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Lucia Ap. Valadares Sart6rio Luctlia Augusta Lino Nadia Maria Pereira de Souza Organizadoras POLITICA EDUCACIONAL E DILEMAS DO ENSINO EM TEMPO DE CRISE Juventude, curriculo, reformas do ensino e formaco de professores LF EDITORIAL Editora Livraria da Fisica Sao Paulo - 2018 (Des)profissionalizacao e desqualificacao na reforma do Ensino Médio: as ameagas da ‘flexibilizagao’ e do ‘notério saber” Lucflia Augusta Lino® CENARIO politico brasileiro atual 6 marcado pelo agodamento na emissao de leis sob a forma de decretos e medidas provisérias que efetuam um verdadeiro retrocesso na politica educacional redu- vindo direitos educacionais da maioria da populacao. Neste panorama mais amplo de desmonte da esfera pa- blica, so evidentes os processos de desqualificagéo da educagao basica, desvalorizagao do magistério e redu- gio do direito 4 educagéo, comprometendo os processos de formagao dos jovens e a atuacao dos profissionais da educacdo. A edicdo da Medida provis6ria 746, de 22 de setembro de 2016, que, apés a aprovacao no Congresso, tornou-se a Lei n°13.415° de 16 de fevereiro de 2017, foi \fute artigo é uma versio do artigo ‘As ameacas da Reforma: des- qualificagao e exclusao’, que integra o Dossié ‘A Reforma do Ensino Medio em questio’ publicado na Revista Retratos da Escola, n. 20. 75.90, jan./jun. 2017, disponivel em: . 2Doutora em Educagio, Professora da Faculdade de Educagso da UER). NAltera as Leis n°s 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Des) Profissionalizacto e desqualificacto na reforma da Ensino Médio: as ameacas 2 da ‘exibilizagio"e do ‘notérlo saber © primeiro ato direto do governo Temer no campo edu- cacional, o que demonstra a centralidade da reforma do ensino médio no seu projeto educacional. Neste artigo discutimos o significado desta reforma para a formacao dos profissionais da educacao, apontando as principais alterages realizadas na LDB, em especial, as diretamente vinculadas a atuagao profissional do magistério e as que afetam a educacio superior impactando os cursos de for- magao. A Lei n°13.415/2017 alterou a Lei de Diretrizes © Bases da Educagao constituindo-se em ‘grave ameat A qualidade do Ensino Médio e a formagao da feed brasileira’ como explicitou a Anfope em Nota‘, quando da edigao da MP n°.746, pois ‘desorganiza esse nivel de ensino, ignorando as discuss6es anteriores e aquelas em andamento no Brasil sobre os rumos da educagio’ sob © ‘pretexto de instituir uma politica de fomento a imple- mentacdo de escolas de Ensino Médio e i 7m temy ’ (ANFOPE, 2016). pein Diretrizes e Bases da Educacio Nacional, e 1.494, de20 de janho de 2007, que egulamenta 0 Fundo de Manutencao e Desenvoviment lucagao Basica e de Valorizacao dos Profissionais da Educeedo, Euan 3s Profissionais da Educacao, 2 Consolidagio das Lis do Tabsino~ CL, aprovada pelo Des to iin? 5452, de 1° de maio de 1943, e o DecretorLei n? 236, de 28 de feverio de 1967; evoga a Lei n° 1.161, de de agosto “istoone Politica de Fomento a Implementa in (Ete telson npn de Escolas de Ensino ‘Manifesto da Associagdo Nacional pela Formacio dos Profissionais da Educasio Ani ope conta a Medi Proviso datado de 12 de outubro de 2016. an roe oe ica Educacionale Dilemas do Ensino em Tempo de Crise: Juventud, Curiculo, Reformas do Ensino e Formag3o de Professores 2 ‘Antes de proceder qualquer andlise sob o teor da medida é necessério destacar 0 reptidio ao modo como a reforma do ensino médio foi instituida — uma Medida Provis6ria (MP n°.746/2016) que impde uma reforma edu- cacional que desconsidera as discussdes ¢ 0 conhecimento acumulado sobre 0 ensino médio e 0 diélogo com pesqui- sadores e especialistas e as propostas das entidades acadé- micas. Uma reforma educacional nao pode ser efetivada por imposigio, em atitude tipica de um regime de excecao, que cada vez mais parece caracterizar 0 governo atual, ini- ciado por um golpe parlamentar-jurfdico-midiatico, que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff e alavancou ao poder Michel Temer. Além do autori- tarismo evidente da medida proviséria, esta