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Giovanni Reale

,..,
INTRODUÇAO A
/'

ARISTOTELES

CODTRAPODTO
Maior filósofo da Antiguidade, talvez o
maior de todos os tempos, Aristóteles
nasceu em Estagira, então na Macedô-
nia, em 384/383 a.C. Ingressou muito
jovem na Academia de Platão, em Ate-
nas, e lá passou vinte anos. Viajou bas-
tante pela Ásia Menor, educou Alexan-
dre, o Grande, e fundou o Liceu,
seguindo o modelo platônico de ami-
zade e liberdade para os alunos, com
um espaço - o perípatos - destinado a
caminhadas em grupo. Estabeleceu ali
um museu de história natural e uma
biblioteca de mapas e manuscritos,
usados em um extenso programa de
pesquisas.
O platonismo é o núcleo em torno
do qual se constitui a obra aristotélica.
Porém, ao contrário de Platão, Aristó-
teles dedicou-se tanto à filosofia pura
quanto às ciências empíricas, coletan-
do e classificando informações sobre a
natureza e os seres vivos. Dividiu as
ciências em três ramos: as teoréticas,
que buscam o saber em si mesmo; as
práticas, que buscam o saber para al-
cançar a perfeição moral; e as poiéti-
cas, que buscam o saber para produzir
objetos. A lógica não pertence a ne-
nhum desses ramos: mais que uma
ciência, ela é o instrumento preliminar
de toda ciência, pois mostra como o
homem pensa.
Depois da morte de Aristóteles, em
322 a.C., sua biblioteca pessoal ficou
com Neleu, que a levou para a cidade
de Scepse, onde permaneceu guardada
- e esquecida - durante trezentos anos.
Muita coisa se perdeu, mas o que foi
recuperado influenciou decisivamente
o desenvolvimento da filosofia e da
ciência em todos os centros em que,
desde então, a alta cultura prosperou:
Grécia, Roma, Alexandria, Bizâncio, o
mundo islâmico, com seus inúmeros
comentadores, e, finalmente, a Europa,
onde o legado aristotélico foi assimila-
do e reinterpretado por Santo Tomás
de Aquino, contribuindo decisivamen-
te para redefinir a teologia cristã.
A importância de Aristóteles não
diminuiu com o tempo: ele permanece
como um grande interlocutor da filo-
sofia contemporânea, como atesta a
obra seminal de Martin Heidegger. As
categorias que criou transformaram-se
em conceitos básicos e moldaram a
própria estrutura dos nossos modos de
pensar, expressar e pesquisar.
No ordenamento atual, o corpus
aristotelicum contém tratados de lógi-
ca, filosofia natural, filosofia política,
psicologia, ética, biologia, física e me-
tafísica. Todos eles são resumidos e
analisados neste volume pelo filósofo
italiano Giovanni Reale, importante
tradutor e comentador de Aristóteles.

César Benjamin

Imagem da capa: Retrato de Aristóteles pintado


na Idade Média. Afresco em estilo bizantino no
monastério de Sucevita, Romênia.
Giovanni Reale

INTRODUÇAO A
,..,

ARISTOTELES

TRADUÇÃO
Eliana Aguiar

conTRAPOnTO
© Gius. Lí!terza & Figli, todos os direitos reservados.
Publicado por acordo com Marco Vigevani Agenzia Letteraria
Título original: Jntroduzione a Aristotele.

Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro,


em quaisquer meios, sem autorização da editora.

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Site: www . contrapontoeditora.com.br

l• edição: novembro de 20 1 2
Tiragem: 2.000 exemplares

Preparação de originais: Laura Vasconcellos


Revisão tipográfica: Tereza da Rocha
Projeto gráfico: Regina Ferraz

CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

R223i Reale, Giovanni, 1 93 1 -


Introdução a Aristóteles / Giovanni Reale ; tradução Elia­
na Aguiar. - Rio de Janeiro : Contraponto, 20 1 2 .

Tradução de: Introduzione a Aristotele


ISBN 978-85-7866-073-4

1. Aristóteles. 2. Filosofia. 3. Filosofia antiga - História.


I. Título. II. Série.

1 2 - 7 1 69 CDD: IOO
CDU: l
Sumário

Advertência.. 9
Cronologia..... . .. .. ........... .......... ... 11

1. O homem, a obra e a formação


do pensamento filosófico .. ........... .......................... ...... 15
Do nascimento ao ingresso na Academia.. ............. ............... . . .. ...... 15
As duas décadas na Academia, as obras da juventude
e a formação da filosofia de Aristóteles.. . ... .. .. .. . 17 .

Os "anos de viagem" . . 40
..... ..................................................................................... ....

O retorno a Atenas, a fundação do Perípato


e as obras de escola . . .
... ...... ............... ...................................... ......... .......................... 44
A leitura de Aristóteles hoje .. . .... ..... . ...... . .......... 46
Notas . . ... ................................................................................................................................... 49

II. A " filosofia primeira": análise da Metafísica ..... ... ....... 53


Conceito e características da metafísica ................................................. 53
As quatro causas.. .. .... ...... ............. ..... 55
· · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·-· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

O ser, seus significados e o sentido da fórmula


"ser enquanto ser" . . . ... ... .. ... ...... . ......................................................... 56
..

A "tábua" aristotélica dos significados do ser


e seu sentido . . .... ............................. 58
Especificações acerca dos quatro sentidos do ser . 59 .... ............. ......

A questão da substância .. ........... . .. ..... ......................................................... 62


..

A substância em geral e as notas definidoras


do conceito de substância .... . ... . . . . .. . .. . ... . . . . ..... .. ..................... . .... ....... . ..
..... .. ....... 63
A "forma" aristotélica não é universal . . . .... .. .. 66
O ato e a potência.. . .... .............................. .... . ... ... 70
Demonstração da existência da substância
suprassensível .. . . . ........................... 71
A natureza do Motor Imóvel .. 74
Unidade e multiplicidade do divino . 75
Deus e o mundo .. 78
Notas.. 79

III. A "filosofia segunda": análise da Física .... 81


Caracterização da física aristotélica ..... 81
A mudança e o movimento .. 82
O espaço e o vazio.. 85
O tempo.. 88
O infinito. 90
A "quinta-essência" e a divisão entre mundo
sublunar e mundo celeste.. 91
Notas.. 93

IV. A psicologia: análise de De anima . . 95


Conceito aristotélico de alma .. 95
A tripartição da alma .. 97
A alma vegetativa.. 99
A alma sensitiva .. . ..... .... ................................................... 100
A alma racional .. 104
····························· ·····························

Notas..... . . ...................... ........................................ l�

V. A filosofia moral: análise da Ética a Nicômaco.. . . . 111


Relações entre ética e política .. . . . 111
........ . ... .. .................................... ..... ........

O bem supremo do homem: a felicidade . . 112... ............... ......................

Dedução da "virtude" das "partes da alma" . . 116 ... ...... .........................

As virtudes éticas ..... . ..................... ................................... 117


..

As virtudes dianoéticas .. . ... 120


A perfeita felicidade ...... ... 122
............................................................ ..........................

Psicologia do ato moral .. . .. ···· ··········· 124


···········································

Notas.. · ····· 128


······ ····················································
VI. A doutrina do Estado: análise da Política ... .......... ..... 129
Conceito de Estado.. · · ·-················-···-················ 129
O cidadão .. -· · · · ············· · · · ······················ 130
O Estado e suas formas possíveis .... ......................... ... ............. 132
O Estado ideal... · ········ - ···- ··· · ·· · · ··-····· -· ···· · · 135
Notas..... . ......................... .... 140

VII. A filosofia da arte: análise da Poética .. .. 141


Conceito de ciências produtivas .. . . ............ 141
A mimese poética . . ................................ 142
O belo ........................................................... .......................................................................... 146
A catarse.. .. . ......................... 147
Notas.. .... ... ... 149

VIII. A fundação da lógica: análise do Organon ....................... 151


Conceito de lógica, ou "analítica" . . . . . . 151
.. ....... ...... ....... ..... .................... .........

O esquema geral dos escritos lógicos e a gênese


da lógica aristotélica . . . .. . . 152
.............................. ....... ......................... ... .. . ....... .. ..........

As categorias, os termos e a definição ..... .. ......... ...... 155..

As proposições: Sobre a interpretação . . . .. . 1 58


.... ........ . ............. .............. ......

O silogismo . . . . . . . . . . . . . . . . ... ... . . . . . . .. . . 161


........... ...... ...... .... . . .. ..... ....... .. . . .. . . ... ... ..... ... . . ..... . .. .....

O silogismo científico ou demonstração.. . . . ........... 164


O conhecimento imediato..... .... ........... 166
Os princípios da demonstração..... ..... 168
Os silogismos dialéticos e sofísticos ... ... .... .................. 169
.

A lógica e a realidade.. ... ............. 173


Notas.. . ...... ..... 174

História da fortuna crítica


e das interpretações de Aristóteles .. ...... 177
História da escola peripatética e dos escritos de
Aristóteles até a edição de Andrônico de Rodes .... . ...... .......... 177
Os comentaristas gregos de Aristóteles .. . . 180
Aristóteles na Idade Média.. ... 183
Aristóteles no Renascimento e nos primeiros séculos
da era moderna.. .. ....... ..................................................................... 188
.

O renascimento de Aristóteles nos séculos XIX e XX .. . . 192 .. . ... .

A inovação do método genético e a redescoberta


do jovem Aristóteles. . .... 199 .

Notas.. ........................ 203

Bibliografia comentada . . . .. . .. .. . . . . . . . . . .. .. . . .. ... . . . . .. . 205


. ... . .... ... .. . .... . .... .. .. .. .. . . ... .. ... ... ... .. .

Compilações bibliográficas e resenhas críticas . . .. .. . . .. . 205 . . . . . ... ..... ....

As obras de Aristóteles .. ... ... . . .. . . .. . . . .. .. .. . 206


............. . .. .. . ....... .. . ..... ........ .... ... ... .. .... .. .....

Edições gerais e específicas das obras de Aristóteles . .. .. 211 . . .. .....

Traduções das obras em língua italiana. . 217 ......... . ........................... ...

Traduções em latim e em línguas modernas . . . . 218 .............. ...... .... ... .

índices e léxicos .. .... 222


Coletâneas, paráfrases e comentários.. ................ 222 .

Estudos críticos 224


......................................... ........................ ... ...... ...............................

Traduções de Aristóteles em língua portuguesa . . . . . . 237 ... . ...... .... . .


ADVERTÊNCIA

Em termos de análise e de síntese, este livro é o produto de


uma série de pesquisas e estudos que iniciei há quase vinte
anos. Além de diversos artigos e ensaios em coletâneas e re­
vistas, dediquei a Aristóteles Il concetto di filosofia prima e
l'unità della metafísica de Aristotele (Milão, 1 965, 1 967), e tra­
duzi a Metafísica, com introdução e comentário analítico,
para a editora Loffredo (2 v., Nápoles, 1 968 ) . Sempre em co­
nexão com Aristóteles, traduzi e comentei Metafísica, de seu
discípulo Teofrasto, mostrando todas as relações entre ela e a
obra maior do mestre. Paralelamente a esta Introdução a Aris­
tóteles, publico a primeira tradução italiana do Tratado sobre
o cosmo para Alexandre, reivindicando a paternidade do texto
para Aristóteles (Loffredo, Nápoles, 1 974) .
No plano d a síntese, discorri sobre Aristóteles n o peque­
no volume Il motore immobile (La Scuola, Brescia) e sobre­
tudo em I problemi del pensiero antico (v. 1 , Dalle origini ad
Aristoteles, Celuc, Milão, 1 972 ) .
O leitor encontrará nesta Introdução, portanto, o resulta­
do de todos os estudos anteriores. É evidente que muitos as­
pectos já extensamente refletidos foram aqui retomados com
alguns retoques, ou até de modo integral. Em específico, re­
tomei partes de Problemi del pensiero antico, em sua maioria
resumidas; o primeiro capítulo e a parte concernente à histó­
ria do aristotelismo são totalmente novos.
Agradeço enfaticamente ao professor Berti, a quem muito
devo no que diz respeito à interpretação do primeiro Aristó­
teles: os resultados que obteve ao estudar o Aristóteles exoté­
rico são os mesmos a que cheguei examinando o Aristóteles
esotérico. Devo agradecer-lhe também por ter-me permitido

9
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

ler o esboço de um trabalho, a ser brevemente publicado,


sobre as interpretações de Aristóteles (que integrarão a obra
organizada por V. Mathieu, Questioni di storiografia filosofica,
La Scuola, Brescia) ,* que me foi de grande utilidade.

Giovanni Reale

* Efetivamente publicado em 1 975. [N.T.]

10
CRONOLOGIA

384-383 a.C.Aristóteles nasce em Estagira, filho do médico


Nicômaco e de Féstis. É provável que viva um breve período
em Pela, quando o pai foi nomeado médico da corte do rei
macedônio Amintas.

367-366 a.C. Transfere-se para Atenas e entra na Academia,


onde permanece por duas décadas, durante as quais redige e
publica inúmeras obras, a maioria sob a forma de diálogos.
Essas obras foram chamadas de "exotéricas'', em contraposi­
ção às que vieram depois, escritas apenas para aulas e cursos,
e que por isso ficaram conhecidas como "esotéricas'', ou diri­
gidas aos iniciados.

360-358 a.C. Data provável da redação do diálogo Grilo. Tal­


vez seja imediatamente posterior aos tratados Sobre as Ideias
e Sobre o bem.

353 a.C. Data provável da redação de Eudemo.

351-350 a.C. Data provável da redação de Protréptico, ao qual


logo se seguiu o tratado Sobre a filosofia.

347 a.C.Morre Platão; Aristóteles deixa a Academia e Atenas,


mudando-se provavelmente para Atarneu, convidado pelo
tirano Hérmias, e logo em seguida para Assos, cidade que
Hérmias doou aos filósofos da Academia, Erasto e Corisco,
pelos bons serviços prestados.

347-345 a 344 a.C.Aristóteles funda a dirige uma escola em


Assos, com Xenócrates, Corisco e Erasto. Começa a redigir as

11
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

obras destinadas à escola e para de produzir escritos dirigidos


ao grande público. Não é mais possível reconstruir, mesmo
parcialmente, a cronologia dessas obras.

345-344 a 343-342 a.C. Aristóteles funda e dirige uma escola


em Mitilene, na ilha de Lesbos.

343-342 a.C. Por intercessão de Hérmias, Filipe da Macedô­


nia escolhe Aristóteles para educar seu filho Alexandre. Data
desse período a redação do Tratado sobre o cosmo para Ale­
xandre, se é que (como eu considero) ele é um documento
autêntico (de fato, apresenta muitos pontos tangenciais aos
textos exotéricos ) .

341 a.C.Hérmias cai prisioneiro dos persas e e m seguida é


morto. Nesse período, Aristóteles se casa com Pítia, irmã
de Hérmias, com quem tem uma filha que recebe o mesmo
nome da mãe.

340 a.C. Nomeado regente, Alexandre interrompe seus estu­


dos. É provável que Aristóteles tenha se transferido pouco
depois para Estagira, reconstruída por Alexandre a seu pedi­
do (fora destruída pouco antes da partida de Aristóteles de
Atenas) . Pítia morre, talvez em Estagira. Aristóteles se casa
com Hérpiles, que lhe deu um filho, o qual, em homenagem
ao avô paterno, se chamou Nicômaco.

335-334 a.C. Aristóteles volta a Atenas e funda o Perípato.

335-334 a 323 a.C. No Perípato, Aristóteles ministra os gran­


des cursos de filosofia e ciência, e elabora e sistematiza os
escritos esotéricos.

12
CRONOLOGIA

323 a.C. Morre Alexandre, o que desencadeia uma revolta


antimacedônica. Aristóteles sente-se ameaçado a ponto de ser
obrigado a deixar Atenas.

322 a.C. Aristóteles transfere-se para Calcides, onde tem pro­


priedades herdadas de sua mãe; morre poucos meses depois.

13
I.

O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO


DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Do nascimento ao ingresso na Academia

Para expor e interpretar corretamente o pensamento de Aris­


tóteles é indispensável expor algumas informações essenciais
sobre sua vida, sobre a gênese, as características peculiares,
a destinação de suas obras e os respectivos problemas de ca­
ráter cronológico. A crítica moderna julgou que poderia re­
solver muitas das questões suscitadas pela leitura de Aristóte­
les remetendo-se aos dados biográficos, e chegou a acreditar
que a natureza do pensamento aristotélico seria plenamente
desvelada a partir de sua gênese. É bem verdade que essa nova
orientação da crítica - que, como veremos, foi inaugurada
em 1 923 por Werner Jaeger - esbarrou com suas colunas de
Hércules em menos de cinquenta anos, à medida que des­
truiu as premissas de onde partira e as próprias bases sobre
as quais trabalhara. Mas também é verdade que obteve resul­
tado irreversível ao demonstrar o despropósito da atitude
adotada durante séculos em relação a Aristóteles: seu pensa­
mento era visto como um bloco monolítico, desligado de sua
gênese e de sua história. As novas interpretações do filósofo
demonstraram, em especial, que é impossível compreender o
pensamento aristotélico sem tomar como ponto de partida
o evento essencial de sua vida, ou seja, os vinte anos passados
na Academia, na escola de Platão. Foi no curso dessas duas
décadas, nos constantes debates com Platão e nas polêmicas
correlatas com os acadêmicos, que Aristóteles conquistou
sua consciência filosófica e construiu as bases de seu próprio
pensamento. Em grande parte, os dogmas aristotélicos só

15
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

assumem a justa proporção e o significado exato quando re­


metidos a essa matriz acadêmico-platônica.
Examinemos, portanto, de maneira ordenada, os princi­
pais dados da biografia de Aristóteles.
Fontes plenamente confiáveis indicam o primeiro ano da
XCIX Olimpíada, ou seja, 384-383 a.C., como data de nasci­
mento de nosso filósofo . 1 Seu pai se chamava Nicômaco e
pertencia à corporação dos asclepíades, isto é, professava a
arte médica. Sua mãe se chamava Féstis e, segundo certa tra­
dição, também era vinculada aos asdepíades.
A cidade que viu Aristóteles nascer foi Estagira (hoje Sta­
vros), que fazia parte do reino macedônio. Havia muito era
colonizada pelos gregos, e nela se falava um dialeto jônico.
Portanto, os pais de Aristóteles eram gregos, e sua cidade
natal havia tempos era helenizada.
O pai, Nicômaco, que, como dissemos, era médico, deve
ter se destacado em sua arte, pois, como foi atestado, escreveu
livros de medicina e até uma obra de "física". Seu prestígio
era tamanho que foi escolhido por Amintas, rei dos macedô­
nios, como seu amigo e médico da corte. Desde os tempos do
rei Arquelau, a residência dos soberanos macedônios se fir­
mara na cidade de Pela; por conseguinte, é lícito pensar que
Nicômaco e também Aristóteles residiram nessa cidade, na
corte macedônia. Em todo caso, Aristóteles não morou muito
tempo em Pela, porque logo ficou órfão.
É bastante provável que Aristóteles tenha se transferido de
Pela para Atarneu. De fato, sabemos que, com a morte dos
pais, ele ficou sob a tutela de Próxeno, que era dessa cidade.
Já podemos tirar algumas conclusões úteis dos elementos
até aqui expostos. É fantasiosa a pretensão de descobrir em
Aristóteles características e traços não gregos, pois de sangue
grego eram seus pais, e sua pátria havia muito era completa­
mente helenizada. O grande amor pelas ciências naturais,

16
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

uma das características peculiares de Aristóteles, já tinha raí­


zes bem claras na família, tanto pelo lado do pai quanto pelo
da mãe. Também as relações que Aristóteles estabeleceria fu­
turamente com Filipe e com Alexandre da Macedônia, das
quais falaremos amplamente, têm origem, pelo menos em
parte, nessa antiga ligação do pai, Nicômaco, com os mace­
dônios. Enfim, o tempo que passou em Atarneu, na casa de
seu tutor, Próxeno, pode ter alguma ligação com as estreitas
relações que Aristóteles manteria depois com Hérmias, futu­
ro tirano de Atarneu e de Asso, como veremos.

As duas décadas na Academia, as obras da


juventude e a formação da filosofia de Aristóteles

Para completar a educação do jovem Aristóteles, que bem


cedo deve ter manifestado uma vocação especulativa, Próxe­
no resolveu mandá-lo para Atenas e inscrevê-lo na Academia.
A fama de Platão e de sua escola já tinha se espalhado e se
consolidado em todo o mundo grego. Esse fato encontra tes­
temunhos precisos e circunstanciados. Diógenes Laércio, ci­
tando palavras de Apolodoro, escreveu: "Encontrou-se [Aris­
tóteles] com Platão na idade de dezessete anos e ficou em sua
escola por vinte anos."2 Portanto, é fácil calcular que Aris­
tóteles entrou para a Academia em 367-366 a.C., e que lá
permaneceu até 347-346 a.C., ou seja, exatamente o período
que vai da segunda viagem de Platão à Sicília até sua morte.
Em suma, Aristóteles frequentou a Academia exatamente nas
duas décadas de maior esplendor da escola, no período em
que fervilhavam os grandes debates relativos à revisão crítica
a que Platão submeteu o próprio pensamento.
Como todos sabem, Platão fundou a Academia pouco
tempo depois da primeira viagem à Sicília (388 a.C. ) , atri­
buindo-lhe o estatuto jurídico de comunidade religiosa con­
sagrada ao culto das Musas e de Apolo, senhor das Musas.

17
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Essa era uma forma - a única, aliás - de conceder aspecto


legal à escola, projeto radicalmente novo e, enquanto tal, não
previsto pelas leis do Estado. As finalidades da Academia ti­
nham caráter sobretudo político, ou, melhor dizendo, caráter
ético-político-educativo: Platão pretendia preparar os "verda­
deiros políticos" do futuro, os homens capazes de renovar
radicalmente o Estado por meio do saber e do conhecimento
do Bem supremo. 3
Situando-se para além do horizonte socrático, a Acade­
mia incluía o estudo de aritmética, geometria, astronomia
e até de medicina, disciplinas encaradas como preparação
necessária para a dialética. Cientistas ilustres como Eudoxo,
matemático e astrônomo, deram aulas na escola. Sabemos
também da presença de médicos chegados especialmente da
Sicília. Sem dúvida, os ensinamentos ministrados por essas
pessoas provocavam debates fecundos.4 Portanto, o interesse
pela ciência que Aristóteles já levava consigo, produto do am­
biente familiar, encontrou na Academia o espaço perfeito
para se desenvolver de modo adequado. Platão encontrava-se
na Sicília em 367-366, como dissemos, e lá permaneceu até
o início de 364; assim, a primeira influência decisiva sobre
Aristóteles foi do próprio Eudoxo, na época a figura mais
destacada da escola. De fato, Aristóteles irá se referir a ele
mais de uma vez e de maneira bastante clara. Como alguns
destacaram, é provável que, além do exemplo como cientista­
-filósofo enciclopédico, Aristóteles tenha sido influenciado
sobretudo pelo postulado defendido por Eudoxo de "salvar
os fenômenos"5 (postulado também da Academia, mas leva­
do às últimas consequências por Eudoxo), ou seja, "encontrar
um princípio que explique os fatos mas mantenha intacto o
modo genuíno como eles se apresentam".6 Contudo, Aristó­
teles não adotou as ideias filosóficas de Eudoxo; elas discar-

18
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

davam demais das de Platão e incorriam em aporias bem


mais graves que as platônicas, as quais pretendiam corrigir.
Outros personagens de destaque com quem Aristóteles
deve ter se encontrado logo no início foram Espeusipo, Filipe
de Opunte, Erasto e Corisco. Os dois primeiros se tornaram
escolarcas da Academia; na terceira viagem de Platão à Sicília,
a escola seria dirigida por Heráclides Pôntico; Filipe ficou
responsável pela publicação da última obra platônica, as Leis;
Erasto e Corisco, como veremos, teriam seus nomes ligados
mais intimamente a Aristóteles.
Pouco sabemos sobre as relações pessoais de Aristóteles
com Platão, que ele conheceu, segundo as informações já
expostas, quando tinha entre dezenove e vinte anos. As fontes
parecem apontar claramente para relações não muito pací­
ficas. Platão considerava Aristóteles muito inteligente (se é
verdade que costumava chamá-lo pela alcunha de "A Inteli­
gência" ) , porém, entrava em conflito com ele em virtude do
temperamento polêmico e das críticas que o jovem e decidi­
do discípulo lhe fazia. No entanto, a influência de Platão so­
bre Aristóteles foi absolutamente determinante, e não apenas
por um período de sua vida, mas para sempre. Como vere­
mos, o platonismo foi o núcleo em torno do qual a especula­
ção aristotélica se construiu. É absolutamente correto o que
Diógenes Laércio escreve: ''Aristóteles foi o mais genuíno dos
discípulos de Platão." 7 No decurso dos séculos seguintes, esse
fato foi com frequência ignorado, e, a partir do Renascimen­
to, 8 muitos se compraziam em contrapor os dois filósofos
como termos de uma antítese irredutível. Contudo, veremos
que as razões desse equívoco tiveram um caráter predomi­
nantemente teórico, apriorístico e anti-histórico.
Reconstruir com exatidão a atividade de Aristóteles ao
longo das duas décadas passadas na Academia é impossível,
pois a documentação de que dispomos não é precisa o bas-

19
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

tante. No entanto, de uma maneira conjectura! e com ampla


margem de aproximação, é possível determinar os principais
acontecimentos.
Pode-se conjecturar que, no triênio que vai de seu in­
gresso na Academia até o retorno de Platão da Sicília, Aristó­
teles estudou ciências matemáticas sob a batuta de Eudoxo.
É provável que tenha iniciado antes do retorno de Platão
seu segundo ciclo de estudos, que de hábito ia dos vinte aos
trinta anos, segundo o plano geral que podemos ler na Repú­
blica (de fato, na qualidade de estrangeiro, Aristóteles foi dis­
pensado do curso de ginástica e do respectivo estágio) . Na
segunda fase, os jovens eram preparados para a dialética,
aprofundando a natureza das disciplinas aprendidas na fase
propedêutica e suas afinidades recíprocas, a fim de refletir
sobre a possibilidade de transcender tais disciplinas para
alcançar o Ser puro das Ideias, ou seja, para chegar à dialé­
tica pura. 9
Não resta dúvida de que situar a paideia platônica em
bases científico-dialéticas agradava ao j ovem Aristóteles,
como se vê claramente no Grilo, que parece ser sua primeira
obra, dedicada à retórica. Nela, tomando como ponto de par­
tida uma série de escritos retóricos compostos para celebrar
Grilo, filho de Xenofonte, morto em 362 a.C. na Batalha de
Mantineia, Aristóteles polemizava com a retórica entendida
como simples incitação irracional dos sentimentos, tal como
teorizada por Górgias e proposta de novo por Isócrates e sua
escola. Assim, o Grilo representa a nítida tomada de posição
de Aristóteles a favor da paideia platônica e contra a paideia
isocrática, baseada na retórica. Parece que a tese defendida
por Aristóteles era exatamente a mesma que Platão havia
sustentado anos antes no Górgias: a retórica não é uma tech­
ne, não é uma arte nem uma ciência. Como se sabe, Platão
reabilitou parcialmente a retórica no Pedro, onde aponta a

20
1. O HOMEM, A O B RA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO F I LOSÓFICO

total negatividade e vacuidade de uma retórica de tipo gor­


giano-isocrático, e demonstra que, para perdurar, a retórica
deve ter como base a dialética. Portanto, o Pedro reafirma a
tese de que a retórica, entendida como estimulação dos sen­
timentos, não é arte. Logo, não é necessário, como quer Jae­
ger, situar a composição do Grilo como anterior ao Pedro. 10
Na verdade, Aristóteles referia-se sobretudo à tese do Gór­
gias, desenvolvendo-a e aprofundando-a, porque a retórica
que pretendia repudiar, aquela que servia de base aos elogios
escritos em honra a Grilo - entre os quais, segundo parece,
havia um texto do próprio Isócrates -, era exatamente aque­
la contra a qual Platão polemizava no Górgias, e que Isócrates
havia retomado.
O Grilo deve ter sido muito bem aceito na Academia, tan­
to que Aristóteles foi encarregado de ministrar um curso ofi­
cial de retórica. Chegou até nós a informação de que ele ini­
ciou seu curso com a seguinte frase: "É torpe calar e deixar
falar Isócrates': * paródia de um verso de Eurípedes. A orien­
tação seguida pelo curso de Aristóteles, portanto, é bastante
clara: contestar todas as pretensões da retórica de tipo gorgia -
no e isocrático em prol da defesa da dialética, e provavelmen­
te mostrar, como Platão já havia feito no Pedro, que, para ter
valor, a retórica deve se basear na dialética. Assim como o
Grilo, o curso de retórica deve ter obtido grande repercussão,
pois Cefisodoro, discípulo de Isócrates, escreveu uma obra
dividida em quatro livros, denominada Contra Aristóteles;

" Nas citações dos textos de Aristóteles, optamos por traduzir as versões italia­
nas mencionadas por Giovanni Reale. Muitas vezes as traduções brasileiras
consultadas diferiam bastante das italianas (tanto no estabelecimento de al­
guns conceitos quanto na própria construção dos períodos), não se coadu­
nando, em diversas ocasiões, com as análises e os comentários de Reale.
Ademais, o próprio autor muitas vezes interfere explicitamente nas tradu­
ções apresentadas, intervenções que se perderiam caso se seguissem as edi­
ções em português. [N.T. ]

21
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

e, como conjecturam certos autores, com algum fundamento,


o próprio Isócrates respondeu aos ataques de Aristóteles no
Antídosis. 1 1
A cronologia do Grilo e do curso de retórica pode ser fa­
cilmente reconstruída. Grilo morreu em 362 a.C., os encô­
mios foram publicados logo em seguida, e o texto de Aris­
tóteles foi uma reação contra a má retórica desses elogios.
Portanto, é possível pensar que o Grilo foi escrito entre 360 e
358 a.C., e que o curso teve início imediatamente depois, ou
seja, quando Aristóteles contava cerca de 25 anos.
Uma segunda obra juvenil datável de forma bastante se­
gura é Eudemo, ou Sobre a alma. A obra, sob a forma de diá­
logo, era dedicada à memória de Eudemo de Chipre, condis­
cípulo e amigo de Aristóteles que morreu em combate perto
de Siracusa, durante uma expedição organizada por Díon
contra Dionísio, o Jovem. Ora, as fontes antigas permitem
estabelecer de forma bastante plausível que a morte de Eude­
mo aconteceu no ano de 354 a.C.; portanto, é muito provável
que Aristóteles tenha escrito a obra em memória do amigo
morto no ano seguinte, em 353 a.C.
O texto tinha um caráter eminentemente consolativo e
tratava dos problemas da alma e seus destinos ultraterrenos.
Dessa vez, o modelo usado por Aristóteles foi Fédon. Aliás,
ele volta a propor algumas das teses do Fédon, defendendo-as
com tal eficácia que, como todos sabem, os neoplatônicos
tardios consideraram equivalentes a obra-prima platônica e
o texto aristotélico. Se isso é incontestavelmente certo, como
testemunham os fragmentos que chegaram até nós, não é
verdade que Aristóteles se limitava a repetir Platão de manei­
ra passiva; nem é fato que defendesse aquela metafísica das
Ideias que iria repudiar depois. Além do mais, defendia ape­
nas de forma parcial uma visão acentuadamente pessimista
da vida. 12

22
!. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Na realidade, a julgar pelos já citados fragmentos, mais


que um discurso metafísico, o que Aristóteles faz em Eudemo
é um discurso de fé, com uma remissão pontual ao mito;
o tom pessimista se explica pelo estado de espírito em que
Aristóteles andava mergulhado em decorrência da morte do
amigo. Portanto, o que escreve Berti a respeito disso nos pa­
rece correto:

Já se disse que a ocasião em que Eudemo foi escrito seria


suficiente para justificar amplamente o destaque atribuído à
precariedade da vida terrena e, por outro lado, o fato de que
o discurso aristotélico sublinhava acima de tudo a felicidade
da vida futura. Mesmo sem levar isso em conta, cabe admi­
tir que, de todo modo, Aristóteles aprovaria a concepção
transcendentalista expressa no diálogo [Fédon], mas sem se
considerar obrigado a apoiar por isso a doutrina das ideias
separadas. 13

Como veremos, Aristóteles logo abandonou o conceito


das Ideias transcendentes (já refutada por Eudoxo), mas não
a de um Deus e de uma realidade divina transcendentes.
Aliás, como testemunham expressamente os textos que
chegaram a nós, a imortalidade da alma também era de­
monstrada por Aristóteles no Eudemo, mais com argumentos
baseados na verossimilhança e na persuasão do que com pro­
vas rigorosas e científicas, o que se harmoniza plenamente
com a finalidade consolativa do diálogo.14
Os textos testemunham também que a imortalidade pro­
pugnada por Aristóteles referia-se ao intelecto, ou seja, à
alma racional15 (não à alma como um todo, tal como preten­
diam certos críticos) . 16 Em suma, no que diz respeito à imor­
talidade da alma, Aristóteles devia advogar a tese que defen­
deria também nas obras tardias e que se expressa de modo
paradigmático na Metafísica:

23
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Se, ademais, resta alguma coisa depois da corrupção da


substância composta, este é um problema que ainda precisa
ser examinado. Nada o impede para alguns seres, como por
exemplo a alma: não a alma toda, mas apenas a alma inte­
lectiva; toda, seria impossível.17

Esta será também, como veremos, a posição assumida em


Sobre a alma.
A postura teórica do Eudemo acerca da natureza da alma
devia ser análoga (mesmo que apenas in nuce) àquela que se
encontra em Sobre a alma. Aristóteles não concebia a alma
como uma Ideia, como pretenderam alguns deduzir dos frag­
mentos, mas como substância-forma. Ele polemizava, como
já havia feito Platão, com a concepção da alma como harmo­
nia do corpo (concepção que reduzia a alma a epifenômeno
do corpo), atribuindo-lhe, em consequência, uma realidade
substancial. Mas essa alma substancial era ao mesmo tempo
concebida e afirmada expressamente como "uma forma" (ou
seja, uma forma substancial que informa um corpo), a qual,
decompondo-se o corpo, não se decompõe com ele.
Tirando partido de todos os estudos recentes sobre o jo­
vem Aristóteles, Berti fez a seguinte avaliação da obra que
acabamos de analisar brevemente:
[ . ] não se sustenta a interpretação que Jaeger faz do Eude­
. .

mo, vendo nessa obra a expressão de uma postura doutrinal


totalmente fiel ao platonismo, entendido como doutrina das
ideias separadas e da reminiscência, afirmação da imortali�
dade da alma como um todo e concepção dualista das rela­
ções alma e corpo. Ela teve grande sucesso, e merecidamen­
te, porque, depois das intuições isoladas de Zeller e Kaim,
trouxe à luz o platonismo do jovem Aristóteles e permitiu
a melhor compreensão de sua formação espiritual, ofere­
cendo uma imagem do filósofo totalmente diversa daquelas
tradicionais e indubitavelmente mais próxima da realidade
histórica. Mas seu erro foi acreditar que, no ano de 353,

24
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Aristóteles ainda se mantinha fiel ao platonismo do Fédon,


escrito 25 ou trinta anos antes. [ . ] Na realidade, há ele­
..

mentos platônicos no Eudemo, e são muitos: a convicção


da imortalidade e da preexistência da alma (limitada, po­
rém, apenas à alma intelectiva) , a doutrina de sua substan­
cialidade e sua imortalidade e aquele caráter ultraterreno
que o leva a considerar a vida depois da morte superior,
mais natural e mais feliz que a vida terrena. Alguns desses
elementos estavam destinados a permanecer também nas
obras mais maduras, enquanto outros, em particular o tom
ultraterreno, não possuem pretensões doutrinais, e se de­
vem apenas às circunstâncias ocasionais e à intenção conso­
lativa do diálogo. O que se deve definitivamente rejeitar é
sua adesão à doutrina das ideias separadas, à doutrina da
reminiscência e à concepção da alma como ideia. 18

Sublinharemos aqui outro elemento que nos parece es­


sencial: na época em que redigiu o Eudemo, Aristóteles ainda
se mostrava sensível ao componente religioso e místico pre­
sente em Platão como um todo, mas esse componente aos
poucos iria perder peso e consistência na evolução posterior
de Aristóteles. Portanto, se há uma antítese entre o Eudemo e
as obras tardias, é a seguinte: as obras tardias limitam o dis­
curso filosófico à pura dimensão científica, e abandonam to­
dos os discursos de caráter mítico e religioso que ainda se
apresentavam no Eudemo.
Há um terceiro texto de Aristóteles escrito no período de
permanência na Academia e que parece datável, pelo menos
com certa margem de aproximação. Trata-se do Protréptico,
ou Exortação à filosofia, o mais celebrado, lido e imitado de
todos os escritos publicados por Aristóteles.
A obra, da qual possuímos muitos fragmentos reproduzi­
dos por Giamblico em seu texto com o mesmo título, era
dedicada e dirigida a Temison, "rei de Chipre" (ou seja, rei de
uma das nove cidades da ilha naquela época). Ora, entre 35 1

25
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

e 350 a.C. Chipre entrou em guerra contra os persas; e, no


período imediatamente anterior, intensificara suas relações
com Atenas. Portanto, 3 5 1 -350 a.C. é aceita como data pro­
vável da composição do Protréptico, hipótese ainda mais ve­
rossímil quando se pensa que o livro compreende uma res­
posta ao Antídosis de Isócrates, redigido em 352 a.C.
No Protréptico, Aristóteles retoma a polêmica contra a
escola de Isócrates e seu programa educativo, controvérsia
que teve início com o Grilo e prosseguiu no curso de retórica,
com a participação do isocrático Cefisodro e depois do pró­
prio Isócrates, justamente com o Antídosis. Dessa vez o ata­
que é levado às ultimas consequências. Já a dedicatória é
muito significativa: Isócrates havia dedicado três obras exor­
tativas aos príncipes de Salamina, em Chipre; Aristóteles ofe­
rece sua nova obra a outro príncipe de Chipre, com a clara
intenção de levar o pensamento da Academia até onde era
grande a penetração da escola isocrática. Mais notável, no
entanto, é que Aristóteles não pretende derrotar Isócrates
desmontando outra vez, como no Grilo, a retórica que servia
de base à escola do adversário, mas demonstrando positiva­
mente a excelência da filosofia que, por sua vez, fundamenta­
va a paideia da Academia. Aristóteles evidencia a excelência
dessa filosofia em todos os sentidos, seja em si e para si, seja
pelos efeitos e benefícios que proporciona aos homens. Con­
trariando o Antídosis, em especial, a filosofia é apontada
como a única base para uma ação segura. Portanto, o Pro­
tréptico é uma defesa integral da filosofia e ao mesmo tempo
o documento em que Aristóteles, às vésperas dos 35 anos,
esclarece de modo definitivo, para si e para os outros, o ideal
da "vida teórica'', aquele tipo de vida que tem na especulação
o próprio fim e a própria felicidade, avançando para além das
posições da Academia.

26
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO F I LOSÓFICO

Em primeiro lugar, Aristóteles demonstra a imprescindi­


bilidade da filosofia, ilustrando o conjunto dos atributos que
a coroam e que fazem dela a mais excelente de todas as coisas.
A filosofia é necessária, como demonstra o fato de que até
para negá-la é preciso filosofar; negar a filosofia significa fa­
zer filosofia, pois os raciocínios que pretendem demonstrar
sua impossibilidade não prescindem de um caráter filosófico.
No fragmento (frag. ) 2, lemos o seguinte:
Em resumo, se é preciso filosofar, é preciso filosofar; se não
é preciso filosofar, também é preciso filosofar. Pois, se a fi­
losofia existe, todos estamos de alguma forma obrigados
a filosofar, dado que ela existe. Mas, se não existe, somos
obrigados a investigar por que não existe. Ao investigar, fi­
losofamos, pois investigar é a causa da filosofia. 19

A filosofia certamente é possível. Os princípios e as causas


primeiras, o objeto específico da filosofia são, em si e para si,
por sua própria natureza, o que há de mais cognoscível, mes­
mo que para nós pareçam obscuros. Essa é uma das teses que
irão reaparecer no Aristóteles maduro; e é ela, aliás, o centro
de sua ontologia: aquilo que é primeiro para os sentidos é
último para a plenitude do Ser, e vice-versa.20
Para exercer a filosofia, ademais,
[ . ] não são necessários instrumentos ou locais específicos;
. .

não importa o lugar da Terra em que coloquemos o pensa­


mento, poderemos sempre alcançar a verdade, pois ela está
presente em toda parte.21

Trata-se de um pensamento que alcançará grande êxito na


era helenístico-romana.
Além disso, a filosofia é um bem objetivo e constitui o
fim metafísico do homem, ou seja, aquilo em que e pelo qual
a essência do homem se realiza plenamente. O homem é cor­
po e alma; mas o corpo é um instrumento a serviço da alma

27
INTRODUÇÃO A A R I STÓTELES

e, portanto, inferior à alma. A alma, por sua vez, é dividida


em partes, todas subordinadas à parte racional. Por conse­
guinte, o homem "é apenas ou sobretudo essa parte': ou seja,
a alma racional. Mas a missão da alma racional é alcançar a
verdade, missão que só se realiza pela filosofia. Logo, a filoso­
fia é a realização daquilo que há de mais elevado em nós,
sendo, portanto, a nossa perfeição. Por conseguinte, o conhe­
cimento é a virtude suprema, por assim dizer, a chave da vida
do homem.22
É possível compreender então por que a filosofia é con­
siderada o "fim" do homem. Demonstrar que ela realiza a
essência do homem pressupõe diretamente essa tese, pois
a essência de uma coisa é também seu fim. Aristóteles, po­
rém, julga que deveria fornecer uma prova específica, o que
demonstra como ele já estava imbuído de sua fundamental
concepção finalística da realidade e de alguns conceitos ba­
silares da metafísica. Aquilo que é "primeiro" para a geração
é "último" quanto ao valor ontológico; e vice-versa: aquilo que
é último para a geração é primeiro quanto ao valor ontoló­
gico. Ora, no homem, o corpo se desenvolve primeiro, depois
a alma; e, na alma, primeiro as faculdades irracionais, de­
pois a faculdade racional. Assim, com base nesse princípio
estabelecido, a alma racional, que é última na geração, é pri­
meira na ordem e no valor ontológico, e, portanto, primei­
ro é também o conhecimento filosófico, que representa a
"virtude" dessa alma. 23
A filosofia também é útil. Sobretudo no desenvolvimento
desse ponto Aristóteles responde a Isócrates, quando este
afirma no An tídosis que a orientação filosófica da paideia
acadêmica era totalmente abstrata, à medida que a filosofia
era inútil. Pois bem: Aristóteles afirma, em primeiro lugar, o
conceito da superioridade do contemplar sobre o fazer, da
teoresis sobre a práxis: contemplar tem valor autônomo, fazer

28
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO F I LOSÓFICO

tem valor subordinado; na vida ultraterrena, os bem-aventu­


rados vivem contemplando, não agindo:
É evidente que nossa tese é mais verdadeira que as outras
se nos transferimos em pensamento para a Ilha dos Bem­
-aventurados. Na verdade, lá não há necessidade de nada,
nem se obtêm benefícios de alguma outra coisa, pois só
subsistem o pensamento e a especulação.24

Contudo, embora seja verdadeira a tese de que a filosofia vale


em si e por si, também é verdade que a filosofia é útil para a
ação, pois propicia as normas e os parâmetros do agir. 25
Enfim, a filosofia traz felicidade. Todos os homens amam
viver, sendo a vida algo agradável em si; porém, a vida mais
elevada consiste em pensar; portanto, a suprema felicidade
se realiza na atividade do pensamento (em particular na fi­
losofia, em que o pensamento se realiza de modo perfeito) .
Por isso a conclusão de Aristóteles é esta:
Nada que seja divino ou bem-aventurado pertence aos ho­
mens, com exceção da única coisa digna de consideração, ou
seja, aquilo que há em nós de inteligência e sabedoria; na
verdade, entre as coisas que há em nós, apenas esta parece
ser imortal e só esta é divina. E pelo fato de participarmos
dessa faculdade, a vida, apesar de sua natureza miserável e
difícil, pode ser administrada de modo tão agradável que o
homem, em comparação com as outras coisas, parece um
Deus. "Entre as coisas que há em nós, a inteligência é efe­
tivamente o deus" - quer tenha sido Hermotino, quer Ana­
xágoras a dizer isso -, e "o éon mortal tem uma parte de
algum deus". Portanto, é preciso filosofar ou partir daqui
dando adeus à vida, pois todas as outras coisas parecem
pura verborragia e palavras vãs. 2 6

Nas últimas décadas, no âmbito da produção do primeiro


Aristóteles, a crítica deu muito destaque a algumas obras de
conteúdo metafísico, sobre as quais a clássica monografia

29
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

de Jaeger não se pronunciou. Infelizmente, a datação desses


estudos só é possível com grande margem de aproximação
e por meio de conjecturas. Mas essas obras revestem-se de
grande importância para a compreensão do desenrolar do
pensamento aristotélico, pois representam uma tomada
de posição precisa, nítida e pontual de Aristóteles em relação
à ontologia platônica. Portanto, uma referência a seu conteú­
do torna-se indispensável.
Vamos começar pelo tratado Sobre as Ideias.27
A crítica recente deu grande destaque à estreita conexão
entre esse texto e o movimento de revisão crítica que teve
início na Academia a partir da segunda viagem de Platão à
Sicília. O diálogo platônico com o qual o tratado Sobre as
Ideias revela maior afinidade é Parmênides (sobretudo a pri­
meira parte), redigido e publicado por Platão justamente de­
pois de seu retorno da segunda viagem.
A situação na qual nasce o tratado Sobre as Ideias pode ser
reconstruída de forma bastante pontual. Durante a segunda
viagem de Platão à Sicília, a Academia foi dominada, como
veremos, pela figura de Eudoxo, que pretendia resolver a apo­
ria fundamental da doutrina platônica das Ideias, consistindo
esta na dificuldade de conciliar as duas características essen­
ciais das Ideias: serem "separadas" e, ao mesmo tempo, serem
a "causa das coisas". Eudoxo passou a defender a imanência
das Ideias: misturando-se às coisas, as Ideias seriam causa do
ser das próprias coisas. Na tentativa de resolver uma aporia,
a tese de Eudoxo, decididamente herética, caía em outros im­
passes bem mais graves e grosseiros, pois tratava as Ideias
imateriais como coisas materiais; portanto, traía justamente
a concepção fundamental da ontologia platônica.
Todos os membros da Academia devem ter participado
desses ardentes debates, inclusive propondo soluções alterna-

30
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

tivas. O próprio Aristóteles, que chegou à Academia exata­


mente nesse momento, não se limitou a uma participação
passiva nas discussões, mas logo se viu obrigado a formar
uma opinião própria, que discordava tanto de Platão quanto
de Eudoxo. O Aristóteles que Platão encontrou ao voltar da
Sicília tinha vinte anos e, nos três anos de Academia, já havia
solucionado, na ausência do fundador da escola, algumas das
dificuldades do platonismo. Os primeiros debates com Pla­
tão, ao que tudo indica, devem ter sido bastante inflamados.
Note-se que há j ustamente no Parmênides um Aristóteles
muito jovem que, a nosso ver (outros também já observaram
isso) , coincide com o Aristóteles histórico. Se a resposta de
Cefisodoro ao Grilo confirma que Aristóteles já havia tratado
da teoria das Ideias, ela também demonstra que, na época da
redação do mencionado diálogo, a informação de que Aristó­
teles se dedicava à doutrina das Ideias circulava inclusive fora
dos muros da Academia. E se a resposta de Cefisodoro já co­
nhece o tratado Sobre as Ideias, é provável que ele tenha sido
redigido logo depois do Grilo (que, como vimos, se situa en­
tre 360 e 358 a.C. ) .
Ao que tudo indica, eram duas as teses fundamentais do
tratado Sobre as Ideias: a) não é possível admitir Ideias sepa­
radas; b) para que a doutrina das Ideias se sustentasse, seria
preciso eliminar a doutrina dos princípios. 28 Trataremos da
doutrina dos princípios adiante, quanto falarmos do tratado
Sobre o bem. Avaliaremos agora o significado e o alcance des­
sa recusa da doutrina das Ideias. O que Aristóteles pretende
atingir não é tanto a Ideia, mas sua "separação". Platão tam­
bém critica essa separação na primeira parte do Parmênides.
Contudo, os caminhos que os dois filósofos trilham são mui­
to diferentes. Platão considerava que era possível manter ao
mesmo tempo os aspectos transcendente e imanente das

31
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Ideias, desde que entendidos de maneira adequada: para ele,


as dificuldades da "separação" diziam respeito apenas a um
modo deformado de compreender as Ideias. Aristóteles, ao
contrário, considera que é preciso renunciar totalmente à
transcendência das Ideias, transformando-as em "causas for­
mais" imanentes das coisas. Entretanto, ao realizar essa mu­
dança na doutrina platônica, não renuncia a toda e qualquer
forma de transcendência; no lugar do inteligível transcen­
dente ele coloca a inteligência transcendente, ou seja, Deus,
como veremos melhor ao debater o tratado Sobre a filosofia e
sobretudo ao analisar a Metafísica.
O fato de ter transformado as Ideias transcendentes em
formas imanentes não implicava absolutamente um alinha­
mento de Aristóteles com as posições defendidas por Eudoxo.
Por isso criticou-o expressamente, demonstrando que sua
teoria da "mistura" das Ideias nas coisas destruía a imateria­
lidade, situando as Ideias no plano dos elementos materiais.
De fato, mesmo tornando imanentes as Ideias, Aristóteles con­
tinua a afirmar sua espiritualidade e imaterialidade. Como
Berti disse muito bem, Aristóteles transforma as Ideias de
entes transcendentes em estruturas transcendentais, o que
não representa de forma alguma a recusa de todo o sistema
platônico, como indica Berti, mas apenas uma revisão crítica
desse sistema, "realizada como a consumação de uma instân­
cia estabelecida pelo próprio Platão e tendo em vista um pla­
tonismo mais fecundo e rigoroso". 29
O tratado Sobre o bem também se liga estreitamente à
atividade do último Platão, e seria uma dissertação sobre o
curso oral ministrado por Platão a respeito da "teoria dos
princípios". O curso de Platão sobre o Bem é fato atestado
também por outras fontes. Chegou até nós inclusive a notícia
de que muitos dos que seguiram o curso saíram decepcio-

32
!. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO F I LOSÓFICO

nados, pois esperavam ouvir aquilo que normalmente se en­


tende por bem, mas depararam, ao contrário, com discursos
acerca de matemática e geometria; por fim, ouviam o filósofo
afirmar que "o Bem é Uno". 30 O curso sobre o Bem era a ex­
pressão do momento matemático-pitagórico do pensamento
platônico, cujos traços encontramos em alguns dos últimos
diálogos, sobretudo Filebo e Timeu.
Nessa última fase de seu pensamento, 3 1 Platão submeteu a
doutrina das Ideias a uma reconsideração radical. As Ideias
precisam de uma explicação posterior, à medida que são múl­
tiplas; de fato, toda multiplicidade deve ser j ustificada en­
quanto tal em função de uma unidade superior. Assim, para
explicar a multiplicidade, Platão considera necessário deduzir
as Ideias de princípios superiores. Esses princípios eram jus­
tamente o Uno e a Díade o grande e o pequeno (o Uno, como
dissemos, identificava-se ao Bem). O Uno tinha a função de
princípio formal, e a Díade, de princípio material. Combi­
nando-se entre si, Uno e Díade eram a causa das Ideias-Nú­
meros, e, portanto, das Ideias propriamente ditas; e, enfim, as
Ideias eram a causa das coisas. Toda a realidade deduzia-se,
assim, do supremo par de princípios Uno-Díade. No primei­
ro livro da Metafísica, Aristóteles extrai as consequências de
seu tratado Sobre o bem e escreve:
Sendo as Ideias causa de outras coisas, Platão considera que
os elementos constitutivos das Ideias seriam os elementos
de todos os seres. E aponta o grande e o pequeno como ele­
mento material das Ideias, e o Uno como elemento formal;
de fato, considera que, justamente por participação no Uno,
o grande e o pequeno dá origem às Ideias e aos Números.32

É justamente essa "doutrina dos princípios" que Aristó­


teles expõe de maneira ampla no tratado Sobre o bem, apon­
tando as razões apresentadas na Academia a seu favor e ana-

33
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

lisando o modo como as Ideias-Números e as Ideias são


deduzidas dos Princípios. Com certeza tal exposição não de­
via ter um caráter doxográfico, mas crítico-teórico. Provavel­
mente ele ainda não submetia a doutrina dos princípios a
uma crítica acurada, como havia feito com as Ideias no trata­
do Sobre as Ideias. No entanto, é certo que desenvolvia a dou­
trina dos princípios na direção que o tratado Sobre as Ideias
já indicava. Talvez suas conclusões fossem aquelas que encon­
tramos no primeiro livro da Metafísica, pouco depois do tre­
cho citado:
A partir do que se disse, fica claro que ele se serviu só de
duas causas: a formal e a material. De fato, as Ideias são
causas formais das outras coisas, e o Uno é causa formal das
outras Ideias. Ante a pergunta sobre que matéria tem fun­
ção de substrato do qual se predicam as Ideias - no âmbito
dos sensíveis - e o Uno - no âmbito das Ideias -, ele
respondeu que é a Díade, isto é, o grande e o pequeno.33

Em suma, Aristóteles deve ter extraído sua própria dou­


trina da causa formal e da causa material da reflexão sobre a
doutrina dos princípios. Aliás, a doutrina de Filebo, que é a
exposição mais próxima das "doutrinas não escritas" de Pla­
tão, também leva a conclusões bastante próximas das aris­
totélicas. Filebo fala de quatro gêneros supremos do real: o
limite (ou princípio determinante) , o ilimitado (ou princípio
indeterminado) , o misto desses dois e a causa da mistura.
É fácil identificar nos dois primeiros, respectivamente, a cau­
sa formal e a causa material de Aristóteles; e no misto, aquilo
que será o sínolo (synolon), ou o composto de forma e maté­
ria. O tratado Sobre o bem, sem dúvida, não falava da causa
da mistura, pois ela permanece fora do processo de geração
das Ideias-Números do Uno e da Díade, intervindo apenas
na gênese do cosmo. Platão debate o tema longamente no
Timeu, um diálogo cosmológico, enquanto Aristóteles, mais

34
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

uma vez corrigindo a doutrina platônica, aborda a questão


no tratado Sobre a filosofia, do qual falaremos a seguir.
Provavelmente o tratado Sobre o bem foi escrito pouco
depois do tratado Sobre as Ideias, no qual a doutrina dos
princípios era mencionada, como sabemos, mas não ainda
desenvolvida. Também depõe a favor dessa ordem de suces­
são o fato de que, no tratado Sobre as Ideias, Aristóteles criti­
casse a doutrina das Ideias, mas não ainda a das Ideias-Nú­
meros ou números ideais, estreitamente ligada à doutrina
do Uno e da Díade; e de que tal crítica, como é expressa­
mente atestado, aparece, ao contrário, no tratado Sobre a filo­
sofia. Portanto, Aristóteles primeiro tomou posição em rela­
ção à teoria das Ideias em geral, negando a "separação" entre
elas; em seguida, expôs e avaliou criticamente a doutrina
dos "princípios", deles deduzindo os conceitos de "causa ma­
terial" e de "causa formal"; finalmente, criticou e eliminou
tudo o que lhe parecia absurdo nessa doutrina, em particular
os números ideais, declarando, como leremos a seguir, que
eles são impensáveis e inconcebíveis. 3 4
Chegamos assim ao tratado Sobre a filosofia, o mais com­
prometido e mais vasto dos escritos juvenis do Estagirita. 3 5
Todos os estudiosos, com a única exceção de Werner Jaeger
e seus seguidores mais fiéis, admitem o fato de que esse texto
faz parte do período acadêmico. Na verdade, as provas de
Jaeger contra isso não têm bases sólidas. 36 O estudioso ale­
mão, convencido de que Aristóteles jamais criticou Platão
durante o período passado na Academia, achou necessário
deslocar a redação do texto para os anos da estada em Assos
(de que falaremos em breve ) , motivado justamente pelo
fato de o texto criticar Platão. Contudo, as fontes antigas di­
zem de modo claro que Platão era criticado nos diálogos, 37
usando o plural de modo inequívoco e não limitando a cir­
cunstância apenas ao tratado Sobre a filosofia. Ademais, Jae-

35
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

ger considera possível ver no frag. 6 uma alusão à morte de


Platão. Mas esse fragmento é altamente ambíguo e não pode
ser entendido, inequivocamente, no sentido desejado por
Jaeger. Todos os elementos internos levam a crer que o trata­
do Sobre a filosofia tenha sido composto nos últimos anos de
permanência de Aristóteles na Academia. Certas remissqes
doutrinais ao Tim eu e às Leis são uma comprovação disso. 38
A obra, que devia ter a forma de diálogo, dividia-se em
três livros. O primeiro, com uma resenha histórico-teórica,
definia o conceito de filosofia como conhecimento dos prin­
cípios supremos do real. 39 O segundo criticava a doutrina das
Ideias e também a doutrina das Ideias-Números, ou números
ideais. Contra estes últimos, Aristóteles alegava o seguinte:
[ . ] se as Ideias são outra espécie de número, mas não ma­
. .

temático, não poderíamos ter nenhum conhecimento dele;


de fato, quem, entre a maior parte de nós, compreende uma
espécie de número diversa?4º

Enfim, no terceiro livro, Aristóteles apresentava sua onto­


logia, teologia e cosmologia de modo sistemático, inserindo
muitas novidades. Introduzia a doutrina da forma-privação
e do ato-potência (talvez essa doutrina já aparecesse no pri­
meiro livro; em todo caso, já estava presente no Protréptico) ;
ele apresentava uma nova visão de Deus como inteligência:
este, e não mais o Uno e a Díade, era colocado no vértice da
realidade. Introduzia a doutrina da eternidade do mundo,
inovando profundamente a cosmologia do Timeu; e dava for­
ma sistemática à concepção teológica do Universo.41
São particularmente importantes as inovações no campo
teológico, demonstrando que o Estagirita, embora ainda não
tivesse elucidado sua concepção do divino, tinha resolvido de
modo positivo o problema da transcendência. Um ser trans­
cendente existe, mas não se trata do mundo das Ideias, e sim

36
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO F I LOSÓFICO

do Deus-pensamento ou de uma multiplicidade de princí­


pios de natureza análoga, que se remetem a um primeiro
princípio superior. Eis a demonstração que Aristóteles dava
da existência de Deus:
Também dão testemunho de que o poder divino é eterno as
doutrinas esclarecidas e discutidas em muitos trechos dos
tratados destinados ao público; isto é, é necessário que a
primeira e suprema divindade seja completamente imutá­
vel; se for de fato imutável, será também eterna. Ele chama
de "tratados destinados ao público" aqueles que são coloca­
dos à disposição da multidão e seguem uma exposição or­
denada desde o início. Costuma-se denominar tais escritos
de exotéricos, e os mais científicos de acroamáticos e doutri­
nais. Ele trata desse tema nos livros Sobre a filosofia. De fato,
essa é uma proposição de validade universal; onde há um
melhor, há também um ótimo; dado que, no âmbito daqui­
lo que existe, há uma realidade que é superior a outra rea­
lidade, existe por conseguinte uma realidade perfeita, que
deve ser a potência divina. Portanto, aquilo que muda o faz
por obra de um agente externo ou por obra de si mesmo; se
por obra de um agente externo, este lhe é superior ou infe­
rior; se por obra de si mesmo, em vista de algo inferior ou à
medida que aspira a uma realidade superior. Porém, a po­
tência divina nada tem de superior a si, por obra de quem
poderia sofrer uma mudança (de fato, seria uma categoria
superior de divindade), e há o postulado de que aquilo que
é superior não sofre influência daquilo que é inferior; por­
tanto, se sofresse uma influência de algo que lhe é inferior,
estaria acolhendo algo de mau, no entanto, não há nada de
mau no divino. E tampouco muda a si mesmo por aspirar a
uma realidade superior; não carece de nenhuma das perfei­
ções que lhe são próprias. Portanto, não se modifica para
pior, à medida que nem mesmo um homem, por vontade
própria, piora a si mesmo ou acolhe algo de mal recebido
em consequência de uma mudança para pior. Aristóteles
recolheu essa demonstração do segundo livro da República
de Platão.42

37
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

E sobre o problema da multiplicidade, ou unidade dos


princípios, o frag. 17 diz:
É uma argumentação de Aristóteles: "Ou o princípio é úni­
co ou há muitos deles. Se é uno, temos o que buscamos. Se
são muitos, podem ser ordenados ou desprovidos de ordem.
Contudo, se são desprovidos de ordem, mais desordenados
ainda serão os seus efeitos, e o cosmo não será mais cosmo,
e sim ausência de cosmo; e aquilo que é contra a natureza
existirá, enquanto o que está em conformidade com a na­
tureza não existirá. Se, ao contrário, são ordenados, orde­
naram-se por força própria ou por obra de alguma causa
externa. Todavia, caso se ordenem por força própria, eles
têm um princípio comum que os une, e este é o princípio:'43

Aqui, a solução do problema da multiplicidade-unidade


dos princípios remete fortemente àquela que Aristóteles irá
propor na Metafísica. 44
Ao contrário, porém, é bastante duvidoso que Aristóteles
já tivesse uma solução definitiva para o problema da natureza
de Deus e para sua função de causa. Relata Cícero:
No terceiro livro de Sobre a filosofia, Aristóteles expõe uma
doutrina incoerente, entrando em desacordo com seu mes­
tre, Platão. De fato, ele ora concede um absoluto valor divi­
no ao intelecto, ora defende que o mundo ( a própria pe­
=

riferia extrema) é uma divina potência, ora estabelece outro


poder divino à frente do mundo ( da periferia extrema), e
=

lhe atribui a função de dirigir e conservar seu movimento


por meio do movimento retrógrado. Em seguida, afirma
que o calor do céu é um poder divino, sem compreender
que o céu é parte do mundo, definido por ele mesmo em
outro trecho como poder divino. Mas como esse célebre
intelecto divino poderia se conservar em tamanha velocida­
de? Onde estão, aliás, os vários deuses, se considerarmos o
céu também um poder divino? Como, ademais, ele afirma
que Deus é desprovido de corpo, acaba privando-o de qual­
quer sensibilidade e até de sabedoria. De que modo, além

38
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

disso, o mundo poderia se mover, se é desprovido de corpo;


ou de que modo [o mundo] , movendo-se sempre, poderia
ser [o divino poder] sereno e feliz?45

Ora, embora Cícero possa ser responsável por muitos


mal-entendidos (veremos adiante que, no que diz respeito à
pluralidade do divino, o grego jamais hesitou em declará-lo
ao mesmo tempo uno e múltiplo) , resta o fato de que o tra­
tado Sobre a filosofia não devia ser suficientemente claro acer­
ca da natureza de Deus e de sua função causadora. Ao que
tudo indica, mais que como mente incorpórea, Aristóteles
já concebia Deus como causa final; no entanto, sem dúvida
não havia esclarecido que Deus age sobre o mundo como o
amante sobre o amado. Contudo, nem De caelo nem a Física
desenvolvem esse conceito, que só irá aparecer com toda a
clareza na Metafísica.
Esse Deus, concebido como impassível, não cria o mundo,
que, portanto, é eterno.46 Os astros, feitos de éter (quinta-es­
sência) e animados, ocupam um lugar privilegiado no cos­
mo. A alma desses astros era denominada entelékheia,47 que
fontes contaminadas por influências estoicas identificaram
erroneamente ao próprio éter. Na realidade, como Berti de­
monstrou com uma análise acurada de todos os documentos
e suas interpretações, essa identificação é equivocada, pois
[ ... ] o éter constitui apenas o corpo, não a alma dos astros, e
o apelativo entelékheia pretende indicar menos o movimen­
to da alma que sua continuidade, ou seja, a circularidade
que ela imprime ao movimento do astro.48

O aristotelismo do tratado Sobre a filosofia reforma radi­


calmente o platonismo, mas conserva seu núcleo essencial, ou
seja, a descoberta do suprassensível e do transcendente, que se
torna noCts e não mais noetón, ou seja, Inteligência suprema,
não simplesmente Inteligível. As Ideias tornadas imanentes

39
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

passam a ser a forma das coisas, ou seja, a estrutura inteligível


do sensível. Entre mundo e Deus se estende uma faixa inter­
mediária, que não é mais aquela do metaxu platônico, ou seja,
não é a esfera dos entes matemáticos, mas o conjunto dos
corpos e esferas celestes, incorruptíveis, eternos, dado que são
feitos de éter, de matéria estruturalmente diversa da matéria
do mundo sublunar. Temos aqui, portanto, um esboço das
ideias metafísico-ontológico-cosmológicas que os tratados do
Aristóteles maduro tratarão de explicitar e aprofundar.

