao nio obedece restricées especificas do material e do procedimento composicional e, enfim, que se trata de uma obra em que nfo hé ‘qualquer reflexdo sobre os meios € procedimentos. Seu traco “roméntico”, expresso no seu ca- réter “burgués-tardio”, € explicito, Voltarei a tudo isso mais a frente. 150 WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio ¢ liquidacao do sujeito: notas sobre a sociologia da milsica de Adorno. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 145-164, 2.sem. 1990. IV A idéia do sacrificio € amplamente tematizada na Dialética do Esclarecimento, sendo um dos pontos centrais do seu primeiro excurso. Sem querer fazer uma exposica0 detalhada da discuss4o empreendida por Adomo e Horkheimer, vou destacar alguns pontos que se relacionam diretamente com A Sagracdo da Primavera € que so, por as- sim dizer, o pano de fundo de algumas passagens da Filosofia da nova musica, O sacti- ficio j4 € um produto do Esclarecimento, ele ocupa “‘o lugar das préticas de conjuracéo do feiticeiro e da tribo” (Adomo e Horkheimer, 19rrénp. 14), j4 € 0 poder do senhor que escolhe a vitima — na Sagracdo representada pelo ‘‘sdbio anciéo” — e 0 modo do sacrificio, sua dosagem e necessidade. O sacrificio j4 representa a desigualdade e a in- justia instauradas no mando autoritério. A repeticao do rito (The Rite of Spring, diz a verso inglesa) “ndo era uma seqiiéncia de ocorréncias separadas, mas a mesma a cada vez” (idem, p. 34). A repeticdo tem um cardter inevitivel, ¢ ‘faz com que 0 novo apa- reca enquanto pré-determinado, que € assim na verdade 0 antigo” (idem, ibidem). O ca- réter ciclico do rito, que se repete as vésperas de cada primavera, € na verdade o antigo que se afirma cada vez como novo, como se fosse a primeira vez, como se todos os as- sassinatos anteriores ndo tivessem sido perpetrados. Mas como ele ndo € 0 novo, ele no possui a nica forca que seria capaz de romper com aquela dominacéo que © rito te ria a fungdo de apaziguar: a dominacdo exercida pela natureza sobre os homens, 0 de- sejo de dominar a morte, frente & qual o rito € somente uma tentativa de apaziguamento. Assim, a consagraco da primavera sera sempre um fracasso, e serd sempre repetida, € serf sempre esquecida. Ao mesmo tempo, enquanto tentativa de dom{nio da morte, rito busca no somente quebrar a dominacdo exercida pela natureza sobre os homens, como também estabelecer a dominacao da natureza pelo homem. A troca € a “seculari- zacao do sacrificio”; este é a forma prototipica da forma equivalente. “O préprio sacri- ficio j4 aparece como esquema mAgico da troca racional, uma ceriménia organizada pelos homens com o fim de dominar os deuses, que so derribados precisamente pelo sistema da homenagem a que esto sujeitos”’ (idem, p. 56). Na medida em que o sacrifi- cio € a prefiguragao da troca racional, ele j4 comporta aqueles elementos da critica de Adomo ao principio de identidade — em termos gerais: critica & equalizagéo do qualita tivamente distinto. No caso da Sagracdo, isso manifesta-se seja na escolha da eleita, uma dentre varias, que € tomada de modo indiferenciado, seja também —e principal- mente — pelo fato de se tentar ludibriar/agradar aos deuses ° dando-Ihes em troca algo 9 Esse 6 um dos pontos centrais do primeiro excurso da Dialética do Esclarecimento, a astécia do her6i que se perde para se salvar. Mas isso extrapola um pouco o ambito restrito deste texto. WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio e liquidacSo do sujeito: notas sobre a sociologia da misicade Adorno. 151 Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2(2): 145-164, 2.sem. 1990. totalmente distinto daquilo que seré “recebido”. Os “russos pagéos” — a que A Sagra- ‘¢do se refere — ndo podem trocar 0 que a primavera Ihes dé por um ser humano. Nao hé pardmetros para a troca. A nio ser que se aceite a forma equivalente: hé o principio de identidade. A prépria forma do sacrificio mostra 0 que se quer ocultar: que a apoteose da leita (a “Danga sagrada — A eleita”, n° 142 em diante da partitura) nada mais € do que a fachada da racionalizaco do absurdo da loucura que € o assassinio daquela que € sa- ctificada (Ver Adorno e Horkheimer, 1988, p. 58). Como diz o argumento, ‘a grande dana sagrada” 6 a0 mesmo tempo “o grande sacrificio”. Este no deixa de ter seu as- pecto de show, sua visibilidade € essencial enquanto demonstrago do poder. O sacrifi- cio, a sua revelia, pée a nu a oposicao entre o individuo e a sociedade '0, entre o sin- gular e as formas coletivas de vida, e enquanto ele perdurar nfo seré possfvel uma co- municago justa e livre entre os homens (Ver Adorno e Horkheimer, 1988, p. 58; Ador- no, 1977), Por isso “a instituigao do sacrificio é a marca de uma catdstrofe histérica, um ato de violéncia, em que sucumbem na mesma medida os homens ¢ a natureza” (A- domo e Horkheimer, 1988, p. 58). A imagem de harmonia universal dada pelo sacrifi- cio nada mais é do que uma reconciliagéo forgada (Cf. Adorno e Horkheimer, 1988, p. 84), em que a dominacdo instaura homens e natureza. A transformacdo do sacrificio de meio em fim — pois 0 que se busca afinal é a dominacdo sobre a natureza e sobre os ou- twos homens, ¢ néo