forma de legislar pode ser considerada, no minimo, como irres- ponsdvel e inadequada, pois ao alterar a lei maxima da educacao nacional, a LDB, além de ignorar as discuss6 em curso nao instaurou o necessério debate académico e legislativo sobre os impactos que produziré. Assim, essa forma de legislar, autoritéria e unilateral, desconsidera a pluralidade de concepgdes acerca do ensino médio e nto produz o avanco na proposicao de agdes que ampliem 1 e mais, sua qualidade, configura-se como um retroc: esté na contramao das atuais necessidades da sociedade brasileira. A MP 746/2016 confirmou a postura do Execu- tivo de desconsiderar o didlogo com os profissionais da educacao e com os estudantes secundaristas, com suas en- (Des) Proisionalizagao. a alizacio e desqualificagto na reforma do Ensino Médio: as am sa “exibilizagao’ edo ‘notério. tidades é idades representativas, além do evidente descaso com as instituigdes formadoras e entidades cientificas, A Anped®, em nota, destaca a eliminagao do didlogo nesse processo: E inegavel a necessidade do debate sobre as melhores formas e contetidos de enfrenta- mento das dificuldades historicas e estrutu- rais desta etapa da educagio bésica. O que foi determinado pela MP nao dialoga com os estudos e pesquisas sobre Educacao Bésica, Ensino Médio, formagao técnico-profissional © as juventudes que os associados da AN- i outras asociagbes académicasbrasile- s realizaram ao lon; ea das tltimas décadas, ema ee forma, entendemos que a imposicao : mM firme propésito de impossibilitar o didlogo com importantes atores do campo educacional, a entidades académicas e representativas de pesq} isadores, professores e estudantes e as Universidades, desconside. rando o conhecimento acumulado sobre o Ensino Méd ©. legislacao em vigor, ainda em processo de imy jemen- tagao, com destaque para as DCNs e o PNE. a e (Re: so CNE/SEB 2/2012), ignora ai aa Pacto 0. — __ ‘Associacdo Nacional de Pés-graduagao e Pesquisa em Educag Dilemas do Fnsino em Tempo de Ci do Ensino e Formac de Prof Nacional pelo Ensino Médio ¢ 0 Plano Na- cional de Educagéo, demonstrando falta de conhecimento da realidade concreta das es- colas brasileiras e dos estudantes de nivel médio, configurando-se como uma ameaga & educagio basica puiblica, estatal, gratuita e de qualidade social. (ANFOPE, 2016). Reafirmamos que a posigao que defendemos neste trabalho é a manifesta pela Anfope - Associacio Nacional pela Formagao dos Profissionais da Educacéo _e nesse sentido fazemos coro com os posicionamentos do Movimento Nacional pelo Ensino Médio® (MNEM), do qual a entidade ¢ integrante. Consideramos o atual yoverno como ilegitimo, e que a partir de sua ascensao este vem empreendendo acdes que retiram direitos da populagio, em especial dos trabalhadores, criminalizam e tem frequentemente minimizado movimentos soc “Movimento criado em 2014, originalmente com o nome de Mo- vimento Nacional em Defesa do Ensino Médio (MNDEM), para icamente na ndo-aprovacio de proposta de reformula- ‘gio do ensino médio em tramitagdo na Camara dos Deputados, a saber: o Projeto de Lei n° 6.840/2013. Posteriormente, 0 texto foi transformado na Medida Provisbria 746/2016, que tornou-se a Lei 13.413/2017. O MNEM foi formado por 10 entidades do campo educacional: Associagao Nacional de Pos-graduacao e Pesquisa em Fducacao, Centro de Estudos Educagao e Sociedade, Forum Nacio nal de Diretores das Faculdades de Educagao, Associagio Nacional pela Formagio dos Profissionais da Educacéo, Sociedade Brasileira fe Fisica, Ago Educativa, Campanha Nacional pelo Direito a Educa~ ‘Glo, Associagao Nacional de Politica e Administraco da Educacio, Conselho Nacional das Instituigoes da Rede Federal de Educagao Profissional, Cientifica e Tecnolégica e Confederacio Nacional dos a naa eee seu compromisso com as instituigdes pablicas, em espe cial com o financiamento da educacao publica, efetuando desmontes no aparelho de Estado. No campo educacional sio evidentes os retrocessos, desconsiderando principios garantidos pela Constituigéo Federal (1988) e pela Lei 9.394/1996 e as proposigdes das Diretrizes