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Copyright © Boitempo Pdirorial, 2009 Copyright © Maria Rita Kebl, 2009 Coordenagho editorial Ivana finkings Favor austenite Jorge Perciea Filer Assistincia editorial ‘Ana Lotufo, Elisa Andrade Bruzz0 ¢ thaies Prarani Preparacio Mariana Echalar Revisio Soraya Misleh Capa e diagramagéo Antonio Kehl a parti de xilogravura de Alberto Martins, «em riralo, 200% Coordenagio de Produgio Livia Campos CIP-BRASIL, CATALOGAGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORFS DF LIVROS. J _ k3st 2ed. Kehl, Maria Rita (0 tempo eo cho : atualidade das depressées | Maria Rita Keb. - 2. od 10 Paulo : Boitempo, 2015 [4 reimprl) Inclui bibliografia ISBN 978-85-7559-473-5 1. Depressio mental. 2. Psicandlis. I. Titulo, 15-28176. CDP 616.8527 CDU: 616491 6 E vedada a reprodugio de qualquer parte deste livro sem a expressa autorizacso da edi I edigio: margo de 2009 IF reimpressio: junho de 2009; 2 reimpressior: noverbro de 2009 1 edigio revista: dezembro de 2010 1+ reimpressio: julho de 2012; 2 reimpressior agosto de 2014 2 edigio: dezembro de 2015 aio de 2017; 24 reimpressio: julho de 201% ¥ teimpressio: julho de 2019 IF reimpressio: BOITEMPO Jinkings Editores Asociados Leda. Rua Pereira Leite, 373 05442-000 Sto Paulo SP “Vel. (11) 3875-7250 1 3875-7285 editorceboitempoeditorial.com.br | www boitempoeditor wow blogdaboitempo com.be | www.facebook.com/bor werwawitter comfeditoraboitempo | www you combe mpo pe comlevbowtempe VI Bergson e a duragdo And it’s time, time, time, ‘Time, time, time, ‘And it’s time, time, time ‘That you love, Tes time, time, time. Tom Waits, “Time” Bowne daqui em diante, algumas consequéncias da incompaubil que Freud estabeleceu entre a temporalidade organizada e presente do sistema P-Ce, a temporalidade estendida da meméria ¢ a atemporalidade do inconsciente, regida pelo principio do prazer. Trata-se de entender aposicio entre a vivéncia do tempo presente, que mobiliza o aparato da percepsao-consciéncia, a experiéncia do tempo distendido a que chamaremos de duragéo, mais compativel com a ideia benjaminiana de perigncia) e que nao exige, como a primeira, a obstrucio das atividades de rememoragao permedveis as manifestagées do inconsciente. Esse tema foi tratado por Henri Bergson, em Matéria e meméria®. Antes de prosseguirmos, o titulo escolhido pelo fildsofo merece uma explica- fo. A particula e que liga “matéria” a “meméria” indica a disposigéo de Bergson de discutir a relacdo entre o corpo € 0 espitito, livre das propostas dualistas em. voga no pensamento filoséfico ¢ cientifico da primeira metade do século XX. A matétia referida no titulo diz respeito ao corpo ¢ a seu atributo fundamental, 0 “spago. Jd a meméria guarda a qualidade nao corporal da vida, que é © tempo. Mas nao qualquer tempo, pois o tempo presente confunde-se com a experiéncia Henti Bergson, Matéria ¢ meméria (1896) (trad. Paulo Neves, Sio Paulo, Martins Fontes, 2006). > O tempo eo cio do corpo. O presente, escreve Bergson, ¢ “ideomotor”, enquanto o nada, senao ideia”, Dai a import apital que ele atribui ao pa pois, se “o espitito é uma realidade, & aqui, no fendmeno d; Passado nig ¢ Pel da mem, it meméria, gue devemos abordé-lo intelectualmente””', No capitulo Il, sobre “O reconhecimento das imagens”, Bergson lanes ts proposigdes que sustentari 0 a0 longo do resto do livro sua recusa tedtica de on trapor matéria ¢ espirito. Primeirs : © passado sobrevive, na matéria, através de mecanismos motores ~ con reages auromatizadas a estimulos conhecidos ~ ¢ também de lembrangas indepen dentes. Segunda: o reconhecimento de um objeto se dé através do movimento, quan- do procede do objeto, ou por representagées, quando emana do sujeito. Reconhecer ‘um estimulo, um percepto, equivale a reaver 0 passado no presente, Terceira: pasase, por graus insensiveis, das lembrangas dispostas a0 longo do tempo aos movimento que desenham sua agio (nascente ou posstvel) no espago. As lesdes no cérebro podem atingir tais movimentos, mas nao tais lembrangas.”