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Achilles Delari Junior HENRI a imps seimenane guns; aN THE Direitos de tradugdo para a lingua portuguesa reservados por Editorial Vega Rua Jorge Ferreira de Vasconcelos, 8 —Lisboa-2 Composigso ¢ impressao ‘Tip. Garcia & Carvalho, Lda. Rua Santo Anténio da Gloria, 90— Lisboa Colecgio S2CU4I 3000 ex, em Margo de 107 NOTA SOBRE 0 AUTOR René Zazzo & Professor de Psicologia Genética na Universidade de Nanterre. Desde 1962, sucedeu a Wallon na Direccéo do Laboratério de Psicologia da Crianca da Escola Pritica de Altos Estudos de Paris. Antigo assistente de Wallon e discfpulo de Arnold Gesell, com quem trabalhou nos Estados Unidos e de cujas obras foi o introdutor em Franga, Zazzo é por sua vez um psicélogo da infancia com individualidade propria. Dos numerosos livros e artigos que publicou, destacam-se Devenir @'Intelligence et Quo- tient d’Ages (1941), Psychologues et Psychologies @ Amérique (1949), Les jumeaue, le couple et la personne (1962), Conduites et conscience (1962), Manuel de Pexamen psychologique de Penfant (1962), Traité de Psychologie de VEnfant (1969) e Les Débélités (1969) Achilles Deluri Junior RENE ZAZZO HENRI WALLON PSICOLOGIA eMARXISMO Prefécio de JOAQUIM BAIRRAO Professor no_ I. S.P..A. @ Director do Centro de Orientagdo e Observagéo Médico-Pedagégica (M. A. S.) Postécio de JEAN PIAGET v PREFACIO A EDICAO PORTUGUESA Néo nos 6 possivel por agora, fazer uma reflewdo aprofun- dada acerca do trabaiho de René Zazz0, Vida e Obra de Henri Wallon, pequeno livro que é, aliés, uma bela introdugdo ao pen- samento de Wallon feito pelo sew discipulo continuador, ¢ que noutra altura aprofundarei como merece. Por agora, dada @ impossibilidade de wm tal estudo, sugiro ao leitor um. possi- ‘vel modo de abordar a presente obra. Comegarei por recordar resumidamente 0 capitulo «Retrato de Henri Wallon» no qual Zazz0 nos fala do homem. Wallon foi realmente um mestre que permitiu que algo se organizasse & sua volta, sobretudo o trabalho de vérias pessoas, gracas a interligagtio do Assim, mesmo nos modos de expresséo tipogrdfica, velava por que o pensamento jamais se congelasse em palavras, numa categorizagio intelectual sempre reformavel. Acima de tudo, 9 que Wallon nos ensina é a vigilancia contra o espirito de sis- tema. ‘Na sua obra existem, sem diivida, mini-sistémas, como por exemplo a sua teoria dos estddios ow a sua categorizagéo dos tipos psicomotores. Mas trata-se sobretudo das sinteses rela- tivas a um certo estado do sabcr, e, sobretudo, das construgées destinadas a ilustrar, num momento historicamente datado, um método e uma direccéio da investigagéio em psicologia, Tratan- do-se de estddios, hoje em dia contestdveis, o principio que subsiste 6 0 de aprender a evolueio da crianca na sua globali- “dade, é 0 de néio fragmentar o devir em periodos estéticos. Tra- tando-se dos tipos psicomotores, devemos reter que a motri- 12 cidade € 0 tecido comum ¢ original de onde procedem as dife-| ’ rentes realizagées da vida psiquica. Nestas duas construgdes aparece claramente o projecto sralloniano, a0 mesmo tempo a questo fundamental que le- ‘vanta ea direceao que propoe para resolvé-la, Para Wallon, tal como para Freud, a questo principal é a passagem do biolégico ao psiquico. No entanto, ao passo que Freud apela para uma metapsicologia, para forcas hipotéticas, Wallon empreende a ondlise das emogdes originais, isto é, afinal de contas, das moda- Tidades arcaicas da sensibilidade ¢ do movimento. As actualidades da psicologia, em 1975, confirmam. a actua- lidade de Wallon. A retomada dos trabathos sobre a primeira infaincia ¢, nomeadamente, as recentes descobertas sobre os processos afec- tivos, mostram-nos Wallon como um precursor. Sabe-se hoje em dia com plena certeza que a vir do da cringa & mae, através das pessoas que a rodeiam, corresponde a uma necessidade inata, Ora Wallon afirmara, hd mais de quarenta anos, na base das suas observagies, que a crianca é um ser social geneti- camente, biologicamente, Mas o que falta ds teorias anglo-saxé- nicas da afeigéo & uma apreciagéo mais exacta do papel da emocao para a compreensiio deste processo. Wallon pode aju- dar-nos a completar esta teoria. Pode também ajudar-nos a compreender 0 siibito entusiasmo dos nossos contemporaneos pelos problemas do «Corpo» e a desmistificar este entusiasmo. O misticismo é a contrapartida das incertezas da ciéncia. Inicialmente, desejava intitular esta compilagéo do se- guinte modo: Henri Wallon, Contudo, aceitei o titulo Psicologia © Marxismo proposto pelo editor porque pensei que o proprio Wallon o teria aceitado, A primeira obra que ele dirigiu intitu- narxismo (1935) definiu explicitamente em ‘vérios artigos 0 seu método como sendo o do materialismo dia- Yctico. 1s 4 No entanto,.