a comunicacdo (entre os homens ¢ entre os homens e a natureza) — antecipa a transformacio, na sociedade do capitalismo tardio, dos meios em fins. A re- nincia, figura central no sacrificio, é 0 “esquema exterior para a interiorizacdo do sa- criticio” (Adomo e Horkheimer, 1988, p. 65): a vitima renuncia & vida, e a sociedade renuncia a uma existéncia livre do sacrificio, da coagdo e da injustiga, fecham-se as portas da felicidade — com tudo isso o sactificio é interiorizado, permitindo o proprio Proceso de subjetivacao, de formacdo de um Selbst (self, si mesmo). A subjetivagio do homem traz em si as marcas dessa rentincia, e por isso a idéia de uma sociedade justa implica em uma outra idéia de subjetividade: de uma subjetividade que nfo necessitas- se, para se formar, subjugar aquilo que nela mesma ainda era natureza. “A inimizade do Selbst frente ao sacrificio inclufa um sacrificio do Selbst, porque ele foi pago com a negagao da natureza no homem, em vista da dominaco sobre a natureza extra-humana € sobre os outros homens. Exatamente essa negacdo, 0 nti- cleo de toda racionalidade civilizatéria, é a célula da irracionalidade mitica pro- 10 Um autor totalmente oposto a Adorno afirma que A Sagragdo busca expressar “a regeneragéo da vida humana através do sacrificio do individual”. (White, 1979, p. 210). 152 WAIZBORT, Leopoldo. Sactificio e liquidacio do sujeito: notas sobre a sociologia da musica de Adorno. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2(2): 145-164, 2.sem. 1990. liferada: com a negacdo da natureza no homem, néo apenas o telos da dominaco externa da natureza, mas também o telos da propria vida se toma perturbado e opaco. No instante em que o homem elide a consciéncia de si mesmo enquanto natureza, todos os fins para os quais ele se mantém vivo — 0 progresso social, 0 aumento de todas as forcas materiais ¢ espirituais, até mesmo a propria conscién- cia — tornam-se nulos, e a entronizacéo do meio como fim, que assume no capita lismo tardio 0 caréter de uma loucura manifesta, j4 € perceptivel na pré-hist6ria da subjetividade. A dominacdo do homem sobre si mesmo, em que se funda o seu Selbst, € sempre o virtual aniquilamento do sujeito, a servico do qual ele ocorre; pois a substéncia dominada, oprimida e dissolvida pela autoconservacao nada mais € senao 0 vivo, cujas tungGes se determinam, unicamente, como as atividades da autoconservacdo, afinal exatamente aquilo que devia ser conservado. A anti-razio do capitalismo totalitério, cuja técnica de apaziguar necessidades, em sua forma objetualizada, determinada pela dominacao, torna impossivel 0 apaziguamento das necessidades ¢ impele ao exterminio dos homens — essa anti-razdo est formada prototipicamente no heréi que se furta ao sacrificio enquanto se sacrifica. A hist6- tia da civilizagao € a histéria da introversao do sacriticio. Em outras palavras: a hist6ria da reniincia."’ (Adorno e Horkheimer, 1988, p. 61-2). Na Odisséia homérica, 0 heréi “emancipa-se no sofrimento” (idem, p. 39) — € sua longa viagem é sua demonstracio. Na Sagracdo da Primavera, como nao hé sotrimen- to, nao hd emancipacdo: nele o sacrificio é regressio. “Mas a felicidade contém em si a verdade. Ela € essencialmente um resultado. Ela desenvolve-se no sofrimento superado e retido (aufgehobenen)” (Idem, p. 70). Na Sagracdo no pode haver felicidade porque no hé sofrimento. A “historia real se teceu a partir de um sofrimento real” (idem, p. 46); na Sagracdo nao ha também histéria, ou melhor, ela é uma tentativa de negacdo da hist6ria, na medida em que exclui © sofrimento. Ao negar a hist6ria, A Sagracdo da Primavera se revela como reacdo € regressao. v A relacio entre misica ¢ histéria € central para uma sociologia da musica. Stra- vinsky é nisso um compositor exemplar, porque assume posicdes definidas frente & mi- sica ¢ sua histéria, Stravinsky renega a histéria da misica, no sentido em que esta é um sedimento de intengées, manifestas em procedimentos e no préprio caréter hist6rico do material musical, exigindo a “‘demoligéo das intengdes” (Adorno, 1978, p. 130). O que WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio ¢ liquidacto do sujeito: notas sobre a sociologia da misica de Adorno. 153, Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 145-164, 2.sem. 1990, supée tanto um sujeito a-histérico como alguém que seja capaz de se despojar de sua prépria sombra. Stravinsky € 0 “‘acrobata” (idem, p. 132), aquele que salta sobre sua propria sombra e € capaz de girar e pular livre no espaco, livre da hist6ria. Stravinsky subestima 0 fato de que, a cada vez que escreve uma nota, esta nfo lhe € dada direta- mente pela mo dos deuses, mas pela dos homens; quando ele assinalou pela primeira vez uma nota em uma partitura, esse som jé era um som hist6rico, compartilhado por todos aqueles que um dia realizaram 0 mesmo ato. “O caréter fechado da linguagem musical, o preenchimento de cada uma de suas f6rmulas com intenc6es, ndo se lhe apre- senta como garantia de autenticidade, mas sim como seu desgaste”’ (idem, p. 129). Stra- vinsky se julga no ponto arquimediano em que ele € capaz de, com um simples gesto, pér de lado toda a “'seméntica” da linguagem