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oo E -sonia Oliveira i Acselrad F aiesdo. Wagner Berno de Almeida ides Goncalves Furtado F - ogo Fort Neto e Julia S, Guivant Regina Comargos eraria Nilda S. Bizz0 Henri Acselrad Aaria das Gragas da Silva ~Heloisa Soares de Moura Costa ia Moreira Braga 1os8 Sérgio Leite Lopes Carlos Machade de Freitas, Christovam Barcellos Marcelo Firpo de Souze Porto @ FunoacAo HEINRICH BOLL Organizador Conflitos Ambientais no Brasi FF 8 8 8 ee FD Oe ies Ties ern teme © Copyright 2004, dos autores Direitos cedidos para esa edigho & Dunes Dismscroota oF Punticachts Lr. Travessa Jurti, 37 ~ Penha Circular 21020.220 ~ Rio de Janeiro. RE Tels 21) 2564 6869 Fax: (21) 2590 0135 E-mail relume@ elumedumara com.be Reviséo Lis Guerra Euivoragio Dilmo Milheiras Capa Simone Villas-Boas Foto da capa Carlos Castes . Agencia A Tarde (CP-Brasil.Cualogagso-na fone Sinicao Nacional os Etores de Livros, RE oe ‘Conftos ambintis no Brasil /Orgunaador Henri Acselad ~ Rio fe Janeeo = Relume Dumars = Fundagso Heirich Bl, 2008 ISBN $5.7316.958-5 1. Proves ambiental ~ Aspectos sociais~ Brasil 2. Ambiental ~ Brus. 3. Movimentos sociais Brasil. 4. Conito social = Bris. 5. Josigaambientsl~ Brasil, Disitoumbiental~ Brasil | Acsera, Henn 1. Pundagde Heinrich Bl, os-1330 cpp 35370981 DU soud6¢81) “Todos os dios reservados. A rerodudo no-sutorzada desta publican por qualquer mei, ej ela zal eu pari, consti volag da Lei $988 Sumario Apresentago Conflitos Ambientais ~ a atualidade do abjeto Henri Acselvad As priticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais Henri Acselrad Amaz6nia: a dimensio politica dos “conhecimento: Alfredo Wagner Berno de Almeida Dindmicas sociais e conflitos da pesca na Amazénia Lourdes Gongalves Furtado Conflitos ambi ientais na piscicultura: definindo quem representa ‘o meio ambiente e a sustentabilidade Jodo Fert Neto e Julia S. Guivant A releitura dos critérios de justiga na regio dos Lagos do Rio de Janeiro Sonia Oliveira Nascimento dz APA Sul-RMBH: o poder da polémica Regina Camargos © zoneamento ecoldgico-econdmico em Rondénia’ significagdes e prdticas sociais em disputa Maries Nill 8. Bi Confita social ¢ mudanga ambiental na barragem de Tucurvi Henri Acsetrad e Maria das Gragas da Silva radicionais” 3B TE —_—_—_—_—_—___! Te aaa Le ee 95 o trea c iliagdo € o contfite: dilemas para o ph 10 urbana ¢ ambiental Heloisa Soares de s nejamento oura Costa e Tania Moreira Braga A ambientalizagio dos conflitos em Volta Redond, José Sérgio Leite L Justiga ambiental e satide coletiva Carlos Machado de Frei Marcelo Firpy 8, Christovam Barceli de Souzia Porto APRESENTACAO Conflitos Ambientais — a atualidade do objeto Henri Acselrad JN 252208 1270, 9 economia heterodoxo Georgeseu-Roegen chamou a fengo para duns formas de se conceber a questo ecolégici. A primei- a, onde prevalece a problemiitica das quantidades de matéria ee Ja que, sendo finitos os recursos do planets, temos de econon postu cepeio, de perfil tendencialmente economicista, resulta em que se busque tergar, por medidas de combat sees dicio, o momenty em que os recursos taro, Uma outra formulagio, que compreende e ultrapassa a questio das quantidades, coloca pergunta distinta: se 0 mundo e seus recursos S20 Finis, guais slo os fins para os quais nés deles nos apropriamos? Para produzir tan gues ou arados? Para fabricar armas mortiferas ou para produzir alimentos Para 0s que tém fome? Ou, poderiamos dizer no caso brasileiro, para exportar pasta de celulose e gros para equilibrar as conlas externas promissos com s credores internacionais do pais ou para viabilizar a agricul- tua familiar de alimentos? Nesta stica, n futura de meios que se anuncia, mas a n Vida social Assim € que na perspectiva das ciéneias sociais eriticas, no é possivel Separar a sociedade © seu meio ambiente, pois trata-se de pensar um mundo ‘material socializado e dotado de significados. Os objetos que constituem © “ambiente” ndo sio redutiveis a meras quantidades de matéria e energia pois les sto culturais e histéricos: 0s rios para as comunidades indigenas na Sentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de hidroeletricidade. 8 diversidade bioldgica cultivada pelos pequenos produtores nao traduz a ‘mesma Idgica que a biodiversidade valorizada pe etc. Por outro ladda, todos os objetos do ambiente, todas as privicas soxiais desenvolvidas nos territérios ¢ todos os usos e sentidos atribuidos ao meio, interagem e conectam-se materialmente e socialmente seja através das diguas, std em causa apenas a escasse? Feza dos fins que norteiam a prépria 0s capitais bioteenol6gicos LELLELEEEEEEELL LTTE L TET TIIIEIERE BSeeseeeeeeeeereeyeeweyerrerereelcTercer TT 8 Connuros AMBIENTAS NO BRASIL do solo ou da atmosfera. Este carster indissocivel do complexe formado pelo par sociedade-meio ambiente justfica pois 0 entendimento de que as socieda de se reproduzem por processos sécio-ecoldgicos. Ou, nos termos de David Harvey, de que “todo projeto social seja ao mesmo tempo um projeto ecolégi- coe todo projeto social, um projeto ecolégico”', Assim € que no processo de sua reproduce, as saciedades se confrontem a diferentes projetos de uso & significagdo de seus recursos ambientais. Ou seja, 0 uso desies recursos é, como sublinhava Georgescu-Roegen, sujeito a conflitos entre distintos praje- tos, sentidos e fins. Vista de tal perspectiva, a questo ambiental é intrinseca- ‘mente conflitiva, embora este carter nem sempre seja reconhecido no debate piiblico, Em meados dos anos 1990, 0 Minisiro do Meio Ambiente da Colmbia