* A partir dessas proposigées, segundo as quais a espirito nao ocorre no espago, mas em suas passemos & ideia de duragdo no pensamento de Bergson. Nao se pode afirmar que cla corresponda perfeitamente ao uso que Lacan faz dessa palavra, ao referirse 8 ferenga entre 0 corpo ¢ 0 iferentes manifestagées no tempo, “duracio do tempo de meditagio” como a segunda passagem do tempo légico: ‘Mas nio ha escolha de um significante que nao remeta ao universo de signifi Ges de que cle vem carregado, ¢ Lacan € 0 menos inocente dos escritores a 6 respeito, Se ele utiliza o termo duragio, vale pensar as ressondncias, no texto Lacan, do uso da mesma palavra no livro de Bergson) Para Bergson, a duracio implica a sensacao subjetiva de indivisibilidade vimento de nosso corpo, tanto no espago quanto no tempo. A durasie espécie de ilusio necesséria para manter o sentimento de (alguma) continu fossa existéncia ilusio, sim, porque se.o movimento fosse realmente indie instante nao existiria. Mas a duracdo, medida psicolégica da vivéncia do aan é se define pela mera soma de todos os instantes. “Ali onde o ritmo do avin 2 bastante lento para se ajustar aos habitos de nossa consciéncia [..] io" do mo" éum lade e™ ™ Ibidem, p. 72. Ibidem, p. 78. * Ibidem, p. 84-5, Bergson ea duragdo | 139 ualidade percebida decompor-se espontaneamente em estimulos repetidos ¢ suces- ‘ios ligados entre si por uma continuidade interior?” Bergson distingue a dura¢io, com: o, em sentido geral. A duragio nao existe fora daquilo que dura. Nao se ronfunde com o “pretenso tempo homogéneo”, pois néo hd um tinico ritmo sensagao subjetiva (“interior”) do tem- da duragao: cada ritmo mede um grau diferente de tensio ou relaxamen- to da consciéncia, diferenga esta que contraria o “habito util de substituir 4g duracio verdadeira, vivida pela consciéncia, por um tempo homogénco ¢ independente””’. Por que seria stil o habito de substituir a duragao pelo tempo homogeneo? Porque é sobre esse tempo, 0 dos reldgios, continuo € desprovido de qualidades subjetivas, que o sistema P-Cc € capaz de “tragar divisoes na continuidade da extensio, cedendo simplesmente as sugestées da necessidade ¢ aos imperativos da vida pratica”. © que é, para mim, o momento presente? E préprio do tempo decorrer; 0 tempo jA decortido € o passado, e chamamos presente o instante em que ele decorre. Mas ndo se trata aqui de um instante matemdtico. Certamente ha um presente ideal, puramente concebido, limite indivisivel que separaria 0 passado do fururo, Mas © presente real, concreto, vivido, aquele a que me refiro quando falo de minha percep¢io presente, este ocupa necessariamente uma duragio. Onde, portanto, se situa essa duragio? Estard aquém, estard além do ponto matematico que determino idealmente quando penso no instante presente? Evidentemente esta além ¢ aquém 40 mesmo tempo, € 0 que chamo “meu presente” estende-se a0 mesmo tempo sobre meu passado e sobre meu futuro. [...] E preciso, portanto, que o estado psicolégico que chamo “meu presente” seja ao mesmo tempo uma percepsio do passado ime- diato e uma determinagao do futuro imediaro.”* | Bergson nao determina a extensao, para frente € para tris, das percepgées do Passado ¢ as determinagées de fucuro que compéem a sensacao subjetiva da du- tagiojEm Duragdo e simultaneidade, ele j4 havia escrito que “o tempo que d Nao é mensurdvel””®, Se o sentimento de continuidade entre passado, presente ¢ futuro é interior, nao existe uma medida objetiva paraaduracao: esta depende : Ibidem, p. 241 sr Tbidem, p. 244, Thidem, p. 161. Wdem, Duragéo e simultaneidade (trad. Claudia Berliner, Sto Paulo, > Martins Foo 140 O tempo € 0 eo a subjetividade. Para exemplificar essas congics escutar uma melodia: embora as notes ouvinte a melodia parece indivisivel de condigées que afetam Bergson recorre & experiéncia de dam no tempo, uma apés a outra, para 0 Ora, nossa duragio interior, considerada do primeiro ao ee momento de nos. algo parecido com essa melodia. Nossa atencio pode desviars a, ndivisibilidade; mas, quando tentamos corti-la,é com, cravés de uma chama: divi vida consciente, ce consequentemente de sua i se passéssemos bruscamente uma lamina a limos apenas y espaco ocupado por ela.” Na parabola referida por Lacan, 0 passado imediato que se torna presente ng duracao do tempo de meditagio é composto pela percepsao recente ~ que cada prisioneiro acabou de fazer — das cores dos discos nas costas de seus parceiros de cela ¢ das répidas hesitagées nas ages deles; jé 0 futuro é a proje¢ao do momento iminente da liberdade. A situagio de competicao imposta pelo diretor do presidio aos trés prisioneiros faz por abreviar ao maximo a duracao do tempo de meditacio de cada um: desde o inicio, sabe-se que 0 futuro desejado estard garantido aquele que se antecipar aos demais. ~» Se houvesse um depressivo entre os trés homens submetidos ao problema dos discos, poderiamos prever que cle provavelmente desistiria da prova. Para ele, 0 desafio de superar os demais se apresentaria, de antemao, como missio impos vel, uma vez que ele no desenvolveu, ou nao é capaz de reconhecer, os recursos de que dispoe para entrar em competico com os outros. O