musical para, a partir daf, compor segun- do si mesmo. Vemos af seu desejo de se tornar um cléssico: “Em Stravinsky perdura teimosamente 0 desejo do adolescente de pér-se a trabalhar, a fim de se tornar um clis- sico considerado, protegido, ao invés de um mero modemo, cuja substfincia se consome nas controvérsias das tendéncias e logo ser esquecido” 11, Stravinsky vé a hist6ria da miisica como piada, é por isso que ele € capaz de com- por como Palestrina, Gesualdo ou Schoenberg — nenhum compositor foi to polivalente nos “estilos” como ele. “Stravinsky, miisico sem tradic&o, falhou em seu intento de inventar uma tradicéo ou de afirmar-se em alguma; sua conversdo aos estilos ocidentais nao tem outra fi- nalidade, porém € mais dificil adotar uma tradicao do que, a primeira vista, pode parecer. Stravinsky adotou-a em parte, assim como suas sucessivas cidadanias de adogéo, ¢ em parte a inventou; porém a empresa, no final, falhou; ¢ é esta a situa- cdo em que afinal encontramos este inventor da musica, outrora genial, e que ofe- receu tantas surpresas ao longo de sua carreira — surpresas, nao elementos de con- tinuidade — hoje convertido no compositor mais retroativo de que se tem noticia no presente século ¢ mesmo na hist6ria da misica ocidental. A rigor, os retornos sucessivos de Stravinsky nao significam outra coisa que a incapacidade de escre- ver miisica nova, criando seu préprio estilo” !2, 11 Adorno, 1978, p. 128. Iss0 nos dé o que pensar em relacio a prolifica obra de Stravinsky, ainda mais se confrontada com aquelas da Segunda Escola de Viena. 12 Paz, 1976, p. 249, A ditima frase da citagdo vem em nota de rodapé, imediatamente a0 fim do texto; juntei texto por inteiro na citacéo para facilitar e porque a continuidade € flagrante. 154 WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio e liquidacao do sujeito: notas sobre a sociologia da misica de Adorno. ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2(2): 145-164, 2.sem. 1990. A citago mais acima (Adorno, 1978, p. 129) mostra como, em Stravinsky, a his- t6ria assume uma posicéo inversa; ao invés de ser material de reflexdo, sedimento de Tealizacées, solugées propostas aos problemas com que os compositores defrontaram-se, ela € lixo, como 0 objeto descartével no capitalismo tardio. Aliés, suas composicées “ao estilo de ...”” no passam de pastiche, de repeti¢éo grosseira, porque tomam o mate- rial musical e 0 procedimento composicional utilizado originalmente — melhor seria di- zer: criado, porque se trata precisamente de um fazer, de dar novas respostas a0s pro- blemas que surgem na composico musical — (por Palestrina, por exemplo) como algo destituido do seu cardter histérico !3. Como jé dizia Marx, 0 que foi uma vez. tragédia se repete como farsa. “Nele [Stravinsky] a obra de arte dirige-se para um lugar em que a miisica ficou para trés do sujeito burgués desenvolvido, ao atuar sem intencées ¢ estimular movi- ‘mentos corporais, ao invés de ainda significar: para um lugar em que os significados so to ritualizados que eles ndo podem mais experimentar 0 sentido especitico do ato musical” (Adorno, 1978, p. 131). Pensemos na misica indigena, que atua sem inten- G6es ndo-rituais. A miisica aparece como o préprio rito, ou parte dele, ¢ sua referéncia basica € 0 mito. Enquanto musica mitificada, a musica perde sua substéncia enquanto ato musical, seu eixo € deslocado. (Claro esta que € a prépria histéria da miisica oci- dental que mediatiza o “ato musical” — historia essa que é, em um momento determina- do, miisica burguesa.) Nao se trata mais do ato musical, mas sim do ato ritual. Despoja~ se assim a miisica de sua hist6ria. O “elemento ritual” €, alids, o elemento central da Sagracdo \4, Esse elemento, no entanto, néo se limita a essa obra, perpassando toda a cewvre de Stravinsky, até suas iiltimas obras seriais — tome-se como exemplo Noces, Sinfonias para instrumentos de sopro, Oedipus Rex, Sinfonia dos Salmos, Missa, Threni e Requiem canticles. Boucourechliev, defensor insuspeito, afirma: a “‘chave da unidade da obra de Stravinsky: da ordem do ritual"” (Boucourechliev, 1982, p. 17). En- quanto miisica ritual, essa musica poderia ter algo a dizer as sociedades organizadas a partir de mitos, mas néo as sociedades modernas, racionalizadas e desencantadas. Pot isso a miisica de Stravinsky € regresso — a um tempo mitico, no desencantado da ci- vilizagéo — e reacéo — a sociedade atual racionalizada e desencantada. O sujeito dessa miisica € um sujeito reativo e regressivo. Se a misica de Stravinsky fosse realmente 13 E interessante confrontar essas composi¢des de Stravinsky com as orquestracées de Schoenberg. 140 Preltidio e fuga em Mib maior (BWV 552) de Bach e de Webern &“Ricercata” da Oferenda ‘Musical. Nestes dois casos, vé-se como os “‘arranjadores” foram capazes de, a partir de uma compreensao hist6rica do material musical e do procedimento composicional, realgar as carac- teristicas dessas obras, em uma verdadeira recriacdo. A obra assim retrabalhada aparece como ‘uma nova obra, assume uma identidade prépria ¢ subsiste independente até da verséo original. 