é de recear um mal-entendido devido ao facto do marrismo, que é a denincia ¢ recuse deltodala ideologia, ‘oparceer actualmente no espirito dos seus adversdrios e mesmo no de muitos dos seus partidérios como uma ideologia, Na realidade, aquilo a que se chama marzismo é a emer- géncia, em meados do século passado, de uma nova idade do Pensamento, A siibita aceleragio das trnsformagies da socie- dade, a revelagdo dos conflitos sociais motor da histéria, @ revolugdo darwiniana que substitui a eternidade do homem pela ideia da sua génese, os fulgurantes progressos das técnicas © das ciéncias, paralelamente aos desenvolvimentos da filosofia critica, tudo converge para wma tomada de consciéncia das leis que regem a sociedade, o homem, a natureza. O materialismo \é a afirmagéo de que a natureza, quer seja fisica ou mental, |é uma realidade objectiva que ewiste fora ¢ independentemente ‘da consciéncia. A dialéctica € 0 método’que consiste em consi- derar que a natureza ndo é uma acumulagdo acidental de objec- tos, que nenhum fenémeno pode ser compreendido se for enca- vado isoladumente, que os fendmenos devem ser considerados néo apenas do ponto de vista das suas relagdes ¢ dos seus can- dicionamentos reciprocos mas também do ponto de vista do seu movimento, da sua transformacéo, que comportam contradi- (Ges internas, conflitos, ¢ que estas contradigdes do conta dos grocessos de desenvolvimento, Nesta perspectiva, «razdo do homem néo ¢ absoluta, nem} Gbsolutamente relativa, A razio forma-se e transforma-se pelas 1 dey 1026es das coisas, humanas e materiais. «As leis do pensamento, escreve Wallon, 86 podem nascer e especificar-se através do seu lincessante ajustamento as do universo». E também, tratando-se ‘mais particularmente da psicologia, «a ciénoia essencialmente telativista empenha-se em tecer novas relagdes entre todos os sistemas nos quais se reparte a nossa experiéncia das coisas eda vida,em fundi-los cada vez mais uns nos outros,e,consoante © que for exigido por esta obra de unificagdo pelo conhecimenta, uy em reformar ou abolir as distingdes ou categorias intelectuais do passado que « tal se poderiam opor> Mas Wallon considera que as belas declaragées ndo resol- vem nada: a ciéncia ndo se deduz do marsismo, € 0 marsrismo que deduz os seus principios de acgdo a partir da ciéncia em formagdo, a partir das acgées empreendidas pelo homem. Wal- lon assim o exprime, claramente, em conclusdo da frase ucima citada: «Fazer estas constatacdes néo é dar uma solugdo. nem mesmo & dar um programa preciso de investigacdo; é ape- nas indicar uma direccdo. Tanto pela sua abertura em relagéo & experiéncia inédita das coisas, como pela firmeza do seu método, Wallon foi o pri- meiro a ir & luz do verdadeiro marismo os caminhos da psicologia; a psicologia, a mais dificil das ciénoias, pois que é nela que as ilusdes da subjectividade encontram o seu tiltimo reftigio, pela insatisfagdo ¢ pela impaciéncia que nos faz expe- rimentar, é propicia a todos os misticismos, a todas as impos- turas. Wallon é a introdugéo e a ilustragio do método marwista em matéria de psicologia, O leitor encontrard em posfécio wma homenagem de Jean Piaget a Henri Wallon, Este texto, publicado em 1962, alguns meses antes da morte de Wallon, é de wm interesse excepcional: Piaget declara com muita clareza que acaba finatmente de com- greender o contributo fundamental de Wallon a. uma teoria da representagdo ¢ que escapa as suas préprias andlises, Empe- nha-se entéio em demonstrar que, pelo menos neste aspecto, as obras de ambos so complementares ¢ néo adversas. Agradecemos a Jean Piaget por nos ter permitido repro- Guair esta homenagem que Wallon recebeu como uma tiltima palavra de amizade e de paz. Outubro de 1975. RENRB ZAZ2Z0 15 CAPITULO I ORIGENS E ACTUALIDADE DO PENSAMENTO DE HENRI WALLON Experimento sempre uma certa ansiedade ao falar de Wallon quando se trata, como esta noite, de exprimir, de expor © essencial do seu pensamento, A minha longa familiaridate com a sua obra, a minha longa colaboracéo com ele, e 0 facto de me ter escolhido ha mais de vinte anos para Ihe suceder na direceéo do seu laboratério, nio me tornam a tarefa mais facil. Muito pelo contrario, Estou por demais consciente de quanto ha de inabitual na légica de Wallon, de desconcertante nos seus esforgos, nas suas maneiras de pensar, para ter a cer- teza de que no o trairei de algum modo junto de vés. Existem autores que se podem simplificar sem que fiquem demasiado prejudicados, e até por vezes prestando-lhes um servico, j4 que. o.seu_pensamento é um sistema, jé que as suas aparentes com- Flexidades no passam de um ruido de fundo, de um sortilégio verbal. Em Wallon, as complexidades, as asperezas, as. contra-| autor descobre ¢ quer respeitar fi das Por conseguinte, néo hé, em Wallon, uma doutrina, nfo hi sistema — que para o leitor é sempre, mais ou menos, um sis- tema de seguranga e para o autor uma esperanca de gloria. * Wy digdes