Curriculares Nacionais, comprometendo o cumprimento das metas e estratégias do PNE (2014-2024). Este governo tem, diaria- mente, comprometido a institucionalidade democratica e ferido 0 estado de direito que rege constitucionalmente a nagdo. Além das ameacas que a reforma trabalhista e da previdéncia constituem, a par da EC 95/2016, as ages no campo da politica educacional configuram o desmonte € 0 retrocesso impostos a educacao brasileira, que redu- zem 0 direito constitucional a educacao, como requer 0 Estado minimo que defendem, e a subordinacao irrestrita as demandas do mercado e aos interesses privatistas. Breve histérico da politica educacional: anteceden- tes reformistas e retrocessos Ao analisar a Lei 13.415/17, que institui a atual reforma do ensino médio, se evidencia o retrocesso que ela significa em relacdo as legislagdes que promoveram a ampliacao do acesso no ensino médio e superior, nos tlti- ‘mos anos. Sabemos que o ensino médio manteve ao longo das décadas as marcas do elitismo e da seletividade que sa Educacional e Dilemas do Ensino em Tempo de Crise: Juventude, Curr Reformas do Ensino e Formacao de Profesores o caréter propedéutico imprimiu a este nivel de ensino a0 priorizar sua fungao preparatoria ao ensino superior em detrimento do seu carter formativo. Essa configuragdo, comega a se alterar, ao me- nos no plano conceitual, a partir da Revolugio de 1930, no proceso de consolidagao do capitalismo brasileiro, A ne- cessidade de criar um ensino mais adequado a ‘moderni zagio’ do pais, com énfase na capacitagao para o trabalho ena formacao das ‘elites’, de acordo com as exigéncias do desenvolvimento industrial, estava presente na proposta de reconstrugio da educacao nacional do Manifesto dos pioneiros da educagao nova, em 1932. A educagao, nessa conjuntura, passou a ocupar um inédito lugar de desta- que, e assim, a Reforma do ensino secundario” se prop6s a superar o carter exclusivamente propedéutico, desta- cando a necessidade do cardter formativo - educativo, moral e intelectual - do adolescente, preparando-o para sua satisfat6ria integracdo na ‘nova’ sociedade urbano- industrial, mais complexa e dinamica. Entretanto, a tenta- tiva de reformar o ensino em novas bases, atendendo aos objetivos de “formagio do homem para todos os grandes setores da atividade nacional”, consolidou o dualismo educacional, instituindo dois cursos seriados: 0 curso fun- damental - de formagao geral - e o curso complementar - 7 yeforma do Ensino Secundsrio foi realizada através do Decreto rn? 19.890 de 18/04/1931 que dispoe sobre a organizacao do ensino Secundério, e consolidada pelo Decreto n° 21.241 de 04/04/1932, ambos de autoria de Francisco Campos. 0 reforma do Erin Maio as ameacas a lebih" edo ‘tans sar = Profissionalizagso e desqual com propostas curriculares diferenciadas e obrigatorias, consolidando a logica de uma formagao propedéutica Para o ensino superior, (ZOTTI, 2006, p.2-4) Essa concepgao formativa, elitista e seletiva, 6 reforgada em 1942, com a Lei Organica do Ensino Secun- dario e as demais que se seguem, dentro do idedrio do Estado Novo. A “nova” legislagao favorecia e reforcava © dualismo educacional, numa visdo restritiva e seletiva, que na prética mantinha cursos paralelos em diversos ramos do ensino secundario, como os voltados para a rea profissional, os cursos técnicos agricola, industrial, comercial, ¢ © curso normal - destinado a formacao de professores ~ a par das modalidades cientifico e classico, voltados para 0 ingresso no ensino superior, cuja fina. lidade era formar os quadros dirigentes recrutados nos estratos elevados da populacao. O dualismo educacio- nal institucionalizado ofertava cursos diferenciados de acordo com 0 publico ~ para os filhos das elites, cursos. que permitiam a continuidade dos estudos em nivel su- petior e para 0s filhos das classes trabalhadoras, cursos terminais que visavam o ingresso imediato no mercado de trabalho. As reformas educacionais empreendidas nos anos 1930-1940, como Zotti (2006, p.3) explicita, es- tabeleceram ‘um projeto de educacao diferenciado: uma educacao “para pensar” e