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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Filosofia e Teologia


Departamento de Filosofia

Givano Irineu Marques Junior

POLÍTICA E NATUREZA HUMANA EM THOMAS HOBBES

Belo Horizonte
2022
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Instituto de Filosofia e Teologia
Departamento de Filosofia

Givano Irineu Marques Junior

POLÍTICA E NATUREZA HUMANA EM THOMAS HOBBES

Trabalho de conclusão de curso apresentado à


disciplina Projeto de Pesquisa II do Curso de
Filosofia do Instituto de Filosofia e Teologia da
PUC Minas.

Orientador: Prof. Dr. João Lino Gomes

Belo Horizonte
2022
Givano Irineu Marques Junior

POLÍTICA E NATUREZA HUMANA EM THOMAS HOBBES

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto


de Filosofia e Teologia da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais como requisito parcial para
obtenção do título de bacharel em filosofia.

_______________________________________
Prof. Dr. João Lino Gomes - PUC Minas (Orientador)

_______________________________________
Prof. Dr. (Banca Examinadora)

_______________________________________
Prof. Dr. (Banca Examinadora)

Belo Horizonte
__/__/__
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar a teoria política-filosófica de
Thomas Hobbes expressa em suas obras Leviatã e Do cidadão. Para melhor
elucidar a nossa análise, pode-se dizer que nesse artigo, buscaremos apresentar
uma possível resposta para as seguintes perguntas: O que é o estado de natural
hobbesiano? Como o britânico caracteriza as leis naturais e civis? E, do mesmo
modo, como ele conceitua o direito natural, a liberdade humana e o poder de
vontade corporal? Por fim, como ele articulou tais conceitos para justificar a
existência do Estado civil soberano? Para responde-las, no primeiro capítulo
apresentaremos a forma como Hobbes problematizou o estado de natureza,
refletindo sobre as paixões humanas, priorizando dentre elas, o sentimento do
medo. De todos os impulsos naturais, o medo é aquele que ganha destaque na
teoria política hobbesiana, podendo ser considerado o ponta pé inicial, para que os
homens deixem o Estado de Natureza para viverem em sociedade. No segundo
capitulo, vamos comentar a forma como o autor conceituou as leis e os direitos
naturais, a liberdade e a vontade humana. Em suma, as leis naturais são imperativos
que, fundamentados na razão, funcionam como base para a elaboração das leis
civis que, por sua vez, possibilitam a efetivação do poder soberano. Todavia, as leis
naturais só serão efetivas a partir da realização do contrato social. O contrato, por
sua vez, só será legitimo se for capaz de atingir a sua finalidade original, isto é, a
proteção e o bem estar de todos os seus associados. Por fim, buscaremos tratar
das leis civis, a organização do estado e como os dois termos, lei natura e lei civil,
se distinguem.
Palavras-chave: contrato social; direito natural; estado civil; estado natural; lei da
natureza; lei civil; liberdade humana; Vontade.
ABSTRACT

This work aims to present the political-philosophical theory of Thomas Hobbes


expressed in his works Leviathan and On the Citizen. To better elucidate our
analysis, it can be said that in this article, we will seek to present a possible answer
to the following questions: What is the Hobbesian state of nature? How does the
British characterize natural and civil laws? And, similarly, how does he conceptualize
natural law, human freedom and the power of bodily will? Finally, how did he
articulate such concepts to justify the existence of the sovereign civil state? To
answer them, in the first chapter we will present how Hobbes problematized the state
of nature, reflecting on human passions, prioritizing among them, the feeling of fear.
Of all the natural impulses, fear is the one that stands out in Hobbesian political
theory, and can be considered the starting point for men to leave the State of Nature
to live in society. In the second chapter, we will comment on the way the author
conceptualized natural laws and rights, freedom and human will. In short, natural
laws are imperatives that, based on reason, work as a basis for the elaboration of
civil laws that, in turn, enable the realization of sovereign power. However, natural
laws will only be effective from the realization of the social contract. The contract, in
turn, will only be legitimate if it is capable of achieving its original purpose, that is, the
protection and well-being of all its associates. Finally, we will try to deal with civil
laws, the organization of the state and how the two terms, natural law and civil law,
are distinguished.
Keywords: social contract; natural law; marital status; natural state; law of nature; civil
law; human freedom; Will.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7
2 A CONDIÇÃO HUMANA COMO PONTO DE PARTIDA PARA O
ENTENDIMENTO DA POLÍTICA HOBBESIANA. ...................................................... 9
2.1 O estado natural .................................................................................................. 10
2.1.1 O estado de natural é histórico ou imaginado? ................................................ 11
2.1. 2 O estado natural é pacífico ou belicoso?......................................................... 12
2.1. 3 O estado de natureza é um estado de isolamento ou social? ......................... 14
3 A LEI E DIREITO NATURAL ................................................................................. 17
3.1 Da primeira a terceira lei da natureza ................................................................. 20
3.2 Da quarta a sexta lei da natureza ........................................................................ 22
3.3 Sétima e oitava leis da natureza ......................................................................... 24
3.4 Da nona a décima terceira lei a natureza ............................................................ 25
3.5 Da Décima quarta a décima sexta lei da natureza .............................................. 26
3.6 Da décima sétima a vigésima lei da natureza ..................................................... 27
4 A ORIGEM DO ESTADO CIVIL, CONTRATO SOCIAL E AS TRÊS FORMAS DE
GOVENO .................................................................................................................. 28
4.1 A origem do estado civil ...................................................................................... 28
4.2 Lei civil e contrato social...................................................................................... 29
4.3 As formas de governo em Hobbes ...................................................................... 32
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 34
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 37
1 INTRODUÇÃO

Thomas Hobbes foi um pensador britânico que conseguiu formular um


pensamento original, conciliando as perspectivas absolutistas com as análises
contratualistas. A sua reflexão tornou possível o desenvolvimento da ciência política
moderna, pois pioneiramente se distanciou de uma abordagem teológica-idealista,
buscando justificar o estado segundo as condições da natureza humana. Com a sua
iniciativa, assumimos a responsabilidade por nossa estruturação de poder, tornamo-
nos protagonistas de nossas relações e somos estimulados a devolver um contrato
social que tenha como finalidade a integração social e o bem comum. É justamente
por suas contribuições político-filosóficas e originalidade reflexiva que fomos
motivados a elaborar esse artigo. Em suma, neste trabalho, apresentaremos a teoria
humanista de Thomas Hobbes (1588-1679) e como ela se interconecta com a sua
filosofia política.
Hobbes teve uma vida intelectual marcada por uma intensa dedicação
reflexiva aos problemas políticos enfrentados na sua época. Estuda-lo nos possibilita
um melhor entendimento sobre o contexto histórico da Inglaterra do século XVII, a
origem do pensamento político-moderno e como se manifestava a relação de poder
entre os servos e os soberanos. Dos seus escritos, algumas obras e artigos se
destacam, tais como: A Discourse of Laws (1620), De Mirabilis Pecci (1636), A Short
Tract on First Principles (1630), Elements of Law, Natural and Politic (1640), De
Motu, Loco et Tempore (1643), Human Nature: or The fundamental Elements of
Policie (1650), Of Libertie and Necessitie, a Treatise (1654), De corpore (1655) e
tantos outros que manifestam o valor de suas reflexões políticas. Embora todos seus
escritos tenham grande importância, em nossa pesquisa alguns terão maior
enfoque, principalmente por expressarem melhor o tema que nos propormos a
desenvolver.
Como base para esta pesquisa e principal fonte utilizaremos as obras Do
cidadão (1642) e Leviatã (1651). As duas, apresentam o mesmo conteúdo filosófico,
todavia, a primeira expõe a teoria jusnaturalista com maior erudição linguística,
enquanto a segunda, aborda a temática de maneira mais técnica. Esse justamente
foi um dos principais objetivos de Hobbes ao elabora o Leviatã, isto é, possibilitar
que a sua reflexão se tornasse mais acessível e explicar com mais clareza alguns
pontos que passaram despercebidos no Do cidadão. Conforme nos explica
(RIBEIRO, 1994. p. XXXI-XXXII):
O Leviatã é uma grande obra de resumo, que envereda por temas que
Hobbes ignorou no livro anterior, mas que já pertenciam a sua reflexão.
Escrito em inglês, visa diretamente a um público mais localizado
geograficamente (ninguém conhece essa língua fora das Ilhas Britânicas) e
menos erudito, ao passo que Do Cidadão, publicado em latim, atinge um
público especializado e europeu. É isso o que explica o estilo quase de
"almanaque" que em certas passagens o Leviatã adquire.

Por esse motivo, as duas obras receberão destaque neste artigo, todavia, a
primazia teórica será do livro Do cidadão. Porém, quando for necessário, o Leviatã
será usado para justificar ou melhor elucidar as passagens da obra Do cidadão
Neste estudo, a perspectiva antropológica hobbesiana, articulada com a sua
formulação política, será explicitada. Para isso adotar-se-á um levantamento prévio
de textos de outros filósofos e comentadores, que retratam em suas obras a
perspectiva antropológico-política hobbesiana. Dentre eles, podemos citar: Renato
Janine Ribeiro, Quentin Skinner e Norberto Bobbio.
Seguindo esse roteiro, nosso estudo terá uma divisão que ocorrerá da
seguinte forma: Primeiro vamos tratar da percepção antropológica de Thomas
Hobbes. Nesse sentido, buscaremos explicar conceitos chaves que fundamentam o
pensamento do filosofo sobre essa temática, tais como: estado de natureza, estado
civil, paixões naturais, autopreservação e vontade. Em seguida, apresentaremos a
sua reflexão política, guiando-nos por meio da exposição dos seguintes conceitos:
lei e direito natural, leis civis, justiça distributiva e comutativa, liberdade, soberano e
contrato social. Esclareceremos, por fim, como essas duas análises (antropológica e
política) se relacionam em sua justificativa para a instituição de um estado soberano.
2 A CONDIÇÃO HUMANA COMO PONTO DE PARTIDA PARA O

ENTENDIMENTO DA POLÍTICA HOBBESIANA.