sio quase sempre essenciais, pois correspondem ao que o| //: »t ente na prépria natureza) 7/7’ boc? En foe Siu» iste método, esta dialéctica entre razio ¢ realidade, en- Wallon é uma maneira de abordar as coisas, uma atitude, um método— e o mais dificil, o mais incémodo de todos. Por um lado, propée-se como objectivo abarcar a realidade tal como ela 6 (complexidade, contradic&o, irracionalidade), evitando a assimilagéo empobrecedora, deformante, da nossa Fazio cléssica, mas, por outro lado, este método fundamenta-se na eonviegio de que esta ciéneia nfo é nem pode ser um de- calque da realidade, Quanto A atitude que consiste para o psicdlogo em se con- fundir com o seu sujeito, Wallon denuncia-a nfo apenas como uma demissio cientifiea mas também como uma ilusio, a de todo 0 misticismo, Rejeita com vigor quase idéntico as preten Ges de um certo objectivismo. Ciéneia objectiva, decerto tanto ‘em matéria de psicologia como outra qualquer, mas cuja objec- tividade se define por uma reorganizagio continua da razdo em contacto com as coisas, Assim, Wallon néo é apenas um psicé- logo da crianca. O seu projecto é uma ciéneia do homem. Se consagrou a sua obra ao estudo da crianga, foi sem di- vida porque a infancia o apaixonava e foi também porque via. na andlise do desenvolvimento, na observacdo de uma génese, de uma realidade em vias de se fazer, a melhor maneira de apli- [ ear o seu método. contramo-la praticada, ou pelo menos afirmada, em muitos outros autores, Em Piaget, por exemplo. Mas Piaget limita o Seu empreendimento ao estudo da inteligéncia, o que j& nfo é pouco, Wallon query abarcar a personalidade total: por conse- guinte, a razéo deveré aplicar-se a uma matéria que 6, pelo menos na experiéncia, profundamente heterogénea. © que acabo de vos dizer sobre a obra de Wallon, ainda que a mesma se defina no por uma doutrina, mas por uma forma nova de abordar as coisas da psicologia, nao passa, bem o sei, de uma afirmagio de ordem muito geral. 18 Gostaria de vos tornar isto sensivel, néo penetrando no pormenor da obra (o que nao é possivel aqui), mas antes tuando esta obra na sua histéria, situando Wallon tal como ele proprio se situou em relacio aos grandes psicdlogos que foram ‘seus contemporaneos, determinando as suas interrogagées, os seus temas fundamentais, a forma por que os revelou e pela qual no-los legou. Wallon no seu tempo, Wallon no nosso tempo, Wallon tal como foi e Wallon tal como é entre nés, presente, e precursor das obras de amanhi. J No pensamento de Wallon, ha um aspecto social e politico que prejudicou a sua carreira e que alguns gostariam de ignorar ou de desculpar como algo puramente contingente e estranho & sua obra cientifica, Nao sou daqueles que consideram que se faz necessariamente boa ciéncia de bons sentimentos, Contudo, tratando-se de Wallon, parece-me hoje evidente que a sua sen- sibilidade pelas coisas sociais, uma sensibilidade alimentada no meio familiar desde a mais tenra infancia, foi a mola iniciai da sua obra cientifica, Ignoré-lo seria o mesmo que nos condenar- mos a nfo compreender a génese e o aleance desta obra. Henri Wallon nasceu em 1879. 1879. A repiiblica, tereeira do nome, tinha quatro anos. Era ento presidida por um marechal, MacMahon, vencedor da Comuna de Paris, e governada por um mondrquico, o conde Victor de Broglie. Depois da derrota de 70 e do esmagamento da Comuna, a . Os paradoxos da emogao derivam do facto da actividade tonica do organismo concernir tanto ao jogo das atitudes visiveis (ex- Fressées do corpo e do rosto) como as fungdes viscerais. De forma que por intermédio destas atitudes sensiveis se estabe- Jece um laco entre as mais profundas sensibilidades da erianca € os seus contactos com outrem; de forma que, pelas alternin- cias de comunhao e de oposigéo, se esbocam a consciéncia de si, a representagio, Esta teoria da emocao é elaborada pela obser- vagio jdos primeiros meses de vida e 86 podia ser obra de um biologista. muito menos conhecido o que Wallon disse acerea da inteligéneia discursiva. O livro no qual Wallon analisou as ori- gens do pensamento é, contudo, 0 mais rico, ou, pelo menos, © mais elaborado de toda a sua obra. O interesse suplementar que este livro nos oferece é o de comparar, num mesmo dominio, ‘© método de Wallon com o de Piaget. Vou dizer algumas pala- vras a seu respeito para vos incitar a relé-lo ow a lé-lo. 28 ‘Aqui, nio é 0 médico quem fala. Nao se trata de analisar as condigdes organicas ou sociais do comportamento, Wallon coloca-se no plano da deseric&o psicolégica. As criancas que examina tém de cinco a sete anos, Serd entéio que o pensamento surge tio tarde? Nao, Wallon falou, noutras obras, de inteli- géncia das situagdes, aquela que se esgota completamente nas circunstaneias que utiliza e nos resultados que produz, Neste livro, 0 projecto de Wallon consiste em estudar uma «actividade ue