Os "anos de viagem"

Com a morte de Platão em 347 a.C., explode na Academia


uma grave crise sucessória a respeito da direção da escola.
Eudoxo havia rompido com Platão e com a Academia, e re­
tornara à pátria. Os aspirantes à direção eram Heraclides
Pôntico, que já fora regente da Academia por ocasião da ter­
ceira viagem de Platão à Sicília; Xenócrates, personalidade de
incontestável destaque; e Espeusipo, que ostentava seus es­
treitos laços de parentesco com Platão, sendo seu sobrinho
(filho da irmã de Platão, Potone) . Naturalmente, nenhum
desses personagens rivalizava com Aristóteles, que com certe­
za também se sentia mais capacitado para a sucessão. A di­
reção da Academia, no entanto, passou justamente às mãos
de Espeusipo: os laços de sangue com o fundador da escola
prevaleceram sobre o valor científico. É importante assinalar
que, efetivamente, Aristóteles havia se afastado de Platão em
vários aspectos, salvando, porém, a substância do platonis­
mo, enquanto Espeusipo se afastara do mestre traindo o pró­
prio espírito do platonismo.49
Consciente de que, apesar das dissidências mencionadas,
era o mais autêntico continuador de Platão, Aristóteles não
suportou a decisão e deixou a Academia. O abandono, como
foi corretamente sublinhado por Jaeger, tem o sabor de uma

40
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

"secessão'', tanto que ele foi acompanhado por Xenócrates,


que, depois de Aristóteles, era o personagem de maior desta­
que da escola. 5 0
Aristóteles não podia retornar à sua Estagira natal, pois
naquele período a cidade havia sido destruída por Filipe da
Macedônia. Diante disso, aceitou de bom grado o convite de
Hérmias, tirano de Atarneu. O filósofo havia passado seus
dias de adolescência nessa colônia, na casa de Proxeno, e por­
tanto era possível que já tivesse travado conhecimento com
Hérmias. Ora, nesse período, Hérmias, que de humilde servi­
dor de Eubulo, senhor de Atarneu, havia passado a seu sócio
e em seguida a sucessor, estabeleceu uma relação estreita com
dois platônicos formados na Academia, Erasto e Corisco (já
mencionados) , que tentaram criar leis inspiradas nos princí­
pios platônicos para sua pátria, Scepsis, cidade próxima de
Atarneu.51 A cooperação de Erasto e Corisco com Hérmias foi
bastante fecunda, fazendo com que a tirania deste último se
tornasse mais benigna e esclarecida, e levando os territórios
próximos, situados entre Atarneu e Assas, a se submeterem
voluntariamente a seu domínio. O próprio Platão consagrou
essa colaboração, endereçando aos três homens a Carta VI.
Tudo indica que Aristóteles e Xenócrates se juntaram a
Hérmias, Erasto e Corisco em Atarneu. No mesmo ano, eles
se transferiram para Assas, cidade que Hérmias ofereceu a
Erasto e Corisco pelos bons serviços prestados. Em Assas, os
quatro filósofos abriram uma escola com a intenção de trans­
formá-la na verdadeira Academia. Corisco deve ter sido um
dos mais apaixonados ouvintes das aulas de Aristóteles, pois
o Estagirita a ele se dirigia em muitas dessas aulas, usando
seu nome nos exemplos que criava para ilustrar os conceitos
que expunha, e que ainda podem ser lidos nas obras da esco­
la. Entre os ouvintes mais assíduos de Aristóteles, além de
Corisco, estavam Neleu, filho de Corisco, e Teofrasto, nascido

41
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

em Eresos, na ilha de Lesbos, que seria o sucessor de Aristó­


teles no Perípato.
Aristóteles completou um triênio de atividade na escola
de Assos. Mas em 3 45-344 a.C., provavelmente estimulado
por Teofrasto, transferiu-se para Mitilene, em Lesbos, onde
abriu outra escola, a qual dirigiu por dois anos, ou seja, até
343 -342, que também se tornou uma Academia, não uma
instituição contraposta à Academia.
Em 343-342 a.C., Filipe da Macedônia escolheu Aristóte­
les como preceptor de seu filho Alexandre, então com treze
anos. Hérmias, que havia estabelecido uma aliança com Fi­
lipe, com quem preparava secretamente os planos de uma
guerra contra a Pérsia, teve papel decisivo nessa escolha. Ele
tinha Aristóteles na mais alta conta e, além do mais, conside­
rava a grande vantagem de contar com um homem de con­
fiança na corte de Filipe. A escolha deve ter sido facilitada
pelos antigos laços que uniam a família de Aristóteles aos reis
macedônios. Pouco depois, Hérmias caiu em poder dos per­
sas, capturado numa armadilha. Torturado, não revelou os
planos secretos elaborados com Filipe e morreu como herói.
Aristóteles dedicou-lhe um poema cheio de sentimento.
Aristóteles casou-se, ao que tudo indica, logo após a mor­
te de Hérmias, com a irmã deste, Pítia, provavelmente refu­
giada na corte macedônia. Teve uma filha com ela, que rece­
beu o nome da mãe.
No Castelo de Mieza, perto de Pela, durante três anos,
Aristóteles encarregou-se da educação de Alexandre: aquele
que em breve se tornaria o guia espiritual do helenismo, por­
tanto, foi o educador daquele que viria a ser um dos maiores
personagens da história grega. O entendimento entre os dois
homens era excelente. Não há dúvida de que, tendo em conta
a idade do discípulo, Aristóteles não se limitou à tradicio-

42
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO F I LOSÓFICO

nal paideia, mas tratou de transmitir também alguns prin­


cípios filosóficos, É difícil estabelecer até que ponto os ensi­
namentos de Aristóteles influíram na formação espiritual de
Alexandre, mas é certo que a política do imperador macedô­
nio seguirá caminhos totalmente opostos aos recomendados
pelo mestre.
Em 340 a.C., Alexandre é nomeado regente do reino e tem
de interromper os estudos. Alexandre deu grande prova de
sua gratidão ao mestre, atendendo a seu pedido de recons­
truir a cidade de Estagira. E, ao que tudo indica, foi para lá
que Aristóteles se transferiu, talvez pensando em colaborar
para o renascimento da cidade, elaborando suas leis. Nesse
ínterim, o filósofo perdeu a esposa, unindo-se em seguida a
Hérpiles, que provavelmente foi sua governanta, depois con­
cubina e enfim, segundo algumas fontes, segunda esposa.
Hérpiles dará ao filósofo um filho homem, que receberá o
nome do avô paterno, Nicômaco.
É impossível estabelecer o que Aristóteles teria escrito
nesses anos de viagens. Deve remontar a essa época, se for
autêntico (como acreditamos, pessoalmente) , o Tratado sobre
o cosmo para Alexandre, uma esplêndida síntese das doutrinas
cosmológico-físico-teológicas de Aristóteles, com ligações es­
treitas com os conceitos desenvolvidos no Protréptico e no
diálogo Sobre a filosofia. Quanto ao resto, só podemos traba­
lhar com hipóteses. Talvez Aristóteles tenha parado de publi­
car livros, dedicando-se apenas à redação de cursos e aulas.
O único curso que poderia datar do período acadêmico são
os Tópicos, que, a bem dizer, têm ligações estreitas com a re­
tórica, matéria que, como sabemos, Aristóteles já lecionava
na Academia. As tentativas mais recentes dos estudiosos para
estabelecer quais dos tratados a nós chegados pertencem ao
período de Assos e Mitilene não passam de conjecturas alta-

43
I NTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

mente discutíveis, em razão da ausência de qualquer dado


histórico e objetivo que possa servir de base.52
Muitas das partes dos tr atados que hoje lemos remon­
tam, sem dúvida, a essa época; contudo, jamais saberemos
quais são eles, pois Aristóteles de várias maneiras retomou
os cursos em Atenas e reelaborou, completou e sistematizou
suas aulas.

O retorno a Atenas, a fundação do


Perípato e as obras de escola

Em 335-334 a.C., quando Alexandre já detinha as rédeas da


situação política da Grécia, Aristóteles voltou para Atenas.
Tinha então cinquenta anos e não havia ninguém capaz de
fazer sombra à sua fama: era o professor de Alexandre e tam­
bém o pensador mais conceituado e renomado do momento.
Nesse ínterim, na Academia, Espeusipo fora substituído por
Xenócrates,5 3 com quem Aristóteles havia rompido relações
há algum tempo. Consciente de que tinha muito mais a dizer
que Xenócrates, Aristóteles resolveu se afastar definitivamen­
te da Academia e abrir seu próprio espaço, criando uma esco­
la, certo de que poderia produzir tanto quanto Platão na Aca­
demia. Contudo, como era estrangeiro, e a lei ateniense não
lhe permitia adquirir terrenos e imóveis, ele resolveu fundar
sua escola num ginásio público, o Liceu (assim chamado por
ser consagrado a Apolo Lício ) , que dispunha de um prédio e
um jardim (um "passeio" ) . A nova escola foi chamada de Pe­
rípato por causa desse passeio (perípatos, em grego, quer dizer
"passeio" ) e pelo costume aristotélico de dar aula enquanto
andava. Escreve Diógenes Laércio: " [Aristóteles] escolheu o
passeio público, o Perípato, no Liceu, e, passeando até chegar
a hora de fazer suas unções, debatia filosofia com os discípu­
los. Daí o nome peripatético."54 Não importa o que digam, os
frequentes exemplos dados por Aristóteles de que o passeio é

44
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

um meio de alcançar a saúde são uma confirmação desse cos­


tume de ensinar passeando de que fala a tradição.
Durante quase doze anos, Aristóteles dirigiu a escola com
sucesso, ofuscando a fama da Academia. A seu lado ensina­
ram nomes como Teofrasto e Eudemo de Rodes, dando con­
tribuições importantes. 55 Esses anos foram dedicados à siste­
matização das aulas. Como os cursos eram para uso interno
da escola, em seguida foram denominados esotéricos, em
contraposição às obras juvenis, escritas para um público mais
amplo, fora da escola, e que por isso eram chamadas exoté­
ricas. 56 Quis a sorte que nenhuma dessas obras publicadas
(exotéricas) chegasse até nós, e que, ao contrário, boa parte
das aulas (obras esotéricas) se conservasse.
Tomando a liberdade de apresentar a lista completa desses
títulos adiante, 57 mencionaremos aqui os tratados de maior
relevância do ponto de vista filosófico, que exporemos a se­
guir. São eles os catorze livros de filosofia primeira, que rece­
beram depois o nome de Metafísica; os tratados de filosofia
segunda - Física, Sobre o céu, Sobre a geração e a corrupção
-, aos quais se conecta também o texto Sobre a alma; três
cursos de ética - Ética a Eudemo, Ética a Nicômaco e Grande
Moral (cuja autenticidade é negada por parte da crítica) -;
Política, Poética, Retórica, Organon, compreendendo Cate­
gorias, Sobre a interpretação, Analíticos primeiros e Analíticos
segundos, Tópicos e Refutações sofísticas. A essas obras filo­
sóficas acrescenta-se uma massa imponente de obras sobre
ciências naturais.
Os anos de ensino em Atenas, isto é, dos cinquenta aos
sessenta e dois anos de idade, foram certamente os mais fe­
cundos de Aristóteles: é o período em que o homem, al­
cançando a plenitude da experiência espiritual, ainda dis­
põe de todas as suas energias para dar-lhe um acabamento
definitivo.

45
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Em 323 a.C., a morte de Alexandre desencadeou uma


onda de ódio antimacedônico em Atenas. Caiu sobre Aris­
tóteles uma acusação de irreligião, por causa do poema em
memória de Hérmias, considerado apropriado a um deus,
nunca a um mortal. As intenções que se escondiam por trás
dessa acusação eram claríssimas (Sócrates também havia sido
denunciado por impiedade): queriam que Aristóteles pagasse
um preço altíssimo por suas relações com Alexandre. O filó­
sofo abandonou Atenas com a família e se refugiou em Cal­
cides, onde tinha propriedades herdadas da mãe. Foi lá que,
alguns meses depois, veio a falecer.
Teofrasto, amigo fiel de longa data, assumiu a direção do
Perípato. 58

A leitura de Aristóteles hoj e

Já dissemos antes que o mérito essencial de Jaeger foi ter cha­


mado a atenção dos estudiosos para a necessidade de partir
das obras da juventude, ou melhor, dos fragmentos que che­
garam até nós, para se ter um correto entendimento de Aris­
tóteles. Por infortúnio, porém, tais fragmentos são escassos,
e muito poucos são diretos. Ora, os fragmentos são como
peças de um mosaico; logo, podem compor os mais varia­
dos desenhos. Além disso, como as obras juvenis eram em
sua maioria diálogos, há o perigo de se topar com trechos de
discuJsos de personagens que não expressam o pensamento
de Aristóteles. Por isso a reconstituição das obras do jovem
Aristóteles é obrigatoriamente conjectura!. Partindo dessa
premissa, em todo caso, pode-se concluir que é impossível
extrair dos fragmentos que chegaram até nós o perfil de um
Aristóteles completamente platônico, tal como o que Jaeger
reconstruiu. 59 A crítica a Platão começa muito cedo, como
veremos, e é uma crítica que leva - recorrendo a termos

46
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

hegelianos - à superação de Platão, que é uma suprassunção.


Veremos quais elementos atestam esse aspecto. (É significa­
tivo, aliás, que Jaeger não tenha examinado os tratados Sobre
as Ideias e Sobre o bem. )
No entanto, o ponto mais frágil da leitura jaegeriana de
Aristóteles é a interpretação dos escritos de escola do Estagi­
rita. Jaeger certamente tem razão quando diz que nem todos
foram redigidos nos últimos doze anos, em Atenas, e que
grande parte remonta aos anos de Assas e de Mitilene. Mas
erra quando pretende em seguida estabelecer quais perten­
cem àquele período, quais ao último. E erra porque, na falta
de qualquer dado histórico que lhe sirva de base, é obrigado
a se apoiar em pressupostos teóricos. Jaeger acredita que é
possível distinguir nas obras de escola algumas estratificações
fortemente platônicas, outras menos platônicas, e outras,
ainda, de tendência antiplatônica. Considera esses estratos
teoricamente tão diversos a ponto de não serem unificáveis,
e, consequentemente, localiza os primeiros no período de
Assas, os segundos num período de transição e os terceiros
na última etapa da evolução espiritual de Aristóteles. Só que,
aplicando esse método "genético", muitos estudiosos chega­
ram, no curso de meio século, a conclusões diametralmente
opostas às de Jaeger. 60
Hoje, ganha cada vez mais força a opinião de que o méto­
do genético, pelo menos no sentido jaegeriano, deve ser dei­
xado de lado. Alguns estudiosos destacaram que, se um autor
não renega uma obra ou parte dela, deve ser considerado
plenamente responsável pela obra. 6 1 Isso vale ainda mais para
as obras esotéricas de Aristóteles, que jamais saíram de suas
mãos e, portanto, podiam ser retificadas e organizadas como
melhor lhe parecesse. Se o Estagirita considerasse superados
alguns trechos desses cursos ou mesmo o curso inteiro, cer-

47
I NTRODUÇÃO A A R I STÓTELES

tamente os teria suprimido ou modificado. Além do mais, o


sistema de rolos dava aos livros da época uma notável plasti­
cidade, permitindo que fossem corrigidos quando e do modo
que se desejasse.
Essas razões voltam a impor, portanto, a oportunidade,
quando não a necessidade, de refazer a leitura unitária dos
textos esotéricos. Naturalmente, nesse processo, cabe verificar
se e em que medida a unidade é real ou problemática; em
todo caso, trata-se de uma decisão que deve ser tomada no
plano teórico, não no histórico-genético. Em suma, depois de
meio século de experimentos sob a égide do método gené­
tico, ficou claríssimo que as obras esotéricas não podem ser
consideradas simples apontamentos, e que se obstinar a lê-las
nessa condição é privá-las de significado filosófico.
A leitura dos esotéricos que propomos nas páginas a se­
guir será, portanto, unitária, no sentido mencionado. Em
cada um dos escritos esotéricos, nascidos e crescidos num
intervalo bastante amplo de tempo, com interrupções, re­
tomadas e repetições, é possível identificar linhas de força,
parâmetros constantes e também reexames incessantes de
problemas e soluções. Foram justamente as pesquisas dos
textos realizadas com o método genético que, de modo para­
doxal, acabaram tornando isso mais claro e evidente.
Passemos, portanto, à análise pontual das obras de escola,
tentado captar seus núcleos essenciais. Como não podemos
dispor de um critério cronológico, pelas razões já expostas,
utilizaremos a ordem lógica com que Aristóteles distinguia
hierarquicamente as ciências. Na verdade, ele considerou pri­
meiras as ciências teóricas, ou seja, puramente contemplati­
vas, que são a metafísica, a física e a matemática; as ciências
práticas, isto é, a ética e a política, são segundas; e terceiras
são as ciências poiéticas, ou seja, as artes. A lógica não entra

48
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO F I LOSÓFICO

no quadro porque, mais que urna ciência, fornece o instru­


mento preliminar para qualquer ciência, mostrando corno o
homem raciocina.

NOTAS
1. Apolodoro ( frag. 38 Jacoby), em Diógenes Laércio, V, 9. Todas as infor­
=

mações que se seguem, exceto as provenientes de Diógenes, foram extraí­


das das antigas biografias de Aristóteles ( cf. "Bibliografia comentada': § 2,
3), reunidas no trabalho fundamental de I. Düring, Aristotle in the Ancient
Biographical Tradition, Gõteborg, 1957. Boas reconstruções modernas po­
dem ser encontradas em W. Jaeger, Aristoteles, Berlim, 1923 ( trad. ital.,
Florença, 1935, várias reeds.), passim. Aristóteles, L'éthique à Nicomaque,
t. !, 1, introdução de R. Gauthier, Louvain, 1970, p. 2 ss; I. Düring, Aristo­
tles, Darstellung und Interpretation seines Denkes, Heidelberg, 1966, p. 1 - 2 1 .
Para a primeira parte d a vida d e Aristóteles, a reconstrução d e E. Berti,
La filosofia dei primo Aristotele, Pádua, 1962, p. 123 ss, é muito bem cui­
dada. (Razões de espaço nos impedem de indicar ponto a ponto todas as
fontes em que nos apoiamos, as eventuais fontes discordantes, os vários
motivos que depõem a favor daquelas a que conferimos maior peso; o
leitor interessado encontrará tudo isso nas obras acima indicadas. )
2. Diógenes Laércio, V , 9 (a tradução dos trechos d e Diógenes é d e M. Gigan-
te, Diogene Laerzio, Vita dei filosofi, Laterza, Bari, 1962 ) .
3. Cf. U . von Wilamovitz-Moellendorff, Platon. Berlim, 1959, p . 208 ss.
4. Cf. Jaeger, op. cit., p. 1 1 -27.
5. Cf. Arist., Metaph. A 8, passim.
6. Cf. Berti, op. cit., p. 1 42.
7. Diógenes Laércio, V, 1 .
8 . Cf. adiante, "História da fortuna crítica e das interpretações de Aristóteles",
§ 4.
9. Cf. Berti, op. cit., p. 1 5 1 - 1 59.
10. Cf. W. Jaeger, Paideia, trad. ital., Florença, 1967, v. II, p. 250 ss. [ Edição
brasileira: Paideia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. ]
1 1 . Para aprofundamento e bibliografia, remetemos a Berti, op. cit., p. 1 59-
1 85.
1 2 . Quem defende essa tese é Jaeger, em Aristotele, p. 49-68; Bignone ( L'Aristo­
tele perduto e la formazione filosofica di Epicuro, Florença, 1936, v. !, p. 67 ss)
parece reconfirmá-la plenamente.
1 3 . Berti, op. cit., p. 4 1 7.
14. Cf. Elias, Arist. categ. proem., p. 1 1 4, 25 ss Eudemo, frag. 3 Ross.
=

1 5 . Cf. Themist., Arist. de anim., p. 1 06, 29 ss Eudemo, frag. 2 Ross.


=

16. Tese de Jaeger, Aristotele, p. 62 ss.


17. Arist., Metaph. A 3, 1 .070 a 24-26. A tradução dos trechos da Metafísica
citados aqui e mais adiante é de G. Reale, Aristotele, La "Metafísica", 2 v.
Nápoles: Loffredo, 1968.

49
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

18. Cf. Berti, op. cit., p. 453- 543. Para exegeses opostas, cf. Jaeger, Aristotele,
p. 69- 1 32; W. G. Rabinowitz, Aristotle's "Protrepticus" and the Sources of the
Reconstruction, Berkeley/Los Angeles, 1957; I. Düring, Aristotle's "Protrep­
ticus''. An Attempt at Reconstruction, Estocolmo, 196 1 (excelente); os arti­
gos do mesmo autor que citamos nas "Referências bibliográficas", § VII, 2.
Uma boa tradução com comentário histórico e teórico é a de E. Berti,
Esortazione alia filosofia ("Protreptico"), Pádua, Radar, 1967.
19. Elias, Prophyr. Isag. 3, 17 ss. Protreptico, frag. 2 Ross (trad. ital. Berti ) .
2 0 . Cf. Protreptico, frag. 5 Ross.
2 1 . Jambl., Ptotr. 40, 20 ss Protreptico, frag. 5 Ross.
=

22. Cf. Protreptico, frags. 6-7 Ross.


23. Ibid., frag. 1 1 Ross.
24. Jambl., Protr. IX, 53, 2 ss Protreptico, frag. 12 Ross.
=

25. Cf. Potreptico, frag. 13 Ross.


26. Jambl., Protr. VIII, 48, 9 ss Protreptico, frag. 1 O c Ross.
=

27. Para um aprofundamento do tratado Sulle Idee, cf. Berti, op. cit., p. 1 86-
249 e P. Wilpert, Zwei aristotelische Frühschriften über die Ideenlehre, Re­
gensburg, 1949; outra bibliografia in Berti, op. cit.
28. Cf. Sulle Idee, respectivamente frags. 3 e 4.
29. Berti, op. cit., p. 249.
30. Arist., Harm. 2, 20, 1 6-31 , rep. in Ross, Arist. Fragm., p. 1 1 1 .
31 . Cf., sobre o complexíssimo problema da "doutrina não escrita" de Platão,
"Bibliografia comentada'; § VIII, 3.
32. Arist., Metaph. A 6, 987 b 1 8 ss.
33. Arist., Metaph. A 6, 988 a 9 ss.
34. Para um debate sobre a bibliografia relativa ao tratado Sobre o bem e para
uma interpretação aprofundada dos fragmentos, cf. Berti, op. cit., p. 250-
31 6.
35. Para um estudo aprofundado do tratado Sobre a filosofia, ver Berti, op. cit.,
p. 31 7-409 (com o debate a respeito de toda a bibliografia até 196 1 ) . Para
exegeses opostas, cf. Jaeger, Aristotele, p. 1 6 1 -220, e Arist., Della filosofia,
texto, tradução, organização, introdução e comentário exegético de M.
Untersteiner, Roma, 1963 (com amplíssima bibliografia, p. XXVI-XL ) . Cf.
também os artigos de Untersteiner citados na "Bibliografia comentada';
§ VIII, 2.
36. Cf. Jaeger, Aristotele, p. 167 ss.
37. Procl. apud Filopono. De aet. mundi, p. 31 , 17 ss (Rabe) = Sulla filosofia,
frag. 1 O Ross.
38. Cf. Berti, op. cit., p. 401 ss.
39. Cf. frag. 8, 6 Ross.
40. Syrian., Metaph. 1 59, 33 ss Sulla filosofia, frag. 1 1 Ross.
=

4 1 . Cf. especialmente frags. 1 0-29 Ross.


42. Simplic., De caelo 228, 28 ss Sulla filosofia, frag. 16 Ross (tradução de
=

M. Untersteiner [ cf. nota 34 ] . A tradução dos outros fragmentos aqui


mencionados é do mesmo autor) .

50
1. O HOMEM, A OBRA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO F I LOSÓFICO

43. Schol. in Proverb. Salomonis cod. Paris gr. 1 7 4 f 46 a Sulla filosofia, frag.
=

17 Ross.
44. Cf. Metaph. A 8, passim.
45. Cic., De nat. deor. 1, 1 3, 33 Sulla filosofia, frag. 26 Ross. Cf. Berti, op. cit.,
=

p. 375 ss.
46. Filopono, De aetern. mundi, 30, 10 ss = Sul/a filosofia, frag. 18 Ross; cf.
também frag. 1 9 a b e .
47. Cic., Tusc. disp. I, 1 0-22 Sulla filosofia, frag. 27 Ross.
=

48. Berti, op. cit., p. 556; cf. ibid., p. 392-40 1 .


49. Para uma exposição sintética das doutrinas desses filósofos da primeira
Academia, remetemos o leitor ao segundo volume do nosso I problemi dei
pensiero antico. Milão: Celuc, 1 972, p. 30 ss.
50. Cf. Jaeger, Aristotele, p. 1 35 ss.
5 1 . Cf. a excelente reconstrução desse período da vida de Aristóteles em
L'éthique à Nicomaque, Gauthier, !, l, p. 30 ss.
52. De fato, dos mesmos elementos é possível extrair teses opostas; o leitor
poderá ter acesso à documentação que elaboramos a respeito disso no
volume II de II concetto di filosofia prima, passim.
53. Cf. Reale, I problemi dei pensiero antico, li, p. 45-53.
54. Diógenes Laércio, V, 2; cf. também Cic., Acad. I, 4, 1 7.
55. Cf. Reale, I problemi dei pensiero antico, li, p. 61 ss.
56. Cf. nota 42, trecho de Simplício.
57. Cf. "Bibliografia comentada", § II, 1 .
58. Sobre Teofrasto, cf. Reale, I problemi dei pensiero antico, II, p . 6 5 ss.
59. O trabalho de Berti, citado várias vezes, é a mais eloquente confirmação
disso.
60. Para a documentação, remetemos a nosso volume II concetto di filosofia
prima, passim.
6 1 . Cf. P. Aubenque, Le probleme de l'être chez Aristote. Paris, 1 962, p. 9 ss.

51
II.

A "FILOSOFIA PRIMEIRA":
ANÁLISE DA METAFÍSICA

Conceito e características da metafísica

O que é "metafísica"?
Vamos começar por esclarecer a palavra. Sabe-se que "me­
tafísica" não é um termo aristotélico ( talvez tenha sido
cunhado pelos peripatéticos, se não tiver nascido por ocasião
da edição das obras de Aristóteles por Andrônico de Rodes,
no século 1 a.C. ) . 1
Aristóteles utilizava "filosofia primeira", o u mesmo "teolo­
gia", em oposição a "filosofia segunda", ou "física"; mas o ter­
mo "metafísica" certamente é mais pregnante e tornou-se o
preferido da posteridade, sendo definitivamente consagrado.
Como veremos, a "metafísica" aristotélica é, na verdade, a
ciência que se ocupa das realidades que estão acima das físi­
cas, as realidades transfísicas, 2 e, como tal, se opõe à física.
Por isso foi denominada metafísica cada tentativa filosófica
do pensamento humano de superar o mundo empírico e al­
cançar um universo metaempírico.
Tomando como premissa esse esclarecimento de caráter
geral, cabe caracterizar de maneira exata os sentidos precisos
que Aristóteles concedeu à ciência que ele chamou de "filoso­
fia primeira" e que os pósteros denominaram "metafísica".
Essas definições são, na verdade, quatro:
a) A metafísica indaga as causas e os princípios primeiros,
ou supremos. 3
b) A metafísica indaga o ser enquanto ser.4
c) A metafísica indaga a substância. 5
d) A metafísica indaga Deus e a substância suprassensível.6

53
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

As quatro definições aristotélicas de metafísica estão em


perfeita harmonia entre si: uma leva estruturalmente à outra,
e cada uma a todas as outras, de modo orgânico e unitário. 7
Examinemos mais de perto. Quem pesquisa as causas e os
princípios primeiros deve necessariamente encontrar Deus.
Ele é, de fato, a causa e o princípio primeiro por excelência.
Chegaremos a conclusões idênticas se partirmos das outras
definições: perguntar o que é o ser significa perguntar se exis­
te somente o ser sensível ou também um ser suprassensível
(ser teológico) . Do mesmo modo, a questão "O que é a subs­
tância?" implica também a pergunta "Que tipos de substân­
cias existem, apenas as sensíveis ou também as suprassensí­
veis?': e, portanto, envolve também a questão teológica.
Com base nisso, compreende-se por que Aristóteles utili­
zou o termo "teologia" para indicar a metafísica, posto que as
três definições levam estruturalmente à questão teológica.
A busca de Deus não é apenas um momento da investigação
metafísica, mas seu momento essencial e definidor. Aliás, o
Estagirita diz com toda a clareza que, se não houvesse uma
substância suprassensível, nem sequer existiria uma metafísi­
ca, e a física seria a ciência mais elevada: "Se não subsistisse
outra substância além daquelas sensíveis, a física seria a pri­
meira ciência." 8
Já dissemos que as ciências teóricas são superiores às prá­
ticas e às produtivas, e que, por sua vez, a metafísica é supe­
rior às outras duas ciências teóricas. Ao fazer metafísica, o
homem realiza efetivamente a pura vida contemplativa que,
pelas razões já vistas no Protréptico, é ontologicamente supe­
rior à vida ativa. Ao fazer metafísica, o homem se aproxima
de Deus,9 não somente porque o conhece, mas também por­
que faz o mesmo que Deus, que é puro conhecimento, como
veremos. Portanto, Aristóteles diz: "Todas as outras ciências

54
I I . A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA M H TA FÍSICA

podem até ser mais úteis ao homem, mas nenhuma é supe­


rior a esta [metafísica] ." 1 0

As quatro causas

Depois de examinar e esclarecer as definições de metafísica


do ponto de vista formal, vamos agora analisar sintetica­
mente seu conteúdo.
Dissemos que a metafísica é apresentada por Aristóteles,
antes de mais nada, como pesquisa das causas primeiras.
Cumpre então estabelecer quais e quantas são essas "causas".
Aristóteles determinou que as causas devem ser necessa­
;iamente finitas quanto ao número e estabeleceu que, no que
se refere ao mundo do devir, reduzem-se às seguintes (já en­
trevistas, embora confusamente, segundo ele, por seus prede­
cessores) : 1 ) causa formal; 2) causa material; 3) causa eficien­
te; 4) causa final. 1 1
As duas primeiras nada mais são que a forma (ou essên­
cia) e a matéria que constituem todas as coisas, e delas falare­
mos em breve. (É bom lembrar que causa e princípio signifi­
cam para Aristóteles aquilo que funda, aquilo que condiciona,
aquilo que estrutura. ) Mas atenção ! Se considerarmos o ser
das coisas estaticamente, matéria e forma bastam como expli­
cação; porém, se, ao contrário, considerarmos as coisas dina­
micamente, ou seja, em seu desenvolvimento, em seu devir,
em seu gerar-se e corromper-se, então já não bastam. Na ver­
dade, é evidente que, se considerarmos, por exemplo, deter­
minado homem do ponto de vista estático, ele se reduz ape­
nas à sua matéria (carne e ossos) e à sua fo rma ( alma) ;
contudo, s e o considerarmos de outro modo e perguntarmos
"Como esse homem nasceu? Quem o gerou? Por que se de­
senvolve e cresce?': então duas outras razões ou causas são
necessárias: a causa eficiente, ou motriz, ou sej a, o pai que o

55
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

gerou, e a causa fina� isto é, o télos, ou escopo para o qual


tende o devir do homem (a realização de sua essência) .

O ser, seus significados e o sentido


da fórmula "ser enquanto ser"

Dissemos que, além de doutrina das causas, a metafísica é de­


finida por Aristóteles como doutrina "do ser': ou também "do
ser enquanto ser". Vejamos, portanto, o que é o ser (Õv, dvm)
e o ser enquanto ser ( ôv n õv) no contexto da especulação
aristotélica. Contra os eleatas, que entendiam o ser como úni­
co, e contra os platônicos, que o viam como realidade trans­
cendente, Aristóteles caracteriza o ser da seguinte maneira:
a) O ser exprime originariamente uma "multiplicidade"
de significados. Nem por isso, porém, é um mero "homô­
nimo", ou seja, um "equívoco". Entre univocidade e equivo­
cidade pura há uma via intermediária, e o caso do ser está
justamente nela. Eis a célebre passagem em que Aristóteles
enuncia essa doutrina:
Fala-se ser em múltiplos sentidos, mas sempre em referência
a uma unidade e a uma realidade determinada. Não se fala
ser por mera homonímia, mas do mesmo modo como dize­
mos que é "sadio" tudo que se refere à saúde, que a conser­
va, que a produz, que é seu sintoma ou que tem condições
de recebê-la; ou do mesmo modo como dizemos que é "mé­
dico" tudo que se refere à medicina, ou que a possui, ou que
é bem-disposto para ela por natureza, ou que é obra da me­
dicina; e podemos acrescentar ainda outros exemplos de
coisas como essas que também são ditas. Assim, portanto,
fala-se ser em muitos sentidos, mas todos em referência a
um só princípio. 12

Mas vamos deixar, por ora, a determinação e a identifica­


ção desse princípio, prosseguindo na caracterização geral do
conceito de ser.

56
I I . A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA META FÍSICA

b) Em consequência de tudo o que estabelecemos, o ser


não poderá se reduzir a um "gênero" e menos ainda a uma
"espécie". Trata-se, portanto, de um conceito transgenérico,
além de transespecífico, ou seja, mais amplo e estendido que
o gênero e também que a espécie.
c) Se a unidade do ser não é uma unidade de espécie nem
de gênero, que tipo de unidade é? O ser exprime significados
diversos, mas que têm relação precisa com um princípio
idêntico ou uma realidade idêntica, como bem ilustram os
exemplos de "sadio" e "médico", no trecho citado. Portanto, as
várias coisas denominadas ser exprimem, sim, sentidos diver­
sos do ser, mas todas elas implicam, ao mesmo tempo, uma
referência a algo que é uno, ou, mais especificamente, à subs­
tância. É o que Aristóteles afirma com toda a clareza na con­
clusão do trecho mencionado:
Assim, portanto, fala-se ser em muitos sentidos, mas todos
em referência a um só princípio. Algumas coisas se chamam
ser porque são substâncias, outras porque são afecções da
substância, ou porque são corrupções ou privações, ou qua­
lidades, ou causas produtoras ou geradoras, seja da substân­
cia, seja daquilo que se refere à substância, ou porque são
negações de qualquer uma delas, isto é, da substância.13

Portanto, o centro unificador dos sentidos do ser é a ou­


sía, a substância. A unidade deriva nos vários sentidos do ser
porque todos eles têm relação com a substância. Nesse senti­
do, pode-se dizer que a ontologia aristotélica é fundamental­
mente uma "ousiologia':
Tais esclarecimentos servem para alertar o leitor quanto
à interpretação da célebre fórmula "ser enquanto ser" ( õv n
õv) . Essa fórmula não pode ser entendida como um unifor­
me, abstrato e unívoco ente de caráter extremamente geral,
como muitos creem, mas exprime a própria multiplicidade
dos significados do ser e a relação que os liga formalmente e

57
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

que faz com que cada um deles seja ser. Então, o ser enquanto
ser significa a substância e tudo aquilo que, de múltiplas ma­
neiras, se refere à substância. ·
Em todo caso, fica evidente que, para Aristóteles, a fór­
mula "ser enquanto ser" perde qualquer significado fora do
contexto do discurso sobre a multiplicidade dos significados
do ser: quem atribui a ela o sentido de ser generalíssimo ou
de puro ser, aquém e acima das múltiplas determinações do
ser, cai vítima do "arcaico" modo de pensar dos eleatas e trai
completamente o significado da reforma aristotélica. 14

A "tábua" aristotélica dos significados


do ser e seu sentido

Depois de estabelecido o conceito de ser e o princípio da


originária e estrutural multiplicidade dos sentidos do ser, va­
mos examinar agora quantos e quais são esses sentidos. Aris­
tóteles esboça uma "tábua" precisa dos significados do ser. 15
a) Fala-se ser, de um lado, no sentido de acidente, ou seja,
como ser acidental ou casual ( ôv Kmà O"'uµPEPTJKÓÇ) . Por
exemplo, quando dizemos "o homem é músico", estamos in­
dicando um caso de ser acidental; na verdade, ser músico não
exprime a essência do homem, mas apenas aquilo que pode
acontecer de o homem ser, um puro acaso, um mero acidente.
b) Oposto ao ser acidental é o ser por si ( ôv Km'raúto ) .
Isso não indica o que é por outro, como o ser acidental, mas
o que é ser por si, ou seja, essencialmente. Como exemplo de
ens per se, Aristóteles aponta, na maioria das vezes, apenas a
substância; mas pode também indicar todas as categorias:
além da essência, ou substância, a qualidade, a quantidade, a
relação, o agir, o suportar, o onde e o quando. 16 De fato ( ao
contrário do que se verifica na especulação medieval), em
Aristóteles, as categorias diferentes da substância são algo
bem mais sólido que aquilo que é puramente acidental ( que

58
I I . A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA METAFÍSICA

exprime o puramente fortuito) , dado que, embora de manei­


ra subordinada à substância, são fundamento, em segunda
ordem, dos outros sentidos do ser, como veremos.
c) Em terceiro lugar, aparece na lista o sentido do ser
como verdadeiro, ao qual se contrapõe o significado do não­
-ser como falso. Trata-se do ser que poderíamos chamar de
"lógico": o ser como verdadeiro indica o ser do juízo verda­
deiro, enquanto o não-ser como falso indica o ser do juízo
falso. Este é um ser puramente mental, que só tem subsistên­
cia na razão e na mente que pensa.
d) Em último lugar vem o sentido do ser como potência
e como ato (õv ouváµEt Kat ÊvEpyEiq). Dizemos, por exem­
plo, que é vidente tanto aquele que tem a potência de ver -

isto é, que pode ver, mas está momentaneamente, digamos,


de olhos fechados - quanto aquele que vê em ato. De forma
análoga, dizemos também que está em ato uma estátua já
esculpida, e que está em potência o bloco de mármore que o
artífice esculpe; nesse mesmo sentido, dizemos que é trigo o
broto de trigo, pois que é trigo em potência, e que a espiga
madura é trigo em ato. O ser segundo a potência e segundo
o ato, esclarece Aristóteles, se estende a todos os sentidos já
mencionados do ser: pode existir um ser acidental em potên­
cia ou em ato, pode haver o ser do juízo verdadeiro ou falso
em potência ou em ato, e, sobretudo, pode haver uma potên­
cia e um ato segundo cada uma das diversas categorias. I ?

Especificações acerca dos quatro sentidos d o ser

Os quatro sentidos do ser na realidade são quatro "grupos"


de sentidos; cada um deles reagrupa depois sentidos seme­
lhantes mas não idênticos, ou seja, não unívocos mas análo­
gos. As diferentes categorias não expressam sentidos idênticos
ou unívocos do ser; o ser expresso em cada "figura das cate­
gorias" constitui um sentido diverso daquele de cada uma

59
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

das outras. Por conseguinte, a expressão "o ser segundo as


figuras das categorias" designa tantos sentidos diversos do ser
quantos são os seres. Aristóteles diz expressamente que o ser
não pertence às diversas categorias do mesmo modo e no
mesmo grau: "O é predica-se de todas as categorias, porém
não do mesmo modo, mas de modo primário, da substância,
e de modo derivado, das outras categorias:' 1 8
E ainda:
[ . . . ] é preciso dizer que as categorias são seres apenas por
homonímia, ou que são seres apenas quando se acrescenta
ou se retira de "ser" determinada qualificação; como, por
exemplo, quando se diz que também o não cognoscível é
cognoscível. Com efeito, está correto afirmar que se diz que
as categorias são ser não em sentido equívoco, nem em sen­
tido unívoco, mas diz-se que elas são ser do mesmo modo
que a palavra médico, cujos diversos sentidos implicam re­
ferências a uma só e mesma coisa, e nem por isso são puros
homônimos; médico designa um corpo, uma operação ou
um instrumento não por homonímia ou sinonímia, mas em
virtude da referência a uma só coisa. 19

Essa última realidade é obviamente a substância. Como se


pode ver, aquilo que vale em geral para os diversos significa­
dos do ser vale depois, em particular, para as categorias: as
demais categorias são ser apenas em relação à primeira e em
virtude dela. Mas então, perguntaríamos, além da unidade
que é própria de todos os significados do ser, qual o vínculo
específico que reúne as diversas "figuras de categorias" na­
quele grupo único que é justamente o grupo das "catego­
rias"? A resposta é a seguinte: as figuras das categorias expres­
sam os significados primeiros e fundamentais do ser, são a
distinção originária em que se apoia necessariamente a distin­
ção dos significados posteriores. As categorias representam,
portanto, os significados em que o ser se divide originariamen-

60
I I . A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA METAFÍSICA

te, são as divisões supremas do ser, ou, como também diz Aris­
tóteles, os ''gêneros" supremos do ser.20 Nesse sentido, é fácil
compreender por que Aristóteles incluiu nas categorias o
grupo dos significados do ser "por si": justamente porque se
trata dos significados originários.
A potência e o ato também representam dois significados
diversos do ser (a potência é chamada abertamente de não­
-ser em relação ao ato, pois é não-ser em ato), posto que uma
é ser potencial ainda não realizado, e o outro, ser atual e rea­
lizado. Mas é importante sublinhar que, mesmo tomados sin­
gularmente, eles têm múltiplos significados, tantos quantas
forem as categorias. Uma coisa é a potência segundo a subs­
tância, outra é a potência segundo a qualidade, outra é a po­
tência segundo a quantidade, e assim por diante. O mesmo
pode ser dito do ato.
Discurso análogo vale para o ser como verdadeiro e para
o ser acidental, cujos vários modos, por falta de espaço, não
será possível elucidar aqui. No entanto, um ponto essen­
cial merece destaque. O ser como verdadeiro, que é o ser do
juízo unindo (separando ) sujeito e predicado, só pode ter
lugar segundo as categorias (como veremos melhor na lógica).
E assim, o ser acidental nada mais é que a afecção ou o acon­
tecimento puramente fortuito que tem lugar segundo as vá­
rias figuras categoriais.21
Em resumo, todos os significados do ser pressupõem o ser
das categorias; por sua vez, o ser das categorias depende in­
teiramente do ser da primeira categoria, isto é, da substância.
Portanto, todos os significados do ser supõem o ser das cate­
gorias; e se, por sua vez, o ser das categorias supõe o ser da
primeira categoria e nele se baseia inteiramente, é evidente
que a pergunta radical sobre o sentido do ser deve centrar-se na
substância. Assim, é possível compreender perfeitamente as
exatas afirmações de Aristóteles:

61
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Na verdade, aquilo que, desde os tempos antigos, assim


como agora e sempre, constitui o eterno objeto de pesquisa
e o eterno problema "O que é o ser?" equivale a este outro:
"O que é a substância?" [ ... ] ; por isso também devemos exa­
minar principal, fundamental e, por assim dizer, exclusiva­
mente o que é o ser entendido nesse sentido.22

O sentido último do ser é revelado pelo sentido da subs­


tância (ouaía) . O que é, então, a substância?

A questão da substância

Já de início, cabe dizer que o problema da substância é o mais


delicado, complexo e, em certo sentido, também o mais des­
concertante para quem quer entender a metafísica aristotéli­
ca renunciando às soluções sumárias a que nos habituaram
as classificações simplistas dos manuais.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a questão ge­
ral da substância envolve dois problemas essenciais estreita­
mente ligados, um dos quais se desenvolve em duas direções
diferentes. As soluções que os predecessores de Aristóteles de­
ram para a questão da "substância" eram totalmente antitéti­
cas: alguns viram na matéria sensível a única substância; Pla­
tão, ao contrário, localizou a verdadeira substância nos entes
suprassensíveis, enquanto a convicção comum parecia enxer­
gar nas coisas concretas a verdadeira substância. Mas eis que
Aristóteles enfrenta a questão estruturando-a de maneira
exemplar. Depois de ter reduzido o problema ontológico geral
a seu núcleo central, ou seja, à questão da ousía (como vimos),
ele afirma com toda a clareza que o ponto de chegada está em
determinar quais substâncias existem: se apenas as sensíveis
(como querem os naturalistas) ou também as suprassensíveis
(como querem os platônicos) . Atenção] Este é o problema dos
problemas e a quaestio ultima, a pergunta por excelência da
metafísica aristotélica (e de toda a metafísica, em geral).2 3

62
li. A " F I LOSOFIA PRI M E I RA": ANÁLISE DA META FÍSICA

Porém, para resolver esse problema específico, Aristóteles


quis primeiro solucionar outra questão: o que é a substância?
Eis, portanto, o outro problema da ousiologia aristotélica:
o que é a substância em geral? É a matéria? É a forma? É o
composto? Esse problema geral deve ser resolvido antes do
outro, por correção metodológica; tendo estabelecido antes o
que é, em geral, a ousía, será possível dizer com maior preci­
são se existe apenas o sensível ou também o suprassensível. Se,
por exemplo, concluíssemos que ousía é somente a matéria ou
o composto concreto de matéria e forma, a questão da subs­
tância suprassensível estaria eliminada eo ipso; se, no entanto,
concluíssemos que ousía também é algo mais, ou pelo menos
predominantemente algo mais que matéria, então a questão
do suprassensível se apresentaria sob nova luz. Em que Aris­
tóteles irá se basear para examinar a substância em geral? Cla­
ro, naquelas substâncias que ninguém contesta, as substâncias
sensíveis. Assim escreve o filósofo, de modo expresso:
Todos admitem que algumas das coisas sensíveis são subs­
tâncias; portanto, devemos desenvolver nossa investigação a
partir delas. É de grande utilidade proceder gradualmente
para o que é mais cognoscível. Na verdade, todos chegam ao
saber desta forma: partindo das coisas menos cognoscíveis
por natureza [ as coisas sensíveis] em direção àquelas mais
=

cognoscíveis por natureza [ as coisas inteligíveis ] . 24


=

A substância em geral e as notas definidoras


do conceito de substância

Mas vamos afinal à pergunta: o que é a ousía em geral?


Tudo o que foi dito antes deve ter preparado o leitor para
a resposta aristotélica ao problema em questão. O Estagirita
diz que por "substância" ( ousía) podem ser entendidos, a di­
versos títulos: 1 ) a forma; 2) a matéria; 3) o sínolo, ou com­
posto de matéria e forma. Com isso, Aristóteles reconhecia

63
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

em cada um de seus predecessores uma parte de razão e


apontava que o erro foi a unilateralidade e a exclusão.
Tentaremos ilustrar brevemente tais significados.
a) Substância é, num sentido, a forma ( cl8oç, µop'lflÍ ) .
"Forma", segundo Aristóteles, é a íntima natureza das coi­
sas, "o que e: ou a essência ('to 'tÍ �v Elvm) delas. A forma
ou essência do homem, por exemplo, é sua alma, ou sej a,
aquilo que faz dele um ser vivente raciona� a forma ou essên­
cia do animal é a alma sensitiva; a da planta, a alma vegeta­
tiva. E ainda: a essência do círculo é o que faz com que ele
tenha aquela determinada figura com aquelas determinadas
qualidades; o mesmo deve se repetir em relação às diferentes
coisas. Quando definimos as coisas, costumamos nos referir
à sua forma ou essência; em geral, as coisas só são cognoscí­
veis em sua essência. 25
b) Contudo, se a alma racional não conformasse um corpo,
não haveria um homem, e se a alma sensitiva não conformas­
se certa matéria, não teríamos um animal; se a alma vegeta­
tiva não conformasse outra matéria, não teríamos as plantas.
E o mesmo vale - e de modo ainda mais evidente - para
todos os objetos produzidos pela atividade da arte; se a essên­
cia ou forma da mesa não se realizasse na madeira, ela não
teria qualquer concretude (e o mesmo deve se repetir em to­
dos os casos) . Nesse sentido, também a matéria é fundamen­
tal para a constituição das coisas; e, portanto, ela pode ser
denominada - pelo menos dentro desses limites - substân­
cia das coisas. Por outro lado, é evidente que tais limites são
bem definidos: de fato, se não houvesse a forma, a matéria
seria indeterminada e não bastaria para constituir as coisas. 26
c) Com base no que foi dito, o terceiro significado tam­
bém fica perfeitamente claro: o "sínolo" (crúvol..o v) . Sínolo é
a união concreta de forma e matéria. Todas as coisas concre­
tas nada mais são que sínolos de forma e matéria.

64
li. A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA METAFÍSICA

Portanto, todas as coisas sensíveis, sem distinção, podem


ser consideradas em sua forma, em sua matéria e no con­
junto de forma e matéria; e são "substância" ( ousía) , a título
diverso (no sentido que vimos), tanto a forma quanto a ma­
téria e o sínolo.2 7
Desenvolvendo o problema da substância em geral em
uma segunda direção, o Estagirita também tentou determi­
nar quais são esses "títulos" com base nos quais alguma coisa
tem o direito de ser considerada substância. Nos textos, essa
segunda direção nem sempre se distingue explicitamente da
primeira, e muitas vezes se entrelaça a ela de várias maneiras.
Contudo, é essencial distingui-la para entender em profun­
didade o pensamento aristotélico.
O Estagirita parece estabelecer que as características defi­
nidoras das substâncias são cinco. Substância é:
a) O que não é ine_rente a outra coisa nem predicado de
outra coisa; portanto, é objeto de inerência e de predicação.
b) Aquilo que pode subsistir por si ou separadamente do
resto, autonomamente.
c) Aquilo que é "algo de determinado" (não um universal
abstrato, um 'tÓÕE n ) .
d ) O que tem uma unidade intrínseca e não é mero agre­
gado de partes não organizadas.
e) O que é ato ou em ato (não puramente em potência) .
Ora, a matéria s ó tem o primeiro atributo d e substancia­
lidade, portanto, só é substância de maneira muito impró­
pria; a forma e o sínolo, ao contrário, possuem todas as carac­
terísticas da substancialidade, embora de modos diferentes.
Então qual será a substância por excelência? Do ponto de
vista empírico, substância por excelência parece ser o indiví­
duo concreto, ou seja, o sínolo. No entanto, do ponto de vista
metafísico, a "substância primeira" é a forma: a forma é prin-

65
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

cípio, causa e fundamento, enquanto, em relação a ela, o sí­


nolo é principiado, causado e fundado.2 8
O sentido do ser é assim plenamente determinado. O ser
em seu significado mais forte é a substância; e a substância,
num primeiro sentido (impróprio) , é matéria, num segundo
sentido ( mais próprio) é sínolo, num terceiro sentido (e por
excelência) é forma. Ser, portanto, é a matéria; ser, num grau
mais alto, é o sínolo; e ser, no sentido mais forte, é a forma.
Desse modo, compreende-se por que Aristóteles chamou a
forma de "causa primeira do ser",29 pois ela "informa" a ma­
téria e funda o sínolo.