declarava: “é preciso colocar a Natureza fora do conflito social™. Preocupa- ‘ao, na ocasiio, a extensio progressiva das dreas conflagradas do pais para Zonas em que situavam-se as redes de exploragdo de riquezas naturais consi- deradas estratégicas. Movia-o, por certo, como de resto grande parte das tec- nocracias ¢ instdncias governamentais correntemente apegadas i estabilidade, «8 pretensdo de gerir separadamente a bast fisica do pais de modo a protegé-la das incertas tramas que afligem 0 cendrio social e politico. Mas, pouco a pou- co, pode-se ir verificando que 0 cruzamento entre 0s conflitos sociais ¢ a pro- blemética da apropriagao de recursos ambientais nao era meramente circuns- tancial, Retirar a "Natureza” do campo onde se estio hoje dando os grandes cembates pelo futuro da América Latina, por exemplo, nfo é simples exercicio de vontade. ‘A “guerra pela égua’, envolvendo as comunidades camponesas nas cida- dos bolivianas de Cochabamba e Achacachi, em 2000, as rebelides antipriva- tistas ocorridas em Arequipa no Peru em 2002 e a insurreigao indigena nucleada pela contestagao dos acordos de exploracio de gas, que resultou na reniincia do presidente da Boltvia em 2003, vieram mostrar que 0 modo de apropriagio, exploragio, uso e regulagdo dos processos ecolégicos da base material do de- senvolvimento é visto como questiio decisiva pelas populagdes que acreditam, 1 sou modo, depender da "Natureza” para a construgdo de seu futuro. Para os {gue no se mostram disto ainda convencidos, se encarregam de lembrar os pr6ptios representantes dos grandes interesses econdmicos e geopoliticos que tencontram-se em jogo. Um importante executivo de uma empresa multinacional canadense, por exemplo, afirmou: "A agua deixou de ser um bem infinito de nferta assegurada ¢ torou-se uma necessidade racionada que deve ser tomada pela forga"?. Dirigindo-se a seus executivos, por sua vez, o presidente da Bechtel, proprietiria de Aguas de Tunari ~ subsidiéria de International Water APRESENTACAD 9 Limited de Londres — empresa cujo “tarifago” desencadeou a guerra pela dgua da Bolivia, asseverou: “Lembrem-se de que nio estamos no negésio de cons trugio e engenharia — estamos no negécio de fazer dinheiro” + O tesoureiro da ‘Azurix, subsididria da Wessex Water confirmou: “Nao é segredo que a Azurix pretende conquistar o mundo. Mas no que estamos interessados mesmo é em fazer dinheiro, nao em Geografia”. Encontra-se, portanto, em pauta, no inicio do século XX1, todo um processo de disputa pelo controle do acesso ¢ explo: rago dos recursos ambientais, Discutem-se instituigdes regulat6rias e polit- cas na esfera piblica, notadamente sob as pressdes privatistas sobre a gua e 05 recursos genéticos, assim como pela liberagao dos mercados para os deten- {ores monopolistas das tecnologias da transgenia, mas também enfrentam-se os atores sociais no terreno, medindo forgas entre a imposigio de condiciona lidades pro-mercantis, ateladas a mecanismos de financiamento, ea busca de formas democratizantes na gestdo de recursos de uso comum, com freqliéncia decisivos para a reprodugiio sécio-cultural de populagdes ditas “tradicionais Vistaa complexidade do quadro que se afigura na reordenagiio contempo ranea dos mecanismos de regulagdo dos recursos ambientais a nivel mundial coloca-se, tanto para pesquisadores como para formuladores de politicas. 0 desafio de encontrar os instrumentos de anélise apropriados ao entendimento desta rede intrineada de processas sécio-ecoldgicos e politicos que poem. ine Iutavelmente, “a Natureza no interior do campo dos conflitos sociais” método requerers o esforgo de nao enfrentar em separado, por exer plo, a analise da questio da agua da discussio das quesies fundidrias, de articular a caracterizagio das dimensbes fisico-materiais com a explicitag30 das dimensées simbélicas associadas aos modos de representar 0 “meio” arn- bos elementos indissoctéveis na explicagdo das estratégias dos diferentes ato res envolvidos nos processos conffitivos em causa. Pois no se trata apenas de configurar uma “engenharia ambiental”, eapaz de olhar os fendmenos sob a lente de um quadro pré-construido de possibitidades institucionais de equa- cionamento e resolugio de contflitos, mas, sim, de reconstituir a sociologia relacional que di historicidade aos mesmos. Neste sentido, merece particular atengio 0 esforgo crescentemente generalizado de eriagio, em iniimeros pat ses da América Latina, de projetos voltados para a disseminagio de teenolo- bias de resolugio de conflitos ambientais. Em muitos casos, originsrios em instituigdes sediadas em paises centrais, voltadas para a “capacitagdo” de enti- dades ¢ comunidades de paises periféricos, tais inictativas pretendem a dif slo de modelos de nilise c ago que pressupGem que a “falta de instituigses) esté na origem dos conflitos ambientais, e que a puz © & harmonia deveria provir de um proceso de despolitizagio dos conflitos através de tatica THTICSCHSHSEHTHSHFHEHSESFSSSSHSAHRHHHRARARAARARA 10 negociagao deta capazes de prover “panos mituos”. Trata-se de psicologizar © dissenso, prevenindo conflitos ¢ tecnificando seu tratamento através de ro Bras e manuais destinados u transformar os “pontos quentes" em “comunidas ues de aprendizado’ Vale notar que taisinicitivas coincidem com a erescente especiatizacio lobalista” de paises periféricos na exportagio de recursos naturais ¢ com uma certa evalorizacao, observada em certos setores de organismnos mulila, terais ~ como 0 Banco Mundial -, de experiéncias ditas “bem-sucedidas de sleuns patses latino-amerieanos, cujo