You are on page 1of 12
Cann wo 5 CuRrRICULO E HISTORIA: UMA CONEXAO RADICAL Alfredo Veiga-Neto Quando me propus a escrever este texto, pensei em desenvolver algumas reflexdes sobre as muitas relacdes possiveis entre a Historia — enquanto area de conhecimento ~e ess pattir do inicio deste século ¢ que tem se ocupado em analisaro curriculo. Mas, antes de ir adiante, é necessittio um rapido comentiio de ordem nomenclatural, Refiro-me & denominagtio dessa érea mais recente e que muitas vezes € referida como Teorias do Curricula ou, como acontece em. boa parte da literatura anglo-americana, como simplesmente Currieula (Garricnlun), Seip. como for, penso que esse campo ainda nfio recebeu uma denominagio que seja suficientemente denotativa, quanto amplamente aceita pelos muitos especialistas que nele trabalham, Nao é dificil compreender que a propria expressio Teoria dt. no € adequada para indicar uma area de conhecimento, uum campo de saberes. Se fossemos seguira tradicio nomenclatural que se estabeleceu a partirdo século XVI, talvez falissemos em Criculegia.. Mas nfo hesito em dizer que essa palavra me soa mal, pelo menos por enquanto. outra rea que se estabeleceu a Alfredo Veiga-Neto ~ professor citular do Departamento de Ensino ¢ Cutriculo e do Proggrama de Pis-Gradeagio da Faculdade de Educagio da Universidade Federal do Rio Grande elo Sul. Gradaado em historia natural e musica, ¢ mestre em Genética e doucor em Edueagio. Nos iltimos anos, vem trabalhando numa perspectiva pos- esteuturalista — principalmente a pattie do pensamenso de Miche! Poucaule ~ sobre questdes relacionadas « Estudos da Ciencia, Cuericulo e Disciplinaridade. autor de sor che Critica picestrntarastae edacaga, iniimeros artigos e exp de liveos ¢ organi publcado em 1995 pela Fditora Sulina, E-mail: veigato@portoweb.combr 93 © siaticuio nos unasis po conrturonit, Meu objetivo, com as consideragdes acima, no é nem lamentar inexisténcia de uma “boa” denominacao para uma area de conhecimentos, nem sugerir que se deva despender esforcos no sentido de se chegar a um nome padrao para ela e nem, muito menos, propor alguma “solugio” para essa questio, Minha preocupagio é apenas delimitar o que pense, inicialmente, discutir neste texto ¢ tornar mais claro o elemento que quero conectar com a Historia: © proprio curriculo, enquanto artefato da educacio escolarizada inventado na passagem do século XVI para o século XVI. Assim, estarei aqui usando a expressio Teorias de Curriculo para designar um hoje amplo campo de conhecimentos que se vale ora da sociologia, ora da hist6ria, ora da pedagogia, ora da economia, ora da epistemologia, ora da lingitistica — e todas elas nas suas mais variadas escolas, tendéncias ou perspectivas — para desorever, analisar—¢, as vezes, infervirsobre— agilo que é tomado como contetido € pritica de uma cultura ¢ é trazido, explicita ou implicitamente, para ser ensinado na escola e que vem sendo designado, nos tltimos quatrocentos anos, de “curriculo”. ‘Ao pensar nas possiveis conexdes entre Curriculo e Historia, deparei- me com varias alternativas instigantes, Essas alternativas dividem-se em dois geupos. Tomando a Histéria como um dos polos da relaglo, pode- se colocar no outro pélo av © proprio curriculo —enquanto artefato—, ou as Teorias do Curriculo~ enquanto frea de conhecimento. Como exemplos do primeiro grupo, temos os promissores estudos que se agrupam sob a denominagao de Historia das Disciplinas, bem como aqueles outros que buscam descrever e interpretar a Histéria do Ensino dessa ou daquela disciplina, Numa perspectiva mais intervencionista, mas ainda nesse primeiro grupo, estio aqueles estudos que visam organizar ¢ avaliar diferentes propostas cutticulares para 0 ensino de His ria — como disciplina auténoma num curriculo = ou para a inclusfio de uma perspectiva historicista no ensino de outras disciplinas No segundo grupo temos, como exemplos, as estudos que discutem as modificagées que as diferentes concepgées curticulares 94 (Cutrcuio «aston: win conedio sanica, sofreram ao longo do tempo — fazendo aquilo que hoje se conhece sob a denominagao de Histéria das ‘Teorias de Curriculo —, bem como 08 estudos histéricos sobre os processos de transferéncia e importacio cultural das varias concepgées e teorias sobre o curriculo (Moreira, 1990, 1997; Morcita & Silva, 1994) Certamente, é possivel pensar em outzas alternativas alm das que brevemente enumerei acima e que, de certa maneira, constituem- se cm intersecgdes entre diferentes reas do conhecimento, ou “aplicagdes” de uma area sobre outra. Mas este pequeno texto nio pretende mapear fedas as atuais possibilidades de conexio entre Curriculo e Historia. Aqui, meu objetivo é mostrar que as conexdes entre essas duas areas podem set pensadas de varias maneiras e, a partir dai e por contraste, desenvolver algumas consideragdes sobre, especialmente, as possibilidades que 0 historicismo radical apresenta para os estudos sobre Currfculo — como artefato — € sobre a Teoria do Curriculo, Trata-se de possibilidades que so recentemente comegaram a ser exploradas na literatura sobre 0 Curriculo, por um ainda reduzido niimero de especialistas; também por isso, acho que pode ser de alguma valia fazer, ainda que de modo resumido, algumas consideragdes sobre clas. Antes de prosseguir, devo fazer duas ressalvas. Em primeiro lugar, nfo sou historiador nem pretendo desenvolver uma andlise filoséfica ~ ou epistemolégica, como quiserem alguns — sobre a Histéria. Muito daquilo que aqui é referido esta bastante relacionado com 0 que sé costuma denominar “Nova Histéria”, “Historia vista de baixo” etc. Mas nio tenho nem competéncia, nem fOlego ¢, nem mesmo, motivo para entrar, aqui, em maiores detalhes sobre as diferentes “razGes histéricas”. “ Os interessados: num primeiro contato com essas questOes, sob um ponto de vista filos6fien, podem consultar Domingues (1991). Sob o ponto de vista metodoligic eda propria Historia, sugio prineipalmente os dois primeiros capitulos em Burke (1992), 95 (O ctumicuto nos unses 90 conearonino Em segundo lugar, penso que no é adequado — no caso das articulagdes que aqui desenvolvo — falar em intersecaa0 ou apilcacio, uma vex que, como pretendo demonstrar, meu objetivo aqui é de estabelecer uma conexio que chamo de radical, ou seja, estabelecer uma conexio que, do ponto de vista do curriculo, historicamente tornou-se necessiria, indispensivel, constitutiva. Em outras palavras, isso significa que vou tomar o curriculo como um artefato escolar indissociavel das prdprias condigdes histéricas em que ele se estabeleceu as quais ele contribuiu para criar. Meu argumento & nio basta dizermos que o curriculo tem uma historia e que, pelo conhecimento dessa hist6ria, escrita “de fora para dentro”, poderemos compreendé-lo melhor. A questio principal é a historicidade do curticulo é da sua prépria cons sele ituigao, de modo que nio apen tem uma histéria como cle faz uma histéria. Dai advém uma conseqiiéncia da maior importincia: o historicismo radical nos leva a compreender o curriculo como um artefato escolar radicalmente comprometide com a prépria constituigao tanto daquilo que se denomina sijeito moderno quanto da propria noco moderna, iluminista, segundo a qual existe um Sujeito transcendental a ser “alcangado” pela pritica de uma razio critica, pela conscientizagio etc. Na medida em que 0 programa educacional moderno vé na educagio (escolarizada, principalmente) a principal via de acesso pata cada um de nds chegar perto desse Sujeito transcendental ~ qual um “modelo” dotado de razfio critica, discernimento, maioridade -, e na medida em que 0 historicismo radical nos leva a ver 0 curriculo por detris da constituicio do sajeto eda nogao de sijeta, tornam-se bastante vulnerveis as promessas educacionais iluministas Nesses termos, 0 curriculo adquire uma dimensio que em muito ultrapassa o que dele pensavam tanto @ teotizagio tradicional — de que sio bons exemplos o tecnicismo, a cagenhatia curticular ete. — quanto a teorizacio critica — como as Teorias da Reprodugio, a Pedagogia da Libertagio etc. % (Coutticuio c stom: una contaho mapicas Resumindo, lembro que a teorizacio tradicional centra o curriculo como uma questio primordialmente técnica, racionalista, no maximo epistemoldgica, enquanto que a teorizagio critica trata-o primordialmente como uma questio politica. Nos termos do historicismo radical, tudo isso € colocado sob “suspeita” e deslocado para um outro lugar, Dito de outra mancira, somos levados a pensar ateorizacio curricular segundo um registro bastante diferente daquele que tem sido usual na pedagogia moderna.” B esse outto registro que pretendo abordar, ainda que de modo sucinto, neste texto, Historicismos Para que fique mais clara a minha argumentacio, comecarei caracterizando 0 historicismo radical como aquele que assume a Historia como um a priori a partir do qual derivam os conceitos modernos de sujcito, razio, conscientizacio etc. ‘Trata-se de uma perspectiva que leva 2o limite aquilo que Stein (1981, p. 33) denominou “consciéncia histértica [como] um dos fendmenos mais decisivos de nossos tempos”. Nesse sentido, 0 historicismo radical despede-se dos «@ priori kantianos € procura colocar-se de fora das filosofias da consciéncia, vendo no apenas o sujeifo como um produto da Histéria, mas, também e sobretudo, 0 conceito de sujeito como uma invengio historicamente determinada. E, enquanto invencio, nio é um dado natural, seniio que € um problema a ser examit 1ado, problematizado, Justamente na medida em que a pedagogia moderna esta profundamente enraizada no pensamento kantiano — c, por conseqiiéncia, também a teorizacao curricular (seja ela de cunho conservador ou progressista) ~, e na medida em que © historicismo radical no reconhece os pontos de partida daquele pensamento — 0 sujeito, 2 razao etc, considero particularmente interessante examinarmos essa nova perspectiva. Além disso, as contribuigdes dos Paca uma rovisio sobre essas questées, vide Silva (1996), Popkewitz (1994) e Veiga Neto (1997). 97 © custcuto nos umes vo contenrorineo poucos fildsofos, historiadores, socidlogos e pedagogos que, nas jiltimas trés décadas, vém desenvolvendo suas andlises e sugestdes na perspectiva do histoticismo radical tém se mostrado instigantes € produtivas. Como sabemos, convencionou-se chamar de estudos pés- estruturalistas todo esse conjunto de anilises desenvolvidas fora do enquadramento iluminista, Mas, para compreendermos melhor o que esti fora do quadro, é preciso, antes, conhecer o quadro... Em que consiste, afinal, esse enquadramento? Essa é, sem divida, uma questo bastante ampla ¢ dificilmente eu poderia dar conta dela neste carto espago, Assim, limitar-me-ei a discutir apenas os elementos que julgo mais importantes para o tema central deste texto. Para tanto — e de uma maneira muito simplificada -, podemos recorrer a um “aspecto” do pensamento kantiano como o principal alicerce sobre © qual se construira o pensamento (filosdtfico, pedagdgico, politico ¢, em boa medida, sociolégico) nos dois tltimos séculos. Lembremos que Kant havia transformado a questo cattesiana do “quem sou?” em que 0 agi é o ponto de putida pat teflento ¢, por conseguinte, a Filosofia adquire um acento psicoldgico-, numa questio muito mais ample: “quem sou en (agora, aqui ete)?” Em outras palavras, Kant historiciza o sujeito. Mas, mesmo assim, cle continuow tomando 05 universais antropoldgicos como naturais (¢, por isso mesmo, universais). E, também por isso mesmo, filésofo alemio parte do sujeito, quando pensa sobre o mundo; se quisermos um r6tulo, talvez se possa dizer que se trata de uma filosofia antropolégica (Rajchman, 1987) O historicismo radical vai além e, ao mesmo tempo, coloca aquela questio kantiana num outro registro. Ao contririo do que Popkewitz (1994) chama de historicismo tradicional, cle parte das contingéncias histéricas) para tentar compreender nfo apenas “quem sou eu (agora, © Em Veiga-Neto (1995), hd varios exemplos de estudos feitos no Brasil em campos