outra “para produzir”. Essa configuragao inicialmente impedia 0 acesso ao nivel supe- rior para os oriundos dos cursos técnicos, posteriormente 1 Educacional e Dilemas do Easino em Tempo de Crise: Juventud, Curricula, Reformas do Ensino e Formacao de Profesores, 2 permitido desde que respeitada a verticalizagao, isto é, 0 acesso restrito a cursos superiores na mesma érea profis- sional. Em 1961, a LDB institui finalmente a equivaléncia dos varios cursos secundarios - técnicos ou de formagao geral - quanto ao acesso ao nivel superior. Neste mo- mento a expansao das matriculas no nivel secundario decorrente do acelerado processo de modernizacao da sociedade brasileira aumenta a pressdo nos exames vesti- bulares, pois 0 acesso ao ensino superior desponta como possibilidade de mobilidade e ascensdo social das cama- das médias, nas décadas de 1960-1970. Em 1971, uma nova Reforma é realizada, visando dar um caréter de ter minalidade ao nivel secundario, e assim frear a corrida ao ensino superior, ¢ instituir uma profissionalizagao obriga- toria. A Lei 5692/71, que reformou o ensino de primeiro e segundo grau no Brasil, instituiu o ensino fundamental de 8 anos, determinou a escolaridade obrigatéria dentro da faixa de 7 a 14 anos ¢ transformou todos os cursos de nivel médio em profissionalizantes. Dentre os objetivos da Reforma de 1971 estava a necessidade de dar ao ensino médio tanto 0 cardter de terminalidade quanto 0 de curso profissionalizante, atendendo as demandas do mercado de trabalho por técnicos de nivel médio. ‘As funcGes atribuidas ao novo Ensino Médio profissional pelo discurso governamental na €poca eram a de suprit uma suposta caréncia de profissionais de nivel médio e, a0 mesmo (28) Profisionalizarto edesqalicagio na forma do Frsino Me da eben a0’ edo noterio sae tempo, possibilitar aos alunos concluintes — que no conseguissem ou nao quisessem rea- lizar cursos superiores — a formagio profis- sional necessétia para ingressar no mercado de trabalho. (MORAES et AL., 2013, p- 20) Entretanto, 0 fracasso da profissionalizagao Compulséria tornou sem efeito a meta de preparar téc- nicos qualificados para 0 mercado de trabalho e, uma década apés sua institucionalizacao, ela deixa de ser obri- gatoria. Como legado, a reforma promoveu uma acentu- ada perda de qualidade no ensino puiblico e a confirma- So do seu cardter cada vez mais excludente, tendo em vista que a oferta de vagas para o segundo grau nao aten- dia a crescente demanda. Assim, a reforma promoveu © “empobrecimento dos curriculos escolares com a reti- tada e 0 esvaziamento dos contetidos de formacao geral imprescindiveis para a compreensao critica da is social”, provocando a descaracterizacao do ensino médio e sua desqualificagao, reforgando a dualidade educacio- nal desse nivel de ensino: “a dicotomia entre a educagéo Para a ‘elite’ e a educagio para o trabalhador”. (MORAES et AL,, 2013, p, 20) A ocorréncia de grande expansio de matriculas no ensino de primeiro e de segundo graus foi acompanhada do impactante fendmeno do fracasso escolar, caracterizado pela repeténcia, especialmente no primeiro segmento do primeiro grau, e evasao. O fracasso escolar acentuou a face excludente do sistema educacio- fa Fducacionale Dilemas do Ensino em Tempo de Cris: Juventude, Curiculo, Reforinas do Ensino e Formacio de Professores 3 nal, reproduzindo na escola as desigualdades socioecond- micas caracterfsticas da sociedade brasileira. A exclusdo educacional de amplas parcelas da populacao em idade escolar evidenciava 0 fato de que a educagao ainda nao se configurava como direito e consolidava a separagio entre os que tinham garantido o acesso/permanéncia e decor- rente sucesso escolar daqueles destinados ao fracasso e exclusio do sistema educacional. Aampliagio do direito a educagio foi fruto de muita luta e mobilizagéo da sociedade civil organizada, intervindo no campo legislativo, para a ampliagao de di- reitos, visando, entre outras conquistas, a universalizagio do ensino fundamental e o alargamento da faixa etdria contemplada pela obrigatoriedade escolar, sem descuidar da luta constante