desenvolvimento foi sustentado presi samente pelas exportagées de produtos buseados nas suas riquezas nature" Nilo por acaso, € um pais como © Chile, provavelmente um dos exemplos do modelo incensado pelos acima citados téenicos do Banco Mundial, que abriga tim dos maiores nimeros de iniciativas de capacitagio para a mediagio de conflitos ambientis. "Resolver" os confltos é, por certo, na conjuntura de go. ‘ems democraticamentevalidados, um dos meies pelos quais 0 modelo po derd se viabilizar. Estudar estes mesmos confitos é, por sua vee, para os en. volvidos na busca dos processos mais democriticos de ordenamento do tert ‘6rio, a ovasido de dar visbilidade, no debate sobre a gestio das fguas. dos soles, da biediversidade e das infra-estruturas urbanas, aos distintos atores Sociais que resistemn aos processos de monopolizagio dos recursos ambiemais ‘nas mios dos grandes interesses econdmicos. Este €0 propdsito dos abalhos aqui reunidos. « partir da conteibuigdo de Pesquisadores que t&m procurado, com sistemitica,associar experiéneia ean Bitiea¢ razio no esclarecimento dos processos socis que remetem i questo do meio ambiente, Alguns destes tabathos foram apresentados, em sus pri Ineiras verses, no Seminério “Conflitos Ambientais no Brasil” realizado no Rio de Janeiro. em novembro de 2003, no Férum de Ciéncia e Cultura de Universidade Federal do Rio de Janeiro, e outros resutaram de investigagdes desenvolvidas no seio do Laboratério Estado, Trabalho, Teritério e Nawnoza Go Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro Notas Gf. D. Harvey, Justice, Nature and the Geography of Difference, Blackwell Publishers, Oxford, 1996, p. 182 f. G. Palacio, Notas sobre Ia nocidn de conflicto ambiental: un nuevo matiz en el anilisis histérico?, in G. Palacio (org.) Repensando la naturaleza ~ enesentn desensuentros dsciplinatios en tomo alo ambiental, Universidad Nasional de Colom, Bogots, 2002 Abeesentacho WW ef. M, Barlow, Water Incorporated: the commoditication of the world’s water, in Earch Island Journal, March 22, 2002, Farth Island lastut, Stanford Univ “cf. 7. Kruse, Bechtel contra Bolivia: I préxima batalla de la Guerra del Agua. in Puls La Par, 12 al 18 de julho de 2002, ef. O. Ryan. “Europe Mulls U.S. Water Market’. Utility Europe 15, June, 1, 1999, joummal, Reed Business Information. cf, D, Ferran, G, Perry, Recursos naturais ¢ nosa economia. O Globo, 24 oxt. 2001 Sue eS eerTerTTe Tee TTT career EAA As praticas espaciais e 0 campo dos conflitos ambientais Henri Acselrad” Dw“ concepgdes que prevalecem no debate ambiental contempor’- neo, encontramos com freqiigncia a idéia da objetividade de uma “crise ambiental” exprimindo a perspectiva de um colapso na relagio quantitativa tmalthusiana entre populagdo ¢ terrtério ou entre 0 crescimento econdmico material e a base finita de recursos. Uma propensio ao objetivismo tende a deseonsiderar 0 processo social de construgio da nogio de “erise ambiental fetichizando o mundo material, tido como retativamente descoludo das din’ micas da sociedade ¢ da cultura. Tal concepgio supée, no longo prazo, & inelutabilidade da percepgao coletiva do colapso tendencial, expressa numa adesto crescente e potencialmente undnime ao reconhecimento da crise imi- nente, Existiria uma “conscigneia ambiental” una, aquela correspondente a tum ambientalismo antecipatério fundado nos indicadores objetivos do co lapso ecol6gico. A “tomada de consciéncia” dependeria basicamente da acuidade da observagio e da gravidade dos eventos representados pelos in- dicadores da crise', Nesta ética, a cooperagio e 0 consenso “supraclassista” seriam as categorias que melhor especificam a problemdtica ambiental. Por outros caminhos, uma contraface desta abordagem apresenta como dificul- dade do ambientalismo 0 fato do meio ambiente ndo ter um sujeito espectti- co que o represente e o defenda. Assim posta, a alternativa pareceria estar colocada entre a unidade total entre os sujeitos ou a auséncia total de sujei- tos. No primeiro eso, ao qual corresponde uma presenca forte no debate da sociologia ambiental brasileira, a considerag3o da diversidade social do ambientalismo exprimiria no mais que a adesdo cooperativa gradualmente crescente dos diferentes “setores” de um mesmo ambientalismo, que se defi- ne por "multissetorial", E pressuposto desta perspectiva a remissio a am + Professor do IPPUR/UFRI e pesquisador do CNP, AMBIENTAS NO Brasit {reo ambiente Gnico, a que corresponderia uma consciéncia ambient. U tan bém dniea,relativa a um mundo material fetichizado e rodent simples rates eo maria © energia da qual nio se evidenciam, deste Ino as Insluiplas formas sociais de upropriagdo e as diversas prticas culturais de significagao. Fste mesmo ambiente tido como uno e limitado pode evocado para “xplicar a ocorréncia de confitos de formate hobbesiono, onde ore mundo ‘rateriakmente eseasso estaria submetido ago das figuras do individualis- compa ssessivo™® com desejos sem limites. VersGes atualizadas deste tipo de Bo ne nO estutradas em tomo a nogdo de “seguranca ecolégica sugerem, send s eOs ates 1990. que a estabilidade do sistema internacional Ser, Sendo ameagada por conflitos motivados por escassez de recursos oy Ps menos desenvolvidos, supastos coi aises ne mo desprovidos de cecnologias ¢ institui- S0cs polticas que os habilitem a lidar com a “questio ambiental” seen for. smulada’, idéia de confito ambiental é assim pré arrade de universalizagdo. Estes principios de justiga hegemOnicos constitu: ium habitus jridico, mati legtima de uma cultura do bem