No seu livro Do cidadão, Thomas Hobbes apresenta uma análise da natureza


humana, que busca superar os desafios impostos pela modernidade, lançando luzes
para o desenvolvimento de uma nova compreensão das conjeturas políticas que
surgiam nesse período, como por exemplo, o desenvolvimento do humanismo
moderno, a transição do sistema feudal, para o capitalista (marcado pela separação
dos poderes políticos e econômicos), a ascensão dos regimes monárquicos e,
paralelamente, da burguesia; a descoberta das terras do novo mundo, que
possibilitou o contato intercultural da sociedade europeia com os povos ameríndios.
Segundo o filósofo, somente quando conhecermos verdadeiramente as limitações
da natureza humana, aquilo que antecede o pensar racional, é que poderemos
desenvolver ações concretas para a superação de suas mazelas.
Sendo assim, a natureza humana deve ser analisada em sua completude,
nada pode ser desconsiderado; suas paixões, impulsos e sentidos devem servir de
ferramentas para o desenvolvimento de nossas relações sócio-políticas. Em suma, a
problemática encontra-se justamente em refletir sobre a origem do governo civil e da
justiça; para assim, desenvolver um método racional que consiga estabelecer uma
relação harmônica entre o sujeito e o coletivo; em que o cidadão é orientado a abrir
mão de sua individualidade natural para se submeter às relações públicas e, assim,
preservar o bem comum. Como Hobbes nos esclarece:
Pois, assim como num relógio, a matéria, a figura e movimento das rodas
não podem ser bem compreendidos, a não ser que o desmontemos e
consideremos cada parte em separado – da mesma forma, para fazer uma
investigação mais aprofundada sobre os direitos dos Estados e os deveres
dos súditos, faz-se necessário – não, não chego a falar em desmontá-los,
mas pelo menos, que sejam considerados dissolvidos, ou seja: que nós
compreendemos corretamente o que é a qualidade da natureza humana, e
em que matérias ela é e em quais não é adequada para estabelecer um
governo civil; e como devem dispor-se entre si os homens que pretendem
formar um estado sobre bons alicerces. (HOBBES, 1992, p. 15-16).

Nesse aspecto, o homem, deve ser capaz de reconhecer as suas fragilidades


naturais, para superá-las racionalmente e instituir a ordem pública. Para Hobbes, a
política não se desenvolve como uma pré-disposição natural, ou por meio de uma
inspiração e/ou auxilio divino, mas pelo esforço humano que, para evitar um conflito
natural de todos contra todos, se abstém de seus interesses individuais e institui a
sociedade através do contrato. O homem, desse modo, torna-se responsável pelo
seu destino social; nesse sentido, o estado, assim como qualquer outra forma de
associação humana é originado artificialmente, por uma necessidade natural de
autopreservação. “[...] A origem de todas as grandes e duradouras sociedades não
provém da boa vontade recíproca que os homens tivessem uns para com os outros,
mas do medo recíproco que uns tinham dos outros”. (HOBBES, 1992, p. 32). Nesse
sentido, Hobbes propõe a elaboração de um sistema ético-racional, separado
terminantemente da teologia e capaz por si mesmo de assegurar a universalidade
dos princípios da conduta humana (BOBBIO, 1994).
Assim, pode-se constatar que um dos principais objetivos do filosofo britânico,
em suas obras Leviatã e Do cidadão, é justamente, encontrar um método científico,
capaz de estabelecer um verdadeiro código de conduta moral; que possa ser
aplicado, sem a desconsideração dos impulsos naturais humanos, subjugando-os
através da racionalidade, em vista do bem estar social. Assim Hobbes declara:
Portanto, a verdadeira razão é uma lei certa, que (já que faz parte da
natureza humana, tanto quanto qualquer outra faculdade ou afecção da
mente) também é denominada natural. Por conseguinte, assim defino a lei
da natureza: é o ditame da reta razão no tocante àquelas coisas que, na
medida de nossas capacidades, devemos fazer, ou omitir, afim de
assegurar a conservação da vida e das partes de nosso corpo. (HOBBES,
1992, p. 44).

Em sua totalidade, Hobbes formula vinte leis naturais, que se relacionam e


podem ser resumidas nas três primeira1. São máximas para o desenvolvimento e
estruturação do ambiente social. Para compreendê-las, devemos esclarecer
primeiramente como Hobbes conceituou a natureza humana.

2.1 O estado natural

Primeiramente, vale ressaltar que, alguns problemas surgem ao refletirmos


sobre o estado de natureza hobbesiano. São perguntas que, se não forem bem
respondidas, podem prejudicar toda a compreensão da teoria. Resumidamente, elas
podem ser expostas da seguinte forma: 1) Se o estado de natureza é histórico ou
imaginado; 2) Se é pacífico ou belicoso; 3) Se é um estado de isolamento ou social.

1 A primeira trata do esforço que devemos ter para conquistarmos a paz, a segunda sobre a
regulamentação de todas as coisas e, por fim, a terceira proclama a responsabilidade que devemos
ter para o cumprimento de todos os acordos sociais
2.1.1 O estado de natural é histórico ou imaginado?

A primeira questão, referente a condição hipotética ou histórica do estado de


natureza, é explicitada por Hobbes em suas obras Leviatã e Do cidadão. Para o
filósofo, a sua análise sobre a condição natural deveria ser interpretada como uma
hipótese da razão que busca esclarecer de maneira metodológica e objetiva aquilo
que está presente universalmente no comportamento humano (BOBBIO, 1994).
Nesse contexto, o estado de natureza hobbesiano não pode ser compreendido como
um fator histórico, ou melhor, um estado primitivo que originou todas as formas de
associação humana, mas sim, como uma suposição lógica que, na realidade, nunca
existiu plenamente e jamais existirá 2. Aquilo que de fato existiu historicamente nos
primórdios da humanidade, segundo Hobbes, e continua a existir, é um estado
parcial da condição humana, que se expressa nas mais variadas relações, em
determinadas circunstâncias de tempo e lugar. Conforme Hobbes nos relata no
Leviatã:
Assim, ainda que nunca tenha existido um tempo no qual os homens
particulares se colocaram em uma situação de guerra uns contra os outros,
em todas as épocas, os reis e pessoas revestidas com a autoridade
soberana, zelosos de sua independência, põem-se em estado de contínua
inimizade, na situação e postura dos gladiadores, com armas em riste e os
olhos fixos uns nos outros. Quer dizer, com suas fortes guarnições e
canhões na guarda das fronteiras de seus reinos, com espiões entre seus
vizinhos, tudo o que implica uma atitude de guerra. Porém, por sua vez,
defendem também a indústria de seus súditos, não resultando disso aquela
miséria que acompanha a liberdade dos homens particulares. (HOBBES,
2020, p. 121).

E, da mesma forma, esclarece no Do cidadão:

Vemos todos os países, embora estejam em paz com seus vizinhos, ainda
assim guardarem suas fronteiras com homens armados, suas cidades com
muros e portas, e manterem uma constante vigilância. Com que propósito
fazem tudo isso, se não for pelo medo ao poder do vizinho? Vemos, até nos
Estados bem governados, onde há leis e castigos previstos: para os
delinquentes, que mesmo assim os particulares não viajam sem levar sua
espada a seu lado, para se defenderem, nem dormem sem fecharem - não
só suas portas, para proteção de seus concidadãos - mas até seus cofres e
baús, por temor aos domésticos. Poderiam dar os homens melhor
testemunho da desconfiança que têm cada um do outro, e todos de todos?
Assim agindo, tanto os países como os particulares professam
publicamente seu temor e desconfiança mútua. (HOBBES, 1992, p. 16-17).

2
O homem natural de Hobbes não é um selvagem. É o mesmo homem que vive em sociedade.
Melhor dizendo, a natureza do homem não muda conforme o tempo, ou a história, ou a vida social.
Para Hobbes, como para a maior parte dos autores de antes do século XVIII, não existe a história
entendida como transformando os homens. Estes não mudam. É por isso que Hobbes e outros citam
os gregos e romanos quando querem conhecer ou exemplificar algo sobre o homem, mesmo de seu
tempo. (RIBEIRO, 2005. p. 54)
Sendo assim, da mesma forma é possível supor que o Estado político, isto é,
aquele originado por meio da instituição do contrato social, sempre existiu. A
humanidade, nesse sentido, nunca passou por uma situação totalmente ausente de
relações sociais. Contudo, vale ressaltar que, o estado civil nunca conseguiu
plenamente estabelecer a paz, pois mesmo que a sociedade consiga atingir um
grande número de membros que se respeitem mutuamente, sempre haverá uma
parcela de indivíduos que, por falta de instrução e disciplina de suas paixões,
acabam por transgredir as leis. Nesse contexto, o contrato social deve funcionar
como um ideal, ou seja, um guia legislativo que busque regular todas as ações de
uma determinada sociedade, mas que não se efetiva espontaneamente ou de
maneira harmônica-natural, mas sim, de forma gradativa, por meio da educação e
disciplina dos sentidos.
Com essa reflexão, podemos observar o primeiro compromisso do estado civil
que, em suma, configura-se em promover uma aceitação geral, contudo gradativa,
do contrato. Os cidadãos, nesse sentido, desde a infância deverão ser instruídos a
seguir a ordem social, ter respeito pelas leis e disciplinar seus impulsos naturais,
para que, já na fase adulta possam exercer plenamente os deveres civis. Conforme
Hobbes nos alega:
[...] Um homem perverso é quase a mesma coisa que uma criança que
cresceu e ganhou em força e se tornou robusta, ou um homem de
disposição infantil; e a malícia é a mesma coisa que uma falta de razão
naquela idade em que a natureza deveria ser mais bem governada
mediante a boa educação e a experiência. Portanto, a menos que dizendo
que os homens são maus por natureza entendamos apenas que eles não
recebem da natureza a sua educação e o uso da razão, deveremos
necessariamente reconhecer que os homens possam derivar da natureza o
desejo, o medo, a ira e outras paixões, sem, contudo, imputar seus maus
efeitos à natureza. (HOBBES, 1992. p. 18).