14 P. Souvtchinsky, Das Wunder des “Sacre du Printemps” (Kéln, WDR, 1963), apud Boucoure- chliev, 1982, p. 16. WAIZBORT, Leopoldo. Sacriffcio c liquidagdo do sujcito: notas sobre a sociologia da mésica de Adorno. 155 Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2(2): 145-164, 2.sem. 1990. auténtica '5, como se postula, isso exigiria sua desvinculagdo inclusive da nogao de su- jeito, hist6rica ¢ filosoticamente elaborada desde a Grécia antiga, do que é incapaz por- que ele permanece, apesar de seus esforcos, preso ao seu tempo !6, Adomo esquematiza algumas caracterfsticas da obra de Stravinsky, em um simples confronto ilustrativo com Schoenberg, no que toca ao tipo do ouvinte musical (Adomo, 1978, p. 128), A Stravinsky Adomo relaciona a idéia do sujeito heterénomo: o ouvinte de suas obras € passivo, ele aceita o desenvolvimento musical dado, imposto pelo com- Positor a forga na obra — Stravinsky nao deixa o material “‘falar"’, expor suas necessida- des (e nem poderia, dada sua a-historicidade) —, comportando-se reativamente. A Schoenberg é relacionada a idéia do sujeito auténomo, do ouvinte ativo que toma parte no desenvolvimento: 0 ouvinte constréi a obra, s6 ele ¢ capaz de completé-la naquilo que © compositor nao Ihe pode dar (¢ que Stravinsky impée forgosamente). Enquanto Schoenberg privilegia a Durchorganisation (organizacéo integral) dos elementos e a totale Durchfithrung (desenvolvimento total) '7, Stravinsky pée de lado essas catego- tias. Schoenberg assume a contradi¢do como elemento implicito, constituinte da mtisica, a0 passo que Stravinsky busca exorcizé-la: a musica deve vir limpa e plana, de modo que 0 ouvinte nao precise desbastar suas trilhas. Isto explica um pouco a “dificuldade”” da miisica de Schoenberg e Webern (Berg também). O conceito de sujeito tem aqui seu lugar. “Em Stravinsky, a subjetividade aceita 0 caréter de vitima, mas — ¢ nisso ele zomba da tradigéo da arte humanista — a miisica identifica-se nfo com esta, mas sim com a insténcia aniquiladora. Através da liquidagao da vitima ela aliena-se das inteng6es, da propria subjetividade” (Adorno, 1978, p. 133). A primeira frase retoma temas j4 expostos: a miisica tem um caréter afirmativo, concor- da com o sacrificio, ao invés de protestar contra ele; 0 sujeito esbogado pela Sagracdo € © sujeito que aceita ser vitima, que “‘se perde para se salvar”, como diz a Dialética do Esclarecimento, ¢ j nasce assim como um sujeito mutilado; por fim, 0 pouco caso de Stravinsky para com a hist6ria, manifesta aqui na tradigao. A segunda frase da citagio quer mostrar que a musica, ao se alienar das intengdes — tudo aquilo que esté cristaliza- do no material musical e no procedimento composicional — dissolve ao mesmo tempo 0 15 Conforme mostra a citagio mais atrés (Adorno, 1978, p. 129), em Stravinsky hé uma inverséo na compreensao do significado da linguagem musical, sem diivida alguma devido a auséncia de sentido hist6rico do compositor. O que poderia Ihe fornecer “autenticidade”, o material musical € a técnica da composicéo carregados de significado hist6rico, isso tudo Stravinsky vé como al- go aser evitado. 16 “Le Sacre du Printemps j& tem resistido a quase meio século, como simbolo musical da nossa €poca, caracterizada pelo intelectualismo a servico da barbarie.” Carpeaux, s.d., p. 290. Ver também Adorno, 1978, p. 136. 17 A discussio desses dois conceitos, importantes para a andlise musical de Adorno, fica para um outro texto. 156 WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio e liquidasio do sujeito: notas sobre a sociologia da miisica de Adorno. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 145-164, 2.sem. 1990, sujeito musical com 0 qual ela se constitui mutuamente. Uma musica que nega a histéria — nega a experiéncia, nega a possibilidade mesma de formacéo de um Selbst. Este s6 se forma a partir da histéria, da experiéncia: do sofrimento. A negacao do sofrimento na Sagracao € a prépria negacao do sujeito. “Na Russia essencialmente pré-burguesa, a categoria do sujeito no era to profunda como nos paises ocidentais. 0 heterogéneo, sobretudo em Dostoievsky, deriva da nao-identidade do eu [/ch, também ego] consigo mesmo: nenhum dos irmaos Karamazov é um ‘caréter’. O Stravinsky burgués-tardio dispée de tal pré-subjetividade, a fim de no fim legitimar o desmoronamento do sujeito” (Adomo, 1978, p. 134). O Stravinsky compositor, “burgués-tardio”, cosmopolita, néo ¢ como Dostoievsky, ainda visceralmente ligado & Russia interior — lembre-se sua depor- tagdo a Sibéria. Stravinsky € 0 russo de Sao Petersburgo, a cidade mais “ocidental”” do Ampério, seu ponto mais cosmopolita — como bem relata em suas Conversas. O Stra- vinsky burgués-tardio j4 nao pode invocar tal pré-subjetividade, néo-identidade do eu isso 86 € possivel porque ele se pée fora da histéria. Aqui também Stravinsky mostra-se regressivo, ao postular uma pré-subjetividade que j4 se esvaiu na hist6ria. Para legiti- mar aquilo que nao h4 como legitimar, Stravinsky utiliza-se do que Ihe vem a mao. VI “Mediante os shocks o singular percebe imediatamente sua nulidade frente a mé- quina gigantesca do sistema total. [...] Mas tudo depende de como a misica se re- laciona com as vivéncias do shock. No Schoenberg