comvum. Inves- figarespaco simblico onde desenvolvemst os coalitos ambiental signi creer wim esclarecer as condigdes de instauragdo de prinetpios de referéncia ce mados para legitimar acordos e regular conflitos que envolvam a nog de ratureza e de meio ambiente ‘Thévenot, Lafaye e Godard”? dedicaram-se a caracterizar as ordens de justfiagdo que tendem a vigorarexpecificamente nos embstes ambiensis soon bace nestas diferentes matrizes argumentativas, sustentam eles, so ecio- sada no debate piblico as categorias destinadas a justificar os objetivos dest Jados. Nao sio decisivas nestes embates a “veracidade” ou a cupacidade de vatestagdo” cientifiea dos argumentos, mas as estratégiasdiscursivas de pe! saaudo enguanto pretensio a tornar geruis objtivos determinados, Atavés de ain eaminho inverso ao do senso comurn, ndo procura-se aqui entender como ‘lierentes atores se somam na defesa de um mesmo “todo ambiental” dado, sia como a defesa do “iodo ambiental” é construida a partir da defesa de projelos parcelares: 0s istrementos de justificagio legitim, forjados eles aevnunidades politcas seo caracterizados assim por sua capacidade de rels- ionar causas particulars a entidades mais gerais. Este parece ser 0 ¢aso sreumentages ambientais correntes, com as mudangas radicals de escals gue tia opera indo do local ao geral, do presente 20 futuro, do gesto imediato 208 felts de longo prazo, ora em nome do equilforio biosfrico. ora do patrimé- no, da qualidade de vids e do bem comum. «ro examinay como os conflites que se referem & "Natureza” uscam se lestimar come rlevantes ao bem comm, Thévenot e Lafaye® no se ems tinam, porém, em identificaros tpos de “capital” em disputa que seriam co- thane tos diferentes conflitos relativos ao ambiente. Metodologicamente, re tringem-se i construsio abstrata da légica dos iscursos. Deixam assim 00 a pergunta sobre como as referencias a0 “meio ambiente” ow & "Nature tudam as condigoes de lux por apropri no ayo dos contlitos ambientais, identificar 0 tipo especifico de “capital” em gis discursivas modificam o poder relativo meio umbien= as do tertitério, Pois caber jogo e 0 modo como as est sobre o mesmo. OW sca, ¥ rificar o modo como as remissbes | 2 As 1RkTICAS FSPACIAS CO CAMPO DOS CONT te afirmam ou contestama distribuigio de poder sobre o territGrio e seus recur wee. 3 luz desta pergunta que poderemos, por exemplo, entender como em. presas do setor elérico podem alegar fazer estudos ambientais requeridos por fei ou pela precaugdo ecol6gica, mantendo, todavia, intocé vel 0 escopo con- vencional de seus projetos de apropriago do meio para fins energéticos Entenderemos também como empresirios podem procurar upresentar seus cempreendimentos como “sustentiveis”, disputando 0 espago de definigio Tegitima da nogio de “sustentabilidade”, A incorporagio de preocupacdes ecolégicas pela valorizacao dus capacidades adaptativas da técnica e da efl- ‘igncia industrial, constitutiva das estratégias da chamada “modernizagio ecoldgica™™*. pode ser vista também como um modo de reagiio discursiva {que preserva a distribuigao de poder sobre os recursos ambientais em dispu- ta A dendncia da prevaincia de “desigualdade ambiental”, por outro lade exemplificars o modo pelo qual movimentos por justiga ambiental proble- mmatizam as politicas de alocagao sacioespucial dos riscos ambientais, proc rando retirar poder aos agentes capazes correntemente de trunsferir os Custos ambientais para grupos de menor renda e menos capazes de se fazer ouvir nas esteras de deciséo. Dando relevo a relagio entce a dinamica da esfera simbélica © a cof ragio do campo de Forgas, alguns autotres discutirio o papel particular que tém, na constituigdio do campo dos conflitos ambientais, 0 Estado e o discurso cientifico™, O Estado, para autores como Fabiai. insere-se na luta pela apro~ priagdo simbdlica da base material impondo a definigdo de uma natureza esta tizada, integrada ao capital, e de uma natureza residual onde acomodam-se 0s agentes que resistem e/ou so excluidos espacialmente. A legitimidade desta determinagdo estatal das condigées de reprodugio dos ecossistemas baseia-se com frequéncia na ciéncia: as Tutas sociais envolvendo o meio ambiente ten dem, em conseqiiéncia, a ser despolitizadas pela ciemtificizagao das politicas ambientais, sendo a propria despolitizagdo, por certo, uma estratégia de afir rmagio da distribuigao de poder no campo de Forgas. Assim & que as agencies festatais de meio ambiente, sustenta Fabiani, limitam-se, por vezes, 2 ugo sim bélica de administrar as representagdes de Natureza, separando a Natureza a conservar da Natureza ordindria, aberta aos apetites econ6micos. Mas a emer géncia do meio ambiente como objeto da politica, e, portanto, como campo forgas. dard origem a novas institucionalidades e “formas de participaglo cconstituidas para articular movimentos ambientalistas e Estado, em certos ca Sos burocratizando assoclagdes e ulscurecendo confit através da pretensio ‘a0 consenso pré-construido (vide, por exemplo, discursos correntemente dis seminados sobre Agenda-21 loeais)®". O campo assim em formagZo e as insti 22 CONsLTOS AMBIENTAIS NO Basi nnusdes que nele se forjam desencadeiam rearranjs de forgas e mento dos atores na arena. Crises de lealdades coletiv, frontam com freqiigneia a mecanica institucional do reposiciona- 2s, por exemplo, con- Estado racionalizador. Bredsndo dsvion em massa pecs as aneanes any ee com ea ® $H0 respeitadas. Tas rearanjos e reposicionamentos indices Gon cfc. © vigor com que a Ina simbélica opera no interior da soviedwae 7 40 proprio Estado, ndo fosse 0 Estado, como nos lembra Bosnia. detentor do monopélio da violencia simbética legitima, 2 Ecologia cientfica¢ também um outro componente relevante do cam- Bod forgas dos conlitos ambientas, apresentando-se no espago piblico como Erhtz de eacionalizaro terrtério independentemente de pisnses ¢ ieee: Enire as estratégias que adota slo identificadas a atirmayao do aplicabilidade Ses seus conhecimentos, aapresentagao do “equlfrioceolosion came con: “isto ds paz socal o pedagogismo.