Na realidade, vivemos paralelamente num ambiente marcado pela busca da


ordem contratual e da paz, mas que recorrentemente é afetado pela violência e
instabilidade social, gerada pela da falta de orientação e conhecimento das
faculdades da condição humana. Por esse motivo, Hobbes se propõe a elaborar
uma teoria política que, considerando o estado natural humano, possa
concretamente trazer a paz ao cenário social.
2.1. 2 O estado natural é pacífico ou belicoso?

O estado de natureza humano é particularmente belicoso, segundo Hobbes,


mas não se efetiva plenamente devido o sentimento de autopreservação natural. O
homem aceita viver em sociedade por necessidade e medo, acreditando que,
racionalmente, nessa associação, viverá pacificamente e terá os seus direitos
básicos preservados. A passagem da guerra à paz, vincula-se ao agravamento
irreversível da desigualdade entre os homens. “No estado de natureza todos os
homens são iguais, mas essa igualdade vem acompanhada de instável
desigualdade, manifestando-se somente face à morte. Os homens nascem iguais:
porque morrem da mesma maneira, porque qualquer um pode matar qualquer um”
(RIBEIRO, 1978).
O medo e o conflito, nesse sentido, surgem dessa igualdade natural, em que
todos estão suscetíveis a sofrer alguma forma de violência, seja para se defender,
seja para dominar outra pessoa, por que cada um se imagina poderoso, perseguido
ou traído3. Todavia, o ser humano não é capaz de conservar uma vida bélica por
muito tempo, a sua própria condição física lhe impede de realizar tal feito. Por essa
mesma fragilidade, nenhum homem pode se considerar superior a outro; facilmente,
qualquer um pode ser ferido em combate e vir a falecer, independentemente da
força que possui ou da inteligência técnica que detém. Somos iguais pela
capacidade que temos de agir uns contra os outros. Assim, Hobbes nos escreve:
A causa do medo recíproco consiste, em parte, na igualdade natural dos
homens, em parte na sua mútua vontade de se ferirem - do que decorre que
nem podemos esperar dos outros, nem prometer a nós mesmos, a menor
segurança. Pois, se examinarmos homens já adultos, e considerarmos
como é frágil a moldura de nosso corpo humano (que, perecendo, faz
também perecer toda a nossa força, vigor e mesmo sabedoria), e como é
fácil até o mais fraco dos homens matar o mais forte, não há razão para que
qualquer homem, confiando em sua própria força, deva se conceber feito
por natureza superior a outrem. São iguais aqueles que podem fazer coisas
iguais um contra o outro; e aqueles que podem fazer as coisas maiores (a
saber: matar) podem fazer coisas iguais. (HOBBES, 1992. p. 33).

E, da mesma forma, nessa outra passagem:


A natureza fez dos homens iguais nas faculdades corporais e mentais;
apesar disso, é possível às vezes encontrar um homem manifestadamente
mais forte no corpo ou rápido na mente do que outro; ainda assim, quando
tudo é considerado simultaneamente, a diferença entre homem e homem
não é tão considerável, de maneira que alguém possa reclamar, com base
nela, para si mesmo, um benefício qualquer que outro não pode aspirar com
ele. Com efeito, quanto a força corpórea, o mais débil tem bastante força
para matar o mais forte, ainda que ocorra mediante maquinação secreta ou
confederando-se com outros que se encontram diante do mesmo perigo.
(HOBBES, 2020. p. 117)

3
Todo homem é opaco aos olhos de seu semelhante – eu não sei o que o outro deseja, e por isso, tenho que
fazer uma suposição de qual será a atitude mais prudente e razoável. Como ele também não sabe o que quero,
também é forçado a supor o que farei. Dessas suposições recíprocas, decorre que geralmente o mais razoável
para cada um é atacar o outro, ou para vencê-lo, ou simplesmente, para evitar um ataque possível: assim a
guerra se generaliza entre os homens. (HOBBES, 2005. p. 55)
Sendo assim, naturalmente somos todos iguais, em força e natureza bélica,
nossos impulsos e paixões se cruzam constantemente, os interesses particulares
geralmente são os mesmos e a resposta que damos, quando desejamos alguma
coisa, de forma violenta é a mesma, segundo Hobbes.
“Mas a razão mais frequente por que os homens desejam ferir-se uns aos
outros vem do fato de que muitos, ao mesmo tempo, têm um apetite pela
mesma coisa; que, contudo, com muita frequência eles não podem nem
desfrutar em comum, nem dividir; do que se segue que o mais forte há de
tê-la” (HOBBES, 1992. p. 34).

Por esse motivo, o estado artificialmente nasce e os homens se reúnem em


torno do contrato, isto é, saem desse estado natural negativo, para viverem de forma
harmônica (BOBBIO, 1994).
2.1. 3 O estado de natureza é um estado de isolamento ou social?
Essa problemática fora parcialmente respondida na seção anterior, todavia,
vale salientar alguns pontos centrais que elucidam com mais clareza o pensamento
hobbesiano sobre essa questão. Nesse sentido, devemos investigar se o estado de
natureza era um estado associal, isto é, composto por indivíduos sem uma
necessária relação social. Hobbes, conforme já exposto, não acredita que o homem
viva num ambiente social por uma simples pré-disposição natural, mas por amor de
si, pela necessidade de sobrevivência e o sentimento do medo. o homem, para o
britânico, pode ser compreendido segundo as faculdades próprias de sua natureza;
que, em suma, podem ser reduzidas em quatro espécies: força corporal,
experiência, razão e paixão. A partir delas, o homem é capaz de desenvolver as
suas relações interpessoais, manifestando externamente os seus interesses
particulares. Todavia, existe uma faculdade que se destaca perante as demais,
aquela que nos torna aptos para a construção e preservação do ambiente social; em
que, a soberania estatal se justifica, o contrato social é instituído e a paz humana
acontece.
Para apresenta-la, Hobbes primeiramente elabora uma crítica ao pensamento
clássico grego que, desconsiderando tal faculdade, afirma que o homem por
natureza é um animal político. Contrariando essa teoria, o britânico alega que o
estado deve ser compreendido como algo originado por convenção, em decorrência
da manifestação de nossas paixões internas, que moldam todas as nossas formas
de relação4. Em suma, somos conduzidos pelos nossos interesses e desejos
particulares, não amamos por natureza ou buscamos uma companhia
esporadicamente; o homem é um animal marcado pelas paixões; é justamente por
meio delas que projetamos as nossas ações e direcionamos os movimentos e
intenções das nossas faculdades naturais. Como podemos contextualizar no
seguinte trecho:
Se um homem devesse amar outro por natureza - isto é, enquanto
homem-, não poderíamos encontrar razão para que todo homem não ame
igualmente todo homem, por ser tão homem quanto qualquer outro, ou para
que frequente mais aqueles cuja companhia lhe confere honra ou proveito.
Portanto, não procuramos companhia naturalmente e só por si mesma, mas
para dela recebermos alguma honra ou proveito; estes nós desejamos
primariamente, aquela só secundariamente. (HOBBES, 1992. p. 29).

Com efeito, para melhor elucidar a sua teoria, o filósofo se detém na


observação do comportamento que geralmente assumimos quando nos reunimos
em determinadas circunstâncias. Nesse sentido, um comerciante, por exemplo, não
realiza o seu serviço por simples e pura consideração e amor à sua clientela, mas
apenas por interesse e conservação de seu negócio, que propriamente, é a fonte de
sua subsistência. Na mesma perspectiva, selecionamos lugares, pessoas,
recreações e afazeres segundo os prazeres que estes podem nos proporcionar.
Entramos numa discussão ou promovemos uma roda de conversa somente para
apresentar as nossas qualidades argumentativas e assim buscar o sentimento da
vanglória perante os demais. Em suma, para Hobbes, são estes os verdadeiros
encantos da sociedade, para os quais somos impelidos pela natureza. Toda forma
de relação humana, por mais livre que seja, deriva de uma miséria recíproca, isto é,
da busca pela vanglória, de modo que as partes reunidas se empenham em
conseguir algum benefício e honram junto àqueles com quem conviveram, tudo
acontece por meio das paixões (HOBBES, 1992).
Nesse aspecto, quando os homens se reúnem em sociedade, buscam a priori
estabelecer um regulamento jurídico que permita a efetivação do bem comum entre
os seus membros. Esse bem estar social, tem a sua fundamentação, segundo
Hobbes, nos prazeres promovidos pelos sentidos, assim como, pelas faculdades da

4Hobbes tem perfeita consciência de que essa definição há de chocar seus leitores, que se prendem
à definição aristotélica do homem como zoon politikon, animal social. Para Aristóteles, o homem
naturalmente vive em sociedade e, só desenvolve todas as suas potencialidades dentro do estado.
Esta é a convicção da maioria das pessoas, que preferem fechar os olhos à tensão que há na
convivência com os demais homens, e conceber a relação social como harmônica. (RIBEIRO, 2005.
p. 57).
mente. Todo prazer mental, tem a sua origem no sentimento de vanglória, que
consiste na busca pela aparente honra e superioridade perante os demais5. Os
outros prazeres, podem ser considerados como fruto dos impulsos sensuais próprios
da condição natural humana. Com essa afirmação, pode-se dizer que, para Hobbes,
o homem é um animal sensitivo movido por seus impulsos naturais, todas as suas
ações estão condicionadas a busca pelo prazer. Conforme se pode constatar nessa
passagem:
Ora, tudo o que venha a parecer bom é agradável, e se refere quer aos
sentidos, quer à mente. Mas todo prazer mental ou é glória (que consiste
em ter boa opinião de si mesmo), ou termina se referindo à glória no final.
Os demais prazeres são sensuais, ou conduzem, à sensualidade, que pode
ser compreendida entre as conveniências mundanas. Toda associação,
portanto, ou é para o ganho ou para a glória - isto é: não tanto para o amor
de nossos próximos, quanto pelo amor de nós mesmos. (HOBBES, 1992. p.
31).