se diseorres, as origens do pensamento discursivo. Na idade dos cinco-sete anos encontramo-nos no pefodo que Piaget designa pela expressio das operacdes concretas. Onde Piaget faz obra de légica, Wallon faz obra de psicélogo. Piaget interessa-se pela formacio da razio légica. Wallon inte- ressa-se de forma muito mais ampla pelo pensamento, E digo isto sem estabelecer valor relativo entre as duas obras, Trata-se de duas perspectivas, de dois pontos de vista diferentes. E, alias, Piaget faz reflectir as criancas sobre o material, ao passo que ‘Wallon mantém a observagao num plano verbal. ‘Ao multiplicar os diélogos com a crianca, ao retomar os cous ditos sob ngulos variados para extrair de cada um deles as suas miltiplas significagdes, Wallon traz & luz do dia os obs- téculos com os quais a crianca depara, todas as contradicées om que se embaraca o seu pensamento: contradicdes entre a tradicao e a sua experiéncia, contradigdes entre o formalisme da linguagem e a fluidez dos dados sensiveis, em si mesinos contraditérios, entre o real e a sua representagao. A observacio teita sobre a crianga prolonga-se numa psicologia geral do pen- samento, do pensamento nao tal como se pode formalizar num tratado de logica, mas tal como verdadeiramente se desenrola. ‘As contradigdes devem ser ultrapassadas para que em niveis sucessivos de dificuldade o pensamento concorde com o real, mas sem que jamais desapareca totalmente um desfasamento de algum modo essencial, diz Wallon, «que deve incitar 0 pensa- mento a novos esforcos, a novas sistematizagdes>. 29 Aelilles Delari Junior &, talvez, nesta investigacdo sobre as origens do pensa- mento que se descobre melhor esse esforco sem dispositivos experimentais, sem o aparelho nocional do médico, que se des- cobre melhor a primitiva vocagio de Wallon, a sua arte de sus- citar, de escutar um dito, a sua curiosidade e a sua simpatia, enfim, 0 jogo por vezes atordoante das suas hipéteses, da sua imaginacio. Wallon disse um dia que os saltos do imaginario so indis- pensiveis ao psicdlogo, como, aliés, ao matemitico e ao fisico. . Respeitou este compromisso. Desafiou e vencet essa morte, Pagou, e com lar- gueza, aquilo que chamava a dfvida social dos privilegiados. Antes de nos abandonar repete pela tiltima vez: . Hoje em dia, ele esté presente em toda a parte. Mais que nunca esté presente. De acordo com a tinica forma que podia admitir, sobreviveu & sua morte fisica. (©) Ct na obra colectiva, L’Attachement (Delachaux, 1974), as de- claragdes de Spitz a este respeito, 84 CAPITULO IT DO CORPO A ALMA: AS RESPOSTAS DE WALLON E DE FREUD Se alguém se lembrasse um dia de comparar, no mais pro- fundo das suas obras, Freud e Wallon, deveria comecar por analisar a forma pela qual cada um deles formulou a antiga questo das relagées do corpo e da alma. «Um dos passos mais dificeis de dar para a psicologia é © que deve unir 0 orgiinico e o psiquico, a alma e o corpo» ("). Esta frase de Wallon, uma das tiltimas que escreveu, tam- bém poderia ser de Freud. Com efeito, encontra-se tanto num como noutro tudo quanto esta pequena frase implica: que a solugdo pertence a ciéncia, que n&o se devem «repelir como extracientificos os problemas relativos & natureza, as origens do psiquismo>; simultaneamente, em suma, uma recusa da metafisica e do positivismo; e, também, a conviegéo de que do organico ao psiquico trata-se de uma verdadeira génese, isto é, que o psiquico no se poderia reduzir ao orginico nem expli- car-se sem este. O objectivo dos dois autores é 0 mesmo, e igual- mente forte a sua determinacio de abandonar os caminhos jé explorados. () «Pundamentos metafisicos ou fundamentos dialécticos da psico- logias, La Nouvelle Critique, Novembro de 1958; reproduzido em Enfance, 41, 1988, oft. p. 105, 35 Se 0 passo de que fala Wallon é tao dificil de dar, 6, muito Provavelmente, porque a nossa razao, tal como é actualmente constitufda, se mostra mais ou menos paralitica quando se trata de seguir, de compreender a mudanga e, evidentemente, quando a mudanca 6 passagem: a passagem fundamental do organico ao psiquico, da vida ao pensamento, mas também do organico ao vivo. (E podemos perguntar-nos, e eu pergunto-me, indepen- dentemente do que Wallon possa ter dito, se aquilo que perce- bemos como solucdo de continuidade, como ruptura, e onde que- remos descobrir uma passagem, sera em todo o caso um salto da natureza ou, por vezes, um hiato da nossa razio). A tendéncia habitual da razio consiste em escamotear a passagem ou considerd-la impossivel. O reducionismo que ani- quila todo 0 efeito, toda a novidade na sua causa, e o tabu que proibe como insensata toda a pesquisa das origens traduzem 0 mesmo medo, a mesma enfermidade da razio que deixa assim o campo livre as miltiplas elueubracdes do misticismo. ‘Wallon, tal como Freud, experimenta profundamente a insatisfagio que leva tantos