@ dfusao de concepgbes dessocializadas + assim, 0 modo pelo qual certas ‘ u te suas priticas, apoiando a difu- Sp Je uma idéia de "natureza natural”, notadamente nas regioes de fronteira, A Sore $¢ pode observar na retsrica autoritéria da Amazdaia como “varia lemogriico” Durocracias buseam legitimar cientificament A Ecologia cientifica, o Bstado os demais atores sociais integram, as- se cine lute classifieatGria pela represemtagio legitima da Naturees o pela distribuigio de poder sobre os recursos teritorializados, seu Uso “interessado”, ora reivindicando 0" ora evocundo a natureza como reservatério ora questionando 0 23 AS PRATICAS FSPACIAS E 0 CAMPO DOS CONFLI O meio ambiente como terreno contestado material e simbolicamente Podemos discriminar dois espagos onde se definem as relagdves de poder nas sociedades, espagos estes pertinentes também aos modos de apropriago da base material da sociedade. O primeiro € 0 espago da distribuicio, entre os sujeitos sociais, do poder sobre os diferentes tipos de “capital”, incluindo o que podemos chamar, para os efeitos da questio ambiental, de “capital mate- rial”. Neste espago se configura, portanto, a capacidade diferencial dos sue’ tos terem acesso a terra fértil, a fontes de dgua, aos recursos vivos, aos pontos dotados de vantagens locacionais ete. O diferencial de poder sobre o que cha- ‘mamos de “capital material”, por exemplo, resultaria tanto da capacidade de influéncia dos sujeitos sobre os marcos regulat6rios juridico-politicos do meio ambiente, como da operagiio de mecanismos econdmicos de competigio & acumulagdo ou do exercicio da forga direta. O segundo é o espago em que se confrontam as representacdes, valores, esquemas de percepedo e idéias que organizam as visdes de mundo e legitimam os modos de distribuigio de poder verificados no primeiro espago. No espaco de distribuigdo de poder sobre os recursos do tervitério, portanto, cada agente tem uma dotagio de capital mate- rial diferenciada, enquanto no espago das epresentagdes vigoram categorias de percepgao e jurlgamento que tendem a legitimar as condigdes da distribui- ‘lo desigual do poder sobre os recursos referidos (Os conflitos ambientais deveram ser analisados, portanto, simultaneamente os espagos de apropriagio material e simbélica dos recursos do tertitéro, Ambos sio, por certo, espugos onde desenrolam-se disputas sociais em geral, onde © modo de distribuicio de poder pode ser abjeio de contestagio. No primeiro espago, desenvolvem-se as lutas sociais, econdmicas e politicas pela Apropriagio dos diferentes tipos de capital, pela mudanga ou conservagiio da estrutura de distribuigio de poder: No segundo, desenvolve-se um luta simbé- lca para impor as eategorias que legitimam ou deslegitimam a distribuigo de Poder sobre os distintos tipos de capital. No caso do meio ambiente, verifica- ‘mos no primeito espago, por exemplo, disputas por apropriagiio dos vios entre Populagdes ribeirinhas ¢ grandes projetos hidroelétricos, “empates” confron- fando seringueiros e latifundisrios pelo controle de iiteas de seringais ete, No espago das representagées, veremos disputas entre as distintas formas sociais Ge apropriagao do terrtério pela afirmagio de seus respectivos caracteres “com Petitivo”, “sustentvel”, “compativel com a vocagao de meia”, “ambiental. ‘mente benigno” ete. ‘Vejamos como se configura a distribuiglo de legitimidade nos casos, por PEERPETR RET ETELM ATRIA Bed OT eeanaanaananne 24 ConetiTOs AMBIENTAIS NO Bras exemplo, da produgio monocultural de eucaliptoe do extrativismo cooperati- Voda borracha. Os critérios hegemdnicos do que seja “eficiéncia’” e “competi- tividade" tendem a legitimae a vantagem comparativa do Brasil na plantagio monocultural de eucaliptos paraa exportagao de celulose. Desenvolve-se todo tum arrazoado sobre as condigdes climaticas e as vantagens comparativas, na Gtica da conquista de espaco no mercado mundial, de modo a justificar-se a monocultura, A reserva extrativista, por sua vez, ndo parecer ter respondido ‘0s eritérios dest tipo de eficiéncia, posto que ela nfo consegue precos com- pativeis com os da borracha sintética, que comandam os pregos internacionais do produto, Nas categorias vigentes na l6gica econdmica dominante, portan- to, a producdo do eucalipto e a expansio da sua érea para a exportagao é vista como legitima, enquanto a reserva extrativista devers obter sua legitimidade a partir dos esforgos de teversto dos critérios dominantes de “eficiéncia” € "eom- pettividade” 6 através de uma inflexdo nos esquemas de percepgiio que legitimam a distribuigdo de poder sobre os recursos do teritrio, a reserva extrativista pode ‘zanhar legitimidade e as plantages de eucalipto podem perdé-la. Cabe. pois, reconhecer, a propésito, que os critérios de avaliagio e de legitimagio esto constantemente em jogo. Isso ser essencial para se discutir os canflitos, posto que 0s mesmos podem configurar-se tanto através de uma lua direta no espa- ode distribuigdio do poder sobre a base material, como uma luta simbélica em tomno as eategorias de legitimagio