por parametros de qualidade social- mente referenciados, que contemplassem n&o somente o acesso, mas a permanéncia, Fruto dessa luta é a determi- nacao da Constituicéo Federal de 1988, em seu § 1° do Artigo 208: 0 “acesso ao ensino obrigatério e gratuito é direito ptiblico subjetivo”. Entretanto, a obrigatoriedade escolar, que con- templava, desde a edigdo da Lei 5692/1971, a faixa etdria de7 a 14 anos, somente 30 anos depois foi ampliada para atender criangas a partir de 6 anos de idade, com a Lei n° 10.172/2001, que estabeleceu 0 Plano Nacional de Edu- cacao 2001-2011. Em 2009, a EC 59/2009 props que, a partir de 2016, a obrigatoriedade escolar da educacao (Des) Profssionalizasso e desqualficacSo na reforma do Ensino Médio: as ameagas 7 3 ea Educacional e Dilemas do Ensino em Tempo de Crise: Juventude, Curriu 2 da exibilizasao’e do ‘notérie saber basica alcangasse a faixa entre os 4 e 17 anos. © processo de ampliacao do direito a educa- 40, assegurou, constitucionalmente, com a EC 14/1996, no Art. 208, a oferta obrigatoria e gratuita para todos 0s que nao tiveram acesso a educagao escolar na idade prépria, do ensino fundamental, e com a EC 59/2009, a oferta gratuita do ensino médio é extensiva aos alunos fora da faixa etdria contemplada pela obrigatoriedade. Esse fato é consolidado no Art. 4 da LDB, que garante ‘o dever do Estado com educacao escolar ptiblica’, e no inciso IV, que assegura 0 “acesso puiblico e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que nao os conclufram na idade propria”, conforme a redagao dada pela Lei n° 12.796/2013, fortalecendo assim a oferta da modalidade educagio de jovens e adultos, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. Essa ampliagdo da faixa etéria contemplada com a obrigatoriedade escolar deve-se, como explicita Ribeiro da Silva (2015, p. 64), ao “constrangimento da realidade diante do direito proclamado” que “impunha como exigéncia que se envidassem esforcos no sentido da universalizacao do Ensino Fundamental”, efetuando no final dos anos 1990 e, posteriormente, no final da dé- cada de 2000, “a possibilidade e a necessidade de que se proclamasse novo alargamento do direito a educacao”. Entretanto, em 2016, o ano em que essa ampliagao se da- ria, como preconizava a EC 59/2009, a nova conjuntura TReformas do Ensino e Formagio de Professores politica do Pats determina a reducéo de direitos ¢ oa tividade mentos na esfera publica, comprometendo a efetivi dessa conquista. AMP 746: Uma reforma que reduz & desqualifica O momento politico que atravessamos hoje na politica educacional tem similaridades com o experienci- ado nos anos 1990, quando a hegemonia do pensamento neoliberal transplantou para a esfera educacional, como explicitam Moraes et al (2013, p. 22), “a racionalidade econdmica do setor privado, substituindo critérios repu blicanos de gestao social por critérios privatistas, paste dos pela racionalidade do custo/efetividade neers cesso, ocorreu a redugio de direitos sociais jé assegurados pela Constituigao, tendo em vista ‘os ajustes da economia brasileira ao novo contexto econdmico’ conforme exigiam 0s organismos internacionais, ‘que passaram a Goo reformas na educagéio em termos organizacionais ¢ peda gogicos’. Como hoje presenciamos, nos anos ee as demandas da sociedade organizada sendo substitufdas por uma politica educacional elaborada por especialisias ¢ tecnocratas, com vinculos estreitos com esses organismos multilaterais. (MORAESET AL, 2013,p:22) Hoje, ¢ importante destacar, 0 ensino médio ainda nao 6 obrigatério. A ampliacao da obrigatoriedade escolar até 17 anos, devido a imensa distorgio idade-série, {Pes) Profssionaizacio e desqualiticacto na reforma do Ensino Medio: asa Ea ‘esi nao necessariamente contempla o ensino médio, confir- mando 0 cenério de “desigualdades de acesso a escola, os itinerdrios descontinuos e as distorgdes no ambito do sistema educacional” (SILVA, 2015, p. 370). A nao obri- Baloriedade do ensino médio fere o principio do direito 4 educagao basica para toda a populacio e evidencia a destesponsabilizacao do Estado com a formagio bésica Para