espiritos a refugiarem-se no mis ticismo. Contudo, tal como Freud, nao é para renegar a razo, € para reexaminé-la, para «reformar ou abolir as distingSes ou categorias intelectuais do pasado que poderiam opor-se> & obra do conhecimento, Nesse sentido, que para mim nada tem de pejorativo, Wallon ¢ Freud sao cientistas. Herdeiros, ambos, da revolucio darwiniana, transferem-na, fazem-na manifestar- -se no seu dominio, isto , ao nivel mais elevado das transfor- magfes da natureza. # certo que proclamar a necessidade de uma revolugao por- que as coisas vio mal nfo 6 0 mesmo que fazé-la; enfo 6 dar a solucdo», diz ainda Wallon, «nem mesmo é dar um programa preciso de investigacdes, trata-se apenas de indicar uma direc- cdo» (°). A dificuldade das investigagdes, em que se devem defi- (©), Les Origines du caractére chee Venfant, Bolvin, 1984; reeditado por P. U. F,, elt. p. XI 36 air novos métodos, inventar-se novos processos sempre revogé- veis, emergir novas nogGes sempre sujeitas a revisdo, apreen- demo-la por tudo quanto pode parecer & primeira vista laborioso, contraditério, desconcertante na obra de Wallon, com uma im- pressiio perpétua de risco, Mas quem nfo arrisea nao petisca, ¢ isso é também valido em ciéncia, e numa ciéncia incerta mais do que em qualquer outra. ‘Uma certa vantagem de Wallon sobre Freud é talvez, para- doxalmente, o facto de nio ter conhecido o éxito das multiddes que multiplica infinitamente os riscos, nfo ter congregado mi- Ihares de disefpulos e de cortesios prontos a trai-lo ou a vendé- clo, A este respeito, recordo um incidente bastante significativo. No primeiro ano em que Wallon ensinou no Colégio de Franca, era eu seu assistente, alguns dos seus alunos vieram ter comigo para me pedirem que Ihes «repetisse», que lhes explicasse o seu curso, Wallon, a quem transmiti este pedido, opds-se com veeméncia, Néo pode haver mediagdo entre eles e eu, disse-me, em resumo, nfo pode haver tradugfo para uma linguagem «clara» daquilo que eu digo. Tal tradugo seria um regresso a «légica» que me empenho em denunciar. Embora nao me sinta hoje, mais do que hé trinta anos, no direito de ser seu intérprete, interrogo-me sobre a forma pela qual as suas respostas se distinguem das de Freud e sobre as razées de uma audiéncia ainda tio restrita, comparada com a popularidade da psicandlise, Razées bem evidentes do éxito de Freud: 0 esendalo do sexo, o contributo de uma psicoterapia, uma ideologia & medida das contestagdes do nosso tempo, o rigor de um sistema que tem uma resposta para tudo com apenas o minimo necessério de margem de sombra, de forma que os impulsos misticos ai encon- trem alimento, tanto como as necessidades de racionalidade. ‘Mais profundamente, creio, a diferenca de audiéncia entre Wallon e Freud deriva de uma diferenga de interpretatividade. Do ponto de vista da razio clissica, o escindalo walloniano no 37 menor que o escindalo freudiano, mas é muito menos facil- mente susceptivel de ser traduzido ou trafdo em linguagem (*). Da sua tese de 1925 (*) aos seus tiltimos artigos, durante mais de trinta anos, Wallon aprofundaré a sua anélise da emo- cdo, nas suas condigées fisiolégicas, como condig&o do cardeter © da representagéo, como preliidio da linguagem, tanto nas origens do pensamento humano como na ontogénese. O cardeter equivoco da emogio que a fez considerar, segundo as teorias, ora como uma actividade ‘itil ora como uma reacgio de desor- dem, deriva em primeiro lugar da diversidade dos centros ner- vosos de que depende, £ na sua obra de 1925 que Wallon inau- gura 0 método repetidas vezes demonstrado mais tarde. Expde, para opé-las uma a outra, as teses de Lapieque e de Cannon. Lapicque considera apenas as manifestagdes motoras da emo- cdo e, por conseguinte, considera o cértex cerebral como o ponto de partida desta tiltima. Cannon parte das manifestag6es visce- rais e converte assim a emocdo numa actividade puramente vege- tativa e bioquimica. Evidentemente, ndo basta operar a sintese de duas concepgées opostas para se chegar & verdade e, sobre- tudo, para apreender a realidade nos seus intimos mecanismos. O desacordo das doutrinas pode exprimir numa primeira aproxi- () <0 orgiinico e © social no homems, Scientia, Abril de 1973; reproduzido em Enfance, 1, 1983, cit. p. 64. () L’Bnfant turbulent, Alcan, 1925. 