You are on page 1of 122

ARTE

BRASILEIRA

50 exposições
do MAB-FAAP
1960-2010

fundação armando
alvares penteado
ARTE
BRASILEIRA
50 exposições do MAB-FAAP
1960-2010

Organização
Denise Mattar

Textos
Angélica de Moraes
Fernanda Lopes

fundação armando
alvares penteado

3
Fundação Armando Alvares Penteado

CONSELHO DE CURADORES

Presidente
Celita Procopio de Carvalho

Integrantes
Benjamin Augusto Baracchini Bueno
Octávio Plínio Botelho do Amaral
José Antonio de Seixas Pereira Neto
Maria Christina Farah Nassif Fioravanti
Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima

DIRETORIA EXECUTIVA

Diretor Presidente
Antonio Bias Bueno Guillon

Diretor Tesoureiro
Américo Fialdini Jr.

Diretor Cultural
Victor Mirshawka

Diretoria
Maria Izabel Branco Ribeiro
Administração
Cláudia Caroli
Karina Polycarpo (Ed. Lutétia)
Acervo
José Luis Hernández Alfonso
Laura Suzana Rodríguez
Conservação
Maria Cristina Ribeiro dos Santos
Ana Carolina Cunha Boaventura
Serviço Educativo
Denise Pollini
Luciana Chen
Secretaria
Maria R. O. Menezes
Montagem
André Cruz da Silva
Rafael Filipe da Silveira
Estagiários
Fernanda Pucciarelli
Julia Ramos
Tassia Arrais de Campos
Coordenação de Eventos
Fernanda Celidonio
Assistentes
Ana Paula Fescina
Luanna de Moraes
Fotografia
Fernando Silveira
Pedro Vertulli
Polini Prizmic Alves
Assessoria de Imprensa
Anamaria Lattes Comunicação
WN&P Comunicações
Segurança
Impacto
The Museu de Arte Brasileira of the Fundação Armando Alvares Penteado [MAB-FAAP] was created
in 1960, having as its first director Lucia Pinto de Souza, my mother. At that moment, after the
agreement with MASP had been broken in September of the previous year, the foundation was
without a collection to support its activities, and with many courses – beautiful and needful.
In this context, Lucia suggested to D. Annie Alvares Penteado, the foundation’s president, that
a new museum be created with a collection dedicated to Brazilian art. The proposal was accepted
and Lucia was appointed to transform that idea into a reality. Her efforts were not in vain,
and on 10 August 1961 the museum opened its first exhibition, with the baroque as its theme.
It was a memorable show, for which replicas of the statues of prophets by Aleijadinho were made,
through IPHAN, which have been conserved until today in FAAP’s lobby. The collection was acquired
little by little, having the modernist movement as its initial focus, and the foundation’s large rooms
began to regularly hold temporary exhibitions of art from Brazil and abroad, to great effect.
Throughout its half-century of existence, MAB-FAAP has received or organized nearly 500 exhibitions,
becoming a reference in the visual arts scene, and allowing the foundation the honor of receiving
the most important awards. Its collection currently contains three thousand works by the most
expressive Brazilian artists. To commemorate this very significant date, art critics Angélica
de Moraes and Fernanda Lopes were invited to reflect on the extensive research material collected
and organized by a team coordinated by Denise Mattar. Together, they selected 50 Brazilian
exhibitions held throughout these 50 years. Based on this selection, texts were written presenting
data and information on each show, while contextualizing it within the national arts scenario.
This work reveals the quantity, quality and diversity of the exhibitions held by MAB-FAAP, some of
which were fundamental for the history of Brazilian art. Besides the traditional categories – painting,
printmaking and sculpture – the museum has hosted and organized shows of vanguard works,
from a wide range of trends and a great diversity of media.
It has also used the exhibition spaces to homage the professors of the foundation’s College of Visual
Arts and to stimulate the artistic creation of its students, many of whom have gone on to become
important names in Brazilian art. Certain that the proposals of my mother have been fully realized,
I am honored to be able to continue her work, and today offer to the public this book commemorating
50 years of work of two generations.

Celita Procopio de Carvalho


President of the Board of Curators
O Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado foi criado em 1960, tendo
como primeira diretora Lucia Pinto de Souza, minha mãe. A ruptura do convênio com o MASP,
ocorrida em setembro do ano anterior, fora dramática. Deixara a Fundação sem uma pinacoteca
de apoio e com muitos cursos – belos e deficitários. Na ocasião Lucia e Roberto Pinto de Souza
sugeriram a D. Annie Alvares Penteado, presidente da Fundação, a criação de um novo museu,
cujo acervo seria dedicado à arte brasileira. A proposta foi aceita e Lucia indicada para transfor-
mar aquela ideia em realidade – em meio às inúmeras dificuldades.
Seus esforços não foram em vão, e em 10 de agosto de 1961 o Museu inaugurava sua primei-
ra exposição, tendo como tema o Barroco. Foi uma mostra memorável para a qual foram reali-
zadas, pelo IPHAN, as réplicas dos profetas de Aleijadinho, até hoje conservadas no saguão da
FAAP. O acervo foi sendo adquirido aos poucos, tendo como foco inicial o movimento moder-
nista, e os salões da Fundação passaram a apresentar com regularidade exposições temporárias,
nacionais e internacionais, de grande repercussão.
Ao longo de seu meio século de existência, o MAB-FAAP recebeu ou organizou quase 500 expo-
sições, tornando-se uma referência no cenário das artes plásticas, e dando à Fundação a honra
de receber os mais importantes prêmios da área. Também enriqueceu seu acervo, que hoje con-
ta com cerca de 3 mil obras dos mais expressivos artistas brasileiros. Saindo de seu espaço físico
o MAB-FAAP organizou exposições em várias cidades do Brasil e do Exterior.
Para comemorar essa data tão significativa, as críticas de arte Angélica de Moraes e Fernanda
Lopes foram convidadas a se debruçar sobre um extenso material de pesquisa, coletado e orga-
nizado ao longo de um ano e meio por uma equipe coordenada por Denise Mattar. Juntas elas
selecionaram 50 exposições brasileiras realizadas ao longo dos 50 anos do Museu. A partir daí os
textos foram redigidos reunindo dados e informações de cada mostra, além de sua contextuali-
zação no cenário artístico nacional.
O trabalho revela a quantidade, a qualidade e a diversidade das exposições realizadas pelo MAB-
FAAP, algumas delas fundamentais para a história da arte brasileira. Além das tradicionais ca-
tegorias – pintura, gravura e escultura – o museu acolheu e organizou mostras de trabalhos de
vanguarda, das mais diversas correntes e em muitas mídias.
Também não perdeu de vista a utilização dos espaços expositivos para prestigiar os professores
da Faculdade de Artes Plásticas da Fundação e para estimular a criação artística dos seus estu-
dantes, muitos dos quais se tornaram nomes de grande importância no cenário das artes plásti-
cas brasileiras.
Certa de que as propostas de minha mãe foram plenamente realizadas, tenho a honra de poder
continuar sua obra, e de hoje oferecer ao público este livro, comemorativo de 50 anos de traba-
lho de duas gerações.

Celita Procopio de Carvalho


Presidente do Conselho de Curadores
MAB – 50 years of art

The seed that would become the Museu de Arte Brasileira [MAB] of the Fundação Armando Alvares
Penteado [FAAP] is in the will of Armando Alvares Penteado, in which he stipulated the sale and rent of
houses and lands in order that there be built: “a school of fine arts, including painting, sculpture, decoration
and architecture, with an art collection for the exhibition of original paintings, as well as prints made as
copies of masterpieces.” Upon his death in 1947, his widow, Annie, originally from France and who very
much loved Brazil, decided to realize that dream, which was not only Armando’s but hers as well.

In 1948 Annie got the City Government’s approval for the construction of the Fundação’s building, and
the cornerstone was laid. At that time there was already the idea for FAAP’s future building to house the
collections of the Museu de Arte (currently MASP) and of the Museu de Arte Moderna, as described in an
article published in the newspaper Diário de São Paulo, on 2 September 1948:

“The project was [...] outlined by the donator. He conceived the design for the building after the personal
selection of the land. [...] the beautiful building will hold the valuable collections of the Museu de Arte
dos Diários Associados, and of the Museu de Arte Moderna (MAM), founded by Sr. Francisco Matarazzo
Sobrinho and by Sra. Yolanda Penteado Matarazzo.”

The construction, however, was only begun in 1950, and dragged along for seven years. The price-freezing
law in regard to rents at that time made Armando’s legacy shrink day by day, and the construction work
was constantly being put on hold. This situation led Annie Alvares Penteado to seek another solution to
realize the project. She made a deal with Assis Chateaubriand for the Museu de Arte’s collection to be
brought to FAAP’s building, while also stipulating that the courses the museum had been administering for
more than ten years would also be held there.

This solution was convenient for both parties. The Fundação would see its building finished, and Annie and
Armando’s idea would be realized. For Chateaubriand, the courses – which had outgrown the the building
of the Diários Associados – would be very well housed, and the collection would be protected. The building
of the Diários had already suffered three fires and this posed a real risk for the beautiful collection.

In 1956/1957, extensive correspondence took place between Flávio Motta (director of the courses of MASP),
Pietro Maria Bardi, Chateaubriand, and Renato Magalhães Gouvêa (administrative director), studying the
conditions for an agreement between FAAP and the Museu de Arte, which was finally signed in December
1957, creating the IAC – Instituto de Arte Contemporânea.

The agreement was officially launched at the Museu Nacional de Belas Artes [MNBA] in Rio de Janeiro
during the inauguration of the exhibition that marked the return of the Museu de Arte’s collection after a
long traveling exhibition through the European museums. The opening was attended by Brazil’s President
Juscelino Kubitschek. The magazine O Cruzeiro published a report about the event on 29 March 1958:

“There was also celebrated the fusion of the activities of the Museum with those of the Fundação Armando
Alvares Penteado. The Fundação will construct a large building in São Paulo, which will serve as the new
facilities for the art collection. “Two powerful entities are transformed into a single vibrant movement, at the
service of the country,” the president stated in his speech.”

Already installed in the building, which was not completely finished, in 1958 Pietro Maria Bardi carried out
a large operation for the launching of IAC, which included visits by personalities, contacts with embassies,
consulates and companies, and the making of showcases reproducing works by the most important
MAB – 50 ANOS DE ARTE

A semente do que seria o Museu de Arte Brasileira da FAAP está no testamento de Armando Alvares
Penteado que nele designou a venda e o aluguel de casas e terrenos para que fosse edificada: “uma Es-
chola de Bellas Artes, compreendendo Pintura, Esculptura, Decoração e Architetura, com uma Pina-
coteca para a exposição de quadros originais, assim como cópias em oleogravuras das obras-primas”.
Com seu falecimento em 1947, sua viúva, a francesa Annie, apaixonada pelo Brasil, decidiu tornar rea­
lidade aquele sonho, que não era apenas de Armando, mas do casal.

Em 1948, Annie aprovou junto à Prefeitura o projeto do prédio, e foi lançada a pedra fundamental do
edifício da Fundação. Já na época havia a ideia de trazer para o futuro prédio da FAAP as coleções do
Museu de Arte (hoje MASP), e do Museu de Arte Moderna, conforme descrito em matéria publicada
pelo jornal Diário de São Paulo, em 02/09/1948:

“ O projeto foi [...] esboçado pelo seu doador. Dele é o projeto do prédio após a escolha pessoal do terreno. [...]. O belo
edifício abrigará as valiosas coleções do Museu de Arte dos Diários Associados, e do Museu de Arte Moderna (MAM),
fundado pelo sr. Francisco Matarazzo Sobrinho e pela sra. Yolanda Penteado Matarazzo.

A construção, entretanto, só teve início em 1950, e arrastou-se por sete anos. A lei do congelamento
dos aluguéis vigente naquele período tornara cada dia menor o legado de Armando, e as obras estavam
quase paradas. Essa situação levou Annie Alvares Penteado a buscar outra solução para realizar seu
projeto. Ela negociou com Assis Chateaubriand a vinda, para o prédio da FAAP, das obras do Museu
de Arte e também dos cursos lá ministrados, que já existiam há dez anos.

A situação era conveniente para ambos. Para a Fundação o prédio seria terminado, e a ideia de An-
nie e Armando, realizada. Para Chateaubriand os cursos ficariam muito mais bem-acomodados, pois
o prédio dos Diários Associados não os comportavam mais, e o acervo ficaria protegido. O prédio dos
Diários já sofrera três incêndios e isso era um risco real para o belo acervo.

Entre 1956 e 1957, há uma extensa correspondência entre Flávio Motta (diretor dos cursos do MASP),
Pietro Maria Bardi, Chateaubriand e Renato Magalhães Gouvêa (diretor administrativo), estudando
as condições do convênio entre a FAAP e o Museu de Arte, que finalmente foi assinado em dezembro
de 1957, criando o IAC – Instituto de Arte Contemporânea. O convênio foi lançado oficialmente no
MNBA, no Rio de Janeiro, durante a inauguração da exposição que marcava a volta da coleção do
Museu de Arte após uma longa itinerância pelos museus europeus. A abertura contou com a presença
do Presidente da República Juscelino Kubitschek. Em reportagem sobre o evento escrevia a revista O
Cruzeiro de 29 de março de 1958:

“ Celebrou-se também a fusão das atividades do Museu com as da Fundação Armando Alvares Penteado. A Fundação
construirá um grande edifício em São Paulo, onde passará a funcionar a pinacoteca. ‘Duas entidades poderosas se trans-
formam num só vibrante movimento, a serviço do País’, disse o presidente em seu discurso.

Já instalado no prédio, ainda inconcluso, Pietro Maria Bardi montou em 1958 uma grande operação
para o lançamento do IAC, que incluía visitas de personalidades, contatos com embaixadas, consulados
e empresas, e a realização dos vitrais reproduzindo obras dos mais importantes artistas brasileiros. Tra-
balhavam com ele: Flávio Motta, diretor dos cursos, Wanda Svevo, sua secretária, Luiz Hossaka, que
Brazilian artists. Working together with him were: Flávio Motta, director of the courses, Wanda Svevo, his
secretary, Luiz Hossaka, who took care of the collection, the setups and everything that was necessary, and
Renato Magalhães Gouvêa, the administrative director, in a function that today would be called executive
director. The opening was set for 25 January 1959, and foresaw the holding of the following exhibitions:
Gravuras de Aldemir Martins, Jóias de Burle Marx and the show Olho sobre a Bahia, organized by Lina Bardi,
who on that occasion was director of the Museu de Arte Moderna da Bahia.