das priticas. Podemos agora compreender como o discurso ambiental indwz uma al- teragio no campo das representagées dominantes sobre 0 territério, 0 uso social de seus recursos e os critérios de “eficiéncia que legitimam tais usos. Pois a nomeagao do espago material como “meio ambiente” redefine as ba- ses de legitimidade relativa das diferentes priticas de apropriagio do mundo material, assim como as condigdes relativas de exereiecio do poder sobre os recursos territorializados. Ao por em jogo 0 que Bourdieu chama de “potén- cia estruturante da cultura”, tal nomeacdo instaura em novos termos a dispu- ta pela transformagio da estrutura de poder sobre o que estamos aqui cha mando de “capital material". Mas. ao lado de um debate que envolve a clas- sificagdo das priticas segundo sentidos estabelecidos, caberé reconhecer tam- bém 6 embate de sentidos, pelo qual as préprias definigaes legitimas de no- ges como “meio ambiente” e “sustentabilidade”, por exemplo, sio objeto dle disputa® Consideremus, a iaucita de autores como Henri Lefebvre © David S “praticas espaciais materiais" como referidas aos “flunos, trans- neias e interagdes fisicas e materiais que concorrem no ¢ a0 longo do | t AS PRATIEASESPACIMS £0 CAPO 805 CONFLITOS AMBENTAS 25 espago de maneiraa garantira produsio ca reprodugdo social™. Isto posto © confito ambiental surgiria de eventuais rupturas do “acordo simbistico cnure as diferentes préticas sociais dispostas no espago. Pois dadas certas GombinagBes de atividades, 0 “meio ambiente” poderia constituir um vefeu- qo de transmissio de impactos indesejaveis, disseminados pela dgua, pelo ar pelo solo e pelos sistemas vivos, capazes de fazer com que o desenvolvi- Mento de uma atividade comprometa a possibilidade de outras praticss se nanterem?!. No caso mencionado da monocultura do eucalipto, por exem- plo, a expansdo indiscriminada das areas cultivadas pode associar-se 3 in- ‘iabilizagdo da pequena agricultura familiar, da reproducdo dos grupos indi- igonas, da pesca artesanal e do abastecimento de égua para as comunidades trbanas, Ao erodir e compactar solos, reduzindo seus nutrientes, ao alterar microclimas, diminuindo a 4gua disponivel e comprometendo sua quulida- de, ao afetar negativamente a biodiversidade animal e vegetal. os efeitos d monocultura do eucalipto podem atingir desfavoravelmente atividades d senvolvidas em suas vizinhangas, O mesmo podemos dizer, entre as ativida des de grande impacto, da implantagdo de grandes projetos de minerag2o ou hidroeletricidade, da construgio de hidrovias e rodovias, de oleodutos ¢ li nhas de transmissdo de eletricidade. ‘Os conflitos assim configurados decorreriam da natureza da interagdo entre as prticas sociais distribuidas num espago interconectado e da temporalidade {que é propria & reprodugdo das diversas prétieas. Pois as praticas de apropria gao do mundo material pressupGem uma determinada durabilidade das condi- ges materiais do seu exercicio. Esta durabilidade, porém, pode ser compro tnetida diretamente pelo proprio agente sobre seui meio imediato, ou indiret mente, pela interagao das prdticas de um agente social sobre as condicdes materiais das priticas de outro agentes. Sob a ética da durabilidade da base material, mudam, por certo, no tempo histérico, os critérios que do legitimi dade As prdticas de apropriagdo do territrio e de seus recursos. Um nova con czitode “eficiéncia”, como vimos, pode emersir,referide menos & rentabilizasio dde um capital monetério investido e mais as condiges materia durive atividades produtivas. Neste novo critério de eficiéneia, por exemplo, a ‘monocultura de eucalipto pode perder legitimidade frente & “pouco econdmi- ca” produgio de borracha nativa nas reservas extrativistas. Tal mudanga nas representacSes que fundam a legitimidade das formas de apropriagio do terti- {rio e de seus recursos pode inclusive acarretar mudangas nos prOprios mer- cados. Este seria, por exemplo, o caso da restrigio de demanda por celulose proveniente de produtores que, segundo entendimento de certos agentes do consume, degradam a biodiversidade. © mesmo se aplicaria & expansio de LUELIL IL CELEEEER TELE eererreeerereee 26 AMBIUNTAIS WO Basie demanda por horracha nativa tida por “eficien “ago da biodiversidade e du cultura seringuueira 05 coniitos ambientas io, poranto. queles envolvendo grupos socials Som modes diferenciados de apropriagio, uso e significacio do teritirio, ton do origem quando pelo menos um dos grupos tem a comtinuidade das fermen SELES de apropriago do meio que desenvolvem ameagada por iinpactos in desejdveis ~ transmitidos pelo solo, égua, ar ou sistemas vives ~ do exercicio das priticas de outros do pontode vista da conser decorrentes Brupos. O confito pode derivar da disputa por apropriagao de uma mesma base de recursos ou de bases distinias mas ‘nireoneetadas por ineracSes ecossstémicas medidas pela atmosfera, pelo sieges Sbuss et. Este confito tem por arena unidadestertoriais compar. Lihadas Por um conjunto de atividades cujo “acordo simbistieo” ¢ rompida dim fungi dla dentncia dos efeitos indesejives da atividade de um dos agen. ‘es sobre as condigdes materiais do exercicio das praticas de outros agentes Neorigem da dentncia que inaugura oquadro conflive, duds catenor de enunciagio aparecem com papel panicularmente Gurabilidade e de imteratividade 3) A durabilidade: o conflico ambiental envolve, no plano argumentativo, {remiss uos requisitos da continuidade dos modos de apropriagio materie) Su felt 8 possibilidade de continua exstindo a base material de euja inegr, dade