Isso se reflete na forma como nos organizamos socialmente, o estado passa


a se comportar como um agente ordenador dos sentidos sociais, buscando
desenvolver um regulamento que permita os seus cidadãos viverem de forma
disciplinada e segura os seus impulsos naturais. Nesse sentido, cada indivíduo abre
mão parcialmente de suas aspirações sensitivas e aceita o regimento expresso no
contrato. Em resposta, o estado se responsabiliza por promover a justiça social,
aplicando as sentenças necessárias e correspondentes aos delitos cometidos contra
os direitos individuais6.
É claro que, fora do ambiente social, o homem poderia satisfazer com mais
intensidade os seus impulsos naturais, todavia, como todos possivelmente
buscariam os mesmos prazeres, inevitavelmente uma guerra por interesses
particulares surgiria, culminando, por fim, na extinção total da espécie humana.

5 O homem hobbesiano não é então um homo economicus, por que seu maior interesse não está em
produzir riquezas, nem mesmo pilha-las. O mais importante para ele é ter os sinais de honra, entre os
quais se incluem a riqueza (mais como meio, do que como fim). Quer dizer que o homem vive
basicamente de imaginação. Ele imagina ter um poder, imagina ser respeitado pelos semelhantes,
imagina o que o outro vai fazer. Da imaginação decorrem perigos, porque o homem se põe a
fantasiar o que é irreal. (RIBEIRO, 2005. p. 59)
6 Hobbes não defende a tese da renúncia total. Para ingressar na sociedade civil, o homem renuncia

a tudo o que torna indesejável o estado de natureza; mais precisamente, renuncia à igualdade de fato
que torna precária a existência até mesmo a dos mais forte; o direito a liberdade natural, ou seja, ao
direito de agir seguindo não a razão, mas as paixões; ao direito de impor a razão por si só, isto é, à
posse efetiva de todos os bens de que tem força para se apropriar. A finalidade em função do qual o
homem considera útil renunciar a todos esses bens e salvaguarda do bem mais precioso, a vida, que
no estado de natureza tornou-se insegura por causa da ausência de um poder comum. Entende-se
que o único direito ao qual o homem não renuncia, ao instituir o estado, é o direito à vida. (BOBBIO,
1994. p. 72)
Nesse contexto hipotético, marcado pelo sentimento de autopreservação e medo, o
homem aceita a vida em sociedade. Conforme nos é dito nessa passagem:
Mas, embora os benefícios desta vida possam ser ampliados, e
muito, graças à colaboração recíproca, contudo - como podem ser obtidos
com mais facilidade pelo domínio, do que pela associação com outrem-,
espero que ninguém vá duvidar de que, se fosse removido todo o medo, a
natureza humana tenderia com muito mais avidez à dominação do que a
construir uma sociedade. Devemos, portanto concluir que a origem de todas
as grandes e duradouras sociedades não provém da boa vontade recíproca
que os homens tivessem uns para com os outros, mas do medo recíproco
que uns tinham dos outros. (HOBBES, 1992. p. 32).

A partir dessa explanação, é possível perceber que o estado de natureza,


para Hobbes, é particularmente associal. Não existe uma relação naturalmente
harmoniosa entre os homens, nos associamos aos outros artificialmente, por
extrema necessidade de autopreservação. No estado de natureza, todos os homens
têm desejo e vontade de ferir, são guiados pelos seus próprios interesses, vivem
segundo os ditames de suas paixões. Em suma, são livres e iguais na
individualidade. Percebe-se então, existe na condição humana, uma fragilidade, que
nos impede de viver naturalmente uma ética-pluralista que, segundo Hobbes, deve
ser superada.
Num cenário hipotético, o estado natural, vivido em plenitude, promove um
ambiente marcado pela incerteza e insegurança. Pois, afinal, sem um regulamento
preestabelecido para as nossas relações, a única coisa que poderíamos esperar dos
outros é a imprevisibilidade. isso abre caminho para as suposições, em que para se
defender, mostrar superioridade e neutralizar possíveis ameaças, o homem
responde antecipadamente as investidas de seus adversários com violência. Isso
pode gerar um ciclo vicioso; guiado pela sua imaginação e autonomia libertária, o
homem torna-se lobos de si mesmo, podendo, numa perspectiva radical, se auto
extinguir. Nesse sentido, o estado funcionaria como um grande organismo, que
busca a integridade plena de todos os seus súditos, distanciando-se do relativismo
dos interesses particulares, para seguir uma perspectiva única na figura do
soberano.
Com efeito, após essa análise inicial, torna-se possível agora nos
adentrarmos na teoria política jusnaturalista de Hobbes.
3 A LEI E DIREITO NATURAL
Direito natural e lei natural são dois conceitos importantes na filosofia política
de Thomas Hobbes. Compreender as suas definições é algo necessário para o
desenvolvimento de nossa análise.
A princípio, podemos dizer que para Hobbes a lei natural é algo que,
fundamentado na razão, regula os movimentos das paixões, impedindo-nos de
realizar alguma coisa que prejudique a nossa integridade. Em suma, é o exercício
analítico da reta razão sobre aquilo que devemos fazer ou omitir, respeitando a
nossa condição natural, com o objetivo de assegurar a conservação da nossa vida
particular e das estruturas sociais. Conforme o filósofo afirma: “A lei de natureza é
um preceito ou regra geral fundada pela razão, pela qual um homem é proibido de
fazer aquilo que seja destrutivo para a sua própria vida ou privar dos meios de
conservá-la ou ainda omitir a melhor forma de a preservar” (HOBBES, 2020. p. 123).
O direito natural, por sua vez, é uma liberdade, ou melhor, a possibilidade de agir,
conforme lhe for conveniente, sem nenhum impedimento externo, para a
conservação de sua vida. Assim como é retratado nessa passagem do Leviatã:
O direito da natureza, a qual escritores usualmente chamam de
jus naturale, é a liberdade que cada homem possuiu de usar
seu próprio poder como queira, para a conservação de sua
própria natureza; ou seja, de sua própria vida; e,
consequentemente, de fazer qualquer coisa que considere,
dentro de seu julgamento e razão, como meios mais aptos para
chegar a esse fim. (HOBBES, 2020. p. 123).

Vale ressaltar que, para melhor compreender o conceito de direito natural e


distingui-lo da lei natural, é necessário analisar também como, Hobbes tratou o
conceito de liberdade. Nesse sentido a liberdade, como observado no parágrafo
anterior, é um agir desimpedido, isto é, uma condição natural que permite o
indivíduo realizar, sem nenhuma amarra externa, qualquer coisa que deseje 7.
Conforme o filósofo nos expõe: “A liberdade entende-se, de acordo com significado
da própria palavra, a ausência de impedimentos externos, impedimentos estes que
frequentemente reduzem parte do poder que um homem tem de agir como queira;
mas que não abdica de usar o poder que lhe resta de acordo com o que seu juízo e
razão lhe ditarem” (HOBBES, 2020. p. 123). O termo se associa ao direito natural,
quando o indivíduo usa da sua liberdade para se autopreservar de alguma ameaça,

7
Hobbes reduz a liberdade a uma determinação física, aplicável a qualquer corpo. Com isso, ele
praticamente elimina o valor (a seu ver retórico) da liberdade como um clamor popular, como um
princípio pelo qual homens lutam e morrem. (RIBERO, 2005. p. 67)
seja ela real ou aparente. Nesse sentido, ele usará de todos os meios que a sua
capacidade permitir para se proteger e vencer o perigo. Essa liberdade manifestada
no direito natural é positiva parcialmente, pois se for vivida em plenitude,
consequentemente levará a guerra de todos contra todos e, por fim, a extinção da
espécie humana.
Por esse motivo, surge a lei natural que possibilita o regulamento das ações a
partir da razão. A lei natural, nesse contexto, funciona como um mecanismo natural
que regula o agir humano, buscando, acima de tudo, a conservação da integridade
do indivíduo perante a sua vivência no ambiente social. Portanto, pode-se dizer que,
mesmo tendendo para o mesmo fim, os dois termos, lei e direito natural, são
particularmente diferentes, o primeiro pode ser compreendido como uma obrigação
racional, enquanto o segundo, uma liberdade. Assim como Hobbes expõe: “[...] o
direito consiste na liberdade de fazer ou reprimir: conquanto a lei determine e
conecte um ao outro: dessa forma, lei e direito diferem tanto quanto a obrigação e
liberdade; que são incompatíveis quando se se referem a mesma matéria”
(HOBBES, 2020. p. 123-124).
Surge também nessa mesma problemática um novo termo que ainda não fora
observado: o poder ou vontade de pulsão, o conatus naturale. Nesse sentido, como
uma máquina que possui uma função pré-estabelecida, o poder e vontade seriam
um impulso do corpo, que tem como finalidade a sua própria autoconservação.
Percebe-se então, que existe uma semelhança entre os termos poder e liberdade,
ambos são movimentos do corpo que visam a conservação do indivíduo. Mas é
possível observar um diferencial: a liberdade é a capacidade de usar, plenamente,
esse poder que possui sem nenhum impedimento externo; quando existe algo que
impede o indivíduo de manifestar esse poder, este lhe é retirado. Nesse sentido, o
poder, segundo Hobbes, é todo movimento do corpo que tende para autodefesa,
que pode ser impedido por algum fator externo e, consequentemente, ser retirado. A
liberdade, por sua vez, é a manifestação plena desse poder, sem nenhum
impedimento para a sua realização. A partir dessa análise, pode-se constatar que
existem duas possíveis novas interpretações para o direito natural: o direito de agir
sem nenhuma obrigação social e, inevitavelmente tender para a auto extinção; ou, o
direito de agir segundo as normativas sociais, elaboradas segundo a análise racional
dos fatos. Assim, podemos dizer que o direito natural se interliga com a lei natural,
quando o indivíduo, agindo livremente, abre mão de parte de suas potencialidades e
ingressa no ambiente social, aceitando plenamente as normas instituídas através
das leis civis8.
3.1 Da primeira a terceira lei da natureza