For unknown reasons, the inauguration did not take place. In January, Bardi traveled to Europe to
accompany an international exhibition by Lasar Segall that he had organized, taking a nine-month leave of
absence, a fact documented in the correspondence from that period. Renato Magalhães Gouvêa managed
the situation as well as possible, but Bardi’s long absence destabilized the situation, which was already
tense. The courses had many students, but were lacking in resources, and the support promised by the
City Government and from the Caixa Econômica Federal never arrived. The problems were augmented by
arguments between the Museu de Arte and the Fundação about the best way of presenting the collection,
as well as the authenticity of certain works in the respective collections.

Bardi returned from Europe in September and the two institutions mutually decided to cancel the
agreement. MASP’s artworks returned to the building of the Diários Associados, temporarily, Bardi knew,
since, Lina was already finalizing an agreement with the City Government for the realization of the future
building at Trianon. The courses, and their director, Flávio Motta, stayed.

What to do with the huge empty space left by the removal of the Museu de Arte’s artworks? Annie Alvares
Penteado, based on a suggestion by Lucia and Roberto Pinto de Souza, decided to bet on the power of
national art and create the Museu de Arte Brasileira (MAB). The formal opening was held on 2 July 1960,
with a concert by conductor Mario Ferraro, of FAAP’s School of Music, and an exhibition of works from
private collections. There is no record as to what these artworks were, but there are reports in the press
commenting on the event, attended by “artists, intellectuals, and specialists in the visual arts.”

Lucia Pinto de Souza was the museum’s first director, and in August 1961 she held its first large event:
the exhibition Barroco no Brasil, featuring around 300 artworks from all over Brazil, and for which replicas
of the prophets by Aleijadinho were made, which have been conserved until today in FAAP’s lobby. The
inauguration was attended by Brazil’s President Jânio Quadros.

Lucia Pinto de Souza’s initial proposals were innovative. Her aim was to make MAB-FAAP an instrument
for generating a practice of traveling shows featuring artworks from public and private collections at the
national level, thereby awakening the interest of businesspeople and authorities for Brazilian art. Within this
spirit, a board was composed that assembled some of the nation’s most important cultural representatives:
Sérgio Buarque de Holanda, Yan de Almeida Prado, Wolfgang Pfeiffer and José Geraldo Vieira, all from São
Paulo; Heloisa Alberto Torres, Ligia Martins Costa, Mario Barata, Wladimir Alves de Souza and Minister
Wladimir Murtinho, from Rio de Janeiro (when it was the state of Guanabara); Alcides Rocha Miranda, from
Brasília; Dom Clemente da Silva Nigra, from Bahia, Abelardo Rodrigues and José Maria de Albuquerque
e Melo, from Pernambuco; and Antonio Joaquim de Almeida, Orlandino Seitas Fernandes and Sylvio de
Vasconcelos, from Minas Gerais.

As one of the first actions in this direction, in 1963 MAB-FAAP organized an exhibition in homage to Portinari
in Brodósqui, aimed at alerting the authorities in regard to the need for conserving the artist’s panels in
that city. The prophets by Aleijadinho were part of a project for the creation of the Museu dos Monumentos

10
cuidava do acervo, das montagens e de tudo o que fosse necessário e Renato Magalhães Gouvêa, dire-
tor administrativo, numa função que hoje seria a de um diretor executivo. A abertura foi marcada para
o dia 25 de janeiro de 1959, e previa a realização das seguintes exposições: Gravuras de Aldemir Martins,
Joias de Burle Marx e a mostra Olho sobre a Bahia, organizada por Lina Bardi, que na ocasião era diretora
do Museu de Arte Moderna da Bahia.

Por razões que desconhecemos a inauguração não ocorreu. Bardi viajou em janeiro para a Europa, acom-
panhando a exposição internacional de Lasar Segall, da qual era o organizador, ausentando-se por 9 me-
ses, fato documentado na correspondência do período. Renato Magalhães Gouvêa gerenciava o problema
da melhor forma possível, mas a longa ausência de Bardi desestabilizou a situação, que já era tensa. Os
cursos tinham muitos alunos, mas eram deficitários, e os apoios prometidos pela Prefeitura e pela Caixa
nunca chegavam. Os problemas foram acrescidos de discussões entre o Museu de Arte e a Fundação, sobre
a forma da apresentação do acervo, e a autenticidade de algumas obras das respectivas coleções.

Bardi retornou da Europa em setembro, e, em conjunto, as duas instituições decidiram pelo encerra-
mento do convênio. As obras do MASP retornaram ao prédio dos Diários Associados, temporariamen-
te, sabia Bardi, pois Lina já estava finalizando acordo com a Prefeitura para a realização do futuro pré-
dio no Trianon. Os cursos, e seu diretor Flávio Motta, ficaram.

O que fazer com o imenso espaço vazio deixado pela retirada das obras do Museu de Arte? Annie Alva-
res Penteado, a partir de sugestão de Lucia e Roberto Pinto de Souza, decidiu apostar na força da arte
nacional e criar o Museu de Arte Brasileira (MAB). A solenidade de abertura foi realizada em 2 de julho
de 1960, com concerto do maestro Mario Ferraro, da Escola de Música da FAAP, e exposição de obras
de coleções particulares. Não há registro de quais seriam essas obras, mas há notícias da imprensa co-
mentando o evento, no qual estavam presentes “artistas, intelectuais e especialistas das artes plásticas.”

Lucia Pinto de Souza foi a primeira diretora da instituição, e, em agosto de 1961, realizou o primeiro gran-
de evento do Museu: a exposição Barroco no Brasil, reunindo 184 obras de todo o país, e para a qual foram
realizadas as réplicas dos profetas de Aleijadinho, que até hoje estão no saguão da FAAP. A inauguração
contou com a presença do Presidente da República Jânio Quadros e muitas autoridades.

As propostas iniciais de Lucia Pinto de Souza eram inovadoras. Seu objetivo era fazer do MAB-FAAP o
instrumento gerador de uma política de itinerância de acervos públicos e particulares em nível nacional,
e com isso despertar o interesse de empresários e autoridades para a arte brasileira. Dentro desse espíri-
to foi composto um Conselho que reunia alguns dos mais importantes representantes culturais do país:
Sérgio Buarque de Holanda, Yan de Almeida Prado, Wolfgang Pfeiffer e José Geraldo Vieira, eram os
representantes de São Paulo; Heloisa Alberto Torres, Ligia Martins Costa, Mario Barata, Wladimir Al-
ves de Souza e o ministro Wladimir Murtinho, do Rio de Janeiro (na época Guanabara); Alcides da Ro-
cha Miranda, de Brasília; Dom Clemente da Silva Nigra, da Bahia, Abelardo Rodrigues e José Maria de
Albuquerque e Melo, de Pernambuco; e Antonio Joaquim de Almeida, Orlandino Seitas Fernandes e
Sylvio de Vasconcelos, de Minas Gerais. Como uma das primeiras ações nesse sentido, o MAB-FAAP
organizou, em 1963, em Brodósqui, uma exposição homenageando Portinari, cujo objetivo era alertar
as autoridades para a necessidade da conservação dos painéis do artista na cidade. Os profetas de Alei-
jadinho faziam parte de um projeto para a criação do Museu dos Monumentos Nacionais, que reuniria

11
Nacionais [Museum of National Monuments], which was to gather plaster replicas of our most famous
artworks to preserve and show them. This initiative, strictly in keeping with the original spirit conceived by
Armando Alvares Penteado, was not carried forward. Other ideas arose, but were not carried out, such as
the creation of the Museu do Traje [Clothing Museum].

Fulfilling its aims, in 1964 MAB-FAAP presented an important exhibition featuring 130 prints by Goeldi, from
the Nelson Mendes Caldeira Collection. The show was held through a joint effort with the then recently
created Museu Goeldi – which did not last. That same year, MAB also showed MAC-USP’s collection of
drawings by Di Cavalcanti. The museum’s collection was Brazilian, but the institution was already receiving
international exhibitions, such as A Instabilidade, 1964. The show actually consisted of a large installation
(even though this term was not yet in wide use) by Le Parc, Morellet, Sobrino, Yvaral, Rossi and Stein, which
had been presented at the 1963 Paris Biennale, to great success. The group proposed immersive and
interactive works, an innovation at that time, and a foreshadowing of the paths that art was to take.

Also in 1964, MAB held, for the first time, an exhibition that would become one of its hallmarks: the Anual
de Artes Plásticas [Visual Arts Annual]. This annual exhibition – open to all of the students in FAAP’s courses
and which has been held until today – revealed, and continues to reveal, countless talents.

Upon Annie’s death in 1965, Lucia became the president of the Fundação, to which she gave new directions,
taking the Course for the Training of Professors of Drawing and transforming it into the College of Arts and
Communications. This period saw the outstanding exhibitions Propostas 65, 1965, Três Premissas, 1966,
1ª Exposição Surrealista [1st Surrealist Exhibition], Flávio de Carvalho, both in 1967, and the I Exposição
Internacional de Gravuras [I International Printmaking Exhibition], 1968.

As her work with the Fundação grew in volume, Lucia decided to invite an art critic to direct the museum.
Carlos von Schmidt (1929–2010) began to work at MAB-FAAP in 1969. There is no record of his leaving, and
the reports collected about the subject diverge; however, based on interviews and publications we can
conclude that he directed the museum until 1982.

Carlos von Schmidt set the institution on a new path. He carried out an excellent work of recovering the
modernist artists, presented impressive group shows, opened the spaces of MAB to young talents, and
encouraged the acquisition of their artworks. The exhibitions realized under his leadership most notably
include the retrospectives of Victor Brecheret, 1969, Ismael Nery, 1970 (who was totally forgotten at
that time), and Flávio de Carvalho, 1973. The group shows were: Fotógrafos de São Paulo, 1970, I Mostra
Brasileira de Tapeçaria [I Brazilian Tapestry Show], 1974, Dois hiper-realistas – João Calixto and Glauco Pinto
de Moraes, 1977, and 15 Jovens artistas do Brasil, 1978, as well as the solo shows of Ivald Granato, 1975,
Gregório, 1976, and Newton Mesquita, 1978.

In 1979, MAB entered a process of remodeling, and the exhibitions were interrupted. Based on the
collection, Carlos von Schmidt curated the exhibition Ochenta Años de Arte Brasileño, which was presented
in Buenos Aires in 1980 and in Lima in 1981, and later, with the title 80 anos de Arte Brasileira, in the
Brazilian cities of Marília, Ribeirão Preto and Bauru. In 1983 the show traveled to Belo Horizonte (MG),
Ribeirão Preto, Campinas, Curitiba (PR), and Santo André. In 1984, it was shown in Vitória (ES).

In 1982, Carlos von Schmidt gave an interview to the press about the acquisitions realized for the show
Acervo Novo (from 15 to 24 October 1982), which reopened the museum. Concerning the same exhibition

12
réplicas em gesso das nossas obras mais famosas para preservá-las e divulgá-las. Essa iniciativa, bem
dentro do espírito originalmente idealizado por Armando Alvares Penteado, não teve continuidade.
Outras ideias surgiram, mas não foram adiante, como a criação do Museu do Traje.

Realizando sua proposta o MAB-FAAP apresentou, em 1964, uma importante exposição reunindo 130
gravuras de Goeldi, da coleção Nelson Mendes Caldeira. A mostra foi organizada em conjunto com o en-
tão recém-criado Museu Goeldi - que não perdurou. No mesmo ano, o MAB mostrou também a coleção
de desenhos de Di Cavalcanti, do MAC-USP. O acervo do museu era brasileiro, mas a instituição já rece-
bia exposições internacionais, como A instabilidade, 1964. A mostra era uma grande instalação (embora essa
designação ainda não fosse conhecida) de Le Parc, Morellet, Sobrino, Yvaral, Rossi e Stein, que havia sido
apresentada na Bienal de Paris de 1963, com grande sucesso. O grupo propunha obras imersivas e intera-
tivas, uma inovação na época, e um prenúncio dos caminhos que a arte viria a tomar.

Ainda em 1964, o MAB realizou, pela primeira vez, uma exposição que se tornaria uma das suas mar-
cas: a Anual de Artes Plásticas. Aberta a todos os estudantes dos cursos da FAAP, a exposição, que ocor-
re até hoje, revelou e continua revelando inúmeros talentos.

Em 1965, com a morte de Annie, Lucia tornou-se a presidente da Fundação à qual deu novos rumos,
transformando o Curso de Formação de Professores de Desenho na Faculdade de Artes e Comunica-
ções. Desse período destacam-se as exposições Propostas 65, 1965, Três premissas, 1966, 1ª Exposição surrea-
lista, Flávio de Carvalho, ambas em 1967, e a I Exposição internacional de gravuras, 1968.

Com seu trabalho junto à Fundação se avolumando, Lucia decidiu convidar um crítico de arte para di-
rigir o Museu. Carlos von Schmidt (1929-2010) começou a trabalhar no MAB-FAAP em 1969. Não há
registro de sua saída, e os depoimentos coletados sobre o assunto divergem, porém, a partir de entrevis-
tas e publicações podemos concluir que ele dirigiu o museu até 1982.

Carlos von Schmidt trouxe um novo caminho para a instituição. Realizou um excelente trabalho de res-
gate dos artistas modernistas, apresentou mostras coletivas marcantes, abriu os espaços do MAB para os
jovens talentos, e incentivou a aquisição de suas obras. Entre as exposições realizadas na sua gestão desta-
cam-se as retrospectivas de: Victor Brecheret, 1969; Ismael Nery, 1970 (que estava totalmente esquecido
na época); e Flávio de Carvalho, 1973. As coletivas: Fotógrafos de São Paulo, 1970; I mostra brasileira de tapeça-
ria, 1974; Dois hiper-realistas – João Calixto e Glauco Pinto de Moraes, 1977; e 15 jovens artistas do Brasil,1978; e as
individuais de Ivald Granato, 1975; Gregório, 1976; e Newton Mesquita,1978.

Em 1979, o MAB entrou em reforma e as exposições foram interrompidas. A partir do acervo, Carlos
von Schmidt realizou a curadoria da exposição Ochenta Años de Arte Brasileño, que foi apresentada em Bue-
nos Aires, 1980 e Lima, 1981, e a seguir, com o nome 80 anos de Arte Brasileira, foi apresentada pelo Bra-
sil nas cidades de Marília, Ribeirão Preto e Bauru. Em 1983 passou por Belo Horizonte (MG), Ribeirão
Preto, Campinas, Curitiba (PR), Santo André. Em 1984, foi exibida em Vitória (ES).

Em 1982, Carlos von Schmidt dá uma entrevista à imprensa sobre as aquisições realizadas para a mostra
Acervo novo (15 a 24 de outubro de 1982) que reabre o Museu. Sobre a mesma exposição há também en-
trevistas de Walter Dominguez. A partir de 1983, o nome de Carlos von Schmidt não mais aparece nos

13
there are also interviews of Walter Dominguez. From 1983 on, the name Carlos Von Schmidt no longer
appears in FAAP’s reports, and the direction of MAB is presented as: Lucia Pinto de Souza, president,
and Walter Dominguez, collaborator. From 1984 to 1986, the same reports state: Lucia Pinto de Souza,
president, and Walter Dominguez, public relations.

