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Reviste Pete, Rda-—as, BB /O2/ MK Os surdos aprendem melhor nas escolas especiais ou regulares? Kagwor?, L.; LoPEs, M.c. Pitbo:Entine Findamertal, Grego A. “"Ndo é somente 0 espaco que determina que os surdes aprendam, sejam incluidos e também se socializem, mas as condigdes para firmar um contrato comunicativo e pedagégico” ‘Aprender na escola”. Tal enunciacéo, aparentemente simples, exige que nos debrucemos sobre © que significa aprender na contemporaneidade. Também significa, J4 que se trata de pensar a educac3o de surdos e a aprendizagem, de estranhar por que pessoas surdas nao esto aprendendo na escola. Uma das primeiras tices que aprendemos como docentes & que os sujeitos devem ser conduzidos & aprendizagem que todos podem aprender, mesmo que em tempos ¢ espacos diferentes ou sob condicées distintas. Néo ha razies para que os surdos no aprendam na escola se nela forem oferecidas as condicées para tal aprendizado, Para abordar esse tema, propomos uma discussao sobre a aprendizagem na educacéo de surdos, a experiéncia de ser surdo na escola e as linguas na educacdo de surdos. Cabe inicialmente destacar que a Convenco das Na¢ées Unidas sobre 0s Direltos das Pessoas com Deficiéncia postula que tais individuos tém o direito de usufruir plenamente dos direitos humanos, Nesse sentido, os direitos humanos das pessoas surdas envolvem acesso & lingua de sinais ¢ © reconhecimento dessa lingua, a aceitacdo e 0 respeito identidade Linguistica e cultural de pessoas surdas, a educacdo bilingue, a oferta de intérpretes de linguas de sinais e recursos de acessibilidade. 0 relatério intitulado Deaf people and human rights (Haualand e Allen, 2009) reuniu dados quantitativos qualitativos em 93 paises, incluindo 0 Brasil, com o objetivo de verificar as condicées de vida de pessoas surdas, tendo como referéncia os direitos humanos. Resultados desse relatério apontam que relativamente poucos paises negam as pessoas surdas acesso a. educacio, aos servicos piiblicos ou ao exercicio da cidadania, tendo como base apenas a surdez. No entanto, aspectos como a falta de reconhecimento da lingua de sinais, a caréncia de educacao bilingue, 2 disponibilidade timitada de servicos de interpretacdo e a generalizada desinformacao da sociedade sobre a situacdo e as condicées de vida das pessoas surdas na maioria dos paises mantém esses sujeitos privados do acesso a amplos setores da sociedade e do exercicio da cidadania (Karnopp, 2013). Implicadas na efetivacdo da aprendizagem esto variéveis que englobam também o tipo de escola e de modalidade de ensino, 0 desenvolvimento linguistico-cultural de todos os envolvides nos processos de censino-aprendizagem, a concepcao que os docentes e os préprios sujeitos surdos tm da surdez e de si mesmos, 03 dominios de saberes pedagigicos, as concepeées histéricas de escolas e de modalidades de tensino, entre outras. Também nas discusses acerca da aprendizagem escolar esta implicada a nocéo de ‘experiéncia, uma experiéncia que deve’defxar para trés a nocéo de experimentos metodolégicos para ‘abarcar atravessamentos matores envolvides em uma dimens3o maior do que vem a ser a experiéncia da surdez e/ou do quem vem a ser a experiéncia educacional-pedagégica com sujeitos surdos (Lopes, 2011). ‘A aprendizagem decorre da experiéncia vivida, nesse caso, na escola. Entendemos experiéncla como um Conjunto de préticas que, ao se articularem em torno da surdez e dos individuos, acabam por constitu los e constituem a prépria experiéncia de ser surdo © aprendiz. Trata-se de uma experténcia inventada no interior das prticas nas quats estamos inseridos. Inventada porque a experiéncia nio preexiste &s relacdes, As normativas legais, discursivas e comportamentals, tampouco aos espacos. Elas so 0 resultado de tenses geradas na convivéncia com 0 outro e nas relacées que 0 individuo mantém com ele mesmo. Entéo, voltemos & aprendizagem, mas pensando-a no intrincado jogo das experléncias educacionais pedagégicas vividas nas escolas. Muitas s80 as teorlas que conceituam aprendizagem; porém, qualquer luma delas determina que, para aprender, ¢ preciso partir da nocdo de um