A "forma" aristotélica não é universal

Apresentada da maneira que propusemos, a doutrina aristo­


télica da substância parece bem menos aporética do que sus­
tentava sobretudo Zeller, 30 mas também muitos estudiosos
modernos. A distinção dos múltiplos significados da ousía
implica a necessidade de não elaborar um discurso em ter­
mos de aut-aut (ou-ou), como se, a qualquer custo, somente
um dos significados pudesse restar em campo; mas de fazer,
ao contrário, um discurso em termos de et-et (e-e), como
vimos: a metafísica aristotélica não é voltada, como sua su­
cessora, para a reductio ad unum a qualquer preço, mas para
a distinção dos vários aspectos da realidade. Feita essa dis­
tinção, ela não apenas recusa posteriores unificações como
declara que esses vários aspectos são irredutíveis, e os con­
sidera enquanto tais, como expressão do caráter estrutural
da realidade.
Assim se resolve facilmente outra dificuldade sugerida
por Zeller. É difícil - diz ele - considerar imutáveis as for­
mas do mutável, como queria Aristóteles. Na verdade, Aristó­
teles insiste com muita energia no aspecto da imutabilidade

66
I I . A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA METAFÍSICA

do eídos. Pois bem: a imutabilidade do eidos aristotélico não


passa da imutabilidade da causa, da condição ou do princípio
metafísico em relação ao causado, ao condicionado e ao prin­
cipiado empírico. 3 I
Finalmente, concluímos nossa análise da substância nos
detendo em um aspecto muitas vezes negligenciado e cuja
compreensão, aliás, é fatalmente obstada pela abordagem zel­
leriana - que serve de base para muitos estudiosos. Trata-se
da relação entre a forma e o universal. Aristóteles demonstra,
como acabamos de ver, que matéria, forma e sínolo apre­
sentam requisitos que os qualificam como ousía, enquanto o
universal, que os platônicos elevam à categoria de substân­
cia por excelência, não tem absolutamente qualificação algu­
ma para ser considerado substância, pois não responde a ne­
nhum dos requisitos que são próprios da substancialidade. 3 2
Mas, dirão alguns, o eidos aristotélico não é universal?
A resposta é inequivocamente negativa. Inúmeras são as ve­
zes em que Aristóteles qualifica seu eidos de "1óôe n", expres­
são que indica uma coisa determinada, que se opõe ao uni­
versal abstrato; além disso, vimos que todas as características
da substancialidade dizem respeito ao eidos. O eidos aristoté­
lico é um princípio metafísico: em termos modernos, seria
uma estrutura ontológica transcendental. Daremos como
prova apenas uma passagem - a mais significativa - que
fecha o livro dedicado à substância. Depois de dizer que ela
é "um princípio e uma causa'', Aristóteles mostra o modo
como se deve buscar esse princípio e essa causa. A coisa ou o
fato cujo princípio ou causa se busca devem ser previamente
conhecidos, e cabe situar a pesquisa da seguinte forma: por
que tal coisa ou tal fato são assim e assim? O que equivale a
dizer: por que a matéria é (ou constitui) esse determinado
objeto? Eis como Aristóteles expõe a questão:

67
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

[ ... ] esse material é uma casa: por quê? Porque nele está
presente a essência de casa. E assim investigaremos: por que
essa determinada coisa é homem? Ou: por que esse corpo
tem tais características? Portanto, na investigação de por
que, busca-se a causa da matéria, ou seja, a forma pela qual
a matéria é uma determinada coisa: e essa é justamente a
substância. 33

Mas aqui está o exemplo mais eloquente, com o qual Aris-


tóteles encerra sua investigação:
O que é composto de alguma coisa de tal modo que o todo
constitui uma unidade não é como um amontoado, mas
como uma sílaba. A sílaba não é apenas as letras de que é
formada, nem BA é idêntica a B e A, nem a carne é simples­
mente fogo e terra; uma vez que os compostos, ou seja, car­
ne e sílaba, se dissolvem, deixam de existir, enquanto letra,
fogo e terra continuam a ser. Portanto, a sílaba é algo que
não é redutível unicamente a letras, ou seja, a vogais e con­
soantes, mas uma coisa diferente delas. Assim, a carne não
é apenas fogo e terra ou quente e frio, mas também algo
diferente deles. Ora, se mesmo esse algo fosse, ele também,
um elemento ou um composto de elementos, aconteceria
o seguinte: se fosse um elemento, valeria o discurso anterior
(a carne seria constituída por esse elemento fogo e terra e
por alguma coisa diferente, de modo que iríamos até o in­
finito) ; se, ao contrário, fosse um composto de elementos,
é evidente que seria composto não de um só, mas de vá­
rios elementos (do contrário, estaríamos ainda no primeiro
caso) , de modo que se repete, também aí, o discurso a res­
peito de carne e sílaba. Por isso compreende-se claramente
que esse algo não é um elemento, mas a causa pela qual essa
coisa é carne, aquela outra é sílaba, e assim por diante, para
todo o resto. Esse algo é a substância de cada coisa: de fato,
é a causa primeira do ser.34

Como se vê, a ousía-eídos de Aristóteles, como estrutura


imanente ontológica da coisa, não pode efetivamente ser
confundida com o universal abstrato. O universal, ao contrá-

68
I I . A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA META FÍSICA

rio, é o gênero (yÉvoç) , que não tem uma realidade ontológi­


ca própria; por exemplo, o animal, entendido como gênero
animal, é apenas um termo comum abstrato que não tem
realidade em si e não existe senão no homem ou em outra
forma animal.
Por outro lado, é importante destacar que o eídos aristo­
télico tem dois aspectos: um deles é ontológico, como vimos,
e o outro é o que poderíamos chamar de lógico. O Estagirita
não estudou nem estabeleceu esses dois aspectos e suas rela­
tivas diferenças, mas, nos vários casos, passou de um a outro
de maneira inconsciente. Podemos observar melhor que ele
a diferença, até por razões linguísticas, pois de quando em
quando somos obrigados e traduzir eídos de dois modos di­
ferentes: às vezes como "forma" e às vezes como "espécie". No
que diz respeito ao aspecto ontológico do eídos, ou seja, da
"forma'', Aristóteles tem razão ao dizer que não se trata de
um universal. E quanto ao eídos no sentido lógico de espécie?
Claro, a espécie nada mais é que o eídos quando pensado pela
mente humana. Portanto, seria possível dizer que, como es­
trutura ontológica ou princípio metafísico, o eídos não é uni­
versal; porém, ao contrário, quando é pensado e abstraído
pela mente humana, ele se torna universal. É bom repetir:
preocupado em reafirmar o primeiro ponto, Aristóteles não
destacou o segundo. (Ainda mais porque, a seu ver, o eídos,
mesmo considerado como espécie, é a "diferença" específica
que dá concretude ao gênero, justamente "diferenciando-o"
e, portanto, resgatando- o de sua abstrata universalidade,35
como veremos também na lógica.) Em todo caso, essas difi­
culdades não devem desviar nosso olhar daquilo que foi dito
antes acerca da estatura ontológica e real do eídos: não so­
mente ele não é um universal como também é mais ser que a·
matéria e mais ser que o sínolo, pois é o princípio que, estru­
turando a matéria, faz subsistir o próprio sínolo. 36

69
I NTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

O ato e a potência

Devemos ainda acrescentar às doutrinas já expostas algumas


pormenorizações relacionadas à potência e ao ato referidos à
substância: 37 A matéria é "potência", ou seja, potencialidade,
no sentido de que é capacidade de assumir ou receber a for­
ma: o bronze é "potência" da estátua, pois é capacidade tanto
de receber quanto de assumir a forma da estátua; a madeira
é "potência" dos vários objetos que podem ser feitos com ela,
pois é capacidade concreta de assumir as formas desses vá­
rios objetos. A forma se configura, ao contrário, como ato ou
atuação dessa capacidade. O composto ou sínolo de matéria
e forma, enquanto tal, será ato de modo predominante; se
considerado em sua forma, será apenas ato, ou enteléquia; se
considerado em sua materialidade, será, ao contrário, misto
de potência e ato. Portanto, todas as coisas que possuem ma­
téria têm sempre, enquanto tais, maior ou menor potenciali­
dade. Porém, como veremos, se há seres imateriais, ou seja,
formas puras, eles serão atos puros, sem potencialidade. 38
Como mencionamos, o ato também é chamado por Aris­
tóteles de enteléquia: às vezes, parece que flutua entre os dois
termos certa diversidade de significado; todavia, na maior
parte dos casos e em particular na Metafísica, os dois são
sinônimos. Portanto, ato e enteléquia significam realização,
perfeição atuante e atuada. A alma, portanto, como essência
e forma do corpo, é ato e enteléquia do corpo; em geral, todas
as formas das substâncias sensíveis são ato e enteléquia. Deus,
como veremos, será enteléquia pura (e assim também as ou­
tras Inteligências motrizes das esferas celestes) .
O ato, diz ainda Aristóteles, tem absoluta "prioridade" e
superioridade sobre a potência; de fato, a potência existe
sempre em função do ato e é condicionada pelo ato, do qual
ela é potência. Enfim, o ato é superior à potência, pois é o
modo de ser das substâncias eternas. 39

70
I I . A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA META FÍSICA

A doutrina da potência e do ato, do ponto de vista meta­


físico, é de enorme importância. Com ela Aristóteles conse­
guiu resolver as aporias eleáticas do devir e do movimento:
devir e movimento deslizam no núcleo do ser, pois não indi­
cam uma passagem do não-ser absoluto ao ser, mas do ser
em potência ao ser em ato, ou seja, de ser para ser. Além
disso, também solucionou perfeitamente o problema da uni­
dade da matéria e da forma: a primeira é potência, a segunda,
ato, ou atuação da potência. Por fim, o Estagirita serviu-se
dessa doutrina, pelo menos em parte, para demonstrar a exis­
tência de Deus e entender sua natureza. Mas os conceitos de
potência e de ato também desempenham, em Aristóteles, um
papel importantíssimo no âmbito de todas as outras ciências.
E assim chegamos à última das questões da metafísica:
a da substância suprassensível, que é o problema decisivo.

Demonstração da existência da
substância suprassensível

Há substâncias suprassensíveis ou só substâncias sensíveis?


Aristóteles tentou responder com precisão a essa pergunta,
pois era o ponto que achava importante corrigir em Platão.
Eis de que maneira se demonstra a existência do supras­
sensível.
As substâncias são as realidades primeiras, no sentido de
que todos os outros modos de ser, como já vimos amplamen­
te, dependem delas. Portanto, se todas as substâncias fossem
corruptíveis, absolutamente nada haveria de incorruptível.
Mas - diz Aristóteles - o tempo e o movimento, sem dúvi­
da, são incorruptíveis. O tempo não foi gerado nem será cor­
rompido; em momento anterior à geração do tempo deve
ter existido um "antes': e após a destruição do tempo deverá
existir um "depois". Ora, "antes" e "depois" nada mais são
que tempo. Em outros termos: pelas razões vistas, sempre há

71
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

tempo antes ou depois de qualquer suposto início ou fim do


tempo; portanto, o tempo é eterno. O mesmo raciocínio vale
para o movimento, pois, paraAristóteles, o tempo nada mais
é que uma determinação do movimento. Portanto, não há
tempo sem movimento, a eternidade do primeiro postula a
eternidade do segundo. No entanto, em que condições pode
subsistir um movimento (e um tempo) eterno? O Estagirita
responde com base nos princípios que havia estabelecido
pelo estudo das condições do movimento na Física: somente
quando subsiste um Princípio primeiro que dele seja causa.
Porém, para ser causa do movimento, como deve ser tal
princípio? Em primeiro lugar, diz Aristóteles, o Princípio
deve ser eterno: se eterno é o movimento, eterna deve ser sua
causa. Em outras palavras: para ser capaz de explicar um mo­
vimento eterno, a causa só pode ser eterna.
Em segundo lugar, o Princípio deve ser imóvel: na verda­
de, somente o imóvel é causa absoluta do móvel. Na Física,
Aristóteles demonstrou esse aspecto com rigor. Tudo que está
em movimento é movido por algo outro; se esse algo, por sua
vez, for movido, será movido ainda por outro algo. Mas, para
explicar cada movimento, é preciso buscar apoio em um
princípio que de per si não se mova depois, pelo menos em
relação ao que move. Seria absurdo pensar em recuar de mo­
tor em motor ao infinito, pois um processo ao infinito é im­
pensável nesses casos. Ora, se assim é, não apenas deve haver
motores relativamente móveis, dos quais procedem os movi­
mentos singulares, como também - a fortiori - um Princí­
pio absolutamente primeiro e absolutamente imóvel, do qual
procede o movimento de todo o Universo.
Em terceiro lugar, o princípio deve ser totalmente isento
de potencialidade, ou seja, deve ser ato puro. Se ele tivesse
potencialidade, haveria a possibilidade de não se mover em
ato; mas isso é absurdo, pois nesse caso não haveria um mo-

72
I I . A "FILOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA META FÍSICA

vimento eterno dos céus, isto é, um movimento sempre em


ato. Para concluir: como há um movimento eterno, é neces­
sário que haja um Princípio eterno que o produza, e é neces­
sário que esse Princípio seja: a) eterno, se aquilo que ele cau­
sa é eterno; b) imóvel, se a causa absolutamente primeira do
móvel é o imóvel; c) ato puro, se o movimento que causa está
sempre em ato.
Esse princípio é o Motor Imóvel, justamente a substância
suprassensível que buscávamos.4 0
Mas como o Primeiro Motor pode mover e permanecer
absolutamente imóvel ? No âmbito das coisas que conhece­
mos, há algo que saiba mover sem mover a si mesmo?
Aristóteles responde indicando o exemplo de coisas como
o objeto do desej o e da inteligência. O objeto do desejo é
aquilo que é belo e bom: ora, o belo e o bom atraem a vonta­
de do homem sem que eles mesmos se movam; assim tam­
bém o inteligível move a inteligência sem se mover. Igualmen­
te desse tipo é a causalidade exercida pelo Primeiro Motor,
ou seja, pela substância primeira; o Primeiro Motor move
como o objeto de amor atrai o amante (Ktvci roe; E:pcóµevov) ,41
enquanto todas as outras coisas movem sendo movidas.
Como é evidente, a causalidade do Primeiro Motor não é
uma causalidade de tipo eficiente, ou seja, do tipo daquela
exercida por uma mão que move um corpo, ou pelo escultor
que entalha o mármore, ou pelo pai que gera o filho. Deus,
ao contrário, move atraindo; e atrai como objeto de amor,
vale dizer, à guisa de fim; a causalidade do Motor Imóvel é
portanto, propriamente, um causalidade de tipo final.
O mundo, que é constantemente atraído por Deus como
fim supremo, não teve um começo. Não houve um momento
em que havia o caos (ou o não cosmo) porque, se assim fosse,
estaria desmentido o teorema da prioridade do ato sobre a
potência; isto é, primeiro seria o caos, que é potência, e de-

73
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

pois seria o mundo, que é ato. Seria também um absurdo,


pois Deus, sendo eterno, deve necessariamente atrair, como
objeto de amor, o Universo, que, portanto, deve ser tal como
1
é desde sempre.42
Essa é uma tese que Aristóteles já havia defendido no tra­
tado Sobre a filosofia, nos últimos anos de sua permanência
na Academia.

A natureza do Motor Imóvel


O princípio do qual "dependem o céu e a natureza" é Vida.
E que vida? Aquela que, mais que qualquer outra, é excelente
e perfeita; a vida que nós só podemos viver por um breve
tempo; a vida do puro pensamento; a vida da atividade con­
templativa. Eis o trecho estupendo em que Aristóteles - fato
extremamente raro para ele - se comove e no qual sua lin­
guagem é quase poesia, canto, celebração:
Assim, desse princípio dependem o céu e a natureza. E seu
modo de viver é o mais excelente: um modo de viver que só
nos é concedido por um breve tempo. Mas ele permanece
sempre nesse estado. Para nós, é impossível, mas para ele
não é impossível, pois o ato do seu viver é prazer. Para nós,
vigília, sensação e conhecimento também são agradáveis em
grau supremo, exatamente porque são ato; assim também,
em virtude deles, esperanças e lembranças. [ .. ] Se, portanto,
.

Deus se encontra perenemente nessa feliz condição em que


nos encontramos às vezes, isso é maravilhoso. Se ele se en­
contra em uma condição superior, é ainda mais maravilho­
so. Ele se encontra de fato nessa condição. Ele é também
Vida, pois a atividade da inteligência é Vida, e ele é precisa­
mente esta atividade. Sua atividade, que subsiste de per si, é
vida ótima e eterna. Na verdade, dizemos que Deus é viven­
te, eterno e ótimo; desse modo, pertence a Deus uma vida
perenemente contínua e eterna; isto é, portanto, Deus.43

Mas o que pensa Deus? Deus pensa a coisa mais excelente.


Mas a coisa mais excelente é Deus. Portanto, Deus pensa a si

74
I I . A " F I LOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA METAFÍSICA

mesmo, é atividade contemplativa de si mesmo, é pensamen­


to de pensamento (vóricnç; voiJaEcoç;) . Eis as exatas afirmações
do filósofo:
[ ] o pensamento que é pensamento por si tem por objeto
...

aquilo que é de per si excelente, e o pensamento que o é em


grau máximo tem por objeto aquilo que é excelente em má­
ximo grau. A inteligência pensa a si mesma, apreendendo-se
como inteligível: na verdade, ela se torna inteligível intuin­
do-se e pensando a si, de modo que inteligência e inteligível
coincidem. A inteligência é de fato aquilo que é capaz de
apreender o inteligível e a substância, e está em ato quando
os possui. Portanto, mais ainda que tal capacidade, o que a
inteligência tem de divino é esta propriedade; a atividade
contemplativa é aquilo que há de mais agradável e de mais
excelente.44

E ainda: "Se a Inteligência divina é aquilo que há de mais


excelente, ela pensa a si mesma, e seu pensamento é pensa­
mento de pensamento."45
Portanto, Deus é eterno, imóvel, ato puro, isento de po­
tencialidade e de matéria, vida espiritual e pensamento de
pensamento. Sendo isso, claro, "não pode ter qualquer gran­
deza", mas deve ser "sem partes e indivisível". Ademais, deve
ser "impassível e inalterável':46

Unidade e multiplicidade do divino

Aristóteles pensou, porém, que Deus não era suficiente para


explicar o movimento de todas as esferas que, segundo ele,
formavam o céu. Deus move diretamente o primeiro móvel
- o céu das estrelas fixas -, mas entre essa esfera e a Terra há
muitas outras esferas concêntricas, de grandezas decrescentes
e encerradas umas nas outras. O que move essas esferas?
Poderia haver duas respostas: ou elas se movem pelo mo­
vimento derivado do primeiro céu, que se transmite mecani­
camente de uma esfera a outra, ou por outras substâncias

75
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

suprassensíveis, imóveis e eternas, que se movem de modo


análogo ao do Primeiro Motor.
Aristóteles adotou a segunda solução. A primeira não po­
deria se enquadrar na concepção de diversidade dos vários
movimentos das inúmeras esferas que, segundo as visões da
astronomia da época, eram diferentes e não uniformes. Por­
tanto, não haveria modo de explicar como o movimento do
primeiro céu gerava diferentes movimentos, nem como o
poder de atração de um só Motor gerava movimentos circu­
lares rotativos em direção oposta. Essas são as razões pelas
quais Aristóteles introduziu a multiplicidade dos motores,
pensados como substâncias suprassensíveis capazes de mover
de modo análogo ao de Deus, ou seja, como causas finais
( causas finais relativamente à esferas singulares) .
Então, com base nos cálculos dos astrônomos Galipos e
Eudoxo, com algumas correções que julgou necessárias, Aris­
tóteles estabeleceu que eram 55 as esferas, admitindo, porém,
a possibilidade de que fossem 47. Quantas fossem as esferas,
tantas seriam as substâncias imóveis e eternas que produzem
seus movimentos. Deus ou o Primeiro Motor move direta­
mente a primeira esfera e apenas indiretamente as demais.
As outras 55 substâncias suprassensíveis movem as outras
55 esferas.47
Seria essa uma forma de "politeísmo"?
Para Aristóteles, assim como para Platão e para os gregos
em geral, o "Divino" designa uma ampla esfera, na qual, a
títulos diversos, se incluem múltiplas e diferentes realidades.
Já para os fisiologistas, o "Divino" incluía estruturalmente
muitos entes. O mesmo vale para Platão: "divinas" são para
Platão as ideias do Bem e do Belo, e, em geral, todas as Ideias.
"Divino" é o "Demiurgo"; "divinas" são as almas; "divinos"
são os astros e "divino" é o mundo. De maneira análoga, para
Aristóteles, "divino" é o Motor Imóvel, "divinas" são as subs-

76
I I . A " F I LOSOFIA PRIMEIRA": ANÁLISE DA METAFÍSICA

tâncias imóveis e suprassensíveis que movem os céus, "divi­


nos" são astros, estrelas, esferas, almas de esferas e astros, e
"divina" é também a alma intelectiva dos homens. Divino,
em suma, é tudo aquilo que é eterno e incorruptível. Os gre­
gos não sentiam a antítese unidade-multiplicidade do divino;
portanto, não por acaso, a questão jamais havia sido formu­
lada nesses termos.
Mesmo partindo da premissa de que, dada a forma mentis
dos gregos, a existência de 55 substâncias suprassensíveis,
além da Primeira, ou seja, além do Motor Imóvel, devia pa­
recer bem menos estranha que para nós, cabe reconhecer que
é inegável a tentativa de unificação por parte de Aristóteles.
Antes de mais nada, ele só denominou explicitamente Deus,
em sentido forte, o Primeiro Motor. No mesmo lugar em que
está exposta a doutrina da pluralidade dos motores Aristóte­
les reitera a unicidade do Motor Primeiro - Deus em senti­
do próprio e verdadeiro -, e dessa unicidade deduz a unici­
dade do Mundo. O décimo segundo livro da Metafísica, como
se sabe, termina com a solene afirmação de que as coisas não
querem ser mal governadas por uma multiplicidade de prin­
cípios. A assertiva se encerra, como para lhe conferir soleni­
dade ainda maior, com o significativo verso de Homero:
De multicapitães não carecemos. Não
é bom! Que um rei, um só, nos comande e encabece.*

Diante disso, claro que Aristóteles não poderia deixar de


conceber as outras substâncias imóveis, que movem as esferas
celestes singulares, como hierarquicamente inferiores ao Pri­
meiro Motor Imóvel. Sua hierarquia vem a ser a mesma que
a das ordens das esferas que movem os astros. Por isso todas

* flíada II, 204-205, em Os nomes e os navios - Homero, Ilíada II, trad. Haroldo
de Campos e Odorico Mendes. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1 999. [N.T. ]

77
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

as 55 substâncias são inferiores ao Primeiro Motor e depois


hierarquizadas umas em relação às outras.48 Isso explica per­
feitamente como elas podem ser substâncias individuais di­
versas entre si; são formas puras imateriais, uma inferior à
outra. Contudo, de certa maneira, elas são deuses inferiores.
No entanto, o Estagirita deixou completamente inexpli­
cada a precisa relação existente entre Deus e tais substâncias,
e também entre as substâncias e as esferas que elas movem.
A Idade Média transformaria as substâncias nas famosas
"inteligências angélicas" motrizes, mas só conseguiu operar
a transformação em virtude do conceito de criação.

Deus e o mundo

Deus (ao falar em Deus estamos nos referindo ao Primeiro


Motor) , como vimos, pensa e contempla a si mesmo. Ele
pensa também o mundo e os homens que estão no mundo?
Aristóteles não deu uma solução clara a esse problema,
mas parece (pelo menos em certa medida) que tendia para
a negativa.
Sem dúvida, o Deus aristotélico tem conhecimento da
existência do mundo e de seus princípios universais. Por ou­
tro lado, se Deus é propriamente esse princípio supremo,
claro também que deve se autoconhecer enquanto tal, ou
seja, ele conhece a si mesmo como objeto de amor e de atra­
ção do Universo como um todo.
É verdade, porém, que os indivíduos enquanto tais, ou
seja, com suas limitações, deficiências e pobreza, não são co­
nhecidos por Deus; esse conhecimento do imperfeito, aos
olhos de Aristóteles, representaria uma diminutio de Deus.
Portanto, os indivíduos empíricos, segundo Aristóteles, são
indignos do pensamento divino justamente por sua empiri­
cidade e particularidade.49

78
I I . A "FILOSOFIA PRI M E I RA " : ANÁLISE DA META FÍSICA

Outra limitação do Deus aristotélico - com o mesmo


fundamento que a anterior, de não ter criado o mundo, o
homem, as almas singulares - consiste no fato de que ele é
objeto de amor, mas não ama (ou, no máximo, ama somente
a si mesmo) . Os indivíduos, enquanto tais, não são de forma
alguma objeto do amor divino; Deus não se curva para os
homens e menos ainda para o homem singular. Cada ho­
mem, como cada coisa, tende de vários modos a Deus, mas
Deus, assim como não pode conhecer, também não pode
amar nenhum homem singular.

NOTAS
1. Cf. Reale, La "Metafísica", !, p. 3 ss, e indicações bibliográficas nele incluídas.
2. As "substâncias separadas", corno diz Aristóteles. Em suma, a metafísica
aristotélica é o prolongamento do problema fundamental do platonismo.
3. Cf. Metaph. A, a e B.
4. Cf. Metaph. 1, E 2-4, K.
5 . Cf. Metaph. Z, H, 8.
6. Cfr. Metaph. E l e A.
7. Cf. Reale, II concetto di filosofia prima, passirn.
8. Metaph. E l, 1 .026 a 27-29; K 7, 1 .064 b 9- l l .
9 . Metaph. A 2.
1 0 . Ibid. A 2, 983 a 1 0- l l.
l l . Cf. Metaph. A 3- l O.
1 2 . Metaph. [' 2, l .003 a 33- l .003 b 6.
1 3 . Metaph. [' 2, 1 .003 b 5-10.
14. Para um aprofundamento dos problemas, cf. J. Owens, The Doctrine of
Being in the Aristotelian Metaphysics, Toronto, l 963.
15. Cf. Metaph. � 7, E 2-4; sobre essa "tábua': cf. Reale, La "Metafisica'', v. !,
p. 30 ss. O primeiro a compreender e ilustrar adequadamente essa tábua
dos significados foi F. Brantano no texto Von der mannigfachen Bedeutung
des Seieden nach Aristoteles, Freiburg, l 862 (Darnmstadt, l 960 ), até hoje
insuperável.
16. Além das oito indicadas, em alguns textos Aristóteles lista também o jazer
e o ter como categorias. A tábua essencial, no entanto, é aquela citada, pois
a nona e a décima categorias são, na realidade, dedutíveis das outras. Sobre
o problema das categorias e de sua "dedução'; indicamos quatro estudos
clássicos, bastante aprofundados a partir de diferentes pontos de vista:
F. A. Trendelenburg, Geschichte der Kategorienlehre, Berlim, 1 846; H. Bo­
nitz, "Ueber die Kategorien des Aristóteles", Sitzungsber. d. Kais. Akad. d.

79
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

Wissensch, Philos. -hist. Klasse, Bd. 1 O, Heft 5 , Viena, 1 8 5 3 , p. 5 9 1 -645;


O. Apelt., Die Kategorienlehre des Aristoteles, no v. Beitriige zur Geschichte
der griech. Philos., Leipzig, 1 8 9 1 , p. 1 0 1 -2 1 6, além do volume de Brentano
citado na nota 1 5 , p. 72-220.
1 7. Para um aprofundamento do problema, cf. Reale, La "Metafisica'', 1, p. 34 ss.
1 8. Metaph. Z 4, 1 .030 a 21 ss.
1 9. Ibid., Z 4, 1 .030 a 32 ss; cf. acima os trechos citados em correspondência
com as notas 12 e 1 3 .
2 0 . Cf. Metaph. Z 3, 1 .029 a 2 1 e a densa documentação sobre esse aspecto e m
Brentano, op. cit., p . 98 s s e passim.
2 1 . Cf. Reale, La "Metafisica", I, p. 41 ss.
22. Metaph. Z 1, 1 .008 b 2-7.
23. Ibid., Z 2, passim.
24. Ibid., Z 3, 1 029 a 33 ss. Já no Protréptico, como vimos, Aristóteles havia
estabelecido que, por natureza (isto é, em si e por si), vem primeiro o inte­
ligíve� ontologicamente primeiro; para nós, ao contrário, vem primeiro o
sensíve� ontologicamente segundo; o sensível é primeiro para nós porque
é justamente o ponto de onde partimos para conhecer: só chegamos ao
inteligível depois, passando pelo sensível.
25. Cf. Metaph. Z 4- 1 2, H 2-3 e Reale, op. cit., !, p. 572-62 1 , e II, p. 1 9-30.
26. Cf. Metaph. Z 3.
27. Ibid., Z e H, passim.
28. Cf. Reale, La "Metafísica", I, p. 51 ss.
29. Metaph. Z 1 7 , 1 .04 1 b 26.
30. E. Zeller, Die Philosophie der Griechen, II, 2, Leipzig, 1 92 1 , p. 344 ss.
3 1 . Cf. Metaph. Z 7-9 e Reale, op. cit., !, p. 589-606.
32. Metaph. Z 1 3 - 1 6 e Reale, op. cit., I, p. 621 -634.
33. Cf. Metaph. Z 1 7, 1 .04 1 a 25 ss, 1 .04 1 b 5 ss.
34. Cf. Metaph. Z 1 7, 1 .04 1 b 1 1 -28.
35. Cf. Metaph. Z 12, passim.
36. Metaph. Z 3, 1 .029 a 5-7.
37. Cf. Metaph. H e 8.
38. Cf. Metaph. A 6-8.
39. Cf. Metaph. 8 8, passim.
40. Cf. Metaph. A 6-7.
4 1 . Metaph. A 7, 1 .072 b 3.
42. Cf. Metaph. A 6, passim.
43. Metaph. A 7, 1 .072 b 1 3 - 1 8, 24-30.
44. Metaph. A 7, 1 .072 b 1 8-24.
45. Metaph. A 9, 1 .074 b 34 ss.
46 Metaph. A 7, 1 .973 a 5 - 1 3 .
4 7 . Metaph. A 8, passim.
48. Metaph. A 8, 1 .073 b 1 - 3
4 9 . Cf. Metaph. A 9, passim.

80
III.

A "FILOSOFIA SEGUNDA":
ANÁLISE DA FÍSICA

Caracterização da física aristotélica

A segunda ciência teórica para Aristóteles é a física, ou "filo­


sofia segunda", que tem como objeto de pesquisa a realidade
sensível, intrinsecamente caracterizada pelo movimento, as­
sim como a metafísica tem como objeto a realidade supras­
sensível, intrinsecamente caracterizada pela ausência absolu­
ta de movimento. 1
Depois das contribuições platônicas, a distinção d e uma
problemática física impunha-se estruturalmente: se os planos
da realidade são dois, ou, para usar termos mais aristotélicos,
se há dois gêneros de substâncias estruturalmente distintos
- o gênero suprassensível e o gênero sensível -, então as
ciências que têm como objeto de investigação essas duas rea­
lidades diversas também deverão ser necessariamente diversas.
A distinção entre metafísica e física terá como consequência a
superação definitiva do horizonte da filosofia dos pré-socráti­
cos e acarretará uma mudança radical do antigo sentido de
physis, que, além de significar a totalidade do ser, agora irá
significar também o ser sensível; "natureza" passará a signifi­
car, de modo predominante, natureza sensível (mas um sensí­
vel no qual a forma continua a ser o princípio dominante) .2
Na verdade, a palavra "física" pode induzir o leitor moder­
no ao erro: para nós, a física identifica-se à ciência da nature­
za entendida à maneira galileana, ou seja, quantitativamente.
A posição de Aristóteles, ao contrário, é diametralmente
oposta; sua física não é uma ciência quantitativa da natureza,

81
INTRO DUÇÃO A A RISTÓTELES

mas uma ciência qualitativa; comparada à física moderna,


a de Aristóteles, mais que uma "ciência", é uma "ontologia",
ou "metafísica" do sensível. Estamos, portanto, diante de uma
consideração tipicamente filosófica da natureza; este, aliás, é o
tipo de consideração que irá prevalecer até a revolução reali­
zada por Galileu. Por conseguinte, não deve ser motivo de
espanto o fato de encontrarem-se nos livros da Metafísica
inúmeras reflexões físicas (no sentido mencionado) , e, vice­
-versa, nos livros da Física, reflexões de caráter metafísico,
pois os âmbitos das duas ciências se intercomunicam estru­
turalmente; o suprassensível é causa e razão do sensível, e
tanto a investigação metafísica quanto (embora em sentido
diverso) a própria investigação física desembocam no supras­
sensível. Além disso, também é idêntico o método de estudo
aplicado às duas ciências, o que, aliás, será demonstrado de
forma adequada na exposição que se segue (a qual, por ra­
zões de espaço, se limita a alguns temas de fundo, os mais
substantivos) .

A mudança e o movimento

Dissemos que a característica essencial da natureza é dada


pelo movimento, e, por conseguinte, que Aristóteles dedica
grande parte da Física à análise do movimento e suas causas.
O que é o movimento?
Já sabemos que o movimento só se tornou problema filo­
sófico depois que foi negado, como aparência ilusória, pelos
eleatas. Sabemos também que ele foi recuperado e parcial­
mente justificado pelos pluralistas. Contudo, ninguém, nem
Platão, soube estabelecer qual eram sua essência e seu esta­
tuto ontológico.
Os eleatas haviam negado o devir e o movimento porque,
segundo seu ponto de vista, eles implicariam a existência de
um não-ser ( aquilo que vem a ser passa, em geral, de um es-

82
I I I . A " F I LOSOFIA SEGUNDA": ANÁLISE DA FÍSICA

tado a outro, e cada um desses estados não é o precedente


nem o consequente; sendo assim, nascer e morrer seriam
uma passagem do não-ser absoluto ao ser e do ser ao não-ser
absoluto ) , mas, na verdade, o não-ser não existe de modo
algum. Aristóteles chega à solução dessa aporia da maneira
mais brilhante.
Ora, o movimento é um dado de fato originário e, portan­
to, não pode ser posto em dúvida. Mas como se justifica?
Sabemos (pela metafísica) que o ser tem muitos significados,
e que um grupo desses significados origina-se da dupla ser
como potência e ser como ato. Em relação ao ser-em-ato, o
ser-em-potência pode ser chamado de não-ser, mais precisa­
mente, de não-ser-em-ato; mas claro que se trata de um não­
-ser relativo, pois a potência é real, porque real é a capacidade
e efetiva é a possibilidade de chegar ao ato. Sendo assim, e
atingindo o ponto que nos interessa, o movimento (e a mu­
dança, em geral) é a passagem do ser em potência ao ser em ato
(o movimento é o ato ou a atuação daquilo que é em potên­
cia enquanto tal, diz Aristóteles) . 3 Portanto, o movimento
não supõe efetivamente o não-ser de Parmênides, pois se de­
senvolve no seio do ser e é passagem de ser (potencial) a ser
(atual); assim, o movimento perde definitivamente aquele
caráter que poderíamos denominar nulificante - que fazia
com que os eleatas se vissem obrigados a eliminá-lo - e é
fundamentalmente explicado.
Mas Aristóteles ainda faz outras análises da questão do
movimento que são de importância capital; ele chega a esta­
belecer quais são todas as possíveis formas de movimento e
sua estrutura ontológica. Vamos nos remeter ainda uma vez
à distinção originária dos diversos significados do ser. Vimos
que potência e ato dizem respeito às várias categorias, não
apenas à primeira. Portanto, também o movimento, que é
passagem da potência ao ato, dirá respeito às várias categorias

83
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

(todas as categorias ou as principais ) .4 Assim, é possível de­


duzir as várias formas de mudança a partir da tábua de cate­
gorias. Algumas categorias efetivamente não admitem mu­
dança, como, por exemplo, a categoria da relação, pois basta
que um dos termos se mova para que o outro, mesmo que
não alterado, mude o significado relacional (portanto, se ad­
mitíssemos movimento segundo a relação, admitiríamos o
absurdo de um movimento sem movimento para o segundo
termo) ; as categorias do agir e do sofrer são por si mesmas
movimentos, e não é possível movimento de movimento;
enfim, também o quando, ou o tempo, como vimos, é uma
afecção do movimento. Restam as categorias 1) substância, 2 )
qualidade, 3 ) quantidade, 4) lugar. E é exatamente segundo
essas categorias que ocorre a mudança. A mudança segundo
a substância é a geração e a corrupção; a mudança segundo a
qualidade é a alteração; a mudança segundo a quantidade é o
aumento e a diminuição; e o movimento segundo o lugar é a
translação. Mudança é um termo geral que se aplica bem a
todas as quatro formas, mas movimento, ao contrário, é um
termo que designa as outras três, em particular a última.
Em todas as suas formas, o devir supõe um substrato (que
é, aliás, o ser potencial) que passa de um oposto a outro; na
primeira forma, de um contraditório a outro contraditório;
nas outras três formas, de um contrário a outro contrário.
A geração é um assumir a forma; a alteração é uma mudança
da qualidade; o aumento e a diminuição são uma passagem
de pequeno a grande e vice-versa; o movimento local é pas­
sagem de um ponto a outro ponto. Somente os compostos
(os sínolos) de matéria e forma podem mudar, pois apenas a
matéria implica potencialidade; a estrutura hilemórfica da
realidade sensível, que implica necessariamente matéria e po­
tencialidade, é, portanto, a raiz de cada movimento.5

84
I I I . A " F I LOSOFIA SEGUNDA": ANÁLISE DA FÍSICA

Essas considerações nos levam, assim, ao problema das


quatro causas que já conhecemos. Matéria e forma são causas
intrínsecas do devir. A causa externa, por sua vez, é o agente,
ou causa eficiente; nenhuma mudança tem lugar sem essa
causa, pois não pode haver passagem da potência ao ato sem
que haja um motor já em ato. Por fim, a causa final é o esco­
po e a razão do devir. Essa causa indica substancialmente o
sentido positivo de cada devir. Para Aristóteles, trata-se funda­
mentalmente de uma progressão para a forma e de uma rea­
lização da forma. Longe de ser a porta de entrada para o
nada, o devir, segundo Aristóteles, é a via que leva à plenitude
do ser, a via que as coisas percorrem para se atualizar, para ser
plenamente o que são, para realizar sua essência ou forma
(nesse sentido, é fácil compreender por que a physis aristoté­
lica é, em última análise, essa forma ) . 6
Constata-se, a propósito disso, que a teleologia aristotélica
é falha, não pelas limitações que Aristóteles opera expressa­
mente em alguns dos famosos trechos da Física,7 mas por não
apresentar solução para a aporia metafísica de fundo, segun­
do a qual o mundo existe não por um desígnio do Absoluto,
mas por um anseio quase mecânico e fatal de todas as coisas
pela perfeição, intuído e afirmado pelo Estagirita, mas não
rigorosamente justificado. Sobre a razão de fundo do finalis­
mo universal, o último Platão, com a doutrina do Demiurgo,
no Timeu, enxergou mais longe: na verdade, ou se admite um
ser que projeta o mundo e que o faz ser em função do bem e
do melhor ou o finalismo universal não se sustenta.

O espaço e o vazio

Ligados ao conceito do movimento surgem os conceitos de


espaço e de vazio.8 Os objetos não estão no não-ser, que não
existe, mas em um onde, ou seja, em um lugar que, por con­
seguinte, é algo que existe. Não resta dúvida de que o lugar

85
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

existe e é uma realidade, tendo em mente o deslocamento


recíproco dos corpos (no recipiente onde a água está agora,
quando ela sai, entra o ar; em geral, um corpo diverso vem
sempre tomar o mesmo lugar ocupado pelo corpo retirado,
substituindo-o); " [ ... ] portanto, claro que o lugar também é
algo, e que a parte de espaço para a qual e da qual se verifica
a mudança dos dois elementos é algo distinto de ambos".9
Além disso, a experiência mostra que existe um "lugar natu­
ral" para o qual cada um dos elementos tende quando não
encontra obstáculo: fogo e ar tendem para o alto, terra e
água, para baixo. Alto e baixo não são algo relativo a nós, mas
são objetivos, são determinações naturais; " [ ... ] o alto não é
uma coisa qualquer, é para onde se dirigem o fogo e o leve, e,
da mesma forma, o baixo não é uma coisa qualquer, é para
onde vão as coisas pesadas e feitas de terra". 1 0
O que é, então, o "lugar"? Aristóteles chegou a uma pri­
meira caracterização ao distinguir o lugar que é comum a
muitas coisas daquele que é próprio a cada objeto: " [ . . . ] o
lugar é, por um lado, algo comum em que todos os corpos
estão; por outro, é o lugar particular em que um corpo está
imediatamente, [ . . . ] e se o lugar é aquilo que contém imedia­
tamente cada corpo, ele constituirá então um determinado
limite". 1 1 Adiante, Aristóteles determina que " [ . . ] o lugar é
.

aquilo que contém aquele objeto do qual é lugar, e não é


nada da coisa mesma que contém". Juntando as duas caracte­
rizações, o lugar é " [ . ] o limite do corpo continente, à medi­
..

da que é contíguo ao conteúdo". 1 2 Por último, Aristóteles afir­


ma ainda que o lugar não deve ser confundido com o
recipiente: o primeiro é imóvel enquanto o segundo é móvel.
Poderíamos dizer que, em certo sentido, o lugar é o recipien­
te imóvel, ao passo que o recipiente é um lugar móvel:
[ ... ] assim como o vaso é um lugar transportável, o lugar
também é um vaso que não. se pode transportar. Por isso,

86
I I I . A " F I LOSOFIA SEGUNDA": ANÁLISE DA FÍSICA

quando alguma coisa que está dentro de outra coisa se move


e se transforma numa coisa móvel, como um barquinho em
um rio, ela utiliza aquilo que a contém antes como um vaso
que como um lugar. O lugar, ao contrário, precisa ser imóvel;
por isso o rio inteiro é antes lugar, pois o inteiro é imóvel.
Portanto, o lugar é o primeiro limite imóvel do continente.13

Essa definição tornou-se famosa, e os filósofos medievais


a fixaram na renomada fórmula terminus continentis immo­
bilis primus.
A definição do lugar tem como consequência o fato de
que é impensável um lugar fora do Universo, e que não há
um lugar em que o Universo esteja situado:
[ ... ] quando se prescinde do Universo inteiro, não há ne­
nhuma outra coisa fora do todo; por isso todas as coisas
estão no céu, pois se entende que o céu é o todo ! O lugar, ao
contrário, não é o céu, mas, por assim dizer, a extremidade
do céu, e ele é [limite imóvel.] contíguo ao corpo móvel; por
isso a terra está na água, que está no ar, que por sua vez está
no éter, o éter do céu; mas o céu não é, na verdade, uma
outra coisa. 14

Assim, o movimento do céu como totalidade só será pos­


sível num sentido: o da circularidade sobre si mesmo, não
havendo possibilidade de translação. Note-se que tudo que se
move está em um lugar (e se move tendendo a chegar a seu
lugar natural); aquilo que é imóvel não está em um lugar;
portanto, Deus e as inteligências motrizes não necessitam
estruturalmente do lugar.
Dessa definição de lugar deriva também a impossibilidade
do vazio. O vazio era entendido como "lugar em que não há
nada", ou "lugar desprovido de corpo". 15 Mas é evidente que,
dada a definição de lugar como terminus continentis, um lu­
gar em que não há nada é uma contradição em termos. Des­
sa forma, desaparece o pressuposto axial sobre o qual os ato-

87
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

mistas construíram sua doutrina dos átomos e a concepção


mecanicista do Universo.

O tempo

Aristóteles dedicou análises aprofundadas ao conceito de


tempo. Elas antecipam até alguns conceitos que santo Agos­
tinho iria desenvolver e celebrizar. 16
Eis o ponto focal da doutrina aristotélica do tempo:
Seria possível suspeitar que o tempo simplesmente não exis­
te, ou que sua existência é obscura e com dificuldade obser­
vável pelo seguinte motivo: uma parte dele foi e não é mais,
uma parte está para ser e não é ainda. E dessas partes se
compõem o tempo em sua infinitude ou aquele que perce­
bemos gradualmente. Pode parecer impossível que, com­
pondo-se de não-entes, ele possua uma essência. Além dis­
so, se há um todo divisível em partes, a partir do momento
em que ele existe, é necessário que todas as partes existam
também, ou pelo menos algumas delas. No entanto, algu­
mas partes do tempo existiram, outras estão para existir,
mas nenhuma existe, embora ele seja divisível em partes.
Deve-se ter presente também que o instante não é uma par­
te; de fato, a parte tem uma medida, e o todo deve ser com­
posto de partes, enquanto o tempo não parece um conjunto
de instantes. 17

O que é, então, o tempo? Aristóteles tenta resolver o mis­


tério em função de dois pontos de referência: o movimento e
a alma. Quando se prescinde de um ou do outro, a natureza
do tempo nos escapa.
Entretanto, o tempo não é movimento e mudança, mas
implica essencialmente movimento e mudança:
A existência do tempo [ ... ] não é possível sem a existência
da mudança; quando não mudamos nada em nosso ânimo,
ou não percebemos nenhuma mudança, temos a impressão
de que o tempo realmente não passou. 1 8

88
I I I . A " F I LOSOFIA SEGUNDA": ANÁLISE DA FÍSICA

Como o tempo está em estreita relação com o movimento,


ele pode ser tomado como uma afecção ou propriedade des­
te. Que propriedade seria essa? O movimento, que sempre é
movimento por um espaço contínuo, por conseguinte, é con­
tínuo; portanto, igualmente contínuo deve ser o tempo, pois
a quantidade do tempo transcorrido é sempre proporcional
ao movimento. No contínuo distinguem-se o antes e o depois,
que, por conseguinte, têm um correspondente no movimen­
to, e, portanto, no tempo. Ora,
[ .. ] quando determinamos o movimento por meio da dis­
.

tinção entre antes e depois, conhecemos também o tempo.


Então dizemos que o tempo cumpre seu percurso quando
temos a percepção do antes e do depois no movimento.19

Daí a célebre definição: "Tempo é o número do movimento


segundo o antes e o depois."2º
Ora, a "percepção" do antes e do depois, e, portanto, do
número do movimento, pressupõe necessariamente a alma:
Quando [ .. ] pensamos as extremidades como diferentes do
.

meio, e a alma nos sugere que os instantes são dois, ou seja, o


antes e o depois, então dizemos que entre esse dois instantes
há um tempo, já que o tempo parece aquilo que é determina­
do pelo instante; que isso permaneça como fundamento.21

Mas se a alma é o princípio espiritual numerante, e, portanto,


a condição de distinção entre o numerado e o número, então
a alma passa a ser a conditio sine qua non do próprio tempo,
e compreende-se perfeitamente a aporia que Aristóteles suge­
re nessa passagem de incomensurável importância histórica:
É possível [ . ] questionar se o tempo existe ou não sem a
..

existência da alma. Com efeito, não se admitindo a existência


do numerante, fica impossível também a do numerável, de
modo que, obviamente, nem haveria o número. Na verdade,
número é aquilo que foi numerado, ou o numerável. Mas se

89
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

é verdade que, na natureza das coisas, apenas a alma ou o inte­


lecto que está na alma têm a capacidade de numerar, daí resul­
ta impossível a existência do tempo sem a existência da alma.22

Trata-se de um pensamento fortemente antecipador da


perspectiva agostiniana e das concepções espiritualistas do
tempo, que só recentemente recebeu dos estudiosos a aten­
ção merecida.
Aristóteles determinou em seguida que, para medir o
tempo, deve haver uma unidade de medida, assim como é
necessária uma unidade de medida para mensurar qualquer
coisa. Deve-se buscar tal unidade no movimento uniforme e
perfeito; e posto que o único movimento uniforme e perfeito
é o circular, a unidade de medida é o movimento das esferas
e dos corpos celestes. Deus e as inteligências motoras, que
estão fora do espaço, estão também, em sua condição de
imobilidade, fora do tempo.

O infinito

Enfim, devemos falar do conceito de infinito. 2 3 Aristóteles


nega que exista um infinito em ato. Quando fala de infinito,
entende sobretudo "corpo" infinito, e os argumentos que
apresenta contra a existência do infinito em ato são precisa­
mente contra a existência de um corpo infinito. O infinito
existe apenas como potência ou em potência. Infinito em
potência é, por exemplo, o número, pois sempre é possível
acrescentar a qualquer número outro número sem chegar a
um limite extremo além do qual não se possa avançar. Infini­
to em potência é também o espaço, pois ele é divisível ao
infinito, e o resultado da divisão é sempre uma grandeza que,
enquanto tal, é sempre posteriormente divisível. Infinito po­
tencial, por fim, é também o tempo, pois não pode existir
todo junto em ato, mas se desenvolve e cresce infinitamente.

90
I I I . A " F ILOSOFIA SEGUNDA": ANÁLISE DA FÍSICA

Aristóteles não entreviu nem de longe a ideia de que o


infinito pudesse ser o imaterial, justamente porque relaciona­
va o infinito à categoria da quantidade, que vale apenas para
o sensível. Isso explica também por que ele acabou por refe­
rendar de modo definitivo a ideia pitagórica ( e, em geral,
própria de quase todo o pensamento helênico ) de que o fini­
to é perfeito e o infinito é imperfeito. Escreve Aristóteles em
uma página paradigmática:
Infinito é [ ] aquilo fora do qual, quando se assume como
...

quantidade, sempre é possível assumir alguma outra coisa.


Em contrapartida, aquilo fora do qual não há nada é perfeito
e inteiro. Pois assim definimos o inteiro: aquilo a que nada
falta; por exemplo, o homem inteiro e o cofre inteiro. Assim
como no particular, ele o é também no mais autêntico signi­
ficado lógico, ou seja, inteiro é aquilo fora do qual não há
nada; mas aquilo fora do qual há alguma coisa que lhe falta
não é o todo, não importa o que lhe falte. Em contrapartida,
o inteiro e o perfeito são a mesma coisa em tudo e por tudo,
ou alguma coisa semelhante por natureza. Contudo, nenhu­
ma coisa que não tenha um fim é perfeita, e o fim é o limite.24

Essa passagem permite compreender muito bem a razão


pela qual Aristóteles deve necessariamente negar a Deus o
atributo de infinitude. Mais que nunca, depois dessa teoriza­
ção do infinito como potencialidade e imperfeição, a antiga
intuição dos jônicos, de Melisso e de Anaxágoras, em que o
Absoluto era infinito, teria de ser obliterada; ela se manteria
excêntrica em relação ao pensamento de toda a cultura grega,
e teve de esperar a descoberta de novos horizontes metafísi­
cos para renascer.

A "quinta-essência" e a divisão entre


mundo sublunar e mundo celeste

Aristóteles dividiu a realidade sensível em duas esferas nitida­


mente diferenciadas entre si (já na época do tratado Sobre a

91
INTRODUÇÃO A A R I STÓTELES

filosofia) : de um lado, o mundo sublunar; do outro, o mundo


supralunar, ou celeste, como mencionamos ao falar de meta­
física. Agora cabe esclarecer as razões dessa distinção.
O mundo sublunar é caracterizado por todas as formas de
mudança, entre as quais predominam a geração e a corrupção.
Os céus, ao contrário, são caracterizados exclusivamente pelo
movimento local e, de forma mais exata, pelo movimento cir­
cular. Nas esferas celestes e nos astros não há lugar para gera­
ção, corrupção, alteração, aumento ou diminuição (em todas
as idades, os homens viram os céus assim como nós o vemos;
portanto, a própria experiência diz que eles são sempre iguais
e nos leva a concluir que jamais nasceram; e, assim como nun­
ca nasceram, são também indestrutíveis ) . A diferença entre
esfera supralunar e esfera sublunar, ambas igualmente sensí­
veis, reside apenas na matéria diversa de que são constituídas.
Se existe algo que é eternamente movido, nem mesmo isso
pode ser movido segundo a potência, mas apenas de um
ponto a outro (justamente como se movem os céus) . E nada
impede que exista uma matéria própria desse tipo de movi­
mento. Por isso o Sol, os astros e todo o céu estão sempre
em ato; não se deve temer que eles parem em algum mo­
mento, como temem os físicos. Eles também não se cansam
de percorrer sua rota, pois seu movimento não é, como o
das coisas corruptíveis, ligado à potência dos contrários, o
que tornaria fatigante a continuidade do movimento.25

Essa matéria, que é potência dos contrários, é dada pelos


quatro elementos (terra, água, ar e fogo ) , que Aristóteles,
contra o eleata Empédocles, considera transformáveis um no
outro, de maneira a explicar a geração e a corrupção de modo
mais profundo que aquele filósofo. Por outro lado, a outra
matéria - que possui apenas a potência de passar de um
ponto a outro, e que, portanto, só pode receber o movimento
local - é o éter, assim chamado porque corre sempre ( àd

92
I I I . A "FILOSOFIA SEGUNDA": ANÁLISE DA FÍSICA

'Ôdv )2 6 e que recebeu a denominação de "quinta substância"


porque vem se somar às quatro substâncias dos outros ele­
mentos ( água, ar, terra e fogo ) . Enquanto o movimento ca­
racterístico dos outros quatro elementos é retilíneo (os pesa­
dos movem-se de cima para baixo, os leves, de baixo para
cima), o movimento do éter, ao contrário, é circular (ele não
é nem pesado nem leve). Não está sujeito a geração, corrup­
ção, nem a acréscimo e alteração ou outras afecções que im­
pliquem tais mudanças; é por esse motivo que os céus, cons­
tituídos por ele, também são incorruptíveis. Essa convicção
de Aristóteles iria perdurar ao longo de todo o pensamento
medieval, e a distinção entre mundo sublunar e mundo su­
pralunar só viria abaixo, com o pressuposto que a sustentava,
com a chegada da era moderna.
Dissemos no início que a física aristotélica (assim como
grande parte de sua cosmologia) é, na verdade, uma metafí­
sica do sensível. Portanto, o leitor não deve se espantar ao
constatar que a Física está cheia de considerações metafísicas
e culmina com a demonstração da existência de um Motor
Primeiro Imóvel. Radicalmente convencido de que "se não
houvesse o eterno, não haveria sequer o devir", o Estagirita
coroou suas investigações físicas com a demonstração da
existência desse princípio. Mais uma vez, o resultado da "se­
gunda navegação", de que Platão fala em Fédon, se mostra
absolutamente determinante. 2 7

NOTAS
1. Cf. Metaph. E l, 1 .025 b 18 ss.
2. Sobre o conceito aristotélico de natureza, cf. O. Hamelin, Aristote, "Physique
II'', Paris, 1 93 1 ; e A. Mansion, Introduction à la "Physique" aristotélicienne,
Louvain/Paris, 1 945, p. 92 ss.
3. Cf. Phys. [' 1, 201 a 10 ss; Metaph. K 9, 1 .065 b 33.
4. Cf. Phys. f' 1 -2; Metaph. K 9.
5 . Cf. Phys. A 5 ss; E 1 -2.
6. Cf. Phys. B., em parte 7-8.

93
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

7. Phys. B 4-6, sobre o qual cf. Mansion, op. cit., p. 292- 3 1 4.


8. Cf. Phys. Ll, passim.
9. Phys. Ll l , 208 b 6 ss. A tradução dos trechos citados é de A. Russo. Aristó­
teles, La Fisica, Laterza, Bari, 1 968 (agora também em Aristóteles, Opere,
Roma/Bari, 1 973).
10. Phys. Ll 1 , 208 b 19-2 1 .
1 1 . Phys. Ll 2 , 209 b 3 1 ss.
1 2 . Phys. Ll 4, 2 1 1 a 34 ss e 2 1 2 a 5 ss.
1 3 . Phys. Ll 4, 2 1 2 a 14-2 1 .
14. Phys. Ll 5 , 9 1 2 b 1 6-22.
15. Phys. Ll 7, 2 1 3 b 31 e 33.
16. Temos um exame exaustivo da doutrina aristotélica do tempo em J.-M.
Dubois, Le temps et l 'instant selon Aristote, Paris, 1 967. Cf. também
L. Ruggiu, Tempo coscienza e essere nella filosofia di Aristote, Brescia, 1 968.
1 7. Phys. Ll 1 0, 218 b 32-2 1 8 a 8.
18. Phys. Ll 1 1 , 2 1 8 b 2 1 -23.
1 9 . Phys. Ll 1 1 , 219 a 22-25.
20. Phys. Ll 1 1 , 2 1 9 b 1 ss.
2 1 . Phys. Ll 1 1 , 2 1 9 a 26-30.
22. Phys. Ll 14, 223 a 2 1 -26 (grifo nosso ) .
23. Cf. Phys. r 4-8.
24. Phys. r 6, 207 a 7- 1 5 .
25. Metaph. e 8, 1 .050 b 20-27.
26. De caelo A 3, 270 b 22 ss.
27. Para uma interpretação moderna da física aristotélica, em grande parte
antitética à nossa, ver W. Wieland, Die aristotelische Physik, Gõttingen,
1 962.

94
IV.

A PSICOLO GIA: ANÁLISE DE DE ANIMA

Conceito aristotélico de alma

A física aristotélica não indaga apenas a natureza em geral e


seus princípios, o Universo físico e sua estrutura, mas tam­
bém os seres que estão no Universo: os inanimados, os ani­
mados desprovidos de razão e os seres animados e dotados
de razão (o homem ) . O Estagirita dedica atenção especial aos
seres animados, escrevendo sobre eles uma grande quantida­
de de tratados, entre os quais se destaca, por profundidade,
originalidade e valor especulativo, o célebre Sobre a alma, que
examinaremos a seguir (a maior parte dos outros tratados
contém doutrinas que interessam mais à história da ciência
que à história da filosofia) . 1
O s seres animados se diferenciam dos inanimados porque
possuem um princípio que lhes dá vida. Esse princípio é a
alma. Mas o que é a alma?
Para responder à pergunta, Aristóteles toma como base
sua concepção metafísica hilemórfica da realidade. Todas as
coisas em geral são sínolos de matéria e de forma; a matéria
é potência, enquanto a forma é enteléquia, ou ato. Isso tam­
bém vale para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os
corpos vivos têm vida, mas não são vida; portanto, são como
um substrato material e potencial do qual a alma é forma e
ato. Escreve Aristóteles:
Necessariamente, portanto, a alma é substância, entendida
como forma de um corpo natural que tem vida em potên­
cia. Mas a substância (entendida como forma) é ato perfei­
to. A alma, portanto, é ato perfeito de um corpo do gênero
especificado. 2

95
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

E ainda:
[ ] a alma é ato perfeito primeiro de um corpo natural que
...

tem vida em potência.3 [ ] Posto que devemos dar uma


•••

definição geral válida para toda alma, ela poderia ser o ato
perfeito primeiro de um corpo natural orgânico.4

Essa simples definição já deixa bem claro que a psyché


aristotélica apresenta características novas, seja em relação à
psyché dos pré-socráticos, identificada em grande parte com
o princípio físico, ou pelo menos reduzida a um aspecto des­
te, seja em relação à psyché platônica, tão dualisticamente
contraposta ao corpo a ponto de ser vista como diversa e in­
capaz de conciliação harmônica com um corpo, visto como
cárcere e local de expiação da alma. (Depois do Fédon, Platão
passará a entender a alma como princípio de movimento,
temperando, mas não superando de todo, sua posição origi­
nal ) . Aristóteles assume uma posição intermediária, unifican­
do os dois primeiros pontos de vista, tentando fazer deles
uma síntese mediadora - como, aliás, na solução de todos os
problemas especulativos. Têm razão os pré-socráticos, que
veem a alma como algo intrinsecamente ligado ao corpo; mas
Platão está certo quando identifica na alma um princípio for­
mal. Não se trata, porém, de uma realidade autônoma e não
conciliável com o corpo, mas da forma, do ato ou da entelé­
quia do corpo; trata-se, portanto, daquele princípio inteligí­
vel que, estruturando o corpo, faz com que ele seja aquilo que
deve ser. Desse modo, salva-se a unidade do ser vivente.
Mas, assim como foi recuperada na metafísica pela dou­
trina do Motor Imóvel, a substancial descoberta platônica da
transcendência também não se perde na psicologia, dado que
Aristóteles não considera a alma absolutamente imanente.
O p ensar puro, o especular que leva ao conhecimento do
imaterial e do eterno ( que leva o homem, ainda que por bre-

96
IV. A PSICOLO G I A : ANÁLISE DE DE ANIMA

ves instantes, a quase tangenciar o divino) , não pode deixar


de ser uma prerrogativa de alguma coisa em nós que é con­
gênere ou tem afinidade com o conhecido, como Platão havia
demonstrado de maneira definitiva no Fédon. Assim, mesmo
pagando o preço das aporias sem solução, Aristóteles não
hesita em afirmar a necessidade de que uma parte da alma
seja "separável" do corpo.
Eis as passagens mais significativas a respeito disso:

É claro, portanto, que a alma não é separável do corpo, ou,


pelo menos - se por natureza ela é divisível -, que algu­
mas de suas partes não o são; o ato perfeito de algumas de
suas partes é o ato perfeito das correspondentes partes do
corpo. Mas nada impede que pelo menos algumas outras
partes sejam separáveis, pois não são ato perfeito de ne­
nhum corpo.5

E um pouco mais adiante:

Em relação ao intelecto e à faculdade especulativa, em certo


sentido, nada é claro; parece, contudo, que se trata de outro
gênero de alma, e que esse gênero só pode se separar do
corpo como o eterno do corruptível. Daí resulta que as ou­
tras partes da alma não podem ser separadas, como preten­
dem alguns pensadores. 6

Também na Metafísica, ele diz claramente, como já sabemos:

Se, ademais, resta alguma coisa depois da corrupção da


substância composta, este é um problema que ainda precisa
ser examinado. Nada o impede para alguns seres, como por
exemplo a alma: não a alma toda, mas apenas a alma inte­
lectiva; toda, seria impossível.7

A tripartição da alma

Contudo, para entender profundamente o sentido dessas


afirmações, cumpre examinar primeiro a doutrina geral da

97
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

alma e o sentido da célebre tríplice distinção das "partes" ou


"funções" da alma. Platão já havia mencionado, desde a Re­
pública, três "partes" ou "funções" da psyché, distinguindo
uma alma concupiscível, uma alma irascível, uma alma inte­
lectiva. Mas essa tripartição, nascida fundamentalmente da
análise do comportamento ético do homem e introduzida
para explicá-lo, pouco tem em comum com a tripartição
aristotélica, que nasceu, ao contrário, da análise geral dos
seres vivos e de suas funções, portanto, num terreno mais
biológico que psicológico.
Como os fenômenos da vida - raciocina Aristóteles -
supõem determinadas operações constantes nitidamente di­
ferenciadas (a tal ponto que algumas podem subsistir em al­
guns seres sem as que lhes são sucessivas) , então a alma, que
é princípio de vida, também deve ter capacidades, funções ou
partes que governam e regulam essas operações. Pois bem,
como os fenômenos e as funções fundamentais da vida são:
a) de caráter vegetativo, como nascimento, nutrição, cresci­
mento; b) de caráter sensitivo motor, como sensação e mo­
vimento; c) de caráter intelectivo, como conhecimento, deli­
beração e escolha - e sãó assim pelas razões antes expostas
-, Aristóteles introduz a distinção entre: a) alma vegetativa;
b) alma sensitiva; c) alma intelectiva, ou racional. Escreve o
Estagirita: ''As mencionadas faculdades da alma podem ser
encontradas [ . . . ] em sua totalidade em alguns seres, em ou­
tros, apenas em parte, e em outros, ainda, em número de
uma só." 8 As plantas possuem apenas a alma vegetativa; os
animais, a vegetativa e a sensitiva; os homens, a vegetativa, a
sensitiva e a racional. Para possuir a alma racional, o homem
deve possuir as outras duas, assim como o animal, para pos­
suir a sensitiva, deve possuir a vegetativa. Mas é possível pos­
suir apenas a alma vegetativa, sem as demais:

98
IV. A PSICOLO G I A : ANÁJ.JSE DE DE A NIMA

Entre os seres corruptíveis, aqueles que são dotados de ra­


zão possuem também todas as outras faculdades; mas, ao
contrário, entre aqueles que possuem apenas uma delas,
nem todos possuem a faculdade de raciocinar, e alguns não
têm sequer imaginação, enquanto outros vivem apenas com
ela. No que diz respeito ao intelecto especulativo, o raciocínio
é diferente.9

Portanto, entre as três almas há antes uma distinção que


uma separação. Escreve Ross:
[ ] a divisão que a alma admite não é uma divisão em par­
...

tes qualitativamente diferentes, mas em partes que possuem,


cada uma delas, a qualidade do todo. Embora Aristóteles
não diga isso, a alma é de fato homeômera, como um tecido,
não como um órgão. E embora use com frequência a ex­
pressão tradicional "parte da alma", a palavra que prefere é
"faculdade''. 10

Observação exata. Porém, como veremos, se por um lado


esclarece algumas coisas, por outro acentua a aporia de ou­
tras; em particular, torna aporética a relação da alma inte­
lectiva com as demais. Aliás, é o próprio Aristóteles quem
enfatiza, na passagem citada, que a questão é diferente quan­
do se trata do intelecto especulativo.
Examinemos cada uma das três funções da alma.