Parallel to Carlos von Schmidt’s term as director of MAB, in 1975 the Fundação Armando Alvares
Penteado invited one of its professors, Daisy Peccinini, to carry out a research project on Brazilian
Art. The first result was the exhibition Grupo Seibi – década 35 a 45, in 1977. From then on, the project
took on the name Centro de Pesquisa e Documentação da Arte Brasileira [Center for Research and
Documentation of Brazilian Art], and later the Instituto de Pesquisa e Documentação da Arte Brasileira
[Institute for Research and Documentation of Brazilian Art]. Daisy Peccinini carried out extensive
research and produced the anthological shows: O Objeto de arte – Brasil anos 60, in 1978, and Arte
novos meios/multimeios: Brasil 70/80, in 1985, both accompanied by catalogs that are references for
Brazilian art yet today. The exhibition Projeto Vermelho/Progetto Rosso, in 1986, was an international
“experimental operation” based on a proposal by Italian artist Bruno Talpo. Almost all of the works were
produced especially for the show, and occupied various spaces within the institution, in an action that
was very uncommon at that time and which anticipated more current curatorial proposals. Projeto
Vermelho was the last exhibition held by the Centro de Pesquisa e Documentação da Arte Brasileira.

The cultural policy adopted in this period by the leadership of MAB reassumed some of its initial
proposals, prioritizing interchange with Brazilian institutions. From 1984 to 1986, the museum held
various traveling exhibitions with important artworks from its collection, such as: Flávio de Carvalho,
presented in Rio de Janeiro and in Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Salvador, Campinas and Belo
Horizonte; and Pintura Contemporânea de São Paulo, presented in Paraná, Bahia, and Rio de Janeiro.
In return, it received shows from various states, organized by local institutions: Arte de Santa Catarina
(Fundação Catarinense de Cultura), Macaparana (an artist from Pernambuco), Vasco Prado (Museu de
Arte do Rio Grande do Sul), Arte paranaense atual (Museu de Arte Contemporânea do Paraná), Artistas
do Espírito Santo (Departamento Estadual de Cultura do Espírito Santo), Artistas de Pernambuco (various
museums of Pernambuco), Evento Têxtil (Centro Gaúcho de Tapeçaria and MARGS), Arte 13 Curitiba,
Zoravia Bettiol (Rio Grande do Sul), Perspectiva Catarinense (Museu de Arte de Santa Catarina), Arte
como forma de conhecimento (Museu de Arte e Cultura Popular of the Universidade Federal do Mato
Grosso), and Projeto Arte Brasileira (Funarte).

Beginning in 1987, Walter Dominguez served as the museum’s director, until 1992. He maintained the
previously adopted line of interchange. The exhibitions during his directorship include most notably
Jovens gravadores de Curitiba, Oficinas de gravura e escultura do Ingá (Niterói), 22 artistas plásticos
de Brasília, the retrospective of Zélia Salgado, Artistas contemporâneos do Amazonas, 80 modelos de
Lacroix, as well as the traveling of the Arte Brasileira [Brazilian Art] project in conjunction with Funarte.

In 1990, the Fundação suffered a judicial intervention, which continued until May 1992. MAB’s activities
never ceased, but they were significantly reduced. The exhibitions in this period included Francisco
Stockinger (MARGS), and a large show of handmade paper, Papel Artesanal, curated by Lourdes Cedran,
with around 100 artworks by artists from ten countries.

In 1992, the former directorship of FAAP won the legal dispute and reassumed control of the Fundação,
but Lucia preferred that her daughter substitute her. Celita Procopio de Carvalho took over as president

14
relatórios da FAAP, e a direção do MAB é assim apresentada: Lucia Pinto de Souza, Presidente, e Walter
Dominguez, Colaborador. De 1984 a 1986, Lucia Pinto de Souza, Presidente, e Walter Dominguez, Re-
lações Públicas.

Paralelamente à gestão de Carlos von Schmidt no MAB, a Fundação Armando Alvares Penteado havia
convidado, em 1975, a professora da instituição, Daisy Peccinini, a realizar um projeto de pesquisa so-
bre arte brasileira. O primeiro resultado foi a exposição Grupo Seibi – década 35 a 45 , em 1977. A partir
daí o projeto ganhou o nome de Centro de Pesquisa e Documentação da Arte Brasileira, e posterior-
mente Instituto de Pesquisa e Documentação da Arte Brasileira. Daisy Peccinini realizou ampla pesqui-
sa e produziu as antológicas mostras: O objeto na arte – Brasil anos 60, em 1978; Arte novos meios/multimeios:
Brasil 70/80, em 1985, ambas acompanhadas de catálogos que são até hoje referências da arte brasilei-
ra. O Projeto vermelho/Progetto rosso, de 1986 era uma “operação experimental” internacional, realizada a
partir de uma proposta do italiano Bruno Talpo. Quase todas as obras foram produzidas especialmente
para a mostra, e ocuparam diversos espaços da instituição, numa ação bastante incomum para o perío­
do e que antecipava as propostas curatoriais mais atuais. O Projeto vermelho foi a última exposição reali-
zada pelo Centro de Pesquisa e Documentação da Arte Brasileira.

A política cultural adotada pela direção do MAB nesse período retomava algumas das suas propostas
iniciais, priorizando o intercâmbio com instituições do país. Entre 1984 e 1986, o museu realizou várias
exposições itinerantes com importantes obras do seu acervo, como: Flávio de Carvalho, apresentada no
Rio de Janeiro e em Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Salvador, Campinas e Belo Horizonte, e Pin-
tura Contemporânea de São Paulo, apresentada no Paraná, na Bahia e no Rio de Janeiro. Em contrapartida
recebeu mostras de vários Estados, organizadas por instituições locais: Arte de Santa Catarina (Fundação
Catarinense de Cultura); Macaparana (artista de Pernambuco); Vasco Prado (Museu de Arte do Rio Gran-
de do Sul); Arte paranaense atual (Museu de Arte Contemporânea do Paraná); Artistas do Espírito Santo (De-
partamento Estadual de Cultura do Espírito Santo); Artistas de Pernambuco (vários museus de Pernambu-
co); Evento têxtil (Centro Gaúcho de Tapeçaria e MARGS); Arte 13 Curitiba, Zoravia Bettiol (Rio Grande do
Sul ); Perspectiva Catarinense (Museu de Arte de Santa Catarina); Arte como forma de conhecimento (Museu de
Arte e Cultura Popular da Universidade Federal do Mato Grosso), e o Projeto arte brasileira, da Funarte.

A partir de 1987, Walter Dominguez torna-se o diretor do Museu, permanecendo até 1992.
Ele mantém a linha de intercâmbio adotada anteriormente. Entre as exposições da sua ges-
tão destacam-se Jovens gravadores de Curitiba, Oficinas de Gravura e Escultura do Ingá (Niterói),
22 artistas plásticos de Brasília, a Retrospectiva de Zélia Salgado, Artistas contemporâneos do Amazo-
nas, 80 modelos de Lacroix, e a itinerância do Projeto Arte Brasileira em conjunto com a Funarte.
Em 1990, a Fundação sofre uma intervenção judicial, que continua durante todo o ano de 1991. As ati-
vidades do MAB não param, mas são sensivelmente reduzidas. Entre as exposições do período podemos
destacar Francisco Stockinger (Margs), e uma grande mostra de Papel Artesanal, com curadoria de Lourdes
Cedran, com cerca de 100 obras de artistas de 10 países.

Em 1992, a antiga diretoria da FAAP ganha na Justiça o direito de reassumir a Fundação, mas Lucia
prefere chamar sua filha para substituí-la. Celita Procopio de Carvalho assume a presidência do Con-
selho de Curadores da FAAP em julho de 1992. De 1977 a 1987, Celita já havia trabalhado na FAAP

15
of the Board of Curators of FAAP in July 1992. From 1977 to 1987, Celita had already worked at FAAP as
an assistant to the directorship in regard to cultural issues. During her term as president, MAB began to
enjoy conditions it had never had previously, and which have no parallel among the Brazilian museums.

Between 1993 and early 1994, MAB was directed by art critic Alberto Beutenmuller. Due to the briefness
of his stay, we were not able to trace an outline of the museum under his management. However, an
outstanding show of that time was Pierre Cardin – passado, presente e futuro which was presented at
MAB in March 1994, organized by Celita.

In June 1994, MAB-FAAP’s directorship was taken over by Maria Izabel Ribeiro, who had graduated from
the Fundação Armando Alvares Penteado in the area of art education. She obtained a specialist degree
in art education and museology at ECA-USP, where she later earned her master’s and PhD in fine arts.
She has served as a professor of art history at Fundação Armando Alvares Penteado since 1989.

Her administration put MAB-FAAP on a path of excellence. In relation to the collection, she created
a structure for the protection of the artworks, which included their cataloging and permanent
conservation, and established together with the Fundação’s presidency a policy of acquisitions aimed at
filling the gaps existing in the collection and expanding it in the field of contemporary art.

Parallel to this, the exhibitions of the collection took on a more attractive and contemporary form.
Different curatorial readings by the director began to allow for a better comprehension of the various
trends of modern and contemporary Brazilian art, by way of exhibitions based on the collection. In this
way, the collection, instead of remaining in safekeeping, is always in the exhibition rooms, fueling the
continuous visitation by school groups. At the same time, since the exhibitions are always changing, this
avoids the museum’s becoming a place for just one visit, and preserves the artworks in the collection, as
they can thus regularly return to the care of the conservators. A permanent education service was also
created that works with visits by schools, offering transport and lunches for public-school students.

Besides being presented at the museum, the exhibitions have traveled to Brasília, internationally, and
to the facilities of FAAP in Ribeirão Preto and São José dos Campos. One of the characteristics of these
exhibitions is the elegant and discreet exhibition design conceived by museologist José Luis Hernández
Alfonso, who has also carried out some curatorships. Some of the highlights of the exhibitions based on
the institution’s collection during the last 16 years have been: Do branco ao preto, 1995; Modernistas,
modernismo, 1995; Naturezas-mortas, 1995; Binômio perfeito, 1996; Costurando a paisagem, 1996;
Espaço casual, Assim na Terra como no Céu, 1996; A figura feminina,1999; Modernismo brasileiro:
propostas e caminhos, 2004; Livres e autoconfiantes: o modernismo brasileiro no século XX, 2005;
A ideia do modernismo, 2006; Flávio de Carvalho – Retratos e memórias, 2007; Todos somos um, 2008;
Recentes na coleção, 2009; and Ocupando o espaço – Esculturas do acervo, 2009.

Another action the director implemented was the presentation of temporary exhibitions
of Brazilian art, curated by her and produced entirely by the institution, or realized through a joint
effort with other institutions and curators. These have included most notably: Di Cavalcanti, 1998;
Flávio de Carvalho, 1999; Ismael Nery, 2000; Pancetti, 2001; Uma viagem com Anita, 2001; Da antropofagia
a Brasília, 2003; Cícero Dias, 2004; Arcangelo Ianelli, 2004; O olhar modernista de JK, 2006; and Mario
Zanini, 2007.

16
como assessora da diretoria para assuntos culturais. Na sua gestão o MAB passará a ter condições que
jamais havia tido anteriormente, e que não tem paralelo entre os museus brasileiros.

Entre 1993 e início de 1994 o MAB teve como diretor o crítico de arte Alberto Beuttenmüller. A bre-
ve permanência não nos possibilitou desenhar um perfil do museu na sua gestão. Como destaque há a
mostra Pierre Cardin - passado, presente e futuro que foi apresentada no MAB em março de 1994, organiza-
da por Celita.

Em junho de 1994, Maria Izabel Branco Ribeiro assumiu o cargo de diretora do MAB-FAAP. Maria
Izabel graduou-se em Licenciatura Plena em Educação Artística na Fundação Armando Alvares Pente-
ado. Especializou-se em Arte-Educação e Museu, na ECA-USP, e depois obteve os títulos de mestrado
e doutorado em Artes, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Desde 1989
é professora titular de História da Arte na Fundação Armando Alvares Penteado.

Sua gestão imprimiu ao Museu de Arte Brasileira da FAAP um caminho de excelência. Com relação ao
acervo criou uma estrutura de proteção às obras, que incluíram a sua catalogação e permanente conser-
vação, e estabeleceu junto à presidência da Fundação uma política de aquisições visando a complemen-
tação de lacunas existentes no acervo e sua ampliação para a arte contemporânea.

Paralelamente as exposições do acervo ganharam uma forma mais atraente e contemporânea. Diferen-
tes leituras curatoriais da diretora passaram a permitir uma melhor compreensão das várias vertentes
da arte brasileira, moderna e contemporânea, realizadas a partir da coleção. Dessa forma, o acervo, em
vez de permanecer guardado, está sempre nas salas de exposição, alimentando a visitação contínua do
público escolar. Ao mesmo tempo a mudança das exposições evita que o museu se torne um local de
uma só visita, e preserva as obras do acervo, que assim retornam regularmente para os cuidados de con-
servação. Foi criado também um serviço educativo permanente que articula a vinda do público escolar
oferecendo transporte e alimentação para os alunos da rede pública de ensino.

Além de serem apresentadas no Museu, as mostras têm itinerado para Brasília, para o exterior e para as
sedes da FAAP em Ribeirão Preto e São José dos Campos. Uma das características dessas exposições é
a museografia elegante e discreta realizada pelo museólogo José Luis Hernández Alfonso, que também
assina algumas curadorias. Entre as muitas exposições do acervo realizadas pela instituição nos últimos
16 anos, destacamos: Do branco ao preto, 1995; Modernistas, modernismo, 1995; Naturezas-mortas, 1995; Binô-
mio perfeito, 1996; Costurando a paisagem, 1996; Espaço casual, Assim na Terra como no Céu, 1996; A figura femini-
na,1999; Modernismo brasileiro: propostas e caminhos, 2004; Livres e autoconfiantes: o modernismo brasileiro no século
XX, 2005; A ideia do modernismo, 2006; Flávio de Carvalho – Retratos e memórias, 2007; Todos somos um, 2008;
Recentes na coleção, 2009; Ocupando o espaço –Esculturas do acervo, 2009.

Outra ação da diretora foi apresentar exposições temporárias de arte brasileira, com sua curadoria e
produzidas inteiramente pela instituição, ou realizadas em conjunto com outras instituições e curadores.
Entre elas tem destaque: Di Cavalcanti, 1998; Flávio de Carvalho, 1999; Ismael Nery, 2000; Pancetti,
2001; Uma viagem com Anita, 2001; Da antropofagia a Brasília, 2003; Cícero Dias, 2004; Arcangelo Ianelli,
2004; O olhar modernista de JK, 2006; Mario Zanini, 2007.