39 magio uma real contradic&o das coisas, Mas, como é 0 caso aq a aproximagio é demasiado esquemdtica, demasiado grosseira Para fornecer algo mais do que uma orientag&o geral. Wallon retoma entio o conjunto dos dados fisiolégicos, desenvolve, clari- ficando, cada uma das duas concepedes, depois fa-las encon- trar-se. Entre os dois principios explicativos, entre a actividade cortical e as reaccdes vegetativas, diz ele, abre-se um arco de- masiado amplo, Lembra que existem no sistema cérebro-espinal centros sobrepostos, mais ou menos submetidos ao cdrtex, mas que fornecem também energia e coordenagio & vida de relacéo; que, por outro lado, as manifestagdes viscerais supdem uma organizagéo de uma grande complexidade, cujo papel é devol- vido ao sistema auténomo; finalmente, que estes dois sistemas nfo so totalmente independentes um do outro. A anilise assim conduzida revela, no uma oposigio radical, mas uma bipolaridade & qual Wallon volta repetidas vezes. «A emocio, afirma, move-se entre duas espécies de centros nervo- 80s, 08 da vida vegetativa no eérebro central e aqueles que cor- respondem a parte frontal dos hemisférios cerebrais... Pode, consoante as cireunstdncias, aproximar-se mais de um ou de outro polo, mas o seu antagonismo também Ihe pode dar... um caréeter equivoco» (°) Convém néo esquecer esta bipolaridade fisiolégica da emo- c&o para compreender o que so as contradigées ¢ as diferencia- Ges funcionais do desenvolvimento, A emog&o seré a matéria dos sentimentos electivos, mas é também, e em primeiro lugar, sensibilidade sinerética, contgio, confusio. Particularmente favordvel ao estabelecimento de reflexos condicionados, con- duz, numa idade em que 6 impossivel qualquer deliberagéo, & formagio de complexos irredutiveis a qualquer raciocfnio, ‘Mas & também um preliidio da representagio. ©) <0 orginico e 0 social no homem», Scientia, Abril de 1953; reproduzido em Bnfance, 1, 1963, p. 64. 40 No entanto, a fung&o inicial da emocdo é a comunhio com outrem, Com efeito, & (*) Deste modo, as influéncias afectivas do meio tém uma acgio decisiva sobre a crianga. O que no significa, evidente- mente, que criem tudo a partir do nada. Mas infiltram, car- regam de significado, & medida que aparecem, os movimentos, ‘as reacgées (0 sorriso, por exemplo) em poténcia na maturacio das estruturas nervosas, Nas primeiras semanas de vida ndo ha, verdadeiramente, ‘emogio, no sentido em que Wallon a entende. A motivacéo psi colégica do grito ao nascer, pressentimento ou lamento, é pura- mente mitica, Neste estidio elementar nfo hé distingéio no pasmo entre sinal e causa, mais especialmente entre movimento e sensibilidade ("). © para além desta indiferenciagio primitiva, perfodo de pura impulsividade, que, por maturagio, 0 grito se diferencia como meio de expresso e se torna, com as reacgdes do meio e gracas a elas, meio de comunicagio, O social captou 0 fisiolégico para torné-lo psfquico. Contudo, «desde que a mimica se torna linguagem e con- vengéo, multiplica os matizes, as cumplicidades tacitas, os subentendidos e subtiliza, 20 contrario do raptus unfnime que 6 uma emocio auténtica (*), Assim, as emogdes determinam uma evolugdo que tende & sua prépria redugéo. () Linvolution psychotogique de Vanfant, A. Colin, 1986, p. 138. Na sua andlise da carénela precsce dos culdados maternais, René Spitz tutilizou explieitamente a teoria de Wallon com o qual manteve relagdes durante muito tempo. (°) LRvolution psychologique de Venfant, p. 128. (1) Evolution psychologique de Venfant, p. 136. 41 ‘Tudo quanto acabo de expor ficaria praticamente incom- Preensivel se a nogio de movimento nfo estivesse constante- mente subjacente & de emo: Na crianga que ainda nao fala, , Bnfance, 2, 1956; reproduzide no niimero especial Enfance, 3, 1058, elt. p. 235. 42 movimento propriamente dito, é principalmente acgao, relacdo com 0 mundo externo: locomoc&o, preensio, manipulagéo. A to- nicidade é, especificamente, expressiio, meio expressivo de si mesmo @ de relagdo com outrem. O que, para o fisiologista, constitui sobretudo a funcéo evi- dente do ténus, é acompanhar o movimento, dar ao gesto a sua agilidade, a sua finura, a sua estabilidade, regular a justa adap- tagio do gesto ao seu objecto. Mas o que Wallon sublinha é a fungio até entfio desconhecida das posturas, das atitudes, que por um lado se relacionam com a acomodagio perceptiva, por outro com a vida afectiva. No recém-nascido entrelagam-se sem poder ainda coorde- nar-se, nem ter qualquer eficdcia, bruscas distensdes muscula- res e reacgdes tonicas, espasmos. B o perfodo que Wallon de- signa como de impulsividade pura. «Incapaz de efectuar seja 0 que for por si mesmo, é manipulado por outrem, e é nos movi- mentos de outrem que as suas primeiras atitudes tomam formas (*"), Com efeito, estabelece-se progressivamente uma ligacdo entre as necessidades da criana, que exprime a sua agitagio, e a intervencio do meio, «Os primeiros gestos que Ihe so titeis sio, assim, gestos de expressio, no sendo os seus actos ainda susceptiveis de nada Ihe fornecer directamente das coisas mais indispensiveis» (). Trata-se, na idade de dois ou trés meses, do infeio do estidio emocional, Efectivamente, todas as emocdes correspondem, cada uma & sua maneira, a variagdes do ténus tanto periférieo como vis- ceral (##). Variagdes essas que dependem todas da inervagao do simpitico. Espasmo intestinal ou orgasmo, gritos e lagrimas, (©) «© papel do outro na consciéneia do eu», J. Bgypt. Peyeh., 1, 1946; reproduzido em Enfance, 3, 1959, cit. p. 281, (*) eImportaneia do movimento no desenvolvimento psleol6gico da crlangas, ob. cit, p. 288. (*) L/Bvolution psychologique de Venfant, p. 130. 