depressive éaquele uc tenta se colocar sempre fora do tempo dos outros, ou do tempo imposto pelo | Outro, Mas co nao opée a esses tempos uma temporalidade propria, como ¢stt que € necessdria para que os competidores do jogo do temy suas apostas/ O depressivo se esconde do tem 0 do Outre condicées que Ih eo ie “ne permitam, como na exata expressin da lingua inglesa. lakedit i aaeEeAS Tae , Em uma itwagio de ivalidade, como proposta aos iré prisioneit0s 8 mas seu fra asso = para cle, o “tempo de comortt’ i - anee sequéncia de instantes que nao levam J sivo, frequent “anaximo retizando-se do jogo. A duragio, para o dee , femente adquire a forma i 5 F idquire a forma insuporté nado, apoio cm nenhuma lembranea gig ge nee ede um tempo estagnade a signi i que torne o futuro desejével, 's4 significativa do pasado, sem_nenhuma fa! po légico possam fuze 0, mas nao encontta —— 7 Ibidem, p. 58, Bergson ea duragao | lat que compoem a Terccira Parte, desenvolverei o argumento de se deve na énci: depressive se deve nao a uma auséncia prolongada do Outro or ele como abandono ou desinteresse (como ocorre na melan- yas 30 contririo:(o tempo lento ¢ vazio do depressivo corresponde a um lias oli ie resena do Outro) E como se, no momento precoce.da constituigio PT, o futuro depressivo Fosse atendido por uma mie exageradamente uismO, . A a que seamed s demandas do infans, nao permitindo que cle criasse ondigoes desesponder, por meio do trabalho psiquico (desde logo.criativo) de conti veentagio do objeto de satisfacdo, 2 angiistia diante do vario deixado_pela asincid do Outro. Tal excesso de zelo materno nao determina necessariamente a fenagio de uma estrurura psicética, pois nem sempre a mae hiperprotetora ca- rede outros objetos de interesse além de seu filho/Na origem da predisposicao a depressdo — niocstd uma mae que do Mas pode estar uma mae ansiosa, insegura, hiperativa, amorosa demais — uma que arepela, com sua pressa e solicitude, ou seja, an sua prépria demanda, a ddicada constituicdo do tempo psiquico de seu bebé. {A sociedade contemporinea vem produzindo — ¢ sofrendo com isso — uma invasio de formas imagindrias desse Outro apressado, que nao admite nenhum tempo ocioso que nao seja rapidamente preenchido por ages que visam satisfa- ¢ioimediata) Em fungao disso, o recuo do depressivo ocupa o lugar do sintoma sual, Ao deprimir-se, ele tenta fugir do excesso de ofertas (entendidas como denandas pelo sujeito) do Outro para se refugiar debaixo das cobertas. Esse é lugar do depressivo por exceléncia, mas um lugar paradoxal. Segundo alguns peat ninho que o depressivo faz para si mesmo debaixo das cobertas, onde ra _ passa, funciona de maneira paradoxal. “Debaixo das cobertas” 0 de- | — a tanco um esconderijo quanco um lugar de gozo, de onde renta, \ (#) m0 maie a distanciar-se da ameaga de ser. engolido pelo Outro materno a Aideig ——— recua, mais se coloca 4 merce da demant la a aed “40 meme jana de durac§o me parece ter um alcance maior do que suger 4, ne termo por Lacan. A durée bergsoniana, além da fungao fe conservagio tones ode piece necesséra a cada tomada de decisoes aut vides ees ws expandir a ponto de alcangar grandes extensbes da existénciay Ces a ror caura do pior (Si0 Paulo, 95, epg ingermann e Mauro Mendes Dias “dida, Depressdo (Sio Paulo, Escuta, 1999)- que ocorre com frequéncia, a meu ver, nas estruturas neuréticas — deseja nada além do que seu bebé representa para ela. Huminuras, 12 O tempo co cdo que o espirito possa desligar-se com certa frequéncia dos imperativos da acio Presenge ¢ colocar-se na predispasi¢io para o devancio ¢ 0 sonho. Nesse ponto, a dure geet algum parentesco com o sentimento de continuidade da existencia proposto pot Deneli Winnicott, Tal sentimento é tributirio tanto da repetigio prazeros: dos rir. conforto eamparo fornecidos pelo meio familiar quanto das temporalidades distend das que a propria crianga descobre, ou inventa sozinha: longos periodos roubados x, tempo dos relégios, nos quais a crianga se dedica as atividades criativas da brincadeing edo devancio4 Essas atividades infantis sio experiéncias fundamentais para 0 exercicig de uma poréncia criativa que hi de valer, para o resto da vida, como recurso contra zs disposigdes fatalistas, nas quais a realidade se apresenta inexoravel a um sujcito que se vé incapaz de alreri-la em seu favor®. ) Talvez seja necessirio recuperar a lembranca das tardes de tédio, daguelas que s6 acontecem na infincia, para entender © que ocorre com o psiquismo em estado de abandono, na auséncia de estimulos que solicitem 0 trabalho do sistema P-Cc. “As fantasias