17
It is important to note the articulation that the director of MAB has established with the College of Visual
Arts, where she is also a professor, in regard to the realization of shows by students. From 1995 on, MAB
began to present, besides the Anual, other shows of works by students, held in conjunction with Prof.
Marcos Moraes, coordinator of the Visual Arts Course Program. In 2005, after extensive remodeling, the
Lutetia Building began to be used not only for residencies by foreign artists, but also as an exhibition
space, called MAB-Centro. This space hosts exhibitions of the collection and of artworks resulting from
the residencies, as well as regular shows of works by the visual-arts graduating class.

Parallel to its work with Brazilian art, the Fundação, through its president Celita, has presented some of
the most important international exhibitions held in Brazil. Aimed at school groups, the shows have been
complemented with a striking scenography, in order to furnish the students with a more involving view
of each country presented. These exhibitions satisfy such a large lack in our society that huge lines have
formed to appreciate them during their runs. Visitors of all ages and backgrounds have crowded into the
museum’s exhibition spaces to see Egyptian, Chinese and Greek art.

These exhibitions have most notably included: Andrée Putman, 1996; Christian Lacroix, 1997; Jean
Nouvel, 1997; Jean Cocteau, 1997; Ícones: a alma da Rússia, 1999; Vlaminck, 2001; A arte no Egito no
tempo dos faraós, 2001; China – A arte imperial, a arte do cotidiano, a arte contemporânea, 2002;
Napoleão, 2003; Deuses Gregos, 2006; Marrocos, 2008; Papiers à la Mode, 2008; and Lacroix – Trajes de
Cena, 2009.

But the Fundação is not interested only in the past, but also in the future, and has presented shows of
design and technologies such as: Plástico – formas e cores dos materiais sintéticos, 2002; Iluminar –
design da luz, 2004; Inova – Arte e Tecnologia, 2006; and Nano – A poética de um mundo novo, 2008.

Another area in which the president is active is the holding of exhibitions in Brasília, on themes of
national interests, such as: A Segunda Guerra – o Brasil e o Monte Castelo, 2006; Diversidade religiosa no
Brasil, 2006; and As Constituições do Brasil, 2008, some of which have also been presented at MAB.

For the present book, the decision was made to only include the Brazilian exhibitions realized by MAB.
I believe that this choice has allowed for greater clarity in regard to the museum’s importance in the
history of Brazilian art, and of art in São Paulo. In commemoration of the museum’s 50th anniversary
we selected 50 exhibitions, which were contextualized by art critics Angélica de Moraes and Fernanda
Lopes. It was difficult to select the shows, in light of the many that are not represented here. I am grateful
to both of them for their suggestions and for the texts produced, and to all the artists, heirs, institutions
and collectors who have allowed us to use images for the realization of this work.

Throughout its 50 years, the Museu de Arte Brasileira of FAAP has been a unique institution in our
country. A place of excellence, which provides visitors, curators and organizers the certainty that in our
country there is space for art and for culture.

Denise Mattar
Organizer

18
Há que se ressaltar ainda a articulação estabelecida pela diretora do MAB com a Faculdade de Artes
Plásticas, da qual é também professora, na realização de mostras dos alunos. A partir de 1995, o MAB
passou a apresentar, além da Anual, outras mostras dos estudantes, realizadas em conjunto com o pro-
fessor Marcos Moraes, coordenador do Curso de Artes Plásticas. Em 2004, depois de grande reforma,
o edifício Lutetia, além das Residências de artistas estrangeiros, tornou-se mais um local de exibições,
o MAB-Centro. Nele são apresentadas exposições do acervo, do resultado das residências e mostras re-
gulares dos formandos em Artes Plásticas.

Paralelamente ao trabalho com a arte brasileira, a Fundação, através de sua presidente Celita, realizou algu-
mas das mais importantes exposições internacionais apresentadas no país. Voltadas para o público escolar, as
mostras foram complementadas com cenografia marcante, com o objetivo de fornecer aos estudantes uma
visão mais envolvente de cada país apresentado. Essas exposições respondem a uma lacuna tão grande de
nossa sociedade que filas enormes se formaram para apreciá-las durante todo o período expositivo. Visitan-
tes de todas as idades e formações lotaram as salas do Museu para ver a arte egípcia, chinesa, grega.

Entre essas mostras destacam-se: Andrée Putman, 1996; Christian Lacroix, 1997; Jean Nouvel, 1997; Jean Coc-
teau, 1997; Ícones: a alma da Rússia, 1999; Vlaminck, 2001; A arte no Egito no tempo dos faraós, 2001; China -
A arte imperial, a arte do cotidiano, a arte contemporânea, 2002; Napoleão, 2003; Deuses Gregos, 2006; Marrocos,
2008; Papiers à la Mode, 2008; Lacroix – Trajes de Cena, 2009.

Mas a Fundação não está interessada apenas no passado, mas também no futuro e tem apresentado
mostras de design e tecnologia como: Plástico – formas e cores dos materiais sintéticos, 2002; Iluminar - design
da luz, 2004; Inova- Arte e Tecnologia, 2006; Nano – A poética de um mundo novo, 2008.

Outra vertente de atuação da Presidente é a realização de exposições em Brasília, sobre temas de inte-
resse nacional como: A Segunda Guerra - o Brasil e o Monte Castelo, 2006; Diversidade religiosa no Brasil, 2006;
As Constituições do Brasil, 2008, algumas delas também apresentadas no MAB.

Foi uma opção da organização deste livro tratar apenas das exposições brasileiras realizadas pelo MAB.
Acredito que esta escolha permitiu traçar com mais clareza a importância da atuação do museu na his-
tória da arte de São Paulo e do Brasil. Em comemoração aos 50 anos do Museu selecionamos 50 ex-
posições, que foram contextualizadas pelas críticas de arte Angélica de Moraes e Fernanda Lopes. Foi
difícil selecionar as mostras sabendo do muito que não é aqui apresentado. Agradeço a ambas pelas su-
gestões e pelos textos produzidos, e a todos os artistas, herdeiros, instituições e colecionadores que nos
cederam imagens para a realização deste trabalho.

Nos seus 50 anos, o Museu de Arte Brasileira da FAAP é uma instituição única em nosso País. Um lu-
gar de excelência, que proporciona a visitantes, curadores e organizadores, a certeza de que em nosso
país há espaço para a Arte e para a Cultura.

Denise Mattar
Organizadora

19
Trajectory and protagonism

T
he task was to compile a list of all the exhibitions held at the Museu de Arte Brasileira
(MAB) throughout its half-century of existence, highlighting the most relevant ones.
During this process, we observed that the rich set of data brought together by the
research also allowed for a rare opportunity in Brazilian historiography by observing, in a
single institution, the development of exhibition curatorship as it is known today. That is, the
job of choosing concepts, putting together a roster of artworks and coordinating the technical
resources required for a visual-arts exhibition.
MAB has played a leading role in the support and development of consistent curatorships ever
since its first show, in 1961. Organized by journalist and art critic Lourival Gomes Machado,
Barroco no Brasil [The Baroque in Brazil] focused on the modernist thesis that baroque art
signified the beginning of Brazilian art. Although today this idea is less widely accepted,
it undeniably furnished an ideal framing for the opening of a museum dedicated to visual
production in Brazil. “Artistic and didactic orientation” was the term used in the catalog to
refer to the role played by Gomes Machado in Barroco no Brasil. Another figure fundamental
to exhibition curatorship as it is known today also appeared at that first show: the architect,
the professional in charge of the spatial organization of the works selected by the curator.
This function was carried out by Fernando Lemos, who was also responsible for the catalog’s
graphic design. Completing the curatorial organization (avant la lettre) was a sequence of
lectures and baroque music concerts.
Consistent with the high number of modernist artworks in its collection, MAB has held
important exhibitions concerning this historical period. A significant portion of them have
been curated by Denise Mattar, including the creative Uma Viagem com Anita [A Journey with
Anita], in 2001, dedicated to children and the work of Anita Malfatti. The event made apt use
of scenography, one year after this controversial resource had been put to overloud use in
the city’s cultural circuit, compromising the quality of various exhibitions. Uma Viagem used
scenography in a seductive way, in just the right amount to attract children’s’ attention to the
questions of painting: it re-created the canvas O Farol [The Lighthouse] in three-dimensional
space.
In articulation with the international scene, the largest modernist show ever held at MAB took
place in 2002, with the mega-exhibition Brasil 1920–1950: da Antropofagia a Brasília [Brazil
1920–1950: From Anthropophagy to Brasília]. The event arrived at MAB after a three-month
run, a success with the public and the critics alike, at Instituto Valenciano de Arte Moderno
(IVAM, Valência, Spain), the show’s original producer. The multidisciplinary curatorship (involving
visual arts, architecture, photography, literature, cinema and music) was coordinated by Jorge
Schwartz and registered in a 638-page catalog, which surpassed all previous publications in
terms of the wealth of images, documents and critical essays on this subject.
Over the decades, it is possible to trace significant contributions made by MAB in regard to
the organization of exhibitions in the traditional media of painting, printmaking and sculpture.
It has also lent remarkable institutional support to media that were just becoming implanted
in the exhibition circuit, such as photography and tapestry. FAAP’s museum was open to
curatorships that discussed the new paradigms in art, which marked the 1970s with languages
and processes ranging far beyond the historical categories. At MAB, the object, postal art
and the development of artistic languages in electronic devices (video, computers) found
resonances with the pioneering work in multimedia done by Walter Zanini at the Museu de
Arte Contemporânea (MAC-USP). One decade before being presented for the first time at the
Bienal de São Paulo, also on Zanini’s initiative, computer art was presented to MAB’s public,
at the show Arteônica [Artonics], in 1971, organized by Waldemar Cordeiro (1925–1973), the
Trajetória e protagonismo

A
tarefa significava elencar o conjunto de exposições, realizadas pelo Museu de Arte
Brasileira, ao longo de seu meio século de existência, destacando as mais relevan-
tes. Durante esse processo, observamos que o rico conjunto de dados reunido pela
pesquisa permitia também a rara oportunidade na historiografia brasileira de se observar,
em uma instituição, o desenvolvimento do que atualmente denominamos de curadoria. Ou
seja, aquele ofício de escolher conceitos, reunir elenco de obras e coordenar competências
técnicas para realizar uma mostra de artes visuais.
O protagonismo do MAB no apoio e desenvolvimento de curadorias consistentes existe
desde a mostra inaugural, em 1961. Organizada pelo jornalista e crítico de arte Lourival
Gomes Machado, Barroco no Brasil enfocou a tese modernista de que a arte barroca signifi-
ca o início da arte brasileira. Embora hoje essa ideia não tenha a aceitação da época, é ine-
gável que fornecia moldura ideal para a abertura de um museu dedicado à produção visual
nacional. “Orientação artística e didática” foi a denominação utilizada no catálogo para
as funções exercidas por Gomes Machado em Barroco no Brasil. Outra figura fundamental
às curadorias também já aparecia: o arquiteto, profissional que organiza espacialmente as
obras selecionadas pelo curador. A função foi exercida por Fernando Lemos, que assinou
ainda o projeto gráfico do catálogo. Completava a organização curatorial (avant la lettre)
um ciclo de palestras e concertos de música barroca.
Em sintonia com a numerosa presença de obras modernistas no seu acervo, o MAB sediou
importantes mostras sobre esse período histórico. Fatia significativa delas teve curadoria de
Denise Mattar, inclusive a criativa Uma viagem com Anita, em 2001, dedicada ao público in-
fantil e à obra de Anita Malfatti. O evento fez uso adequado de cenografia, um ano após
esse polêmico recurso ter produzido no circuito cultural excessos clamorosos, que compro-
meteram a qualidade de várias exposições. Uma viagem... usou a cenografia de modo sedu-
tor, na medida exata para atrair o olhar das crianças para as questões da pintura: recriou
no espaço tridimensional a tela O farol.
Em articulação com o exterior, a maior mostra modernista vista no MAB aconteceu em
2002, com a megaexposição Brasil 1920-1950: da Antropofagia a Brasília. O evento chegou ao
MAB após obter sucesso de público e crítica durante os três meses em que esteve em car-
taz no Instituto Valenciano de Arte Moderno (IVAM, Valência, Espanha), promotor origi-
nal da mostra. A curadoria, multidisciplinar (artes visuais, arquitetura, fotografia, literatu-
ra, cinema e música) teve coordenação de Jorge Schwartz e foi registrada em catálogo de
638 páginas, edição de envergadura inédita na riqueza de imagens, documentos e ensaios
críticos reunidos sobre o assunto.
Ao longo das décadas, é possível rastrear significativas contribuições do MAB na organiza-
ção de exposições nos meios tradicionais da pintura, gravura e escultura. Nota-se também
apoio institucional a meios que estavam em implantação no circuito expositivo, como a fo-
tografia e a tapeçaria. O museu da FAAP foi permeável a curadorias que discutiram os no-
vos paradigmas estéticos, que demarcaram os anos 1970 com linguagens e processos mui-
to além das categorias históricas. O objeto, a arte postal e o desenvolvimento de linguagens
artísticas em equipamentos eletrônicos (vídeo, computador) encontraram no MAB resso-
nâncias ao trabalho pioneiro de divulgação dos multimeios realizado por Walter Zanini no
Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP). Uma década antes de ingressar na Bienal In-
ternacional de São Paulo, também pelas mãos de Zanini, a arte feita em computadores foi
apresentada ao público do MAB na mostra Arteônica, em 1971, organizada por Waldemar
first Brazilian artist to create artworks in a computer. Not by chance, Zanini was a professor
with the Visual Arts Course at FAAP, as were Julio Plaza and Regina Silveira, among other
artists who were researching new media and also applied this repertoire in their academic
and curatorial practice. This trio of professors with close international contacts promoted the
articulation of FAAP with institutions and artists abroad. These actions continued to produce
results at the institution even after the professors themselves left FAAP to take up positions
in the School of Communications and Arts of the Universidade de São Paulo, whose direction
had recently been assumed by Zanini. This continuity appeared in the show Projeto Vermelho/
Progetto Rosso [Red Project/Progetto Rosso], curated by FAAP Professor Daisy Peccinini and
featuring works by foreign and Brazilian artists centered on the many possible interpretations
of red, whether as a color or a symbolic dimension.
Like Projeto Vermelho (1986), another exhibition curated by Daisy Peccinini, Arte novos meios
multimeios Brasil 70/80 [Art New Multimedia Media Brazil 70/80], held in the previous year,
was aimed at affirming the investigation of unconventional processes and supports. It was a
stand taken by the artists and the curatorship in regard to the controversy of that moment,
affirming the importance of artistic investigations of new media in counterpoint to returns
to the traditional genres of painting and sculpture. It was nearly a war declared on the then-
recent exhibition Como Vai Você, Geração 80? [How Are You, ’80s Generation?], held in 1984
at Escola de Artes Visuais do Parque Lage [Parque Lage School of Visual Arts] in Rio de Janeiro,
and which had become emblematic of the new generation of painters. In any case, and
already under a historical perspective, we can observe that the “FAAP Generation” is more
pluralist than the contents taught in the classes by their multimedia professors. Some names
that were just emerging at that time participated in the Parque Lage exhibition and later
became professors at FAAP. This is the case for Leda Catunda, who was a member of the
faculty from 1986 to 1990 and, since then, has maintained contact with this young production
while participating on the juries of the Anual [Annual], the yearly show of works by students.
Pluralism of concepts seems to be the thread linking the visual production of the many
classes of students trained at FAAP and who took part in the Anual, which has been held
yearly since 1964. Like Catunda’s painting, which subverts traditional pictorial processes,
everything is tried, without regard for limits or borders.
The annual show of FAAP’s students, a definitive part of MAB’s calendar, empowers the
museum’s role in relation to the student body, while also lending support toward their long-
standing need to garner visibility for their works and to gain insertion in the exhibition circuit.
The 40ª Anual, held in 2008 and curated by Marcos Moraes, current coordinator of the
Visual Arts course, was held in commemoration of the history of the event itself. A curatorial
work that clearly evidences the articulation between the teaching of art and the museum’s
exhibitions.
An analysis of the calendar of events held by MAB throughout these five decades confirms
that the institution knew how to open space for the curator’s work, understanding that an
exhibition should never be seen as a mere row of paintings on the wall. An exhibition signifies
the opportunity to realize historical research, locate collections, lend visibility to artworks and
artists rarely seen by the public, discuss aesthetic legacies, indicate trends, show consistent
results in the prospection of language, and also publish catalogs and books that can
contribute to the memory of art and the thinking about art produced in Brazil.