Categoricamente, Hobbes formula vinte leis naturais, isto é, diretrizes para o


desenvolvimento orgânico de nossas relações, o comportamento ideal que podemos
assumir, levando em consideração os ditames da reta razão. Nessa secção,
buscaremos apresentar cada uma delas.
Vale ressaltar desde o início que as três primeiras leis se complementam e
são a base para a elaboração das demais. Pode-se se dizer que todas as vinte leis
naturais se interligam e possuem a mesma origem reflexiva, são frutos
consequentes das três primeiras. Da mesma forma, mesmo ganhando destaque
perante as demais, a segunda lei da natureza e a terceira não superam em
relevância a primeira. Percebe-se então, que existe uma escala de valores, que se
manifestará conforme segundo a própria sequência em que Hobbes apresentou as
leis naturais.
A primeira lei, configura-se como sendo a busca pela paz e a sua
conservação, levando em consideração as condições do ambiente e as
circunstâncias relacionais, isto é, se não for possível a paz, possuímos o direito de
preservar a nossa vida por meio da guerra. Esta é a lei fundamental, pois as demais,
segundo Hobbes, derivam justamente da procura da paz e do princípio de
autodefesa.
[...] É um preceito ou regra geral da razão, que todo homem deve esforçar-
se pela paz na medida em que ele tem esperança de obtê-la, e quando ele
não pode obtê-la, que possa procurar e usar toda a ajuda e vantagens da
guerra. O primeiro ramo dessa regra contém a primeira e fundamental lei da
natureza; isto é, buscar a paz e segui-la. O segundo a que possamos nos
defender com todos os meios. (HOBBES, 2020. p. 124)
A segunda lei da natureza busca esclarecer que devemos agir plenamente de
acordo com as diretrizes impostas no contrato social. “Consiste em cumprir os

8
Quando o indivíduo firmou o contrato social, renunciou ao seu direito de natureza, isto é, ao
fundamento jurídico da guerra de todos contra todos. É que, neste direito, o meio (fazer o que
julgasse mais conveniente) contradizia o fim (preservar a própria vida). O homem percebeu que,
como todos tinham esse direito tanto quanto ele, o resultado só podia ser a guerra. [...] Mas, dando
poderes ao soberano, a fim de instaurar a paz, o homem só abriu mão de seu direito para proteger a
sua própria vida. Se esse fim não for atendido pelo soberano, o súdito não lhe deve mais obediência
– não por que o soberano violou algum compromisso, mas simplesmente porque desapareceu a
arzão que levava o súdito a obedecer. Esta é a “verdadeira liberdade do súdito”. (RIBEIRO, 2005. p.
68)
contratos que firmamos, ou em respeitar a confiança que foi depositada em nós”
(HOBBES,1992. p. 61). Nessa lei, o que rege é a obediência ao contrato, devemos
estar atentos a tudo aquilo que ele expressa e segui-lo de acordo com a nossa
capacidade natural. Nessa determinação legislativa, o cumprimento do contrato
ganha relevância reflexiva, pois, se não for vivido plenamente, não haverá uma justa
transferência de direitos, dado que todos terão direito a tudo, logo, nenhuma ação
poderá ser considerada justa, pois todas estarão inseridas nesse contexto de caos.
Nesse cenário somente uma coisa se apresenta como fato e inevitável: a guerra de
todos contra todos.
Para melhor elucidar tais afirmativas, relembrar as condições que propiciam o
ingresso do homem numa determinada sociedade. No Estado de natureza a única
coisa que resta perante o outro é o medo, pois nunca sabemos o que esperar das
suas ações e o que ele alimenta no seu íntimo. Isso abre espaço para a imaginação,
já que fantasiamos aquilo que possivelmente o outro fará ou está pensando e,
assim, calculamos o que faremos para nos defender. Esse cálculo e ação contra a
possível ameaça é denominado por Hobbes como direito natural, sendo a liberdade
o exercício desse direito externamente. Se essa lógica for aplicada de maneira
universal, a única coisa que resta é guerra geral. Por esse motivo, através de um
pacto, constituímos a sociedade e regulamos as nossas ações e direitos. Se por
ventura, esse acordo for desobedecido, a desconfiança toma posse novamente e os
conflitos, consequentemente voltarão a acontecer9. De fato, não é possível regular
plenamente o agir de todos, sempre haverá aqueles que por algum motivo não
aceitam viver o contrato. É por essas desobediências que surgem as mais variadas
mazelas sociais. Segundo Hobbes, só seremos integralmente livres, se respeitarmos
o direito do outro. Aqueles que descumprem o acordo deverão ser tratados com a
devida punição, que deverá restituir a dignidade da vítima e assegurar que o acordo
não seja mais descumprido pelo agressor. Essa medida reafirma o valor do contrato
e elimina o sentimento de desamparo, evitando assim, um conflito generalizado.
Partindo dessa lei natural, Hobbes formula também dois novos conceitos:
Justiça comutativa e justiça distributiva. A primeira trata das relações particulares

9
Hobbes formulará um novo termo denominado injúria. Que consiste justamente em descumprir
aquilo que foi acordado no contrato. “Violar um compromisso, ou exigir de volta algo o que já demos
é o que se chama de injúria. Consiste sempre numa ação ou omissão. E tal ação ou omissão é
chamada injusta, uma vez que injúria significa a mesma coisa que uma ação ou omissão injusta, ou
quebra da confiança ou rompimento do compromisso que foi firmado” (HOBBES, 1992. p. 62-63)
entre os homens trata-se das trocas, das operações de compra e venda, de
empréstimos e de todos os atos que se refiram a um determinado contrato, em que
existe uma relação justa entre os negociantes, isto é, que os acordos e
transferências aconteceram de maneira igualitária, o pagamento e o produto
comprado coincidem em valor de troca (HOBBES, 1992). A justiça distributiva, por
sua vez: “cuida da dignidade e méritos dos homens, de modo que, dando-se a cada
qual katà tèn axían, ou seja, mais para aquele que é mais digno, menos para aquele
que menos merece”10.
A terceira lei da natureza, trata do combate contra a ingratidão, pois afirma
que não devemos fazer o mal a alguém que gratuitamente fez bem para nós ou que
se abstém de certos direitos naturais para estabelecer uma relação harmoniosa
conosco. No fundo, essa lei trata novamente da necessidade de se cumprir o
contrato, vivendo-o plenamente a exemplo daqueles que o seguem. Nesse sentido,
observando o comportamento social, o indivíduo é orientado a agir com gratidão,
reconhecendo que na sociedade existe um acordo, uma troca de favores e
concessões reguladas de direitos que devem ser respeitadas. Assim como Hobbes
afirma: “não permitas que alguém que, por confiar em ti, te fez um bem - antes que
lhe fizessem outro bem qualquer - venha a sofrer por isso; e que não aceites
presentes se não tiveres em mente esforçar-te para que aquele que os deu não
tenha uma justa ocasião de se arrepender de tê-los dado” (HOBBES, 1992. p. 67)
3.2 Da quarta a sexta lei da natureza

A quarta lei orienta “que todo homem se faça útil aos demais.” (HOBBES, 1992. p.
68). Para melhor compreendê-la devemos relembrar que são diversos os motivos e
disposições naturais que levam os homens a ingressar na vida social. Isto é, cada
pessoa se difere no modo como expressa e vive as suas afeições e impulsos.
Alguns, vivem de maneira desregrada, tomando para si tudo aquilo que deseja, sem
pensar diretamente no coletivo, isso gera um ambiente de hostilidade e desestabiliza
a estrutura social. Nesse sentido, o indivíduo inútil e perturbador, para Hobbes, pode
ser definido como aquele que não consegue regular as suas pulsões, que acima de

10
A particular importância desse contraste revela-se no fato de ser a ele que se refere principalmente
a intepretação corrente que faz do modelo jusnaturalista o reflexo teórico e, ao mesmo tempo, o
projeto político da sociedade burguesa em formação. [...] Essa esfera das relações econômicas é
regida por leis próprias de existência e de desenvolvimento, que são as leis naturais: enquanto tal, ela
representa o momento da emancipação da classe que se prepara para se tornar economicamente
dominante com relação a situação existente. (BOBBIO, 1994. p. 45)
tudo deseja realizar as suas vontades em detrimento das necessidades daqueles
que se encontram a sua volta. Para elucidar a sua teoria, Hobbes elabora a seguinte
metáfora.
Assim como nas pedras, que se juntam na construção de um edifício, há
diversidade de material e configuração. Assim, uma pedra que por suas
formas angulares e ásperas tira mais espaço das outras do que ela própria
preenche, e que devido à rigidez de sua matéria não pode ser reduzida em
tamanho, nem cortada, e por isso pode fazer que a edificação não seja tão
compacta quanto precisa ser, é descartada, por não ter serventia; da
mesma forma, costuma-se dizer que é um inútil, e perturbador dos demais,
aquele homem que tenha uma grosseira disposição a tomar para si o que é
supérfluo, a privar os outros do que é necessário, e a quem seja impossível
corrigir racionalmente, tão teimosas são suas afeições (HOBBES, 1992. p.
68).