mais fabulosas de algumas historias infantis de Monteiro Lobato ocor- rem a seus personagens em momentos de completa inatividade, quando Pedrinko | © Narizinho nao tém nada mais a fazer a nao ser desenhar “XXX” com 0 dedo nzs | almofadas de veludo da sala do sitio — brincadeira que os dois primos chamam, ‘\apropriadamente, de “exercicio de parar de pensar”. Nao ha comparacio entre 2 lexperigncia do tempo ocioso, tio comum no cotidiano das criancas que podiam ficar entregues a si mesmas nos periodos nao ocupados pelas obrigagées escolares, €a vivéncia do tempo agendado de manha 4 noite que caracteriza o cotidiano das tiangas contemporineas como um permanente treino para a furura competicéo pelo mercado de trabalho. Nao é de espantar que tais criancas se angustiem 10s fins de semana ¢ suportem tio mal a falta de atividades divertidas, que se trde- zem em formas de ocupacio integral do tempo ocioso. Também nao é de espant! que, nas circunstancias em que os pais se veem impedidos de inventar programas Para ocupar o tempo livre de seus filhos, estes se dediquem sem trégua a ess 10"2 modalidade de treinamento da velocidade do arco reflexo, em curtos-circuitos &¢ _estimulo-resposta propostos pelos excitantes videogames. E que, na auséncia des ipo de estimulacéo, essas criangas de agenda cheia manifestem uma irritabilidade ¢ uma inapeténcia para o mundo que faz lembrar os sintomas da depressio - ™=A* * Ver Donald Winnicott, O brincar ¢ a realidade (trad. José Octavio de “Aguiar Abreu ¢ V200% Nobre, Rio de Janciro, Imago, 1975), p. 95. “I iativa, mais 60 3% » a . p. 95: “E através da apercepgio criativa, mais ‘qualquer outra coisa, que o individuo sente que a vida é digna de ser svids” a ow ww / Bergson ¢ a duragaio festagbes de inquietagio ¢ desconforto psiquicos que levam muitas familias a medi- car suas criangas, seja como deprimidas, seja como hiperativas, Nos livros de Monteiro Lobato, o écio dos personagens infantis convoca a avé a contar suas longas histérias na varanda do sitio, um pouquinho a cada fim de dia, farendo do periodo de férias um delicioso encadeamento de noites migicas e dias de aventuras. “Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se gravancle.o que é ouvido”, escreve Walter Benjamin em seu conhecido ensaio sobre “O parrador”. Benjamin refere-se, nessa Passagem, a intima relacao entre a fruicao distendida do tempo, a fungio das narrativas ¢ a transmissio da experiéncia. O tempo lento ¢ distendido, em que nada acontece nem esté para acomtecer, permite aos que escutam histérias uma receptividade descontraida, condi¢io para que as narrativas se incorporem ao vivido na qualidade : de experiéncia transmitida. ‘Vejamos como Bergson retine os elementos necessdrios para sustentar uma rela- Sao entre a meméria ¢ a experiéncia da duragio/A memeéria, para 0 autor, éa vida do espirito por exceléncia. “Para evocar o passado em forma de imagem, é preciso "poder abstrair-se da ago presente, é preciso saber dar valor 20 iniiil, é preciso que- rer sonhar, Talvez apenas 0 homem seja capaz de um esforgo desse tipo.” Essa ideia nao é estranha 4 proposicio freudiana sobre a importancia das forma- es imagindrias para a vida psiquica. Nos parigrafos finais de “O inconsciente”, Freud dedica algumas consideracées & relagéo entre o inconsciente ¢ o pré-conscien- te, 0 inconsciente nio recalcado cujas marcas mnémicas participa continuamente as atividades psiquicas da consciéncia, tais como a selegao de percepgées, 0 reco- ‘ahecimento de impressdes € imagens, a rememorac4o, o pensamento, a formacao de escolhas e de julgamentos. Se 0 inconsciente ¢ formado pelas representagées de coisa dos objetos, ou seja, as “primeiras ¢ verdadeiras cargas de objeto”, o sistema Prec & formado a partir da sobrecarga das representagées de palavra sobre as re- Presentagdes de coisa — conex4o esta que 0 recalque volta a desfazer, mas isso nio Vem a0 caso, por enquanto.