Angélica de Moraes
Cordeiro (1925-1973), primeiro artista brasileiro a criar obras em computador. Não por
acaso, Zanini foi professor do Curso de Artes Plásticas da FAAP, assim como Julio Plaza e
Regina Silveira, entre outros artistas que tinham se lançado na pesquisa de novos meios e
aplicavam o repertório na prática docente e, mesmo, curatorial. Esse trio de professores, de
estreitos contatos internacionais, promoveu a articulação da FAAP com instituições e ar-
tistas do exterior. Essas ações continuaram a produzir resultados na instituição mesmo de-
pois que eles saíram da FAAP para assumir cargos na ECA-USP, que passou a ser dirigida
por Zanini. Essa continuidade apareceu na mostra Projeto vermelho/Progetto rosso, com cura-
doria da professora da FAAP Daisy Peccinini e elenco de artistas estrangeiros e brasileiros
em torno das muitas interpretações possíveis do vermelho, seja como cor seja como dimen-
são simbólica.
Assim como Projeto vermelho (1986), outra exposição sob curadoria de Daisy Peccinini, Arte no-
vos meios multimeios Brasil 70/80, realizada no ano anterior, teve como objetivo afirmar a inves-
tigação de suportes e processos não convencionais. Foi uma tomada de posição dos artistas e
da curadoria na polêmica do momento. Afirmou-se a importância das investigações estéticas
dos novos meios em contraposição a retomadas de gêneros tradicionais da pintura e da es-
cultura. Era quase uma guerra declarada à então recente exposição Como vai você, geração 80?,
rea­lizada em 1984 no Parque Lage, no Rio de Janeiro, e que se tornaria emblemática de uma
nova geração de pintores. De qualquer modo e já sob uma perspectiva histórica, podemos
observar que a “Geração FAAP” é mais pluralista do que os conteúdos defendidos em aula
pelos seus mestres multimeios. Alguns nomes então emergentes participaram da exposição do
Parque Lage e depois se tornariam professores na FAAP. É o caso de Leda Catunda, que in-
tegrou o corpo docente de 1986 a 1990 e, desde então, mantém contato com essa produção
jovem ao participar de júris da Anual, mostra periódica dos alunos.
O pluralismo de conceitos parece ser o traço definidor que perpassa a produção visual de
tantas turmas de alunos formados pela FAAP e periodicamente exibidos na Anual, evento
realizado desde 1964. Assim como a pintura de Catunda, que subverte processos pictóricos
tradicionais, tudo é experimentado, sem preocupação com limites ou fronteiras.
A mostra anual dos alunos da FAAP, incorporada ao calendário do MAB, potencializa o pa-
pel do museu junto à comunidade de alunos, além de atender a antigas demandas deles por
apoio na inserção e visibilidade de seus trabalhos no circuito expositivo. A 40ª Anual, realiza-
da em 2008, foi uma edição comemorativa da trajetória do evento, sob curadoria de Marcos
Moraes, atual coordenador do Curso de Artes Plásticas. Um trabalho curatorial que frisa a
articulação entre ensino de arte e exposições no museu.
Analisar o calendário de eventos realizado pelo MAB ao longo dessas cinco décadas é cons-
tatar que a instituição soube abrir espaço para o trabalho do curador, entendendo que uma
exposição não pode jamais ser vista como mera fileira de quadros na parede. Uma exposi-
ção significa a oportunidade de realizar pesquisa histórica, localizar acervos, dar visibilida-
de a obras e artistas pouco vistos pelo público, discutir legados estéticos, apontar tendências
e exibir resultados consistentes de prospecção de linguagem, além de publicar catálogos e
livros capazes de contribuir para a memória da arte e do pensamento sobre a arte produ-
zida no país.

Angélica de Moraes
ÍNDICE/Table of Contents

A Instituição/The Institution
Barroco no Brasil -1961.....................................................................................................................................29
Herança barroca - 1997 ...................................................................................................................................33
Acervo novo - 1982...........................................................................................................................................37
Novas aquisições - 2004...................................................................................................................................39
Recentes na coleção - 2009..............................................................................................................................39
Ocupando o espaço - 2009...............................................................................................................................39

Gravura/Printmaking
Goeldi: coleção Nelson Mendes Caldeira - 1964 ............................................................................................45
Goeldi e nosso tempo - 1995 ...........................................................................................................................47
Fayga Ostrower - Exposição retrospectiva - 1983...........................................................................................49
Otto Dix e Lasar Segall - Imagens da guerra - 2002.........................................................................................53

Tapeçaria/Tapestry
1ª mostra de tapeçaria - 1974..........................................................................................................................57

Reverberações/Reverberations
1ª mostra surrealista - 1967..............................................................................................................................65
Ubu – A patafísica nos trópicos - 1996.............................................................................................................67

Modernismo/Modernism
Flávio de Carvalho - 1967 .................................................................................................................................73
Cem anos de um revolucionário romântico - 1999 ........................................................................................75
Ismael Nery – 40 anos depois - 1970...............................................................................................................81
Ismael Nery 100 anos - A poética de um mito - 2000 ....................................................................................83
Di Cavalcanti - 100 anos - 1997........................................................................................................................87
Uma viagem com Anita - 2001..........................................................................................................................91
D. Olívia Penteado, a senhora das artes - 2002................................................................................................95
Brasil – Da antropofagia a Brasília - 2002...................................................................................................... 101
O olhar modernista de JK - 2006.................................................................................................................... 109

Pintura/Painting
Carlos Scliar - Retrospectiva - 1983............................................................................................................... 121
Carlos Scliar - Fábulas 2002........................................................................................................................... 121
Pancetti - O marinheiro só - 2001.................................................................................................................. 123
Ianelli - Os caminhos da figuração - 2004..................................................................................................... 125
Cícero Dias - Décadas de 20 e 30 - 2004...................................................................................................... 129
Mario Zanini - Territórios do olhar - 2007...................................................................................................... 133
Prospecção/Prospecting
Propostas 65 - 1965....................................................................................................................................... 137
Três premissas - 1966..................................................................................................................................... 143
15 jovens artistas do Brasil - 1978................................................................................................................. 145
Objeto na arte - Brasil anos ’60 - 1978.......................................................................................................... 149
Abstração geométrica - 1986........................................................................................................................ 157
Brasileiro que nem eu. Que nem quem? - 1999........................................................................................... 161
Osgemeos - Vertigem - 2009......................................................................................................................... 165

Escultura/Sculpture
Vlavianos - 1971............................................................................................................................................. 173
Vlavianos - A práxis da escultura - 2001....................................................................................................... 175
A obra retrospectiva de Vasco Prado - 1985................................................................................................. 179
Zélia Salgado - Retrospectiva - 1988............................................................................................................. 181

Fotografia/Photography
Fotógrafos de São Paulo - 1970..................................................................................................................... 187
Século XIX na fotografia brasileira - 2000...................................................................................................... 193
Marcel Gautherot e seu tempo - 2007.......................................................................................................... 197

Artes Gráficas/Graphic Arts


O cartaz do filme brasileiro - 1976................................................................................................................. 203
Cinema em cartaz - 2008............................................................................................................................... 205

Novos meios/New Media


Arteônica - 1971............................................................................................................................................. 211
Arte novos meios/multimeios - 1985............................................................................................................ 217
Projeto Vermelho/Progetto Rosso - 1986...................................................................................................... 223

Formação/Training
Eventos: coletiva de artistas -1985................................................................................................................ 231
40ª Anual da FAAP - 2008.............................................................................................................................. 235
Exposições de alunos - 1995-2010................................................................................................................ 241

CRONOLOGIA/CRONOLOGY............................................................................................ 246
26
instituição
Barroco no Brasil
Herança barroca

Acervo novo

Novas aquisições

Recentes na coleção

Ocupando o espaço

27
28
Barroco no Brasil 1961
Um começo que celebra alicerces estéticos

A exposição Barroco no Brasil cumpre um insólito destino. A rigor,


ela nunca terminou. Peças fundamentais dessa mostra conti­nuam
visíveis ao olhar do público até hoje. Oficialmente, foi aberta pelo
presidente da República, Jânio Quadros, no dia 10 de agosto e
encerrada no dia 30 de outubro de 1961, após quase três meses
de sucesso e visitação de 96 mil pessoas, vindas até de outros esta-
dos brasileiros e de muitas cidades do interior paulista.
No hall de entrada do prédio principal da Fundação Armando
Alvares Penteado permanecem desde então algumas obras essen-
ciais à exposição barroca. São réplicas de profetas esculpidos por
Aleijadinho para Congonhas do Campo.
Outra réplica, da portada que o mesmo artista realizou para a BARROCO NO BRASIL
Aleijadinho igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto), dá acesso ao Mu- 1961
Adro da Igreja de Bom seu de Arte Brasileira (MAB). 10/08 a 10/10/1961
Exposição inaugural
Jesus de Matosinho, A permanência das referências barrocas no prédio moderno é do MAB – FAAP
Congonhas
coe­rente com a finalidade da mostra, organizada para assinalar a
do Campo, MG. Organização
Réplicas dos originais/ inauguração do MAB. Um museu ao qual só se ingressa após olhar Lourival Gomes Machado
Replicas of the esses testemunhos da arte barroca. Rito de passagem e índice de Lucia Pinto de Souza
originals. alicerces estéticos. A arte barroca era afirmada, na época dessa ex- Montagem da exposição:
Realizadas pelo IPHAN,
posição, como “a primeira manifestação autêntica da cultura brasi- Fernando Lemos e Cyro Marx.
em 1961. A mostra reuniu 184 obras
Acervo Museu de Arte leira”. É o que sustenta o livro Teorias do Barroco (1953), do crítico de entre pinturas, esculturas,
Brasileira-FAAP, SP arte, historiador e jornalista Lourival Gomes Machado. Que vem ourivesaria, mobiliário,
numismática
e documentos.
Foi complementada
com atividades paralelas
como cursos, mesas-
A beginning that celebrates aesthetic foundations redondas, concertos
e ciclo de cinema

The exhibition Barroco no Brasil [The Baroque in Brazil] fulfills an uncommon Catálogo
destiny. Strictly speaking, it never ended. Fundamental pieces of this show have Layout: Fernando Lemos
24 páginas
remained visible to the public’s eye until today. Officially, it was opened by the
president of the Republic, Jânio Quadros, on 10 August 1961, and closed on
30 October of that year, after nearly three successful months of visits by
96,000 people, many of whom came from other states in Brazil and other cities
in the state of São Paulo.
Some of the essential artworks of the baroque exhibition have remained until
today in the entrance hall of the Fundação Armando Alvares Penteado’s main
building. They are replicas of prophets sculpted by Aleijadinho for one church in
Congonhas do Campo. Another replica, of a portal carved on wood by the same
artist for the São Francisco de Assis Church in Ouro Preto, provides access to
the Museu de Arte Brasileira (MAB).
The permanence of the baroque references in the modern building is
consistent with the aims of the show, held to celebrate MAB’s opening.
One only enters this museum after looking at these examples of baroque art.
A rite of passage and a sign of aesthetic foundations.
Baroque art was affirmed, around the time of this exhibition, as “the first
authentic manifestation of Brazilian culture,” according to the book Teorias do
Barroco [Theories of the Baroque, 1953], by art critic, historian and journalist

29
30
31
32
Herança barroca 1997
a ser o organizador da exposição Barroco no Brasil. Vale lembrar que
o livro até hoje é bibliografia incontornável, aceitemos ou não sua
tese central. Embora ainda não existisse a função de curador como
é hoje entendida, ela foi exercida por Machado em toda sua exten-
são. Na expressão utilizada no catálogo, ele fez a “orientação ar-
tística e didática” da mostra. O que hoje chamamos de expografia
(planejamento da localização das obras no espaço expositivo) fi-
cou a cargo do arquiteto Fernando Lemos, que também assinou o
projeto gráfico da publicação. A equipe técnica necessária a uma
curadoria de qualidade já estava ali prevista e exercida, focada em
projeto curatorial nítido.
Foram reunidas, em 800 metros quadrados de espaço expositivo,
HERANÇA BARROCA
um total de 300 peças, datadas dos séculos XVI ao XVIII: escul-
turas, talhas, prataria, mobiliário, oratórios e pinturas. Machado 04 a 29/09 de 1997
conta em seu texto no catálogo que deu “preferência às unidades Exposição no Palácio
Itamaraty, Brasília
de maior porte” (...) “porque as de formato médio ou menor porte
Anônimo sempre encontrarão oportunidades de exibição pública”. Curadoria
Maria Izabel Branco Ribeiro
Altar de retábulo As obras vieram de museus de Minas Gerais, Rio de Janeiro e
lateral da 1ª Sé da
Pernambuco, além de acervos eclesiásticos e coleções privadas. Esculturas, objetos e pinturas
Bahia, século XVII
dos séculos XVII a XIX, em
Madeira policromada O cuidadoso trabalho de pesquisa histórica e iconográfica envol- comemoração ao Dia da
e dourada/Polychrome veu até substituir peças “que se tornaram inacessíveis, como as Independência do Brasil
wood with gold leaf do Estado da Bahia”. O ambiente da mostra tinha trilha sonora
133 x 216 x 51 cm
de música barroca.Todas as obras eram originais, “só se consen-
Acervo Museu de Arte
Brasileira-FAAP, SP tindo a exceção de moldagens que reproduzem esculturas monu-
Doação Ari Torres mentais ou integradas na arquitetura”. Apenas porque, justifica

Lourival Gomes Machado, who organized the exhibition Barroco no Brasil.