48 isos e sorrisos, atitudes e posturas, mimicas do rosto e do corpo, linguagem dos olhos das mios, intonagées da voz, por mais que nos afastemos das fontes orgdnicas, jamais seréo rom- Pidas as afinidades e as filiagées, seré sempre possfvel 0 mare- moto emocional. A convencao mais sofisticada, a mais subtil atitude de simulacio s6 podem funcionar em referéneia 4 ver- dade priméria da emogao. Assim, 0 movimento, tanto no seu aspecto cinético como na sua fungio ténica, nao é um traco de unido, um simples me- canismo de execugdo entre as condicdes externas e as condigdes subjectivas de um acto ou de uma atitude. B a emogdo exterio- rizada, © o préprio acto. «Pertence estrutura da vida psf- quica> ("). Prineipio de genética geral, 0 movimento pode fun- damentar também uma psicologia tipolégica ou diferencial. Com efeito, o jogo complexo das fungdes motoras, a sua exacta coor- denacdo pressupdem «uma soma de regras que podem nfo ser as mesmas de um para outro sujeitos (°*), O estudo das diferencas individuais, levado tanto quanto Possivel aos seus determinantes neuro-fisiolégicos ou lesionais, € um método de andlise. Permite também, ao clinico e ao inves. tigador, fazer corresponder a diversidade que se observa entre 08 individuos a condiges precisas e alicergar sobre estas con- digdes a sua distribuigo em grupos mais ou menos claramente diferenciados (**), Assim se esboga, pela passagem do patolé- gico ao normal, do sindroma ao tipo, uma ciéneia do individuo. Os tipos deseritos por Wallon e que ele designa como psicomo- tores sao essencialmente compleigées afectivo-ténicas, frmu- (©) _¢Sindromas de insuficiéncia pslcomotora e tipos psicomotores», Ann, Médic. Peyehot. 4, 1932; reproduzide em Enfance, 3, 1959, p. 241. (Bid, p. 241 (°) bid, p. 242; Bnfance, 3, 1999, p, 240-241. Cf, também a dese rig do sindroma de «A instabilidade posturo-psiquica na crianga>, Enfance, 1, 1963, p. 168-171, we las em que o individuo se caracteriza pelas inevitéveis irregu- laridades do ténus e, por conseguinte, pelo estilo dos seus actos e das suas relagdes com outrem. Esta tipologia é totalmente estranha as antigas nogdes de morfologia e de temperamento tais como as encontramos ainda actualmente, por exemplo, em Sheldon. B pela sua motricidade, pela sua tonicidade, pelas suas funedes posturais, assim como pelos seus modos de sensibilidade, que 0 corpo se torna psique, e uma tal pessoa em vez de outra, Wallon é alérgico a tudo quanto possa parecer uma fixidez, uma estrutura imutével. Além disso, se a importancia do tipo psicomotor é, a seu ver, manifesta em todo o comportamento, tal n&o significa que se possa concluir que seja possivel deduzir tal comportamento a partir de tal tipo. «Pois, em biologia, e por maioria de razio em psicologia, o nimero de factores em jogo, e, sobretudo, 0 dos choques ¢ das circunstancias imprevisiveis, tornam qual- quer dedugéo impossivel> (*). Por conseguinte, no decurso da infancia, a transmutagéo do orginico no psiquico opera-se gragas & marca social, A dupla natureza da emocio, e quando as condigdes de maturacdo a tor- nam possivel. Mas este psiquico acabado de emergir das reac- Ses organicas, observavel tanto no animal como na crianga muito jovem, permanece prisioneiro do presente, atolado no acto sensitivo-motor. Sob 0 Angulo afectivo, siio as confusdes os efeitos da emocdo; sob o Angulo cognitivo, é aquilo que ‘Wallon designou, com tanta profundidade, de inteligéncia das situagées. Levanta-se ent&o um outro problema, fica por explicar uma outra grande passagem: como é que, no decurso do seu segundo ano, a crianga dé 0 passo decisivo que a leva da inteligéncia das situagdes A representagio, do acto ao pensamento? () , P. 251, ob cit. 4B # sabido que Wallon atribui a linguagem um papel primor- dial do advento da inteligéncia representativa, que vé nela, con- trariamente a Piaget, uma segunda fonte de inteligéncia, sendo a primeira a sensorimotricidade. Mas 0 aparecimento da lingua- gem nada explica sobre o processo da passagem, sobre a juncao entre as duas formas de inteligécia. # pela imitagdo que Wallon dé conta desta passagem. Néo hé dfivida de que este recurso & imitagio néo contém em si mesmo nada de original, Encontramo-lo também em Piaget, ¢, em primeiro lugar, nos alvores da psicologia genética, em J. M. Baldwin. A originalidade de Wallon a este respeito deriva da dialéctica que aplica, mais uma vez, e em estreita ligagéo com as suas andlises preliminares da emogéo e da motricidade (*). A imitacio é movimento. Contudo, na sua origem, trata-se menos de movimento orientado para o mundo ffsico, para objec- tivos externos, que