\Jé os processos do pensamento abstrato constituem “atos de carga mais distantes das percepgées, [que] carecem em si de qualidade e de inconsciéncia, e sé pela conexao com os restos das percepgbes verbais alcangam a ‘“pacidade de se tornar conscientes”. Freud, a seguir, compara tais processos abstratos de pensamento, que se dis- ‘anciam das representagdes de coisa, com o mecanismo responsivel pelos discur- > Henri Bergson, Materia ¢ meméria, cit.. p. 90- "Sigmund Freud, “Lo inconsciente”, em Obras compet cit, p- 2081. _- 143 1a | O tempo eo cio sos delirantes caracteristicos da esquizofrenia, em que as palavras tomam » lugay de coisas (Toda atividade animica do homem se passa em duas ditecées opost,, uma que parte das perturbagées pulsionais ¢ mobiliza as representacées incon, cientes até encontrar acolhida em alguma ideia consciente (ainda que deforma, como é frequente nas neuroses), ¢ outra que parte das percepgées da realidad, externa, acolhidas pela consciéncia, ¢ atravessa 0 campo de significagdes do p -consciente até alcangar as cargas inconscientes do ew. ) Faco um rodeio para observar que, a partir dessas consideragoes de Freud, é possivel pensar que a pobreza do espirito que Bergson atribui as atividades ments dissociadas da meméria nao se limita 4 pobreza das atividades de aparar estimulos do presente imediato, exercida pela atengao consciente(Tal pobreza também pode caracterizar as atividades do pensamento, quando este atinge niveis de abstracio que o dissociam do acervo mnémico que conserva, no psiquismo, as “primeirase verdadeiras cargas de objeto). Voltarei a esse ponto no capitulo seguinte, a0 tata da pobreza da vida imagindtia nos depressivos. Mas 0 que ocorre quando a meméria é inibida pelas necessidades da acéo presente? (A necessidade de prestar atencao a estimulos, tanto os corporais quanto os do meio ambiente, impede que a carga pré-consciente das marcas mnémicas ganhe acesso & consciéncia) Isso nao significa que a percepgao seja comple- ramente independente da meméria; se assim fosse, reagiriamos sempre 208 estimulos do mundo como se fosse a primeira vez. Nosso conhecimento das coisas, que dirige a atencao consciente a alguns perceptos ¢ ignora todos 0s outros — nisso consiste a tarefa seletiva da aten¢ao —, depende da conexio en re a percepsao ¢ as marcas mnémicas de impressdes anteriores, sejam incon a cientes ou pré-conscientes®, Bergson resume essa predisposicao dererminad# Pela meméria dizendo que nossa vida psicoldgica passada, de forma condél™ Ibidem, p. 2082, iidad en la neurosis y en Ia psicosts cits v IIL, p. 2742-47, (Ed. bras.: “Neurose e psicos<” ¢ “AP Psicose”, em Obras psicolégicas completas, cits v. XIX da realidade na neurose e na Bergson ea duragiio | 145 4 sada, tem mais presenga em nds do que o mundo externo. O aparente desa- parecimento de nossas vivéncias ¢ impressées passadas, no instante presente, deve-se “simplesmente ao fato de a consciéncia atual accitar a cada instante 0 Util e rejeitar momentaneamente o supérfluo”™. Pois bem, ao mesmo tempo que nossa percep¢ao atual, por assim dizer, instantanea, efetua essa diviséo da matéria em objetos independentes, nossa meméria solidifica em qualidades sensiveis 0 escoamento continuo das coisas. Ela prolonga o pasado \ no presente, porque nossa agio ird dispor do futuro na medida exata em que nossa R percepcio, aumentada pela meméria, tiver condensado o pasado. Responder a uma R aco softida por uma reacao imediata que se ajusta ao seu ritmo ¢ se prolonga na mes- \ ma duragio, estar no presente, € num presente que recomega a todo instante, eis a lei fundamental da matéria: nisso consiste a necesidade. 7 ie = __Armatéria, portanto, nao tem outro plano de existéncia a ndo sero presente somente o presente, O que transcende a dimensao do corpo e de suas circunstan- cias — 0 espaco, os objetos no espaco, a imagem dos objetos, a percepcao dessas imagens — pode ser considerado, em Bergson, pertencente & dimensio do espirito. Este ultimo é tributério da meméria, pois o espirito, para esse fildsofo, nao é 0 £ que esté fora da matéria — é 0 que est fora do tempo{ Nao ha uma incompatibi- 4 Tidade ontolégica entre o espirito e a matéria, em Bergson, mas apenas uma dife- {renga entre as instancias em que um ¢ outro se manifestam) Em Matéria e memé- ¢\ tia, as ideias preconcebidas que estabelecem a tradicional oposi¢io entre 0 corpo _ a alma sio discutidas com base na relacio dialética entre matériacmeméria. A. ‘matéria é 0 dominio daquilo que diz respeito ao corpo ¢ ao espaco circundante, * em que se encontram os objetos das ages que interessam a0 corpo. Matéria, ima- * gens e percepgio das imagens pertencem & mesma categoria dos objetos afetados {elas ages do corpo (entre os quais se inclui o préprio corpo) na temporalidade presente. Fora da matéria, mas nao em oposigao a ela, estao o tempo passado e seu correspondente no psiquismo, a memséria. A percepgao dos fatos de nossa existencia como corpos contidos no espago é Muito mais palpavel do que a percep¢4o de nossa existéncia ao longo do tempo. O tempo é tao abstrato que praticamente s6 co! forma espacial, nseguimos representi-lo sob uma >= “Henri Bergson, Matéria ¢ meméria, cites p- 171. ” Ibidem, p. 247. 