médio a misica se defende da vivéncia do shock na medida em que ela as apresenta, Em Enwartung |...] a viven- cia do shock gesticula como um homem acometido por uma angiistia selvagem. Mas este realiza, psicologicamente falando, a disposicao angustiosa (Angstbereits- chaft): enquanto o shock atravessa-o e dissocia a duracéo continua do estilo anti- g0, ele permanece senhor de si, sujeito, e ainda pode, assim, submeter a série de vivéncias do shock & sua vida constante, transformé-la heroicamente em elemento da propria linguagem, Em Stravinsky ndo ha nem disposico angustiosa nem um eu resistente, mas sim aceitou-se que os shocks néo se deixam apropriar. O sujeito musical renuncia a resistir e contenta-se, com isso, em acompanhar os golpes em reflexos. [...] O que parece a absorgao completa dos shocks, a docilidade da miisi- ca frente aos golpes ritmicos que Ihe so desfechados de fora, € na verdade preci- samente 0 sinal de que a absorco fracassou. Este € 0 pseudos mais intimo do ob- jetivismo: a aniquilacéo do sujeito através do shock foi transtigurada, na comple- xdo estética, como vit6ria do sujeito e ao mesmo tempo como sua dominagao atra- vés do existente em si” (Adorno, 1978, p. 144-5). WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio ¢ liquidacao do sujeito: notas sobre a sociologia da misica de Adorno. 157 ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 145-164, 2.sem. 1990. Na relacéo com o shock delineia-se um quadro semelhante & comparagio dos ou- Vintes de Schoenberg ¢ Stravinsky: um toma parte no processo, 0 outro comporta-se passivamente. Em Schoenberg h4 um elemento de auto-reflexio do sujeito em relacdo a0 shock, € na medida em que ele ndo permanece passivo ao shock, ele € capaz de converté-lo, & servico da expresso. O shock é, desse modo, ele mesmo representado na obra de arte: um tema modemo (moderne). O shock, elemento que fragmenta, despedaca a obra, é dominado pelo sujeito, que € aquele que dé a unidade da obra de arte. S6 mediante 0 sujeito a obra de arte pode alcangar uma unidade, pode se apresentar como um todo. Tal sujeito soberano recolhe 0 shock como elemento constituinte da obra de arte, transfor- mando-o em elemento da linguagem musical. A “teoria’’ do shock de Adorno provém diretamente de Benjamin '8, Este, ao interpretar Baudelaire, via no shock um elemento especificamente moderno. Ao lado disso, na obra de Schoenberg o homem permanece sujeito através, na an- giistia — um tema caro ao Expressionismo ~, de modo semelhante ao Ulisses que se emancipa no sofrimento. E a angiistia que dé forgas ao sujeito, que Ihe permite enfren- tar 0 shock (e trazé-lo para dentro da obra de arte), O sujeito permanece um sujeito au- ténomo !9. A interpretacao de Adorno atribui a Stravinsky 0 papel oposto: nem mesmo © sujeito heterénomo, mas sim a auséncia de sujeito. Este foi liquidado. Na Sagracao, da mesma maneira que nao hé sofrimento no sacrificio, no hé anguistia. Esta era o ele- mento “catértico”, capaz de enfrentar 0 shock. Na Sagracdo, 0 shock no pode ser en- trentado porque néo hé “‘disposicéo angustiosa” nem algo semelhante, Também néo hé um “eu resistente”’, pois a mesma auséncia de sofrimento impede a formagéo de um Selbst: no hé eu na Sagracdo. Os shocks na Sagracdo — em especial na “Danca 18 Veja-se Benjamin, 1939-40. © préprio Adorno cita este texto em nota de rodapé na passagem citada. 19 Isto 6, auténomo entre aspas. Adorno ndo se cansou de assinalar a dificuldade da autonomia do individuo na sociedade administrada. Ao lado disso, a obra de arte ainda € o locus privilegiado da autonomia do sujeito. Uma filosofia da nova mdsica encontra aqui uma de suas justificativas. 158 WAIZBORT, Leopoldo. Sacriffcio e liquidaclo do sujeito: notas sobre a sociologia da mésica de Adorno. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2(2): 145-164, 2.sem, 1990. sagrada — A eleita” 20 — so escritos por Stravinsky de modo aleatério, jé que nao hé um tratamento composicional que assegure a unidade da composicao. Ao ouvinte cabe encolher-se, intimidar-se cada vez mais frente A miisica. Mas a propria miisica € incapaz de absorver 0 shock, ¢ esse nao 6 0 menor indicio de seu caréter arcéico 2!, unmoderne. A misica resta impotente aos shocks que 0 compositor Ihe impée; seu siléncio, no en- tanto, no é a reconciliagao. VIL cardter regressive da Sagracdo da Primavera € dado pelo seu material e pela sua composica0 que so alinhavados a partir de seu motivo (o sacrificio). Dada a situa- do histérica do material musical & época da composicao da Sagragdo, seus elementos so regressivos porque so elementos ¢ procedimentos restaurativos — por exemplo a 20 O proprio Adomo indica a “Danca sagrada ~ A leita” como uma passazem privilegiada para a andlise do shock na Sagrado (Adorno, 1978, p. 143). Na partitura: na seco 142 hé 0 shock ini- cial, com 0 ataque nas cordas, que vem em seguida a uma frase descendente do clarinete baixo (n. 141) que termina, em pp, repousando jé no n. 142, que a partir do ataque das cordas desen- cadeia a onda de shocks do movimento. O procedimento de Stravinsky € o seguinte: ataques nas cordas, uns poucos ataques nos oboés e trompas, para a seguir