O indivíduo que for perturbado pela impulsividade do agressor, tem o direito,


segundo Hobbes, de se autodefender e não deverá ser responsabilizado pelas
consequências de um eventual conflito. Tal imperativo se justifica com a aplicação
efetiva da primeira lei natural, no que tange o princípio de auto conservação.
Ora, como cada um tem, não apenas por direito, mas também por
necessidade natural, de usar o máximo de sua força para conseguir as
coisas necessárias para sua conservação - se qualquer outro se bater
contra ele por coisas supérfluas, será por culpa deste último que brotará a
guerra. Isso porque não tinha necessidade ele lutar, e assim, lutando, vai
contra a lei fundamental de natureza. Disso concluo que constitui um
preceito da natureza que cada qual tente conciliar-se com os outros. E
quem romper esta lei pode ser chamado ele inútil e perturbador. (HOBBES,
1992. p. 68-69)

A quinta lei natural nos orienta a “perdoar àquele que se arrepende e pede
perdão pelo passado - desde que nos acautelemos, primeiro, quanto ao tempo
futuro”. (HOBBES, 1992. p. 69). O perdão para Hobbes, nessa perspectiva, pode ser
entendido como a concessão da paz àqueles que a pedem com o objetivo de
reconstituir a relação abalada por um conflito passado. Isso é relevante de se
destacar pois, se o perdão for concedido a alguém que não se arrependeu de sua
falta e continua nos tratando com hostilidade, ele passa a ser denominado como
medo, não configurando-se assim, como um cumprimento da quinta lei natural, pois
o conflito não é finalizado e a pessoa hostilizada pode sofrer, a qualquer momento,
um atentado contra a sua vida.
A sexta lei natural nos afirma que um castigo só pode ser aplicado com a
finalidade de disciplinar e reintegrar o indivíduo que cometeu um determinado crime
a sociedade. “Que, procedendo à vingança ou impondo castigos, devemos ter em
mira não o mal passado, mas o bem futuro” (HOBBES, 1992. p.69). Nesse sentido,
num julgamento justo e fundamentado nesta lei natural, por exemplo, ao definir a
punição contra o réu, não se deve levar em consideração o mal cometido no
passado, mas o quanto essa punição contribuirá para reintegração do indivíduo no
ambiente social. Assim, como Hobbes nos relata nesse trecho: [...] “Se for levado em
conta apenas o tempo passado - nada mais é que um certo triunfo e glorificação da
mente, que não aponta para fim nenhum (pois contempla apenas o que é passado;
ora, o fim é uma coisa ainda por vir); e como o que não está dirigido para fim algum
é vão; conclui-se que a vingança que não considere o futuro procede ela vã glória, e
por conseguinte não tem razão” (HOBBES, 1992. p. 70). Aquele que descumpre
essa lei, promove um ciclo vicioso de conflitos em que o castigo é motivado apenas
pela violência gratuita e o prazer que o algoz conseguirá ao ver o seu inimigo
subjugado. Vale ressaltar por fim que, a partir dessa lei, Hobbes desenvolve um
novo conceito: crueldade. Essa violência não possui um fundamento racional e justo,
não tende a um fim benéfico e construtivo, busca apenas saciar o desejo de
vingança de uma das partes envolvidas no conflito. Em suma, aquele que
descumpre essa lei, pode ser definido como uma pessoa movida pela crueldade.
3.3 Sétima e oitava leis da natureza

A sétima e oitava leis tratam exclusivamente da forma como devemos nos


comportar dialogicamente com os demais. A oitava, nesse aspecto, por exemplo, é
contrária a qualquer tipo de insulto. Em suma, essa lei nos orienta a evitarmos o uso
de palavras e declarações que expressem o ódio e/ou desdém contra qualquer
pessoa. Devemos ser atentos a forma como nos expressamos, pois um discurso mal
compreendido ou proferido com ódio, pode abalar as nossas relações com outrem e
promover um conflito. “que ninguém, por ações nem por palavras, pela figura do
rosto ou pelo riso, deve declarar ódio ou desdém por outrem.” (HOBBES, 1992. p.
70).
A oitava lei, por sua vez, busca esclarecer novamente que todos os homens
são naturalmente iguais11. “que todos os homens são iguais por natureza, e por isso
a desigualdade que hoje existe, digamos de riquezas, poder e nobreza de sangue,
resulta da lei civil.” (HOBBES, 1992. p. 71). O objetivo de Hobbes ao elaborá-la é

11A igualdade é o fato que leva a guerra de todos. Dizendo que os homens são iguais, Hobbes não
faz uma proclamação revolucionária contra o regime (como fará a revolução francesa: “todos os
homens nascem livre e iguais” ...) simplesmente afirma que dois ou mais homens podem querer a
mesma coisa, e por isso todos vivemos uma intensa competição. (RIBEIRO, 2005. p. 66).
justamente reafirmar que a dignidade conquistada por uma determinada pessoa
numa sociedade não tem a sua origem no estado natural, mas apenas no civil.
Novamente, o filósofo tece uma crítica à Aristóteles, alegando que as desigualdades
não são frutos da condição natural humana, pois racionalmente ela só se justifica
num contexto social, naturalmente nenhum homem aceita, segundo Hobbes, ser
subjugado, nem receber menos prestígio que outro. Por esse motivo, devemos
compreender que todos nós somos iguais, possuímos naturalmente a mesma
dignidade e quem for contra tal afirmação deverá ser visto como alguém movido pela
arrogância.
3.4 Da nona a décima terceira lei da natureza

A nona lei trata da justa distribuição dos direitos. Para melhor compreendê-la
devemos lembrar o motivo pelo qual o homem, segundo Hobbes, aceita viver em
sociedade já que “que todos os direitos que um homem reivindique para si, os
mesmos ele reconheça serem devidos a todos os demais” (HOBBES, 1992. p. 72)
No estado de natureza todos os homens são iguais e possuem o direito de realizar
qualquer coisa que desejam. Quando ingressam na sociedade, para se
autopreservar de sua própria condição natural, abrem mão de parte desse direito
universal. É uma concessão parcial, pois existem alguns direitos e necessidades que
não podem ser perdidos, como por exemplo, o direito à proteção de seu corpo, ao
livre desfrute do ar, da água e de tudo aquilo que for necessário para a conservação
de sua vida. Sendo assim, existem muitos direitos do estado natural que são
preservados na sociedade civil e devem ser respeitados. A escolha de quais direitos
naturais devem ser inseridos na sociedade civil se dá pela seguinte máxima: numa
sociedade organizada, um direito natural só pode ser reivindicado por alguém
quando for possível distribui-lo de maneira igualitária a todos os seus membros.
Nesse sentido, se esse direito beneficia somente uma parte da sociedade, ele deve
ser descartado ou redistribuído de maneira justa e universal. Se isso não acontecer,
é um atentado direto a nona lei natural. O respeito a essa lei chama-se modéstia,
sua infração pleonexia.
Da décima a décima terceira lei da natureza, percebe-se que Hobbes busca
solucionar algumas pendências que surgem consequentemente da nona lei. Por
esse motivo, elas podem ser explicitadas de maneira mais objetiva, pois as suas
particularidades, como por exemplo, a forma como Hobbes emprega o termo
“direito”, já forma apresentadas no parágrafo anterior. Nesse sentido, a décima lei
afirma: “que todo homem, ao repartir o direito entre as pessoas, se mostre igual com
todas elas” (HOBBES, 1992. p. 72). A décima primeira lei nos ensina sobre o que
devemos fazer quando um determinado bem não possa ser distribuído plenamente
entre os membros de uma determinada sociedade. “que as coisas que não possam
ser divididas devem ser utilizadas em comum - se for possível - e, sempre que a
quantidade material o permitir, tendo por único limite a vontade de cada um.
Quando, porém, a quantidade não o admita, que cada um use delas dentro de
limites, e proporcionalmente ao número ele usuários”. (HOBBES, 1992, p. 73). A
décima segunda, por sua vez diz que: “àquilo que não pode ser dividido, nem havido
em comum, manda a lei de natureza ou que seja utilizado sucessivamente por
todos, ou que seja concedido a apenas um mediante sorteio”. (HOBBES, 1992, p.
73).12 Por fim a décima terceira lei afirma que: “as coisas que não podem ser
divididas, nem usadas em comum, elevem ser concedidas ao primeiro possuidor;
assim como aquelas coisas que pertenceram ao pai são devidas ao filho, a não ser
que o próprio pai tenha, anteriormente, transferido a um terceiro seu direito sobre
elas” (HOBBES, 1992. p. 74).
3.5 Da Décima quarta a décima sexta lei da natureza

Décima quarta Lei orienta que: “a todos homens que mediam a paz sejam
outorgados com um salvo-conduto. Porque a lei que ordena a paz como fim, ordena
a intercessão, como meio. E o meio para a intercessão é o salvo-conduto.”
(HOBBES, 2020, p. 145). A décima quinta e décima sexta lei estão correlacionadas.
A primeira nos ensina que quando um conflito não pode ser resolvido pelo simples
diálogo entre as partes, que a problemática seja levada para o julgamento de uma
outra pessoa, que no caso, exercerá a função de juiz. “Que aqueles entre os quais
há controvérsia submetam seu direito ao julgamento de um árbitro.” (HOBBES,
2020, p. 145).; a segunda (décima sexta lei) explica que este juiz, não poderá ser
nenhuma pessoa que esteja envolvida no conflito, pois isso levantaria, logicamente,
suspeitas sobre a sua imparcialidade. “Dado que se supõe cada um fazer todas as

12
O sorteio, pode ser de duas espécies: arbitrário ou natural. Arbitrário é aquele que é lançado por
consentimento das partes, e consiste no mero acaso (como dizem) ou fortuna. Sorteio natural é a
primogenitura (em grego kleronomía, significando o que é concedido por sorteio) ou a posse primeira.
(HOBBES, 1992. p. 73-74)
coisas tendo em vista seu próprio benefício, ninguém pode ser um árbitro adequado
em causa própria” (HOBBES, 2020, p. 145).