146. | O tempo e 0 edo (No capitulo III, 20 discutir a relagio entre © cérebro (materia) © 0 tempo (meméria), Bergson pergunta: “[...] mas © pasado, uma ver realizado, se cle se aonvnva onde se encontra2"®, Ele contestaa teoria de que a meméria do passadg se reduza a uma funcio cerebral: {j4 que, como parte do corpo] este cérebro, enquanto imagem estendida no espaco, cupa mais do que 0 momento prese al, um corte incessantemente renovad que esse universo perece e renasce, por um verdadeiro.miz lagre, em todos os momentos da duragéo, ou teré de atribuir-a ele a continuided © \ da existéncia que vocé recusa 4 consciéncia, € fazer do seu_passado uma realidade revive a.em seu presente. (...] Tal sobrevivéncia em si do passado a dificuldade que temos de concebé-la inte; ele constitui, com o restante do nunca 0: lo do devir universal. Portanto, universo materi: ~ ou voce tera que supor que sobrevive e se prolony impée-se assim de uma forma ou de outra, resulta simplesmente de atribuirmos & série das lembrancas, sidade de conter e de ser contido que s6 & verdadeira para 0 conjunto dos corpos no tempo, essa neces- instantaneamente percebidos no espa¢o.” Jo puro presente é praticamente uma virtualidade. Na pratica, nao existe um |<” “momento presente desvinculado dos momentos anteriores. Mesmo a percepgio mais imediata est associada a uma parcela do passado, ao menos sob a forma de + “meméria corporal, a qual possibilita tanto o reconhecimento dos perceptos titeis 2 |_[32! Rago quanto as reagbes adequadas a cles. Isso porque o presente, para Bergson, ‘i-8z> nose define pelo ser, mas pelo fazer. Ele responde entéo a pergunta sobre a “To- 2/2. ealizagio” do passado com outra pergunta: teré 0 passado deixado de exist, 0% VON, lada € menos . . 5 canna do que 0 momento presente, se vocé entender por isso esse limite . ales que separa o passado do futuro. Quando pensamos este presente come jevendo ser, ele ainda nao & 1, ele ainda nao &;e, quando o pensamos como existindo, ele ja passou- S* a0 contririo, vocé considerar 0 presente concreto ¢ realmente vi Wer fis lo pela consciéncia» pode-se afirma: ; . iF que esse presente consiste em grande parte do passado imediato- ( Nbs sb percebemos, pratic s, pratice i . Praticamente, 0 passado, o presente puro sendo o inapreensivel 2¥3™ 0 do pasado a roer o futuro." % Ibidem, p. 174, ” Ibidem, p. 174- ™ Idem. \ . #4 HE vw Tee Fa Se ms, Oimpério do corpo, que existe no presente e age em funcio de suas neces- sidades, possibilita apenas uma dimensio empobrecida & vida do espiritos a necessidade da acao presente inibe quase inteiramente a existéncia do passado longinquo, aquele que jé nao é util & agéo imediata. O presente, orientado pelas percepgoes que advém do passado imediato, avanca “a roer o futuro”, que, embora seja um tempo morto — afinal, é um tempo em que ndo vive ninguém —, esta ancorado nas fantasias que representam nossos desejos. O desejo de ser (desejante), ou de “continuar sendo”, é que torna o futuro um tempo prenhe de perspectivas, de esperangas, cujo sentido € todo construido entre 0 passado ¢ o presente; a esperanga, por sua vez, € uma antecipacao de~ realizagio de desejos que depende da capacidade de adiar gratificacées. (Alguma continuidade entre as reminiscéncias do passado (material da asso- ciagéo livre), a fruicao do agora e a esperanga no futuro é imprescindivel para alargar o tempo da duracio: © presente, que é 20 mesmo tempo retencao do passado imediato a orientar nossas percepgées ¢ antecipacao do futuro, pode ser percebido como mais dilatado ou mais contraido a depender da relacéo que cada_ um mantenha coma meméria (pasado) ¢ a fantasia (que sustenta a descjo ¢ se ‘volta para o futuro)) Quanto mais a vida é dominada pela preméncia do fazer mais restrita a percepgao da duragio. Dela, da duragao, dependem nao apenas o sentimento da continuidade da existéncia, como também a possibilidade de frui- 40 de alguns intervalos de tempo nao apressados, nao precipitados, em diregao ao futuro imediato. Associamos a fruicéo & atitude contemplativa, chamada por muitos fildsofos de vida do espirito: mas nao se deve esquecer que a matéria da fruigéo & 0 corpo, sobretudo 0 corpo em repouso, (Nesse ponto, é necessdrio outro rodeio para lembrar o ébvi 0 futuro, tempo da incerteza por exceléncia (por isso mesmo, tempo da fantasia) nos reserva uma tinica certeza, a morte) A obsolescéncia de todas as coisas ¢ de todas as expe- tiéncias projeta os viventes precocemente em direcao a essa certeza. O fildsofo Peter Pal Pelbart interpreta nossa obsesséo contemporanea pelo futuro como uma tentativa infantil de dominar a morte, apoderando-nos dela A onipoténcia que a ciéncia promete ao sujeito contemporineo produz tal horror & morte que faz de Nés suicidas em. potencial, que fugimos da incerteza precipitando-nos em direcio 20 Gnico tempo seguro, o futuro no qual se inscrevem nossas morte}. Baseado em Benjamin, Pelbart desenvolve uma importante relagio entre o tempo curto das oisas no capitalismo, a pressa que move a vida subjetiva ¢ a paixio (inconsciente, @meu ver) pela morte. 