estabclecer a defasagem ritmica, através da sincopa, nas madeiras, trompas e trombones. Em seguida a defasagem, as cordas ata- ‘cam em uma linha levemente descendente (compasso em 2/8, imediatamente antes do n. 143). A secio 143 repete aproximadamente a anterior. Tal esquema se repete, na idéia ¢ nas linhas ge- rais, nos ns. 167-8 e no n. 180, quando temos, jf no ataque inicial, o tuti da orquestra. Os ques nos sopros no Gltimo tempo do n. 147 ¢ os ataques de toda a orquestra ~ ora madeiras € metais, ora madeiras, metais e cordas ~ fazem da secdo 148 uma sucesso de shocks, que assu- ‘mem grande contraste com as segdes seguintes, ns. 149-50, bastante calmas ¢ planas. No n. 154 ‘0 shock assume nova forma, com 0 aumento de intensidade das cordas, que passam a um sf mar- cante. Sobre um plano constituido pelas cordas, Stravinsky joga arbitrariamente “particulas mel6dicas” (Cf. Adorno, 1978, p. 139), tomadas da escala cromatica, em um “motivo” (no se pode falar, a rigor, que seja um motivo) de 6 notas (3 sons diferentes reptidos): no n. 155 nos piccolos e trombone; no n. 156 nos piccolos, clarinete ¢ trombone; no n. 157 no clarinete, trom- bone e trompa; no n. 158 no clarinete ¢ parte do “motivo” nas trompas. Tais “particulas” tém 0 aspecto de uma rajada de balas, répidas ¢ efémeras, antecipando, na sua idéia, o “bate-estacas” do final da obra (ns. 197 a 200, mais os dois compassos iniciais do n. 201), que simbolizam o Spice do sacrificio: repetigao ritmica furiosa, em transe, alucinada, em total crescendo. O final da Sagracdo, demonstrando a fragilidade e arbitrio da composicao, € cristalinamente circense: a subida vertiginosa das flautas e violinos, a cafda nos tambores € nos graves das trompas, trom- bones e tuba, violoncelos ¢ contrabaixos. 21 Boucourechliev assinala 0 cardter arcaico da Sagracdo, falando mesmo em “arquétipos arcai- zantes” que estariam na base da composico. Boucourechliev, 1982, p. 14. WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio ¢ liquidasio do sujeito: notas sobre a sociologia da miisica de Adorno, 159 ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 22): 145-164, 2.sem. 1990. tonalidade sempre presente, embora por vezes escamoteada?; as frases modais 23; as particulas melédicas diaténicas 2+ — que nao encaram as exigéncias do material 25. Na sua configuracdo do material musical ¢ do procedimento composicional, A Sagracdo da Primavera clabora a matéria dada pelo seu motivo, o sacrificio. Assim, 0 sacrificio € também sacriffcio do material musical (tendo em vista suas possibilidades) e sacrificio do procedimento composicional (e suas possibilidades) (Adorno, 1978, p. 143). Na me- dida em que Stravinsky nega as possibilidades objetivas do material musical — tanto a destiguracao e rompimento do sistema tonal, através do rompimento da tonalidade, co- ‘mo também as questées da forma musical, j4 completamente alteradas pelos Op. 11 ¢ 17 de Schoenberg — h4 o retorno ao mito, 0 encantamento do material musical. Daf seu elemento irracional e regressivo, algo como negar o Esclarecimento através do mito, que foi derrubado por aquele mesmo Esclarecimento. Isto também expressa 0 desmoro- namento do sujeito, natureza dominada, realizacéo do Esclarecimento, que € negado na medida em que se busca 0 retour a /a nature. Aqui também mostra-se um motivo dialé- tico, j4 que € a propria “cultura burguesa reificada [que] leva a fuga no phantasma da natureza” (idem, p. 137). A recorréncia & natureza 6, ademais, a fuga comum pela qual a idéia de liberdade busca reaproximar-se da consciéncia na sociedade administrada; a verdadeira liberdade, no entanto, nao pode aceitar esse caminho (“‘somente 0 caminho critico ainda esta aberto”); nado somente cabe a negac4o determinada a critica a liberda- de enquanto retour a la nature, como uma idéia de liberdade verdadeira implica em uma identidade racional (Cf. Adorno, 1983, p. 149-51) (algo impensdvel apés a liqui- dago do sujeito por Stravinsky). A defesa de Stravinsky sempre argumenta invocando a modernidade ritmica da Sagragdo, j& que qualquer outra Ihe € proibida (defensores de Stravinsky reconhecem ‘sua impoténcia harménica, polif6nica ¢ melédica). Na verdade, Stravinsky trabalha um conceito de ritmo extremamente empobrecido, precisamente porque esse ritmo € separa- 22 E0 caso do tema do “Khorovode”, central na Sagracdo: segdo 28, seco 48 ¢ seguintes. 23. Um caso, entre outros, € 0 tema dado na seco 48, clarinetes. 24 O tema inicial da Sagracdo, no fagote, é um motivo claramente diat6nico. Outro exemplo € a “melopéia selvagem” — conforme descrita nos Sketches ~ da seco 19, nos fagotes contra-fa- gotes. 25 Para se ter uma idéia da situacio da misica & época da composicao da Sagragdo da Primavera, basta dizer que © préprio Stravinsky j4 havia ouvido 0 Pierrot Lunaire (Op. 21, 1912) de Schoenberg, que jd tinha por esse tempo composto (para nos limitarmos a 3 casos) Drei Kla- vierstiicke (Op. 11, 1909), Sechs Kleine Klavierstiicke (Op. 19, 1911) € Erwartung (Op. 17, 1909). 