It should be remembered that this seminal book remains as a bibliographic
milestone, whether or not one accepts its central thesis.
Even though at that time the role of the curator as it is understood today did
not exist, it was nevertheless fully exercised by Machado. As expressed by the
exhibition catalog, he designed the show’s “artistic and didactic orientation.”
What is today called exhibition architecture (planning the localization of the
works throughout the exhibition space) was handled by architect Fernando
Lemos, who was also in charge of the publication’s graphic design.
The exhibition relied on a technical team of a scope today considered
necessary for a quality exhibition, focused on a clear curatorial project.
In the 800-square-meter exhibition space a total of 300 pieces were presented,
dating from the 16th through 18th centuries: sculptures, carvings, objects in
silver, furniture, oratories and paintings. Machado tells in his catalog text that
he gave “preference to the larger-sized units” [...] “because the medium- or
small-scale format will always find opportunities for public exhibition.” The
works came from museums in Minas Gerais, Rio de Janeiro and Pernambuco,
as well as ecclesiastic archives and private collections. The careful work of
the historic and iconographic research went so far as to substitute pieces
“that had become inaccessible, such as those of the state of Bahia.” The
show’s ambience included the strains of baroque music. All of the artworks
were original, “with the exception of moldings that reproduce monumental

33
34
Herança barroca 1997

Machado, “substituem originais de todo intransladáveis, sendo as réplicas, ademais, realizadas no


alto padrão técnico estabelecido em nosso meio pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional”.
O cuidado na realização das réplicas fez com que hoje elas sejam paradoxalmente mais próximas
dos originais esculpidos pelo autor do que suas matrizes. Mantidas ao ar livre em Congonhas do
Campo, as esculturas estão sensivelmente mais desgastadas pela ação do tempo e pelas depredações
do que suas sósias, conservadas no hall da FAAP.
Antecipando prática habitual em curadorias recentes, a exposição contava com uma programação
de cursos, assinalando o Museu como ferramenta de ensino da instituição. Um dos cursos, Dinâmi-
ca e Espacialidade do Barroco, organizado pelo professor Wladimir Alves de Souza, da Escola de
Aleijadinho Belas Artes do Rio de Janeiro, foi ilustrado com projeção de documentários de Jean Manzon. O ou-
Profeta Ieremiaes, tro curso, Iniciação ao Barroco Literário, teve palestras de nomes como Sérgio Buarque de Holan-
séc. XVIII. Adro da da e foi organizado pelo crítico Antonio Cândido, colega de Lourival Gomes Machado no Suplemen-
Igreja de Bom Jesus de
to Literário do jornal O Estado de S. Paulo.
Matosinho, Congonhas
do Campo, MG Houve ainda concertos de música barroca mineira, a cargo da Orquestra de Câmara de São Pau-
Réplica do original/ lo, saudados pela imprensa como ocasiões raras de contato com um repertório que ainda estava
Replica of the original sendo pesquisado por especialistas e era praticamente desconhecido do público (Diário de São Paulo,
Realizada pela
30/09/61).
Escola de Arquitetura
da UMG, MG Também para frisar a arte barroca como raiz primeira da arte brasileira, o MAB enviou a Brasília,
Cedida pelo em setembro de 1997, a exposição Herança barroca. Exposta no Palácio Itamaraty como parte das co-
Departamento do memorações oficiais da Independência do Brasil, teve curadoria de Maria Izabel Branco Ribeiro,
Patrimônio Histórico
diretora do MAB. Mais abrangente que a de 1961, incluía 136 obras do barroco baiano, mineiro,
e Artístico Nacional
ao acervo Museu de paulista e até mesmo raras peças sobreviventes das Reduções Jesuíticas dos Sete Povos das Missões,
Arte Brasileira-FAAP, SP no Rio Grande do Sul. (A.M.)

sculptures or works integrated with the architecture.” Because, as Machado testified, “they substitute originals
that are entirely nontransportable, these replicas being made in accordance with the high technical standards
established in our midst by the Directorship of National Historic and Artistic Heritage.”
The care taken in the production of the replicas has paradoxically made them closer today to the original work,
as sculpted by the artist, than the originals themselves. In the open air in Congonhas do Campo, the sculptures
have been more perceptively eroded by the passage of time and specific acts of damage than their look-alikes,
conserved at the Faap hall.
Anticipating what has become a frequent practice of recent curatorships, the exhibition involved several courses,
establishing a museum as one of the institution’s educational resources. One of the courses, “The Dynamics and
Spatiality of the Baroque,” organized by Professor Wladimir Alves de Souza, of the Escola de Belas Artes do
Rio de Janeiro, was illustrated with a projection of documentaries by Jean Manzon. The other course, “Initiation
to Baroque Literature,” featured lectures by intellectuals such as Sérgio Buarque de Holanda and was organized by
critic Antonio Cândido, a colleague of Lourival Gomes Machado at the Literary Supplement of the newspaper
O Estado de S. Paulo.
There were also concerts of Minas Gerais baroque music performed by the São Paulo Chamber Orchestra,
acclaimed by the press as rare occasions of contact with a repertoire that was still being researched by specialists
and was practically unknown to the public (the newspaper Diário de São Paulo, 30 September 1961).
In order to underscore baroque art’s status as a primary root of Brazilian art, in September 1997 MAB sent the
exhibition Herança Barroca [Baroque Heritage] to Brasília. Held at the Palácio do Itamaraty as part of the official
celebrations of Brazil’s independence, the show was curated by Maria Izabel Branco Ribeiro, director of MAB.
With a wider scope than the 1961 show, it included 136 baroque artworks from the states of Bahia, Minas Gerais
and São Paulo, and even some rare surviving pieces from the Reduções Jesuíticas dos Sete Povos das Missões
[Seven Jesuit Mission Settlements], in the state of Rio Grande do Sul. (A.M.)

35
36
Exposições do acervo
acervo novo – 1982

Depois de três anos fechado para obras de reforma e ampliação, o acervo novo
MAB foi reinaugurado em 1982 com a exposição Acervo novo. Em 15 a 24/10/1982
um espaço de 1.300m2, a mostra reuniu 43 trabalhos de 36 artis- Artistas
tas, colocando lado a lado importantes nomes da então jovem pro- Aldir Mendes de Souza,
Gilberto Salvador,
dução contemporânea. “Quando decidimos reformar o museu, Newton Mesquita,
percebemos que era necessário reformular, renovar. Senti que ha- Gregório Corrêa,
Zimmermann,
via algo mais acontecendo na produção das artes plásticas e que Luiz Baravelli,
isso não estava sendo representado no museu”, declarou o então Cláudio Tozzi,
Marcello Nitsche,
diretor do museu, Carlos von Schmidt, aos jornais da época. Ivald Granato,
Até aquele momento, a coleção do MAB estava concentrada entre outros
em obras de modernistas importantes como Tarsila do Ama-
ral, Anita Malfatti, Guignard, Alfredo Volpi, Oswaldo Go-
eldi e Flávio de Carvalho. Durante os anos de reforma, o mu-
seu adquiriu 104 obras de artistas contemporâneos como Luiz
Baravelli, Cláudio Tozzi, Marcello Nitsche e Ivald Granato. Ao
longo dos anos que se seguiram, o MAB ampliou seu universo de
Yutaka Toyota
interesse abrindo espaço para novas propostas artísticas, como a
Espaço côncavo, 1982 holografia e a videoarte, além de performances e intervenções,
Aço inox e latão/ englobando até hoje jovens artistas atuantes na cena brasileira,
Stainless steel como Sandra Cinto, Albano Afonso e Cláudio Mubarac. Desde
and brass
212 x 75 x 75 cm
sua inauguração o Museu de Arte Brasileira da FAAP realiza com
Acervo Museu de Arte regularidade exposições do acervo dentro de seu espaço. E tam-
Brasileira-FAAP, SP bém investe na sua apresentação fora da instituição. (F.L.)

A new house for contemporary art

After three years of being closed for remodeling and enlargement, MAB was
re-inaugurated in 1982 with the exhibition Acervo novo [New Collection]. In a
1300-meter-square space, the show brought together 43 artworks by 36 artists,
placing important names of the then young contemporary production side
by side. “When we decided to revamp the museum, we perceived that it was
necessary to reformulate, to renovate. I felt that there was something more
happening in the production of visual arts and that this was not being represented
in the museum,” declared the then director of the museum, Carlos von Schmidt,
to the newspapers of that time. Up to that moment, MAB’s collection was
concentrated in works by important modernists such as Tarsila do Amaral, Anita
Malfatti, Guignard, Alfredo Volpi, Oswaldo Goeldi and Flávio de Carvalho. During
the years of its revamping, the museum acquired 104 artworks by contemporary
artists like Luiz Baravelli, Claudio Tozzi, Marcello Nitsche and Ivald Granato.
Throughout the years that followed, MAB enlarged the scope of its interests,
opening space for new artistic proposals, such as holography and video art, as
well as performances and interventions, involving, until today, young artists active
in the Brazilian scene, such as Sandra Cinto, Albano Afonso and Cláudio Mubarac.
Ever since its inauguration, the Museu de Arte Brasileira of FAAP has regularly
held shows of its collection in its exhibition space, while also actively collaborating
in joint efforts for its presentation outside the institution. (F.L.)

37
38
Exposições do acervo

a constituição do acervo

O núcleo inicial do acervo do Museu de Arte Brasileira foi com-


posto por obras pertencentes à D. Annie Alvares Penteado e sua
ampliação ocorreu com o passar do tempo mediante aquisições e Novas aquisições
doações. Atualmente reúne três mil e oitocentas obras de artistas 12/01 a 07/03/2004
brasileiros ou aqui radicados e é possível identificar alguns con-
Apresentou cerca de 70
juntos que entram em sua composição. Entre as obras de artistas obras adquiridas pelo MAB
acadêmicos destacam-se as de Pedro Alexandrino, Ferrigno, An-
Artistas
tonio Parreiras, Eliseu Visconti e João Batista Castagneto. Tarsila do Amaral, José
Dos artistas que integraram o Modernismo, há um conjunto de Pancetti, Alex Flemming,
Celso Orsini, Arcangelo
desenhos e pinturas de Anita Malfatti, com especial destaque para Ianelli, Raphael Galvez, Maria
Estudo para a boba (1915/1916), Retrato de homem (s/d) e o desenho Tereza Louro, entre outros

Homem das sete cores, que participou da exposição da Semana de


Arte Moderna em 1922. Há conjuntos bem representativos das recentes
obras de Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi, Victor Brecheret, Regi- na coleção
na Gomide Graz, Vicente do Rego Monteiro, Tarsila, Guignard, 05/02 a 22/04/2009
Portinari, Lívio Abramo e Flávio de Carvalho. Em quantidade Desenhos, pinturas, objetos
menor, mas em qualidade artística semelhante, há obras de Isma- e esculturas

el Nery, Antonio Gomide, John Graz e Segall. Os artistas atuantes Artistas


nos anos 30 e 40 são representados por obras de Cícero Dias, Vol- Adriana Rocha, Alice Brill,
Anatol Wladyslaw, Anita
pi, De Fiori, Clóvis Graciano, Rebolo, Mario Zanini, Rossi Osir, Malfatti, Cleber Machado,
Bonadei, Ceschiatti, Roberto Burle Marx e Flávio de Carvalho. Colette Pujol, Corneille,
Novas aquisições, 2004 Ernesto De Fiori, Geórgia
Imagem da exposição/ Das propostas abstratas dos anos 50, o museu possui tanto obras li- Kyriakakis, Gilberto Vançan,
Image of the exhibition gadas à vertente lírica quanto às de maior rigor de construção. Hansen Bahia, Jum Nakao,
Lázaro Moura, Maria Tereza
Louro, Mario Zanini, Nicolas
Vlavianos, Patricia Furlong,
Paulo Lima Buenoz, Regina
Graz, Sergio Niculitcheff,
Assembling the collection Teresa Nazar, Thomaz Ianelli,
Tuneu, entre outros

The initial nucleus of the Museu de Arte Brasileira’s collection consisted of


works belonging to D. Annie Alvares Penteado; over the years, it was enlarged
ocupando
through acquisitions and donations. The collection currently contains 3800
o espaço
14/07 a 30/08/2009
artworks by artists who are either Brazilian or residing here, and it is possible
to identify some sets within its overall composition. Among the artworks by 41 esculturas de artistas
academic artists, the most notable are those by Pedro Alexandrino, Ferrigno, brasileiros e estrangeiros
Antonio Parreiras, Eliseu Visconti and João Batista Castagneto.
Artistas
The artworks by modernist artists include a set of drawings and paintings Mary Vieira,
by Anita Malfatti, including Estudo para a Boba [Study for the Silly Woman, Franz Weissmann,
1915/1916], Retrato de Homem [Portrait of a Man, no date] and the seven-color Victor Brecheret,
Bruno Giorgi, Vlavianos,
drawing Homem [Man], which participated in the Semana de Arte Moderna entre outros
[Modern Art Week] in 1922. There are sets with very representative works by Di
Cavalcanti, Oswaldo Goeldi, Victor Brecheret, Regina Gomide Graz, Vicente do
Rego Monteiro, Tarsila, Guignard, Portinari, Lívio Abramo and Flávio de Carvalho.
Of lesser quantity, but with similar artistic quality, there are works by Ismael
Nery, Antonio Gomide, John Graz and Segall. Brazilian art of the 1930s and ’40s
is represented by works by Cícero Dias, Volpi, De Fiori, Clóvis Graciano, Rebolo,
Ocupando o espaço, 2009 Mário Zanini, Rossi Osir, Bonadei, Ceschiatti, and Roberto Burle Marx.
Imagem da exposição/ Of the abstract proposals of the 1950s, the museum has works linked to both the
Image of the exhibition lyrical trend and to that of a more rigorous construction. The former include works

39
40
Exposições do acervo

Entre as primeiras estão as de Mabe, Boese, Shiró, Tomie Ohtake e Arcangelo Ianelli. Exemplos de
artistas que usam estruturas mais definidas em suas composições são encontrados em Jandyra Waters,
Geraldo de Barros, Fiaminghi, Volpi, Franz Weissmann, Israel Pedrosa, Hércules Barsotti, Lygia Cla-
rk, Samson Flexor e Mary Vieira.
Os artistas que a partir dos anos 60 optaram pela volta da figuração estão representados pelas obras
de Ana Maria Maiolino, Aldemir Martins, Antonio Henrique Amaral, Baravelli, Claudio Tozzi,
Francisco Stockinger, Gregório Gruber, Glauco Pinto de Moraes, João Calixto, José Roberto Agui-
lar, Newton Mesquita, Maria Tomaselli, Mário Cravo Neto, Rubens Gerchman, Siron Franco e
Wesley Duke Lee. Os que optaram pela crescente simplificação da forma são exemplificados pelas
obras de Agi Straus, Cassio Michalany e Manfredo de Souzanetto.
O núcleo que congrega obras de artistas que começaram a ter atuação mais efetiva nos anos 80 tem
obras de Takashi Fukushima, Fábio Miguez, Marco Paulo Rolla e Paulo Whitaker.
É ainda possível distinguir dentre as obras do acervo do MAB, um recorte que se reveste de espe-
cial significado para nós. É o composto por obras dos artistas que são ou em algum momento foram
professores na Faculdade de Artes Plásticas, como Evandro Jardim, José Moraes, Nicolas Vlavianos,
Regina Silveira, Tomoshige Kusuno e Sandra Cinto. Abrangendo também aqueles que seguiram o
curso como alunos: Celso Orsini, Patricia Furlong, Marcello Nitsche e Gilberto Vançan. Além das
obras de ex-alunos que hoje são professores como Maria Tereza Louro, Lázaro Moura, Beth Moy-
Recentes na coleção,
sés, Geórgia Kyriakakis e Carlito Contini.
2009
Imagem da exposição/ Recentemente o museu iniciou um novo núcleo de fotografia brasileira com obras de Otto Stupakoff,
Image of the exhibition Thomaz Farkas, Luís Tripolli, Pierre Verger, German Lorca, J.R.Duran e Mário Cravo Neto.