dependem determinadas formas sociais. Os sujeitos sociais de tale com {ites tendem a acionas, portato, no campo das representagdes, a capacidade dc se dar durabilidade as condigdes materiais de exercicio des atvidades come Se criktio de leitimacio ou de deslegtimagio das priticas de apropriagzo do tervitério ¢ seus recursos. b) A interatividade: os conffitos ami senvolvem ou propugnam distintas forn bolicas de apropriagio dos elementos materiais de um mesmo terrtorio ou de {erritérios coneaos. A interatividade ¢ descrita como “extemalidade” na lin, guagem econdmica neoclissica, numa referéncia especificamente mereantil {po Steios no-mercantis © indesejdveis de uma pratica sobre outra priticn, Mas para além de sua leturaestritamente mercanti, a efetividade ¢ natureng ds aso cruzada de uma prtica espacial sobre outra &, como todo processo Socio-ecol6gico, atravessada pela incerteza cognitiva. A interativideds espa- Cial das prticas ¢ portanto supostae sustentada na autoridade da prépria de. nincia, Ela € também sujeita a representagSes diferenciadas que a confirman gu desmentem, As proprias causalidades evidenciadas nas relagbesinterativag sio, conseqilentemente, com frequéncia. objeto de dieputa, seja funda an perictatécnico-cientfica seja no saber leigo, relevante ~ as no ‘bientais opdem atores sociais que de- mas técnicas, sociais, culturais e sim. a7 AAS PRATICAS ESPACIAIS EO CAMPO Consideragoes finais Concluimos assim pela necesséria remissio dos conflitos ambientais a quatro dimensées constitutivas: apropriagéo simbélica e apropriago mate- rial, durabilidade e interatividade espacial das praticas sociais. A andlise destes dois planos onde se pbe em jogo a apropriagdo dos recursos do territé= ‘0, bem como do modo como si evocadus as condigdes de interagao ¢ dura- bilidade das diversas formas sociais de apropriagfo, éessencial para se apreen- der a dindmica conflitiva prépria aos diferentes modelos de desenvolvimento, Pois como vimos, a cada configuragio do modelo de desenvolvimento, tende- Femos a encontrar modalidades especificas de contlitos ambientais predomi- nantes. E no Ambito de cada combinacio de atividades, 0 “ambiente” ser enunciado como meio de transmissio de impactos indesejdveis que fazem com gue 0 desenvolvimento de certas praticas comprometa a possibilidade de ou- tras priticas se manterem, No caso brasileiro, pudemos observar do pés-guerra aos anos oitenta, a constituigio de uma modalidade de “fordismo periférico”, onde grandes pro= Jetos de apropriagao do espaco implementados pelo Estado desenvolvimentis- ‘a articularam-se com a implantagdo de uma complexa estrutura industrial es- pacialmente concentrada. Tal modeto implicou uma importante ampliago dos espagos integrados & dindmica do desenvolvimento capitalista (grandes obras de infraestrutura, grandes barragens, projetos de mineragdo e irrigagae para ‘groindustializagio) e aceletagio dos ritmos do ciclo industrial de extragio de materiais/ emissio de efluentes e res{duos, em um proceso de crescimento ue apoiou-se na concentragao da renda e no esfarco exportador, notadamente de produtos com elevado valor energético. A concentragdo da posse sobre os elementos da base material da socieda- de através de grandes projetos de apropriago do espaco e do meio ambiente ‘material produziu grandes impactos e efeitos de desestruturagio de ecossiste- mas, a0 mesmo tempo em que os pequenos produtores, populagdes ribeirinhas © deslocados compulsérios foram concentrados em dreas exfguas, com terras menos férteis, devendo intensificar ritmos da exploragio de suas areas, oca- sionando, por ambos os processos conjugados, perda de biodiversidade, com- Prometimento de disponibilidade de gua, da fertilidade dos solos etc. Conili- {05 ambientais eclodiram, consegitentemente, quando os despossuidos passa- ram a reclamar, desde que foram estabelecidas garantias de visibilidade no Espago piiblico que se constituiu apds a ditadura, maior acesso aos recursos Como dgua, terra fértl, estoques pesqueiros etc., denunciando o comprometi- ‘mento de suas atividades pela queda da produtividade dos sistemas biofisicos 28 Conrsiros anienTats NO Basi de que dependiam e pelo aumento do risco de perda de durabilidade da base ‘material necesséria& sua reprodugao sociocultural. (Os anos noventa parecem ter apontado para mudangas nos modes domi- nantes de apropriagio do meio biofisico, com a manutengio € mesmo acen tuagtio dos padrdes de desigualdade de poder sobre os recursos ambientais, juntamente com uma tendéncia a especializagao funcional de determinadas ‘porgdes do terrtério nacional, com sua insergio seletiva nos mecanismos do trercado mundializado. Neste movimento tendencial, observou-se tanto abuse Ge produgio cultural de imagens que assegurassem a captagio de investimen- tos internacionais (marketing urbano, valorizagio turistica de espacos, nota damente 08 litorfineos e propensos a serem associados 2 idéia de harmonia com a natureza...) como a demarcagio de territérios destinados @ estocagem dde recursos genéticos para os captais bioteenolégicos intemacionalizados. Duss ‘concepgSes de “natureza" parecem assim fundamentar um tal modelo. afir- mando-se de forma complementar, como vimos anteriormente: uma “natureza natural” que se pretende conservar, contando inclusive com apoio instru- mental das préticas, técnicas ¢ valores das populagies tradictonais ou com © {imaginério aplicado a paisagens arbéreas ou de fluxos aqusticos; © uma “natu- reza ordinéria” a ser exposta aos diversos apetites econOmicos, sob a égide dos valores da