160 WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio e liquidacio do sujeito: notas sobre a sociologia da misica de Adorno, Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, (2): 145-164, 2.sem. 1990. do dos outros elementos da composic&o. O ritmo é hipostasiado e acaba se convertendo no puro bater do metrénomo. “O ritmo é acentuado, mas dissociado do contetido musi- cal” (Adorno, 1978, p. 143). Stravinsky, na impossibilidade de tratar 0 ritmo como um elemento no todo da composigdo, elemento este que deve se relacionar com outros pre- cisamente na composicao, acaba por anular esses outros (os exemplos perpassam A Sa- gracdo por inteiro). A néo-comunicacao dos elementos musicais na composi¢ao corre lado a lado com a impossibilidade da comunicagao em um sujeito liquidado. O ritmo em Stravinsky € vazio de contetido melédico, harménico € contrapontistico; quando ele veste uma dessas roupagens, 0 ouvinte pode estar certo de que qualquer outra seria pos- sivel. Boucourechliev assinala que “‘a nocdo de ‘harmonia funcional’ passa ao segundo plano para o Stravinsky da Sagracdo, em beneficio da nogéo de bloc” (Boucoure- chliev, 1982, p. 105). Em outras palavras, a nocéo de harmonia € jogada pela janela sem que seja criado e posto algo em seu lugar: pelo contrério, 0 “bloco” € precisamente © procedimento irracional que € incapaz de justificar-se frente a si mesmo ¢ & composi- cdo. Boucourechliev € incapaz (como nao poderia deixar de ser) de explicar 0 “bloco”, somente de constaté-lo. ritmo seria revolucionério, na Sagracdo, se ele se entrosasse com os outros as- pectos do material musical € nessa articulagdo fosse capaz, de dar novas respostas & lin- guagem musical, & expresso e ao contetido de verdade. Na medida em que 0 ritmo ne- ga sua relaco com 0 todo da obra de arte, ele nega a propria hist6ria da mtisica, que € inclusive a histéria das respostas dadas & questo da unidade dos materiais e procedi- mentos musicais. Boucourechliev chama a atencdo para a “perpétua transformacdo de todos os parimetros musicais sob a categoria do ritmo” (idem, ibidem), isto é, 0 ritmo é © tirano que quer fazer dos outros elementos musicais seus servos: todos devem servi-lo € 86 se poem sob suas ordens. Schoenberg expressa 0 contrério, onde todos os elemen: tos musicais so postos em pé de igualdade, sem 0 privilégio injustificado de nenhum deles, a servigo da composicao como um todo: a servigo da expresso. Daf a importan- cia da organizacdo integral dos elementos (Durchorganisation der Elemente) e do de- senvolvimento total (totale Durchfiihrung). E curioso notar que a composigao da Sagracao teve sua forma originéria dada pelo “acorde tolichock”’, dos “Augiirios primaveris”, e s6 na sua férmula ritmica 6. Ao “acorde tolichok” — acorde impulséo, acorde motor — em “Augtrios primaveris — 26 Na partitura, pela primeira vez na secdo 13, WAIZBORT, Leopoldo, Sacrificio e liquidacio do sujeito: notas sobre a sociologia da miisica de Adorno. 161 ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 212): 145-164, 2.sem. 1990. danca das adolescentes” sio dadas variadas interpretagées. “Angurios primaveris — danca das adolescentes” € um fragmento da Sagragdo especialmente significativo >” porque nele as relag6es ritmo-harmonia-melodia-altura-intensidade-timbre (isto €, todos ‘0s parametros musicais) so explicitas — 0 ritmo a todos subjuga (e por isso a repeticao compulsiva do “‘acorde-toltchok”, despido, claro est4, de fungdo harménica, s6 lhe restando seu modelo ritmico). Dado 0 nao desenvolvimento, a nao “Durchorganisa- tion” dos elementos e a néo “Durchjithrung” da composicéo, € imposs{vel a andlise harménica do acorde. Eis um motivo que mostra claramente a desunidade dos elementos musicais na Sagracdo: tal acorde € repetido 280 vezes (Boucourechliev deu-se ao tra- balho de contar) sem definir-se harmonicamente, utilizado em variagGes ritmicas que, sem significado harménico, atestam a proposital desunidade da composi¢ao. A primeira pégina dos Sketches — sem divida alguma a fonte mais rica para a and- lise da composicao e génese da obra — mostra aquilo que foi o embrifio da Sagragao da Primavera, © motivo ritmico constante, s6 com a acentuagdo alterada, sem qualquer nota, sem qualquer som a ele relacionado. Esse ¢ um exemplo literalmente prototipico do procedimento composicional da Sagragdo: a néo-unidade dos elementos musicais, 0 material musical tomado em pedacos, separado, jamais tratado como uma unidade, ou uma busca de unidade no préprio processo da composicao. O préprio conceito de ritmo € entendido em um sentido restrito, porque ritmo € somente o tempo do metrénomo e sua organizagao, mas nao articula ¢ organiza 0 todo. O ritmo é uma alteragao de ele- mentos que so “estéticos” — como atesta de modo flagrante o ostinato onipresente. O ostinato (tanto ritmico como melédico) € um elemento recorrente na Sagracdo, seu uso Tepetitivo busca afirmar o cardter estatico da musica de Stravinsky (Stravinsky e Craft, 1984, p. 20). O ostinato, concebido como elemento de estética na composicao musical, marca indelevelmente 0 antidesenvolvimento, caracteristico de Stravinsky. VIL Um dos pontos centrais da critica de Adomo a Stravinsky € que a miisica deste no realiza uma organizacio integral dos elementos nem 0 desenvolvimento da compo- sigdo. A misica de Arnold Schoenberg aparece em contraposicao a Stravinsky precisa- 27 Cf. também White, 1979, p. 37. Stravinsky iniciou a composi¢ao da Sagracdo pelos “Augd- ios", que € uma das passagens centrais da composicéo. 