A alma vegetativa

A alma vegetativa é o princípio mais elementar da vida; como


os fenômenos mais elementares da vida, conforme já disse­
mos, são geração, crescimento e nutrição, a alma vegetativa é
o princípio que os governa. Fica assim nitidamente superada
a explicação que os naturalistas davam para os processos vi­
tais. A causa do crescimento não é o fogo, nem o calor, nem
a matéria, em geral; o fogo e o calor são no máximo causas
contribuintes, não a verdadeira causa. Em todo processo de

99
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

nutrição e de crescimento está presente uma regra ou lei que


proporciona grandeza e crescimento, coisa de que o fogo é
estruturalmente incapaz, e que seria inexplicável sem algo
além do fogo, isto é, sem a alma. Assim, também é impossívd
explicar o fenômeno da nutrição pelo jogo mecânico de re­
lação entre elementos semelhantes (como queriam alguns)
ou entre certos elementos contrários; a nutrição é a assimila­
ção do dessemelhante que só a alma torna possível, por meio
do calor:
Posto que há três coeficientes - aquilo que é nutrido, aqui­
lo de que se nutre e aquilo que o nutre -, aquilo que nutre
é a alma, aquilo que é nutrido é o corpo que possui essa
alma, aquilo de que se nutre é o alimento. 1 1

Por fim, a alma vegetativa governa a reprodução, alvo de


todas as formas de vida finita no tempo. Na verdade, toda
forma de vida, até a mais elementar, é feita para a eternidade,
não para a morte. Mesmo o mais modesto dos vegetais, ao se
reproduzir, busca o eterno, e a alma vegetativa é o princípio
que torna possível, no nível mais baixo, a perpetuação na
eternidade.

A alma sensitiva

Além das funções examinadas no item anterior, os animais


possuem sensações, apetites e movimento. Portanto, é preciso
supor outro princípio que governe tais funções; esse princí­
pio é a alma sensitiva.
Vamos começar pela primeira função da alma sensitiva:
a sensação, que, entre as três, em certa medida, é a mais im­
portante e, sem dúvida, a mais característica.
Alguns dos antecessores de Aristóteles explicavam a sen­
sação como uma afecção, paixão ou alteração que o seme­
lhante sofre por obra do semelhante (ver, por exemplo, Em-

1 00
IV. A PSICOLO G I A : ANÁLISE DE DE ANIMA

pédocles ou Demócrito) , ao passo que outros a viam como


uma ação que o semelhante sofre por obra do dessemelhante.
Aristóteles toma essas formulações como ponto de partida e
vai além, buscando mais uma vez a chave para interpretar
a sensação na doutrina metafísica da potência e do ato. Pos­
suímos faculdades sensitivas que não são capazes de receber
sensações em ato, apenas em potência. Elas são como o com­
bustível, que só queima em contato com o comburente. As­
sim, a faculdade sensitiva, em contato com o objeto sensível,
deixa de ser simples capacidade de sentir para se transformar
em sentir em ato.
Todo ente sofre e é movido pela ação de um agente e do
agente que está em ato. Por isso tanto sofre a ação do seme­
lhante quanto sofre a ação do dessemelhante - como afir­
mamos. Na realidade, ele sofre a ação do dessemelhante,
mas, depois de tê-la sofrido, torna-se semelhante.12

E ainda:
A faculdade sensitiva é, em potência, aquilo que o sensível já
é em ato perfeito, conforme dissemos. Ela sofre, portanto,
porque não é semelhante; mas, uma vez que sofreu sua ação,
torna-se semelhante e é como ele.13

Por isso diz muito bem Ross:


A sensação não é uma alteração comparável à simples subs­
tituição de um estado por seu oposto, mas à realização de
uma potência, ao avanço de alguma coisa para si mesma e
para a atuação. 14

Mas - perguntaremos - o que significa afirmar que a


sensação é um tornar-se semelhante ao sensível? Não se trata,
evidentemente, de um processo de assimilação parecido com
o que tem lugar na nutrição; na assimilação da nutrição, as­
simila-se também a matéria, enquanto na sensação só a for­
ma é assimilada. Escreve Aristóteles:

101
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Para qualquer percepção em geral, é preciso ter presente que


o sentido é o receptáculo das formas sensíveis sem a maté­
ria, como a cera recebe a marca do anel, mas não o ferro e o
ouro, ou seja, recebe a marca áurea e férrea, mas não como '
ouro e ferro. De maneira análoga, o sentido sofre a ação de
cada ente que tem calor, sabor ou som, porém, não quando
se considera cada um desses entes como coisa particular,
mas apenas enquanto ele possui essa qualidade, e em vir­
tude da forma. 15

Em seguida, o Estagirita examina os cinco sentidos e os


sensíveis que são próprios a cada um deles. Quando um sen­
tido capta o sensível próprio, então a relativa sensação é infa­
lível. Além dos sensíveis próprios, há também os sensíveis
comuns, como movimento, repouso, figura e grandeza, por
exemplo, que não são percebidos por nenhum dos cinco sen­
tidos em particular, mas podem ser percebidos por todos:

[ ... ) não pode haver um órgão sensorial próprio dos sensí­


veis comuns, que percebemos acidentalmente, a cada sen­
sação particular; esses são movimento, repouso, grandeza,
número, unidade, que percebemos por meio de um movi­
mento; por um movimento percebemos, por exemplo, uma
grandeza, e portanto uma figura, pois a figura é uma deter­
minada grandeza, enquanto o ente em repouso é percebido
por sua falta de movimento; o número, pela negação da
continuidade e por meio dos sensíveis próprios, dado que
cada sentido percebe uma só ordem de sensíveis. 16

Tendo em mente esses esclarecimentos, pode-se falar de


um "sentido comum" (e Aristóteles efetivamente fala) , que é
como um sentido "geral" não específico, ou, melhor, é o sen­
tido que age de maneira não específica, como os estudiosos
observaram com propriedade. Em primeiro lugar, na passa­
gem citada, percebe-se muito bem que a sensação capta os
sensíveis comuns de modo não específico. Além disso, sem

1 02
IV. A PSICOLO GIA: ANÁLISE DE DE ANIMA

dúvida, pode-se falar de sentido comum a propósito do sen­


tido do sentir ou da percepção do sentir, ou ainda quando
distinguimos ou comparamos os sensíveis entre si.
Com base nessas distinções, Aristóteles estabelece que os
sentidos são infalíveis quando captam os objetos que lhes
são próprios, mas apenas nesse caso. Eis o famoso trecho que
formula essa doutrina:
A percepção dos sensíveis próprios é verdadeira ou compor­
ta o mínimo possível de erro. Em segundo lugar vem a per­
cepção do objeto em que tais qualidades sensíveis se inse­
rem acidentalmente; nesse caso, o engano já é possível, dado
que ninguém se engana ao distinguir que o sensível é bran­
co, mas pode se enganar ao distinguir se branco é um deter­
minado ente ou outro. Em terceiro lugar vem a percepção
dos sensíveis comuns, [ ... ] e cito, por exemplo, movimento
e grandeza; é sobretudo a respeito deles que o sentido pode
se enganar. 17

Da sensação derivam a "fantasia", que é produção de ima­


gens, e a "memória': que as conserva (e do acúmulo de fatos
mnemônicos deriva a "experiência" ) .
As outras duas funções d a alma sensitiva que menciona­
mos no início deste item são o apetite e o movimento. O ape­
tite nasce em consequência da sensação:
As plantas só possuem a faculdade nutritiva; outros seres, ao
contrário, possuem, além dela, a sensitiva. Mas, se possuem
a sensitiva, têm também a apetitiva, pois apetite é desejo,
ardor e vontade. Todos os animais têm pelo menos um sen­
tido: o tato; por outro lado, onde há sensação, há prazer e
dor, há prazeroso e doloroso, e quem os sente tem também
o desejo, que é o apetite do prazeroso. 1 8

O movimento dos seres viventes, enfim, deriva do desejo:


"O motor é um princípio único: a faculdade apetitiva': 1 9 e o
desejo é "uma espécie de apetite".20 O desejo é movido pelo

1 03
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

objeto desejado que o animal capta pela sensação ou que, de


todo modo, se apresenta de forma sensível. Portanto, apetite
e movimento dependem intimamente da sensação.

A alma racional

Como a sensibilidade não é redutível à simples vida vegetati­


va e ao princípio da nutrição, mas contém um plus que só
pode ser explicado quando se introduz um princípio ulterior,
ou seja, a alma sensitiva, também o pensamento e as opera­
ções a ele ligadas, como a escolha racional, são irredutíveis à
vida sensitiva e à sensibilidade, pois contêm um plus que só
se explica com a introdução de um princípio ulterior: a alma
racional. É dela que falaremos agora.
O ato intelectivo é análogo ao ato perceptivo à medida
que é uma recepção ou assimilação de formas inteligíveis,
assim como esse último é uma assimilação da forma sensível,
mas difere profundamente da faculdade perceptiva, pois não
é misturado ao corpo e ao corpóreo. Eis o modo como Aris­
tóteles caracteriza o intelecto, numa das mais elevadas pági­
nas que jamais brotaram de sua pena, na qual a antiga intui­
ção de Anaxágoras ganha forma definitiva - graças às
categorias emprestadas de Platão - e, por conseguinte, é
assimilada como uma conquista irreversível.
Sobre a parte com a qual a alma conhece e pensa - seja ela
algo separado ou não separável espacialmente, mas apenas
idealmente - é preciso ver quais características possui e
,

como se produz o pensar. Ora, se o pensar tem algo a ver


com o sentir, isso deve ser o fato de sofrer algo por parte do
pensado, ou alguma coisa do gênero. Mas então, a rigor, ele
não deve sofrer nada, mas apenas acolher a forma e tornar­
-se, em potência, semelhante à coisa, mas não efetivamente
a própria coisa; em suma, a relação do pensante com o pen­
sado deve ser semelhante à do senciente com o sentido. Em

104
I V. A PSICOLOGIA: ANÁLISE DE DE ANIMA

consequência, é preciso que o intelecto, posto que pensa


tudo, esteja isento de qualquer mistura - como Anaxágoras
diz que deve ser - a fim de que possa "dominar", ou seja, a
fim de que possa conhecer. Qualquer coisa estranha que se
apresentasse no meio atuaria como um obstáculo e um im­
pedimento; sendo assim, o intelecto não pode ter nenhuma
natureza, exceto esta: a de ser potencialidade. Portanto,
aquilo que na alma chamamos Naus (assim entendo aquilo
com que a alma pensa e opina) não é, em ato, nenhuma das
realidades existentes antes de seu efetivo pensar. Por isso não
é razoável que ele seja misturado ao corpo, porque logo iria
adquirir certa qualidade, e seria frio ou quente, ou seria um
instrumento de certa espécie, como é o órgão do sentido.
Ora, ao contrário, nada disso acontece. E têm razão aqueles
que dizem que a alma é o lugar das formas ideais, salvo que
isso não pode ser dito de toda a alma, mas apenas da alma
pensante, e que as formas ideais nela não existem em ato,
mas só em potência. Claro que a imunidade, no que diz
respeito a sofrer ações, não é igual no caso das faculdades
inteligente e senciente, quando consideramos os órgãos do
sentido e a própria sensação. Se a perceptibilidade daquilo
que é percebido sensivelmente for muito intensa, o sentido
não pode sentir; assim, os sons demasiado fortes são indis­
tinguíveis, o mesmo valendo para as cores demasiado lumi­
nosas e para os odores muito acentuados. Todavia, quando
o intelecto pensa um pensamento que se encontra no nível
mais alto da capacidade de pensar, isso não significa que
ele tem menos capacidade de pensar as coisas de menor re­
levância: ao contrário, tem mais. Pois o órgão do sentido
não existe sem o corpo, enquanto a inteligência existe por
si mesma. Quando, desse modo, a inteligência torna-se to­
das as coisas, tal como ocorre com aquele que é denomina­
do sábio quando transforma sua capacidade em ato (e isso
acontece quando seu atuar-se só depende dele mesmo),
também neste caso ela é de certo modo potencial, embora
não no sentido anterior, de ter apreendido e descoberto.
Assim, então, o intelecto pode pensar por si mesmo.21

105
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

O conhecimento intelectivo, como o sensitivo, também é


explicado por Aristóteles em função das categorias metafísi­
cas de potência e ato. A inteligência, de per si, é capacidade e
potência de conhecer as formas puras; as formas, por sua vez,
estão contidas em potência nas sensações e nas imagens da
imaginação. É necessário, portanto, que alguma coisa traduza
essa dupla potencialidade em ato, de modo que o pensamen­
to se atualize, apreendendo a forma em ato, e a forma contida
na imagem se converta em conceito apreendido e possuído
em ato.
Assim surgiu aquela distinção que se tornou fonte de inú­
meros problemas e debates, na Antiguidade e na Idade Mé­
dia, entre intelecto em potência (ou possível) e intelecto agente,
segundo uma terminologia que se tornará técnica, mas que
em Aristóteles só é técnica virtualmente. Eis a página que
apresenta a distinção e que permanecerá como ponto de re­
ferência constante durante séculos:
Como em toda a natureza há um elemento que é matéria e é
próprio de cada gênero (sendo, em potência, todos os obje­
tos que constituem o gênero) , e outro elemento que é a cau­
sa eficiente, dado que produz todos eles (como a arte atua
em relação à matéria), é necessário que também na alma
haja esses elementos diversos. De um lado está o intelecto,
que tem a potencialidade de ser todos os objetos; do outro, o
intelecto que produz todos eles, quase como se fosse um es­
tado semelhante à luz, pois, em certo sentido, a luz trans­
forma em ato as cores que estavam só em potência. Esse in­
telecto é separado, impassível e sem mistura, pois, em sua
essência, é ato. Na verdade, o agente é sempre superior ao
paciente, e o princípio, à matéria. A ciência em ato é idêntica
a seu objeto; a ciência em potência, no indivíduo, é (quanto
ao tempo) anterior; mas, em termos absolutos, não é ante­
rior sequer em relação ao tempo. Não é que esse intelecto às
vezes pense, às vezes não pense. Separado [ do corpo] , ele é
justamente apenas aquilo que é, e isso é imortal e eterno.22

1 06
I V. A PSICOLO GIA: ANÁLISE DE DE A NIMA

Duas afirmações contidas nesse trecho merecem destaque.


Em primeiro lugar, a comparação com a luz: assim como as
cores não seriam visíveis, e a vista não poderia distingui-las se
não houvesse a luz, também as formas inteligíveis, contidas
nas imagens sensíveis, permaneceriam em estado potencial; o
intelecto em potência também não as poderia captar em ato se
não houvesse uma luz inteligível, permitindo ao intelecto "ver"
o inteligível e permitindo ao inteligível ser visto em ato. Trata­
-se de uma imagem, a mesma com que Platão representou a
suprema Ideia do Bem. Contudo, para explicar a mais elevada
das faculdades humanas, Aristóteles só podia lançar mão de
uma analogia, justamente porque essa faculdade é irredutível
a algo ulterior e representa um ponto-limite intransponível.
A outra afirmação é a de que esse intelecto em ato (ou
agente) está "na alma". Caem, portanto, as explicações já de­
fendidas pelos antigos intérpretes de que o Intelecto agente
é Deus (ou, de todo modo, um Intelecto divino separado) ,
o qual, entre outras coisas, como vimos, tem características
estruturalmente inconciliáveis com as do intelecto agente.
É verdade que Aristóteles afirma que "o intelecto vem de fora,
e só este é divino'',2 3 enquanto as faculdades inferiores da alma
já estão em potência no germe masculino e passam, por inter­
médio dele, para o novo organismo que se forma no ventre
materno; mas é também verdade que, mesmo vindo "de fora'',
ele permanece na alma (ev 'tTI \jfVXfü durante toda a vida do
homem. O "vir de fora" do intelecto significa, portanto, sua
transcendência, no sentido de diferença por natureza; ou seja,
significa alteridade essencial em relação ao corpo - repre­
senta a proclamação da dimensão metaempírica, suprassensí­
vel e espiritual que existe em nós. É o divino em nós.
No entanto, se o intelecto agente não é Deus, ele espelha
as características do divino, sobretudo sua absoluta impassi­
bilidade, como diz textualmente o Estagirita:

1 07
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Mas acredita-se que o intelecto é gerado como uma subs­


tância particular e que não perece. De fato, se perecesse,
teria sido destruído sobretudo pelo enfraquecimento da ve­
lhice; e, nessas condições, sem dúvida, aconteceria o mesmo
que ocorre com os órgãos sensoriais; se o velho recuperasse
a integridade dos olhos, veria da mesma forma que um jo­
vem. Pois a velhice se deve a uma afecção que não é da alma,
mas do ser em que essa alma está encerrada, como se verifi­
ca nos estados de embriaguez e de doença. Tanto a atividade
teórica quanto a atividade especulativa esmorecem quando
outra parte do corpo, no interior, começa a enfraquecer;
porém, o intelecto em si mesmo é impassível. Meditar, amar
ou odiar não são afecções suas, mas do composto, e o inte­
lecto, com certeza, é algo mais divino e é impassível. 24

Como na Metafísica, uma vez estabelecido o conceito de


Deus com as características que vimos, Aristóteles não pôde
resolver as numerosas aporias que a concepção comportava,
também aqui, uma vez estabelecido o conceito do espiritual
que está em nós, ele não conseguiu superar as aporias que
dele derivavam.
Esse intelecto é individual? Como pode vir "de fora"? Que
relação tem com nossa personalidade e com nosso eu? E com
nosso comportamento moral? Ele tem um destino escatoló­
gico? Qual o sentido de sua sobrevivência ao corpo? Estas são
questões que Aristóteles deixou sem resolver, e estão estrutu­
ralmente destinadas a ficar sem resposta no contexto do dis­
curso aristotélico, depois que ele abandonou o componente
mítico-religioso platônico que havia acolhido nos primeiros
escritos. Para que fossem enfrentadas, sobretudo para que
fossem resolvidas racionalmente de maneira adequada, elas
exigiriam a elaboração do conceito de criação, que, como
sabemos, é estranho não só a Aristóteles, mas a toda a cultu­
ra grega.

108
IV. A PSICOLOGIA: ANÁLISE DE DE ANIMA

NOTAS
1. Para uma leitura aprofundada dessas obras, indicamos F. A. Trendelen­
burg, Aristotelis "De anima'; libri tres, Berlim, 1 877 (cujo comentário ainda
é fundamental; reed. Graz, 1 95 7 ) ; G. Rodier, Aristote, "Traité de l'âme",
Paris, 1 900; P. Siwek, Aristotelis "De anima'; libri tres, Roma, 1 943- 1 946;
J. Tricot, Aristote, "De l'âme", Paris, 1 947; D. Ross, Aristotle, "De anima",
Oxford, 1 96 1 .
2. D e an. B l , 3 1 2 a 1 9-22. A tradução que citamos é a d e A . Barbieri (Aristó­
teles, L'anima, Laterza, Bari, 1 957), na qual, contudo, faremos algumas
correções.
3. De an. B 1, 3 1 2 a 27 ss.
4. De an. B 1 , 4 1 2 b 5 ss.
5. De an. B 1, 4 1 3 a 4-7.
6. De an. B 2, 413 b 24-29.
7. Metaph. tl 3, 1 .070 a 24-26.
8. De an. B 3, 414 a 29-3 1 .
9 . D e an. B 3 , 4 1 5 a 6- 1 2 .
10. W. D . Ross, Aristotle, Londres, 1 923; trad. ital., Aristotele, Bari, 1 949, p . 1 98.
1 1 . De an. B 4, 416 b 20-23.
1 2 . Ibid., B 5, 417 a 1 7-20.
13. Ibid., B 5, 418 a 3-6.
14. Ross, Aristotele, p. 202; cf. De an. B 5, 4 1 7 b 6 e 1 6.
1 5 . De an. B 12, 424 a 1 7-24 (cf. Trendelenburg, op. cit., p. 337 ss) .
16. De an. í 1 , 425 a 1 4-20.
1 7. De an. í 3, 428 b 1 8-25.
1 8 . Ibid., B 3, 414 a 32-4 1 4 b 6.
19. De an. í 10, 433 a 19 ss.
20. De an. í 10, 433 a 25 ss.
2 1 . De an. í 4, 429 a 1 0-429 b 10 (a tradução desta página, particularmente
eficaz, é de G. Calogero, Storia dei/a logica ântica, I, Bari, 1 967, p. 289).
22. De an. í 5, 430 a 1 0-23.
23. De genr. anim. B 3, 736 b 27 ss.
24. De an. A 4, 408 b 1 8-29.

109
V.

A FILOSOFIA MORAL:
ANÁLISE DA ÉTICA A NICÔMACO

Relações entre ética e política

Na sistematização aristotélica do saber, as ciências práticas,


como vimos, vêm em segundo lugar, depois das ciências teó­
ricas. Elas são hierarquicamente inferiores às teóricas na me­
dida em que nelas o saber deixa de ser um fim em si mesmo,
no sentido absoluto, pois está subordinado e de certa manei­
ra submetido à atividade prática. Essas ciências práticas di­
zem respeito efetivamente à conduta dos homens e também
ao objetivo que eles pretendem alcançar com essa conduta,
quer sejam considerados como indivíduos, quer como mem­
bros de uma sociedade, mais precisamente, da sociedade po­
lítica. Aristóteles, aliás, denomina "política" (e também "filo­
sofia das coisas do homem" ) , em geral, a ciência que abarca a
atividade moral dos homens tanto como indivíduos quanto
como cidadãos. Em seguida, ele subdivide essa "política" (ou
"filosofia das coisas do homem"), respectivamente, em ética e
política propriamente dita (teoria do Estado) .
Nessa subordinação d a ética à política, h á uma influência
clara, determinante, da doutrina platônica, a qual, de resto,
dava forma paradigmática à concepção tipicamente helê­
nica de que só se pode entender o homem como cidadão e
que situa a cidade acima tanto da família quanto do indi­
víduo singular: o indivíduo existe em função da cidade, não
a cidade em função do indivíduo. Eis o que Aristóteles diz
expressamente:
Se o bem é idêntico para o indivíduo e para a cidade, parece
mais importante e mais perfeito escolher e defender o bem

111
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

da cidade. Sem dúvida, o bem também é desejável quando


diz respeito a uma só pessoa, mas é mais belo e mais divino
quando se refere a um povo e. às cidades. 1

Portanto, cabe à política uma função arquitetônica, o u


seja, de comando; compete a ela determinar "que ciências são
necessárias na cidade, quais cada um deve aprender e até que
ponto". É bem verdade, porém, que, como destacaram alguns
estudiosos, à medida que Aristóteles avança em sua Ética, as
relações entre indivíduo e Estado ameaçam ruir. Contudo,
esse fato, em si mesmo importantíssimo, não é enfrentado
por Aristóteles no plano da consciência crítica. Ele não chega
a extrair as consequências que, levadas a seu limite, poderiam
derrubar a abordagem geral da "filosofia das coisas do ho­
mem''. Os condicionamentos histórico- culturais pesaram
mais que as conclusões especulativas, e a pólis continuou a
ser para o Estagirita, fundamentalmente, o horizonte que en­
globa os valores do homem.

O bem supremo do homem: a felicidade

Em suas várias ações, o homem tende sempre para fins pre­


cisos, que se configuram como bens. Ora, há fins e bens que
desejamos, tendo em vista outros fins e bens futuros, e que,
portanto, são fins e bens relativos. Porém, como é impensável
um processo que leva de um fim a outro e de um bem a ou­
tro até o infinito (pois isso destruiria até os próprios concei­
tos de bem e de fim, que implicam estruturalmente um tér­
mino) , devemos pensar que todos os fins e bens para os quais
tende o homem existem em função de um fim último e de
um bem supremo.
Qual é esse bem supremo? Aristóteles não tem dúvida:
todos os homens, sem distinção, consideram que esse bem é
a eudaimonia, ou seja, a felicidade.

112
V. A FILOSOF I A MORAL: ANÁLISE DA É TICA A NICÔMA CO

A felicidade, portanto, é o fim para o qual tendem, cons­


ciente e declaradamente, todos os homens. Mas o que é a feli­
cidade? Aqui começam as divergências: a multidão não pensa
igual aos letrados e os próprios letrados divergem entre si.
A maioria dos homens acredita que a felicidade consiste
no prazer e no gozo. Mas uma vida dedicada aos prazeres é
uma vida que torna os homens "semelhantes aos escravos",
é uma "existência digna de animais".2
As pessoas mais evoluídas e mais cultas situam o bem
supremo e a felicidade na honra. E buscam a honra sobretu­
do aqueles que se dedicam ativamente à vida política. No
entanto, este não pode ser o fim último que todos buscamos,
pois, como observa acertadamente Aristóteles, trata-se de
algo externo: "A honra parece depender antes de quem a con­
fere do que de quem a recebe; nós, ao contrário, considera­
mos que o bem é algo de individual e inalienável." 3 Ademais,
os homens não buscam tanto a honra por si mesma, mas
como prova e reconhecimento público de sua própria bon­
dade e virtude, que, portanto, demonstram ser algo mais im­
portante que a honra.
Se os tipos de vida dedicados aos prazeres ou à busca de
honras, mesmo inadequados pelas razões expostas, têm uma
aparente plausibilidade, o mesmo não se pode dizer da vida
consagrada ao acúmulo de riquezas, que, na opinião de nosso
filósofo, não tem sequer essa plausibilidade aparente:
A vida [ ... ) dedicada ao comércio é algo que vai contra a
natureza, e é evidente que a riqueza não é o bem que procu­
ramos; de fato, ela tem em vista apenas o ganho, não passa
de um meio para alcançar outra coisa.4

É bem verdade que os prazeres e as honras são buscados por


si mesmos, mas não as riquezas; a vida dedicada ao acúmulo
de riquezas, por conseguinte, é a mais absurda e a mais inau-

113
INTRO DUÇÃO A ARISTÓTELES

têntica, pois está voltada para a busca de coisas que valem no


máximo como meios, nunca como fins.
Mas o bem supremo do homem também não pode ser
aquilo que Platão e os platônicos indicaram como tal, ou
seja, a Ideia do Bem ou o transcendente Bem-em-si, pois, nes­
se caso, é evidente que não seria realizável ou alcançável pelo
homem. Não se trata, portanto, de um bem transcendente,
mas de um bem imanente; não pode ser um bem já definiti­
vamente realizado, mas realizável e adquirível pelo homem e
para o homem. (Para Aristóteles, o bem não é uma realidade
única e unívoca, mas, como vimos em relação ao conceito de
ser, é plurívoco, diverso nas diferentes categorias e diverso
nas diferentes realidades que pertencem a cada categoria, em­
bora sempre ligado por uma relação de analogia. )
Mas qual é o bem supremo realizável pelo homem?
A resposta de Aristóteles está em perfeita harmonia com a
concepção singularmente helênica da areté, sem a qual seria
inútil tentar compreender plenamente a construção ética do
nosso filósofo.
O bem do homem só pode consistir na "obra" que lhe é
peculiar, ou seja, aquela obra que ele e só ele sabe realizar,
assim como, em geral, o bem de cada coisa consiste na obra
que é peculiar a essa coisa. A obra do olho é ver, a obra do
ouvido é ouvir, e assim por diante. E a obra do homem? Ela
a) não pode ser o simples viver, posto que o simples viver é
próprio também de todos os seres vegetais; b) tampouco
pode ser o sentir, posto que é comum também aos animais;
c) nada mais resta senão concluir que a obra peculiar do ho­
mem é a obra da razão e a atividade da alma segundo a razão.
Logo, o verdadeiro bem do homem consiste nessa "obra", ou
"atividade': da razão, mais exatamente, nas perfeitas explica­
ção e atuação de tal atividade. Essa é, portanto, a "virtude do
homem': e é nela que se encontra a felicidade.

1 14
V. A FILOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA É TICA A NICÔMACO

Em consequência, e como já havia feito no Protréptico,


Aristóteles afirma:
Assim sendo, o bem próprio do homem é a atividade da
alma em conformidade com a virtude; se as virtudes são
muitas, segundo a melhor e mais perfeita. Isso vale também
para uma vida completa. Se uma só andorinha, ou um só
dia, não faz verão, tampouco um só dia, ou um breve tem­
po, proporciona beatitude ou felicidade.5

Aristóteles adere à doutrina socrático-platônica que via a


essência do homem na alma, mais precisamente, na parte
racional da alma, no intelecto. Somos a nossa razão e o nosso
espírito. O homem bom, diz Aristóteles, " [ ... ] age mediante a
parte racional de si mesmo, que parece constituir cada um de
nós". 6 E ainda: "Está claro, portanto, que cada um de nós é
sobretudo intelecto, e que a pessoa moralmente idônea ama
o intelecto acima de tudo." 7 Enfim: "Se esta [a alma racional,
em particular, a parte mais elevada dessa alma, ou seja, o in­
telecto ] é a parte dominante e melhor, tudo parece indicar
que cada um de nós consiste propriamente nela." 8
Como esse é o fundamento próprio da ética socrático­
-platônica, não é de admirar que, ao aceitar o fundamento,
Aristóteles acabe por concordar com Sócrates e Platão bem
mais do que em geral se acredita. Os valores autênticos, tam­
bém para o Estagirita (como já destacamos) , não poderiam
ser os exteriores (como a riqueza), que apenas tangenciam o
homem; nem os corporais ( como os prazeres) , que não se
referem ao verdadeiro eu do homem, mas apenas aos prazeres
da alma, posto que o verdadeiro homem é a alma: "Tendo,
portanto, repartido o bem em três grupos, os chamados bens
exteriores, os da alma e os do corpo, devemos dizer que os
bens relacionados à alma são os principais e os mais perfei­
tos:'9 Os verdadeiros bens do homem são os bens espirituais,
que consistem na virtude de sua alma; e é na virtude que resi-

115
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

de a felicidade. Quando falamos de virtude humana, não nos


referimos de modo algum às virtudes do corpo - como es­
clarece Aristóteles, de modo inequívoco -, mas às da alma, e
afirmamos que a felicidade é uma atividade própria da alma.
O socrático "cuidado da alma" é, também para Aristóte­
les, o caminho, a única via que leva à felicidade. No entanto,
ao contrário de Sócrates e sobretudo de Platão, Aristóteles
considera indispensável também ser dotado o suficiente de
bens exteriores e de meios de fortuna; na verdade, se a pre­
sença deles não traz felicidade, ausentes, eles podem frustrá­
-la ou comprometê-la (pelo menos em parte). Essa reavalia­
ção parcial dos bens exteriores vem se associar a certa reava -
liação do prazer, que, para Aristóteles, coroa a vida virtuosa e
é como uma consequência necessária, da qual a virtude é o
antecedente.

Dedução da "virtude" das "partes da alma"

A felicidade é definida, portanto, como atividade da alma


conforme à virtude. Fica evidente, então, que qualquer apro­
fundamento posterior do conceito de "virtude" depende de
um aprofundamento do conceito de alma. Ora, como vimos,
segundo Aristóteles, a alma se divide em três partes: duas ir­
racionais (a alma vegetativa e a alma sensitiva) e uma racio­
nal (a alma intelectiva) . Como cada uma dessas partes tem
uma atividade que lhe é peculiar, cada qual tem também sua
virtude peculiar, ou excelência. Contudo, a virtude humana é
apenas aquela em que intervém a atividade da razão.
a) A alma vegetativa é comum a todos os seres vivos: "A
virtude de tal faculdade consiste em algo comum a todos os
seres, não especificamente ao homem:' 1º
b) Diverso, no entanto, é o discurso a respeito da alma
sensitiva e concupiscível, a qual, mesmo sendo de per si irra­
cional, "ainda participa de certo modo da razão". 1 1 Fica claro,

1 16
V. A FILOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA É TICA A NICÔMA CO

então, que há uma virtude dessa parte da alma que é especi­


ficamente humana e que consiste em dominar, por assim di­
zer, tais tendências e impulsos que são, de per si, imoderados;
é isso que o Estagirita chama de "virtude ética".
c) Enfim, posto que também há em nós uma alma pura­
mente racional, deve haver também uma virtude peculiar a
essa parte da alma, que será a "virtude dianoética", ou seja, a
virtude racional.

As virtudes éticas

Vamos começar pelo exame da virtude ética, ou, melhor, das


virtudes éticas, pois elas são numerosas, tantas quantos são
os impulsos e sentimentos que a razão deve moderar. As vir­
tudes éticas derivam em nós do hábito. Somos potencial­
mente capazes, por natureza, de formá-las e, por meio do
exercício, traduzir essa potencialidade em ato. Realizando
sucessivamente atos justos, nós nos tornamos justos, ou seja,
adquirimos a virtude da justiça, que depois permanece em
nós de maneira estável, como um habitus que mais tarde irá
nos ajudar a realizar atos de coragem. E assim por diante. Em
suma, para Aristóteles, as virtudes éticas são aprendidas da
mesma maneira que aprendemos as várias artes, que são, elas
também, "hábitos".
Esse discurso, embora esclarecedor, ainda não toca o cer­
ne da questão; diz como adquirir e em seguida possuir tais
virtudes, mas ainda não diz em que consistem as virtudes.
Qual é a natureza comum a todas as virtudes éticas? O Esta­
girita responde com precisão: jamais existirá virtude quando
houver excesso ou falta, ou seja, quando houver demais ou
de menos; virtude implica, ao contrário, uma justa proporção,
o meio-termo entre dois excessos. Escreve Aristóteles:
Em qualquer coisa, seja ela homogênea ou divisível, é possí­
vel distinguir o mais, o menos e o igual, tanto em relação à

1 17
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

própria coisa quanto em relação a nós mesmos; o igual é


um meio-termo entre o excesso e a escassez. Assim, chamo
de posição intermediária em relação a uma coisa aquela que
dista na mesma medida de cada um dos extremos, e ela é
única e idêntica em todas as coisas; chamo de posição inter­
mediária em relação a nós aquilo que não excede nem falta;
esta, no entanto, não é única nem igual para todos. Por
exemplo: tomando-se o dez como quantidade excessiva e
o dois como quantidade escassa, o seis aparecerá como o
meio-termo em relação à coisa; esse é o meio-termo segun­
do a proporção numérica. Contudo, o meio-termo em re­
lação a nós não deve ser interpretado da mesma forma; se,
para determinada pessoa, comer dez unidades de alimento
é demais e comer duas é pouco, isso não significa que o
professor de ginástica deve ordenar que coma seis, pois essa
ração ainda pode ser muito ou muito pouco, dependendo
de quem vai recebê-la: para Milo (que era um atleta ex­
cepcional) seria pouco, mas para um atleta principiante se­
ria demais. Pode-se dizer o mesmo em relação à corrida ou
à luta. Assim, cada pessoa que tem ciência evita o excesso
e a escassez, busca o meio-termo e a ele dá preferência; o
meio-termo não é estabelecido em relação à coisa, mas em
relação a nós. 1 2

Mas - perguntaremos -, ao tratar das virtudes éticas,


a que se referem o "excesso': a "escassez" e o "meio-termo"
mencionados? Referem-se - esclarece Aristóteles - a senti­
mentos, paixões e ações. A virtude ética, portanto, é o meio­
-termo entre os dois extremos da paixão, que se produzem
por escassez ou por excesso. É óbvio, para todos os que com­
preenderam bem essa doutrina aristotélica, que a posição
intermediária não é a mediocridade e tampouco é sua antíte­
se; o "justo meio" está nitidamente acima dos extremos e re­
presenta, por assim dizer, sua superação, portanto, como bem
diz Aristóteles, um "ápice': ou seja, o ponto mais elevado da
perspectiva do valor, já que marca a afirmação da razão sobre

118
V. A FILOSOFIA MORAL: ANÁLI SE DA ÉTICA A NICÔMA C O

o irracional: " [ ... ] em relação à sua essência e à razão que es­


tabelece sua natureza, a virtude é uma posição intermediária;
mas, em relação ao bem e à perfeição, ela ocupa o lugar mais
elevado': 1 3
Temos aqui quase uma síntese de toda aquela sabedoria
grega que encontrou sua expressão mais típica nos poetas
gnômicos e nos Sete Sábios, e que apontou mais de uma vez
o meio-termo, o nada em demasia, a justa medida, como re­
gra suprema do agir moral, regra que é como uma chave
paradigmática do modo de sentir helênico. Temos também a
assimilação da lição pitagórica, que situava a perfeição no li­
mite (o péras) ; e sobretudo um eco preciso do conceito de
"justa medida'', que teve grande importância especialmente
no último Platão.
A doutrina da virtude ética como "justo meio" entre dois
extremos é ilustrada por uma ampla análise das principais
virtudes éticas (ou, melhor, daquelas que o grego de então
considerava essenciais) , naturalmente não deduzidas segun­
do um fio condutor preciso, mas empírica e quase rapsodi­
camente elencadas. A virtude da coragem é o "justo meio"
entre os excessos de temeridade e de covardia; a coragem,
desse modo, é a j usta medida imposta ao sentimento de
medo que, quando desprovido de controle racional, pode
degenerar, na escassez, em covardia e, no excesso, em teme­
ridade. A temperança é o "justo meio" entre os excessos de
intemperança ou devassidão ou de insensibilidade; a tempe­
rança, portanto, é o comportamento justo que a razão impõe
diante de determinados prazeres. A liberalidade é o "justo
meio" entre a avareza e a prodigalidade; a liberalidade, assim,
é o comportamento justo que a razão impõe em relação ao
uso do dinheiro - e assim por diante.
Entre as virtudes éticas, o Estagirita não hesita em apon­
tar a justiça como a mais importante (e dedica todo o quinto

119
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

livro à análise desse ponto ) . Num primeiro sentido, a justiça


é o respeito à lei do Estado; e como a lei do Estado (do Esta­
do grego) abarca toda a área da vida moral, a justiça, nesse
sentido, compreende de certo modo toda a virtude. "Por
isso': comenta Aristóteles, antecipando a célebre proposição
da Crítica da razão prática, de Kant, "a justiça é muitas vezes
considerada a maior das virtudes, e 'nem V ésper nem a estre­
la-d' alva' são tão admiráveis. Como diz o provérbio, na justi­
ça estão compreendidas todas as virtudes juntas." 14 Mas o
significado específico da justiça, que Aristóteles analisa com
acurácia, diz respeito à repartição de bens, vantagens e ga­
nhos. A justiça, entendida nesse sentido, consiste na justa
medida com que se devem repartir benefícios, vantagens e
ganhos, ou males e desvantagens, e ela consiste numa posição
intermediária "porque é característica do justo meio, enquan­
to a injustiça é característica dos extremos". 15
De maneira geral, as abundantes e requintadas análises
sobre os vários aspectos de cada virtude ética que Aristóte­
les empreende permanecem, no máximo, num plano apenas
fenomenológico. Pode-se dizer, aliás, que muitas vezes as
convicções morais da sociedade a que pertencia exerceram
uma influência decisiva sobre ele - como, por exemplo, no
caso da descrição da magnanimidade, que deveria ser uma
espécie de coroação das virtudes, mas, ao contrário, transfor­
ma-se numa pesada hipoteca que o gosto da época impõe
à doutrina aristotélica.

As virtudes dianoéticas

Acima das virtudes éticas, segundo Aristóteles, estão as ou­


tras, que, como mencionamos, são as virtudes da parte mais
elevada da alma, ou seja, da alma racional; são, portanto, vir­
tudes dianoéticas, ou virtudes da razão. E posto que duas são
as partes ou funções da alma racional - uma que conhece as

1 20
V. A f ! LOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA ÉTICA A NICÔMA CO

coisas contingentes e variáveis, outra que conhece as coisas


necessárias e imutáveis -, logicamente haverá uma perfei­
ção, ou virtude, da primeira e uma perfeição, ou virtude, da
segunda. Essas duas partes da alma racional são basicamente
a razão prática e a razão teórica, e as respectivas virtudes são
as formas perfeitas com as quais se apreendem a verdade prá­
tica e a verdade teórica.
A virtude típica da razão prática é a "sensatez" (phrónesis) ,
enquanto a virtude típica da razão teórica é a "sabedoria"
( sophía) .
A "sensatez" consiste em conseguir governar corretamen­
te a vida do homem, ou seja, saber deliberar a respeito do que
é bom ou mau para o homem. Esta, diz Aristóteles, é "uma
capacidade prática acompanhada do raciocínio verdadeiro
sobre aquilo que é bom ou mau para o homem". 1 6 Para uma
compreensão exata da doutrina aristotélica, é importante ob­
servar que a phrónesis, ou sensatez, ajuda a deliberar correta­
mente a respeito dos verdadeiros objetivos do homem, no
sentido de que aponta os meios capazes de atingir os fins
verdadeiros; ou seja, ajuda a identificar e obter as coisas que
levam a tais fins, mas não indica nem determina os próprios
fins. Os verdadeiros fins e o objetivo verdadeiro são apreen­
didos pela virtude, que dirige a vontade de modo correto. Eis
o que Aristóteles diz: ''A obra humana se cumpre pela sensa­
tez e pela virtude ética; a virtude aponta a retidão dos propó­
sitos, enquanto a sensatez torna os meios corretos."1 7
É evidente, portanto, que as virtudes éticas e a virtude
dianoética da sensatez estão ligadas entre si numa via de mão
dupla. Eis o que afirma Aristóteles: "a) não é possível ser vir­
tuoso sem a sensatez; b) não é possível ser sensato sem a
virtude ética". 1 8
A outra virtude dianoética, a mais elevada, é, como disse­
mos, a sabedoria ( sophía) . Ela é constituída pela apreensão

121
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

intuitiva dos princípios por meio do intelecto, ou pelo co­


nhecimento discursivo das consequências que derivam desses
princípios. A sabedoria é uma virtude mais elevada que a
sensatez porque esta última diz respeito ao homem e, portan­
to, também a tudo que há nele de mutável; a sabedoria diz
respeito àquilo que está acima do homem. O homem é o
melhor dos seres viventes; contudo, diz Aristóteles,
[ . ] há outras coisas muito mais divinas; para ficar só nas
. .

mais visíveis, há os astros que compõem o Universo. Por


tudo o que foi dito, é evidente que a sabedoria é ao mes­
mo tempo ciência e intelecto das coisas mais elevadas por
natureza.19

A perfeita felicidade

De vez que, como vimos no início, a felicidade é uma ativida­


de conforme à virtude, agora está claro em que ela consiste.
Em primeiro lugar, consiste na atividade do intelecto confor­
me a sua virtude; o intelecto é aquilo que há de mais elevado
em nós, e a atividade do intelecto é atividade perfeita, autos­
suficiente, tem em si o próprio fim, pois tende ao conheci­
mento em si. Na atividade de contemplação intelectiva o ho­
mem atinge o ápice de suas possibilidades e põe em ato o que
há de mais alto em si. Escreve Aristóteles:
[ . ] se a atividade do intelecto, que é contemplativa, parece
..

superior em dignidade, além de não contemplar nenhum


outro fim senão ela mesma - o fim de ter em si o seu pró­
prio prazer perfeito (que intensifica a atividade), de ser au­
tossuficiente, fácil e ininterrupta, na medida das possibilida­
des do homem -, também parece que todas as qualidades
atribuídas aos homens felizes se encontram nessa atividade;
então ela será a felicidade perfeita do homem, desde que
perdure pela vida inteira, pois, de fato, nada do que diz res­
peito à felicidade pode ser incompleto. No entanto, uma
vida assim será superior à natureza do homem; pois não é

1 22
V. A F I LOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA É TICA A NICÔMACO

por ser homem que ele viverá dessa maneira, mas porque
tem em si algo de divino; e na mesma medida em que esse
algo supera a estrutura composta do homem, também sua
atividade superará a atividade conforme às outras virtudes.
Se, portanto, o intelecto é algo de divino em comparação
com a natureza do homem, também a vida conforme ao
intelecto será divina se comparada à vida humana. Porém,
não se deve dar ouvido àqueles que aconselham que, sendo
homens, devemos nos ater às coisas humanas; e, sendo mor­
tais, às coisas mortais; devemos, antes, tanto quanto possí­
vel, agir como imortais e tudo fazer para viver segundo a
parte mais elevada que temos em nós, pois, ainda que ela
seja pequena em tamanho, supera em muito todo o resto
.
em potência e valor.2º

Em segundo lugar vem então a vida conforme às virtu­


des éticas. Elas dizem respeito à estrutura composta do ho­
mem e, enquanto tal, só podem proporcionar uma felicidade
humana.
A felicidade da vida contemplativa, ao contrário, de certa
forma, leva para além do humano; realiza, por assim dizer,
uma tangência à divindade cuja vida só pode ser contempla­
tiva. Escreve textualmente Aristóteles:
Portanto, a atividade do deus, que excele em bem-aventu­
rança, será contemplativa. Então, entre as atividades huma­
nas, aquela que tiver maior afinidade com ela será mais ca­
paz de produzir felicidade. Prova disso é o fato de que todos
os outros seres vivos não participam da felicidade, pois são
completamente desprovidos dessa faculdade. Na verdade,
para os deuses, toda a vida é bem-aventurada; porém, para os
homens, ela o é apenas à medida que puderem ter uma ativi­
dade semelhante àquela; nenhum outro ser vivente é feliz, pois
de modo algum participa da especulação. Logo, tanto quanto
se estender a especulação também irá se estender a felici­
dade; naqueles em que a especulação é maior, a felicidade
também será maior; isso não acontece por acaso, mas graças

1 23
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

à especulação: ela tem valor em si. Assim, a felicidade é uma


espécie de especulação.21

Psicologia do ato moral

Sócrates reduziu as virtudes à ciência e ao conhecimento e


negou que o homem pudesse querer ou fazer voluntariamen­
te o mal. Platão em grande medida compartilhou essa con­
cepção; e, embora tivesse identificado forças irracionais no
espírito humano - a alma concupiscível e a alma irascível
-, capazes de se opor à alma racional, sempre acreditou que
a virtude humana consiste no domínio da razão e na submis­
são das forças irracionais à razão por meio da força da pró­
pria razão, pois para ele a virtude era sempre, em última aná­
lise, razão. Aristóteles tenta superar essa interpretação
"intelectualista" do fato moral. Como bom realista que era,
percebeu muito bem que uma coisa é conhecer o bem, outra
é pô-lo em ato, realizá-lo e transformá-lo, por assim dizer,
em substância das próprias ações; e tratou de determinar
mais de perto quais seriam os complexos processos psíquicos
que o ato moral pressupõe.
Em primeiro lugar, ele esclarece o que entende por "ações
involuntárias" e "ações voluntárias': Involuntárias são aquelas
realizadas por imposição ou por ignorância das circunstân­
cias; voluntárias são aquelas "em que o princípio motor está
em quem age, se ele conhece as circunstâncias particulares
em que a ação se desenvolve". 22
No entanto, se até esse ponto tudo parece lógico, de re­
pente a perspectiva muda, pois Aristóteles inclui entre as
ações voluntárias também as que foram ditadas pela impe­
tuosidade, pela ira e pelo desejo; portanto, chama de volun­
tárias as ações das crianças (e até de outros animais, posto
que têm origem neles próprios, logo, dependem deles) . É evi­
dente que, nesse sentido, "voluntárias" são as ações simples-

1 24
V. A FILOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA ÉTICA A NICÔMA CO

mente espontâneas, que se originam nos sujeitos que as rea­


lizam, não coincidindo com aquelas a que nós, modernos,
damos esse nome.
Mas o Estagirita prossegue na análise e mostra que os atos
humanos, além de "voluntários" no sentido mencionado, são
determinados por uma "escolha" (proaíresis) ; e afirma que
esta parece "uma coisa essencialmente própria da virtude e
mais apta que as ações para julgar os costumes".23 De fato, a
escolha não pertence à criança ou ao animal, mas apenas ao
homem que raciocina e reflete. A "escolha" sempre implica
raciocínio e reflexão, precisamente aquele tipo de raciocínio
e reflexão concernente às coisas e às ações que dependem
de nós e que participam da ordem dos realizáveis. Aristóte­
les chama esse tipo de raciocínio e reflexão de "deliberação".
A diferença entre deliberação e escolha é a seguinte: a delibe­
ração estabelece quais e quantos são os vários meios e as vá­
rias ações que cabe acionar para atingir determinados fins;
estabelece toda a série de coisas que cumpre realizar para
chegar a determinado fim, desde as mais remotas até as mais
próximas e imediatas; a escolha age sobre estas últimas, des­
cartando as irrealizáveis e pondo em ato as que considera
realizáveis. Assim, escreve Aristóteles:
O objeto da deliberação e o objeto da escolha são a mesma
coisa, salvo que o objeto da escolha já foi determinado, pois
o que se escolhe é aquilo que já foi decidido pela delibera­
ção. Na verdade, todos deixam de indagar como devem agir
quando fizeram voltar a si mesmos, à parte de si mesmos
que comanda, o princípio da ação: é essa que decide.24

Muitos estudiosos acreditaram ver nessa passagem aquilo


que chamamos de "vontade", pois a escolha é um apetite ou
um desej o deliberado; portanto, não é somente desej o ou
apetite, nem somente razão. Por infortúnio, quando se tenta

125
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

aprofundar a posição de Aristóteles, ela se revela extrema­


mente ambígua e esquiva. Na verdade, ele nega de modo ex­
presso que a escolha possa se identificar à vontade ( boúlesis) ,
pois a vontade diz respeito apenas aos fins, enquanto a esco­
lha (assim como a deliberação) diz respeito aos meios. Então,
se é verdade que a escolha é aquilo que nos transforma em
autores de nossas ações, responsáveis por elas, ela não é o que
nos torna verdadeiramente bons, pois só os fins a que nos
propomos alcançar podem ser bons, enquanto a escolha ( as­
sim como a deliberação) refere-se apenas aos meios. Assim, o
princípio primeiro, aquele do qual depende nossa moralida­
de, está antes na volição do fim.
E o que é a volição do fim? Das duas, uma: ou é uma ten­
dência infalível para o bem, para aquilo que é verdadei­
ramente o bem, ou é uma tendência para aquilo que nos
parece o bem. No primeiro caso, é evidente que a escolha
incorreta jamais será voluntária, mas, como dizia Sócrates,
será uma espécie de ignorância, um erro, um equívoco. No
segundo caso, seria preciso concluir que "aquilo que se deseja
não é desejado por natureza, mas é desejado segundo o que
parece bom a cada um. Como, para uns, uma coisa parece
boa, enquanto para outros outra coisa parece boa, se assim
fosse, o desejado poderiam ser coisas contrárias":25 isso signi­
ficaria que ninguém seria considerado bom ou mau; ou, o
que dá no mesmo, todos seriam bons porque todos fariam o
que lhes parece bem. Aristóteles acredita que pode sair desse
dilema do seguinte modo:
[ J devemos dizer que o objeto da vontade no sentido ab­
...

soluto e verdadeiro é o bem, mas, para cada um de nós em


particular, o objeto da vontade é aquilo que parece bem;
para quem é virtuoso, o que é verdadeiramente bom; para
quem é vicioso, qualquer coisa; assim como, no caso dos
corpos, as coisas verdadeiramente saudáveis o são para os

126
V. A F I LOSOFIA MORAL: ANÁLISE DA É TICA A NICÔMACO

corpos bem-dispostos, enquanto para os enfermos, ao con­


trário, outras coisas é que são saudáveis; o mesmo vale em
relação às coisas amargas, doces, quentes, pesadas e assim
por diante. Quem é virtuoso avalia corretamente todas as
coisas, e em cada uma delas a verdade lhe aparece. Na reali­
dade, para cada disposição de caráter, são belas e agradáveis
as coisas que a ela se adaptam, e talvez o homem virtuoso
seja diferente dos outros sobretudo porque é capaz de dis­
tinguir a verdade em cada coisa, sendo ele mesmo norma
e medida dessas coisas. Na maioria dos homens, porém,
o engano vem do prazer, que parece bom, mas na verdade
não o é. Por isso eles escolhem o agradável como um bem e
evitam o doloroso como um mal.26

Se é assim, contudo, estamos andando em círculos: para


me tornar e ser bom devo desejar os fins bons, mas só serei
capaz de reconhecê-los se eu for bom. A verdade é que Aristó­
teles entendeu muito bem que somos responsáveis por nos­
sas ações, causas de nossos próprios atos morais, causas do
próprio modo como as coisas nos parecem ser moralmente;
mas não soube dizer por que isso é assim e qual é, dentro de
nós, a raiz de tudo isso. Ou seja, não soube determinar corre­
tamente a verdadeira natureza da vontade e do livre-arbítrio.
Isso explica por que, mesmo reprovando Sócrates, ele retoma
por vezes as posições socráticas, afirmando, por exemplo,
que o incontinente erra, pois, no momento em que comete a
ação de incontinência, não tem perfeita consciência; e que o
conhecimento é determinante no que diz respeito ao agir
moral. Explica também por que Aristóteles chega inclusive a
dizer que, quando um homem se torna vicioso, não p ode
mais deixar de sê-lo, embora antes fosse possível não se tor­
nar vicioso. 2 7
Contudo, é justo reconhecer que, sem obter êxito comple­
to, Aristóteles entreviu melhor que todos os seus antecessores
que o fato de ser bom ou mau depende de algo que existe

127
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

dentro de nós, que não consiste em simples desejo irracional,


mas que tampouco é razão pura. Essa alguma coisa, contudo,
lhe escapa, e ele não consegúe determiná-la. Aliás, devemos
reconhecer objetivamente que nenhum grego conseguiria
esse feito, e que o homem ocidental só iria entender a vonta­
de e o livre-arbítrio com o advento do cristianismo.

NOTAS
1. Eth. Nic. A 2, 1 .094 b 7- 1 0 (a tradução dos trechos da Ética a Nicômaco
que citaremos aqui são de A. Plebe, Laterza, Bari, 1 957, hoje também em
Aristóteles, Opere, op. cit.).
2. Eth. Nic. A 5, 1 .095 b 20.
3. Eth. Nic. A 5, 1 .095 b 24-26.
4. Eth. Nic. A 5, 1 .096 a 5-7.
5 . Eth. Nic. A 7, 1 .098 a 1 2-20.
6. Eth. Nic. 1 4, 1 . 1 66 a 1 6 ss.
7. Eth. Nic. 1 8, 1 . 1 69 a 2 ss.
8. Eth. Nic. K 7, 1 . 1 78 a 2 ss.
9. Eth. Nic. A 8, 1 .098 b 1 2- 1 5.
1 0 . Eth. Nic. A 1 3 , 1 . 102 b 2 ss.
1 1 . Eth. Nic. A 1 3 , 1 . 1 02 a 13 ss.
1 2 . Eth. Nic. B 6, 1 . 1 06 a 26- 1 . 1 06 b 7.
1 3 . Eth. Nic. B 6, 1 . 1 07 a 6-8.
14. Eth. Nic. E 1 , 1 . 1 29 b 27-30.
15. Eth. Nic. E 5, 1 . 133 b 32- 1 . 1 34 a 1 .
16. Eth. Nic. Z 5 , 1 . 140 b 4-6.
17. Eth. Nic. Z 12, 1 . 1 44 a 6-9.
18. Eth. Nic. Z 13, 1 . 1 44 b 3 1 -33.
1 9 . Eth. Nic. Z 7, 1 . 1 4 1 a 34- 1 . 1 4 1 b 2 (em que nos afastamos da tradução de
Plebe) .
2 0 . Eth. Nic. K 7, 1 . 1 77 b 1 9 - 1 . 178 a 2 .
2 1 . Eth. Nic. K 8, 1 . 1 78 b 2 1 -32.
22. Eth. Nic. r 1, 1 . 1 1 1 a 22-24.
23. Eth. Nic. r 2, 1 . 1 1 1 b 5 ss. (Divergimos de Plebe na interpretação do termo
itpoaípecrtç, que, a nosso ver, não se expressa apropriadamente como
"proposição", mas traduz-se melhor como "escolha': vocábulo muito mais
claro e mais de acordo com o original grego.)
24. Eth. Nic. r 3, 1 . 1 1 3 a 2-7 (afastamo-nos parcialmente da tradução de Plebe) .
2 5 . Eth. Nic. r 4, 1 . 1 1 3 a 20 ss.
26. Eth. Nic. r 4, 1 . 1 1 3 a 23, 1 . 1 1 3 b 2.
27. Cf. Eth. Nic. r 5, passim.

128
VI.

A DOUTRINA DO ESTADO:
ANÁLISE DA POLÍTICA

Conceito de Estado

Vimos que, para o Estagirita, embora o bem singular do in­


divíduo e o bem do Estado tenham a mesma natureza (posto
que ambos consistem na virtude) , o bem do Estado é mais
importante, mais nobre, mais perfeito e mais divino. A razão
disso reside na própria natureza do homem, ao demonstrar
com clareza que ele é absolutamente incapaz de viver isolado
e que precisa, para ser ele mesmo, estabelecer relações com
seus semelhantes em todos os momentos de sua existência.
Em primeiro lugar, a natureza distinguiu os homens em
machos e fêmeas, que se unem para formar a primeira co­
munidade, a família, para procriação e satisfação das neces­
sidades elementares (para Aristóteles, o núcleo familiar in­
cluiria também o escravo que, como veremos, é escravo por
natureza) .
Como as famílias não bastam a s i mesmas, surgiu a aldeia,
que é uma comunidade mais ampla, criada para garantir as
necessidade da vida de modo orgânico e sistemático.
Se a família e a aldeia são suficientes para garantir as ne­
cessidades básicas da vida em geral, elas não bastam para as­
segurar as condições da vida perfeita, ou seja, da vida moral.
Essa forma de vida, que bem poderíamos chamar de espi­
ritual, só pode ser assegurada pelas leis, pelas magistraturas
e, em geral, pela complexa organização de um Estado. É no
Estado que o indivíduo, instado pelas leis e pelas instituições
políticas, é levado a deixar seu egoísmo e a viver não mais

129
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

segundo o subjetivamente bom, porém, segundo o verdadei­


ra e objetivamente bom. Assim, o Estado, que cronologica­
mente é último, torna-se pri m eiro do ponto de vista ontoló­
gico, pois se configura como o "todo" do qual a família e a
aldeia são as "partes", e, ontologicamente, o todo precede as
partes, pois somente o todo dá sentido a elas. Assim, só o
Estado dá sentido às outras comunidades e só ele é autossu­
ficiente. Eis o que diz Aristóteles: "Quem for incapaz de fazer
parte de uma comunidade, quem não precisa de nada, bas­
tando-se a si mesmo, é uma besta ou um deus, não uma par­
te da cidade." 1

O cidadão

Em primeiro lugar, Aristóteles analisa a família e os proble­


mas da administração familiar. E aqui o filósofo se deixa real­
mente condicionar pelas estruturas sociopolítico-culturais de
seu tempo, a ponto de ir contra seus próprios princípios me­
tafísicos. Ele repete o preconceito grego segundo o qual a
mulher é "por natureza" inferior ao homem porque possui
menos "razão" que ele. Reitera também o preconceito segun­
do o qual há homens escravos "por natureza" - seriam
aqueles homens em que o instinto e a sensibilidade predomi­
nam sobre a razão (os escravos, para Aristóteles, eram tão
necessários quanto os animais domésticos, indispensáveis
para os serviços relativos às necessidade do corpo, aos quais
um homem "livre" não deve se dedicar).2 Posto que Aristóte­
les, sempre condicionado pelos preconceitos helênicos, con­
sidera que, entre os bárbaros, ao contrário do que acontece
entre os gregos, o instinto e a sensibilidade predominam so­
bre a razão, ele também considera "justo" e "natural" que os
bárbaros sejam submetidos aos gregos e se tornem escravos
deles, quando capturados em guerra.