tio dliversifieados como consteutivismo, educago ambiental, politiea edueacional, trabalho cocente, educagio popular, educagio e génerc). Em Silva (1994), enconteam-se trabalhos esenvalvidos também em outros paises 98 (Ciutticue esrons: wis consdio tanica aqui etc)” como, ainda, “como eu me constitui (enquanto sujeito)" e, mais, “por que eu penso sobre mim mesmo como sujeito”; ou, dito de outra mancira, “de onde vem o coneeito de syjeto”. Por isso, 0 que se apresenta em primeiro lugar nao ¢ a reflexao abstrata — ou idealista, ou epistemolégica, ou politica etc, — a partir de um suposto sujeito nem desde sempre dado (cartesiano), nem historicamente produzido (kantiano, marxiano etc.). Nesse novo historicismo, © que se coloca em primeiro lugar € a anilise das priticas (discursivas e nfio-discursivas), para a partir dai derivar aquilo que pensamos ser um sujeito ~ quer naturalmente, quer historicamente—-humano, Nesse caso, entio, é preciso examinar, sempre ¢ em cada caso particular e concreto, como se estabelecem esas ou aquelas priticas, como se organizam esses ov aqueles enunciados, como se articulam esses ow aqueles poderes e assim por diante. E claro que se pode dizer que, no historicismo tradicional, as priticas sio também examinadas; mas o que é importante frisar € que, para o historicismo radical, esse exame é mais do que importante: ele € 0 ponto de partida. Ennunca é demais repetiz: sero ponto de partida, isto é, tomar o histdrico como um a priori, significa nao deixar nada — nenhum pressuposto, nenhuma possibilidade, nenhuma transcendéncia, nenhum “ruido de fondo” por detrés dos acontecimentos, a no ser outros € outros acontecimentos. E, nio havendo mais nada por detris dos acontecimentos, nenhum motor, nenhuma intengio metatisica, nenhuma estrutura subjacente, também nfo hi nenhum destino a ser cumprido, nenhum ponto de chegada, nenhum fim para a Histéria. Consequéncias Sao muitas as conseqiiéncias dessa verdadeira inversio de perspectiva trazida pelo historicismo radical. Entre todas elas, a que me parece mais imediata, ampla e importante no contexto da teorizagio educacional e, mais especificamente, no contexto da teorizacio curricular, é 0 novo papel que é atribuido 4 linguagem. Vejamos isso resumidamente 99 (O aumicuto nos uses 00 conrturorinto Como procurei deixar elaro, nessa inversio o centro das analises se desloca dor sujeitos para as priticas. Sto as priticas entio que, em tiltima instincia, constroem os significados das “coisas do mundo”, ou seja, “as coisas do mundo” — objetos, fatos, entidades etc. ~ nfo tém significado por si s6, mas sio injetados de significados pelas priticas e, s6 depois disso, adquirem algum sentido para nés. Assim, ‘© que mais importa é saber como so feitas tais injecdes de significados. Aqui é preciso reconhecer 0 tributo devido a Michel Foucault. Em seu polémico As palavras e as enisas (Foucault, 1992), 0 filbsofo francés mostra como nos constituimos, na modernidade, enquanto sujeitos de saber. Para tanto, ele analisa as trés dimensdes — quais trés faces de um prisma triangular — em que nos constituimos como ser de linguagem, de economia e de vida, Sao essas trés faces que nos limitam enquanto sujeitos modernos ¢ que nos levam a assumir implicita ¢ resignadamente nossa finitude. Asim, Foucault “pressupée com nitidez que © sujcito aio & a condigfio do saber, mas que o saber acerca do sujeito € uma das formas histéricas através das quais a experiéncia subjetiva é constituida” (Rajchman, 1987, p, 87). B dado que a experiéncia se da pela linguagem, © deslocamento operado pelo historicismo radical conecta-se com o que se convencionou denominar rirada lingistic, Ao invés de ser vista como a propria esséncia das coisas ou como representaciio das coisas, a linguagem passa a ser entendida como constituidora das coisas ¢, enquanto tal, como préprio objeto de conhecimento. Com isso, 0 que interessa no é pensar se as coisas tém, on nfo, uma esséncia ¢/ ou uma realidade real, estavel ¢ independente de