a juventude em sua etapa final. Hoje, o Governo golpista tenta reimprimir na Politica educacional a subordinagao da formacio escolar 20 sistema produtivo. O ensino médio, mais uma vez 60 carro chefe do projeto neoliberal, como o que ocorreu em 1997, com o Decreto 2.208, que separou o ensino técnico do ensino médio e organizou o seu curriculo néo mais por meio de disciplinas, mas a partir dos perfis de competén- ias requisitados pelo mercado de trabalho. Assim, vinte anos ap6s a edigtio do Decreto 2208/97, a Lei 13.415/17 atualiza a prevaléncia dos interesses e demandas pontu- ais do empresariado sobre 0 conjunto da sociedade, e, 20 invés de superar, acirra a dualidade no ensino médio. As propostas em curso, desconsideram a importancia da formacao humana integral e os fins formativos da educa- So basica, que integraria a formagao intelectual, fisica e tecnol6gica, moral, ética e estética, de que o ensino médio seria 0 padrao, dentro de uma concepcao emancipatoria ¢ que conduziria a autonomia, em Tempo de Crise: Juventud, Cuscul, saa de Professores “3 lcaionaleDilenas do Fs nea Reformas do Ensino e Forms a Nesse sentido, a Lei 13.415/17 6 uma a i fio e conti- voncreta a oferta de qualidade do ensino aed a yura a reducio do direito a educacao. A formagao ee es vriticaecidada que assegurasse aos altunos 0 p ; = j fisico, estético, moral ifetivo, senvolvimento intelectual, at ae © social, com base em prinecfpios éticos € aoe oportunizem sua emancipagio, era a utopia a pers ee ne acl de Edusso pont ve 3, ser alcancada até 2024, a elevacio das a tensino médio para 85%, 0 que significa que a oe a Gio deste nivel de ensino continua nao sendo et a apesar de se pretender universalizar 0 a el lar para toda a populagao de 15.a 17 anos a eee liquida de matriculas no ensino médio para “ Os argumentos em defesa da . apore tam para a possibilidade de reducéo das ame nas de evasao, entretanto, a fragmentago em ie nae mativos e a ampliacdo da jornada (tempo in : _ eae educacio integral), sem que estejam garantid ee ermanente os investimentos, tornarao mais: P shoes ee comprometendo o acesso dos quase des ios de jovens entre 15 a 17 anos, que estao fora eae trabalham e estudam (MNEM, 2016). ce ot de reduzir, a reforma ampliaré a evasto a z con mento da jornada se configura mais como eng’ {0 ting derguaiino mn efoma dosing Ms amex ids Tebiliengo’ edo notice meta, que nao traz qualidade, mas, sim potencializa a precariedade. A partir da argumentagao de que o ensino mé- dio tem muitas disciplinas e nao atrai o interesse dos es- tudantes, pretende-se adotar a fragmentagéo como regra, sob a forma de itinerérios formativos especificos, sem, en- tretanto, garantir a qualidade, a adequagao & realidade da instituigao e do alunado, ea pertinéncia das “novas” dis- ciplinas a serem ofertadas nos percursos formativos que “teoricamente” seriam de escolha dos alunos. Nesse sen- tido, a profissionalizacao como uma das opgdes formati- vas no assegura 0 acesso a formacao técnico-profissional adequada, mas aponta para a precarizagao e acentuacao do processo de privatizagao por meio de parcerias. Assim a reforma acentuaré a mercantilizacao do ensino, Da mesma forma, seguindo a Iégica do masca- ramento da realidade que esconde a redugao de direitos, o simples aumento da carga horéria de determinadas dis- ciplinas proposto como reinterpretacao do tempo integral nao contempla a concepgao de educacao integral, e longe de enriquecer ou tornar mais atraente a formacao, ampli- aré o descompasso do ensino ofertado com o interesse dos alunos. Na prética, haverd o estreitamento do curriculo do ensino médio ao minimo, com a retirada de disciplinas formativas importantes, comprometendo ainda mais a qualidade do ensino. A proposta de fragmentacao em percursos formativos, com a falsa justificativa de propor- ‘Politica Educacional e Dilemas do Ensing em Tempo de Crise: Juventude, Curricula, ‘Reformas do Fnsino e Formacio de Professores os cionar um curriculo mais flexivel e atraente para 0 aluno, 6 denunciada pelo Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, como aprofundamento