162 WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio ¢ liquidacdo do sujeito: notas sobre a sociologia da misica de Adorno. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 212): 145-164, 2.sem. 1990. mente porque € uma miisica que privilegia a forma musical, buscando organizar os ele- mentos musicais 0 mais completamente possivel e privilegiando o desenvolvimento des- ses elementos no decorrer da composico. O que explica a néo-arbitrariedade desses ctitérios é 2 categoria da tonalidade, do sistema tonal. Schoenberg coloca-se na tradigao do sistema tonal, que é, digamos, 0 quadro geral organizat6rio do material musical, dentro do qual 0 compositor vai buscar os elementos para sua obra. Schoenberg busca inserir-se na tradicdo da miisica que desenvolveu-se a partir desse sistema tonal, tal co- mo a de Bach, Beethoven, Brahms e Wagner. Essa mtisica, por possuir um sistema que organizava 0 material musical de um modo especifico, que permite o desenvolvimento das pecas, principalmente através da modulacdo, privilegiou a obra de arte musical que se organizava como um todo — ou na qual 0 intento era ao menos esse. O material musi- cal fornecido pelo temperamento igual era seu substrato. A partir dele, e de sua organi- zacao enquanto sistema tonal, toda musica ocidental desde Bach foi construfda. ‘A critica de Adorno a Stravinsky busca mostrar sua fuga a esse sistema. No en- tanto, essa fuga é inconseqiiente, pois nao 6, jé desde 0 inicio, uma miisica que questio- na o sistema tonal. Na medida em que a musica de Stravinsky nao opera a organizagao dos elementos ¢ 0 desenvolvimento, ela recusa toda a tradigéo da musica ocidental des- de Bach. Mas essa recusa € falsa, pois Stravinsky permanece tonal, mais que isso, nao leva essa recusa as tiltimas conseqiiéncias, negando o sistema temperado. Mais ainda, a miisica de Stravinsky padece de uma tentativa restaurativa que busca rafzes na musica anterior ao sistema temperado, mas no entanto utiliza 0 material musical dado pelo tem- peramento igual, e nesse quid pro quo ela permanece duvidosa. Stravinsky utiliza-se daquilo que Ihe vem as mos, e desconsidera a hist6ria. Schoenberg, a0 contrério, ao manter-se o mais proximo da hist6ria, trazendo-a pa- ra dentro de suas obras, é capaz de dar novas respostas as dificuldades da composi¢ao musical. Schoenberg busca elaborar uma mifsica que desenvolva, que progrida em rela- cdo aos usos anteriores do sistema tonal, e daf seu atonalismo ¢ dodecafonismo. Eles séo respostas histéricas as dificuldades e necessidades da composicao musical, ¢ nese sentido séo um didlogo com a hist6ria da misica, Quando Max Weber, em Os fiunda- mentos racionais e sociolégicos da musica, procurou analisar 0 processo de racionali- zacéo através do qual a moderna miisica ocidental se constituiu (processo esse que re- monta & Grécia cléssica), suas categorias centrais foram o sistema temperado e a tonali- dade. Tais categorias séo 0 pressuposto de toda a andlise musical de Adorno ~ por exemplo, é impossivel falar em dodecafonismo se néo sabemos de onde e como vém os doze sons -, porque elas se cristalizaram de tal modo nas bases da miisica ocidental moderna, que chegaram a ser consideradas uma segunda natureza. Contra esse encan- tamento, Adorno nao media forgas. Recebido para publicagao em junho/1990 WAIZBORT, Leopoldo. Sacrificio e liquidacio do sujeito: notas sobre a sociologia da musica de Adorno. 163 ‘Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2(2): 145-164, 2.sem. 1990. WAIZBORT, Leopoldo. Sacrifice and annihilation of subject: notes on Adorno’s sociology of music. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, So Paulo, 22): 145-164, 2.sem. 1990, ABSTRACT: This article aims to rebuild some aspects of Th. W. Adomo’s musical-sociological critique. The author starts from some paragraphs of Philosophy of Modern Music, where Adorno analyses Igor Stravinsky's The Rite of Spring. He takes for sure the premise that says Philosophy of Modern Music is quite a divagation through Dialectic of Enlightenment, and seeks for reaching their inner relations. The analysis and criticism of the theme of sacrifice in The Rite of Spring spots this point. The article goes on trying to find out whether that so-called sacrifice fits the idea of annihilation of subject repeated regularly in Adorno’s work. At last, it is pointed up to some fundamental premises of Adorno’s critique, by chasing after any relationship between Adorno’s work and Weber's on Sociology of Music. UNITERMS: Adomo, Sociology of Music, Stravinsky, The Rite of Spring. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. Livros ADORNO, Theodor W. Philosophie der neuen Musik. Frankfurt, Suhrkamp, 1978. Gesammelte Schriften Bd. 10.2. Frankfurt, Suhrkamp, 1977 . Negative Dialektik. 3. Aufl., Frankfurt, Suhrkamp, 1983. ADORNO, Theodor W.e HORKHEIMER, Max. Dialetik der Aufkidrung. Frankfurt, S. Fischer, 1988, BENJAMIN, Walter. 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