nés, seni las no significado que adquirem para nds 0 € pens Podemos buscar um exemplo disso, bastante conhecido, na obra de Philippe Ariés ¢ sua equipe. Eles nos mostraram que a infiincia — 20 contririo de ser simplesmente uma fase (biol6gica ¢ psicolégica) do desenvolvimento humano ~ é um conceito curopeu, construido histérica e discursivamente a partic do Renascimento, 100 (Cuiticuto estén: yaa conto mapa ‘Temos outro exemplo, agora cenural para este texto, nos dispositivos disciplinares que se engendraram a partir do fim da Idace Média e que foram em parte capturados pela nova institui¢ao que ora se constituia — a.escola moderna — ¢ foram organizados sob a denominagio genética de curriculo, Examinar qualquer curriculo numa perspectiva qpenas racionalista, epistemoldgica e até mesmo politica revela um esquecimento acetca das priticas discursivas e nio-discursivas que, desde os séculos XV e XVI, vém se combinando, com avangos e recuos, ¢ que deram, como resultado, as muitas concepgées e configuragées curriculares que temos hoje. Na perspectiva do historicismo radical, examinar um curriculo ~ ou teorizar sobre Curriculo — implica resgatar praticas esquecidas, documentos obscutos, discursos ja silenciados, sum minucioso processo de remontagem genealdgica que nos leva a compreender tanto outros sistemas de pensamento quanto as continuidades e descontinuidades histdricas que se sucederam até aquilo que hoje temos € até aquilo que hoje somos. Enquanto aquelas outras perspectivas estavam preocupadas com uma analitica da verdade, o historicismo radical volta-se para uma ontologia do presente. Falar em ontologia do presente aponta para duas questdes importantes, Uma delas soa quase como um trufsmo: é 0 fato de que uma ontologia do presente coloca em jogo tudo aquilo que se passa no mundo agora, Abandonadas 4s metanarrativas modernas que fancionam como esqueletos de referéncia para nosso entendimento do mundo, ficamos face a face com os sentidos que damos ao que existe no mundo. F por isso que 0 curriculo -- entendido como um artefato que ao mesmo tempo éag, para a escola, elementos que existem no mundo e aia, na escola, sentidos para 0 mundo — passa a ser visto como ocupando uma posiciio central nos processos de identidade social, de representaco, de regulacio moral.” A outra questio que quero salientar esta intimamente ligada com aanterior. Trata-se do fato de que tudo aquilo que se passa no mundo deve ser visto € entendide naquilo que é ¢ nos significados que tem ™ Pasa detalhes sobre essas questdes, vide Silva (1996) 101 (O ‘utiauto wos mates 90 conrenPorine para nés, jamais como um sinal de prygresso—em relacio a um suposto inicio — ou decadéncia — em telagio a um suposto modelo melhor que deixamos de ser ou 0 qual ainda nao atingimos, E porisso que perdem sentido, numa perspectiva histérica radical, as diades otimismo — pessimismo, ascensfio — declinio. Assim, 0 que se apresenta niio é julgar qualquer artefato cultural, qualquer pritica social, qualquer discurso sobre 0 mundo em fungio de um ideal que foi perdido ou que ainda nfo foi alcangado, em fungio de um diferencial a um modelo imaginado ou desejado, O que interessa é compreender os artefatos, as priticas € os discursos a partir de suas respectivas his geneal6gicas. Tudo tem de ser problematizado, até mesmo os modelos idealizados... E. s6 depois disso — € se for 0 caso... — parte-se para tentar montar novas estratégias de mudanga. E. por isso que, no lugar da grande revolugao, Foucault nos fala das peguenas revoltas didvias. ‘Orias Para professores € professoras de Histéria — ¢ nao importa em que grau de ensino -, isso tudo implica mudangas significativas, no campo curricular, que aqui eu agrupo sob as denominagiies de guesties de escolba c questies de fundo, Saber quais contetidos hist6ricos incluir neste ou naquele curriculo é por exemplo, uma questo de esroiba. B, claro que a pertinéncia dos contetidos & um problema curricular que se apresenta sempre, independentemente de como