130
VI. A DOUTRINA DO ESTA D O : ANÁLISE DA POLÍTICA

Bem mais razoáveis, embora dentro dos limites das con­


dições econômicas de seu tempo, são as observações de Aris­
tóteles acerca da administração da família e da aquisição de
riquezas. Uma economia saudável deve fornecer o necessário
para se viver; portanto, deve compreender apenas as ativida­
des naturais (caça, pecuária e agricultura) ou a troca, ex­
cluindo qualquer comércio e qualquer atividade que tenha
como base o dinheiro, pois esta objetiva o aumento indiscri­
minado das riquezas. Uma economia baseada nessas últimas
atividades perderia de mira o verdadeiro propósito do viver e
acabaria fatalmente dedicando-se à produção de bens mate­
riais, em vez de usá-los para a vida. Esta seria transformada
em meio, deixando de ser um fim. 3
Da análise da família Aristóteles passa (depois de pesadas
críticas ao comunismo platônico ) 4 ao exame do Estado, sem
aprofundar as questões relacionadas à aldeia (que, como vi­
mos, era o segundo elemento constitutivo do Estado) . A pro­
pósito, como muitos já notaram, ele apresenta a questão de
um ponto de vista diferente. Como o Estado é composto de
cidadãos, trata-se de estabelecer quem é o cidadão.
Para ser cidadão de uma cidade, não basta residir em seu
território, nem gozar do direito de impetrar uma ação judi­
cial, nem sequer ser descendente de cidadãos. Para ser cida­
dão é necessário "participar dos tribunais e das magistra­
turas'', é preciso fazer parte da administração da justiça e da
assembleia que legisla e governa a cidade.5
Mais que nunca, reflete-se nessa definição a característica
peculiar da pólis grega, onde o indivíduo só se sentia cidadão
se participasse diretamente do governo da coisa pública em
todos os seus momentos (fazer leis, tratar de sua aplicação,
administrar justiça) . Por conseguinte, nem o colono nem um
membro de uma cidade conquistada podiam se sentir ou ser
considerados "cidadãos". Mas tampouco os operários podiam

131
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

ser verdadeiros cidadãos, mesmo que fossem homens livres


( isto é, embora não fossem imigrantes, nem estrangeiros,
nem escravos) , pois eles não dispunham do tempo necessário
para exercer as funções que, para Aristóteles, são essenciais.
Assim, os cidadãos de uma cidade são muito poucos, e todos
os outros homens da própria cidade acabam se transforman­
do, de certa maneira, em meios para a satisfação das necessi­
dades dos primeiros. Os operários se diferenciam dos escra­
vos porque, enquanto estes servem às necessidades de uma só
pessoa, aqueles servem às necessidades públicas, mas nem
por isso deixam de ser meios. 6
Dessa forma, embora Aristóteles afirmasse que "não de­
vem ser considerados cidadãos todos aqueles sem os quais a
cidade não subsiste", 7 a história acabou por demonstrar que
a verdade é justamente o contrário; para isso, contudo, foram
necessárias várias revoluções, e até hoje é difícil pôr em prá­
tica essa verdade, embora ela já tenha sido plenamente con­
quistada no plano teórico.

O Estado e suas formas possíveis

O Estado, cujas naturezas e finalidade já estabelecemos, pode


ser posto em prática sob diferentes formas, isto é, sob dife­
rentes "constituições". Eis a maneira como Aristóteles define
a constituição: " [ ... ] é a estrutura que dá ordem à cidade, es­
tabelecendo o funcionamento de todos os cargos e sobretudo
da autoridade soberana". 8 Ora, claro que, a partir do momen­
to em que essa autoridade soberana pode se realizar sob di­
versas formas, as constituições serão tantas quantas forem as
formas. O poder soberano pode ser exercido: a) por um só
homem; b) por poucos homens; c) pela maior parte dos ho­
mens. Mas isso não é suficiente. Cada uma dessas três formas
de governo pode ser exercida de modo correto, de modo in­
correto ou, mais precisamente:

132
VI. A DOUTRINA DO ESTA D O : ANÁLISE DA POLÍTICA

Quando um só, poucos ou a maioria exerce o poder tendo


em vista o interesse comum, então há necessariamente as
constituições justas; quando um, poucos ou a maioria exer­
ce o poder tendo em vista seu interesse privado, então há os
desvios.9

Assim, há três formas de constituição justa: a) monarquia;


b) aristocracia; c) politeia. A elas corresponde o mesmo nú­
mero de formas de constituição ilegítimas: a) tirania; 2) oli­
garquia; 3) democracia. ( Para melhor compreensão, o leitor
moderno deve ter em mente o que o Estagirita entende por
"democracia": um governo que, deixando de lado o bem de
todos, visa a favorecer os interesses dos mais pobres de modo
indevido. Por conseguinte, ele dá ao termo a acepção negati­
va que hoje atribuiríamos à palavra "demagogia"; Aristóteles,
na verdade, faz questão de esclarecer que o erro em que in­
corre a democracia é considerar que, como todos são iguais
em liberdade, podem e devem ser iguais também em todo
o resto.)
Qual a melhor entre essas três constituições?
A resposta de Aristóteles é plurívoca. Antes de mais nada,
é preciso dizer que as três formas de governo, quando exerci­
das com retidão, são naturais e portanto boas, porque o bem
do Estado consiste em visar ao bem comum. No entanto, é
evidente que, se existisse numa cidade um homem que supe­
rasse a todos, o poder monárquico caberia a ele; e se houves­
se um grupo de indivíduos excelentes em virtude, seria o caso
de um governo aristocrático. Portanto, em tese, a monarquia
seria a melhor forma de governo, desde que houvesse na ci­
dade um homem excepcional; a aristocracia o seria, por sua
vez, quando houvesse um grupo de homens excepcionais.
Mas como tais condições não se verificam na realidade, Aris­
tóteles, com seu forte senso de realidade, indica a politeia
como forma de governo mais conveniente para a cidade gre-

1 33
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

ga de seu tempo; nela não havia um ou poucos homens ex­


cepcionais, mas muitos homens, que, não sendo excelentes
na virtude política, eram capazes de comandar e ser coman­
dados, alternadamente, segundo a lei.
A politeia é quase um meio-termo entre a oligarquia e a
democracia; ou, como os estudiosos bem observaram, uma
democracia temperada com oligarquia; de fato, quem gover­
na é uma multidão (como na democracia) , não uma minoria
(como na oligarquia); porém não se trata de uma multidão
pobre (ao contrário da democracia) , mas de uma multidão
suficientemente abastada para servir ao exército e que se des­
taca também na capacidade e na virtude guerreiras. Como se
pode ver, a politeia dosa as qualidades e elimina os defeitos
das duas formas desviantes; portanto, no esquema geral tra­
çado pelo Estagirita, ela acaba se situando em posição um
tanto anômala, pois está num plano diverso, seja em relação
às duas primeiras constituições perfeitas, seja em relação às
três imperfeitas. A politeia, portanto, como já observaram os
estudiosos, é a constituição que valoriza "a classe média", que,
justamente por ser "média'� oferece maiores garantias de es­
tabilidade. Eis as afirmações explícitas de Aristóteles:
Uma cidade almeja ser constituída, na medida do possível,
por cidadãos iguais e semelhantes entre si, e isso acontece
sobretudo com cidadãos pertencentes às classes médias; por
isso a cidade mais bem governada será aquela em que se
realizam tais condições, das quais deriva por natureza a pos­
sibilidade da comunidade de cidadãos. De mais a mais, jus­
tamente a classe que funda essas possibilidades, ou seja, a
classe média, é que tem sua existência garantida na cidade.
Os que a ela pertencem, por não serem pobres, não desejam
as condições dos demais, nem os outros desejam as deles,
como acontece com os ricos, cuja posição é invejada pelos
pobres. Por isso, não tramando contra os outros e não sen­
do objeto de tramas, eles passam a vida sem perigos. Como

1 34
VI. A DOUTRINA DO ESTADO: ANÁLISE DA P OLÍTICA

dizia Focílides: "Muitas coisas são ótimas por sua posição


intermediária, e é nessa posição que quero estar na cidade."
É evidente, portanto, que a melhor comunidade política é a
que se baseia na classe média; as cidades que se encontram
nessas condições podem ser bem governadas; isto é, aquelas
- digo - em que a classe média é mais numerosa e mais
poderosa que as duas classes extremas ou pelo menos uma
delas. 10

Portanto, assim como na ética, também na política o con­


ceito de "meio-termo" desempenha papel fundamental.

O Estado ideal

Não cabe falar aqui, dado seu caráter minucioso e até técnico,
das análises que Aristóteles elabora nos livros IV, V e VI da
Política (dedicados ao exame dos vários gêneros e espécies
de constituição, das várias formas de revolução, das causas
que as determinam e de como é possível preveni-las) . O Es­
tagirita dá provas de um extraordinário conhecimento his­
tórico, uma compreensão p enetrante e fina sagacidade no
entendimento dos fatos e acontecimentos políticos que são
realmente notáveis.
Em contrapartida, despertam maior interesse, no que diz
respeito à problemática propriamente filosófica, os últimos
dois livros, dedicados à análise do Estado ideal. À medida
que, para Aristóteles, a concepção de Estado, como vimos,
é fundamentalmente moral, não é de admirar que ele centra­
lize seu discurso antes nos problemas morais e educativos
que nos aspectos técnicos relativos às instituições e às ma­
gistraturas. Vimos na Ética que os bens pertencem a três gê­
neros diferentes: bens exteriores, bens corporais e bens es­
pirituais da alma. E vimos também em que sentido os dois
primeiros devem ser considerados simples meios para a rea­
lização dos terceiros. Isso vale - diz Aristóteles - tanto para

135
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

o indivíduo quanto para o Estado, que também deve bus­


car os dois primeiros de maneira limitada e exclusivamente
em função dos bens espirituais, pois a felicidade consiste ape­
nas neles.
Eis as condições ideias para dar lugar a um Estado feliz: ' '
a ) Quanto à população, condição primeira d a atividade
política, ela não deve ser nem muito pequena nem numerosa
demais, mas na medida justa. De fato, uma cidade que tem
poucos cidadãos não poderá ser autossuficiente, e a cidade
deve bastar a si mesma. Aquela que tem um número grande
demais de cidadãos, por sua vez, dificilmente será governável.
Ninguém pode ser general de um grande número de cida­
dãos. Ninguém pode ser o arauto de uma cidade populosa
demais se não tiver a voz do guerreiro Estentor. Os cidadãos
não irão conhecer uns aos outros, e, portanto, não poderão
distribuir os cargos com conhecimento de causa. Em suma,
Aristóteles quer uma cidade na medida do homem.
b) Também o território deve apresentar características
semelhantes. Deverá ser grande o suficiente para fornecer o
necessário à vida, sem produção excedente. Deverá ser alcan­
çável com a vista. Deverá ser difícil de atacar e fácil de defen­
der, em posição favorável tanto em relação ao interior quanto
em relação ao mar.
c) As qualidades ideais do cidadão são - na opinião de
Aristóteles - exatamente as mesmas que os gregos apresen­
tam: quase um meio-termo e uma síntese das qualidades dos
povos nórdicos e dos povos orientais. ( Inútil dizer que, tam­
bém nesse parecer, o Estagirita é vítima dos mesmos precon­
ceitos que fizeram com que se acreditasse que os "bárbaros"
eram escravos "por natureza". )
d ) Aristóteles examina então a s funções essenciais para a
cidade e sua distribuição ideal. Para subsistir, uma cidade
deve possuir: cultivadores de terra que forneçam alimentos;

136
VI. A DOUTRINA DO ESTA D O : ANÁLISE DA POLÍTICA

artesãos que forneçam instrumentos e manufaturas; guerrei­


ros para defendê-la dos rebeldes e dos inimigos; comerciantes
que produzam riqueza; homens que estabeleçam o que é útil
à comunidade e quais são os direitos recíprocos do cidadão;
sacerdotes que cuidem do culto.
Pois bem: a boa cidade impede que todos os cidadãos
exerçam todas essas funções. De início, na cidade ideal, não
deverá ser praticada uma forma de vida particular, como a
dos agricultores, operários ou ainda dos comerciantes; esses
são modelos de vida ignóbeis e contrários à virtude, e, de
todo modo, capazes de impedir o exercício da virtude, pois
não propiciam a disponibilidade e o tempo livre necessários
para isso. Os camponeses, portanto, serão escravos, e os ope­
rários e comerciantes não farão parte dos "cidadãos". Os ver­
dadeiros cidadãos tratarão apenas da guerra, do governo e do
culto. Por sua natureza, tais funções, que exigem virtudes di­
versas (o guerreiro deve ter força, o juiz e o legislador, sensa­
tez), terão de estar a cargo de pessoas diversas; mas isso difi­
cilmente seria aceito pelos guerreiros, que, possuindo a força
militar, em qualquer caso exigiriam também o poder político.
A solução proposta por Aristóteles é a seguinte: as mes­
mas pessoas exerceriam essas funções em tempos diversos.
"A natureza determina que os jovens possuam a força e os
velhos, a sensatez, de modo que é útil e justo dividir os pode­
res tendo em conta esse fato." 1 2 Assim, os cidadãos serão pri­
meiro guerreiros, depois conselheiros e enfim sacerdotes. To­
dos eles serão abastados e - como camponeses, operários e
mercadores encarregam-se de fornecer o que é preciso para
satisfazer as necessidades materiais - terão todo o seu tem­
po disponível para o exercício da virtude e para a plena rea­
lização da vida feliz. Desse modo, o "bem viver" e a felicidade
são concedidos apenas a esse número restrito de "cidadãos";
todos os outros, mesmo que vivam e atuem na cidade, são

137
I NTRODUÇÃO A ARI STÓTELES

reduzidos a simples "condições necessárias" para a vida fe­


liz dos demais, e estarão, portanto, condenados a uma vida
infra-humana. Aqui estamos diante do habitual condicio­
namento histórico-social que limita profundamente o pen­
samento aristotélico sobre esse tema, situando-o numa di­
mensão muito distante da nossa, pois, de forma substancial,
o filósofo julga necessário que muitos homens vivam uma
vida infra-humana ou não perfeitamente humana para que
os demais possam viver a plena e perfeita vida humana, e
considera tudo isso "natural".
e) Ainda há, contudo, um ponto essencial. A felicidade
da cidade depende da virtude, mas a virtude vive em cada
cidadão; portanto, a cidade só pode se tornar e ser feliz à
medida que cada cidadão se torne e seja virtuoso. Como cada
homem pode se tornar virtuoso e bom? Em primeiro lugar,
deve haver certa disposição natural que, em seguida, recebe a
influência dos hábitos e costumes, ou seja, dos pensamentos
e discursos. Ora, a educação age justamente sobre hábitos e
pensamentos; por conseguinte, ela é fator de enorme impor­
tância no Estado.
Os cidadãos devem ser educados de modo fundamental­
mente igual para que sejam capazes, em seus turnos, de
obedecer e comandar, posto que, sempre em turnos, deve­
rão obedecer (quando forem jovens) e em seguida comandar
(quando se tornarem homens maduros) . Em particular, dado
que a virtude do cidadão bom e do homem bom é idêntica, a
educação deverá ter em mira, de modo substancial, a forma­
ção de homens bons; ela deverá fornecer os meios para que o
ideal estabelecido pela ética se realize, isto é, para que o corpo
viva em função da alma, as partes inferiores da alma em fun­
ção das superiores, e, em particular, para que se realize o ideal
da pura contemplação. Escreve o filósofo:

138
VI. A DOUTRINA DO ESTADO: ANÁLISE DA POLÍTICA

Introduzindo nas ações uma distinção análoga à que foi


feita em relação às partes da alma, poderemos dizer que são
preferíveis aquelas que derivam da melhor parte da alma,
pelo menos para quem saiba comparar todas ou ao menos
duas partes da alma, pois todos consideram melhor aquilo
que tende para um fim mais elevado. Qualquer tipo de vida
ainda pode ser dividido em dois, segundo sua tendência
para as ocupações e o trabalho ou para a liberdade em re­
lação a qualquer compromisso, ou para a guerra ou para a
paz; em conformidade com essas distinções, as ações são
necessárias e úteis ou belas. Ao escolher esses ideais de vida,
é preciso seguir as mesmas preferências que valem para as
partes da alma e para as ações que delas derivam; é preciso
escolher a guerra tendo como objetivo a paz, o trabalho tendo
como objetivo a libertação em relação a ele, as coisas neces­
sárias e úteis para alcançar as belas. O legislador deve ter
em mente todos estes elementos que acabamos de anali­
sar, as partes da alma e as ações que as caracterizam, miran­
do sempre as melhores, de modo que sejam tomadas como
fins, não apenas como meios. Esse critério deve guiar o le­
gislador em seu comportamento diante das várias concep­
ções da vida e dos vários tipos de ação: é necessário atender
ao trabalho, fazer a guerra, praticar as coisas necessárias e
úteis; mais que isso, é preciso praticar o livre repouso, viver em
paz e fazer coisas belas [ou seja, contemplar] .13

O Estado, não os indivíduos privados, deverá ministrar


a educação, que tem início naturalmente com o corpo, de­
senvolvendo este primeiro que a razão; ela prossegue com a
educação dos impulsos, dos instintos e dos apetites; e, enfim,
encerra-se com a educação da alma racional. A tradicional
educação ginástico-musical grega é adotada pelo Estado aris­
totélico, e é com essa descrição que termina a Política.
Deve-se apenas reiterar que as classes inferiores estão ex-
cluídas da educação. Para Aristóteles, uma educação técnico­
-profissional é um contrassenso, pois não educaria em be­
nefício do homem, mas das coisas que servem ao homem,

1 39
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

enquanto a verdadeira educação é uma formação no sentido


de se tornar verdadeira e plenamente homem. Pretensão ad­
mirável esta, e que teria muito a dizer ainda hoje, se Aristóte­
les não pretendesse que, para que alguns possam se tornar e
ser perfeitamente homens, outros devem prosseguir presos
ao destino de ser homens pela metade.
Em suma, também na política a concepção metaempírica
da alma e dos valores da alma constitui a linha de força a
partir da qual se desenvolve todo o discurso aristotélico. Aqui
também Aristóteles se mostra bem mais próximo de Platão
do que se costuma acreditar: o Estagirita critica e rejeita cer­
tos aspectos aberrantes da República platônica, mas não seu
ideal básico.

NOTAS
1. Pol. A 2, 1 .253 a 27-30. A tradução dos trechos citados é de C. A. Viano,
"Política" e "Costituzione d'Atene" di Aristotele, Utet, Turim, 1 955.
2. Cf. Pol. A 5.
3. Pol. A 7 ss.
4. Pol. B.
5 . Pol. r 1 .
6 . Pol. r 5 .
7 . Pol. r 5 , 1 .278 a 2 ss.
8 . Pol. r 6, 1 .078 b 8 - 1 0 .
9. Pol. r 7, 1 .079 a 27-3 1 .
1 0 . Pol. Li 1 1 , 1 .295 b e 5-34.
1 1 . Cf. Pol. H 4 ss.
12. Pol. H 9, 1 .329 a 14- 1 7.
1 3 . Pol. H 14, 1 .333 a 26; 1 .333 b 3.

1 40
VII.

A FILOSOFIA DA ARTE:
ANÁLISE DA POÉTICA

Conceito de ciências produtivas

Já vimos que o terceiro gênero das ciências é constituído pe­


las "ciências poiéticas'', ou "ciências produtivas". Como diz o
nome, tais ciências ensinam a criar e a produzir coisas, obje­
tos, instrumentos, segundo regras e conhecimentos precisos.
Como é óbvio, trata-se das várias artes ou, como falamos,
ainda lançando mão de um termo grego, das "técnicas". Con­
tudo, na formulação do conceito de arte, os gregos visavam,
mais do que nós, ao momento cognitivo que ele pressupõe,
sublinhando, em especial, a contraposição entre arte e expe­
riência; na verdade, esta última implica uma repetição pre­
ponderantemente mecânica e não vai além do conhecimento
do quê, ou seja, do dado de fato, enquanto a arte vai além,
referindo-se ao conhecimento do porquê ou se aproximando
disso, e constitui, enquanto tal, uma forma de conhecimento.
Fica evidente, portanto, a razão da inclusão das artes no qua­
dro geral do saber, assim como o motivo de sua posição no
terceiro e último grau, pois elas são um saber, mas um saber
que não é fim em si mesmo e tampouco se volta para o bene­
fício do agir moral (como o saber prático) , mas para o bene­
fício do objeto produzido.
As ciências poiéticas, em seu conjunto, só indiretamente
dizem respeito à pesquisa filosófica. A exceção são as belas­
-artes, que se distinguem do conjunto das outras artes na
estrutura ou na finalidade.
Diz Aristóteles: "Algumas coisas que a natureza não sabe
fazer a arte faz; outras, ao contrário, ela imita.'' 1

141
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

Logo, há artes que completam e integram de algum modo


a natureza e, portanto, têm como fim a mera utilidade prag­
mática; e artes que, ao contrário, "imitam" a própria nature­
za, reproduzindo ou recriando alguns de seus aspectos com
material moldável, com cores, sons ou palavras, e cujos fins
não coincidem com os fins da mera utilidade pragmática. São
estas as chamadas "belas-artes", objeto de Aristóteles na Poé­
tica. Na verdade, o Estagirita limita-se à análise da poesia e,
a bem dizer, apenas da poesia trágica; apenas subordinada­
mente examina a poesia épica (numa parte da obra que se
perdeu, e teria tratado também da comédia). Mas algumas
das coisas que diz valem também para as belas-artes em ge­
ral, ou pelo menos podem ser estendidas às outras belas-ar­
tes. Dois são os conceitos que devem concentrar nossa aten­
ção para compreendermos qual é, na visão de Aristóteles, a
natureza do fato artístico: a) o conceito de "mimese" e b) o
conceito de "catarse".

A mimese poética

Comecemos pelo exame da mimese. Platão censurou a arte


com severidade justamente por se tratar de mimese, ou seja,
de imitação de coisas fenomênicas, as quais (como sabemos) ,
por sua vez, são imitações dos paradigmas eternos das Ideias;
desse modo, a arte seria cópia da cópia, aparência de apa­
rência, esgotando o verdadeiro até fazê-lo desaparecer. Aris­
tóteles opõe-se nitidamente a esse modo de conceber a arte
e interpreta a mimese artística a partir de uma perspectiva
oposta, transformando-a numa atividade que, longe de re­
produzir passivamente a aparência das coisas, quase recria as
coisas segundo uma nova dimensão.
Eis o texto basilar a respeito disso:
[ ] fica claro [ ] que não é ofício do poeta descrever as
... ...

coisas que realmente aconteceram, mas as que podem acon-

142
V I I . A F ILOSOFIA DA A RTE: ANÁLISE DA POÉTICA

tecer em determinadas circunstâncias, ou seja, coisas que


são possíveis segundo as leis da verossimilhança e da neces­
sidade. De fato, o historiador e o poeta não diferem porque
um escreve em versos, o outro em prosa; a história de He­
ródoto bem poderia ser posta em versos; e, mesmo em ver­
sos, não seria menos história. A verdadeira diferença é que
o historiador descreve fatos que realmente ocorreram, e o
poeta, fatos que poderiam ocorrer. Por isso a poesia é algo
mais filosófico e mais elevado que a história; a poesia tende,
de preferência, para a representação do universal, e a histó­
ria, para o particular. Podemos dar uma ideia do que signi­
fica "universal" com o seguinte exemplo: certo indivíduo de
tal ou qual natureza diz ou faz coisas de tal ou qual natureza
que correspondem às leis da verossimilhança ou da necessi­
dade; é justamente a isso que visa a poesia, ainda que dê
nomes próprios a seus personagens. Já o particular ocorre
quando se conta, por exemplo, o que fez Alcebíades ou o
que lhe aconteceu. 2

Essa passagem, sob muitos aspectos, é iluminadora.


a) Em primeiro lugar, Aristóteles entende muito bem que
a poesia não é poesia porque usa versos (um historiador po­
deria usar versos e nem por isso estaria fazendo poesia ) . Por­
tanto, é lícito dizer que não são os meios usados pela arte que
a determinam como arte.
b ) Em segundo lugar, Aristóteles identifica bem que a
poesia (e a arte em geral) também não depende de seu obje­
to, ou melhor, do conteúdo de verdade de seu objeto. Não é a
verdade histórica das pessoas, dos fatos e das circunstâncias
nela representada que lhe conferem o valor de arte. A arte,
claro, pode narrar coisas que efetivamente aconteceram, mas
só se torna arte quando acrescenta a essas coisas um certo quê
inexistente na narrativa puramente histórica (é interessante
lembrar que o Estagirita entende a narrativa histórica sobre­
tudo como crônica, como descrição de pessoas e fatos apenas
cronologicamente ligados) . Se as Histórias de Heródoto fos-

143
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

sem postas em versos, isso não geraria poesia; contudo, coisas


efetivamente acontecidas e narradas por Heródoto poderiam
se transformar em poesia. Como? Responde Aristóteles:
E ainda que ocorra a um poeta poetar sobre fatos que real­
mente aconteceram, ele não será menos poeta por isso; pois
nada impede que, entre as coisas que realmente acontecem,
haja algumas de natureza tal que poderiam ser vistas não
como coisas que realmente aconteceram, mas como coisas
cuja ocorrência seria possível e verossímil. E é graças a esse
aspecto da possibilidade e da verossimilhança que aquele
que resolve narrá-las não é seu historiador, mas seu poeta.3

c) Portanto, fica claro, em terceiro lugar, que a arte tem


uma superioridade em relação à história graças ao modo di­
verso de tratar os fatos. Enquanto a história permanece intei­
ramente ligada ao particular, considerando-o na condição de
particular, a arte, mesmo quando fala dos mesmos fatos que
a história, transfigura-os, por assim dizer, pelo modo de tra­
tá-los e vê-los "sob o aspecto da possibilidade e da verossimi­
lhança", fazendo assim com que ganhem um significado mais
amplo e, em certo sentido, universalizando tal objeto. Aristó­
teles recorre ao termo técnico "universal" ( 'tà Ka'ÔÓÀou) . 4
Mas que tipos de "universal" podem ser os da arte, esses tipos
de universal que (como lemos na passagem inicial) não des­
denham nomes próprios?
d) Evidentemente, não estamos tratando aqui dos univer­
sais lógicos, do tipo que é objeto da filosofia teórica e, em
particular, da lógica. Se a arte não deve reproduzir verdades
empíricas, também não deve reproduzir verdades ideais de
tipo abstrato, mais precisamente, verdades lógicas. A arte não
só pode e deve desligar-se da realidade como não deve apre­
sentar fatos e personagens como são, mas como poderiam
ou deveriam ser; pode também, como Aristóteles diz expres­
samente, introduzir o irracional e o impossível, e até dizer

1 44
VII. A F I LOSOFIA DA ARTE: ANÁLISE DA POÉTICA

mentiras e tornar conveniente o uso de paralogismos ( racio­


cínios falsos); pode fazer tudo isso desde que torne o impos­
sível e o irracional verossímeis. 5 O Estagirita chega a dizer o
seguinte: "O impossível verossímil é preferível ao possível,
porém incrível." 6 E ainda: "No que diz respeito às exigências
da poesia, é preciso ter em mente que se deve preferir sempre
uma coisa impossível, embora crível, a uma coisa incrível,
mesmo que possível." 7 Sendo assim, a arte pode muito bem
representar os deuses de modo inverídico, porque é assim
que são representados pelo povo e, como crença do povo,
passam a fazer parte da vida.
e) A universalidade da representação da arte nasce de sua
capacidade de reproduzir os acontecimentos "segundo a lei
da verossimilhança e da necessidade"; ou seja, de sua capaci­
dade de reconstituir os acontecimentos de tal maneira que
eles se mostrem interligados e conectados de modo perfei­
tamente unitário, quase como um organismo no qual cada
parte tem seu sentido em função do todo do qual faz parte.
Então, com terminologia crociana, Valgimigli diz que o
universal da arte é "o universal concreto, ou melhor, no má­
ximo de sua concretude". 8 Poderíamos dizer também que é o
"universal fantástico", usando modelos mais próximos dos de
Vico. Mas é óbvio que essa terminologia nos leva decidida­
mente para além de Aristóteles. Não obstante, é evidente que,
pelas considerações feitas antes, na célebre passagem de que
lançamos mão como ponto de partida, o Estagirita intuiu,
mesmo que vaga e confusamente, tudo isto: a arte é mais fi­
losófica que a história, mas não é filosofia; o universal da arte
não é o universal lógico e, portanto, é algo autônomo, que
tem seu próprio valor, embora este não seja o valor do ver­
dadeiro historiador nem o valor do verdadeiro lógico. A po­
sição platônica fica, assim, nitidamente superada.

1 45
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

O belo

A estética moderna nos habituou a considerar os problemas


da arte de tal maneira que é difícil pensar na possibilidade de
defini-la prescindindo de uma concepção adequada do belo.
Na realidade, isso não era assim tão claro para os antigos.
Platão ligou o belo antes à erótica que à arte, e Aristóteles,
mesmo relacionando o belo à arte, só o definiu de forma in­
cidental na Poética. Eis, portanto, sua definição:
[ .. ] o belo, seja ele um ser animado ou outro objeto qual­
.

quer, desde que igualmente constituído de partes, não só


deve apresentar certa ordem particular entre essas partes
como também deve ter, dentro de determinados limites,
uma grandeza própria; na verdade, o belo consiste na gran­
deza e na ordem. Portanto, não pode ser belo um organis­
mo excessivamente pequeno, pois, em tal caso, atuando-se
num lapso de tempo quase imperceptível, a vista se con­
funde; tampouco pode ser um organismo excessivamente
grande, como, por exemplo, um ser de 10 mil estádios, pois
o olho não conseguiria abarcar o objeto em seu conjunto;
assim, sua unidade e sua totalidade orgânica escapariam a
quem olha.9

Aristóteles exprimiu o mesmo conceito na Metafísica,


onde o belo se relaciona às matemáticas:
Posto que o bem e o belo são diversos (o primeiro se encon­
tra sempre nas ações, enquanto o segundo se encontra tam­
bém nos entes imóveis) , equivocam-se os que afirmam que
as ciências matemáticas não dizem nada sobre o belo e so­
bre o bem. De fato, as matemáticas falam do bem e do belo,
e conseguem revelá-los em grau máximo; se é verdade que
nunca os nomeiam explicitamente, dão a conhecer, todavia,
seus efeitos e razões; portanto, não se pode dizer que não
falam deles. As formas supremas do belo são a ordem, a si­
metria e o definido - e as matemáticas nos levam a conhe­
cê-los mais que todas as outras ciências.10

1 46
VII. A FILOSOFIA DA ARTE: ANÁLISE DA POÉ'J'ICA

Por conseguinte, para Aristóteles, o belo implica ordem,


simetria de partes, determinação quantitativa, ou, em uma
palavra, proporção.
Compreende-se assim que, ao aplicar tais cânones à tragé­
dia, Aristóteles estabelecesse que ela não poderia ser muito
longa nem muito curta, porém capaz de ser apreendida pela
mente de um só golpe, do princípio ao fim. Para ele, a mesma
coisa valeria para qualquer obra de arte. 1 1
Esse modo d e Aristóteles conceber o belo traz a clara
marca helênica do "nada em demasia" e da "medida"; em es­
pecial, refere-se ao pensamento pitagórico, que via a perfei­
ção no "limite':

A catarse

Dissemos que Aristóteles trata fundamentalmente da tragé­


dia e que desenvolve sua teoria da arte em relação a ela. Não
cabe aqui abordar os pormenores da questão, mas é preciso
destacar um ponto que, mesmo apresentado em estreita co­
nexão com a definição de tragédia, vale para a arte em geral.
Escreve ele:
Tragédia [ ... ] é mimese de uma ação séria e completa em si
mesma, com uma determinada extensão, em linguagem em­
belezada por várias espécies de ornamentos, mas cada um
em seu lugar, nas diversas partes; em forma dramática e não
narrativa, que, mediante uma série de casos que suscitam
piedade e terror, tem como efeito aliviar e purificar a espírito
de tais paixões. 1 2

O texto original diz exatamente que ela tem como efeito a


catarse das paixões (Kát}apcnç Tffiv nm'h"1µá1:0JV ) . O ponto
mais interessante é o fim da definição, que, no entanto, é
bastante ambíguo; em consequência, foi objeto de diferentes
exegeses. Alguns consideraram que Aristóteles estava falando
de purificação das paixões no sentido moral, quase como

147
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

uma sublimação obtida pela eliminação daquilo que elas têm


de deletério. Outros, ao contrário, entenderam a "catarse das
paixões" no sentido de suspen s ão ou eliminação temporária
das paixões num sentido quase fisiológico, e, portanto, no
sentido de livrar-se das paixões. 1 3
É provável que Aristóteles explicasse mais a fundo o sen­
tido da catarse no segundo livro da Poética, mas infelizmente
este se perdeu. Contudo, temos dois trechos da Política que
mencionam o assunto e gostaríamos de mencioná-los, dada
a importância da questão. Eis o primeiro trecho:
Ademais, a flauta não é um instrumento que favoreça as
qualidades morais, mas suscita antes emoções desenfrea­
das, tanto que deve ser usada somente nas ocasiões em que
ouvi-la, mais que um aumento de saber, produz catarse." 14

Na segunda passagem, ele determina:


Aceitamos a distinção feita por alguns filósofos entre as me­
lodias com conteúdo moral, aquelas que estimulam a ação
e aquelas que suscitam entusiasmo; em exata correspondên­
cia são classificadas também as harmonias. Acrescente-se a
isso o fato de que, a nosso ver, a música não deve ser prati­
cada tendo em vista um só tipo de benefício que dela possa
derivar, mas múltiplos usos, pois pode servir para a edu­
cação, para obter a catarse [ . . . ] e, em terceiro lugar, para
o repouso, o alívio do espírito e a suspensão das fadigas.
De todas essas considerações, resulta evidente que é pre­
ciso fazer uso de todas as harmonias, no entanto, não do
mesmo modo, empregando na educação aquelas que têm
maior conteúdo moral e na audição de músicas executadas
por outras pessoas as que incitam a ação ou inspiram co­
moção. Essas emoções, tais como piedade, medo e entusias­
mo, que em certas pessoas encontram forte ressonância, se
manifestam em todos, porém mais em alguns e menos em
outros. Vemos ainda que quando alguns, a quem elas como­
vem intensamente, ouvem cânticos sagrados que impres-

148
V I I . A FI LOSOFIA DA A RTE: ANÁLISE DA POÉTICA

sionam a alma, logo se encontram na situação de quem foi


curado ou purificado. A mesma coisa vale necessariamente
para os sentimentos de piedade, de medo e, em geral, para
todos os sentimentos e afecções, dependendo da necessida­
de de cada um, pois todos podem sentir uma purificação e
um agradável alívio. De forma análoga, as músicas particu­
larmente adequadas para produzir purificação proporcio­
nam aos homens uma alegria inocente. 15

Essas passagens demonstram claramente que a "catarse


poética" não é uma purificação de caráter moral (posto que é
expressamente distinta dela) , mas também fica evidente que
ela não pode ser reduzida a um fato puramente fisiológico.
É provável - e em qualquer caso possível - que, mesmo
com oscilações e incertezas, Aristóteles entrevisse nessa agra­
dável "liberação" efetuada pela arte algo semelhante àquilo
que hoje chamamos de "prazer estético".
Platão havia condenado a arte - entre outras coisas -
também por desencadear sentimentos e emoções, debilitan­
do o elemento racional capaz de dominá-los. Aristóteles vira
a interpretação platônica de cabeça para baixo: a arte não nos
carrega, mas nos descarrega da emotividade, e o tipo de emo­
ção que ela proporciona não só não prejudica, como de certo
modo é capaz de curar.

NOTAS
1 . Phys. B 8, 1 99 a 1 5 - 1 7
2. Poet. 9 , 1 .45 1 a 36, 1 .45 1 b 1 1 . Todos o s trechos d a Poética aqui citados fo-
ram extraídos da tradução de M. Valgimigli; cf. nota 8, abaixo.
3. Poet. 9, 1 .45 1 b 29-33.
4. Poet. 9, 1 .45 1 b 7.
5. Poet. 24, 1 .460 a 13 ss.
6. Poet. 24, 1 .460 a 26 ss.
7. Poet. 25, 1 .461 b 1 1 ss.
8. M. Valgimigli (org.), Aristóteles, Poetica, Bari, 1 968 7, p. 28. (A tradução da
Poética foi publicada na coleção Filosofi Antichi e Medioevali e na Piccola
Biblioteca Filosofica Laterza, em edição condensada. Citamos esta última.)

1 49
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

9. Poet. 7, 1 .450 b 36; 1 .45 1 a 4.


10. Metaph. M 3, 1 .078 a 3 1 ; 1 .078 b 2.
1 1 . Cf. Poet. 7.
12. Poet. 6, 1 .449 b 24-28.
13. Entre os muitos textos sobre esse assunto, indicamos o artigo de W. J. Ver­
denius, "Kátharsis tôn pathe matón", em vários autores, Autour d'Aristote,
Louvain, 1 955, p. 367-373, que debate de maneira sucinta e clara todos os
elementos necessários para a compreensão da questão.
14. Po/. e 6, 1 .341 a 2 1 -24 (trad. Viano) .
1 5 . Pol. e 7 , 1 .341 b 32, 1 .342 a 1 6 .

1 50
VIII.

A FUNDAÇÃO DA LÓGICA:
ANÁLISE DO ORGANON

Conceito de lógica, ou "analítica"

No esquema que serviu de base para que o Estagirita subdi­


vidisse e sistematizasse as ciências, a lógica não encontra es­
paço, e isso não se dá por acaso. A lógica não diz respeito
à produção de algo (como as ciências poiéticas) , nem à ação
moral (como as ciências práticas) , nem sequer a uma deter­
minada realidade distinta daquela que é objeto da metafísica,
da física ou da matemática ( ciências teóricas) .
A lógica, ao contrário, considera a forma que deve ter
qualquer tipo de discurso visando a demonstrar alguma coisa
e pretendendo, em geral, ser conclusivo. Portanto, a lógica
mostra como o pensamento procede quando pensa, qual é a
estrutura do raciocínio, quais são seus elementos, como é pos­
sível fornecer demonstrações, que tipos e modos de demons­
tração existem, o que demonstram e quando são possíveis.
Naturalmente, poderíamos dizer que a lógica também é
ciência, pois seu conteúdo é dado pelas operações do pensa­
mento, ou seja, daquele ens tamquam verum (o ser lógico)
que o Estagirita distinguiu. 1 Contudo, isso só se encaixaria de
maneira parcial nas concepções de Aristóteles, que chamou a
lógica de "ciência" apenas de passagem e quase por acaso,2
considerando-a antes um estudo preliminar, uma propedêu­
tica comum a todas as ciências. Assim, o termo organon, que
significa "instrumento", introduzido por Alexandre de Afro­
dísia para designar a lógica em seu conjunto ( e que, a partir
do século VI d.C., foi utilizado como título do conjunto de
todos os escritos aristotélicos relativos à lógica) , define bem o

151
I NTRODUÇÃO A ARI STÓTELES

conceito e o fim da lógica aristotélica, que forneceria os ins­


trumentos mentais necessários para enfrentar qualquer tipo
de investigação. 3
Mas ainda é preciso acrescentar que o termo lógica não
foi usado por Aristóteles para designar aquilo que entende­
mos hoje por lógica. Seu emprego nessa acepção remonta à
época de Cícero (e provavelmente tem origem estoica) , mas
só se consolidou em definitivo com Alexandre.4 Aristóteles
preferia usar a palavra "analítica", e Analíticos é o título dos
escritos fundamentais do Organon. 5
A analítica (do grego analysis, que quer dizer "resolução" )
explica o método pelo qual, partindo de determinada conclu­
são, podemos decompô-la nos elementos dos quais ela deri­
va, isto é, nas premissas de onde brota; assim, é possível fun­
damentá-la e justificá-la. A analítica é substancialmente a
doutrina do silogismo e constituiu o núcleo fundamental, o
eixo em torno do qual giram todas as outras figuras da lógica
aristotélica. O Estagirita, aliás, tinha perfeita consciência de
ter sido o descobridor do silogismo, tanto que, no fim de
Refutações sofísticas, diz com toda a clareza que, embora hou­
vesse muitos e antigos tratados sobre os discursos retóricos,
nada havia sobre o silogismo. 6
Isso equivale a dizer que, como a lógica ( aristotelicamente
entendida) polariza-se completamente em torno ao silogis­
mo, foi a descoberta do silogismo que permitiu a Aristóteles
a organização e em seguida a enucleação de toda a problemá­
tica lógica e, por conseguinte, a fundação da lógica.

O esquema geral dos escritos lógicos


e a gênese da lógica aristotélica

Para melhor orientação na exposição do tema, é oportuno


esboçar exatamente o esquema geral que emerge dos escritos
lógicos de Aristóteles que chegaram até nós. Sem dúvida eles

152
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLI SE DO ORGANON

não foram redigidos na ordem em que depois se sistematiza­


ram no Organon;7 mesmo assim, é nessa ordem que têm sido
lidos. No centro, como vimos, estão os Analíticos (que Aris­
tóteles talvez considerasse uma obra única), 8 que logo foram
divididos em Analíticos primeiros e Analíticos segundos. Os
primeiros tratam da estrutura do silogismo em geral, de suas
diversas figuras e de seus diferentes modos, considerando-o
de maneira formal, ou sej a, prescindindo do seu valor de
verdade e examinando apenas a coerência formal do raciocí­
nio. Na verdade, pode haver um silogismo formalmente cor­
reto, que parte de determinadas premissas para deduzir as
consequências que elas impõem; mas, se as premissas não são
verdadeiras, chega-se a conclusões inverídicas, embora o silo­
gismo esteja formalmente correto. Nos Analíticos segundos,
ao contrário, Aristóteles trata do silogismo que, além de for­
malmente correto, é também verdadeiro, ou sej a, do silo ­
gismo científico, que constitui a demonstração propriamente
dita, verdadeira. O filósofo dá a ele a seguinte definição:
Chamo de demonstração o silogismo científico; chamo de
científico aquele silogismo com base no qual, pelo fato de
possuí-lo, há ciência. Então, se a ciência é dessa forma que
propusemos, é necessário que a ciência demonstrativa pro­
ceda de proposições verdadeiras, imediatas, mais conheci­
das, anteriores e causas das conclusões. Assim sendo, os
princípios serão efetivamente pertinentes ao demonstrado.
A bem dizer, o silogismo subsiste mesmo sem essas condi­
ções, mas a demonstração não pode subsistir sem elas, pois
não estaria produzindo ciência. 9

Por conseguinte, os Analíticos segundos, além das premis­


sas, tratam do modo como elas são conhecidas e dos corre­
latos problemas de definição. Nos Tópicos, por sua vez, Aris­
tóteles analisa o silogismo dialético, aquele que parte de
premissas baseadas simplesmente na opinião ou em elemen-

153
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

tos que parecem aceitáveis para todos ou aceitáveis para a


maioria, e que, portanto, prop orciona vários tipos de argu­
mentação puramente prováveis.
Por fim, em Refutações sofísticas (que talvez formassem
o último livro dos Tópicos) , 1º ele trata das argumentações
sofísticas.
Como os silogismos são constituídos por juízos e propo­
sições que, por sua vez, são constituídos por conceitos e ter­
mos, Aristóteles precisava examinar tanto os primeiros quan­
to os segundos. Nas Categorias e em Sobre a interpretação
encontram-se, respectivamente, de maneira aproximativa,
análises relativas aos elementos mais simples da proposição:
os conceitos ou termos primeiros, o juízo e a proposição. Dian­
te disso, os responsáveis pela sistematização do Organon con­
sideraram natural que esses tratados fossem dispostos no
início do livro, quase como preliminares dos Analíticos e dos
Tópicos. Essa ligação permanece, não há dúvida, mas é muito
mais tênue do que se julgou no passado. É importante obser­
var em especial que a doutrina do conceito e da proposição,
tal como apresentada nos tratados de lógica clássica e em boa
parte dos escritos com caráter de manual, na maioria é fruto
de reelaborações posteriores (sobretudo medievais) de alguns
elementos extraídos de Aristóteles.
Enfim, é importante recordar, para não deixar escapar o
sentido da lógica aristotélica, que ela nasceu de uma reflexão
acerca dos procedimentos iniciada pelos filósofos preceden­
tes, sobretudo pelos sofistas, e mais ainda acerca do procedi­
mento socrático, em particular da forma como foi ampliado
e aprofundado por Platão. Decerto o método matemático
também teve sua influência, como demonstra a própria ter­
minologia utilizada para indicar várias figuras da lógica. Mas
a matemática foi apenas um componente, e tampouco havia
outras ciências cujos métodos pudessem ter sugerido tais

1 54
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGA NON

descobertas a Aristóteles. A lógica aristotélica, portanto, tem


uma gênese eminentemente filosófica: ela marca o momento
em que o logos filosófico, já amadurecido pela estruturação
de todas as principais questões, torna-se capaz de problema­
tizar a si mesmo e ao próprio modo de proceder, e estabelece,
depois de ter aprendido a raciocinar, o que é a própria razão,
ou seja, como se faz para racionar, como, quando e sobre que
coisas é possível raciocinar.
Só essa descoberta já seria suficiente para dar a Aristóteles
um dos primeiríssimos lugares na história do pensamento
humano.

As categorias, os termos e a definição

O tratado Categorias estuda, como dissemos, algo que de cer­


ta maneira corresponde ao estudo do elemento mais simples
da lógica. Se tomarmos uma proposição como "O homem
corre", ou "O homem vence", e desfizermos o nexo que a
une, ou seja, se separarmos o sujeito do predicado, obte­
remos palavras "sem conexão", sem qualquer ligação com
a proposição, como "homem", "vence'', "corre" (termos des­
conectados que, ao se combinarem, dão origem à proposi­
ção ) . Ora, diz Aristóteles:
Das coisas ditas sem nenhuma conexão, cada qual significa
a substância, ou a quantidade, ou a qualidade, ou a relação,
ou o onde, ou o quando, ou estar numa posição, ou o ter, ou
o fazer, ou o sofrer. 1 1

Como s e pode ver, essas são as "categorias" que já conhece­


mos da Metafísica. É uma lista de dez (talvez uma pitagórica
homenagem ao número perfeito da década) , mas sabemos
que, na verdade, o número mais exato é oito, pois "estar
numa posição" (ou "jazer" ) e o "ter" são subsumíveis em ou­
tras categorias.

1 55
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Se, como vimos, as categorias representam os significados


fundamentais do ser do ponto de vista metafísico, claro que,
do ponto de vista lógico, representarão (por conseguinte) os
gêneros supremos aos quais todos os termos da proposição
devem se reportar. Portanto, a passagem citada é claríssima:
quando decompomos uma proposição em seus termos, cada
um e todos os termos obtidos representam, em última aná­
lise, uma das categorias. Logo, assim como as categorias re­
presentam (do ponto de vista ontológico) os significados úl­
timos do ser, elas também representam (do ponto de vista
lógico) os significados últimos aos quais são redutíveis todos
os termos de uma proposição. Decompondo a proposição
"Sócrates corre", obteremos "Sócrates", que pertence à cate­
goria da substância, e "corre", que pertence à categoria do
"fazer': Assim, quando digo "Sócrates está agora no Liceu" e
decomponho a proposição, obtenho "Sócrates'', da categoria
da substância; "agora'', da categoria do "quando"; "no Liceu'',
categoria do "onde"; e assim sucessivamente.
O termo "categoria" foi traduzido por Boécio como "pre­
dicamento", mas a tradução só exprime parcialmente o senti­
do da palavra grega - e não é de todo adequada, dá origem
a inúmeras dificuldades, em grande parte elimináveis quando
se mantém o original. De fato, a primeira categoria desempe­
nha sempre o papel de sujeito e só impropriamente o de pre­
dicado, como quando digo: "Sócrates é um homem" (ou seja,
Sócrates é uma substância); as outras fazem as vezes de pre­
dicado (ou, se quisermos, são as figuras supremas de todos
os possíveis predicados, os gêneros supremos de predicados) .
E, naturalmente, como a primeira categoria constitui o ser
sobre o qual se apoia o ser das outras, a primeira categoria
será o sujeito, e as outras não poderão deixar de se referir a
ele; portanto, só elas poderão ser predicados no sentido ver­
dadeiro e próprio.

1 56
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGA NON

Quando consideramos os termos da proposição isolada­


mente e tomamos cada qual em si mesmo, não temos nem
verdade nem falsidade. Ou, como diz Aristóteles:
Essas coisas que listamos, tomadas uma a uma, em si e de
per si, não constituem uma afirmação, a qual só pode ser
gerada, ao contrário, por sua conexão recíproca; de fato,
tudo indica que toda afirmação é verdadeira ou falsa, en­
quanto, entre as coisas ditas sem nenhuma conexão, nenhu­
ma é verdadeira ou falsa; por exemplo: "homem", "branco",
"corre", "vence". 12

Isso significa: a verdade (ou falsidade) nunca está nos ter­


mos tomados singularmente, mas somente no juízo que os
conecta e na proposição que expressa tal conexão. Natural­
mente, como as categorias não são apenas os termos que re­
sultam da decomposição da proposição, mas os gêneros aos
quais podem ser reduzidas ou nos quais se incluem, elas são
uma coisa primeira e não redutível depois. No máximo, po­
de-se dizer que são "seres", mas ser não é um gênero (como já
vimos), e portanto elas não são definíveis porque não existe
algo mais geral a que possamos recorrer para determiná-las.
Chegamos assim ao problema da definição, que Aristóte­
les não trata nas Categorias, mas nos Analíticos segundos e em
outros escritos. Contudo, como a definição diz respeito aos
termos e aos conceitos, cabe falar dela agora.
Já dissemos que as categorias são indefiníveis, pois são
generalíssimas, são os gêneros supremos. Indefiníveis são
também os indivíduos, e por razões opostas, ou seja, porque
são particulares e estão nos antípodas das categorias: deles,
só é possível ter percepção, isto é, uma apreensão puramente
empírica. Mas entre as categorias e os indivíduos há toda
uma gama de noções e conceitos que vão do mais ao menos
geral e que constituem os termos dos juízos e das proposi­
ções que formulamos (o nome que indica o indivíduo só

1 57
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

pode aparecer como sujeito) . Esses termos, que estão entre


a universalidade das categorias e a particularidade dos indi­
víduos, são conhecidos pelo nome de definição ( horismós) .
O que quer dizer "definir"? Mais que explicar o significa­
do de uma palavra, quer dizer determinar o que é o objeto
que a palavra indica. Por isso explicam-se perfeitamente as
definições que Aristóteles dá para "definição": "O discurso
que exprime a essência'', ou "o discurso que exprime a natu­
reza das coisas", ou ainda "o discurso que exprime a substân-
eia das coisas': 1 3
Para poder definir alguma coisa são necessários o "gênero"
e a "diferença", diz Aristóteles; ou, na fórmula clássica em que
se expressa o pensamento aristotélico, o "gênero próximo" e
a "diferença específica".14 Se quisermos saber o que quer dizer
"homem", devemos identificar, por meio da análise, o "gênero
próximo" no qual ele se inclui, que não é aquele de "vivente"
(pois também as plantas são viventes) , mas o de "animal"
(o animal tem, além da vida vegetativa, também a sensitiva) ,
e depois analisar as "diferenças" que determinam o gênero
animal, até encontrar a "diferença última", distintiva do ho­
mem, que é "racional". O homem, portanto, é "animal" (gêne­
ro próximo) "racional" (diferença específica) . A essência das
coisas é dada pela diferença última que caracteriza o gênero. 1 5
Para a definição dos conceitos singulares, vale o que foi
dito a respeito das categorias: uma definição será válida ou
não, mas nunca verdadeira ou falsa, pois verdadeiro e falso
implicam sempre uma união ou separação de conceitos, e isso
só acontece no juízo e na proposição, dos quais iremos falar.

As proposições: Sobre a interpretação

Quando juntamos os termos entre si (um nome e um verbo)


e afirmamos ou negamos algo de alguma outra coisa, então
temos o juízo. O juízo, portanto, é o ato com o qual afirma-

1 58
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGANON

mos ou negamos um conceito em relação a outro conceito,


e a expressão verbal do juízo é a enunciação ou proposição.
A bem da verdade, Aristóteles não tem uma terminologia
precisa sobre o assunto: aquilo que denominamos juízo ele
indica antes pelos termos apóphasis ( afirmação) e katáphasis
( negação) , ou seja, pelos termos que indicam as operações de
que o juízo é formado. E aquilo que chamamos de proposi­
ção ele indica pelo termo prótasis. Juízo e proposição consti­
tuem a forma mais elementar de conhecimento, aquele que
permite conhecer diretamente o nexo entre um predicado e
um sujeito ( o verdadeiro e o falso nascem, portanto, com o
juízo, ou seja, com a afirmação e com a negação; o verdadeiro
ocorre quando ao juízo se une o que é realmente conjunto
(ou se separa o que é realmente separado) , e o falso, quando
ao juízo se une o que não é conjunto (ou se separa o que não
é separado) . A enunciação ou proposição que exprime o juí­
zo expressa sempre afirmação ou negação; portanto, é verda­
deira ou falsa. 1 6 É importante notar que nem toda frase é
uma proposição concernente à lógica; todas as frases que ex­
primem preces, invocações, exclamações e assemelhados não
dizem respeito à lógica, mas a outro tipo de discurso, por
exemplo, o retórico ou o poético; apenas o discurso apofân­
tico ou declarativo pertence à lógica. 1 7
A primeira distinção dos juízos é entre juízos afirmativos
e juízos negativos, dado que julgar é afirmar ou negar algo de
alguma outra coisa ( como cada afirmação de uma coisa se
opõe à sua negação, e entre afirmação e negação não há
meio-termo, então, necessariamente, a verdade está em uma
ou na outra) . 1 8
Quanto àquilo que receberá o nome de "quantidade': ou
seja, a extensão (maior ou menor universalidade do sujeito) ,
os juízos s e dividem e m universais, s e dizem respeito a um

159
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

universal (por exemplo, "Todos os homens são brancos': ou


"Nenhum homem é branco" ) , individuais ou singulares,
quando se referem a um indivi duo (por exemplo, "Sócrates é
branco", ou "Sócrates não é branco" ) . Além disso, pode haver
um juízo que diga respeito a um universal, mas não seja uni­
versal, como no caso de "Um homem é branco" (ou "Alguns
são brancos': e as negativas correspondentes) ; esse juízo foi
denominado particular. (Nos Analíticos, Aristóteles prefere
juízos indefinidos. ) Os juízos contraditórios universais e indi­
viduais são sempre um verdadeiro e o outro falso; os particu­
lares contraditórios, por sua vez, podem ser ambos verdadei­
ros (um homem é branco, outro não é branco ) . 1 9
Sobre a interpretação analisa, enfim, o modo como se afir­
ma ou se nega algo de alguma coisa, e, portanto, a modalida­
de das proposições. Nós não apenas conectamos ou separamos
um predicado e um sujeito dizendo é ou não é, mas às vezes
especificamos também o modo como sujeito e predicado es­
tão conectados ou separados. Uma coisa é dizer "O sujeito tal
é desse jeito"; outra é dizer "O sujeito tal deve ser desse jeito";
outra ainda é dizer "O sujeito tal pode ser desse jeito" (eis um
exemplo esclarecedor: uma coisa é dizer "Deus existe", outra
é dizer "Deus deve existir", e outra, ainda, "Deus pode exis­
tir" ) . Aristóteles reduz tais proposições que implicam neces­
sidade e possibilidade à forma assertiva. Assim, temos: para a
necessidade, a proposição "É necessário que A seja B"; para a
possibilidade, "É possível que A seja B': As negações seriam:
"Não é necessário que A seja B" e "Não é possível que A seja
B". Em seguida, ele desenvolve uma complexa série de consi­
derações sobre essas proposições modais.2 0
No entanto, não se pode dizer que o filósofo tenha identi­
ficado as distinções posteriores do juízo hipotético e do juízo
disjuntivo.