Maria Izabel Branco Ribeiro


Diretora do Museu de Arte Brasileira

by Mabe, Boese, Shiró, Tomie Ohtake and Arcangelo Ianelli, while examples of artists
using more defined structures in their compositions are found in Jandyra Waters,
Geraldo de Barros, Fiaminghi, Volpi, Franz Weissmann, Israel Pedrosa, Hércules Barsotti,
Lygia Clark, Samson Flexor and Mary Vieira.
The artists who from the 1960s onward opted for a return to figuration are represented by works by
Ana Maria Maiolino, Aldemir Martins, Antonio Henrique Amaral, Baravelli, Claudio Tozzi, Francisco
Stockinger, Gregório Gruber, Glauco Pinto de Moraes, João Calixto, José Roberto Aguilar, Newton
Mesquita, Maria Tomaselli, Mário Cravo Neto, Rubens Gerchman, Siron Franco and Wesley Duke
Lee. Those who opted for the growing simplification of form are exemplified by works by Agi Straus,
Cassio Michalany and Manfredo de Souzanetto. The nucleus involving artists who began to enjoy a
more effective activity in the 1980s consists of artworks by Takashi Fukushima, Fábio Miguez, Marco
Paulo Rolla and Paulo Whitaker. It is also possible to discern within MAB’s collection a cross-section
of works that are especially important for the school. This set consists of works by artists who are
current or former professors of the Visual Arts course – such as Evandro Jardim, José Moraes,
Nicolas Vlavianos, Regina Silveira, Tomoshige Kusuno and Sandra Cinto – as well as works by artists
who attended the school as students, such as Celso Orsini, Patricia Furlong, Marcello Nitsche and
Gilberto Vançan. There are also works by former students who are now professors, such as Maria
Tereza Louro, Lázaro Moura, Beth Moysés, Geórgia Kyriakakis and Carlito Contini. The museum
recently began a new nucleus of Brazilian photography, with works by Otto Stupakoff, Thomaz
Farkas, Luís Tripolli, Pierre Verger, German Lorca, J.R. Duran and Mário Cravo Neto.
Maria Izabel Branco Ribeiro
Director of the Museu de Arte Brasileira

41
42
GRAVURAS
Goeldi: col. Nelson Mendes Caldeira
Goeldi e nosso tempo

Fayga Ostrower - Exposição retrospectiva

Otto Dix e Lasar Segall - Imagens da guerra

43
44
Goeldi 1964
Coleção Nelson Mendes Caldeira

Sinal dos tempos

A exposição Goeldi: Coleção Nelson Mendes Caldeira deveria ter sido


inaugurada no MAB dia 19 de março de 1964. O jornal Folha de
S.Paulo, na sua edição do dia 17, antecipava as características da
montagem. Haveria 130 gravuras e desenhos de Goeldi (1895-
1961), dispostos no centro da sala, e outras 120 obras de um elen-
co não menos ilustre (Guignard, Di Cavalcanti, Volpi, Grassmann)
ocupando as paredes laterais. Os tempos, porém, não estavam para
contemplações estéticas. A mesma Folha anunciaria na edição se-
guinte que, “em virtude de um movimento cívico a realizar-se hoje, Goeldi
a exposição Goeldi foi adiada”. Coleção
O citado movimento era a Marcha da Família com Deus e pela Li- Nelson Mendes Caldeira
berdade, estopim do golpe militar que mergulhou o país em tempos 03/1964
mais negros e soturnos do que as xilogravuras do artista. Finalmen-
Montagem e
te aberta no dia 9 de abril, a mostra trazia o maior conjunto jamais apresentação
Oswaldo Goeldi
Noturno, 1950 exposto de obras de Goeldi, originário do acervo pessoal acumula- Cyro Marx

Xilogravura/ Woodcut do pelo artista ao longo de toda sua trajetória e adquirido pelo co-
O Núcleo Museu Goeldi
1/10 lecionador paulistano Nelson Mendes Caldeira. De inegável quali- de São Paulo reuniu mais
17,5 x 18,8 cm/
dade museológica, a coleção incluía até raríssimas aquarelas e um de 130 obras do artista
20,2 x 21,3 cm entre gravuras, desenhos
Acervo Museu de Arte total de 72 desenhos em diversas técnicas (grafite, carvão, nanquim) e aquarelas. O módulo
Brasileira-FAAP, SP da Série da Guerra (1942-1945). Artistas que sofreram
influência direta de Goeldi
apresentou obras de
Marcelo Grassmann
e Darel Valença Lins.
O módulo Artistas do Brasil
sign of the times apresentou 130 obras
entre pinturas, desenhos,
gravuras e tapeçarias
The exhibition Goeldi: Coleção Nelson Mendes Caldeira [Goeldi: The Nelson de artistas como Volpi,
Mendes Caldeira Collection] should have opened at MAB on 19 March 1964. The Portinari, Di Cavalcanti,
newspaper Folha de S.Paulo, in its March 17 issue, described the characteristics Flávio de Carvalho,
entre outros
of the setup. There would be 130 prints and drawings by Goeldi (1895–1961),
arranged in the center of the room, and another 120 works by a no less illustrious Catálogo
roster of artists (Guignard, Di Cavalcanti, Volpi, Grassmann) occupying the lateral Texto:
Roberto Pinto de Souza
walls. The times, however, were not propitious for artistic contemplations. The
12 páginas
same newspaper was to announce in its following issue that “in virtue of a civic
movement to take place today, the Goeldi exhibition has been postponed.” The
cited movement was the March of the Family with God and for Liberty, organized
by conservatives in the lead-up to the 1964 military coup, which would plunge the
country into times darker and gloomier than the artist’s woodcuts. Finally opened
on 9 April, the exhibition featured the largest set of works by Goeldi ever shown,
originating from the artist’s collection of his own works accumulated throughout
his career and later acquired by São Paulo collector Nelson Mendes Caldeira. Of
undeniable museological quality, the collection even included very rare watercolors
and a total of 72 drawings in various techniques (graphite, charcoal, India ink) from
the artist’s War Series (1942–1945). The show was organized by architect Cyro Marx.
Emphasis was given to a self-portrait, made by Goeldi in 1954, in graphite and
charcoal. A portrait, in India ink, homaged the Austrian artist Alfred Kubin (1877–
1959), one of the great names of expressionist woodcut and a former member of

45
Goeldi 1964 Oswaldo Goeldi
Tubarão morto, 1959

Coleção Nelson Mendes Caldeira Xilogravura em cores/Color woodcut, 2/12


19,3 x 27 cm / 26,8 x 34,5 cm
Acervo Museu de Arte Brasileira-FAAP, SP

A organização da mostra foi do arquiteto Cyro Marx. Foi dado the German group Der Blaue Reiter [The Blue Horseman]. The
destaque a um autorretrato, feito por Goeldi em 1954, a grafi- letters that Goeldi exchanged with Kubin and the praise he
te e carvão. Um retrato, desenhado a nanquim, homenageava o received from him were decisive for his choice to pursue this
austríaco Alfred Kubin (1877-1959), um dos grandes nomes da form of art.
Goeldi’s prints shown at MAB in 1964 were organized in
xilo expressionista e ex-integrante do grupo alemão Der Blaue
two segments: the series of 17 color images that had been
Reiter (O Cavaleiro Azul). Goeldi trocou cartas e recebeu elo- presented in a special room at the II Bienal Interamericana in
gios de Kubin, decisivos para sua escolha por essa forma de arte. Mexico in 1960 and another 45 prints in colors and in black-
As gravuras de Goeldi exibidas no MAB em 1964 foram organi- and-white. This latter segment included masterpieces such
zadas em dois segmentos: a série de 17 imagens coloridas da sala as Tubarão morto [Dead Shark, 1959], Noturno [Nocturne,
especial na II Bienal Interamericana do México (1960) e outras 1950] and Sonâmbula [Sleepwalking Woman, 1958]. Copies of
45 em cores e em preto e branco. Nesse último segmento, ha- these pieces, along with five others, would later enter MAB’s
collection. In a statement made to Ferreira Gullar for the
via obras-primas como Tubarão morto (1959), Noturno (1950) e So-
Suplemento Dominical [Sunday Supplement] of the Jornal do
nâmbula (1958). Exemplares dessas peças seriam depois integra- Brasil (12 January 1957), Goeldi tells that, before adopting areas
dos ao acervo do MAB ao lado de cinco outras. Em depoimento of color, he made many watercolors. “I struggled very hard,” he
a Ferreira Gullar, no Jornal do Brasil (12/1/1957), Goeldi conta admitted. The fact that he was not a painter was his greatest
que, antes de adotar áreas de cor, fez bastante aquarelas. obstacle toward understanding the use of colors. In the same

46
Oswaldo Goeldi
Sonâmbula, 1958
Xilogravura em cores/Color woodcut, 1/12
22,7 x 30 cm / 30,1 x 39 cm
Acervo Museu de Arte Brasileira-FAAP, SP

“Lutei com muita dificuldade”, admitiu. O fato de não ser pin- interview he explains: “All my printmaking is drawn many
tor era o maior obstáculo para entender o uso das cores. Na times, I take notes, and the print is only born after a long
mesma entrevista, diz: “Toda gravura minha é desenhada mui- time, sometimes years later.”
tas vezes, tomo apontamentos e só muito depois, às vezes anos, The artist’s words evidence the correctness of MAB’s having
included drawings and watercolors in the show, offering
nasce a gravura”. As palavras do artista sinalizam o acerto da
a contextualized reading of an oeuvre that underpins the
mostra no MAB ter incluído desenhos e aquarelas, oferecendo history of Brazilian printmaking. Goeldi taught for many
leitura contextualizada de uma obra que alicerça a história da years at the Escola Nacional de Belas Artes [National School
gravura brasileira. Goeldi lecionou na Escola Nacional de Belas of Fine Arts] in Rio de Janeiro, where his students included
Artes (RJ) e teve entre seus alunos Lívio Abramo e Anna Letycia, artists who would go on to become masters of various
que se tornariam mestres nessa arte. generations of printmakers, such as Lívio Abramo and Anna
O MAB voltaria a fazer outras exposições sobre Goeldi. A Cole- Letycia. MAB would return many times to hold exhibitions
focused on Goeldi. The Nelson Mendes Caldeira Collection
ção Nelson Mendes Caldeira participaria de outras duas (1972 e
would participate in a further two of them (1972 and 1975).
1975). No centenário de nascimento do artista, em 1995, houve On the centennial of the artist’s birth, in 1995, MAB held the
a mostra Goeldi e Nosso Tempo, que analisou sua influência sobre exhibition Goeldi e Nosso Tempo [Goeldi and Our Time], to
as novas gerações de gravadores, entre eles Cláudio Mubarac e analyze his influence on the new generations of engravers,
Rodrigo Andrade. (A.M.) including Cláudio Mubarac and Rodrigo Andrade. (A.M.)

47
48
Fayga Ostrower 1983
A dama do abstracionismo lírico

“Desde que vim a conhecê-la, a gravura me pareceu ser a música


de câmara das artes visuais. Quase que imaterial, pelo mínimo de
elementos integrantes, a expressão adquire grande densidade poé­
tica, pois, por mais ligeira que seja, cada acentuação formal tor-
na-se plenamente significativa e essencial. Também, por ser a um
tempo tão despojada e concentrada, como a música de câmara, a
gravura exige mais do artista e do espectador. Recompensa-o, sem
Fayga Ostrower
dúvida”. Assim começa o depoimento inédito de Fayga Ostrower
Exposição Retrospectiva
(1920-2001), para o catálogo de sua exposição retrospectiva, em 10/03 a 12/04/1983
1983, no MAB. Fayga Ostrower: Obra gráfica -1944 a 1983 reuniu qua-
tro décadas da produção de uma das mais importantes artistas da Catálogo
Textos: Fayga Ostrower
história das artes gráficas no país, pioneira do abstracionismo lírico. 12 páginas
Percorrer a exposição, considerada “obrigatória” pelo crítico Olí-
vio Tavares de Araújo, com 110 obras, entre gravuras e desenhos,
era perceber o caminho de uma artista, seu amor à forma, seu res-
peito à técnica, e à experimentação de novos recursos gráficos.
Fayga Ostrower
Fayga nasceu na Polônia e, em 1934 chegou ao Brasil, onde estu-
Sem título, 1980 dou xilogravura com Axl Leskoschek e gravura em metal com Car-
Litogravura em cores/papel los Oswald. Com uma produção inicial em xilogravura marcada
Color lithography/paper pela temática social, já no início dos anos 1950, passou a produzir
83/100
40,2 x 60 cm
obras abstratas. Em suas gravuras, apresentava rigor expressivo e
Acervo Museu de uso impactante da cor, além de uma técnica apurada e um questio-
Arte Brasileira-FAAP, SP namento constante sobre a essência da criação artística. (F.L.)