3.6 Da décima sétima a vigésima lei da natureza

A décima sétima lei natural exige que os árbitros sejam imparciais nos seus
julgamentos, isto é, não podem assumir uma posição que favoreça uma das partes
que estão sendo julgadas. Acima de tudo, devem prezar pela justiça, as suas
sentenças não podem ambicionar o lucro ou prestígio que poderiam receber dos
envolvidos no processo. Essa lei orienta que, para um indivíduo se tornar juiz, ele
deve primeiramente, respeitar as leis naturais e, acima de toda vangloria, priorizar a
reta justiça. “não deve ser juiz ninguém que, da vitória de qualquer das partes, possa
ter qualquer esperança de lucro ou glória: e isso pela mesma razão aqui, que na lei
precedente” (HOBBES, 1992, p. 75).
A décima oitava lei, por sua vez, trata da imparcialidade que as testemunhas
devem ter quando estão colaborando num processo jurídico. “Que os árbitros e
todos os que julgam do fato, quando deste não aparecerem sinais firmes e seguros,
baseiem sua sentença naquelas testemunhas que aparentemente sejam indiferentes
a ambas as partes” (HOBBES, 1992, p. 76).
A décima nona lei trata da forma como as partes envolvidas num determinado
processo jurídico devam se comportar perante o árbitro. Em resumo, não devem
buscar uma vantagem que não seja exclusivamente pelos fatos do crime ocorrido,
não podem, nesse sentido, tentar comprar o juiz com uma espécie de propina. Tal lei
permite um julgamento honesto, em que todos de fato, podem ser tratados como
iguais. Independente da riqueza ou influencia que possui, o réu não poderá usar
dela para vencer o processo, pois este só deve estar fundamentado nos próprios
fatos do processo. Assim, como escreve, Hobbes:
Da definição acima proposta de árbitro podemos inferir ainda que, entre ele
e as partes por quem for designado juiz, não deve haver nenhum contrato
ou promessa que possa induzi-lo a falar em favor de uma delas; mais até:
nem deve ter firmado com nenhuma destas um contrato pelo qual se
comprometa a julgar segundo a equidade, ou mesmo a pronunciar uma
sentença que ele sinceramente julgue ser equitativo. (HOBBES, 1992, p.
76).
A vigésima lei da natureza nos orienta sobre o cuidado que devemos possuir
como o nosso corpo, para que o nosso discernimento racional não seja prejudicado.
Nesse sentido, as leis de natureza, como já retratado, são ditados elaborados pela
reta razão; quando somos privados desse discernimento racional, caminhamos as
margens das leis naturais e, assim, não as cumprimos plenamente. Sendo assim,
devemos sempre conservar a nossa integridade física, regular o nosso consumo
sobre qualquer coisa que possa danificar a nossa capacidade reflexiva. Aquele que
faz uso de algum entorpecente que lhe impeça de usar plenamente a sua
capacidade racional está agindo contrariamente a vigésima lei da natureza. “que
todo aquele que, consciente ou voluntariamente, fizer qualquer coisa pela qual a
faculdade racional possa ser destruída ou debilitada, assim rompe, consciente e
voluntariamente, a lei de natureza” (HOBBES, 1992. p. 77).
Em suma, essas são as leis naturais formuladas por Hobbes que possuem
um caráter propriamente reflexivo, não é uma imposição legislativa, mas um modelo
de conduta metodologicamente formulado pela razão. “Mas não basta o fundamento
jurídico. É preciso que exista um Estado dotado da espada, armado, para forçar os
homens ao respeito. Desta maneira, aliás, a imaginação será regulada melhor,
poque cada um receberá o que o soberano determinar”. (RIBEIRO, 2005. p. 61)
4 A ORIGEM DO ESTADO CIVIL, CONTRATO SOCIAL E AS TRÊS FORMAS DE

GOVENO

4.1 A origem do Estado civil

A transição do estado natural para o estado civil não acontece de maneira


espontânea, mas gradativa e por necessidade. O homem naturalmente não é um
animal político, segundo Hobbes, somos marcados pela impulsividade. É justamente
esse fator que nos diferenciam, por exemplo das formigas ou abelhas, animais que
instintivamente buscam se associar e viver em comunidade, pois somos guiados
pelos nossos interesses, só formamos uma sociedade por que vamos tirar algum
proveito disso.
As paixões são combustíveis que moldam o nosso agir, no estado natural,
elas não possuem nenhum freio, pois tudo é permitido. Nessa condição natural,
todos somos iguais e livres. Essa igualdade acontece por que temos os mesmos
direitos naturais; podemos dominar, subjugar e violentar alguém, sem que nenhum
regulamento nos exijam o contrário. E, justamente, por esse motivo, somos livres,
pois nada nos impede de realizar aquilo que desejamos. No estado natural, o que
impera é a vontade particular e desimpedida de cada indivíduo.
Essa disposição natural se for aplicada universalmente, tem como
consequência a guerra de todos contra todos. Pois num cenário extremo, onde todos
possuem liberdade para realizar tudo aquilo que desejam, apenas um sentimento
impera, o medo. Pois o outro, é visto como um infinito de possibilidades, não
sabemos o que esperar de suas ações e vontade. Isso prejudica a nossa reflexão
sobre a realidade; acometidos pelo encontro com o outrem, a mente é tomada pela
suposição. Naturalmente, guiados pelo medo e imaginação, buscamos a todo custo
neutralizar essa ameaça aparente. Como somos livres, tudo aquilo que pudermos
fazer para a conservação de nossa vida, faremos. Isso gera um conflito que,
segundo Hobbes, pode gradativamente escalar para uma guerra (BOBBIO, 1980).
Por essa condição natural, os homens formam a sociedade, pois mesmo
perdendo parte de seus direitos naturais, é neste ambiente que ele encontra
segurança perante os seus demais. Na sociedade, os homens formulam o contrato e
assim, conseguem viver sem esse medo autodestrutivo, pois as infinitude do outro é,
de certa forma regulada, haja visto que, mesmo que ele faça algo contra nós, a sua
atitude será julgada e receberá a devida punição.
É esse modo que surge o Estado civil. Abrindo mão parcialmente de suas
paixões, os homens conferem todo o seu poder natural a um único homem ou a um
grupo de pessoas que possam reduzir os seus diversos desejos e promover a
unidade e segurança de todos. Assim sendo, o Estado civil só é originado quando:
Uma multidão de homens concordam ou pactuam, cada um com cada um
dos outros, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja
atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles,
todos, sem exceção, tanto os que votaram a favor, como os que votaram
contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou
assembleia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões a
fim de viveram em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes
dos homens” (HOBBES, 2020. p. 163).

De certa forma, todos aqueles que ingressam numa determinada sociedade,


fazem o seguinte juramento: “Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim
mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de
transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas
ações” (HOBBES, 2020. p. 161)

4.2 Lei civil e contrato social

Assim que o Estado civil é instituído, este passa a ser responsável pela
manutenção efetiva da paz, ou seja, a preservação da vida de todos os seus
associados. A sua finalidade, nesse sentido, configura-se como sendo a busca pela
estabilidade social e a promoção do sentimento de segurança. Para atingir tal
objetivo, o estado civil, fundamentado nas leis naturais, elabora um conjunto de
determinações legislativas que regularão as condutas de todos os seus cidadãos.
Esse conjunto de regimentos pode ser denominado como as leis civis ou contrato
social.
Na tradição contratualista, podemos dizer que existem duas definições para o
termo contrato. A primeira, é um acordo realizado por livre associação, a segunda, é
um contrato promovido pela submissão (RIBEIRO, 2005). A originalidade de Hobbes
se encontra na forma como o filósofo fundiu os dois conceitos num só. Nesse
sentido, não existe uma associação e depois um estado, pois necessariamente, se
existe um governo, promovido por um pacto de associados, ali já existe um estado
civil, isto é, uma forma de poder que exige o cumprimento desse acordo. Nesse
sentido, são duas coisas que se conectam. Contrato social e governo civil nascem
simultaneamente. Nesse contexto, para que o acordo seja aplicado efetivamente, o
soberano deve deter um poder absoluto, isto é, exclusivo, que impeça qualquer
insubordinação dos associados.
Para isso, ele deve ser ponderado. Como o seu principal objetivo é a
segurança e bem estar de seus súditos, o soberano deve ter um bom conhecimento
das leis naturais, pois elas, como já explicado, apresentam exclusivamente a
finalidade de conservar a paz e estabelecer a ordem no ambiente social, regulando
racionalmente as ações de todos os indivíduos. O soberano que orienta os seus
comandos segundo a lei natural, agem com verdadeira justiça e dificilmente errarão.
(HOBBES, 2020)
Nesse aspecto, percebe-se que existe uma correlação entre lei natural e lei
civil. As duas definições não apresentam nenhum conflito teórico profundo e podem
ser caracterizadas como complementares. A primeira, funciona como base para a
segunda. A lei civil, nesse sentido, pode ser entendida como um comando
governamental, instituído pela autoridade do Estado civil, que orienta a forma como
os súditos de uma determinada sociedade devem agir. Logo, ela é uma ferramenta
de poder, usada para a efetivação da vontade do soberano. Conforme nos é dito: “a
lei civil é destinada a cada súdito, cujas regras, que a república ordenou para ele,
seja por palavras, escritos ou outro sinal suficiente de vontade, devem ser usadas
para distinguir o certo do errado; isto é saber o que é contrário e o que não é
contrário a lei”. (HOBBES, 2020. p. 237)
O soberano, nesse aspecto, para Hobbes, é aquele indivíduo ou grupo de
pessoas (conselho) que para bem executar a sua missão (garantir a paz social),
concentra em si os poderes econômico, político, judiciário e legislativo. A
necessidade de concentrar o poder legislativo em suas obrigações soberanas
acontece justamente por conta da própria fragilidade das leis naturais. Pois, mesmo
sendo uma base para o desenvolvimento legislativo de qualquer sociedade, as leis
naturais são apenas um ditame racional, isto é, uma recomendação que por si, não
obrigam os homens à ação. Conforme Hobbes afirma:
Estes ditados de razão são chamados leis pelos homens, mas de maneira
imprópria, porque nada são exceto conclusões ou teoremas relativos ao que
conduz a conservação e defesa da humanidade, ainda que a lei,
propriamente, seja a palavra de quem, por direito, tem comando sobre os
demais. (HOBBES, 2020. p. 148).