1 60
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGA NON

O silogismo

Quando afirmamos ou negamos algo de alguma coisa, ou


seja, quando julgamos ou formulamos proposições, ainda
não estamos raciocinando. Tampouco refletimos, obviamen­
te, quando formulamos uma série de juízos e listamos uma
série de proposições desconexas entre si.
Em contrapartida, raciocinamos quando passamos desses
juízos e proposições a proposições que tenham determinados
nexos entre si e que sejam, de certo modo, causas umas das
outras, umas antecedentes, outras consequentes. Não há re­
flexão sem esse nexo, sem esse caráter de consequência. Ora,
o silogismo é o raciocínio perfeito, aquele em que a conclu­
são a que se chega é de fato a consequência que deriva neces­
sariamente do antecedente.
Em geral, num raciocínio perfeito, ou seja, num silogis­
mo, deve haver três proposições, das quais duas são antece­
dentes; portanto, diz-se que estas são premissas e a terceira
é o consequente, a conclusão que deriva das premissas. No
silogismo há sempre três termos em jogo, dos quais um de­
sempenha a função de uma espécie de dobradiça que une os
outros dois, como veremos a seguir.
Eis o exemplo clássico de silogismo: "Se todo homem é
mortal e se Sócrates é homem, então Sócrates é mortal."
Como se pode ver, o fato de Sócrates ser mortal deriva
necessariamente de se estabelecer que todo homem é mortal
e que Sócrates é homem. Portanto, "homem" é o termo usa­
do como alavanca para a conclusão. Entende-se, então, a cé­
lebre definição dada por Aristóteles:
Silogismo é um discurso (isto é, um raciocínio) em que,
estabelecidos alguns dados (isto é, premissas) , segue-se ne­
cessariamente algo diferente deles, pelo simples fato de te­
rem sido estabelecidos. Com a expressão "pelo simples fato
de terem sido estabelecidos" entendo o que decorre por for-

161
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

ça deles; com a expressão "o que decorre por força deles"


entendo o fato de não precisar acrescentar nenhum termo
estranho para que tenha lugar a relação de necessidade.21

Um estudioso italiano comenta muito bem essa passagem:


O silogismo caracteriza-se, portanto, pelo fato de o con­
sequente derivar necessariamente do antecedente pela sim­
ples razão de este ter sido formulado. Nesse sentido, as pre­
missas são causa não da verdade ou da falsidade, ou, em
geral, do conteúdo do consequente em si mesmo, mas da
sequela; de modo que, posto o antecedente, o consequente
não pode deixar de derivar dele. As premissas silogísticas,
por isso, têm valor de hipóteses e devem ser precedidas da
conjunção "se".22

No silogismo, o que está em causa é a coerência do ra­


ciocínio; o conteúdo de verdade deve permanecer fora de
questão e será chamado em causa, como veremos, sob outra
perspectiva.
Mas voltemos ao exemplo de silogismo apresentado.
A primeira das proposições se chama "premissa maior", a
segunda "premissa menor", a terceira "conclusão". Os dois
termos unidos na conclusão se chamam extremo menor, o
primeiro ( que é o sujeito, "Sócrates" ) , e extremo maior, o
segundo (que é o predicado, "mortal" ) . Como tais termos são
unidos entre si por outro, que dissemos desempenhar uma
função de dobradiça, ele é chamado de termo "médio': ou
seja, termo que opera a mediação.2 3
Mas Aristóteles não apenas estabeleceu o que é o silogis­
mo, ele também levou a efeito toda uma série de complexas
distinções entre as diversas "figuras" possíveis dos silogismos
e os vários "modos" válidos de cada uma delas.
As diversas "figuras" (schémata) do silogismo são deter­
minadas pelas diferentes posições que o termo médio pode
ocupar em relação aos extremos nas premissas. Como o ter-

1 62
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGA NON

mo médio pode ser: a) sujeito na premissa maior ou predica­


do na menor; b) predicado tanto na premissa maior quanto
na menor; c) sujeito em ambas as premissas, as figuras possí­
veis do silogismo serão três. O exemplo que demos antes é de
primeira figura, que, segundo Aristóteles, é a figura mais per­
feita, pois é a mais natural, à medida que manifesta o proces­
so de mediação da maneira mais clara e linear.
Mas como as proposições que fazem as vezes de premissas
podem variar por "quantidade" (podem ser universais ou
particulares) e por "qualidade" (podem ser afirmativas ou
negativas) , há múltiplas combinações possíveis para cada
uma das três figuras. Aristóteles estabelece, numa análise exa­
ta, quais e quantas são essas possíveis combinações, que são
os "modos" do silogismo. As conclusões do Estagirita são as
seguintes: há quatro modos válidos da primeira figura, qua­
tro da segunda e seis da terceira.
Não cabe falar aqui das distinções posteriores entre silogis­
mos perfeitos e imperfeitos, do modo de reduzir os segundos
aos primeiros, dos modos de reduzir os silogismos das outras
figuras aos da primeira, e das regras referentes à conversão das
proposições para operar tais transformações. Tampouco é o
caso de adentrar aqui as questões da silogística modal que o
Estagirita enfrenta, ou seja, as questões relacionadas aos silo­
gismos que consideram a modalidade das proposições que
servem de premissas (se seriam de simples existência ou impli­
cariam a modalidade da necessidade, ou ainda a da possibilida­
de) , com todas as suas possíveis combinações. Essa é a parte
mais incômoda e criticada da silogística aristotélica. 24
Enfim, como Aristóteles não havia reconhecido as propo­
sições hipotéticas e disjuntivas, ele não pôde estabelecer uma
doutrina do silogismo hipotético e disjuntivo, sobre os quais
falarão Teofrasto e sobretudo os estoicos.

1 63
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

O silogismo científico ou demonstração

Como vimos, o silogismo como tal mostra qual a essência


mesma do raciocínio, qual a estrutura da inferência; também
como tal prescinde do conteúdo de verdade das premissas
(e, portanto, das conclusões) . O silogismo "científico" ou
"demonstrativo" se diferencia porém do silogismo em geral
porque pressupõe, além da correção formal da inferência,
também o valor de verdade das premissas (e das consequên­
cias ) . Como bem diz Mignucci:
O procedimento silogístico próprio da ciência se chama de­
monstração. Trata-se de um tipo particular de silogismo
que se diferencia do silogismo não pela forma, do contrá­
rio não poderia ser chamado propriamente silogismo, mas
pelo conteúdo das premissas formuladas. Na verdade, na
demonstração, as premissas devem ser sempre verdadeiras,
enquanto isso não precisa se verificar necessariamente no
silogismo como tal, pois, nesse caso, só interessa determinar
se um dado consequente deriva ou não das premissas for­
muladas pelo simples fato de terem sido formuladas, inde­
pendentemente do valor de verdade que possam ter. Na de­
monstração, ao contrário, sendo ela o procedimento que
leva à ciência do consequente, isto é, que leva a verificar se
o consequente é verdadeiramente tal ou não, cabe postular
um antecedente verdadeiro, dado que somente do verdadei­
ro deriva necessariamente o verdadeiro.25

Logo, além da correção do procedimento formal, a ciência


implica a verdade do conteúdo das premissas. Vamos então
a uma passagem dos Analíticos segundos sobre esse ponto
fundamental:
Julgamos ter ciência de cada coisa [ ... ] quando acreditamos
que sabemos que a causa em virtude da qual a coisa existe é
justamente a causa dessa coisa, e que não é possível que seja
de outra maneira. Por conseguinte, é impossível que aquilo
que seja objeto de ciência em sentido próprio seja diferente

1 64
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGANON

do que é. Ora, se há outro modo de ter ciência, nós o vere­


mos a seguir [ alusão ao saber intuitivo, com o qual apreen­
demos os princípios primeiros] ; por enquanto, basta dizer
que ter ciência é saber por demonstração. Entendo por de­
monstração o silogismo científico; e por silogismo científico
aquele em virtude do qual, pelo simples fato de possuí-lo,
temos ciência. Então, se ter ciência é aquilo que estabelece­
mos [ isto é, conhecer as causas] , é necessário que a ciência
demonstrativa proceda de premissas verdadeiras, primeiras,
imediatas, mais conhecidas, anteriores e causais das conclu­
sões. De fato, somente assim os princípios serão pertinentes
ao que foi demonstrado. O silogismo pode subsistir mesmo
sem essas condições, mas não a demonstração, do contrário
não produziria ciência. 26

A passagem revela de maneira paradigmática qual a ideia


aristotélica de "ciência". Ela é fundamentalmente um proces­
so discursivo que tende a determinar o porquê e a causa; e,
das quatro causas que conhecemos bem, sobretudo a causa
formal, ou essência. De fato, essa é a causa fundamental por­
que, ao indicar a essência ou natureza da coisa, representa
precisamente aquele "meio" em virtude do qual estabelece­
mos a necessária conexão de certas propriedades com um
sujeito dado. Entende-se, portanto, o significado de uma cé­
lebre afirmação do Estagirita na Metafísica: [ .. ] como nos
" .

silogismos, o princípio de todos os processos de geração é a


substância; com efeito, os silogismos derivam da essência, e
dela derivam também as gerações."27
Assim como a substância (ou essência, ou forma, ou eidos)
está no centro da metafísica e da física, ela está também no
centro da teoria da ciência, ou seja, de todo o sistema aristoté­
lico. Enquanto o silogismo aristotélico em geral implica um
elevado grau de "formalismo': o silogismo científico, isto é,
a demonstração científica, está quase inteiramente ligada à
concepção metafísica da substância, e a ciência aristotélica

165
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

pretende ser a busca da substância e de todos os nexos que


ela implica.
Esse é um ponto de vista consideravelmente distante da­
quele que as ciências exatas da era moderna adotaram para si.
A passagem que acabamos de citar revela ainda um se­
gundo ponto fundamental: como devem ser as premissas do
silogismo científico ou da demonstração. Em primeiro lugar,
devem ser verdadeiras, por razões já amplamente ilustradas;
em seguida, devem ser primeiras, ou seja, necessitam, por sua
vez, de posteriores demonstrações; mais conhecidas e anterio­
res, ou seja, inteligíveis e claras de per si, e mais universais
que as conclusões; e causais das conclusões, pois devem conter
a razão destas últimas.
Chegamos assim a um ponto delicadíssimo da doutrina
aristotélica da ciência. Surge aqui o problema: como conhe­
cemos as premissas? Sem dúvida não será por meio de silo­
gismos posteriores, pois do contrário iríamos até o infinito.
A via deve ser outra. Qual seria essa via?

O conhecimento imediato

O silogismo é um processo substancialmente dedutivo, pois


extrai verdades particulares de verdades universais. Mas
como apreender as verdades universais? Aristóteles fala de
indução e intuição como processos em certo sentido opostos
ao processo silogístico, mas em todo caso pressupostos pelo
próprio silogismo.
A indução (btaymyij) é o procedimento pelo qual se deri­
va o universal do particular. Embora Aristóteles tente mos­
trar nos Analíticos28 o modo como a própria indução pode
ser silogisticamente tratada, ele não só não o consegue, como
essa tentativa fica totalmente isolada; ele mesmo reconhece
que, em geral, a indução não é um raciocínio, porém, ao con­
trário, um "ser conduzido" do particular ao universal por

1 66
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGA NON

obra de uma espécie de apreensão imediata ou de intuição


(ou como quer que se chame esse conhecimento não media­
to) ; ou ainda, se quisermos, por obra desse procedimento no
qual o "meio" é em certo sentido dado pela experiência dos
casos particulares ( em substância, a indução é o processo
de abstração) . 29
A intuição, por sua vez, é a apreensão pura e simples dos
princípios primeiros. Portanto, Aristóteles também admite
o intelecto intuitivo. Vejamos como isso está descrito nos
Analíticos segundos:
Posto que, dentre as disposições racionais com as quais
apreendemos a verdade, algumas são sempre verdadeiras,
enquanto outras - como por exemplo a opinião e o cálculo ·
- admitem o falso, ao passo que o conhecimento científico
e a intuição são sempre verdadeiros; posto que nenhum ou­
tro gênero de conhecimento, exceto a intuição, é mais exato
que o conhecimento científico, e que, por outro lado, os prin­
cípios são mais cognoscíveis que as demonstrações; pos­
to que todo conhecimento científico se constitui de modo
argumentativo, e, portanto, não pode haver conhecimento
científico dos princípios; e posto que nada, exceto a intuição,
pode ser mais verdadeiro que o conhecimento científico, a in­
tuição deve ter por objeto os princípios. Isso fica evidente não
apenas para quem investiga essas considerações, mas tam­
bém pelo fato de que o princípio da demonstração não é
ele próprio uma demonstração; por conseguinte, o prin­
cípio do conhecimento científico não é o conhecimento
científico. Portanto, se não há nenhum outro gênero de co­
nhecimento verdadeiro senão a ciência, a intuição será o
princípio da ciência. Assim, a intuição pode ser considerada
princípio do princípio, enquanto a ciência como um todo
está analogamente relacionada à totalidade das coisas que
tem por objeto.30

Como se pode ver, essa é uma página que dá razão à no­


ção de fundo do platonismo: o conhecimento discursivo su-

1 67
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

põe um conhecimento não discursivo anterior; a possibi­


lidade do saber mediato supõe necessariamente um saber
imediato.

Os princípios da demonstração

Em suma, as premissas e os princípios da demonstração são


apreendidos por indução ou por intuição. A respeito disso,
é importante notar que cada ciência irá assumir, antes de
tudo, premissas e princípios próprios, ou seja, premissas e
princípios que são peculiares a ela, e só a ela.
Em primeiro lugar, irá assumir a existência do âmbito, ou,
melhor ( em termos lógicos) , a existência do sujeito para o
qual todas as suas determinações afluirão e que Aristóteles
chama de gênero-sujeito. Por exemplo: a aritmética assumirá
a existência da unidade e do número; a geometria, a existên­
cia da grandeza espacial, e assim por diante. Cada ciência irá
caracterizar seu objeto por meio da definição.
Em segundo lugar, cada ciência irá proceder à definição
do significado de uma série de termos que lhe pertencem
(a aritmética, por exemplo, definirá o significado de "comen­
surável" e "incomensurável" etc.) sem assumir sua existência,
mas tratando antes de provar que são características perti­
nentes a seu objeto.
Em terceiro lugar, para isso, as ciências terão de fazer uso
de certos "axiomas", ou seja, proposições intuitivamente ver­
dadeiras que são precisamente os princípios em virtude dos
quais acontece a demonstração. Eis um exemplo de axioma:
"Se de iguais subtraem-se iguais, os restos serão iguais:' Por­
tanto, conclui Aristóteles,
[ ... ] toda ciência demonstrativa guarda relação com três ele­
mentos, ou seja, com aquilo que é dado como algo que é
(ou seja, o gênero cujas afecções por si [ as características
essenciais] a ciência considera) , com os axiomas chamados

168
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGA NON

comuns, proposições primeiras das quais partem as de­


monstrações, e, enfim, com as afecções cujos significados
foram assumidos. 31

Entre os axiomas, alguns são "comuns" a várias ciências


(como o mencionado) ; outros, a todas as ciências, sem ex­
ceção, como o princípio da não contradição ( não se pode
afirmar e negar do mesmo sujeito, ao mesmo tempo e sob
a mesma relação dois predicados contraditórios) e os princí­
pios de identidade e do terceiro excluído, que estão estrei­
tamente ligados ao da não contradição (cada coisa é aquilo
que é; não é possível haver um termo médio entre dois con­
traditórios) . São os famosos princípios transcendentais, vá­
lidos para todo tipo de pensamento como tal (por serem
válidos para todo ente como tal), conhecidos por si e, por­
tanto, primeiros, os quais Aristóteles debate expressa e am­
plamente no célebre livro IV da Metafísica. Eles são condições
incondicionais de toda demonstração (e são indemonstrá­
veis, pois qualquer forma de demonstração os pressupõe es­
truturalmente) . 32
As ciências, portanto, têm princípios próprios, princípios
comuns a algumas delas e princípios comuns a todas, que
podem ser apreendidos por indução ou por intuição e deter­
minados por definição. Essas são as condições da mediação
silogística.

Os silogismos dialéticos e sofísticos

Vimos que a teoria do silogismo em geral diz respeito à sim­


ples correção formal da inferência. A teoria do silogismo
científico ou demonstração diz respeito, ao contrário, tam­
bém ao conteúdo de verdade da inferência, que, como sabe­
mos, depende da verdade das premissas. O silogismo cientí­
fico só existe quando as premissas são verdadeiras e possuem
as características examinadas. Quando as premissas, em vez

1 69
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

de verdadeiras, são simplesmente prováveis, ou seja, baseadas


na opinião, então temos o silogismo dialético, que Aristóteles
estuda nos Tópicos.
O objetivo desse tratado é explicado por Aristóteles no
seguinte trecho:
Este tratado se propõe a encontrar um método que, acerca
de qualquer formulação de pesquisa que se proponha, per­
mita estabelecer silogismos que partam de elementos ba­
seados em opiniões aceitas; e que impeçam que venhamos a
dizer algo em contradição com a tese que nós mesmos esta­
mos defendendo. Em primeiro lugar, é preciso dizer o que é
um silogismo e que diferenças marcam sua esfera, para que
possamos entender o silogismo dialético. Este último é o
objeto de estudo do presente tratado.
Silogismo é propriamente um discurso em que, formu­
lados alguns elementos, algo de diferente deriva necessa­
riamente deles. Assim, temos de um lado a demonstração,
quando o silogismo é constituído por e deriva de elementos
verdadeiros e primeiros, ou de elementos tais que o princí­
pio de seu conhecimento provenha de elementos verdadei­
ros e primeiros. Por outro lado, é dialético o silogismo que
chega à conclusão a partir de elementos baseados na opinião.
Elementos verdadeiros e primeiros são, ademais, aqueles
que extraem sua credibilidade de si mesmos, e não de ou­
tros elementos; diante dos princípios das ciências, não se
deve buscar o porquê em outra parte; é preciso, ao contrá­
rio, que cada um dos princípios imponha sua verdade por si
mesmo. São baseados na opinião os elementos que, por sua
vez, parecem aceitáveis para todos, para a grande maioria ou
para os sábios e entre eles, ou seja, para todos, para a grande
maioria ou para aqueles especialmente eminentes ou ilustres.33

O silogismo dialético, segundo Aristóteles, serve para nos


tornar capazes de debater e, em particular, de identificar,
quando debatemos com pessoas comuns ou instruídas, quais
os seus pontos de partida e se suas conclusões concordam

1 70
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGANON

com essas premissas ou não, situando-nos não numa pers­


pectiva estranha à do oponente, mas em conformidade com
seu próprio ponto de vista. Para a ciência, além de ensinar a
debater corretamente os prós e os contras de várias questões,
serve também para averiguar os princípios primeiros, que,
como sabemos, não são dedutíveis silogisticamente e só po­
dem ser apreendidos por meio da indução ou da intuição.
Contudo, tanto a indução quanto a justificativa de uma in­
tuição supõem um debate com as opiniões da maioria ou dos
mais doutos. Explica Aristóteles:
Este tratado é igualmente útil no que diz respeito aos ele­
mentos próprios de cada ciência, pois, partindo dos prin­
cípios primeiros da ciência em exame, é impossível dizer
algo sobre os princípios mesmos, visto que são anteriores a
todos os outros elementos; portanto, é necessário examiná­
-los à luz de elementos fundados na opinião e referentes a
cada objeto. Essa é a tarefa própria, ou a mais apropriada,
da dialética; utilizada nas investigações, ela leva de fato aos
princípios de todas as ciências.34

Como se pode ver, em Aristóteles a "dialética" assume um


significado muito diferente do que tinha para Platão (ou, se
quisermos, mantém o significado mais fraco e menos espe­
cífico que Platão lhe atribuía, dado que, para este, a dialética
é sobretudo a ciência das relações entre as Ideias) . Mas os
Tópicos não aprofundam esse segundo aspecto, limitando-se
predominantemente ao primeiro; por conseguinte, invadem
com abundância o terreno da retórica. 3 5
"Tópicos" ( 'tÓ7tot) significa "lugares" (em latim, Zoei) , e a
palavra indica metaforicamente os quadro ideais aos quais
pertencem e, portanto, de onde podem ser extraídos os argu­
mentos, como sedes et quasi domicilia argumentorum, como
dirá Cícero. 36 Os Tópicos descrevem, portanto, o "arquivo de
onde o raciocínio deve extrair seus argumentos", como disse

171
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

muito bem Ross, que considera essa obra aristotélica a menos


estimulante entre as que compõem o Organon:
O debate pertence a um modo passado de pensar; é um dos
últimos esforços daquele movimento do espírito grego em
direção a uma cultura geral que tenta discutir qualquer as­
sunto sem estudar os princípios primeiros que lhe são pró­
prios e que conhecemos pelo nome de movimento sofístico.
O que distingue Aristóteles [ scil. : naquilo que ele diz nos
Tópicos] dos sofistas, pelo menos do modo como foram re­
tratados por ele e por Platão, é que seu objetivo não é ajudar
os ouvintes e leitores a atingir o ganho e a glória com uma
falsa aparência de sabedoria, mas debater as questões do
modo mais sensato possível, sem um conhecimento espe­
cial. Mas o próprio Aristóteles apontou um caminho me­
lhor, o da ciência. Foram os seus Analíticos que deixaram os
Tópicos fora de moda.37

Enfim, além das premissas baseadas na opinião, o silogis­


mo pode derivar de premissas que parecem fundadas na opi­
nião (mas que na realidade não o são ) . Há então o silogismo
erístico. E há também o caso de certos silogismos que o são
apenas na aparência e sugerem uma conclusão, à qual só che­
garam, no entanto, graças a passagens incorretas; nesse caso,
há os paralogismos, os raciocínios errados. Ora, Refutações so­
físticas (que muitos consideram o nono livro dos Tópicos)38
estudam exatamente as contestações ( élenkhos quer dizer jus­
tamente "contestação" ) sofísticas, ou seja, falaciosas. A refu­
tação correta é um silogismo cuja conclusão contradiz a con­
clusão do adversário; as refutações dos sofistas, ao contrário
(assim como sua argumentação, em geral) , eram feitas de
modo a parecer corretas, embora na realidade não o fossem,
e lançavam mão de uma série de truques para induzir os não
experientes ao erro. As Refutações sofísticas estudam com no­
tável perspicácia todos os meandros desses possíveis enganos
e os paralogismos mais característicos a que dão ensejo.

1 72
V I I I . A FUNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGANON

A lógica e a realidade

Muitos estudiosos dizem e repetem à exaustão que, de certa


forma, a lógica aristotélica afastou-se do real; a lógica diz res­
peito ao universa� a realidade, ao contrário, é substância indi­
vidual e particular, o universal não é real, o real não é sujeito
à lógica. Se fossem, o real fugiria totalmente das malhas da
lógica. Na verdade, não é assim. Essas interpretações supõem
que a substância primeira de Aristóteles é o indivíduo empí­
rico, o que não é correto, como bem sabemos. O indivíduo é
sínolo ou composto de matéria e forma. Se a substância, em
certo sentido, é sínolo, no sentido mais forte é a forma ou
essência que determina a matéria. 39 O sínolo é um 'tÓÔE 'tl,
algo de empiricamente determinado, mas a forma também é
um 'tÓÔE n, algo de determinado do ponto de vista inteligível.
Sendo apreendida pelo pensamento, ela se torna universal,
no sentido de que a estrutura ontológica que determina uma
coisa se converte em conceito que é apreendido como capaz
de referir-se a várias coisas, portanto, capaz de ser predicado
de vários sujeitos ( de todos os que possuem tal estrutura).
A forma ontológica converte-se então numa espécie lógica.
As operações mentais posteriores descobrem, analisando
as espécies, as possibilidades estruturais de inseri-las em gê­
neros, os quais representam universais mais amplos (e são
como uma matéria lógica ou inteligível cuja forma ou espécie
é a especificação) . Esses gêneros se ampliam sucessivamente
em universalidades até as categorias (gêneros supremos) . Aci­
ma das categorias, o pensamento descobre ainda um univer­
sal que já não é mais um gênero, e sim uma relação analógi­
ca: é o ser e o uno. Mas essas operações do pensamento não
têm um valor meramente nominal, pois se baseiam na mes­
ma estrutura do real, que é uma estrutura eidética, como vi­
mos na metafísica de modo pontual.40

1 73
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Como se sabe, Kant defendia que a lógica aristotélica (que


ele entendia como lógica puramente formal) nasceu perfeita.
Depois das descobertas da lógica simbólica, ninguém mais
pode repetir tal juízo, visto que a aplicação dos símbolos fa­
cilitou enormemente o cálculo lógico e mudou muitas coisas.
Ademais, é bem difícil afirmar que o silogismo é a forma
própria de qualquer mediação e de qualquer inferência,
como acreditava Aristóteles. Contudo, por mais numerosas
que sejam as objeções que foram e ainda podem ser formu­
ladas contra a lógica aristotélica, e por mais verdades que
possam conter as instâncias que vão do Novum Organon de
Bacon ao Sistema de lógica de Stuart Mill, além de instâncias
que vão da lógica transcendental kantiana à lógica da razão
(lógica do infinito) hegeliana, ou, enfim, as instâncias das
metodologias das ciências modernas, é sempre indubitável
que a lógica ocidental em seu conjunto tem suas raízes no
Organon de Aristóteles, que, portanto, ainda é um marco no
caminho do pensamento humano.

NOTAS
1 . Cf. Metaph. E 2-4.
2 . Cf. Reth. A 4, 1 .359 b 10, em que se fala de "ciência analítica (e, como iremos
ver em seguida, "analítica" substitui, em Aristóteles, a palavra "lógica") .
3. Cf. Th. Waitz, Aristotelis "Organon", 2 v. Lipsiae, 1 844 (reed. Aalen, 1 965),
V . II, p. 293 ss.

4. Cf. C. Prantl, Geschichte der logik im Abendlande, 2 v. Leipzig, 1 927, v. II,


p. 54, 535.
5. Além de Analíticos, Aristóteles usa a expressão Escritos sobre o silogismo para
referir-se a esses textos. Ver M. Mignucci ( org.), Aristóteles. Analitici primi.
Nápoles, 1 970, p. 40 e nota 2 .
6 . Confutazioni sofistiche, 3 4 , 1 8 3 b 34 s s e, em parte, 1 84 a 8- 1 84 b 8.
7. Ver status quaestionis em Aristóteles, Analitici primi, p. 1 9 ss; cf. também
V. Sainati, Storia dell"'Organon" aristotelico, Florença, 1 968.
8. Cf. Waitz (org. ) , Organon, 1, p. 366 ss.
9. An. post. A 2, 71 b 1 7-25, tradução Mignucci (Aristotele, Gli "Analitici secon­
di'; Bolonha, 1 970; essa é a edição condensada. Mignucci reeditou-a com
amplíssimo comentário na mesma coleção em que saíram Gli "Analitici
primi", Loffredo, Nápoles) .

1 74
V I I I . A F UNDAÇÃO DA LÓGICA: ANÁLISE DO ORGANON

1 0 . Em sua edição cit. do Organon, Waitz os considera simplesmente o último


livro (Iota) dos Tópicos; cf. a justificativa que ele fornece no v. II, p. 528 ss;
cf. também as indicações dadas por Mignucci na edição citada de Gli
"Analitici primi'', p. 1 9, nota 2 .
1 1 . Cat. 4, 1 b 25-27 ( D . Pesce [ org. ] , Aristoteles, L e categorie. Pádua, 1 966).
1 2 . Ibid., 4, 2 a 4- 10.
1 3 . Cf. os lugares em que tais definições aparecem no Organon (Waitz, op. cit.,
II, p. 398 ss) .
14. Cf. passagens ibid., II, p. 399.
1 5. Ver em especial Metaph. Z 1 2 .
16. D e interpr. 1 e 9 .
1 7. Ibid., 4, 1 7 a 1 -7.
18. Ibid., 5-6.
1 9. Ibid., 7.
20. Ibid., 9 ss.
2 1 . An. pr. A 1, 24 b 1 8-22 (afastamo-nos em parte da tradução de Mignucci) .
2 2 . M. Mignucci, L a teoria aristotelica della scienza. Florença, 1 965, p . 1 5 1 .
23. Cf. An. pr. A 4.
24. Sobre todas essas questões aqui apenas mencionadas, o leitor encontrará as
explicações e os aprofundamentos necessários na introdução e no comen­
tário de Mognucci, tantas vezes citados.
25. Mignucci, La teoria aristotelica della scienza, p. 1 1 0 ss.
26. An. post. A 2, 71 b 9-25 (tradução de M. Mignucci) .
2 7 . Metaph. Z 9, 1 .034 a 30-32.
28. An. pr. B 23, passim.
29. Cf. H. Bonitz, Index aristotelicus, p. 264 a s.v.
30. An. pr. B 19, 1 00 b 5- 1 7.
3 1 . An. post. A 1 0, 76 b 1 1 - 1 6.
32. Ver Metaph r 3-8 e Aristóteles, La metafisica (Reale, op. cit., v. I, p. 329-
357).
33. Top. A 1 , 1 00 a 1 8 - 1 00 b 23 (a tradução é de Giorgio Colli, cf. Organon,
Laterza, Bari 1 970).
34. Ibid., A 2, 101 a 36; 101 b 4.
35. Para uma exposição específica da dialética aristotélica, cf. A. Viano, La lo-
gica di Aristotele. Turim, 1 955, cap. iv, passim.
36. Cic., De Oratore 2, 39, 162 (cf. Top. H. no final).
3 7. Ross, A ris to tele, p. 86 ss.
38. Cf. nota 10, acima.
39. Em Metaph. Z 7, 1 .032 b 1 ss, Aristóteles diz, sem meios-termos: "chamo
de 'forma' ( eidos) a essência de cada coisa e a substância primeira".
40. Remetemos, para todos os oportunos aprofundamentos, ao livro Z da
Metafísica, passim, essencial para compreender o pensamento aristotélico
como um todo. A lógica (como qualquer outra parte do pensamento aris­
totélico) só é inteligível com base na doutrina da substância-forma, tal
como vem determinada nesse livro. Cf. Reale, La "Metafísica", I, p. 562-637.

1 75
HISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E
DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

História da escola peripatética e dos escritos


de Aristóteles até a edição de Andrônico de Rodes1

Em 322-32 1 a.C., Teofrasto sucedeu Aristóteles na direção


do Perípato, mantendo-se à frente da escola até 288-284 a.C.
Ele foi uma figura de primeira ordem, um pesquisador for­
midável, de cultura enciclopédica; quanto à vastidão do sa­
ber, rivalizava com o próprio Aristóteles. Teofrasto, que,
como vimos, seguiu de perto a evolução do pensamento aris­
totélico desde os tempos de Assos e Mitilene, não foi contudo
capaz de retomar e repensar os temas aristotélicos. Na verda­
de, orientou o aristotelismo para uma direção naturalística
e fez com que perdesse seu peculiar vigor especulativo. Em
sua Metafísica, imprimiu um sentido cosmológico à ontolo­
gia aristotélica, reduziu o alcance do finalismo e começou a
levantar dúvidas, embora timidamente, sobre o Motor Imó­
vel. Revelou tendências análogas também em física e psicolo­
gia. Na ética, preferiu a fenomenologia descritiva à análise
dos princípios (é famoso o seu Características) . Em lógica,
produziu algumas correções e inovações. A mais conhecida
é a doutrina do silogismo hipotético, na qual foi precursor
dos estoicos.
Tendências análogas podem ser reconhecidas também em
outros discípulos de Aristóteles: Eudemo, Dicearco e Aris­
tóxeno. Os dois últimos voltaram até a defender a doutrina
materialista da alma-harmonia, expressamente refutada por
Aristóteles.
Abertamente materialista foi a orientação do terceiro es­
colarca do Perípato, Estratão de Lâmpsaco, que dirigiu a es-

1 77
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

cola de 288-284 a 274-270 a.C. e que eliminou o fim, eli­


minou a forma, eliminou o Motor Imóvel da explicação da
natureza e do cosmo, limitando -se a fazer uso dos conceitos
de matéria e movimento. De mais a mais, entendeu a psico­
logia num sentido sensualista, de modo que era conhecido, e
com razão, como "o Físico".
De 270 a.C. até por volta do fim da era pagã, a vida da
escola aristotélica prosseguiu num clima de monotonia e
constrangedora mediocridade. Lícon, que sucedeu Estratão e
manteve o escolarcado por quase meio século, era mais lite­
rato que filósofo, assim como seu sucessor, Aríston de Quios.
Um contemporâneo de Lícon, Jerônimo de Rodes, acolheu
ecleticamente as doutrinas epicurianas. Critolaus de Faselide,
sucessor de Aríston, pendeu para o estoicismo, e tendências
ecléticas podem ser encontradas em seu sucessor, Diodoro
de Tiro.
Depois de Diodoro, os aristotélicos deixaram pouquís­
simos vestígios até Andrônico de Rodes, que, como veremos
a seguir, lançou as bases de um renascimento de Aristóteles e
salvou o pensamento do filósofo para a posteridade.
Pode-se perguntar quais teriam sido as razões que leva­
ram a escola de Aristóteles a uma crise tão grave, que come­
çou logo após sua morte e prosseguiu por um século e meio.
Entre as muitas causas possíveis, uma é decisiva. Ao morrer,
Teofrasto deixou os prédios e os jardins para a escola, mas
entregou a biblioteca, e portanto todos os escritos de Aristó­
teles, para Neleu de Scepsis (Diógenes Laércio, V, 52), filho
daquele Corisco que já conhecemos. Hoje sabemos por Es­
trabão (XIII, I, 54) que Neleu transferiu-se com a biblioteca
para a Ásia Menor, e que, morrendo lá, deixou-a para seus
herdeiros. Estes, que não tinham pelas obras nenhum interes­
se especial, resolveram esconder os preciosos manuscritos
num porão, para evitar que caíssem nas mãos dos reis atáli-

1 78
H I STÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

das, dedicados à construção da biblioteca de Pérgamo. Assim,


os escritos ficaram escondidos até serem comprados por um
bibliófilo de nome Apelicão, que os levou de volta a Atenas,
onde ficaram por breve tempo. Depois da morte de Apelicão,
eles foram confiscados e levados para Roma ( 86 a.C. ) por
Sila, e lá foram entregues para transcrição ao gramático Tirâ­
nio, que não terminou a obra, depois levada a termo por
Andrônico.
Portanto, após a morte de Teofrasto, a escola peripatética
foi privada do instrumento mais importante de uma escola
filosófica: a biblioteca. E foi privada justamente daquela pro­
dução aristotélica que consistia nos cursos e aulas, ou seja,
nos escritos esotéricos, que continham a mensagem indiscu­
tivelmente mais original e mais profunda do Estagirita. As­
sim, estavam disponíveis apenas as obras publicadas (as exo­
téricas) e talvez partes ou extratos dos textos esotéricos; em
todo caso, o que estava à disposição correspondia a uma par­
cela mínima da obra completa de Aristóteles.
Andrônico de Rodes, que mencionamos antes e que era,
como quer uma antiga tradição, o décimo primeiro escolarca
do Perípato, foi de Atenas a Roma disposto a recuperar o
Aristóteles esotérico para a escola e para o mundo filosófico.
É provável que tenha estabelecido uma relação com Tirânio,
beneficiando-se do trabalho que ele já havia feito; de modo
que, entre 40 e 20 a.C., Andrônico pôde afinal publicar as
obras de escola do Estagirita. A publicação seguiu um proce­
dimento sistemático, segundo um plano preciso, que levava
em conta o conteúdo das obras e a ordem lógica em que de­
veriam ser lidas. Assim, pela primeira vez, os estudiosos ti­
nham à disposição todo o material deixado por Aristóteles
organizado do ponto de vista conceitua!. Foi só depois dessa
edição de Andrônico que se começou, muito devagar ainda,
a entender que o verdadeiro Aristóteles não estava naqueles

1 79
INTRODUÇÃO A ARISTÓTEL ES

escritos publicados para um amplo círculo de leitores, mas


nos textos esotéricos redigidos como apontamentos de cur­
so para seus alunos. A profundidade dos esotéricos pouco a
pouco venceu sua dificuldade e a linguagem própria para
iniciados. Com o passar do tempo, aliás, a situação mudou
completamente: as obras exotéricas foram postas de lado,
caindo no esquecimento e se perdendo; só os escritos esoté­
ricos chegaram até nós, justamente na sistematização realiza­
da por Andrônico.

Os comentaristas gregos de Aristóteles2

Depois da edição de Andrônico, a produção dos peripatéticos


mudou de tom e de nível. Mesmo que não tenham ensejado
um repensamento radical de Aristóteles, podemos falar de
um "renascimento aristotélico", que começou como um tra­
balho de exposição e exegese do pensamento esotérico do Esta­
girita e culminou com a criação dos grandes comentários às
várias obras.
Andrônico propunha uma leitura de Aristóteles que co­
meçava com a Lógica, sublinhando seu valor instrumental;
seu discípulo Boezo de Sidón, por sua vez, propunha que se
começasse com a Física. Tudo indica que ambos tendiam para
uma interpretação naturalista do pensamento aristotélico.
Nicolau de Damasco ( entre as eras pagã e cristã) escreveu
uma obra orgânica, Acerca da filosofia de Aristóteles, que pa­
rece ter sido a primeira apresentação sistemática do Aristóte­
les esotérico.
Com Aspásio (primeira metade do século II a.C. ) começa
a série dos comentaristas. De sua autoria, chegou a nós uma
parte do comentário da Ética a Nicômaco. Também são lem­
brados como comentaristas Adrasto de Afrodísia e Hermínio,
cujo discípulo, Alexandre de Afrodísia, é considerado o maior
dos comentaristas de Aristóteles.

1 80
H I STÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

De Alexandre (que foi professor de filosofia aristotélica


em Atenas entre 1 98 e 2 1 1 d.C.) chegaram aos nossos dias o
imponente comentário da Metafísica (cujo texto talvez inclua
uma parte espúria) , o comentário dos Analíticos primeiros,
dos Tópicos e dos Meteorológicos. Na verdade, Alexandre tam­
bém produziu um pensamento próprio, não alinhado à or­
todoxia aristotélica. Ele se inclinou para o naturalismo em
ontologia e psicologia, acentuando o caráter imanente da
forma e, portanto, da alma, que considera mortal. O intelecto
agente, que Aristóteles julgava a faculdade imanente da alma,
para Alexandre era a causa primeira transcendente, entidade
transcendente e ao mesmo tempo comum a todos os ho­
mens. A intelecção teria lugar nos homens por obra da ati­
vidade desse intelecto produtivo transcendente, único para
todos, sobre o intelecto de cada um de nós. Teríamos, portan­
to, um contato direto com o divino, mas seríamos mortais.
Alexandre fecha a série de comentadores com convicções
aristotélicas. Depois dele, Aristóteles ainda seria muito lido
e estudado, mas em função do neoplatonismo, e os aristo­
télicos puros seriam verdadeiras exceções, como Temístio,
por exemplo, no século IV, autor de paráfrases aos tratados
aristotélicos. O aristotelismo irá se fundir e se incorporar ao
neoplatonismo; assim, o Perípato e os peripatéticos deixa­
riam de existir como escola e como filosofia autônoma cerca
de três séculos antes que as escolas pagãs fossem oficialmente
fechadas por ordem de Justiniano.
Mas o comentário a Aristóteles continuaria a desfrutar da
estima dos neoplatônicos. A tendência comum a todos os
comentaristas era conciliar tanto quanto possível Platão e
Aristóteles. No século III d.C., Porfírio (discípulo de Plotino) ,
primeiro dos comentaristas neoplatônicos, dedicou-se à s Ca­
tegorias, escrevendo o Isagoge, ponto de referência para todos
os pensadores medievais.

181
INTRODUÇÃO A A R I STÓTELES

Do círculo de Giamblico, temos Dexipo (século IV), autor


de um comentário às Categorias.
Também entre os neoplatôhicos das escolas de Atenas e
de Alexandria havia numerosos comentaristas de Aristóteles.
Siriano (século V), que foi professor de Prado, deixou um
comentário à Metafísica. Amônia, discípulo de Prado que
dirigiu a escola de Alexandria, comentou Categorias, Sobre a
interpretação e Analíticos primeiros.
Todos os comentaristas do século V vieram da escola de
Amônia: Asdépio, do qual restou um comentário parcial à
Metafísica; João Filipono, que comentou obras de lógica e
também Física, Sobre a alma, Metafísica, Sobre a geração e a
corrupção, Meteorológicos e Sobre a geração dos animais.
Discípulo de Amônia foi também Simplício, que transi­
tou entre as correntes alexandrina e ateniense do neoplato­
nismo. Comentou Categorias, Física, Sobre o céu e Sobre a
alma. Em 529, foi obrigado a abandonar Atenas e migrou
para a Pérsia, em decorrência do fechamento das escolas pa­
gãs por Justiniano.
Entre os mais jovens discípulos de Amônia figurava
Olimpiodoro (segunda metade do século VI) , que, além dos
diálogos platônicos, comentou Categorias. Elias e David fo­
ram seus discípulos e deixaram comentários a Categorias e ao
Isagoge de Porfírio (século VIl ) .3
Ao lado dos comentaristas gregos, é importante mencio­
nar também os bizantinos, dos quais os mais conhecidos são
Miguel de Éfeso (cujos comentários a algumas obras científi­
cas e a Ética chegaram até nós) e Eustrásio (do qual temos
um comentário a Análiticos segundos) , que viveram no século
XI , e Sofonias, do qual restou um comentário a Sobre a alma.

( Recordemos, enfim, que também saiu das fileiras do


neoplatonismo o Ptolomeu que escreveu uma Vida de Aristó­
teles, tornando-se fonte de informações para quase todas as

1 82
HISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

biografias sucessivas do Estagirita.4 É provável que fosse dis­


cípulo de Porfírio e Giamblico, e tenha vivido em Alexandria
na primeira metade do século IV. )

Aristóteles na Idade Média5

No século VI, Severino Boécio traduziu o Organon de Aristó­


teles para o latim. Dessa tradução circulam apenas Categorias
e Sobre a interpretação, visto que as traduções dos outros tra­
tados transformaram-se em letra morta. Mas essas duas se
conservaram, tanto que ainda foram utilizadas no século XII,
conforme demonstraram estudos mais recentes. Portanto,
entre os séculos VI e XII, o mundo latino só conheceu efeti­
vamente e estudou da obra de Aristóteles os dois primeiros
tratados do Organon.
Enquanto isso, porém, Aristóteles renascia no mundo ára­
be. Na primeira metade do século IX, foi fundada em Bagdá
uma escola de tradutores de grego que produziu versões ára­
bes de Aristóteles e de alguns de seus comentaristas mais co­
nhecidos: Alexandre, Temístio, Porfírio e Amônio. Foi tradu­
zida também a Theologia Aristotelis, que, como todos sabem,
é na realidade uma antologia das Enéadas de Platino. Tudo
isso explica claramente por que a interpretação que os árabes
fizeram de Aristóteles era acentuadamente neoplatônica.
Na segunda metade do século IX, Al-Kindi escreveu uma
Introdução ao estudo de Aristóteles, codificando os cânones do
Estagirita numa interpretação de caráter decididamente neo­
platônico, que ele aplicou também em seus comentários a al­
gumas obras singulares. Al-Farabi deu continuidade à obra de
comentário e repensamento de Aristóteles no século X, assim
como fez Avicena, com maior originalidade, no século XI.
Mas o comentarista de Aristóteles por excelência foi Aver­
róis ( "que o comentário deu'', como diz Dante, Inf., IV, 1 44),
no século XII. Pelo menos em parte, Averróis reagiu contra a

1 83
INTRODUÇÃO A A R ISTÓTELES

interpretação neoplatônica; mesmo sem obter êxito comple­


to, decerto percorreu um longo caminho na direção oposta
à de seus predecessores. Redigiu três séries de comentários:
a) "os pequenos comentários'', paráfrases que sintetizam as
teses e conclusões de Aristóteles, sem as mediações teóricas
que levam a tais conclusões e destinadas àqueles que não ti­
nham condições de enfrentar a leitura dos textos do Estagi­
rita; b) os "comentários médios'', em que expõe a doutrina
aristotélica com as respectivas mediações demonstrativas,
acompanhadas também de reflexões pessoais; c) os "comen­
tários maiores'', em que apresenta os textos aristotélicos com
as respectivas interpretações.
Por intermédio da Espanha, da Sicília e da Itália meridio­
nal, o aristotelismo árabe teve notável influência sobre o pen­
samento ocidental, que, como dissemos, entre todas as obras
de Aristóteles, só havia lido diretamente os dois primeiros
tratados do Organon.
No século XII, entre 1 1 28 e 1 1 55, Giacomo Veneto desen­
volveu uma atividade febril de tradutor, como demonstrou
recentemente Minio-Paluello. Traduziu Analíticos primeiros e
Analíticos segundos, Tópicos, Refutações, Física, Sobre a alma,
parte de Parva naturalia, Metafísica e os escólios gregos a
Analíticos primeiros e ao primeiro livro da Metafísica.6 Gran­
de parte do Corpus aristotelicum também foi traduzida, no
mesmo século, por autores ainda não identificados. No fim
do mesmo século, somente as seguintes obras de Aristóteles
ainda não tinham sido traduzidas para o latim: Sobre o céu,
os três primeiros livros de Meteorológicos, talvez Política e
Economia, os tratados sobre os animais, Retórica e Poética.
Na primeira metade do século XIII, Roberto Grossates­
ta traduziu, com alguns colaboradores, entre outras obras,
Sobre o céu e Ética a Nicômaco, com comentários de Eutrásio,
Miguel de Éfeso e Aspásia.

1 84
H ISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

Na corte de Manfredi, Bartolomeu de Messina traduziu


várias obras científicas do Estagirita.
Por fim, na segunda metade do século XIII, o tradutor
responsável foi Guilherme de Moerbeke; em parte utilizando
as traduções anteriores, em parte retraduzindo ex novo, colo­
cou à disposição do leitor ocidental toda a obra de Aristóte­
les. Assim, Enzio Franceschini resume os resultados das pes­
quisas acerca das traduções de Guilherme de Moerbeke:
Guilherme corrigiu as seguintes versões anteriores a ele: So­
phistici elenchi (de Boécio) ; Analytica posteriora, Physica, De
anima, De memoria, De longitudine, De iuventute, De respi­
ratione, De morte (todas de Giacomo Veneto) ; De generatio­
ne, De sensu, De somno, Metaphysica media, Politica vetus,
De partibus animalium (? ) ; anônimas: Liber ethicorum, De
caelo, Simplicius in "De caelo" (Roberto Grossatesta) . Tra­
duziu ex novo as seguintes: Meteora, o comentário de Ale­
xandre de Afrodísia a Meteorológicos (1260) ; o comentário
de João Filipono aos livros 1 e II de De anima (1268) ; o co­
mentário de Temístio a De anima ( 1267) ; o comentário de
Simplício a Predicamenta (com o texto aristotélico: 1266) ; o
comentário de anônimo a Periermeneias; o livro XI (K) da
Metafísica; os livros II-VIII de Politica; Rhetorica; Epistola ad
Alexandrum; Poetica; De h istoria animalium, De progressu
animalium, De motu an., De generatione an., o comentário
de Alexandre de Afrodísica a De sensu.7

Nos séculos XII e XIII foram realizadas também várias


traduções de Aristóteles do árabe; no século XIII, sobretudo
no âmbito do comentário de Averróis.
Em paralelo às traduções, surgiram no século XIII e no
seguinte inúmeros comentários. Os que indicaremos agora
são apenas os mais conhecidos; muitos ainda são inéditos,
pois um catálogo completo ainda não foi compilado. Co­
mentários a Analíticos segundos e Refutações, além de um
compêndio da Física, por Roberto Grossatesta. Paráfrases às

185
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

obras aristotélicas (Lógica, Física, Metafísica, Ética e Política) ,


de Alberto Magno. Esclarecedores e corretos comentários,
ainda hoje amplamente utilizáveis, de Tomás de Aquino a
Sobre a interpretação, Física, Metafísica, Ética, Sobre a alma,
Sobre o senso e o sensato, Sobre o céu e o mundo, Meteoro­
lógicos, Política. Roger Bacon escreveu Quaestiones supra li­
bros octo "Physicorum" Aristotelis e Quaestiones supra libros
"Primae Philosophiae". Egídio Romano comentou Sobre a
geração, Sobre a alma, Física, Metafísica e os escritos sobre
lógica. A Henrique de Gand são atribuídas as Quaestiones
supra "Metaphysicam" Aristotelis e um comentário a Física.
De Scotus recordaremos as Quaestiones subtilissimae super
libros "Methaphysicorum" Aristotelis. De Ockham recordare­
mos Expositio in librum "Porphirii'; In librum "Predicamen­
torum'; In duos libros "Perihermeneias'; In duos libros "Elen­
chorum'; Expositio in octo libros "Physicorum" e Quaestiones
in libros "Physicorum" ( inéditas) .
A interpretação que a Idade Média fez de Aristóteles,
como mencionamos, ressentiu-se fortemente da interpreta­
ção neoplatônico-avicenista. De resto, além da influência dos
comentaristas árabes, também contribuiu para essa inter­
pretação a atribuição a Aristóteles do Liber de causis, que,
como sabemos hoje, é um extrato da Elementatio theologica
de Proclo (Santo Tomás de Aquino irá perceber a dependên­
cia do Liber de causis em relação a Elementatio) .
Como é sabido, Aristóteles não foi prontamente aceito
pelos pensadores cristãos. Os livros de lógica e de ética foram
bem recebidos, enquanto os de metafísica, física e cosmolo­
gia eram considerados contrários à doutrina da Revelação,
pois defendiam a eternidade do mundo. Isso agravou-se à
medida que pensadores imanentistas e os de tendência heré­
tica, como Amalrico de Bena e David de Dinant, pareciam
encontrar apoio nas doutrinas aristotélicas. A partir de 1 2 1 0,

1 86
H I STÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARI STÓTELES

as obras físicas e metafísicas do Estagirita foram proibidas em


Paris. Mas os vetos foram inúteis, e as obras continuaram a se
afirmar cada vez mais. Eis um fato altamente significativo:
em 1 263, Urbano IV confirmava a interdição, mas permitia
que, precisamente em sua corte, Guilherme de Moerbecke
traduzisse as obras que proibira. Na realidade, a partir da
segunda metade do século XIII, Aristóteles se transformou no
filósofo cujas obras constituíam, na universidade, os livros de
texto para o ensino da filosofia nos cursos de artes.
A história da interpretação medieval de Aristóteles coin­
cide com a história do pensamento árabe e da escolástica,
ou seja, com a parte mais conspícua da filosofia medieval.
O problema principal, tanto entre os árabes quanto no mun­
do latino, foi a conciliação das doutrinas aristotélicas com os
textos sagrados. Limitando-nos ao Ocidente, que é o que nos
diz respeito mais de perto, destacam-se pelo menos três po­
sições diversas em relação a Aristóteles: a) um grupo de pen­
sadores assume em relação ao Estagirita uma posição nega­
tiva mais ou menos nuançada, afirmando a necessidade de
um retorno ao agostinismo (Guilherme de Auvergne, Ale­
xandre de Hales, Roberto Grossatesta e o grande Boaventu­
ra) ; b) outros, como Alberto Magno e sobretudo Tomás de
Aquino, tentaram realizar uma mediação integral entre Aris­
tóteles e a doutrina revelada (a introdução do teorema da
distinção entre essência e existência deu a Santo Tomás a base
para fundamentar, no plano racional, o princípio da criação
e reformar radicalmente o aristotelismo, tornando-o conci­
liável com a fé) ; c) Siger de Brabante, enfim, sem se preo­
cupar em conciliar Aristóteles e a fé, deu ao filósofo uma in­
terpretação de caráter decididamente averroísta; rechaçou a
reforma tomista e defendeu que, para Aristóteles, o mundo
é eterno, sem início e portanto necessário, dado que desde
sempre o Motor Imóvel atrai e move o Universo, e que o

1 87
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

intelecto possível é uma substância separada, única para to­


dos os homens; para superar a oposição que assim se criava
entre o pensamento de Aristó teles e os dogmas da fé, Siger
introduziu a distinção entre duas ordens de verdade, a verda­
de de fé e a verdade de razão.
Em geral, é preciso dizer que a Idade Média tomou de
Aristóteles as categorias essenciais para entender Deus ( ser
supremo, suprema forma, pensamento de pensamento) , o
cosmo (estrutura hilemórfica dos entes materiais, ato, potên­
cia e todos os conceitos a eles ligados; finitude do mundo e
sua estrutura) e o próprio homem (o conceito de alma como
forma substancial, os processos do conhecimento, o conceito
de virtude) . Na verdade, a Revelação iria transformar e con­
ferir valores inéditos a tais categorias. Mas os filósofos me­
dievais só estavam parcialmente conscientes disso. As inter­
pretações mais recentes da filosofia medieval estão deixando
cada vez mais claro como era simplista o velho esquema que
via na escolástica uma mera adaptação de Aristóteles às exi­
gências da Revelação. Em todo caso, ainda é verdade que o
fundador do Perípato estimulou e fecundou o pensamento
medieval como nenhum outro filósofo nas eras que o segui­
ram. O epíteto que Dante deu a Aristóteles, chamando-o de
"mestre dos que sabem': exprime à perfeição o sentimento de
toda uma época.

Aristóteles no Renascimento e nos


primeiros séculos da era moderna8

Se Dante deu o cetro do saber a Aristóteles, Petrarca, abrindo


a era do humanismo, o entregaria a Platão. Na filosofia hu­
manístico-renascentista, quem estimulou a reflexão filosófica
foi sobretudo Platão. Porém, também Aristóteles, mesmo que
em menor grau, desfrutou de um novo renascimento.

188
H I STÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

Na era renascentista, o rosto de Aristóteles muda muito


em relação à Idade Média; entre outras coisas, afirma-se nes­
sa época o mito da oposição radical entre os dois filósofos.
Na realidade, a oposição nasce do conflito de dois ideais; os
amantes das letras e os espíritos religiosos encontrarão em
Platão (neoplatonicamente entendido) seu alimento espiri­
tual, enquanto os amantes das ciências, os espíritos laicos e
os amantes da empiria encontraram seu alimento em Aris­
tóteles. Os dois vão se transformar, assim, em dois símbolos:
o primeiro, de uma visão transcendental-religiosa-espiritua­
lista da realidade; o segundo, de uma visão predominante
naturalista-empirista. O célebre afresco Escola de Atenas, de
Rafael, representa visualmente essa oposição de maneira ad­
mirável, retratando Platão com o dedo apontado para invisí­
veis e metafísicas alturas, e Aristóteles, para os fenômenos
visíveis da experiência.
O primeiro defensor da oposição entre Aristóteles e Pla­
tão foi Jorge Gemistos Pleton, que foi para a Itália de Bi­
zâncio por ocasião do Concílio de Florença. Ele pretendia
reunificar as religiões com base na metafísica do platonismo
(neoplatonicamente entendido) , que considerava incompa­
ravelmente superior à de Aristóteles. Sua Comparação da filo­
sofia de Platão e de Aristóteles (redigida por volta de 1 440)
provocou uma reação forte entre os aristotélicos e deu ori­
gem a uma série de escritos polêmicos. Recordaremos Jorge
Scholario Genádio, que escreveu Sobre as dúvidas de Pleton
acerca de Aristóteles. Teodoro Gaza também escreveu contra
Pleton. Ficou famosa sobretudo a resposta de Jorge de Trebi­
zonda a Pleton, Comparação dos filósofos Platão e Aristóteles
( 1 455 ) , respondida por sua vez por Basílio Bessarion, que
escreveu Contra um caluniador de Platão ( 1 469) .
Jorge Genádio ( t c. 1 464) , Jorge d e Trebizonda ( t 1 484),
Teodoro Gaza ( 1 400- 1478) e Hermolau Bárbaro ( t l 493) são

1 89
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

considerados iniciadores do aristotelismo renascentista. Jorge


de Trebizonda fez nove traduções de textos aristotélicos e
comentou sobretudo os escritos relativos à lógica. Teodoro
Gaza também traduziu obras de Aristóteles e de Teofrasto.
Hermolau Bárbaro traduziu, além dos escritos de Aristóteles,
os comentários de Temístio. (Proveniente da margem oposta,
é importante recordar a excelente tradução de Bessarion da
Metafísica. )
O Aristóteles que renasce, como já mencionamos, é um
antiplatônico e também acentuadamente antiescolástico :
Hermolau considerava Alberto e Santo Tomás (assim como
Averróis) "bárbaros".
Entre os aristotélicos renascentistas, é possível identificar
duas orientações segundo posições interpretativas opostas: os
averroístas, que enfatizavam o intelecto possível único para
todos, e os alexandristas, que sublinhavam, ao contrário, a
mortalidade da alma. A Universidade de Pádua era o centro
do averroísmo; o iniciador da interpretação alexandrista foi
Pedro Pomponazzi.
Entre os aristotélicos que, de certa forma, se inspiraram
no averroísmo, recordamos Nicolau Vernia (t l 499) , Agos­
tinho Nifo (t l 546) , que se aproximou mais tarde do tomis­
mo, Alexandre Achillini ( t l 5 1 2 ) e Marco Antônio Zimara
( t l 532).
Simão Pórcio ( t l 555) foi seguidor de Pomponazzi ( 1 462-
1 524) . César Cesalpino ( t l 603 ) interpretou Aristóteles numa
chave naturalista. Jacobo Zabarella ( t l 589) e César Cremoni
( t l 63 1 ) aproximaram-se da interpretação alexandrista.
Fora da Itália, trataram de Aristóteles com exposições e
comentários J. Faber Stapulensis ( Jacques Lefevre, t l 537, que
foi o iniciador do humanismo francês) , Petrus Ramus (Pierre
de la Ramée, t l 572 ) , que criticou a lógica aristotélica, mas

190
HISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

escreveu comentários aos escritos lógicos Física e Metafísica.


O próprio Filipe Melantone ( 1 497- 1 560) mostrou-se bastan­
te sensível ao discurso aristotélico.
Muitas traduções e diversos comentários humanistas e
renascentistas a Aristóteles ainda precisam ser descobertos ou
permanecem inéditos. Um catálogo dessas obras não foi or­
ganizado nem sequer programado.
Um renascimento de Aristóteles de caráter escolástico
aconteceu por obra dos dominicanos e depois dos jesuítas
( cuja ordem foi fundada em 1 540) , em conexão com seu tra­
balho em favor da Contrarreforma.
Entre os dominicanos, destacamos: Domingo de Flandres
( t c. 1 500) , que escreveu Questiones, acerca da Metafísica do
Estagirita; Crisóstomo Javelli (t meados dos anos 1 500) , que
comentou, entre outros, Metafísica, Ética, Política e Sobre a
alma; Francisco Silvestre de Ferrara ( t l 52 8 ) , que escreveu,
entre outros, Questioni sulla "Física" e sul "De anima"; To­
más de Vio ( t l 534) , que comentou as obras de lógica e Sobre
a alma.
Depois do Concílio de Trento, surgiram Domingo Soto
( t l 560 ) , que comentou Física e Sobre a alma; Francisco Tole­
do ( t l 596), que comentou as obras de lógica, Física, Sobre a
alma e Sobre a geração; Pedro Fonseca ( t l 599), que comen­
tou Metafísica; Francisco Suárez ( t 1 6 1 7) , cujas Disputationes
metaphysicae são dignas de nota. Recordaremos por último
Silvestre Mauro ( 1 6 1 9- 1 687), que comentou de forma clara e
linear todo o Aristóteles filósofo ( Lógica, Retórica, Poética,
Éticas, Política, Economia, Física, Sobre o céu, Sobre o mundo,
Sobre geração, Sobre a alma, Parva naturalia, Metafísica) , obra
publicada em Roma, em 1 668 (a reedição, publicada em Pa­
ris, em 1 885, ainda pode ser encontrada: Aristotelis Opera
Omnia quae extant brevi paraphrasi et litterae perpetuo inha­
erente expostione illustrata a Silvestro Mauro, 4 v. ) .

191
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Mas a filosofia moderna já havia tomado um rumo total­


mente diverso. Depois de Galileu, Bacon e Descartes, Aristó­
teles foi quase esquecido; Leibniz constitui a típica exceção
que confirma a regra. O grande Kant irá ignorar quase com­
pletamente os escritos do Estagirita. A lógica formal aristoté­
lica, que ele conhece e louva, é na verdade a lógica ampla­
mente reelaborada pela tradição escolástica; a metafísica que
debate é a racionalista, de Wolf; enquanto as éticas que vão
lhe servir de confrontação são as éticas epicurista e estoica.
Assim, até a chegada de Hegel, todos os grandes filósofos ig­
noraram os escritos de Aristóteles.