1¥ 148, O tempo co cao E Walter Benjamin quem oferece uma chave para entender o que esté em jogo aqui i : h "8 aqui Ele compreendeu o cariter profandamente histérico da eaducidade, ou sca, si ] A produgio desenfreada de mercadorias, de “novidades (gio com o capitalismo. [. | sempre prestes a se transformarem em sucata, nio s6 é uma corrida para a morte, ay | também inscreve a morte ¢ 0 vazio nas proprias coisas.” © que parece, em nossa obsessio pelo futuro, um excesso de desejo (¢ de vida) nao passa do pathos contemporinco(é a impaciéncia, essa alligio que no jdlade de parar precipita em diregao ao vazio por nao tolerarmos a impos tempo.(O medo da morte — téo mais temida quanto mais individual e solic Fia, como bem lembrou Benjamin — levou o homem do século XI, com ajuda das biociéncias, a prolongar consideravelmente seu tempo de vida bio- légica, sem com isso tornar-se mais capaz de desfrutar da dunagio. Hoje & pos- sivel viver com satide durante oito ou nove décadas sem perder a sensagio de que o tempo continua curto, de que a vida é a soma de instantes velozes que passam sem deixar marcas significativas. ) Todas essas questées nos conduzem diretamente X nossa especulagio a es peito dos efeitos da velocidade que a sociedade contemporinea imprime 3 vi ssidade ao inutilizar a cada instante o passado nao imediato em fungio da ne urgente de responder a estimulos presentes, com a arengio voltada part o futuro préximo”{ Nesse sentido, o tempo vazio de que softem os depressivos pade «stit relacionado no tanto a uma vida inativa, mas, em primeiro lugar, & wma vida limitada ao fazer; em segundo lugar, & perda das modulagées ritmricas entre 0 2" po do trabalho e o tempo do dcio, ou entre o tempo cotidiano ¢ o tempo dos rites sagrados, cujos ritmos contrastantes promovem experiéncias diversificadlas ¢ 6" ferem valores diferentes a cada uma delas) © “tempo do Outro”, que englobs se toda a vida social no mundo capiralista no mesmo ritmo acelerado, empobe ” Peter Pal Pelbart, “O tempo nao reconciliado”, ci Ps Sep. 41-66. ® No momento em que escrevo este texto, pesquisadores ingleses do King's Colleg i ‘pa imprensa internacional os resultados de uma investigngio a respeito dos efeitos ds sobrecarregam o sistema P-Ce (o uso da expressio freudiana é por minha conta) sobre ai TE Depois de entrevistar mil pessoas em ui uly > é ima amostra, os pesquisidores conclusant que IR {Fs dus exigem atengéo constante e respostas velones dance mas horas por i= ‘one Stor da balsa de valores ~ provoeam depresso (e “eres entre 08 que s€ IE ye lesinimo, a falta de prazer na vida osertimento de vizio e deine esto €" depressivos mencionados pelos rabalhadores investgados Bergson e duragio \ 149 avida do espirito, que fica reduzida ao circuito curto da produgio-consumo — “ominios do presente absoluto, ‘Onde esté 0 sujeito do desejo, no presente contraido que domina a tem- poralidade contemporanea? Se, por um lado, 0 neurético € aquele que adia Pr maximo o momento do encontro com o desejo, também podemos suge- fir que a pressainteressa a ele, uma vez. que ela suprime 0 tervalo por onde 0 ifestar?". Oi am ° jerende ase manifestar. © ideal de um neurdtico obsssivo, por exemplo, para {que eu sincoma esteja em sintonia com o: leais do eu, seria reduzir a vida a um tempo de puro. fazer. Nesse sentido, nao ha muita diferenca entre a pressa € seu aparente antipoda, a inag4o: ambas conseguem evitar que algo de significativo, como a a¢4o impulsionada pelo desejo, acontega. Em todo caso, nem a pressa nem a inagao podem poupar indefinidamente o neurético de se defrontar, mais cedo ou mais tarde, com o vazio produzido por essa temporalidade reduzida, na medida do possivel, a dimensio do puro presente. De mancira nao idéntica a do trabalho mecanico ou burocrdtico, mas similar, pode-se deduzir que o impé- rio do corpo — tanto do corpo que trabalha quanto daquele que “malha” para produzir apenas sua prépria forma perfeita, atividades que no estégio atual do apitalismo pouco se diferenciam — desfavorece tanto 0 compromisso com 0 desejo como o sentimento de continuidade da existéncia. + O tempo morto, sucessio de dias iguais