eficiéncia, produtividade e capacidade de insergao competitiva, Ao contrdrio dos contflitos ambientais engendrados pelo desenvolvimentismo au- toritério, abriu-se, nesta nova conjuntura, espago crescente para a emergencia ide contenciosos criginados na desregulacao do ambiente, por meio da flexibi- Tizagio das normas ambientais ou da fragilizagio das agéncias pablicus res- ponséveis por sua aplicaglo. Tais conflitos, no entanto, tem sido constrang! dos, por outro lado, pelo contexto de estreitamento do espago aberto para sua politizagdo, espago onde os mesmos poderiam vir & ser trabalhados na pers- pectiva de uma construgdo crescentemente democritica do territério, Sob o trgumento da necessidade de produzirdivisas a qualquer custo, supostos como dados os constrangimentos macroecondmicos, todo esforgo de politizagiodos conflitos ambientais como meio de problematizar as escolhas de desenvolvi- mento &, com freqléncia, apresentado como obsticulo ao cumprimento das tetas referentes As contas externas, quando niio como barreira ao préprio ani- mo desenvolvimentista ois é neste contexto que, com o fim de caracterizar como “favoravel 0 clima para os negécios”, as forgas hegeménicas buscam consagrar ma agenda piiblica as tecnologlas do consenso, constitutivas do modelo que Ranciére {hamnow de "pds-democracia consensual”, caracterizado pelo encobrimento dos litsios ¢ pelo “desuparecimento da politica", Tecnologias de formagiio de | [As PRATICASESPACINS E © CAMPO 005 CONIITOS AMBIENTAIS 29 consenso sio entio formuladas de modo a caracterizar todo litigio como pro- blema.a ser eliminado. E todo conflito remanescente tenderé, consequentement ser visto como resultante da caréncia de capacitagio para 0 consenso ¢ no como expressio de diferengas reais entre atores ¢ projetos sociais, a serem trabalhadas no espaco piiblico. A vontade de indiferenciagao social disposta no interior dos espagos ditos de “parceria”, por exemplo, tende a favorecer 0 desenvolvimento de uma espécie de democracia imagética, Isto porque a apa: séncia de estabilidade obtida por meio dos consensos simbdlicos revela-se mento essencia! das politicas de atragao de investimentos intermacionais. & a necessidade de oferecer vantagens para os capitais internacionais ~ conse social, seguranga, sustentabilidade ecol6gica ~ justifica que a especificidide dos projetos em disputa seja ofuscada em favor da unidade requerida pela competigao interlocal ou interurbana, Assim, os conflitos que opdem as pope: Jagdes atingidas pelts monoculturas de exportagdo aos projetos de expat indiscriminada das éreas de plantio ou que levam os pescadores art protestar contra os impactos desestruturantes da prospeegio de pete {quas marinhas tenderio a ser apontadlos no espago piiblico como exemples de “restrigdes ambientais ao desenvolvimento”. Mas seja qual for o expedien te adotado para sua deslegitimago na conjuntura critica atravessuda pela 2co- nomia brasileira na passagem ao século XI. os conflitos ambientais “por de regulago" tendem a aproximar-se cada vez mais do centro da cena piibli. posto que ao mesmo tempo em que, na contracorrente do “pensamento inice pressionam o Estado pelo estabelecimento de regulagdes que limitem a coto. nizagdo indiseutida do meio ambiente petos grandes empreendimentos, ten- dem também a oporresisténcia& implantagio de modelos de desenvolvimento que. movidos pela ortodoxia macroecon6mica, 2m orientado crescentemente o pats para o rumo da especializagio na exportagilo de recursos naturais Notas "Vata problematizagio do objetivismo presente no debate sobre rise ambiental pod encontrada em A. Micout, “L’Eeologie t le mythe de la vie", nC. Lariéste, R. Lars (€ds.). La Crise Environnementale Les Colloques, INRA éditions, Pati, 1997, p. 17-29. 2ef-E, Viola, H. Leis, O Ambientalismo Multissetorial no Brasil Para Atém da Rio-92:O desafi de uma esteatépia globatista viével, Cdmara dos Deputados. mimeo, 1992, 2 ef. C. B, MacPherson, 4 Tearia Politica do Individualismo Possessivo ~ de Hobbes Locks, Paz e Terca, RJ, 1979, cf 1. HomerDixon, “Environmental Searctiey and Violent ConfTict”, in Internat tl Security, 1994, 19 (1): 5-40 30 Cont105 aaiewtass No Beast * Através da metsfora pela qual cad pais do mundo € um bote salva-vidas flatuando no ‘esmo mar encapelado da escassez incontornivel de recursox. Hardin eoloce em dre sussto 0 que fazer em relagdo aos nduttagos dos botes mais pobres. Sua resposte ¢ ade nfo abrigar nfufrago nenhom, ou seja, a de que eabe aos paises ricos proteges seus cone st ii Ses dossalnindcinnado doy Pafses pobres. cf, G. Hardin, pan 5 Inne the poor”. in Psychology Today, n. 8. sept 2000: “A sociedade ¢ caracterizada por contlitos, muitas vezes sobre oso da lerrae seus ‘echniques, PUF, Paris, 1948, p.73. a in. Meyerson, Le Travail et les Ate outro o sentido do conronto enue a“sustntabildade” que lgiia a exploragio 2 seringa nas reservasextatvistas ea “ieficiéncia econdmica” de tas empreendimen de exibir com amazénica certeza, : * Nest perspectiva,« susteniabiidade podria serentndida como categoria que broblematzao proceso pelo qual as sociedades administam as condigdee sec atee Sul teprodusio,redetinind oe priepis cicos esoiopalficds aut arename deerba ‘go de seus recursos ambientais, “ '8Em um esforgode diigo. Alan Lipetsconceiua modelo de desenvolvimento como ® sonjumo formado pela trade "boca social hegembnleo, “regime de rerelgge ao regime de acumulagSo"¢ ‘soda de regula". Bloc social hegeminio ea sistema ete de lego, de gs ral de aangas

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