O renascimento de Aristóteles nos séculos XIX e XX

No decorrer do século XIX, dois acontecimentos mudaram


radicalmente a situação a favor de Aristóteles: a nítida reava­
liação da filosofia do Estagirita feita por Hegel e a grande
edição crítica da obra completa de Aristóteles realizada pela
Academia de Berlim e organizada por Bekker e outros filólo­
gos de renome inquestionável.
Hegel tomou uma posição drasticamente favorável a Aris­
tóteles, sobretudo em Lições sobre a história da filosofia (que,
como todos sabemos, nasceram de uma série de cursos uni­
versitários ministrados em Jena, em 1 805 - 1 806, em Heidel­
berg, em 1 8 1 6- 1 8 1 7 e em 1 8 1 7- 1 8 1 8, e por fim em Berlim,
entre 1 8 1 9 e 1 820), lições publicadas postumamente por Mi­
chelet, em 1 833, e ampliadas em 1 840- 1 844. 9 Eis uma das
afirmações de Hegel, extremamente significativa: "Ele [Aris­
tóteles J é um dos mais ricos e profundos gênios científicos
que jamais existiram, um homem ao qual nenhuma época
pode contrapor outro igual" (v. II, p. 275 ) . E eis como o filó­
sofo alemão estigmatizava a ignorância de sua época acerca
da filosofia de Aristóteles:

192
HISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

Entre outras coisas, o que nos induz a tratar extensamente


Aristóteles é a consideração de que contra nenhum outro
filósofo se cometeu tamanha injustiça, com tradições des­
providas de qualquer sombra de pensamento transmitidas a
respeito de sua filosofia, bem conceituadas até hoje, embora
ele tenha sido por tantos séculos o mestre de todos os filó­
sofos. De fato, opiniões diametralmente opostas à sua fi­
losofia lhe são atribuídas. Enquanto Platão é muito lido, os
tesouros aristotélicos continuaram desconhecidos durante
séculos, até a era moderna, e os mais infundados preconcei­
tos a seu respeito ainda prevalecem. Quase ninguém conhe­
ce suas obras especulativas, lógicas; às obras dedicadas à
história natural, rendeu-se modernamente certa justiça, mas
não às concepções filosóficas. Por exemplo, é opinião quase
universal que as filosofias aristotélica e platônica são com­
pletamente opostas, como o realismo ao idealismo; o aristo­
telismo seria realismo em sua forma mais trivial. Platão te­
ria situado como princípio o ideal, de modo que a ideia
interna se alimentaria de si mesma em sua criação; segundo
Aristóteles, ao contrário, a alma seria uma tábula rasa, rece­
bendo do exterior, de máneira passiva, todas as suas deter­
minações; a filosofia aristotélica seria portanto empirismo e
lockismo da pior espécie etc. Veremos como isso pouco cor­
responde à verdade. De fato, Aristóteles superou Platão em
profundidade especulativa, já que conheceu a mais radical
das especulações, o idealismo, e a ele se ateve, não obstante
a parte importantíssima que dedicou ao empirismo. So­
bretudo entre os franceses, contudo, ainda se nutrem opi­
niões absolutamente errôneas sobre Aristóteles. A insistên­
cia da tradição em lhe atribuir cegamente certas afirmações,
sem se preocupar em verificar se estão mesmo em seus li­
vros, pode ser provada pelo fato de que, nos antigos trata­
dos de estética, as três unidades do drama - unidade de
ação, de tempo e de lugar - são celebradas como les regles
d'Aristote, la saine doctrine. Mas Aristóteles, ao contrário
( Poet. cap. 8 e 5), fala apenas da unidade de ação e, inciden­
talmente, também da unidade de tempo, sem fazer qualquer
menção à terceira, a unidade de lugar. [p. 276]

1 93
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Finalmente, eis a afirmação mais forte de Hegel a favor


de Aristóteles: "Se [ . . . ] a filosofia fosse levada a sério, não
haveria nada mais digno que ministrar um curso sobre Aris­
tóteles, o mais digno de ser estudado entre os antigos filó­
sofos" (p. 293 ) .
Naturalmente, a interpretação d e Hegel é muito apriorís­
tica, visto que ele lê Aristóteles em função de suas próprias
categorias; contudo, resta sempre o aspecto positivo do que
foi dito.
O outro grande acontecimento já mencionado foi a edi­
ção da obra completa de Aristóteles, por Bekker: Aristoteles
Opera, editit Academia Regia Borussica. Os primeiros dois
volumes têm o texto crítico de todas as obras e foram publi­
cados em 1 83 1 ; o volume III, publicado também em 1 83 1 ,
contém várias traduções latinas; o IV, de 1 836, traz extratos
dos comentários gregos; o V, publicado em 1 880, traz os
Fragmentos e o Index aristotelicus. Os comentários foram or­
ganizados por Brandis (e alguns suplementos editados por
Usener foram inseridos no volume V) , os Fragmentos foram
recolhidos por V. Rose, e o Index foi preparado por H. Bonitz
( cf. organização de Bekker reeditada por O. Gigon, Berlim,
1 960 ss) . Entre 1 853 e 1 860, Brandis apresentou uma exposi­
ção acuradíssima do pensamento aristotélico, apoiada em
sólidas bases filológicas, dedicando ao tema pelo menos três
dos seis volumes de sua célebre obra Handbuch der Geschi­
chte der griechisch-romischen Philosophie. Além do Index, que
continua a ser um instrumento indispensável de trabalho,
Bonitz fez um excelente comentário ( além de uma nova edi­
ção crítica da Metafísica) em latim (Aristotelis "Metaphysica",
recognovit et enarravit H. Bonitz, 2 v., Bonn, 1 848 ss) , de
caráter histórico-filológico. Com sua edição dos fragmentos
(refeita mais tarde, em 1 886, para a Bibliotheca Teubneriana)
e com o volume anterior, Aristoteles pseudepigraphus (Leipzig,

1 94
H ISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

1 863 ) , Rose lançou as bases para o renascimento dos estudos


sobre o Aristóteles exotérico (paradoxalmente, ele não consi­
derava autênticos todos os fragmentos dos exotéricos) .
F. A . Trendelenburg formou-se como filólogo n a escola
de Bekker e de Brandis ( enquanto em filosofia se deixava
arrastar pela problemática hegeliana) . Além de um pequeno
livro que é uma joia de perfeição e clareza, no qual apresenta
e comenta sistematicamente os textos fundamentais da lógica
(Biementa logicae aristoteleae, Berlim, 1 836, com várias reedi­
ções), Trendelenburg escreveu a primeira grande História da
doutrina das categorias, centrada principalmente em Aris­
tóteles, além de fazer a edição crítica com um comentário
em latim a respeito de Sobre a alma ( Geschichte der Katogo­
rienlehre, Berlim, 1 846, reeditado várias vezes, e Aristotelis
"De anima'; libri tres, 1 933; edito altera emendata at auct,
Berlim, 1 877). O volume sobre as categorias, que interpretava
a gênese das categorias do ponto de vista gramatical, deu
origem a uma série de discussões de alto nível que mergu­
lhou a fundo na problemática relacionada à doutrina aristo­
télica das categorias ( o próprio Bonitz participou dessas dis­
cussões) . Na escola de Trendelenburg formou-se, por sua vez,
F. Brentano, que, com seu Von der mannigfachen Bedeutung
des Seiden nach Aristoteles (de 1 862 ) , interpretou a ontologia
aristotélica de maneira bastante original, reconstruindo a "tá­
bua" de significados do ser segundo o Estagirita, mostrando
a conexão entre os vários significados e a relação analógica
que liga todos eles à substância. Como iremos ver a seguir,
Brentano exerceu influência sobre Heidegger, de quem parte
toda uma corrente de intérpretes de Aristóteles ainda hoje
em atividade.
Todos esses livros, durante muito tempo, foram pontos
de referência autorizados e ainda são obras de leitura in­
dispensável.

1 95
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Entre as obras do século XIX que tiveram um peso notá­


vel no âmbito dos estudos aristotélicos podemos recordar:
F. Biese, Die Philosophie des Aristoteles, 2 v., Berlim, 1 83 5 -
1 842; F. Ravaisson, Essai sur la "Metaphysique" d'Aristote, 2 v.,
Paris, 1 837- 1 846, que entende a ontologia aristotélica numa
chave espirtualista-neoplatônica; Th. Waitz, que fez uma no­
va edição crítica, com excelente comentário em língua latina
do Organon (Aristoteles, "Organon", 2 v., Leipzig, 1 844; Aalen,
1 965, ed. anast. ) ; A. Schwegler, que fez uma edição com tra­
dução e comentário analítico da Metafísica: Die "Metaphysik"
des Aristoteles. Grundtext, Übersetzung und Commentar, 4 v.,
Tübingen, 1 847 ss (Frankfurt, 1 960, reed. ) , em que é possível
perceber influências hegelianas; Prantl, Geschichte der Logik
im Abdenlande, v. I, Leipzig, 1 85 5 ( Graz, 1 955, reed. ) , que
também demonstra influências hegelianas.
O trabalho que teve maior influência sobre a cultura filo­
sófica foi o volume II de Philosophie der Griechen, de E. Zeller
( 1 878) , cuja tradução italiana está em curso (a última parte do
volume já foi publicada em Florença, pela Nuova Italia, em
1 966, com atualização de A. Plebe), em que a inspiração hege­
liana se faz sentir, embora de maneira atenuada. Zeller vê Aris­
tóteles como aquele que tentou conciliar conceito puro e em­
piria sem o conseguir, em virtude da impossibilidade de
conciliação entre universal e individual. Como, para Zeller, o
indivíduo, segundo Aristóteles, era a verdadeira substância, em
última instância, esta seria incognoscível; somente o universal
era verdadeiramente cognoscível. Quase toda a manualística
irá repetir em larga medida a interpretação de Zeller.
Muito inferior foi o volume sobre Aristóteles de Gom­
perz, no âmbito de seus Griechische Denker, entre os séculos
XIX e XX (tradução italiana, Florença, 1 962), visto que, na
tentativa de reagir contra a interpretação espiritualista e idea­
lista, deu à leitura de Aristóteles uma perspectiva positivista

1 96
H I STÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

tão pesada que chegou a deformar de maneira evidente a


imagem do Estagirita.
Meier apresentou uma interpretação que corrigia em sen­
tido realista a leitura idealista de Prantl, com Die Syllogistik des
Aristoteles, 3 v., Tübingen, 1 896- 1 900 ( reed. anast. Hildesheim,
1 969- 1 970) . Entre os italianos, G. Calogero (Ifondamenti della
logica aristotelica, Florença, 1 927) tentou seguir um meio­
-termo entre Prantl e Meier (ele vê na lógica aristotélica uma
cisão entre momento noético e momento dianoético) .
Entre o s séculos XIX e XX , a bibliografia a respeito d e Aris­
tóteles tornou-se muito abundante, e as posições dos autores
foram se tornando cada vez mais diluídas e plurívocas, de
modo que só seria possível traçar um quadro de conjunto com
uma série de observações que não cabe aqui desenvolver. I a
Com uma considerável esquematização, é possível, contu­
do, distinguir as seguintes orientações, entre as quais a litera­
tura dos séculos XIX e XX parece evoluir:
1 ) Uma orientação idealístico-espiritualista, que teve iní­
cio, como vimos, com Hegel e mostrou-se muito fecunda
sobretudo naqueles autores que dele tomaram apenas alguns
pontos de partida, redimensionando-os em função dos ins­
trumentos filológicos que a edição Bekker colocou à disposi­
ção de 1 83 1 em diante.
2) Uma orientação positivista, cujo representante típico é
Gomperz. Se não as doutrinas do positivismo oitocentista,
com certeza a mentalidade positivista inspira também alguns
intérpretes do século XX (como Solmsen, por exemplo) .
3 ) Uma orientação heideggeriana. Brentano, como disse­
mos, influenciou Heidegger ( O ser e o tempo começa com um
resumo das conclusões do livro de Brentano sobre o ser aris­
totélico) , que, aliás, não hesitou em afirmar: "Deixem de lado
a leitura de Nietzsche e durante dez a catorze anos estudem
primeiro Aristóteles." Seguem essa orientação K. Schilling

197
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Wollny, W. Brõcker, E. Tugendhat, L. Lugarini, parcialmente,


P. Aubenque e outros.
4 ) A orientação neoescolástica. (Em Louvain foi criada
toda uma coleção de estudos de Aristóteles que deu origem a
obras de ilustres aristotélicos como A. Mansion, E. Nuyens e
G. Colle; o Pontifical Institute of Medioeval Studies, de To­
ronto, produziu uma das mais belas monografias sobre a me­
tafísica aristotélica, assinada por J. Owens; na Itália, criou-se
uma nova coleção para apresentar todas as obras filosóficas
de Aristóteles com ricos comentários. ) É importante dizer
que, ao contrário do que muitos pensam, e de maneira sim­
plista, os neoescolásticos não estão interessados em tomisti­
zar Aristóteles, mas antes em compreendê-lo nos limites da
economia de seu pensamento para entender melhor as novi­
dades de Santo Tomás, enquanto os neoclássicos estão em
geral interessados em trazer à tona a originalidade e a valida­
de de certa impostação especulativa dos problemas que se
encontra justamente em Aristóteles.
5) A orientação histórico-filológica. Pelo menos nas inten­
ções, pretendia manter-se filosoficamente neutra. Contudo,
isso só acontece muito raramente, sobretudo nos trabalhos de
maior fôlego. Em todo caso, merece destaque o fato de que
dessa orientação filológica nasceu a interpretação chamada de
genética, inaugurada em 1 923 por Werner Jaeger, da qual fala­
remos a seguir ( Jaeger foi discípulo do grande Wilamowitz) .
6) Por fim, no caso da interpretação da lógica, difundiu-se
uma tendência a entender o Organon com base nos cânones
da moderna lógica formal, ou logística ( cf. em particular
Lukasiewicz e seus seguidores, e, na Itália, em particular M .
Mignucci) . Cabe mencionar enfim uma tendência forte, so­
bretudo nos países de língua inglesa, de estudar a Retórica e,
de uma maneira geral, Aristóteles do ponto de vista da lin­
guística moderna.

1 98
H I STÓRIA DA FORTUNA CRÍTI C A E DAS I NTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

A inovação do método genético


e a redescoberta do jovem Aristóteles

Como a interpretação genética introduziu na leitura de Aris­


tóteles um método não somente novo, mas revolucionário, e
deu origem a um verdadeiro Aristóteles-Renascimento, pelo
menos no círculo dos eruditos, devemos ilustrar brevemente
suas características e indicar seus êxitos.
Em 1 923, Werner Jaeger publicou o volume Aristoteles,
Grundlegung einer Geschichte seiner Entwicklung (tradução
italiana de Guida Calogero, Florença, 1 935, várias vezes ree­
ditada) . Jaeger já era conhecido como estudioso de Aristóte­
les desde a publicação, em 1 9 12, de Studien zur Entstehungs­
geschichte der Metaphysik des Aristoteles, no qual, porém,
ainda adotava os cânones interpretativos da filologia alemã
do século XIX. No Aristoteles, porém, ele elaborou a nova
hipótese da evolução espiritual do filósofo que estava desti­
nada a fazer grande sucesso. Não seria exagero afirmar, como
alguns já fizeram, que toda a bibliografia sobre Aristóteles
posterior a 1 923 de alguma forma é uma tomada de posição
a favor ou contra as conclusões desse livro. Jaeger tenta re­
construir a história espiritual do Estagirita desde o período
da Academia até os últimos anos. Aristóteles teria passado de
uma fase platônica para um interesse cada vez mais acentua­
do na experiência e no mundo empírico, atenuando progres­
sivamente seu interesse pelo transcendental e pela metafísica.
No período acadêmico, Aristóteles teria aderido fielmente ao
platonismo. Nos anos imediatamente posteriores à morte de
Platão, teria começado, já em Assas, a criticar a filosofia pla­
tônica, concebendo a metafísica como doutrina do supras­
sensível. Em seguida Aristóteles teria voltado seu interesse
para as substâncias e para as enteléquias imanentes, até che­
gar à concepção da metafísica como fenomenologia dos di-

1 99
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

versos significados do ser. No fim de sua vida, teria se interes­


sado quase exclusivamente nas ciências empíricas. Todos os
ramos da filosofia aristotélica exibiriam as marcas dessa pa­
rábola evolutiva que parte do platonismo e se encerra no
empirismo. Porém, o que mais interessa é o fato de que essa
evolução teria introduzido uma disparidade não apenas en­
tre as obras juvenis e as da maturidade, mas no interior de
todas as obras de escola. A bem dizer, e essa é a tese mais
destrutiva de Jaeger, as obras de escola, iniciadas já no perío­
do de Assos, seriam formadas por sucessivas estratificações,
cada qual expressando uma fase diversa da evolução espiri­
tual do Estagirita, de modo que, entre as várias partes, não
haveria nenhuma unidade literária, nem sequer homogenei­
dade especulativa, portanto, nenhuma unidade filosófica. Eis
o que Jaeger escreve, por exemplo, a propósito da Metafísica:
Não é legítimo considerar como unidade os trechos reco­
lhidos no Corpus methaphysicum e colocar na base de seu
conteúdo confrontado uma categoria comum, obtida pela
média de elementos totalmente heterogêneos. [ ... ] . Efetiva­
mente ilícito é partir do pressuposto de sua homogeneidade
filosófica para esconder os problemas que coloca a cada pas­
sagem, inclusive do ponto de vista do conteúdo. Há que re­
chaçar qualquer tentativa de reconstruir com os trechos que
sobreviveram uma unidade literária póstuma, por meio da
transposição ou da exclusão de livros. Mas não menos recu­
sável é a admissão precipitada de sua unidade filosófica, em
detrimento das características de cada documento de uma
atividade de pensamento que lutou com os mesmos pro­
blemas durante décadas, e que representa um momento fe­
cundo, um grau do desenvolvimento em vista de uma nova
formulação. [Trad. cit., p. 226]

As conclusões de Jaeger, de início recebidas por muitos


com entusiasmo, logo revelaram sua precariedade quando
avaliadas em função do próprio método genético. H. von

200
H I STÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

Arnim mostrou a possibilidade de inverter exatamente o sen­


tido da linha evolutiva traçada por Jaeger. As hipóteses de
Von Arnim foram amplamente aproveitadas por Paul Gohlke
e Max Wundt, que reconstruíram uma curva da evolução
de Aristóteles que vai do empirismo à recuperação do pla­
tonismo. Oggioni tentou combinar as duas possibilidades,
mostrando um Aristóteles que, ao mesmo tempo que avan­
çava para o empirismo, continuava a recair no platonismo.
1. Düring, por outro lado, tentou demonstrar que Aristóteles
nunca havia sido platônico no sentido apontado por Jaeger,
mas sempre soube assumir posições próprias. Enfim, outros
demonstraram que os elementos platônicos e aristotélicos se
equilibram sempre, desde os escritos juvenis. Alguns estudio­
sos tentaram em seguida aplicar o método genético ao estudo
de um só conceito ou de uma só doutrina ao longo de todo
o corpus, como fez Nuyens em relação à doutrina da alma,
com resultados que contrastavam com os de Jaeger. Por fim,
Zürcher pensou que poderia demonstrar, pelo método gené­
tico, que somente 20% do Corpus aristotelicum são autênti­
cos; 80% seriam de fato obra de Teofrasto; Aristóteles teria
permanecido sempre platônico, e Teofrasto, ao contrário, te­
ria passado do platonismo ao empirismo. (O leitor encontra­
rá análises realizadas pelas várias teses e pelos vários intérpre­
tes nos seguintes trabalhos: Berti, La filos. dei primo Arist. ,
p . 9- 1 22; Reale, II concetto d i filos. prima, p . 327-3 73 e passim;
Plebe, atualização de Zeller, La filos. dei Greci, passim).
Hoje, o método genético chegou às próprias Colunas de
Hércules. Os últimos seguidores não se entendem mais, nem
entre si, pois, como já dissemos, com o método genético foi
possível demonstrar tudo e o contrário de tudo. Ele só con­
seguiria se sustentar se as obras de escola ou as partes de que
são constituídas fossem efetivamente datáveis, ou seja, se al­
gum testemunho externo sobre a época em que foram redi-

201
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

gidas tivesse chegado a nós. Na verdade, por meio da análise


de seu conteúdo, constituído de aulas que eram sucessiva­
mente remanejadas, é estruturalmente impossível remontar à
data em que foram escritas. Além disso, os escritos aristotéli­
cos, mesmo desprovidos de unidade literária, como realmen­
te são, só podem ser lidos unitariamente pela razão funda­
mental de que, como nunca saíram das mãos de Aristóteles e
como foram sucessivamente elaborados, assumiram aquela
fisionomia precisa que seu autor pretendia que tivessem. Em
suma, como Aristóteles não repudiou as obras ou partes de­
las, ele permanece "unitariamente" responsável por elas. Os
esotéricos não podem ser tratados como se fossem meros
apontamentos.
Os êxitos positivos mais notáveis alcançados pelo método
inaugurado por Jaeger são os seguintes: a) a redescoberta do
Aristóteles dos escritos juvenis (exotéricos) ; aplicando os câ­
nones jaegerianos a seu Aristotele perduto e la formazione filo­
sofica de Epicuro ( 1 936), E. Bignone conseguiu reinterpretar a
filosofia helenística numa nova perspectiva (sobre os resulta­
dos gerais dessa descoberta, ver Berti, La filos. del primo Arist.,
passim) ; b) a demonstração de que, histórica e teoricamente,
Aristóteles só pode ser entendido em suas relações dialéticas
com o platonismo; c) um aprofundamento e uma avaliação
crítica verdadeiramente capilares das obras mais significati­
vas de Aristóteles, que trouxeram à tona muitos e importan­
tes elementos novos, úteis para uma compreensão cada vez
mais adequada de seus textos; d) um sentido mais vivo da
historicidade do pensamento do Estagirita, considerado no
passado de maneira demasiado abstrata e anti-histórica.
Como alternativa ao Aristóteles "genético", foi proposto
e ainda se propõe, por um lado, um Aristóteles problemático,
expresso paradigmaticamente por Aubenque, próximo da
corrente dos heideggerianos; por outro lado, há o Aristóteles

202
H ISTÓRIA DA FORTUNA CRÍTICA E DAS INTERPRETAÇÕES DE ARISTÓTELES

dos neoclássicos, que tentam libertá-lo das marcas escolás­


ticas sem dilacerá-lo com o método genético nem condená­
-lo ao xeque-mate, como fazem, por sua vez, os intérpretes
heideggerianos, os problematicistas.
Em todo caso, hoje não parece mais possível entrinchei­
rar-se atrás do filologismo dos epígonos do método genético;
só será possível devolver aos textos de Aristóteles um sentido
plausível se, e à proporção que, voltarmos a acreditar no dis­
curso filosófico.

NOTAS
1. Para uma exposição mais aprofundada do que é dito neste parágrafo e no
seguinte remetemos a Reale, I problemi dei pensiero antico, II. Le scuole elle­
nistico-romane, p. 59-90, 502- 5 1 3, em que se encontra também a biblio­
grafia essencial.
2. A lista completa dos comentaristas gregos que chegaram aos nossos dias e
estão publicados pela Academia de Berlim em edição exemplar pode ser
encontrada na "Bibliografia comentada", § VII, 1 .
3 . Sobre esses comentaristas neoplatónicos, ainda é bastante útil a última par­
te da obra de Zeller, traduzida para o .italiano: G. Martano ( org. ), Zeller e
Mondolfo, La filosofia dei Greci, parte Ili, v. IV, Florença, 1 96 1 .
4 . Cf. "Bibliografia comentada", § II, 3 .
5 . No que concerne às traduções latinas medievais de Aristóteles, utilizamos
todas as preciosas indicações de E. Franceschini, "Ricerche e studi su Aris­
totele nel Medioevo latino'; em vários autores, Aristotele nella critica e negli
studi contemporanei, Milão, 1 956, p. 1 44- 1 66. Fundamental a respeito disso
é o Aristoteles latinus ( cf. "Bibliografia comentada", § V, 1 ) , excepcional
monumento de erudição. No que concerne à releitura medieval de Aris­
tóteles, remetemos às mais autorizadas histórias da filosofia medieval
(Ueberweg-Gayer, De Wulf, Gilson e Vasoli, onde se encontra também am­
pla bibliografia) .
6. L . Minio-Paluello, "Jacobus Veneticus Grecus, Canonist and Translator of
Aristotle", Traditio, VIII, 1 952, p. 265-304.
7. Franceschini, op. cit., p. 1 60.
8 . Para aprofundar esse aspecto, remetemos às mais qualificadas histórias
da filosofia moderna e aos estudos sobre o humanismo e o Renascimento.
O volume III da Grundiss, de Ueberweg, ainda é utilíssimo pelas preciosas
indicações. No que diz respeito à chamada "segunda escolástica", em geral
negligenciada, remetemos a F. Copleston, Storia della filosofia, v. III: Da
Occam a Suarez, Brescia, 1 966 (ed. orig. 1 953; 1 960), p. 421 ss.

203
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

9. Há uma boa tradução italiana da obra, organizada por E. Codignola e


E. Sanna, Florença, 1 930 ss, ainda acessível, de onde tiramos as citações.
10. Para um quadro detalhado, remetemos a E. Berti, capítulo "Aristotele" em
Questioni di storiografia filosofica, que será publicada pela La Scuola, Brescia
(gentilmente, o autor nos deu acesso às provas) ; o recorte da bibliografia
de Berti representa o complemento exato para esse capítulo. Por falta de
espaço, indicaremos apenas alguns dos nomes mais significativos entre os
estudiosos de Aristóteles, sem, no entanto, dar todas as indicações sobre
suas obras, que poderão ser encontradas na "Bibliografia comentada". Os
trabalhos indicados nessa bibliografia, § I, 2, serão complementos úteis para
tudo o que foi dito aqui.

204
BIBLIOGRAFIA COMENTADA

1 . C O M PILAÇÕES B I B L I O G RÁ F ICAS E RESENHAS CRÍTICAS

Quase toda a bibliografia aristotélica, até 1 896, encontra-se em M. Schwab,


Bibliographie d'Aristote, Paris, Librairie H. Welter, 1 896. A obra é manuscrita e
tem cerca de 3 .750 indicações (é preciosa sobretudo pelas indicações pontuais
de edições, traduções e comentários de Aristóteles) .

Para a bibliografia sobre o período entre o século XIX e o século XX, ver:

Ueberweg-Praechter. Die Philosophie des Altertums. Basileia, 1 926, p. 1 0 1 - 1 22.

Para a bibliografia posterior a 1 926, ver:

Gómez-Nogales, S. Horizonte de la Metafísica aristotélica. Estudios Onienses,


série II, v. 2. Madri, 1 955, p. 247-398.
Philippe, M. D. Aristoteles (Bibliographische Einführungen in das Studium der
Philosophie). Berna, 1. M. Bochenski, 1 948.
Totok, W. Handbuch der Geschichte der Philosophie. Frankfurt, 1 964.

Também são muito úteis:

Aristotle. British Museum, Catalogue of Printed Books. Londres, 1 884.


Aristoteles. Berlim, Preussischen Staatsbibliothek, Sondrebruk aus dem Ge­
samtkatalog der Preussischen Bibliotheken, 1 934.
Catalogue général des livres imprimés de la Bibliotheque Nationale. Auteurs, IV:
Aristote. Paris, 1 90 1 .

Para atualização bibliográfica, devem ser consultados:

L'année philologique de Marouzeau e o Répertoire bibliographique de la philoso­


phie da Société Philosophique de Louvain, publicado com a Revue philo­
sophique de Louvain.

Para um status quaestionis concernente à moderna literatura aristotélica, de­


vem ser consultados:

Berti, E. La filosofia dei primo Aristotele. Pádua, 1 962, p. 9- 1 22.


--- . A ristotele. ln: V. Mathieu, Brescia ( org. ) . Questioni di storiografia filo­
sofica ( cujas provas pude consultar por gentil concessão do autor) .
Gohlke, P. "Jahresbericht über die Fortschritte der classischen Altertumswis­
senschaft''. überblick über die Literatur zu Aristoteles bis 1 925, CCXVI, 1 927,
p. 65- 1 00; ccxx, 1 929, p. 265-328.
Long, H. S. "Classical World''. A Bibliographical Survey of Recent Work ofAris­
totle, LI, 1 958, p. 47-5 1 ; 57-60; 67-76; 96-98; 1 1 7- 1 19; 1 60- 1 62; 1 67- 1 68;
1 93- 1 94; 204-209.

205
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Moram:, P. ''L'évolution d'Aristote". ln: Vários autores. Aristote e Saint Thomas


d'Aquin. Louvain, 1 957, p. 9-4 1 .
Wilpert, P. "Zeitschrift fü r philosophische Forschung''. Die /age der Aristotles
Forschung, I, 1 946, p. 1 23- 1 40.

Para as bibliografias concernentes às obras singulares ou às partes singulares


da filosofia de Aristóteles, ver o § VIII, início de cada subparágrafo.

I I . AS OBRAS DE A R I STÓTELES

Lista das obras esotéricas e exotéricas


Os títulos das obras do Corpus aristotelicum serão listados na ordem em que
foram publicados na edição de Bekker, inclusive as obras espúrias; indicare­
mos na coluna da esquerda o título grego, e na da direita os títulos em latim
(em geral empregados nas citações) e em português.

KatTiyopí m Categoriae
Categorias

IlEpt epµllvEÍaç De interpretatione


Sobre a intepretação

'AvaÀUttKà npÓ'tepa Analytica priora


Primeiros analíticos

'AvaÀ1.l'tt K à fünepa Analytica posteriora


Segundos analíticos

TomKá Topica
Tópicos

IIEpt cro q>tcrttKÔÍV e'Aiyxrov De sophisticis elenchis


Refutações sofísticas

<l>umKlj áKpóamç Physica


Física

Ilept oúpavoii De caelo


Sobre o céu

Ilept yevfoeroç Kat cpt}o pãç De generatione et corruptione


Sobre a geração e a corrupção
MEt Erop o Àoy 1 Ká Meteorologica
Meteorológicos

Ilep\, KÓcruou npàç f\l.i:l;avopov De mundo


Sobre o mundo

De anima
Sobre a alma

206
B IBLIOGRAFIA COMENTADA

Ilepl. aicn'hícrecõç 1ml. aicrthitcõv De sensu et sensibili


Sobre o sentido e as sensações
Ilepl. µ\11Í µ11ç 1ml. ávaµvi]crecoç De memoria et reminiscentia
Sobre a memória e a reminiscência
Ilepl. Ü1tvou 1m1. eyp11yópcrecoç De somno
Sobre o sonho
Ilepl. Evunvícov De somniis
Sobre os sonhos
Ilepl. µavwâjç tfíç Ev toi:Ç ünvotç De divinatione per somnum
Sobre a predição pelos sonhos
Ilepl. µaKpo�tÓ'tl]toÇ Kat De longitudine et brevitate vitae
�paxu�tó'tl]toç Sobre a longevidade e a brevidade
da vida
Ilepl. veÓ'tT]'tOÇ Kat ytjpcoç De juventute et senectute
Sobre a juventuda e a senectude
Ilepl. Çcoilç 1ml. l'}avátou De vita et de morte
Sobre a vida e a morte
Ilepl. ávanvoí)ç De respiratione
Sobre a respiração
Ilepl. nveúµmoç De spiritu
Sobre o espírito
Ilepl. tá Ç(\>a i.crtopíaç Historia animalium
História dos animais
Ilepl. Çc!>cov µopícov De partibus animalium
Sobre as partes dos animais
Ilepl. Çc!>cov Ktvi]crecoç De motu animalium
Sobre o movimento dos animais
Ilepl. nopeíaç Çc!>cov De incessu animalium
Sobre a progressão dos animais
Ilepl. Çc!>cov yevfoecoç De generatione animalium
Sobre a geração dos animais
Ilepl. xpcoµátcov De coloribus
Sobre as cores
Ilept ÓKOU<J't<ÕV De audibilibus
Sobre o que se ouve
«l>umoyvcoµovtKá Physiognomonica
Fisiognômica

207
INTRODUÇÃO A A R ISTÓTELES

TIEpt <putrov De plantis


Sobre as plantas

TIEpt �auµaoicov àKoucrµátcov De mirabilibus auscultationibus


Sobre as auscultações miraculosas

MrixavtKá Mecha nica


Mecânica

Tipo�Àtjµma Problema ta
Problemas

TIEpt àtóµcov ypaµµrov De lineis insecabilibus


Sobre as linhas indivisíveis

'AvEµrov �crEiç Kat itpocrriy opim Ven torum situs


Lugares dos ventos

TIEpt 2Evo<pávouç, De Xenophane, Zenone, Gorgia


itEpt Ztjvcovoc;, 7tEpt fopyiou [o título exato, no entanto, é
Xenoph., Me/isso, Gorgia]
Sobre Xenófones, Me/isso e Górgias

Tà µEtà tà <j>UOtlCá Metaphysica


Metafísica

Ethica Nichomachea
Ética a Nicômaco

Magna mora/ia
Mora/ Magna

'HfüKà EúôtjEta Ethica Eudemea


Ética a Eudêmio

TIEpt àpEtrov Kat KaKtrov De virtutibus et vitiis


Sobre a virtude e os vícios

TioÀ.tnKá Política
Política

OiKovoµtKá Oeconomica
Economia

TÉKVfl P fl'tOptKTÍ Rhetorica


Retórica

'PritoptKTi itpôc; 'AÀ.Él;avôpov Rhetorica ad Alexandrum


Retórica a Alexandre

Poetica
Poética

208
BIBLIOGRAFIA COMENTADA

Fragmenta Fragmenta
Fragmentos

'Afuivaícov ltOÀ.tteta Atheniensium respublica


Constituição ateniense

Eis os títulos das obras que tiveram alguns fragmentos recuperados segundo a
edição do Ross, com as respectivas traduções em italiano e em português:

Diálogos
rpúUoç, i1 m:p1 pritoptKTiç Grillo o della retorica
Grilo ou Sobre a retórica

LUµitócnov Simposio
Simpósio

Sofista
Sofista

Eudemo o deli'anima
Eudemo ou Sobre a alma

Ntj ptv0oç Nerinto


Nerinto

EpeottKÓÇ Erotico
Erótico

ITpotpEittt KÓÇ Protreptico ( esortazione alia filosofia)


Protréptico ( exortação à filosofia)

ITEpt ltÀ.OÚtOU Della richezza


Sobre a riqueza

Sulla preghiera
Sobre a prece

ITEpt EÚYEVEtaÇ Sulla nobiltà di nascita


Sobre a nobreza de nascimento

ITEpt i]õovijç Sul piacere


Sobre o prazer

ITEpt nmÕEÍaç Sull'educazione


Sobre a educação

ITEpt �acnl..E íaç Sulla monarchia


Sobre a monarchia

'AMÇavõpoç, 11 úú:p émoÍKcov Alessandro o delle colonie


Alexandre ou Sobre as colônias

209
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

CTol..t nKóc; Politico


Política

CTEpt 1toli]TCÕV Suipoeti


Sobre os poetas

CTEpt <ptÂ.Ocrocpíac; Sulla filosofia


Sobre a filosofia

CTEpt ÔLKatocrÚVTJc; Sulla giustizia


Sobre a justiça

Obras lógicas

CTEpt 1tpoj3Â.T]µái:cov Sui problemi


Sobre os problemas

.itatpÉcrEtÇ Divisioni
Divisões

'Y1tOµVJ͵ma ÉmXEtpT]µattKá Tracce per argomentazioni


Esboços para argumentações

Ka'l:T]yopím Categorie
Categorias

CTEpt evavncov Sui contrari


Sobre os contrários

Obras filosóficas

CTEpt tàya-ôoü Sul Bene


Sobre o bem

CTEpt ÍÔECÕV Sulle Idee


Sobre as Ideias

CTEpt tCÕV nu-ôayopEÍcov Sui Pitagorici


Sobre os pitagóricos

CTEpt tlíc; 'A pxúwu <ptl..ocro<píac; Sulla filosofia di Archita


Sobre a filosofia de Arquitas

Su Democrito
Sobre Demócrito

Códices

Catálogos das obras de Aristóteles


Algumas listas de títulos das obras de Aristóteles chegaram até nós por in­
termédio de:

210
BIBLIOGRAFIA COMENTADA

1) Diógenes Laércio. Vite dei filosofi, V, 21 ss.


2) Um autor anônimo da chamada Vita menagiana (do nome de seu editor),
que recorre a Hesíquio de Mileto como fonte.
3) Ptolomeu, que recorre a Andrônico como fonte.
Essas listas foram publicadas por V. Rose, respectivamente, no volume da Aris­
totelis opera da Academia de Berlim, 1 870, p. 1 .463 ss. Cf. também Rose, Aris­
toteles pseudepigraphus, Leipzig, 1 863, p. 1 1 ss; Arist. Fragmenta, 3• ed., 1 886,
p. 3 ss, p. 1 466 ss (cf. também Rose, Aristoteles pseudepigraphus, p. 18 ss e
Fragmenta, 2• ed. cit., p. 9 ss); p. 1 .469 ss (cf. também Rose, Fragmenta, 3• ed.
cit., p. 1 9 ss) .
Sobre o argumento, ver:
Moram:, P. Les listes anciennes des ouvrages d'Aristote. Louvain, 1 9 5 1 ( onde o
leitor encontrará status quaestonis, nova e aprofundada conjectura e riquíssi­
ma bibliografia) .

Antigas biografias
As principais biografias de Aristóteles que chegaram até nós são:

1) Vida de Aristóteles, de Diógenes Laércio.


2) Duas vidas gregas ( Vita marciana e Vita vulgata).
3) Uma vida latina.
4) Duas vidas siríacas.
5) Quatro vidas árabes, de An-Nadim, Al-Mubashir, Al-Qifti, Usaibia.
Essas vidas foram editadas e comentadas recentemente, com grande compe­
tência e precisão:

Düring, I. Aristotle in the Ancient Biographical Tradition. Gotemburgo, 1 957


(reúne todo o material biográfico antigo, elabora uma nova edição crítica e
um comentário histórico-filológico) .

I I I . EDIÇÕES GERAIS E ESPECÍFICAS


DAS OBRAS DE ARISTÓTELES

Edições gerais

A primeira edição impressa das obras de Aristóteles é a chamada "aldina" (do


impressor Aida Manuzio) : Aristotelis Opera. Graece ... , Veneza, 1 495- 1 498, 6 v.
À aldina seguiram-se as três edições de Basileia. A primeira, organizada por
Erasmo de Roterdã, foi publicada em 1 5 3 1 (Aristotelis Opera Omnia, Basileia,
1 5 3 1 ) , a segunda, em 1 539 (Basileensis secuda, uma reprodução da preceden­
te) , e a terceira, em 1 550 (Basileensis tertia ou isingriniana, do impressor Isin­
grim) , com correções das precedentes.
Em 1 5 5 1 - 1 553, foi publicada a segunda edição aldina em 6 v. ( chamada
camotiana em razão das correções feitas por J. B. Camotius) .

211
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Em 1 584- 1 587, foi publicada a célebre edição de Sylburg, em 5 v. e 1 1 to­


mos (Aristotelis Opera quae extant, Francfort, 1 584- 1 587), que aprimora as
anteriores.
Em 1 590 foi publicada em Lyon uma nova edição organizada por Caus­
bonus (Aristotelis Opera nova editio. . . , 2 v.) , reeditada em 1 596.
Uma edição posterior foi organizada por Pacius, que fez uma revisão da
precedente ( Opera omnia Graece et Latine .. , Gênova, 1 596 e Lugduni 1 597).
.

Recordemos ainda: Opera, nova editio, Graece et Latine. . , 2 v., Genevae 1 602
.

(e 1 606- 1 607). E posteriormente: Tou Stageiritou ta Sozomena, Latinae inter­


pretationes adiectae qua graeco con textui melius respondent , 2 v., Aureliae
...

Allobrogum, 1 606- 1 609.


Entre as edições seiscentistas, devem ser mencionadas ainda a de Du Vai,
Opera omnia quae extant, Graece et Latine ... , 2 v., Parisiorum, 1 6 1 9, reeditada
em 1 629 e ainda em 1 639 e 1654 ( ampliada para 4 v. ) .
N o século XVIII, Th. Buhle deu início a uma nova edição das obras d e Aris­
tóteles, mas não conseguiu terminá-la: Opera omnia Graece. . . , v. I-lV, Biponti,
1 79 1 - 1 793, v. V. Argentorati, 1 799 .
Entre as edições do século XIX, destaca-se a de Bekker, que mencionamos
anteriormente e cuja descrição iremos fazer a seguir. Por zelo de completude,
mencionamos também as outras:

Aristotelis Opera ad optimorum librorum fidem accurate edita, Tauchnitz, Lip­


sae, 1 83 1 - 1 832, em 16 v. (edição esteriotípica com correções), reeditada em
1 867- 1 873.
Aristotelis Opera quae extant, uno volumine comprehensa [ ... ] eiditi C. H. Weis-
se, Tauchnitz, Lipsiae, 1 843.

A edição destinada a suplantar todas as outras e a se tornar referência para a


citações foi a da Academia de Berlim, 1 83 1 - 1 870, ainda indispensável, embora
superada em vários detalhes:

Reiner, G. Aristotelis Opera editit Academia regia Borussica, Berolini, 1 8 3 1 -


1 870. !-II: Aristotelis Graece, texto crítico organizado por 1. Bekker (impresso
em duas colunas: a da esquerda, indicada com a e a da direita, com b) ;
III: Aristoteles Latine compreende traduções latinas renascentistas de vá­
rios autores; o volume foi publicado também em 1 93 1 ; IV: Scholia in Aris­
totelem, com passagens extraídas de comentaristas gregos, organizadas por
A. C. Brandis (a edição dos comentários gregos que a Academia de Ber­
lim publicou sucessivamente, cuja lista daremos adiante, tornou esse vo­
lume praticamente inútil); V: Aristotelis Fragmenta, reunidos por V. Rose;
suplementos aos Scholia in Aristotelem organizados por Usener, e Index
aristotelicus, organizado por H. Bonitz. (Esse Index é urna obra de altíssi­
mo nível, ainda hoje não superada, enquanto a coletânea de fragmentos
não é mais utilizável; cf. adiante a indicação das mais recentes edições dos
fragmentos.)

212
B I B L I O G R A F I A COM ENTADA

Uma reedição ( corrigida) dessa edição monumental fo i organizada por


O. Gigon, Berlim, 1 960- 1 96 1 .
Digna de menção especial, porque melhora, e m certos aspectos, o trabalho
de Bekker, é a edição publicada por F. Didot, não tão apreciada quanto mere­
ceria e, por infortúnio, não utilizável objetivamente, pois não reproduz a pa­
ginação de Bekker, hoje obrigatória nas citações: Aristotelis Opera omnia grae­
ce et /atine, cum índice nominum et rerum absolutíssimo. A. F. Didot, v. !-IV,
Parisiis, 1 848- 1 869, v. V ( Index), 1 874.
Muitas das obras do Corpus aristotelicum estão disponíveis também nas
seguintes conhecidas coleções de clássicos gregos e latinos:
• Biblioteca Teubneriana;
• Collection des Universités de France;
• Oxford Classical Texts;
• The Loeb Classical Library.
Serão fornecidas a seguir, paulatinamente, indicações sobre muitas obras
aristotélicas publicadas nessas coleções.

Edições de obras específicas

Limitamo-nos aqui às obras de interesse estritamente filosófico, nas quais


se baseou nossa exposição, e seguindo sua ordem. Para um quadro geral, re­
metemos a:

Bonetti, A. "Le edizioni dei texto greco do Aristotele das 1 8 3 1 ai nostri giorni".
ln: Vários autores. Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão,
1 956, p. 1 66-20 1 .

Fragmentos

Plezia, M. Aristotelis epistularum fragmenta cum testamento. Varsóvia, 1 96 1 .


Rose, V. Aristotelis pseudepigraphus. Leipzig, 1 863.
--- . Aristotelis quae ferebantur librorum fragmenta. 3• ed. Leipzig, 1 867
(publicado em 1 870, com o Index arist., de Bonitz, no v. V de Bekker) .
--- . Aristotelis quae ferebantur librorum fragmenta. 3ª e d . Leipizig, 1 886
(Bibliotheca Teubneriana).
Ross, W. D. Aristotelis fragmenta selecta. Oxford, 1 955.
Walzer, R. Aristotelis dialogorum fragmenta. Florença, 1 934.

Metafísica

Bonitz, H. Aristotelis "Metaphysica", 2 v. Seleção e comentários de B. H. Bonn


1 848- 1 849 (o segundo volume foi reproduzido em edição anastásica, Hil­
desheim, 1 960) .
Christ, W. Aristotelis "Metaphysica". Seleção d e C. W. Leipzig, 1 886 (reimpres­
são corrigida, 1 895, reeditada várias vezes) .

213
INTRODUÇÃO A A RISTÓTELES

Schwegler, A. Die "Metaphysik" des Aristoteles, Grundtext, Uebersetzung und


Commentar, 4 v. Texto explicativo. Tübingen, 1 847- 1 848 (Frankfurt, 1 960,
reprod. anast . ) .

A s três edições oitocentistas ainda são úteis. N o século XX foram publicadas


as duas melhores:

Jaeger, W. Aristotelis "Metaphysica". Seleção e breve comentário crítico de


W. Jaeger. Oxonii, 1 957 (o autor remete-se em grande parte a Ross, acres­
centando algumas conjecturas bastante perspicazes) .
Ross, W. D . Aristotle's "Metaphysics", 2 v. Texto revisto com introdução e co­
mentários. Oxford, 1 924, 1 958, 1 953 (excelente) .

Recordemos ainda, por zelo d e completude:

García Yerba, V. "Metafísica" de Aristótele. Edição trilíngue. Madri, 1 970.


Tredennick, H. Aristotle, The "Metaphysics". Tradução em inglês. Londres/
Nova York, 1 933- 1 935 (inferior às duas anteriores; Loeb Classical Library).

Física

Carteron, H. Aristote, "Physique", 2 v. Texto estabelecido e traduzido por


H. Carteron. Paris, 1 926- 1 93 1 (Collection des Universités de France).
Prantl, C. Aristoteles' Acht Bücher "Physik". Tradução alemã. Leipzig, 1 854 (do
mesmo autor, ver também a edição organizada para a Bibliotheca Teubne­
riana, Leipzig, 1 879).
Ross, W. D. Aristotle's "Physics". Texto revisado, introdução e comentários.
Oxford, 1 936 (o texto crítico foi editado em 1 950; Oxford Classical Texts) .
Wicksteed, Ph. H. e Cornford, F. M. ''Aristotle". The "Physics". Tradução em
inglês. Londres/Nova York, 1 929- 1 934 (Loeb Classical Library) .

De caelo

Allan, D. J. Aristotelis "De caelo". Oxford, 1 936 (edição corrigida, 1 955; Oxford
Classical Texts) .
Guthrie, W. K . C. Aristotle, "On the Heavens". Tradução e m inglês. Londres,
1 939 (Loeb Classical Library).
Longo, O. Aristotele, "De caelo". Tradução, introdução, texto crítico e notas.
Florença, 1 962.
Moraux, P. Aristote, "Du ciel". Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1 965 (Col­
lection des Universités de France).
Prantl, C. Vier Bücher das "Himmelgebaüde" und zwei Bücher Entstehen und
Vergehen, Grieschich und Deutsch. Leipzig, 1 85 8 (cf. do mesmo autor o
texto crítico das duas obras publicado na Bibliotheca Teubneriana, Leipzig,
1881).

214
B I B LI O G R A F I A COMENTADA

De generatione et corruptione

Joachim, H. H. Aristotle on Coming-to-be and Passin-away. Texto revisado com


introdução e comentários. Oxford, 1 922.
Mugler, C. Aristote, "De la génération et de la corruption". Texto estabelecido e
traduzido. Paris, 1 966 (Collection des Universités de France).

De anima

Biehl, G. Aristotelis, "De anima" libris três. Edição revista. Leipzig, 1 896 ( Bi­
bliotheca Teubneriana) .
Hett, W. S. Aristotle, "On the Sou/". Tradução em inglês. Londres, 1 936 ( Loeb
Classical Library) .
Hicks, R. D. Aristotle, "De anima". Tradução, introdução e notas. Cambridge,
1 907.
Jannone, A. e Barbot, E. Aristote, "De l'âme". Texto estabelecido por A. Janno­
ne, tradução e notas de E. Barbotin. Paris, 1 966 ( Collection des Universités
de France).
Roder, G. Aristote, "Traité de l'âme" traduit e annoté, 2 v. Paris, 1 900.
Ross, W. D. Aristotle, "De anima". Introdução e comentários. Oxford, 1 96 1
(o texto crítico d e Ross também pode ser encontrado, sem introdução e
comentários, em Oxford Classical Texts) .
Trendelenburg, F. A . Aristoelis, "De anima" libri três. Berlim, 1 877 ( Graz, 1 957,
reed. anast., com excelente comentário em latim) .

Éticas

Ainda não há uma edição totalmente satisfatória das três Éticas, mas há bons
comentários anexos às traduções mencionadas a seguir. Teremos, portanto, de
recorrer às edições do fim do século XIX:

Armstrong, G. C. Aristotle "Magna Mora/ia". Tradução em inglês. Londres,


1 935 (publicado no segundo volume da Metafisica organizado por Treden­
nick, op. cit.; Loeb Clasical Library).
Burnet, J. The "Ethics" of Aristotle. Londres, 1 900.
Bywater, I . Aristotelis "Ethica Nicomachea". Oxford, 1 894 (reeditada várias ve­
zes; Oxford Classical Texts) .
Fritzscche, A. T. H. Aristotelis "Ethica Eudemia". Regensburg, 1 8 5 1 .
Grant, A . The "Ethics" ofAristotle, 2 v. Ilustrado; ensaio e notas. Londres, 1 857,
1 884 .
Rackham, H. Aristotle, The "Nicomachean Ethics". Tradução em inglês. Lon­
dres/Nova York, 1 926, 1 934 ( The Loeb Classical Library) .
--- . Aristotle. . . The "Eudemian Ethics". Tradução em inglês. Londres, 1 935
( Loeb Classical Library) .
Ramsauer, G. Aristotelis "Ethica Nicomachea". Leipzig, 1 878.

215
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Susemihl, Fr. Aristotelis "Ethicha Nicomachea". Leipzig, 1 882 (3• ed. organizada
por O. Apelt, 1 8 1 2 ) .
--- . Aristotelis quae feruntur "Magna Mora/ia". Leipzig, 1 883.
---. [Aristotelis "Ethica Eudemia"] Eudemi Rhodii Ethica. Leipzig, 1 884.
Voilquin, J. Aristote, "Ethique de Nicomaque". Texto, tradução e notas. Paris,
1 940.

Política
Aubonnet, J. Aristote, "Politique". Texto estabelecido e traduzido. Paris, 1 960 ss
(até hoje foram publicados os dois primeiros volumes, até o livro V;*
Collection des Universités de France).
Immisch, O. Aristotelis "Política". Leipzig, 1 929 (Bibliotheca Teubneriana) .
Newman, W. L . The "Politics" of Aristotle, 4 v. Dois ensaios e introdução.
Oxford, 1 887- 1 922.
Rackham, H. Aristotle, "Politics". Tradução em inglês. Londres, 1 932 ( The Loeb
Classical Library) .
Ross, W. D. Aristotelis "Política". Oxford, 1 957 (Oxford Classical Texts ) .
Susemihl, Fr. Aristotelis "Política". 3• ed. Leipzig, 1 882 (Bibliotheca Teubne­
riana) .

Poética
Bywater, I. On the Art of Poetry. Introdução crítica e comentários. Oxford,
1 909.
Gudeman, A. Aristoteles, "Peri Poietikês'; mit Einleitung. Texto, notas críticas,
comentário exegético, anexo crítico e índice onomástico, de temas e locais.
Berlim/Leipzig, 1 934.
Herdy, J. Aristote, "Poétique". Texto estabelecido e tradução. Paris, 1 932 (Col­
lection des Universités de France).
Kassel, R. Aristotelis "De arte poética". Oxford, 1 965 (Oxford Classical Texts) .
Rostagni, A. Aristotele, "Poética". Introdução e comentários. Turim, 1 92 7
( 1 945).

Organon
Waitz, Th. Aristotelis "Organon, 2 v. Leipzig, 1 844- 1 846 ( reed. anast., 1 962;
trata-se de trabalho excelente, de consulta indispensável ainda hoje, sobre­
tudo pelo comentário).

As melhores edições críticas dos tratados singulares do Organon encontram-se


na coleção "Oxford Classical Texts":

* Respectivamente em 1 986 e 1 989 foram publicadas as duas partes do volu­


me III, até o livro VIII. O autor refere-se aqui aos volumes publicados até
1974, ano em que esta Introdução a Aristóteles foi lançada. [N.T. ]

216
B I B LI O GR AFI A C O M E NTADA

Minio-Paluello, L. Aristotelis "Categoriae" et "Liber de interpretatione". Oxford,


1 949.
Ross, W. D. Aristotelis "Topica" et "Sophistici E/enchi". Oxford, 1 958 ( ed. re­
vista, 1 970).
Ross, W. D. e Minio-Paluello, L. Aristotelis ''Analytica priora et posteriora".
Oxford, 1 964.
Deve-se destacar também a excelente edição com comentários dos Analíticos
de Ross: Aristotle's "Prior and Posterior Analytics''. Texto revisto, introdução e
comentário. Oxford, 1 949.
Menos válida, embora útil, é a edição com tradução inglesa do Organon,
publicada na Loeb Classical Library: o volume !, contendo Categoriae, De in­
terpretatione, Analytica priora, foi organizado por H. P. Cooke e H. Tredennick
e publicado em 1 938; o volume II, com os Analytica posteriora e os Topica,
foi organizado por H. Tredennick e E. S. Forster e publicado em 1 960; os De
sophisticis elenchis foram organizados por Forster (com De generat. et corr.
e o De mundo) e publicados em 1 955.

IV. TRADUÇÕES DAS OBRAS EM LÍNGUA ITALIANA


Infelizmente, ainda não há uma tradução da obra completa de Aristóteles.
Uma tradução ,sistemática, com introduções críticas, comentário analítico e
bibliografias foi organizada pelo Centro di Studi Filosofici di Galarate, pela
editora Loffredo, de Nápoles. Já foram publicados até agora:
Reale, G. (org. ) . La Metafísica, 2 v. Nápoles, 1 968.
Mignucci, M. (org. ) . Gli Analitici primi. Nápoles, 1970.
Sairão em breve:
Mignucci, M. (org. ) . Gli Analitici secondi. (O autor já antecipou a tradução da
obra em tiragem limitadíssima, publicada por Azzoguidi, Bolonha, 1 970.)
Reale, G. ( org. ) . Trattato sul cosmo per Alessandro ( 1 974 ] .
Zadro. A . (org. ) . I Topici [ 1 974] .*

A maior parte das traduções dos tratados aristotélicos em língua italiana foi
publicada pela editora Laterza: Opere, organização de Gabriele Giannnatoni,
4 v., Roma/Bari, 1 973 (lançadas também em brochura) . As traduções foram
organizadas por: Giorgio Colli ( Organon), Antonio Russo ( Fisica, Della ge­
nerazione e della corruzione, Metafisica) , Oddone Longo ( Dei cielo), Renato
Laurenti ( Dell'anima, Piccoli trattati di storia naturale, Politica, Tra ttato
sull'economia, Costituzione degli Ateniesi) , Mario Vegetti (Parti degli animali) ,

* Os dois últimos títulos foram efetivamente publicados: Trattato sul cosmo


per Alessandro, com organização, introdução e comentários de G. Reale,
Nápoles, Loffredo, 1 974; I Topic� com organização, introdução e comentá­
rios de A. Zadro, Nápoles, Loffredo, 1 974. [N.T. ]

217
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Armando Plebe ( Etica Nichomachea, Grande etica, Etica Eudemia, Retorica),


Manara Valgumigli ( Poetica) e Gabriele Giannantoni ( Frammenti) .
Além dessas, encontram-se em outras editoras:
De caelo. Organização, tradução, introdução e notas de O. Longo. Florença:
Sansoni, 1 962.
De motu animalium. Tradução, texto e comentários de L. Torraca. Nápoles,
1 958.
Dell'anima. Organização, tradução, introdução e comentários de R. Laurenti.
Nápoles/Florença, 1 970.
Física. Organização de G. Laurenza. Nápoles, 1 967.
Generazione e corruzione. Organização de P. Cristofolini. Turim: Boringhieri,
1 963.
La política, La costituzione di Atene. Organização de A. Viano. Turim: Utet,
1 966.
Poética. Organização de F. Albeggiani. Florença: La Nuova Italia, 1 934 (reedi­
tado várias vezes) .
L e categorie. Organização, tradução, introdução e comentários d e D . Pesce.
Pádua: Liviana Editrice, 1 966.
Opere biologiche. Organização de M. Vegetti e D. Lanza. Turim: Utet, 1 972
(contém: Ricerche sugli anima/e, Le parti degli animali, La locomozione degli
animali, La percezione e i percepibili, La memoria e il richiamo alia memoria,
II sonno e a la veglia, I sogni, La premonizione nel sonno, La lunghezza e la
brevità della vita, La respirazione, II moto degli animali) .
Das obras juvenis, temos as duas traduções:
Esortazione alia filosofia (Protreptico) . Organização de E. Berti. Pádua: Radar,
1 967.
Della filosofia. Tradução, introdução, texto e comentário exegético de M.
Untersteiner. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 1 963.

V. TRADUÇÕES EM LATIM E EM LÍNGUAS MODERNAS

Traduções latinas
No que diz respeito às traduções latinas de Aristóteles, destacamos:

Aristoteles Latinus, 2 v. Codices descripsit G. Lacombe, in societatem operis


adsumptis A. Birkenmayer, M. Dulong, Aet. Franceschini: Pars prior, Ro­
mae, 1 939, p. 1 763; Pars Posterior, Cantabridgiae, 1 955, p. 764- 1 .388. Eis a
descrição que um dos autores faz da obra, que é um verdadeiro monumen­
to de erudição e de precisão: "Os dois volumes oferecem uma descrição
completa de 2.0 1 2 códices, inclusive os poucos fragmentos; reúnem a bi­
bliografia essencial dos estudos sobre o Aristóteles latino até 1 953; traçam
uma breve história da fortuna medieval do Estagirita (e de seus comentaris­
tas gregos e árabes) apresentando os resultados das descobertas feitas du-

218
B I B LI O G R A F I A C O M ENTADA

rante as pesquisas sobre a tradição manuscrita; e o�erece, finalmente, am­


plos exemplos ( incipit ed explicit) de todas as versões. O segundo volume,
ademais, tem suplementos e índices riquíssimos e exatos, frutos da doutrina
e do esforço inteligente e brilhante de Lorenzo Minio-Paluello" (cf. E. Fran­
ceschini, em trabalho citado a seguir, p. 145).

Para um breve e claro status questionis, ver:

Franceschini, E. "Ricerche e studi su Aristotele nel Medioevo latino". ln: Vários


autores. Aristoteles nella critica e negli studi contemporanei. Milão: Vita e
Pensiero, 1 957, p. 1 44- 1 66.

No que diz respeito, por outro lado, às traduções das obras de Aristóteles feitas
por eruditos do Renascimento, ver:

Aristoteles !atine interpretibus variis, v. III. Edição da Academia Prussiana das


obras de Aristóteles, op. cit. ( 1 83 1 ) .
Garin, E . "Le traduzioni umanistiche d i Aristotele nel secolo XV''. Atti
dell'Academia Fiorentina di Scienze Morali. Florença: La Colombaria, 1 950.

Traduções em inglês

Em língua inglesa, há uma boa tradução de todo o Corpus aristotelicum:

Ross, D. (org. ) . The Works ofAristotle. Oxford, Clarendon Press, 1 908 ss ( cha­
mada comumente de The Oxford Translation of Aristotle) . Eis aqui, portan­
to, a descrição da obra e de seus respectivos organizadores: !. Logic, 1 928:
Categorie, De interpretatione (E. M. Edghill) , Analytica priora (A. J. Jenkin­
son), Analytica posteriora (G. R. Mure), Topica, De sophisticis elenchis (W. A.
Pickard-Cambridge) ; II. Philosophy of Nature, 1 930: Physica (R. P. Hardie e
R. K. Gaye), De Caelo (J. L. Stocks), De generatione et corruptione (H. H.
Joachim) ; III. The Soul, 1 9 1 3 : Meteorologica (E. W. Webster), De mundo
(E. S. Forster), De anima ( J. A. Smith), Parva naturalia ( J. 1. Beare e G. R. T.
Ross) , De Spiritu ( J. F. Dobson); IV. History ofAnimais, 1 9 1 0: Historia ani­
malium (sir D'Arcy W. Thompson); V. Parts of animais, 1 9 1 2: De partibus
animalium (W. Ogle), De motu animalium, De incessu animalium (A. S. L.
Farquharson) , De generatione animalium (A. Platt); VI. Minor Biological
Works, 1 9 1 3: De coloribus, De audibilibus, De Me/isso, Xenophane, Gorgia
(T. Loveday e E. S. Forster ), De mirabilibus auscultationibus (L. D. Dowdall) ,
D e lineis insecabilibus (H. H. Joachim); Vll. Problems, 1 927 ( E . S. Forster);
Vlll. Metaphysics (D. Ross) ; IX. Ethics, 1 925: Ethica Nicomachea (D. Ross),
Magna Moralia (St. G. Stock), Ethica Eudemia ( J. Solomon); X. Politics and
economics, 1 92 1 : Politica (B. Jowett), Oeconomica (E. S. Forster), Athenien­
sium Respublica ( F. G. Kenyon); XI. Rethoric and Poetics: Rhetorica (W. Rhys
Roberts) , De Rethorica ad Alexandrum (E. S. Forster) , De poetica (I. Bywa­
ter); XII. Select Fragments, 1952 ( D. Ross).