entendamos o curriculo, Numa perspectiva tecnicista, saber se um conteiido C, é importante c se cle precede necessatiamente um contetido C, — e, em caso afirmativo, como proceder para incluir C, no curriculo ~ é um problema que se resolve desde que sc dominem alguns conhecimentos técnicos e de metodologia do ensino. Numa perspectiva cognitivista, uma pergunta como essa vai buscar resposta na psicologia (do desenvolvimento, da aprendizagem ctc.). Numa perspectiva critica, o que mais importa é saber se os contetidos C, ¢ C, sfio importantes para a formacio do pensamento critico, para a conscientizagio, para a iluminagiio do sujeito e, em tiltima andlise, para a sua libertagdo. E certamente podemos até pensar numa combinacio desses elementos dos quais resumidamente dei exemplos. 102 Cusicuie esto edi ean Naperspectiva do historicismo radical, um determinado conteido € pertinente a medida que ele implique um melhor reconhecimento daquilo que somos e daquilo que nos determina e, se for 0 caso, uma mais cficaz rejei¢ao dos constrangimentos ¢ assimetrias a que nos submetemos scjam, cles ¢ elas, de ordem moral, econémica, religiosa etc, Mas, ao contratio do que nos prometia o pensamento iluminista, Jio existe mais a promessa de um lugar de liberdade e maioridade a que um dia possamos chegar, nem mesmo assintoticamente. Por mais 1, jamais chegaremos a Liberdade, se a pensarmos como um lugar ou um tempo futuro em que nos livrarfamos dos constrangimentos, Isso nos leva ao que denominei questies de fendo, que possa a Educaga De fato, ligadas as questdes de escolha, estio as questdes de fundo. No caso do ensino das ciéncias humanas, esse novo fando sobre 0 qual se movem professores e professoras assume importincia capital. Questées como liberdade, engajamento politico, ética, verdade (historia, epistemoldgica etc), agenciamento, papel do intelectual, ctitica e conscientizagiio tém de ser repensadas mum novo registro. ‘Mas no ha como, neste texto, desenvolver tais questoes que, de resto, ainda estio sendo problematizadas, reformuladas, redimensionadas. Seja como for, na auséncia das promessas iluministas que nos alimentaram nos dois tltimos séculos, temos de inventar novas manciras de pensar de viver. Como muitos jd demonstraram, isso niio significa cair no niilismo ow na regra do “tudo vale”, seniio que preciso tanto examinar os avancos que tém sido feitos pelo historicismo radical, quanto deixar de fazer de conta que 0 processo histotico é progressivo, continuo, teleolégico e que estamos ocupando 0 pice desse proceso. 103 (© sulcus nos umatts 90 conrenrorinto Referéncias bibliograficas BURKE, Peter (ory) A esrite da Histria:notas perpetivas. Sao Paulo: UNESP, 1992. DOMINGUES, Ivan. O gra ge70 do conbecimerte: « problema da fndamentyo das citmias fumanas. Sao Paulo: Loyols, 1991. FOUCAULT, Michel. As pudaoras¢ as evisas. lo Paulo: Martins Fontes, 1992 MOREIRA, Antonio Tavio B, Curricula e prgrams wa Brasil, Campinas: Papirus, 1990, (ong) Curious gueteatnait. Campinas: Papinus, 1997, SILVA, T.T. Sociologia ¢ Teoria Critiea do Currienlor uma introduc. dr Crrien, ‘nlara » scedade, Sto Paulo: Cortez, 1994. p. 7-37, POPKEWITZ, Thomas. Histéria do curricuto, regulagio social e pader, bn SILVA, 1." sxe da dcop: extedosfucantones. Pesos: Vozes, 1994, p. 173-210, RAICHMAN, John. Fawaule a Uberdade da Filesyia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987, SILVA, Tomaz Tada (org) 0 sy deed: etudosfoncantions, Ptedpolis: Vazes, 1994, Hentidaies trninais, Perzopolis: Vozes, 1996, STEIN, Fenilda, Histvieeidtelagia: Porto Alegre: Movimento, 1981. VEIGA.NETO, Alfredo (ong) Cticapirestraurabita eetuogia, Porto Alegre: Sulina, 1995, Curriculo e ieerdiscipinaridade, rs MOREIRA, A. F.B. (org) Cured quests ‘ats, Campinas: Papiras, 1997 ‘Nota: Uma primeira versio deste texto subsidion 4 paeticipagio do autor no III Encontro Estadual de Histiria, promovido pela Associagio Nacional de Historia, na PUCRS, Porto Alegre, em: setembro de 1996. 104

You might also like