da actividade sobre si mesmo ou postural «que tem por meios e por objectivos as préprias atitudes do sujeitos (*), que 6 20 mesmo tempo, acomodacéo as atitudes de outrem. Nos seus preltidios e em si mesma, a imitagdo é actividade plastica. Os primeiros sorrisos em resposta ao sorriso, os primeiros murmirios, os gestos em eco aos outros e a si mesmo, distin- gue-os Wallon da imitagéo propriamente dita, cujo critério é ser diferida. Sao, contudo, o seu tecido primitive: fenémenos de indugéo, de contagio, de consonancia. Mas o gesto, quer comegasse por ser mimetismo quer simples eco, traz consigo a (©) Ver em posticio do presente volume o texto de Jean Piaget <0 papel da iniclagdo na formagio da representagioo ‘Wallon virla a morrer alguns meses depols da publicagio do artigo do Piaget. Nao pode responder-Ihe. Mas sentira-se tocado e interessado por esta tentativa de reconeiliago de Jean Plaget. (*) De L/Acte @ ta Pensée, Flammarion, 1942, p. 243. 46 razio do seu proprio progress, Modifica aquele que o faz; pela fungdo postural & qual pertence, da progressivamente @ crianca © sentimento, a consciéncia ainda obscura da sua coeréncia, reforcada pela percepedo dos desacordos com 0 modelo imitado, desejado, rejeitado (*). ‘Assim, nesta actividade mimética, e em seguida imitativa, a partir desta motricidade que comeca por se orientar para si mesma, inicia-se uma diferenciagio, prepara-se uma espécie de viragem. Da confusio vai sair o seu contrario: a distingao, ¢ mesmo a oposi¢ao. Hividentemente, sempre com uma possivel regressaio, uma oscilagiio entre os dois polos da imitagio: alie- nagio de si mesmo no objecto, em outrem, e desdobramento do acto a executar a partir do modelo, (*). ‘Assim, a dialéctica da imitagio dé conta da passagem & inteligéncia discursiva, sob a qual, aliés, continua a subsistir 2 inteligéncia das situacdes, intuicdo plastica no instante pre- sente. Ao mesmo tempo, explica-se a formagio conjunta do socius e do eu. ‘A teoria do socius, considerada isoladamente, néo é sem di- vida o contributo mais pessoal de Wallon. Deriva de J. M. Bald- () Wallon indica que, passado 0 perfodo da imitacdo automética, ‘a imitagdo na erianga 6 electiva e muito ambivalente: absorver 0 objecto amado e, inversamente, ser absorvido por ele. As duas tendéncias, diz, podem estimular-se, eclipsar-se mutuamente, suceder-se. A partir da ané- liso desta imitagao electiva, relnterpreta o drama que Freud simbolizou pelo complexo de Bdipo, generalizando o seu significado, De Vacte a la pensée, pp. 162-164, (*) De Pacte a ta pensée, p. 244. rd win, directamente ou por intermédio de P. Janet (#), Mas Wallon integra-a com uma felicidade de expresso e uma forca que @ tornam como que o remate da sua obra, a tiltima pega que confere a0 conjunto amplitude significante, A ideia de que a crianca comeca por se alienar totalmente na ambiéncia humana, confundida com o seu parceiro, a ideia de uma indiferenciagéo primitiva a partir da qual se constréi © eu encontra-se presente em toda a sua obra. Mas sé mais tarde, num artigo publicado em 1946, é o que o termo de socius © teoria explfcita do eu aparecem, Teoria precisada e aprofun- (©) Para uma epstemotogin de. ldncin do desenvalvmento alco Dodge, para compreender ta das fontesprineipls da abn de Wale ¢ de Piaget também, om menor medida, de Pre, srk Prana eng: tar a James Mark Bail, tneirado eni Darwin's Hegel noe fol ene mente com Freud ¢ ao mesmo tempo. que le, aluno, de Chariot no Salpttritre. Fot Baldwin 0 primelro a falar do cu loa! come stings de ‘uma elocgdo, a alal6ten emotiva © motora da milagdas fet 6 Primero a construe uma teori do soclue ave, como € evideate vow & Sugpear Wallon, fo tambm ele qutinexbogou oe contrnon desta Iopce seottca, ulterrmente. detevolvda, por Paget © que ine foraeets famoso esquema funcional: sitinilagho-acomodnssoadnptayio Baldwin ndo ¢ um antepaeaado tho lnginqwo deo como pode atacer: a time etapa dasa care decortey tm Pare mate se fm 1854 Lamesio «deena com 4 qual tat! enter, et quarto do stcuo, no meu iro Poycholages et Paychlopln wamarinn A titulo_de reparagto e de tutragt, tle un texto Ge Baldwie wee da tito bom — a proptsto nogio de soctas a mest se ete de percursor: , ob. cit, p. 288. 49 dois, a repartico da matéria psiquica nunca é fixada de uma vez para sempre, nunca 6 constante. Varia com a idade, con- forme os individuos, e, para cada um deles, segundo as cireuns- taneias. # de facto isto o que existe de original na concepeéo wal- loniana do socius; o outro intimo data de um periodo em que 08 outros ainda nfo existiam, (*)! O artigo é de 1923 e a critica nao se dirige a Freud, que nem sequer é citado, mas sim a Héffding e a Herbertz, O que Wallon recusa é uma nova enti- dade, um inconsciente que, ultrapassando os processos biol6- gicos, néo passaria de um

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