sujelto agente, ou seja, um sujelto ativo sobre si mesmo. Um sujeito agente e acdes pedagigicas estratégicas sdo condicées para que sejam mobilizados processos de ensino-aprendizagem em um ambiente adequado. No caso da aprendizagem de alunos surdos, além das condicées exigidas para qualquer acéo pedagégica, também estio colocadas as condigdes escolares, linguisticas ¢ culturais de todos os envolvides no contexto da escola para que a comunicacéo entre surdos e entre surdos e ouvintes aconteca de modo a desafiar os individuos a se desenvolver e aprender, permitinde-se que os docentes possam exigir dos alunos a dedicacdo de que estes necessitam para aprender. Entender o individuo surdo a partir de um contexto no qual a surdez néo é um limitador, mas um traco que pode estar associado as experiéncias visuais e a um vasto repertério de priticas linguistico-culturais desafiadoras € potentes para o desenvolvimento, é condi¢ao para se preparar para ser docente. Portanto, nao é somente o espaco em si que determina todas as varidveis para que os surdos aprendam, sejam incluidos e também se socializem na escola, mas as condicdes dadas para firmar um contrato ‘comunicativo e pedagégico é o que determina a qualidade da experiéncia escolar surda. Destacamos ainda que espacos educacionais adequados as criancas surdas requerem que se considere a aquisicéo da linguagem nesse processo. A aquisicio da lingua de sinais precisa ocorrer com os pares surdos, em companhia de professores surdos ou professores ouvintes bilingues, em um ambiente que considere a Lingua de sinais como primetra lingua. Esse € 0 modo de acesso e imerséo linguistica que favorece a constituico de uma lingua no sujeito, condicdo primeira para tantos outros aprendizados, Na escola regular, pode haver aprendizagens surdas, assim como na escola para surdos. Porém, tal afirmagio é perigosa se considerarmos uma disputa académica e profissional por quem tem razo na conducdo dos individuos ~ aqueles que defendem praticas bilingues e bculturais para os surdos em escolas de surdos e aqueles que defendem a incluséo. Fora de tal impasse reducionista, o que parece estar em Jogo so entendimentos e concepeées histéricas de normalidade. Se a normalidade for definida 8 partir de referentes audiolégicos, a surdez seré uma deficiéncia que incapacita e fragiliza aqueles que dela sofrem, independentemente do tipo de escola. Se a normatidade for definida a partir de referentes antropoligicos, identitérios e Uinguisticos, a surdez seré uma experiéncia visual que agrega poténcia as formas de vida surda e de ser surdo. Eis ai o problema central — a partir do qual nos posicionamos para olhar e narrar o outro surdo. Por fim, o stogan “Nada sobre nés, sem nds”, defendido pela Federacdo Mundial dos Surdos, convoca-nos 1 pensar sobre a importincia de incluirmos nas discussdes sobre os espacos de escolarizacdo de surdos os préprios surdos. A Federacéo Nacional de Educacao e Integracdo de Surdos traz para o primeiro plano de discussio as propostas de escolas de surdos e da educacao inclusiva, ambas construidas por especialistas surdos em educacio. Tals propostas defendem o contato com pares usuarios da mesma lingua e a atuagao de pro?ssionais bilingues nas escolas, entre outras condigdes que garantam desenvolvimento, aprendizagem e participacdo surda de qualidade na escola — sejam elas bilingues para surdos ou em escolas regulares. Lodenir B. Karnopp & doutora em Letras Linguistica e professora do Departamento de Estudos Especializados e do Programa de Pés-Graduacao em Educacao da UFRGS. lodenir.karnopp@ufrgs.br ‘Maura Corcint Lopes é doutora em Educacdo € profescora do Programa de Pés-Graduacdéo em Educacao da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). maurac@terra.com.br REFERENCIAS HAUALAND, H.; ALLEN, C. Deaf people and human rights. Finland: World Federation of the Deaf and ‘Swedish National Association of the Deaf, 2009. Disponivel em: . KARNOPP, L.B. Produces culturais em Lingua Brasileira de Sinais (Libras). Letras de Hoje, v. 3, p. 407-413, 2013. LOPES, M.C. Surdez e educacdo. 2.ed. Belo Horizonte: Auténtica, 2011.

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