preenchidos por tarefas repetitivas que exigem contato com uma fatia cada vez mais insignificante do pasado, é represen- tado pela rotina do funciondrio Bartleby, da novela de mesmo nome de Herman Mehille”, O leitor acompanha o cotidiano insipido desse sujeito apagado, um co- pista que cumpre escrupulosamente suas tarefas, que nao deixa o escritério nem para almocar, que nao conversa com ninguém ~ até o dia em que passa a responder as demandas de seu chefe de reparticao com uma recusa igualmente repetitiva, em ue cintila talvez uma expressio de seu descjo: “Acho melhor nao”. Desejo de nada, desejo de morte, desejo de ndo. Um esboso de sujeito emerge através da recusa do funciondrio Bartleby. Seu desejo de nada é menos resignado do que a disposi¢io bediente de preencher os dias com seu trabalho insignificante de copista. — Pata entender o valor dewe intervalo entre percepsio € consciéncia a + Sigzmund Freud, “El chiste y su relacién con lo inconsciente” ¢ “Los origenes del psicanilisis”, Gi. carta §2, remeto o leitor mais uma ver Herman Melville, Bartel. 0 ern: wa bibra de Wall ire (ra, ene Hinch, Sto Paul, wera Naify, 2007), > Orempee 0 oho ‘io mas pitas Anda ques de acolo com Feud hig prey 4» 80a, 9, hiewo definitive do gozo da pulsio de morte, nao devemos nos deinar{ Stinica, pela negatividade dos depressivos, Se com sua recusa eles se |PFOvimam 4, verdade sobre vazio que funda o psiquismo, 0 apego 3 negacio dos dope, yesso.de uma uryencia, Sua lei, deve ser entendido principalmente como 0.4 caracteristiea dos que tiveram sua demanda anvcpy, enoobre a impaciénci pelo Outro ¢ se veem incapacitados para preencher esse inguietante todeig enn, 9 nascimento ¢.a morte, a0 qual chamamios vid. oT Pois 0 que € 0 desejo senio un do por seu objeto? Bergson argumenta que a vida psi movimento que rodeia o vazio dei oligica sobrevive, embora constantemene inibida pela conscigncia pritica e titil do presente, Nossa meméria “aguards sn plesmente que uma fissura se manifeste entre a impressio atual © 0 movimeny concomitante, para fazer passar ai staas imagens”, Walter Benjamin chama a ata So para a diferenca qualitativa que existe entre a ren iniscéncia © a rememoragio;2 primeira, “invasio do presente pelo passado” no dizer de Bergson, €a prova contun- dente de que 0 vivido se conserva quase intacto em uma outra dimensio, nio wn wolada pelo sistema da atengio consciente. Os sete volumes de Fim busca do tampo perdido, de Marcel Proust, obra monumental de rememoragio (litersria) deflgrads 2 partir da invasio do presente por uma miniiscula lasca viva do passado, atestam 2 poténcia da vida psiquica que se passa fora do alcance da consciéncia. Essa espécie de invasio involuntiria da meméria, diferente do esfoxso consciente de rememoragio, aproxima-se das experiéncias angustiantes qué Freud denominou Unheimliche, encontros com um pedaco do Real que P!" ‘vocam a sensacio de estar diante de algo “estranhamente familiar”.)Nio qu © conceito freudiano do “sinistro” recubra todo o campo das reminiscénciss Apesar do parentesco entre ambos, o Unheimliche & evocado apenas diamte encontro com algo que “devendo permanecer secreto, aculto... nio obsam manifestou-se"”* — dai a angistia caracteristica das experiéncias de setain0 & recalcado, Como nem todas as reminiscéncias sio angustiantes, dedusi™ gue nem todas as experiéncias de invasio do presente pelo passado compe” tham do “caréter demoniaco” que Freud atribui a esse aspecto da vida ps9 Henri Bergson, Matériae meméria, cit. p. 107 ™ Sigmund Freud, “Lo siniestro” (Das Unh Fs Le stro" 'nheimliche) (1919), Obras completas, seferéncia & definicio de Schelling, [Ed, bras.: “© sinistro", em dna comple, v bp ue v wed 5 = aS o iS & B/A/B-1, Bergson e a duraciio que ocorre quando nos deparamos com “o familiar Para Bergson, tal dimensao do eon id reas = tornou estranho””. de recuperar sua forga “sempre que nos ws - ee nos recolocarmos, de algum modo, na vida do sonho”, oe Em que consiste esse desligamento momentineo da acdo eficaz que permite ao sujeito passar do registro da vida pratica para o registro do sonho? Bergson nao esta se referindo ao repouso da atenc4o consciente promovido pelo sono, mas a possibilidade de se experimentar alguns intervalos de tempo relativamente A conservagao do passado no independentes das exigéncias do presente imediato. entimento bergsoniano nte (ou de aspectos relevantes dele), que integra o s prese! da duragao, pode ser pensada como uma das condigées que lhe atribui Walter Benjamin. da experiéncia, no sentido _/ 151

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