A lei que, efetivamente, obriga os indivíduos a agirem de um determinado


modo, é a civil. Logo, enquanto a lei natural obriga o indivíduo em sua consciência; a
lei civil regula as suas ações externas. As duas leis, natural e civil, são, nesse ponto,
complementares: uma (a lei natural) obriga em consciência, mas não obriga à ação,
ao passo que a outra (a lei civil) não obriga em consciência, mas obriga à ação.
Assim como Hobbes afirma: “A lei civil e natural não são coisas diferentes, mas
partes diferentes da lei; a parte escrita é chamada de civil e a parte não escrita, de
natural” (HOBBES, 2020. p. 240).
Todavia, essa obrigação social, expressa na lei civil, não se justifica somente
pela lei escrita, mas pela autoridade soberana que, usando de sua força de
constrangimento, impõe aos seus súditos as diretrizes que essa lei exige. Por esse
motivo, o soberano é o único que pode elaborar uma lei civil, pois apenas ele, após
a efetivação do contrato social, possui o poder necessário para impor um
regulamento legislativo a todos. Assim como fora escrito Hobbes:
Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a
piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam)
por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de leva-las a
ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais nos
fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas
semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem
força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de
natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e
quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder
suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá
legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como
proteção contra todos os outros. (HOBBES, 2020. p. 157-158).
Partindo dessa análise, podemos dizer que, para o contrato social ser efetivado, é
necessário que haja um governo estável e organizado que garanta o seu
cumprimento. Hobbes, nesse aspecto, nos apresentará três formas de governo que
podem atingir tal objetivo. Sendo elas: monarquia, aristocracia e democracia.
4.3 As formas de governo em Hobbes

Conforme já explicitado, Hobbes nos apresenta três formas possíveis de


governo. Elas se diferenciam segundo a forma como se organizam e distribuem o
seu poder civil. Nesse sentido, a monarquia, por exemplo, é um governo absoluto
regido somente por uma pessoa que, eleito pela maioria, é responsável pela
preservação da paz social. Segundo Hobbes, essa forma de governo não pode ser
confundida com a tirania, pois esse sistema governamental é uma desvirtuação do
regime monárquico, enquanto o rei governa tendo como principio o bem estar
comunitário, o tirano visa exclusivamente o seu próprio interesse. O segundo modo
é a aristocracia, ou seja, um governo em que um determinado grupo, reunido em
assembleia, detém o poder soberano absoluto e possui a mesma finalidade da
monarquia, a busca pela paz e o bem estar social. O seu oposto é a oligarquia, que
se assemelha em vários aspectos com a tirania. Por fim, têm-se o poder
democrático13 que nada mais é do que o poder absoluto nas mãos de todos. Possui
os mesmos objetivos que a monarquia e a aristocracia e o seu oposto é a anarquia.
Hobbes apresenta os três modos de poder da seguinte forma: “Quando o
representante é um homem, então a república é uma monarquia; quando se trata de
uma assembleia de todos que se uniram, então é uma democracia, ou república
popular: quando é a reunião de uma parte só, então ela é chamada de aristocracia”.
(HOBBES, 2020. p. 173)
Dentre esses sistemas de governo, a monarquia ganha destaque por
conceder o poder absoluto para apenas uma pessoa. Pois, para Hobbes, quanto
mais esse poder é distribuído, maior será a dificuldade para a implementação de
seus comandos normativos. Isso acontece, pois, a decisão de uma pessoa é
discernida com mais rapidez, do que a de uma assembleia, em que todos os
membros devam ser ouvidos. Isso inviabilizaria o sistema político e
consequentemente nos levaria ao colapso. “O rei é o único soberano de que se pode

13
“concepção de democracia baseada nos seguintes elementos: a decisão como o elemento central
do processo deliberativo; a ideia de que, uma vez aferida a vontade da maioria, a posição perdedora
nada mais representa do que um erro”. (AVRITZER, 2000, p. 26).
dizer que é uma marca do poder: só o monarca é um corpo físico coincidindo, sem
excesso nem falha, com a realidade do poder” (RIBEIRO, 1978. p. 40).
5 CONCLUSÃO

Nessa pesquisa, buscamos apresentar como Thomas Hobbes problematizou


a sua teoria da natureza humana e como ela se articulou com a sua filosofia política.
Para atingirmos tal objetivo, usamos como base teórica as suas obras, Do cidadão e
Leviatã. É justamente, a partir do estudo desses escritos que conseguimos refletir
sobre a forma como Hobbes construiu o seu pensamento filosófico jusnaturalista. Do
mesmo modo, o auxilio teórico de comentadores, como: Renato Janine Ribeiro,
Quentin Skinner e Norberto Bobbio; nos permitiu desenvolver uma análise mais
objetiva e coesa do pensamento Hobbesiano.
Por se tratar de um autor que viveu num período conturbado da história
humana, (marcado pela intensa transição de valores e mudanças significativas no
cenário político, econômico e social) o seu pensamento vem carregado de
particularidades que, se não forem observadas com atenção, podem gerar um duplo
sentido e nos desvirtuar da sua verdadeira análise.
Por esse motivo, a primeira coisa que buscamos realizar em nosso artigo, foi
esclarecer alguns posicionamentos do autor sobre a condição humana. Nesse
contexto, o estado natural recebe em Hobbes um valor teoricamente significativo.
Não se trata de estado histórico (comportamento coletivo prático), que existiu nos
primórdios da humanidade, mas algo hipotético, fruto de uma reflexão racional. De
fato, é algo que sempre existiu no homem, segundo Hobbes, mas de maneira
parcial, pois, se fosse vivido universalmente por todos, apenas uma coisa nos
restaria como futuro, a guerra de todos contra todos.
Aqui, nós podemos observar outro fundamento da teoria de Hobbes sobre a
condição humana, ou seja, o estado natural tende para a guerra, mas isso só
acontece pela vivência desmedida das paixões. No estado natural, temos o direito
de realizar qualquer coisa que desejamos, isso é o direito e a igualdade de natureza.
Não existe alguém que detenham mais direitos e poder que outro, cada um vive
segundo a sua vontade. Por esse motivo o estado de natureza hobbesiano, pode ser
compreendido também como associal, isto é não é regido por nenhum acordo
coletivo. Em suma, podemos dizer que o estado natural é hipotético, belicoso e
associal.
Essa condição natural, leva consequentemente a guerra de todos contra
todos, o homem desimpedido de qualquer obrigação, é o senhor de si, realiza tudo
aquilo que os seus impulsos naturais lhe impõem. Nesse ambiente, somente uma
coisa vigora o sentimento do medo, pois eu não sei o que esperar daqueles que se
encontram em minha volta. Essa desconfiança, fomentada pela imaginação, me
impele a agir contra essa ameaça aparente. O outro por sua vez, reconhecendo o
perigo, também luta por sua vida. Isso gera um ciclo vicioso que finda numa guerra
generalizada.
Os homens, por sua vez, para fugirem desse estado belicoso, abrem mão
parcialmente de sua liberdade natural e aceitam se reunir por meio de um contrato
social. O contrato por sua vez, não possibilitam por si a ordem social, por esse
motivo, é necessário que haja um governo, capaz de regular e impor comandos que
possibilitem o cumprimento do pacto. Para que esse governo consiga atingir tal
objetivo, ele deve ser absoluto e respeitar as leis naturais. Hobbes, por fim,
apresentará três possíveis formas de governo civil: monarquia, aristocracia e
democracia, priorizando justamente a monarquia por ser um governo no qual o
poder não está dividido em várias parcelas, mas se concentra somente uma pessoa
e por isso, possibilita um sistema mais estável, orgânico e efetivo.
É claro que o pensamento hobbesiano possui peculiaridades próprias de seu
tempo, como por exemplo, a valorização do sistema monárquico absoluto. Todavia,
a sua contribuição para a modernidade é de suma importância. Primeiramente, na
sua análise, acontece um certo distanciamento da política medieval, apostando no
protagonismo humano, fundamentado na racionalidade. Além disso, podemos
observar que o sistema hobbesiano preza pela conservação da vida, nesse sentido,
não devemos apostar numa ideologia política que prega a morte e o ódio, mas a
unidade e o respeito ao direito do outro. Um governo para ser legitimo deve se
basear na racionalidade das leis naturais, isto é, deve se fundamentar na verdade
dos fatos e priorizar sempre o bem estar de todos. Na sociedade hobbesiana só
abrimos mão daquilo que, vivido universalmente pode se tornar nocivo a todos.
Nesse sentido, aquilo que é particular, mas não fere a dignidade e segurança social,
não deve ser considerado uma ameaça, mas um direito que não pode ser impedido.
Para a contemporaneidade, isso pode significar um verdadeiro convite a aceitação
da pluralidade do outro e o reconhecimento dos seus valores pessoais. Em suma,
como cidadãos, temos deveres e direitos, um verdadeiro compromisso ético com
aqueles se encontram em nossa volta. Mas acima disso, somos humanos,
possuímos fragilidade e paixões. Um estado que não reconhece a própria condição
humana está fadado ao fracasso.
REFERÊNCIAS

ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da filosofia: de Spinoza a Kant. São


Paulo: Paulus, 2005.
AVRITZER, L. Teoria democrática e deliberação pública. Lua Nova, n. 50, 2000.

BOBBIO, Norberto; BOVERO, Michelangelo. Sociedade e Estado na Filosofia


Política Moderna. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense,
1994.
BOBBIO, Norberto. Teoria das formas de governo. São Paulo: Paz e Terra, 1980.
HOBBES, Thomas. Do cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
HOBBES, Thomas. Leviatã: Matéria, Palavra e Poder de Uma República
Eclesiástica e Civil. Tradução de Gabriel Lima Marques e Renan Marques Birro.
Petrópolis: Vozes, 2020.
RIBEIRO, Renato Janine. A marca do leviatã. São Paulo: Ática, 1978.
RIBEIRO, Renato Janine. Apresentação. In: HOBBES, Thomas. Do cidadão.
Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. I-
RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. 13ª ed. Ática, 2005. (Os
clássicos da política).
SKINNER, Q. Razão e retórica na filosofia de Hobbes. São Paulo: Unesp, 1997.

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