219
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Essa tradução se impôs como referência no plano internacional e ainda não


foi superada, embora hoje já evidencie sua data em muitos aspectos.
Traduções inglesas se encontram também na edição bilíngue da Loeb Clas­
sical Library, da qual já demos as devidas indicações no parágrafo concernen­
te à edição do texto.

Traduções em francês

A tradução francesa Barthélemy Saint-Hlaire, do século XIX, hoje é inutilizá­


vel. Excelentes traduções foram feitas recentemente por J. Trocot, Aristote,
traduction nouvelle et notes (Paris, Vrin, 1 934 ss) . A obra compreende:

Organon, Métaphysique (nova edição totalmente reintegrada, com comentá­


rio); De la génération et de la corruption; De l'âme; Traité du ciel suivi du
Traité pseudo-aristotélicien de l'Esprit; Les météorologiques; Histoire des ani­
maux ( 2 v.) ; Les economiques; Éthique à Nicomaque.

Traduções em língua francesa podem ser encontradas também nas edições


bilíngues das várias obras de Aristóteles publicadas pela Collection des Univer­
sités de France, cujas indicações já demos à medida que apareciam no parágra­
fo relativo às edições dos textos. Deve-se destacar, particularmente, a recente
versão com amplíssimo comentário da Ética a Nicômaco:

Gauthier, R. A. (org. ) . L'éthique à Nicomaque, 4 v. Louvain: Jolif, 1 970.

Traduções em alemão

Uma tradução de todas as obras aristotélicas foi iniciada e orientada a bom


termo por Paul Gohlke: Aristoteles, Die Lehrschriften, herausgegeben, übertra­
gen und in ihrer Entstehung erliiutert (Paderborn, F. Schõning, 1 945 ss) . Eis o
plano da obra: I. Aristototele und sein Werk; II. Lógica: Kategorien und Herme­
neutik; Erste Analytic; Zweite Analytic; Topik-, III. Retórica e poética: Rethorik-,
Poetik und Fragmente der Homererkliirung-, Rhetorik an Alexander; IV. Física:
Physikalische Verlesung-, Ueber den Himme� Ueber Werden und Vergehen; Me­
terologie; An Kiinig Alexander über die Welt; Kleine Schriften zur Physik und
Metaphysik; V. Metaphysik; VI. Alma: Ueber die Seele; Kleine Schriften zur
Seelenkunde; VII. Ética e política: Grasse Ethik-, Schrift über Tugenden und Las­
ter; Eudemische Ethik; Nikomachische Ethik-, Politik; Verfassungsgeschichte der
Athener; Ueber Haushaltung in Familie und Staat; VIII. Natureza: Tierkunde;
Ueber die Glieder der Geschiipfe; Ueber die Zeugung der Geschiipfe; Kleine
Schriften zur Naturgeschichte; IX. Problemas.

Esse importante empreendimento de Gohlke não foi em geral bem recebido,


mas, na verdade, o juízo desfavorável em grande parte pode ser atribuído à
posição fortemente negativa de Jaeger em relação aos estudos de Gohlke, que,
aplicando o método genético, derrubavam as conclusões jaegerianas. É preciso
dizer que o valor da tradução de Gohlke é desigual, contudo, apesar disso,

220
B I B L I O G R A f I A C O M ENTADA

ela apresenta momentos felizes e intuições brilhantes que devem ser levadas
em conta.
Um grande plano de traduções da obra completa de Aristóteles, com orga­
nização de vários especialistas, foi programado pela Wissenschaftliche Buch­
gesellschaft de Darmstadt, em colaboração com a Akademie Verlag de Berlim:
Deutsche Aristoteles Gesamtausgabe. Aristoteles, Werke ín deutscher übersetzung,
20 v. A obra foi iniciada sob a direção de E. Grumach e, depois de sua mor­
te, de H. Flashar. Eis o plano da obra, com os organizadores de cada volume
(os volumes já publicados estão precedidos por asterisco) :
1. 1 . Kategorien ( Konrad Gaiser, Tübingen) ; 2 . Peri hermenéías (E. Baer,
Munique; R. Tessmer, Munique) .
II. Topík, Sophístísche Wíderlegungen ( M . Soreth, Kõln) .
III. Analytíca I!II ( J. Mau, Gõttingen) .
IV . Rhetorík ( N . N . ) .
V. Poetík ( R . Kassel, Berlim).
*VI. Níkomachísche Ethík, übers. u. komment. von Franza Dirlmeier, durch­
ges. Aufl. 1 969.
*VII. Eudemísche Ethík, übers. von Franz Dirlmeier, durchges. Aufl. 1 969.
*VIII. Magna Moralía, übers. von Franz Dirlmeier, durchges. Aufl. 1 966.
IX. Polítík (O. Gigon, Berna).
X. 1 . Staat der Athener (B. Lotze, Jena); 2. ôkonomík (H. Braunert, Kiel).
*XI. Physíkvorlesung, übers. von Hans Wagner, 1 967.
XII. 1 e 2 . Meterologíe. Ueber díe Welt, übers. von Hans Atrohm, 1 970;
3. Ueber den Hímmel (P. Moram:, Berlim); 4. Ueber Entstehen und Vergehen
(E. G. Schimidt, Jena) .
*XIII. Ueber díe Seele, übers. von Willy Theiler, durchges. Aufl. 1 969.
XIV. Parva Naturalía ( J. Wiesner, Berlim) .
XV. Metaphysík ( G . Patzig, Gõttingen) .
XVI. Zoologísche Schríften I: Tíergeschíchte ( K . Bartels, Zurique) .
XVII. Zoologísche Schríften II. 1 . Ueber díe Teíle der Tíere (I. Düring, Gotem­
burgo ); 2. Díe kleíneren zoologíschen Schríften (J. Kollesch, Berlim) .
*XVIII. Opuscula. 1 . Ueber díe Tugend, übers. von Ernst A . Schmidt, 1 965;
2. Mírabílía, übers. von Helmut Flashar; 3 . De audíbílíbus, übers. von Ulrich
Klein, 1 972; 4. De plantís (H. J. Drossaart Lulofs, Amsterdã); 5. De colori­
bus (M. Schramm, Tübingen); 6. Physiognomica (M. Schramm, Tübingen); 7.
De lineis insecabílibus (M. Schramm, Tübingen) ; 8. Mechaníca (M. Schramm,
Tübingen); 9. Xenophanes, Melissos, Gorgias (H. J. Newiger, Konstanz) .
*XIX. Problemata Physíca, übers. von Helmut Flashar, 1 962.
XX . Fragmente (O. Gigon, Berna ) .
A julgar pelos volumes já publicados, a edição irá superar a tradução inglesa
de Oxford, sobretudo por trazer ricos comentários (e, portanto, justificações
da tradução) , introduções e bibliografias (hoje, uma tradução de Aristóteles
sem notas é quase ilegível) .

22 1
INTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

VI. ÍNDICES E LÉXICOS


Insuperado, pois talvez só possa ser vencido com o auxílio de calculadoras
eletrônicas, é o já citado Index Aristotelicus de Bonitz, no volume V da edição
das obras de Aristóteles da Academia de Berlim. O Index foi reproduzido re­
centemente, em separado e em edição anastásica:
Bonitz, H. Index Aristotelicum. Darmstadt: Wissenscheftlicre Buchgesellschaft,
1 955.
Também têm utilidade o Index rerum et nominum (p. 1 -903 ) e o Index natu­
ra/is historiae (p. 905-924), no último volume da edição anteriormente citada
de F. Didot.
Podem-se consultar ainda:
Aristotelis opera omni. Index nominum et rerum absolutissimus, v. quintum
continens indicem nominum et rerum. Parisiis, 1 874.
Kiernan, T. Aristotle Dictionary. Nova York, 1 96 1 .
Organ, T. W. A n Index to Aristotle. Princeton, 1 948.
Também são úteis para consulta os índices das edições críticas das obras sin­
gulares.

VII. COLETÂNEAS, PARÁFRASES E COMENTÁRIOS

Comentários gregos, alexadrinos e bizantinos

Os comentários gregos foram publicados numa edição monumental organi­


zada pela Academia de Berlim:
Commentaria in Aristotelem graeca, edita consílio et auctoritate Academiae
Litterarum Regiae Borussicae (G. Reimeri, Berolini, 1 882- 1 909) . Eis o catá­
logo completo:
1. Alexander, in Metaphysica, M. Hayduck, 1 8 9 1 .
I I . 1 . Alexander, i n Priora Analytica, M. Wallies, 1 983; 2. Alexandre, in
Topica, M. Wallies, 1 89 1 ; 3. Alexander (Mich. Ephs. ) , in Soph. e/enchas, M.
Wallies, 1 898.
III. 1. Alexander, in De Sensu, P. Wendland, 1 90 1 ; 2. Alexander, in Meteor.
libras, M. Hayduck, 1 899.
IV. 1. Porphyrius, Isagoge, in Categorias, A. Busse, 1 887; 2 . Dexippus, in
Categorias, A. Busse, 1 888; 3 . Ammonius, in Prophyrii Isagogen, A. Busse,
1 8 9 1 ; 4. Ammonius, in Categorias, A. Busse, 1 895; 5. Ammonius, in De in­
terpretatione, A. Busse, 1 897; 6. Ammonius, in Abalytica Priora, M. Wallies,
1 899.
V. Themistius: 1. ln Analytica Posteriora, M. Wallies, 1 900; 2 . ln Physica,
H. Schenkl, 1 900; 3. De Anima, R. Heinze, 1 889; 4. De Caelo hebr. et [atine,
S. Landauer, 1 902; 5. Metaph. 1. A paraphrasis hebr. et !atine, S. Landauer,
1 903; 6. (Sophon.), in Parv. Nat., P. Wendland, 1 903.

222
B I B LI O G R A F I A C O M ENTADA

VI. 1. Siryanus, in Metaphysica, G. Kroll, 1 902; 2 . Asclepius, in Metaphysica,


M. Hayduck, 1 888.
VII. Simplicius, in De Caelo, 1 . L. Heiberg, 1 893.
VIII. Simplicius, in Categorias, K. Kalbfleische, 1 907.
IX. Simplicius, in Physica I-IV, H . Diels, 1 882.
X. Simplicius, in Physica V-VIII, H. Diels, 1 895.
XI. Simplicius, in De anima, M . Hayduck, 1 882.
XII. Olympiodori: 1. Prolegomena in Categorias, A. Busse, 1 902; 2. ln Me­
teora, G. Stüve, 1 900.
XIII. Joannes Philoponus (Olim Ammon . ) : 1. ln Categorias, A. Busse, 1 898;
2. ln Anal. Priora, M. Wallies, 1 905; 3. ln Anal. Posteriora, c. anon. in 1. li,
M. Wallies, 1 909.
XIV. Joannes Philoponus: 1. ln Meteor. 1. !, M. Hayduck, 1 90 1 ; 2 . De Ge­
neratione et corr., H. Vitelli, 1 897; 3. (Mich. Ephes.) De Gen. anim., M. Hay­
duck, 1 903.
XV. Joannes Philoponus, De Anima, M. Hayduck, 1 897.
XVI. Joannes Philoponus, in Phys. I-III, H. Vitelli, 1 887.
XVII. Joannes Philoponus, in Phys. IV-VII, H. Vitelli, 1 888.
XVIII. 1. Elias, in Prophyr. Isag. et Aristot. Categ., A. Busse, 1 900; 2 . David,
Prolegomena in Porphyr. Isag., A. Busse, 1 904; 3. Stephanus, in De Inter­
pretatione, M. Hayduck, 1 885.
XIX. 1. Aspasius, in Ethica, G. Heylbut, 1 889; 2. Heliodorus, in Ethica,
G. Heylbut, 1 889.
XX. Eustratius, Michael, Anônimo, in Ethica, G. Heylbut, 1 892.
XXI. 1. Eustratius, in Anal. Post. II, M. Hayduck, 1 907; 2 . Anônimo e Ste­
phanus, in Rethoricam, H. Rabe, 1 896.
XXII. Michael Ephesius: 1. ln Parva Natura/ia, P. Wemdland, 1 903; 2 . ln
De part. anim., De anim. mot. , De anim. incessu., M. Hayduck, 1 904; 3 . ln
Eth. V, M. Hayduck, 1 90 1 .
XXIII. 1 . Sophonias, i n D e Anima, M. Hayduck, 1 883; 2. Anônimo, i n Pa­
raphrasis in Cat., M. Hayduck, 1 883; 3. [ Themistius] , in Priora Anal. I,
M. Wallies, 1 884; 4. Anônimo, in Paraphrasis in Sophisticos elencos, M. Hay­
duck, 1 884.

Para as traduções latinas de inúmeros desses comentários, ver:

Schwab, Bibliographie d'Aristote, passim.


Philippe, Aristoteles, p. 19 ss.

Comentários medievais e renascentistas

Como grande parte da filosofia medieval, seja árabe, seja ocidental, é um re­
pensar e um comentário de Aristóteles, remetemos, para essa seção, a coletâ­
neas de filosofia medieval.
Para os comentários medievais latinos, consultar as seguintes coletâneas:

223
I NTRODUÇÃO A ARISTÓTELES

Lohr, H. Charles. Mediaeval Latin Aristotle Commentaries, Authors. ln Traditio,


XXJII ( 1 967), p. 3 1 3 -4 1 3 [A-F] ; XXIV ( 1 968), p. 149-245 [ G-I] ; XXVI ( 1 970),
p. 1 35 - 2 1 6 [ Ja-Jo ] ; XXVII ( 1 9 7 1 ) , p. 2 5 1 -35 1 [ Jo-Myn ] ; XXVIII ( 1 972 ) ,
p . 2 8 1 - 396 [N-Ri ] ; XXIX ( 1 973), p . 93- 1 97 [ Ro-Wil] .
Zimmermann, Albert. Verzeichnis ungedruckter Kommentars zur "Metaphysik"
und "Physik" des Aristoteles aus des Zeit etwa 1 250- 1 350, Bd. 1. Leiden-Kõln,
1971.
Para o s comentários renascentistas, é possível encontrar ricas indicações em:
Schwab, Bibliographie d'Aristote.
Philippe, Aristoteles, p. 22 ss.

Comentários modernos

Esses comentários normalmente aparecem com as edições do texto e suas


traduções; já foram, em sua maioria, indicados nas respectivas entradas. Dare­
mos indicações adicionais nos estudos críticos.

VIII. ESTUDOS CRÍTICOS

Estudos sobre o pensamento de Aristóteles em geral

Os estudos gerais sobre Aristóteles anteriores a 1 896 já foram indicados em:


Schwab, Bibliographie d'Aristote, p. 22 ss; os posteriores, até 1 925, podem ser
encontrados em Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 102, e as mais recentes em
Totok, HandBuch, p. 2 1 9 ss, Siebek H., Aristoteles, Stuttgart, 1 899, 1 922 (tradu­
ção italiana, Palermo, 1 9 1 1 ) .

Alfaric, P. Aristote. Paris, 1905.


Allan, D. J. The Philosophy ofAristotle. Londres, 1 952; Oxford 1 970 (foi tradu­
zido para o inglês, o francês e recentemente também para o italiano, com
organização de F. Decleva Caizzi. Milão: Lampugnani-Nigri, 1973 ) .
Berti, E. L'unità dei sapere i n Aristotele. Pádua, 1 965.
Bremond, A. Le dilemme arisotélicien. Paris, 1933.
Brentano, F. Aristoteles und seine Weltanschauung. Leipzig, 1 9 1 1 (Darmstadt,
1 967, reed. anast . ) .
Brõcker, W. Aristoteles. Frankfurt, 1 935, 1 964.
Brun, J. Aristote et le Lycée. Paris, 1 96 1 .
Carbonara, C . La filosofia greca. Aristotele. Nápoles, 1 967.
Case, T. "Aristotle". ln: Enciclopaedia Britannica. Cambridge, 1 9 1 1 (II, p. 50 1 -
522 ) .
Cresson, A . Aristote, s a vie, son oeuvre, avec un exposé d e la philosophie. Paris,
1 944, 1 963.
Düring, 1. Aristoteles, Darstellung und Interpretation seines Denkes. Heidelberg,
1 966 (trabalho fundamental; depois da de Jaeger, talvez seja a mais signifi­
cativa monografia de conjunto; cf. do mesmo autor o verbete "Aristóteles"

224
B I B L I O G R A F I A COMENTADA

na Realencyclopiidie der classischen Altertumswissenschaft, Pauly-Wissova,


suppl. B. XI ) .
Edel, A . Aristotle. Nova York, 1 967.
Fuller, B. A. G. Aristotle. Nova York, 1 935.
Goedeckemeyer, A. Die Gliederung der aristotelischen Philosophie. Halle, 1 9 1 2 .
--- . Aristoteles. Munique, 1 922.
Gohlke, O. Aristoteles und sein Werk. Paderborn, 1 948, 1 952.
Grene, M. A Portrait of Aristotle. Londres, 1 963.
Hamelin, O. Le systeme d'Aristote. Paris, 1 920, 1 93 1 .
Jaeger, W. Aristoteles Grunlegung einer Geschichte seiner Entwicklung. Berlim,
1 923, 1 955 (tradução italiana organizada por G. Calogero. Florença: La
Nuova Italia, 1 935, várias reeds.).
Kafka, G. Aristoteles. Munique, 1 922.
Lalo, G. Aristote. Paris, 1 922.
Lloyd, G. E. R. Aristotle: The Growth and Structure of His Thought. Cambridge,
1968.
Meulen, J. van der. Aristoteles, der mitte in seinen Denken. Meisenheim Glan,
1 95 1 .
Moreau, J. Aristote e t son école. Paris, 1 962.
Mure, G. R. G. Aristotle. Londres, 1 932.
Pait, C. Aristote. Paris, 1 903, 1 9 1 2.
Pauler, A. von. Aristóteles. Paderborn, 1 933 (tradução do húngaro, Budapeste,
1922).
Philippe, M. D. Initiation à la philosophie d'Aristote. Paris, 1 956.
Quiles, J. Aristóteles, vida, escritos, doctrina. Buenos Aires, 1 944.
Randall, J. H. Aristotle. Nova York, 1 960.
Robin, L. Aristote. Paris, 1 944.
Roland Gosselin, M. D. Aristote. Paris, 1928.
Rolfes, E. Die Philosophie des Aristoteles ais Naturerkliirung und Weltanschau­
ung. Liepzig, 1 923.
Ross, W. D. Aristotle. Londres, 1 923 (várias reeds.; tradução italiana de A. Spi­
nelli, Bari, Laterza, 1 946, com trabalho bastante acurado) . [Edição portu­
guesa de L. F. Bragança Teixeira. Lisboa: Dom Quixote, 1 987.]
Schilling, Wollny K. Aristoteles' Gedanke der Philosophie. Munique, 1 929.
Stiegen, A. The structure of Aristotle's Thought. An Introduction to the Study of
Aristotle's Writings. Oslo, 1 966.
Taylor, E. A. Aristotle. Londres, 1 9 1 2 (várias reeds.).
Zürcher, J. Aristoteles' Werk und Geist. Paderborn, 1 952.

Relembramos aqui, enfim, algumas coletâneas de estudos de vários autores


(outras, mais específicas, serão citadas nos respectivos parágrafos) :

Autour d'Aristote. Récueil d'études d e philosophie ancienne et médiévale offert


à Mons. A. Mansion. Louvain, 1 95 5 .

225
INTRO DUÇÃO A A R I STÓTELES

Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1 957.


Bambrough, R. (org.) . New Essays on Plato and Aristotle. Londres, 1 959.
Düring, I. e Owen, G. E. L. (orgs . ) . Aristotle and Plato in the Mid-fourth Cen-
tury (Atas do l Symposium Aristotelicum ) . Gotemburgo, 1 960.
L'attualità della problematica aristotélica. Pádua: Antenore, 1 970.

Estudos específicos

Estudos sobre o primeiro Aristóteles

Depois do Aristoteles de Jaeger, houve uma redescoberta da filosofia do jovem


Aristóteles, ou seja, da filosofia dos exotéricos, e surgiu então toda uma biblio­
grafia sobre o assunto, na maioria bastante especializada. O leitor poderá en­
contrá-la totalmente indicada e recenseada em:

Berti, E. La filosofia dei primo Aristotele, passim.

Mencionaremos apenas algumas das obras mais significativas sobre o tema:

Bernays, J. Die "Dialoge" des Aristoteles in ihrem Verhiiltnis zu seinen übrigen


Werken. Berlim, 1 863 (ainda indispensável, embora superado em muitíssi­
mos aspectos) .
Bignone, E . L'Aristotele perduto e la formazione filosofica d i Epicuro, 2 v. Floren­
ça, l 936, 1 973 (embora a perspectiva jaegeriana que a baseia tenha sido
superada, trata-se de uma obra fundamental, que continua válida graças à
demonstração da influência que o jovem Aristóteles teve sobre a filosofia da
era helenística, em particular sobre Epicuro ) .
Bidez, J. Un singulier naufrage littéraire dans l'Antiquité. À la recherche des
épaves de l'Aristote perdu. Bruxelas, 1 943.
Chroust, A. Aristotle's "Protrepticus". A Reconstruction. Indiana, Notre Dame,
1 964.
Düring, I. "Problems in Aristotle's Protrepticus''. Eranos, LI!, 1 954, p. 1 39- 1 7 1 .
--- . "Aristotle in the Protrepticus 'nel mezzo dei cammin"'. ln: Vários au­
tores. Autour d'Aristote. Louvain, 1 955, p. 8 1 -97.
--- . Aristotle's "Protrepticus": An Attempt at Reconstruction. Gotemburgo,
1 9 6 1 (trabalho fundamental; desbloqueia de maneira decisiva a interpreta­
ção jaegeriana do Protréptico e oferece uma dicção exemplar do texto) .
Einarson, B . "Aristotle's Protrepticos and the Structure o f the Epinomis''. Trans­
actions and Proceedings of the American Philological Association, LXVII, 1 936,
p. 261 -285.
Festugiere, A. J. ''Aristote: Le dialogue Sur la philosophie''. ln: --- . La révé­
lation d'Hermes Trismégiste, v. II, 1 949, p. 249-259.
Gadamer, H. G. "Der aristotelische Protreptikos und die entwickungsgeschicht­
liche Betrachtung der aristotelischen Ethik''. Hermes, LXIII, 1 928, p. 1 38- 1 64.
Karpp, H. "Die Schrift des Aristoteles Peri Ideôn". Hermes, LXVIII, 1 933, p. 384-
39 1 .

226
B I B LI O G R A F I A COME NTA DA

Lazzati, G. L'Aristotele perduto e gli scrittori cristiani. Milão, 1 938.


Mansion, S. "La critique de la théorie des Idées dans le Perl Ideôn d' Aristote".
Revue Philosophique de Louvain, XLVII, 1 949, p. 1 69-202.
Mariotti, S. "Nuove testimonianze de echi dell'Aristotele giovanile". Atene e
Roma, VIII, 1 940, p. 48-60.
Monan, J. D. "La connaissance morale dans !e Protreptique d'Aristote". Revue
Philosophique de Louvain, LIX, 1 960, p. 1 85 - 2 1 9 .
Moraux, P. À l a recherche d e l'Aristote perdu. L e dialogue s u r l a justice. Louvain,
1 957.
Mühll, P. von der. "Osokrates und der Protreptikos des Aristoteles". Philologus,
XCIV, 1 94 1 , p. 259-265.
Owen, G. E. L. ''A proof in the Peri Ideôn". Journal of Hellen ic Studies, LXXVII,
1 957, p. 103- 1 1 1 .
Pepin, J. ''L'inteprétation di De Philosophia d' Aristote''. Revue des Etudes Grec­
ques, LXXVII, 1 964, p. 445-488.
Philipson, R. "II Peri Ideôn di Aristotele". Rivista di Filologia e di Istruzione
Classica, LXIV, 1 936, p. 1 1 3 - 1 25.
Rabinowitz, W. G. Aristotle's "Protrepticus" and the Sources of its Reconstruction.
Berkeley/Los Angeles, 1 957.
Rostagni, A. "II dialogo aristotelico Perl Poietôn". Rivista di Filologia Classica,
LIV, 1 926, p. 433-470; LV, 1 927, p. 1 55- 1 73 .
Saffrey, H. D . L e "Perl Philosophias" d'Aristote et l a théorie platonicienne des
idées et des nombres. Leiden, 1 955.
Schuhl, P. M. Aristote, "De la richesse'; "De la priere'; "De la noblesse'; "Du
plaisir'; "De l'éducation'; "Fragments et témoignages". Tradução, prefácio e
comentário de P. M. Schuhl. Paris, 1 968.
Untersteiner, M. "II Perl Philosophías di Aristotele''. Rivista di Filologia e di Is­
truzione Classica, XXXV I II, 1 960, p. 337-362; XXXIX, 1 96 1 , p. 1 2 1 - 1 59.
--- . Aristotele "Della filosofia". Texto, introdução e comentário exegético.
Roma, 1 963.
Wilpert, P. "Reste verlorener Aristotelesschrfiten bei Alxander von Aphrodisia".
Hermes, LXXV, 1 940, p. 369-396.
--- . "Neue Fragmente aus Peri Tagathou''. Hermes, LXXVI, 1 94 1 , p. 225-
250.
---. Zwei aristotelische "Frühschriften über die Ideenlehre". Regensburg,
1 949.
--- . "Di aristotelische Schrift Ueber die Philosophie''. ln: Vários autores.
Autour d'Aristote. Louvain, 1 955, p. 96- 1 1 6.
---. "Die Stellung der Schrift Ueber die Philosophie in der Gedankenent­
wicklung des Aristoteles''. Journal of Hellenic Studies, LXXVII, 1 957, p. 1 55-
1 62.

227
INTRODUÇÃO A A R I STÓTELES

Relações de Aristóteles com a doutrina platônica


das Ideias e dos números-ideias

Além dos trabalhos já citados a respeito dos tratados Sobre as Ideias e Sobre o
bem, também são essenciais para orientar-se adequadamente quanto a essa
problemática:

Cherniss, H. Aristotle's Criticism of Plato and the Academy. Baltimore, 1 944


(Nova York, 1 962).
--- . The Riddle of the Early Academy. Berkeley/Los Angeles, 1 945 (Nova
York, 1 962; traduzido para o alemão e prestes a ser publicado também em
língua italiana) [trad. it., L. Ferrem: L'enigma dell'Accademia ântica. Floren­
ça: La Nuova Italia, 1 974 ] .
Gaiser, K. Platons ungeschriebene Lehre. Stuttgart, 1 963 ( contém a primeira
edição dos testemunhos [p. 44 1 -5 5 7 ] , sistematicamente ordenados).
Gentile, M. La dottrina delle Idee Numeri e Aristotele. Pisa, 1 930.
Kraemer, H. J. Areté bei Platon und Aristoteles. Zum Wesen und zur Geschichte
der platonischen Ontologie. Heidelberg, 1 959 (Amsterdã, 1 967).
Levi, A. ln: G. Reale (org. ) . II problema dell'essere nell'ontologia e nella gnoseo­
logia di Platone. Pádua, 1 970, p. 32 ss (obra póstuma) .
Robin, L. La théorie platonicienne des Idées et des nombres d'aprés Aristote.
Paris, 1 908 (Hildesheim, 1 963, reed. anast. ) .
Ross, D . Plato's Theory of Ideas. Oxford, 1 953.
Stenzel, J. Studien zur Entwicklung der platonischen Dialetik von Sokrates bis
Aristoteles. Breslau, 1 9 1 7 (Dermstadt, 1 96 1 ) .
--- . Zahl und Gestalt bei Platon und Aristoteles. Leipzig/Berlim, 1 924
(Darmstadt, 1959).
Taylor, A. E. Plato. Londres, 1 926 ( trad. it., Florença, 1 949, p. 777-797; encon­
tra-se uma exposição mais extensa da interpretação dos números-ideias de
Taylor em Philosophical Studies [ 1 963 ] , p. 9 1 - 1 50).
Wedberg, A. Plato's Philosophy of Mathematics. Estocolmo, 1 955.
Wippern, Jürgen (org . ) . Das Problem der ungeschriebenen Lehre Platons. Bei­
triige zum Verstandnis der Platonischen Prinzipienphilosophie. Darmstadt,
1 972 (importante coletânea de artigos de vários autores) .

A metafísica e a problemática ontológico- teológica

Uma bibliografia quase completa poderá ser consultada pelo leitor das seguin­
tes obras já citadas: Schab, Bibl. d'Arist., p. 209 ss; Ueberweg-Praechter, Grun­
diss, p. 1 04 ss, 1 1 3 ss; Totok, Handbuch, p. 234 ss e 250 ss.
Excelente é a bibliografia que o leitor encontrará em J. Owens, The Doc­
trine ofBeing in the Aristotelian Metaphysics ( Toronto, 1 9 5 1 [ 1 963 ] , p. 425 ss);
também bastante rica é a de S. Gómez-Nogales, Horizonte de la metafísica
aristotélica, p. 259 ss, 3 7 4 ss; e de Reale, Aristotele, "La Metafisica", v. II, p. 449-
702. Enfim, uma bibliografia comentada de cerca de uma centena de livros

228
B I B L I O G R A F I A C O M E NTADA

e artigos sobre o assunto pode ser encontrada em Reale, II concetto di filo­


sofia prima, p. 321 -376. Status quaestionis referente às interpretações genéticas
da Metafísica pode ser encontrado em Berti, La filosofia dei primo Aristotele,
p. 39-75.
A bibliografia que mencionaremos a seguir está entre as mais importantes
do século XX; no que diz respeito ao século XIX, cf. Reale, Aristóteles, Metafí­
sica, v. II, p. 462 ss.

Ambuehl, H. Das Objekt der Metaphysik bei Aristóteles. Freiburg Schweiz, 1 958.
Arnim, H. von. "Zu W. Jaeger Grudlegung der Entwicklungsgeschichte des
Aristoteles". Wiener Studien, XLVI, 1 928, p. 1 -48 (fundamental até hoje por­
que representa a primeira tomada de posição sobre sólidas bases filológicas
contra a interpretação genética jaegeriana, em particular da Metafísica) .
--- . "Die Entstehung der Gotteslehre des Aristoteles". Sitzungsberichte der
Akademie der Wissenschaften in Wien, Philos. -híst. Klasse, CCXII, 1 93 1 ,
5 Abhandlung.
Arpe, C. Das ti ên Einai bei Aristóteles. Hamburgo, 1937.
Aubenque, P. Le probleme de l'être chez Aristote. Essai sur la problématique
aristotélicienne. Paris 1 962, 1 966 ( cf. a tese exposta sucintamente pelo autor
em "Aristoteles und das problem der Metaphysik': Zeitschrift für Philosophi­
sche Froschung, XV, 1 96 1 , p. 3 2 1 -333).
Badareu, D. L'individuel chez Aristote. Paris, s.d. [ 1 936] .
Boehm, R. Das Grundlegende und das Wesendliche. Zu Aristoteles' Abhandlung
"Ueber das Sein und das Seinde" (Metaphysik Z). Den Haag, 1 965.
Buchanan, E. Aristotle's Theory of Being. Cambridge (Mass.), 1 962.
Cencillo, L. Hyle. Origen, concepto y funciones de la materia en el corpus aristo­
telicum. Madri, 1 958.
Chen, Chung Hwan. Das Chorismos-problem bei Aristoteles. Berlim, 1 940.
Chevalier, J. La notion du nécéssaire chez Aristote et chez ses prédécesseurs. Paris,
1915.
Décarie, V. L'objet de la métaphysique selon Aristote. Montreal/Paris, 1 96 1 .
Deninger, J . G . "Wahres Sein" i n der Philosophie des Aristoteles. Meisenheim am
Glam, 1 96 1 .
Dhondt, U . "Science suprême e t ontologie chez Aristote''. Revue de Philosophie
de Louvain, LIX, 1 96 1 , p. 5-30.
Elders, L. Aristotle's Theorie of the One. A Commentary on Book X of the "Meta-
physics". Assen, 1 96 1 .
Golhke, P. Die Entstehung der aristotelischen Prinzipienlehre. Tübingen, 1 954.
Gómez-Nogales, S. Horizonte de la metafísica aristotélica. Madri, 1 955.
Jaeger, W. Studien zur Entstehungsgeschichte der Metaphysik des Aristoteles.
Berlim, 1 9 1 2 .
Kraemer, H. J . Der Ursprung der Geistmetaphysik. Amsterdã, 1 964.
--- . "Zur geschichtlichen Stellung der aristotelischen Metaphysik". Kant­
studien, LVIII, 1 967, p. 3 1 3-354.

229
INTRODUÇÃO A A R I STÓTELES

Lesze, W. Hyle, Studien zum aristotelischen Materiebegruff. Berlim, 1 9 7 1 (tra­


balho importante: o mais completo sobre o assunto ) .
Lugarini, L. A ris to tele e l'idea dei/a filosofia. Florença, 1 96 1 .
Mansion, A . "Philosophie premiere, philosophie seconde et métaphysique chez
Aristote". Revue Philosophique de Louvain, LVI, 1 958, p. 1 65-22 1 .
Marlan, Ph. From Platonism to Neoplatonism. The Hague, 1 952, 1 960.
Maser, S. Metaphysik einst und jetzt. Kritische Untersuchungen zu Begriff und
Ansatz der Ontologie. Berlim, 1958.
Oggioni, E. La filosofia prima di Aristotele. Milão, 1 939. (Pode-se encontrar
uma exposição mais clara da tese do autor na amplíssima introdução à
tradução de Eusebietti da Metafísica aristotélica. Pádua, 1 950. )
Owens, J. The Doctrine ofBeing in the Aristotelian Methaphysics. Toronto, 1 9 5 1
(ed. revista, 1 963; trabalho fundamental sob todos o s pontos d e vista) .
Patzig, G. "Theologie und Ontologie i n der Metaphysik des Aristoteles". Kant­
studien, LI!, 1 960- 1 96 1 , p. 1 85-205.
Preiswerk, A. "Das Einzelne bei Platon und Aristoteles". Philologus, supple­
mentband XXXI I , 1 939.
Reale, G. Teofrasto e la sua aporetica metafísica. Brescia, 1 964 (no qual o pro­
blema das relações entre a metafísica de Teofrasto e a metafísica aristotélica
é tratado amplamente) .
Reiner, K . "Die Entstehung und ursprüngliche Bedeutung des Namens Meta­
physik''. Zeitschrift für Philosophische Forschung, VIII, 1 954, p. 2 1 0-237.
Rijk, L. M. de. The Place of the Categories of Being in Aristotelian's Philosophy.
Assen, 1 952.
Riondato, E. Storia e metafisica nel pensiero di Aristotele. Pádua, 1 96 1 .
Stallmach, J . Dynamis und Energeia. Untersuchungen a m Werk des Aristoteles
zur Problemgeschichte von Moglichkeit und Wirklichkeit. Meisenheim am
Glan, 1 959.
Tugendhat, E. Ti katà tinós. Eine Untersuchung zur Struktur und Ursprung
aristotelischer Grundbegriffe. Freiburg, 1958.
Wagner, H. "Zum Problem des aristotelischen Metaphysikbegriff". Philoso­
phische Rundschau, VII, 1 959, p. 1 29- 148.
Werner, C. Aristote et l'idéalisme platonicien. Paris, 1 9 1 0.
Wundt, M. Untersuchungen zur Metaphysik des Aristoteles. Stuttgart, 1953.

Estudos sobre a problemática física e cosmológica

O leitor encontrará uma bibliografia bastante rica nas seguintes obras citadas:

Schwab, Bibl. d'Aristote, p. 1 30 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 1 05,


1 . 1 53 ss; Totok, Handbuch, p. 242, 252; Ross, Arist. Phys., p. VIII ss; Wagner,
Arist., Physilvorlesung.
Carteron, H. La notion de force dans le systeme d'Aristote. Paris, 1 924.
Conen, P. F. Die Zeittheorie des Aristoteles. Munique, 1 964.

230
B I B L I O G R A F I A C O M E NTADA

Dehn, M. "Raum, Zeit, Zahl bei Aristoteles vom mathematischen Standpunkt


aus". Scientia, LX, 1 936, p. 2 1 - 2 1 , 69-74.
Dubois, J. M. Le temps et l'instant selon Aristote. Paris, 1 967 (toda a primeira
parte da obra [p. 1 5 - 1 25 ] descreve o status quaestione em relação à temática
do tempo) .
Düring, 1. "Naturphilosophie bei Aristoteles und Theophrast''. ln: Vários au-
tores. Verhandlungen des 4. Symposium Aristotelicum, Heidelberg, 1 969.
Edel, A. Aristotle's Theory of the Infinite. Nova York, 1 934.
Evans, M. G. The Physical Philosophy of Aristotle. Albuquerque, 1 964.
Giacon, C. II divenire in Aristotele. Pádua, 1 947.
Gohlke, P. "Die Entstehungsgeschichte der naturwissenschaftlischen Schriften
des Aristoteles''. Hermes, LIX, 1 924, p. 274-306.
--- . Moderne Logik ind Naturphilosophie bei Aristoteles. Paderborn, 1 962.
Le Blond, J. M. Logique et méthode chez Aristote. Études sur la recherche des
principes dans la Physique aristotélicienne. Paris, 1 939.
Mansion, A. Introduction à la physique aristotélicienne. Louvain, 1 9 1 3 (2• ed.
rev. e ampl., Louvain, 1 946) .
--- . "La physique aristotélicienne e t l a philosophie''. Revue Neosc., XXXIX,
1 936, p. 5-26.
Mondolfo, R. L'infinito nel pensiero dell'Antichitá Clássica. Florença, 1 956.
Moreau, J. L'espace et le temps selon Aristote. Pádua, 1 965.
Reiche, L. Das Problem des Unendlichen bei Aristoteles. Breslau, 1 9 1 1 .
Riezler, K . Physics and Reality. Lectures of Aristotle on modem Physics at an
International Congress of Science. New Haven: Yale Univ. Press, 1 940.
Robin, L. "Sur la conception aristotelicienne de la causalité". Archiv für Ge­
schichte der Philosophie, XXIII, 1 9 1 0, p. 1 -28, 1 84-2 1 0 (publicado também
em Robin, La pensée hellenique des origines à Epicure. Paris, 1 942) .
Ruggiu, L . Tempo, conscienza e esse nella filosofia d i Aristotele. Brescia, 1 968.
Runner, H. E. The Delopment of Aristotle Illustrated from the Earliest Books of
the Physics. Kampen, 1 9 5 1 .
Schramm, M. Die Bedeutung der Bewegungslehre des Aristoteles für seine beiden
Liisungen der zenonischen Paradoxie. Frakfurt, 1 962 (para a bibliografia con­
cernente às relações entre Aristóteles e os paradoxos zenonianos sobre o
movimento, cf. Ross, Ar. Phys., p. XI ss).
Solmsen, F. Aristotle's System of the Physical World. Ithaca: Cornell Univ. Press,
1 960.
Theiler, W. Zur Geschichte der theleologischen Naturbetrachtung bis auf Aristo­
teles. Zurique, 1 924; Berlim, 1 965.
Verdenius, W. J. e Waszink, J. H. Aristotle. On Coming- to-be and Passing-away.
Some Comments. Leiden, 1 946, 1 966.
Wieland, W. Die aristotelische Physik. Untersuchungen ueber die Grundlegung
der Naturwissenschaft un die sprachlischen Bedingungen der Prinzipeinforsc­
hung bei Aristoteles. Tübingen, 1 962.
Woodbridge, F. J. E. Aristotle's Vision of Nature. Nova York, 1 965.

231
INTRODUÇÃO A A R I STÓTELES

Estudos sobre a problemática psicológica e gnoseológica


Para uma bibliografia sobre as questões psicológicas, cf. Schwab, Bibl. d'Aris­
tote, p. 1 79 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 1 1 7; Hicks, Arist. De anima,
p. IX-XVIII; O. Apelt in Biehl-Apelt, Arist. De an., op. cit., p. IX-XIII; Totok,
Handbuch, p. 1 42 ss; F. Nuyens, L'évolution de la psychologie d'Aristote, Lou­
vain, 1 948, p. 3 1 9-390. Status quaestionis concernente às interpretações gené­
ticas da psicologia poderá ser encontrado em Berti, La filosofia dei primo Aris­
totele, p. 88 ss.

Barbotin, E. La théorie aristotélicienne de l'intellecte d'apres Théophraste. Lou­


vain/Paris, 1 954.
Bobba, R. La dottrina dell'intelletto in Aristotele e nei suoi piu illustri commen­
tatori. Turim, 1 896.
Brentano, F. Die Psychologie des Aristoteles insbesondere seine Lwehre vom Nous
poeitikós. Mainz, 1 867; Darmastadt, 1 967 (ainda fundamental).
Cassirer, H. Aristoteles Schrift "Von der Seele" und ihre Stellung innerhalb der
aristotelischen Philosiphie. Tübingen, 1 932.
Catin, S. "L'intelligence selon Aristote''. Lavai Théologique et Philosophique, IV,
1 948, p. 252-288.
--- . "Le nombre de sens externes d'apres Aristote". Lavai Théologique et
Philosophique, VII, 1 9 5 1 , p. 59-67.
--- . "L'object de sens externes dans la conception aristotélicienne de la
sensation". Lavai Thélogique et Philosophique, XV, 1 959, p. 9-3 1 .
Chaignet, A.-E. Essai sur la psychologie d ' Aristote. Paris, 1 883.
De Corte, M. "Notes exégétiques sur la théorie aristotélicienne du 'Sensus
communis"'. New Scholasticism, VI, 1 932, p. 1 87-2 14.
--- . La doctrine d e l'intelligence chez Aristote. Paris, 1 934.
Hamelin, O. La théorie de l'intellect d'apres Aristote et ses commentateurs. Paris,
1 953 (introdução de E. Barbotin) .
Kurfess, H. Zur Geschichte der Erkli:irung der aristotelischen Lehre vom soge­
nannten. Nous poietikós und pathetikós. Tübingen, 1 9 1 1 .
Lefêvre, Charles. Sur l'évolution d'Aristote e n psychologie. Louvain, 1 972.
Mansion, E. "L'immortalité de l'âme et de l'intellect d'apres Aristote''. Revue
Philosophique de Louvain, Ll, 1 953, p. 444-472.
Moraux, P. Alexandre d'Aphrodise exégete de la noétique d' Aristote. Liege/Paris,
1 942.
Nuyens, F. L'évolution de la psychologie d'Aristote. Louvain, 1 948 (trata-se do
mais significativo dos trabalhos concernentes à evolução da doutrina aris­
totélica da alma) .
Oehler, K . Die Lehre vom noetischen und dianoetischen Denken hei Platon und
Aristoteles. Munique, 1 962.
Schilfgaarde, P. van. De Zielkunde van Aristoteles. Leiden, 1 938.
Shute, C. W. The Psychology of Aristotles; an Analysis of the Living Being. Co­
lumbia, 1 94 1 ; Nova York, 1 964.

232
B IB L I O G R A F I A COM ENTADA

Siwek, P. La psychophysique humaine d'apres Aristote. Paris, 1 930.


Soleri, G. L'immortalità dell'anima in Arisotele. Turim, 1 952.
Spicer, E. E. Aristotle's Conception of the Soul. Londres, 1 934.

Estudos sobre a ética aristotélica

Além dos repertórios várias vezes citados de Schwab, Ueberweg-Praetcher e


Totok, encontram-se excelentes bibliografias específicas sobre a temática mo­
ral em Aristóteles em: Aristotelis Ethica Nicomachea, Apelt, p. XII-XXIX. Para a
bibliografia posterior a 1 9 12, ver: Gauthier-Jolif, L'éthique à Nicomaque, v. II,
2, p. 9 1 7-940, que vai até 1 958, e o suplemento relativo aos anos 1 958- 1 968 no
v. l, 1 (2ª ed., 1 970), p. 3 1 5-334. Excelentes também são as bibliografias de
Dirlmeier, Aris, Nik. Eth., p. 255-264; id., Arist. Eud. Eth., p. 1 2 1 - 1 27; id., Magn.
Mor., p. 1 1 3- 1 1 8 . Status quaestionis das interpretações genéticas da ética pode
ser encontrado em Berti, La filos. d. prim. Arist., p. 76-87; e, com maior ampli­
tude, em Zeller-Plebe (parte II, v. VI da tradução italiana da obra zelleriana,
especialmente na "Nota sulla questione dello sviluppo deli' etica aristotélica';
p. 88- 1 1 0 ) . Dadas as limitações de espaço, restringimo-nos aqui à indicação de
algumas monografias, com exclusão de muitos dos trabalhos de caráter predo­
minantemente filológico e referentes à autenticidade e à gênese de cada um
dos trabalhos éticos, que podem ser encontrados em Dirlmeier.
Allan, D. J. "The Practical Syllogism". ln: Vários autores. Autour d'Aristote.
Louvain, 1 955, p. 325-340.
Ando, T. Aristotle's Theory of Practical Congnition. Kioto, 1 958.
Arnim, H. von. Die drei aristotelischen Ethiken. Leipzig/Viena, 1 924.
Aubenque, P. La prudence chez Aristote. Paris, 1 963.
Bausola, A. "La teleologia aristotelica e il valore dell'attività noetica''. ln: Vários
autores. Aristotele nella critica e negli studi contemporanei. Milão, 1 956,
p. 26-70.
Brink, K. O. Still und Form des pseudoaristotelischen Magna Moralia. Ohlau,
1 933.
Donini, P. L. L'etica dei Magna Moralia. Turim, 1 965.
Gauthier, R. A. La morale d'Aristote. Paris, 1 958.
Gillet, M. Du fondement intellectuel d e l a morale d'apres Aristote. Freiburg,
1 905 (Paris, 1 928).
--- . "Les éléments psychlogiques du caractere moral d'apres Aristote".
Revue des Sciences Philosophiques et Théologiques, I, 1 907, p. 2 1 7-238.
Goedeckmeyer, A. Aristoteles' praktische Philosophie. Leipzig, 1 922.
Hardie, W. F. R. Aristotle's Ethical Theory. Oxford, 1 968.
Joachim, H. H. The Nichomachean Ethics, a Commentary. Oxford, 1 95 1 ( orga­
nização de D. A. Rees) .
Kalkreuter, H. Die Mesotes bei und vor Aristoteles. Tübingen, 1 9 1 1 .
Kapp, E. Das Verhiiltnis der eudemischen zur nikomachischen Ethik. Freiburg,
1 9 12.

233
INTRODUÇÃO A A R ISTÓTELES

La Fontaine, A. Le plaisir d'apres Platon et Aristote. Paris, 1 902.


Léonard, J. Le bonheur chez Aristote. Bruxelas, 1 948.
Lieberg, G. Die Lehre von der Lust in den Ethiken des Aristoteles. Munique,
1 959.
Lottin, O. "Aristote et la connexion des vertus morales". ln: Vários autores.
Autour d' Aristote. Louvain, 1 955, p. 343-366.
Monan, J. D. Moral Knowledge and its Methodology in Aristotle. Oxford, 1 968.
Oates, W. J. Aristotles and the Porblem of Value. Princeton, 1 963.
Ramsauer, A. J. G. Zur Charakteristic der aristotelischen Magna Moralia. Fak­
simile Neudrusk-Ausgabe Oldembrug, 1 858, mit einer Einleitung von F.
Dirlmeier. Stuttgart-Bad Kannstatt, 1 964.
Vários autores. Untersuchungen zur Eudemischen Ethik. Atas do V Symposium
Aristotelicum. Berlim, 1 9 7 1 (organizado por Von P. Maoraux e D. Harf­
linger ) .
Walzer, R. Magna Mora/ia u n d aristotelische Ethik. Berlim, 1 929.

Estudos sobre a política aristotélica


Para uma bibliografia completa acerca da temática política, ver: Schwab,
Bibliographie d'Aristot., p. 1 5 7 ss; Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 1 1 9 ss; e a
bibliografia já citada de Aubonnet, na introdução à sua edição da Política na
Collection des Universités De France. Para o staus quaestionis concernente ao
problema da Política, cf. Berti, La filosofia dei primo Aristotele, p. 76-87, e a nota
de Plebe, "La questione della composizione della Política dali' Aristoteles di Ja­
eger ai giorni nostri", in Zeller-Plebe, p. 2 1 5-245.
Ashley, W. The Theory of Natural Slavery Accordig to Aristotle and St. Thomas.
Notre Dame ( Indiana), 1 94 1 .
Bagolini, L . "II porblema della schiavitu nel pensiero etico-politico d i Aristo­
tele". Scienza e Filosofia, 1 942, p. 1 -38.
Barker, E. The Política/ Thought of Plato and Aristotle. S.I., 1 902 (Nova York,
1 959 ) .
Bornemann, E. ''Aristotelische Urteil über Platos politische theorie''. Philologus,
LXXIX, 1 923, p. 70- 1 1 , 1 1 3 - 1 58, 234-257.
Braun, E. Aristoteles über Bürger und Menschentugend. Viena, 1 96 1 .
Defourny, M. Aristote, étude sur la Politique. Paris, 1 932.
Guebbels, B. Die Lehre des Aristoteles von den Arbeitenden Klassen. Bonn, 1 927.
Hamburger, M. Morais and Law: the Grouth of Aristotle's Legal Theory. New
Haven: Yale Univ. Press, 1 95 1 .
Ivánka, E . von. Die aristotelische Politik und die Stiidtegründungen Alexander
des Grosssen. Budapeste, 1 938.
Kelsen, H. "La politique gréco-macédonienne et la politique d'Aristote". Ar­
chives de Philosophie du Droit et de Sociologie Juridique, N, 1 934, p. 2-79.
---. "The Philosophy of Aristotle and the Hellenistic-macedonian Policy".
International Journal of Ehics, XLVIII, 1 937, p. 1 -64.

234
B I B L I O G R A F I A C O M E NTADA

Laurenti, R. Genesi e formazione della Politica di Aristotele. Pádua, 1 955.


Ritter, J. Naturrecht bei Aristoteles. Zum Problem einer Erneuerung des Natur-
rechts. Stuttgart, 1 96 1 .
Salomon, M . Der Begriff der Gerechtigkeit bei Aristoteles. Leiden, 1 937.
Sigfried, W. Der Rechtsgedanke bei Aristoteles. Zurique, 1 947.
Trude, P. Der Bregriff der Gerechtigkeit in der aristotelischen Rechsts und Sta­
atsphilosophie. Berlim, 1 955.
Vários autores. La politique d'Aristote. Entretiens Fondation Hardt XI, Van­
doeuvres/Genebra, 1 965 (contém: R. Stark, "Der gesamtaufdau der aristo­
telischen Politik"; D. J. Allan, "Individual and State in the Ethics and Poli­
tics"; P. Aubenque, "Théorie et pratique politiques chez Aristote"; P.
Moram:, "Quelques apories de la Politique e leur arriere-plan historique";
R. Weil, "Philosophie et histoire. La vision de l'histoire chez Aristote"; H.
Aalders, "Die Mischverfassung und ihre historische Dokumentation in den
Politika des Aristoteles") .
Weil, R . Aristote e t l'histoire. Essai s u r la Politique. Paris, 1 960.
Wilamowits, Moellendorff U. Aristoteles und Athen, 2 v. Berlim, 1 893.

Estudos sobre a poética e a retórica


Sobre a Poética, há uma excelente bibliografia: L. Cooper e A. Gudelman,
A Bibiography of the Poetics of Aristotle (Yale Univ. Press, New Haven, 1 928,
1 932 ) ; e M. T. Herrick, "A supplement to Cooper and Gudelman's Bibliography
of the Potics ofAristotle'� American Journal of Philology, LII, 193 1 , p. 1 68- 1 74.
Para os anos posteriores a 1 932, cf. Totok, Handbuch, p. 224 ss, 259 ss; e Zeller­
-Plebe, op. cit., p. 298-309.
Bignani, E. "La catarsi tragica in Aristotele''. Rivista di Filosofia Neoscolastica,
XVIII, 1 926, p. 1 03- 1 24, 245-252, 335-362.
---. La poetica de Aristotele e il concetto d'arte presso gli antichi. Florença,
1 932.
---. "Problemi vari sulla poetica di Aristotele". Giornale Critico della Filo­
sofia Italiana, 1 933, p. 353-584.
Cooper, L. The Poetics ofAristotle, Its Meaning and Influence. Ithaca/Nova York,
1 956, 1 963.
Else, G. F. Aristotle's Poetics: The Argument. Cambridge (Mass. ), 1 957.
House, A. H. Aristotle's Poetics. A Course of Eight Lectures. Londres/Toronto,
1 956 ( rev. de C. Hardie) .
Levi, G. A . "Intorno ad alcuni concetti della poetica aristotelica e d i quella
platônica". Atene e Roma, VIII, 1 927, p. 105- 1 33.
Montmollin, D. de. La poétique d'Aristote. Neuchâtel, 1 95 1 .
Pieretti, A . I quadri socio-culturali della "Retorica" di Aristotele. Roma, 1 973.
Rostagini, A. "Aristotles e !'aristotelismo nella storia dell'estetica antica". Studi
Italiani di Filologia Clasica, II, 1 922, p. 1 - 147.
Russo, A. La filosofia della retorica in Aristotele. Nápoles, 1 962.

235
INTRODUÇÃO A A R I STÓTELES

Vattimo, G. II concetto di fare in Aristotele. Cuneo, 1 97 1 .


Verdenius, W. J . "Kátharsis tôn pathemáton". ln: Vários autores. Autour d'Aris­
tote. Louvain, 1955, p. 367-373.

Bibliografia sobre a lógica

Para a literatura sobre a lógica, cf. Schwab, Bibliographie d'Aristote, p. 84 ss;


Ueberweg-Praechter, Grundiss, p. 1 1 2 ss; Totok, Handbuch, p. 230 ss e 249 ss.
Uma riquíssima coletênea de indicações bibligráficas pode ser encontrada em
I. M. Bochenski, Formei Logik (Freiburg/Munique, 1 963, p. 545 ss; Mignicci, La
teoria aristotelica della scienza, p. 349 ss; Aristotele, Analitici primi, p. 727-772
e Analitici post., p. 247-265. Para o status quaestionis concernente à evolução
da lógica, cf. Berti, La filosofia dei primo Aristotele, p. 88- 1 00.
Bekker, A. Die aristotelische Theorie der Moglichkeitschlüsse. Berlim, 1 933.
Bourgery, L. Observation et expérience chez Aristote. Paris, 1 955.
Calogero, G. I fondamenti della logica aristotélica. Florença, 1 927, 1 968.
Consbruch, M. "Epagoghé und Theorie der Induction bei Aristoteles". Archiv
für Geschichte der Philosophie, V, 1 892, p. 302-32 1 .
Cosenza, P. Sensibilità, percezione, esperienza secando Aristotele. Nápoles, 1 968.
---. Tecniche di trasformazione nella sillogistica de Aristotele. Nápoles, 1 972.
Ebbinghaus, K. Ein formales Modell der Syllogistik des Aristoteles. Gõtingen,
1 964.
Geyser, J. Die Erkenn tnisstheorie des Aristoteles. Munique, 1 9 1 7.
Gohlke, P. Die Entstehung der aristortelischen Logik. Berlim, 1 936.
Kapp, E. Greek Foundation of Traditional Logik. Nova York, 1 942.
Le Blond, J.-M. Eulogos et l'argument de convenience chez Aristote. Paris, 1 938.
---. "La définition chez Aristote". Gregorianum, XX, 1 939, p. 3 5 1 -380.
Lugarini, L. "II problema delle categorie in Aristotele''. Acme (Annali della fa-
coltà di Filosofia e Lettere dell'Università di Milano) , VIII, 1 955, p. 1 - 1 09.
Lukasiewicz, J. Aristotle's Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal
Logic. Oxford, 1 95 1 , 1 957 (trad. ital. organizada por C. Negro, Morcelliana,
Brescia) .
McCall, S . Aristotle's Modal Syllogisms. Amsterdã, 1 963.
Maier, H. Die Syllogistik des Aristoteles, 3 v. Leipzig, 1 896- 1 900 (reed. 1 936 ) ;
Hildesheim, 1 969- 1 970.
Mansion, S. Le jugement d'existence chez Aristote. Louvain/Paris, 1 946.
Negro, C. La dottrina delle categorie nell'omonimo trattato aristotélico. Pavia,
1 952.
--- . La sillogistica di Aristotele come metodo della conoscenza scientifica.
Bolonha, 1 967.
Pater, W.-A. de. Les topiques d'Aristote et la dialectique platonicienne. Freibourg,
1 965.
Patzig, G. Die aristotelische Syllogistik. Gõttingen, 1 959, 1 963.
Platzeck, E. W. Von der Anallogie zum Syllogismus. Paderborn, 1 954.

236
B I B LI O G R A F I A COM ENTADA

Plebe, A. Introduzione a/la logica forma/e attraverso una lettura logistica di


Aristotele. Bari, 1 964.
Regis, L.-M. L'opinion selon Aristote. Paris/Ottawa, 1 935.
Roland Gosselin, M.-D. "Les méthodes de la définition d'apres Aristote". Revue
des Sciences Philosophiques et Théologiques, VI, 1 9 12, p. 236-252, 66 1 -675.
Shorey, P. "The origin of syllogism". Classical Philology, XIX, 1 924, p. 1 - 1 9 ( cf.
também "The orgin of syllogism again'; ibid., XXVIII, 1 933, p. 1 99-204 ) .
Solmsen, F. Die Entwicklung der aristotelischen Logik u n d Rethorik. Berlim,
1 929.
Vários autores. Aristote et les problemes de méthode. Atas do II Symposium
Aristotelicum. Louvain, 1 96 1 .
Viano, C . A . L a teoria aristotelica dell'enunciazione. Pádua, 1 957.

IX. TRADUÇÕES DE ARISTÓTELES EM LÍNGUA PORTUGUESA


A metafísica, v. I. Tradução de Marcelo Perine, ensaio introdutório de Giovan­
ni Reale. São Paulo: Loyola, 200 1 .
A metafísica, v. II. Texto original, tradução de Marcelo Perine e comentário de
Giovanni Reale. São Paulo: Loyola, 2002a.
Física I e II. Tradução do grego, prefácio, introdução e comentários de Lucas
Angioni. Campinas: Unicamp, 2009.
De anima. Tradução do grego, ensaio introdutório, sumário analítico, léxico,
bibliografia e notas de Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34,
2006.
Ética a Nicômaco. Tradução do grego, estudo bibliográfico e notas de Edson
Bini. São Paulo: Edipro, 2007.
Ética a Nicômaco. Tradução da versão inglesa de W. D. Ross de Leonel Vallan­
dro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1 984. Coleção Os Pensa­
dores.
Política. Tradução do grego, introdução e notas de Mario da Gama Kury. Bra­
sília: Editora da UnB, 1 997.
Poética. Tradução do grego, comentários e índices analítico e onomástico de
Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1 984. Coleção Os Pensadores
(São Paulo: Ars Poetica, 1 992, edição bilíngue).
Retórica. Tradução do grego, introdução e notas de M. A. Júnior, P. F. Alberto
e A. N. Pena. Lisboa: INCM, 1 998.
Retórica das paixões (livro II da Retórica) . Edição bilíngue, tradução do grego,
introdução e notas de Isis Borges B. da Fonseca. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
Organon. Tradução do grego, textos adicionais e notas de Edson Bini. Bauru:
Edipro, 2005.

237
O homem, a obra e a formação
do pensamento filosófico

A "filosofia primeira": análise da Metafisica

A "filosofia segunda": análise da Física

A psicologia: análise de De anima

A filosofia moral: análise da Ética a Nicômaco

A doutrina do Estado: análise da Política

A filosofia da arte: análise da Poética

A fundação da lógica: análise do Organon

História da fortuna crítica e das


interpretações de Aristóteles

Bibliografia comentada

ISBN 978-85-7866-073-4

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