da dualidade do Ensino Médio: 6 fatiamento do curriculo em cinco énfases ou itinerérios formativos implica na negagao do direito a uma formagao basica comum e resultard no reforgo das desigualdades de oportunidades educacionais, ja que serdo as redes de ensino a decidir quais itinerérios poderdo ser cursados. (MNEM, 2016) Sob o rotulo de “itinerdrios formativos especi- ficos” temos o evidente o retrocesso a concep¢ées elitistas, que propdem formagées distintas de acordo com a ori- gem social dos estudantes, confirmando que a oferta do ensino ndo se daré em igualdade de condicées, num claro descompasso com os princfpios constitucionais. ‘A Lei 13.415/17, apesar de nao alterar 0 Artigo 35 da LDB, na prética nao garante o cumprimento de suas finalidades, dada a fragmentagao proposta, em especial as contidas nos incisos I e IV, a saber: Ia consolidagito e 0 aprofundamento dos conhe- cimentos adquiridos no ensino fundamental, pos- sibilitando o prosseguimento de estudos; IL-a preparacao basica para o trabalho ¢ a cidada- nia do educando, para continuar aprendendo, de ao na efor do Ensino Médio as amen da Toiizacio'edonoterio saber modo a Ser cee de seadaptr com fleiitidade a novas condigdes de ocupagao ou aperfe posteriores; i ee III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formacao ética e 0 desen- volvimento da autonomia intelectual e do pensa- mento critico; Me = @ compreensito dos fuundamentos cientffico- tecnoliicos dos processos produtivos, relacio- indo a teoria com a pritica, no ens pe ensino de cada A redacao do Artigo 36 é alterada e nao ob- servard mais as disposigdes gerais da educagio bésica, estipuladas nos Artigos 22 a 28, e nem as diretrizes de que tratava o Artigo, mas subordinard seu curriculo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e por itineré- tios formativos especificos, a serem definidos pelos siste- mas de ensino. Assim, a reforma do ensino médio pro move um esvaziamento de sentido deste nivel de ensino, desconfigurando-o como etapa da educacao bésica, que deveria ser comum. mm ; Anilise efetuada pelo CNTE aponta que a en- t40 MP 746/2016 desconsidera a legislacao educacional, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. a Educacdo Basica, efetuando um retrocesso na politica educacional: A nova concepgio despreza quase integral- ‘mente as diretrizes curriculares nacionais do ca Educacional e Dilemas do Ensino em Tempo de Crise: Javentude, Cutrculo, Reformas do Ensino e Formacio de Professores ‘2 Conselho Nacional de Educagdo para o en- sino médio e para a educacio basica, rom- pendo com concepgées curriculares ¢ im- pondo limitacées a aprendizagem estudantil. E isso explica a razao de 0 § 3° do art, 36 da MP remeter ao MEC a emanacio de diretrizes para o novo curriculo do ensino médio, revo- gando tacitamente a Resolucao CNE/CEB n° 2/2012. (CNTE, 2016, p.7) Da mesma forma, os itinerérios formativos es- pecificos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, te- ro énfase em 5 dreas de conhecimento ou de atuagao profissional: I linguagens; Il - matematica; III - ciéncias da natureza; IV - ciéncias humanas; e V - formagao téc- nica e profissional. Entretanto, nao hé obrigatoriedade de todas essas 4reas estarem presentes no curriculo do curso, podendo haver cursos com apenas uma rea, sendo apenas assegurada como possibilidade aos sistemas de ensino comporem seus curriculos em mais de uma érea. Na pratica, sabemos que muitos sistemas de ensino, ale- gando falta de recursos, ofertardo apenas 0 minimo nao assegurando 0 cumprimento das finalidades do ensino estipuladas no Art. 35, ainda mais por que sdo os sistemas de ensino que estabelecem os critérios que seguirao na organizagio das areas, de acordo com a definigao que a BNCC daré para as respectivas competencias, habilidades e expectativas de aprendizagem. (Des) rofssionalizacso e desqualifeagao na reforma do Ens 2 da Texibil Cabe destacar que a tinica obrigacéo curricular definida como comum ao longo dos trés anos do ensino médio é a oferta do ensino de lingua portuguesa e ma- tematica. Hé a obrigatoriedade do estudo da lingua in- glesa, mas nao hé mengio a se ele se estende ao longo do curso. Ressaltamos que dada a imposicao dos governos estaduais reduzirem seus gastos, com base numa ‘tes- Ponsabilidade’ fiscal que desconsidera que assegurar 0 direito a educacao é obrigagao constitucional, se consoli- dara uma tendéncia nos sistemas ptiblicos de ensino de ofertar apenas 0 minimo curricular exigido, 0 que con- firmaré a desqualificacao do ensino médio ptiblico ¢ a dualidade educacional. Por fim, chama a atengio, ainda, as eviden- tes incoeréncia e inconsisténcia presentes em um projeto Pedagégico-educacional, especialmente para o nivel de ensino destinado a adolescentes e jovens, que exclui do curriculo disciplinas formativas como Artes, Educagio Fisica, Filosofia e Sociologia, subsumindo o direito ao. conhecimento geral e comprometendo perversamente a formagao, sonegando 0 acesso a conhecimentos e saberes. O texto legal mascara as reais intencdes da reforma: o aligeiramento e a descaracterizacao desse nivel de ensino, confirmando seu cardter excludente, atingindo, em espe- cial, a ampla maioria dos estudantes que se encontra no ensino médio ptiblico, instituindo 0 aparthaid social dos jovens pobres, went, Cure scone Dimas do sino om Tempo de Cs: uve Cur “ss Reformas do Ensino e Formagao de Professor Destacamos ainda, que a pressa See 5, é i cia malterar a LDB pela Lei 13.415/17, € uma incongrut ee i ai é necessa- i Jetivagao da Reforma én justificavel, pois paraa el — ria a finalizagao da proposta de BNCC, 0 que oe es ‘m s inda nac ico da Medida provis6ria, ain ano apés a edigéo ovisoria, ce apresentada proposta para o ensino médio. ae ; ao da BNCC, a exemplo destacar, que a elaboragao , Ghee ino médio, desconside: rido com a reforma do ensi ; ° conhecimento acumulado no campo educacional e sui em especial na tiltima versao da Base, que apre- ta uma concepgao ultrapassada e reduzida, um prio ola 2 ‘EC, afinados ““especialistas” a servigo do MEC, elaborado por “especial eee ‘com os interesses privatistas de grandes cour som i iencias pablicas, realizadas entre j resariais. As audiéncias pul a Be a de 2017, foram um arremedo participa : icionamentos contrarios das entida: em que os posicionam: fae instituigdes formadoras, dos pesquisadores e ee nais de educacao, das entidades estudantis e sin a i col nao foram considerados. A BNCC se configura a mais um ataque a qualidade da educagio e estratégi 0 da educagao bsica, um i to e estandartizagao da " wrroceno no que traz em seu bojo, criticas, retrocesso no campo do curriculo e, oaval a privatizagao. 7 ; ‘As diferentes reformas do ensino médio no Bra- i cardter sil consolidaram seu dualismo, e, sem superar 0 te e exclu- propedéutico, formataram um ensino seletivo ee dente. A atual reforma traz o fantasma de um _ {Pe Proissonalizasso edesqualificago na reforma do Esino Médias amegas desorganizado e fragmentério, principal caracteristica do secundario do século XIX, que julgévamos definiti- vamente enterrado, desconsiderando e minimizando os aspectos formativos essenciais da educacao basica. Nesse sentido, ao invés elevar a qualidade, a reduz. AMP 746: Impactos na formagao e carreira dos pro- fissionais de educagao Se nos debrucamos sobre a hist6ria da forma- do de professores no Brasil, a auséncia de formacdo espe- cifica para o magistério desse nfvel de ensino foi a marca, até a primeira metade do século XX. Apenas a partir dos anos 1940, apés a institucionalizacao das faculdades de Filosofia, Ciéncias e Letras e da criagao dos cursos de li- cenciatura, é que passa a existir no Pafs a formagao de professores para 0 ensino secundario. Entretanto, a falta de professores licenciados em ntimero suficiente propi- ciou que esse nivel de ensino tivesse, até quase o limiar do século XI, a significativa presenga de professores “leigos” ‘ou sem formacio pedagégica. A legislagao educacional, paulatinamente, en- cetou medidas para superar esse cenario de improvisagio, caracterizando como excepcional 0 recurso, em carater provis6rio, ao professor sem formagao. Acdes de forma-

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