The lady of lyrical abstractionism

“Ever since I was introduced to it, printmaking has seemed to me like the chamber
music of the visual arts. Nearly immaterial, in light of the minimum of elements it
involves, the expression acquires great poetic density, since, no matter how slight
it may be, each formal accentuation becomes fully significant and essential. Also,
for being simultaneously stark and concentrated, printmaking requires more from
the artist and from the viewer – whose effort, without a doubt, will be rewarded.”
Thus begins the never before published statement by Fayga Ostrower (1920–2001),
conceded in 1983, especially for the catalog of her retrospective exhibition at MAB.
Fayga Ostrower: Obra gráfica – 1944 a 1983 [Fayga Ostrower: Graphic Oeuvre –
1944 to 1983] brought together four decades of the production of one of the most
important graphic artists in Brazilian art history, a pioneer of lyrical abstractionism.
This exhibition, considered “a must-see” by critic Olívio Tavares de Araújo, with a
total of 110 prints and drawings, allowed the visitor to perceive Fayga’s artistic path,
her love of form, her respect for technique, and her experimentation with new
graphic resources. Born in Poland, Fayga arrived in Brazil in 1934, where she studied
woodcut under Axl Leskoschek and metal engraving under Carlos Oswald. With
an initial woodcut production marked by a social thematics, in the early 1950s she
began to produce abstract works. Her prints present expressive rigor and striking
use of color, giving rise to luminous spatialities, and are characterized by refined
technique and constant questioning in regard to the essence of artistic creation. (F.L.)

49
50
Fayga Ostrower 1983

Fayga Ostrower
Sem título, 1981
Litogravura/papel
Lithography/paper
23/100
40 x 60 cm
Acervo Museu de
Arte Brasileira-FAAP, SP

Fayga Ostrower
Sem título, 1980
Litogravura/papel
Lithography/paper
83/100
59,5 x 40 cm
Acervo Museu de
Arte Brasileira-FAAP, SP

51
52
Otto Dix e Lasar Segall 2002
Imagens da guerra

o belo terrível

Otto Dix (1891-1969) viu de perto os horrores da Primeira Guer-


ra. Por quatro anos, entre 1914 e 1918, interrompeu seus estudos
em arte para servir ao exército alemão. Em 1919, voltou ao ofício
de artista obcecado pelas experiências e imagens que viu nas trin-
cheiras. Parte de seu acervo, uma das obras-primas da produção
gráfica do último século, pôde ser vista em São Paulo em 2002,
num rico diálogo com a obra de Lasar Segall (1891-1957). O re-
sultado desse encontro foram as exposições Otto Dix e Lasar Segall:
imagens da guerra, no MAB, e Lasar Segall e Otto Dix: diálogos gráfi-
cos, no Museu Lasar Segall. Os dois se conheceram na cidade ale-
mã de Dresden, no final da Primeira Guerra. Compartilhando os
ideais do expressionismo alemão – que os levou, com outros ar- otto dix e
lasar segall
tistas, à criação da Secessão de Dresden, Grupo 1919 – o alemão
Imagens da guerra
e o brasileiro nascido na Lituânia produziram imagens de guerra 18/05 a 07/07/2002
que falavam com elegância distante das atrocidades e da devasta- MAB – FAAP
Lasar Segall ção moral deixadas em seus sobreviventes. Fizeram parte desse en-
Organização
Viúva e filho, 1909 contro histórico e inédito um conjunto de 50 gravuras em metal, MAB e Museu Lasar Segall
Óleo s/ tela/ publicadas por Otto Dix em 1924, em cinco álbuns, com o título
Oil on canvas Diretoria Técnica
A Guerra, e 74 aquarelas de Lasar Segall, contidas no caderno Visões Maria Izabel Branco Ribeiro
160 x 110 cm
Acervo Museu de de Guerra 1940-1943, além de 35 gravuras avulsas de cada artista,
produzidas entre 1920 e 1924. (F.L.) Cenografia
Arte Brasileira-FAAP, SP
José Luis Hernández Alfonso

Artistas
Otto Dix e Lasar Segall
(gravuras)
The terribly beautiful side of war
Catálogo
Coordenação editorial:
Otto Dix (1891–1969) saw from up close the horrors of World War I. For four years, Vera D’Horta
from 1914 to 1918, he interrupted his studies in art to serve in the German army Textos: MAB, Museu Lasar
as a soldier at the front. In 1919, he returned to his career as an artist obsessed Segall, IPHAN, MINC,
Instituto Goethe
by the experiences and images he had seen in the trenches. Part of his collection, e Noemi Ribeiro.
a magnum opus of 20th-century graphic production, was shown in São Paulo in Projeto Gráfico: Kiko Farkas/
2002, in a rich dialog with the work of Lasar Segall (1891–1957). This encounter Máquina Estúdio
72 páginas
resulted in the exhibitions Otto Dix e Lasar Segall: imagens da guerra [Otto Dix
and Lasar Segall: Images of the War] held at MAB, and Lasar Segall e Otto Dix:
Diálogos Gráficos [Lasar Segall and Otto Dix: Graphic Dialogs] presented at
Museu Lasar Segall. They met in the German city of Dresden, at the end of World
War I. Sharing the ideals of German expressionism – which led them, together
with other artists, to the creation of the Dresden Secession Group of 1919 – the
German and the Lithuanian-born Brazilian produced images of the war that
spoke with distant elegance of the atrocities, as well as the moral devastation
left on the survivors. This historic exhibition involved a set of 50 metal engravings
published in five albums by Otto Dix in 1924 with the title A Guerra [The War] and
74 watercolors by Lasar Segall, contained in the book of watercolors Visões de
Guerra 1940–1943 [Views of the War 1940–1943], as well as 35 other prints by
each artist, produced between 1920 and 1924. (F.L.)

53
54
tapeçaria
1ª mostra brasileira

55
56
Tapeçaria 1974
1ª mostra brasileira

formas e cores tecidas

Quando Norberto Nicola e Jacques Douchez procuraram o MAB


para propor o projeto, o status da tapeçaria no Brasil apenas co-
meçava a sair da esfera das artes aplicadas. A arte têxtil era, ge-
ralmente, identificada como atividade de artesãos, que traduziam
em tramas tecidas os desenhos (cartões) criados, aí sim, pelos ver-
dadeiros artistas plásticos. Aliás, pouco tempo antes (1967-1968),
a dupla Douchez-Nicola tinha confeccionado, para o Palácio Ita-
maraty, em Brasília, as magníficas e gigantescas tapeçarias de Ro-
berto Burle Marx. Obras que, ainda hoje, testemunham e somam Tapeçaria
a qualidade da arte brasileira a todos os atos oficiais realizados 1ª mostra brasileira
naquele local. 8/10 a 8/11/1974
Os dois artistas, que trouxeram ao MAB a ideia de realizar essa MAB – FAAP
mostra coletiva pioneira em artes têxteis no país, estavam conso-
Organização
lidados no circuito. Ex-alunos do Ateliê Abstração, núcleo intro- Carlos von Schmidt,
dutor da arte abstrata no Brasil, fundado em São Paulo (SP) por Norberto Nicola,
Norberto Nicola Jacques Douchez,
Bruma, 1985
Samson Flexor (1907-1971), possuíam sólido conhecimento de Sylvio Darcy,
pintura para alicerçar suas propostas têxteis. Fato inédito, eles ti- Sheila Leirner,
Lã, fibras vegetais
Olney Kruse e
e pigmentos/Wool, nham aberto as portas da Bienal de São Paulo de 1967 para suas Luis Ernesto Kawall
vegetal fibers and
tapeçarias, mesmo ano em que participariam do maior evento do
pigments Premiados
1,50 x 1,45 m
setor, a Bienal Internacional de Tapeçaria (Lausanne-Suiça). Há Iracy Nitsche, Inge Roesler,
Coleção particular uma década e meia mantinham o ateliê Douchez-Nicola e expu- Gilda Azeredo e Maria Teresa
de Arruda Camargo
Foto João Musa nham nas melhores galerias.
Homenagem especial
Roberto Burle Marx

Menções especiais
Woven shapes and colors Marlene Trindade,
Yeddo Titze, Zorávia Bettiol,
Ignez Turazza e
When Norberto Nicola and Jacques Douchez sought out MAB to propose Karin Elizabeth Viegler
the project for this large exhibition, the status of tapestry in Brazil was only
Catálogo
beginning to escape from the sphere of the applied arts. Textile art was,
Coordenação técnica
generally, identified with the activity of artisans, who merely translated into de edição: Massao Ono
woven fabrics the designs (cartoons) created by the true visual artists. However, Capa e diagramação:
Rui Pereira
a short time previously (1967–1968), the Douchez-Nicola duo had produced, for
Textos: Carlos von Schmidt,
the Palácio do Itamaraty, in Brasília, the magnificent giant tapestries by Roberto Aracy Amaral, Roberto
Burle Marx – artworks which, until today, stand as testimonies to the quality Pontual, Marc Berkowitz,
of Brazilian art in the presence of all the official acts held at that location. Olívio Tavares de Araújo,
Cesar Giobbi
The two artists who brought to MAB the idea of holding this pioneering group 104 páginas
show of textile arts in Brazil were already established in the art circuit. Former
students of the Ateliê Abstração [Abstraction Studio], an important introducer of
abstract art in Brazil, founded in São Paulo (SP) by Samson Flexor (1907–1971),
they possessed a solid knowledge of painting as an underpinning of their
textile proposals. They had been the first textile artists to show their works at
an edition of the Bienal de São Paulo, in 1967, the same year they participated
in the largest event worldwide in the sector, the International Biennial of
Tapestry (Lausanne – Switzerland). Over the previous decade and a half they

57
Tapeçaria 1974
1ª mostra brasileira

Norberto Nicola
(esquerda) e Jacques
Douchez montam a
Mostra de Tapeçaria
no MAB.
Foto Folhapress

Norberto Nicola (left)


and Jacques Douchez
set up the Mostra de
Tapeçaria at MAB

Eram absolutas exceções, apesar de estimularem o surgimento had maintained the Douchez-Nicola studio and shown in the
de artistas têxteis em várias regiões do país. Após inúmeras ex- best galleries. They were absolute exceptions, even though
posições para divulgar a tapeçaria e atualizar um meio ances- they had stimulated the rise of textile artists in various regions
tral (o têxtil), colocando-o em diálogo com a escultura e as ar- throughout Brazil.
After countless exhibitions to raise awareness about tapestry
tes tridimensionais contemporâneas, a dupla de artistas sentia
and to update an age-old medium (textile art), placing it into
falta de um grande evento. Algo capaz de aglutinar tapeceiros dialog with sculpture and the contemporary three-dimensional
de todo o Brasil, para dar um empurrão decisivo no entendi- arts, the artist duo felt the lack of a large event. Something
mento e na expansão desse meio expressivo. Faltava encontrar to bring together the tapestry artists from all over Brazil, for
instituição cultural capaz de entrar nessa batalha de abrir hori- a decisive boost to the understanding and expansion of this
zontes a toda uma jovem geração de artistas tapeceiros. expressive medium. For this, they needed to find a cultural
A percepção da envergadura da atividade proposta pela 1ª mos- institution able to enter this battle and to open horizons
to an entire generation of young tapestry artists.
tra brasileira de tapeçaria fica nítida no texto escrito pelo presiden-
The perception of the scope of the activity proposed by the
te da comissão organizadora do evento, o crítico Carlos von 1ª Mostra Brasileira de Tapeçaria is clear in the text written
Schmidt. Após observar a situação de injusta marginalidade by the president of the commission organizing the event,
da tapeçaria no Brasil, Schmidt frisa: “Nesses 12 anos de Bie- critic Carlos von Schmidt. After observing the situation of
nais em Lausanne, e com a evolução da tapeçaria, os conceitos the unjust marginality of tapestry in Brazil, Schmidt states:
de forma e conteúdo também evoluíram. Assim as definições “In these 12 years of biennials in Lausanne, and with the

58
Madeleine Colaço
Yemanjá
Tapeçaria bordada/
Embroidered tapestry
160 x 185 cm
Coleção particular, RJ
Foto Renan Cepeda

clássicas de arte aplicada, menor, decorativa, caducas e ana- evolution of tapestry, the concepts of form and content
crônicas, nada mais significam, em face da proposição formal have also evolved. Thus, the classic definitions of applied
da tapeçaria contemporânea”. Mais adiante, observa: “Esta art, of lesser, decorative, weaker and anachronistic art are
mostra não pretende e nem quer ditar caminhos ou sugerir so- no longer meaningful, in light of the formal proposition of
contemporary tapestry.” Further on, he observes: “This show
luções. Propõe-se apenas a criar condições para um levanta-
has no intention of dictating paths or suggesting solutions. It
mento futuro do que se faz em tapeçaria no Brasil”. aims only at creating conditions for a future survey of what is
Além de Schmidt, Douchez e Nicola, participaram da Co- being done in tapestry in Brazil.”
missão Organizadora Sylvio Darcy e os críticos de arte Ol- Besides Schmidt, Douchez and Nicola, the organizing
ney Krüse e Luiz Ernesto Kawall. A mostra foi precedida da commission relied on the participation of Sylvio Darcy and
divulgação de um regulamento estabelecendo os critérios de art critics Olney Krüse and Luiz Ernesto Kawall. The show
seleção, que ficaram a cargo de um júri presidido por Paulo was preceded by the publishing of regulations establishing
the selection criteria, drawn up by the judges panel headed
Mendes de Almeida e formado por Alberto Beutenmüller, Ale-
by Paulo Mendes de Almeida and consisting of Alberto
xandre Wollner, Cesar Giobbi, Jacques Douchez, Norberto Ni- Beutenmuller, Alexandre Wolner, Cesar Giobbi, Jacques
cola, Renina Katz, Ruy Ohtake e Sheila Leirner. Foram 101 Douchez, Norberto Nicola, Renina Katz, Ruy Ohtake and
tapeceiros inscritos e um total de 241 obras. A seleção final re- Sheila Leirner. A total of 101 tapestry artists with 241 artworks
sultou em uma mostra com 155 tapeçarias, de 75 artistas de vá- signed up for the show. The final selection resulted in a
rias regiões do país e, notadamente, do Rio Grande do Sul, que show with 155 tapestries, by 75 artists from various regions

59
Tapeçaria 1974
1ª mostra brasileira

Inge Roesler
Movimento, 1974
Lã em tear manual/
Wool in manual loom
110 x 240 cm

começava a se constituir como polo dessa atividade. O patro- of Brazil, most notably from the state of Rio Grande do Sul,
cínio de importantes empresas (Metal Leve, Moinho Santista e which began to emerge as a hub for this activity.
The sponsorship by important companies (Metal Leve,
Banco Nacional de Minas Gerais) garantiram uma premiação
Moinho Santista and Banco Nacional de Minas Gerais)
expressiva em dinheiro. Alguns trabalhos foram para o acervo
ensured a great deal of prize money. Some of the works
do MAB. Foram premiadas as artistas Iracy Nitsche, Inge Ros- were acquired for MAB’s collection. The awards went to
ler, Gilda de Azevedo e Maria Teresa Lemos de Arruda Camar- artists Iracy Nitsche, Inge Rosler, Gilda de Azevedo and Maria
go. Receberam menção especial os artistas Ignez Turazza, Karin Teresa Lemos de Arruda Camargo. Special mentions went
Viegler, Marlene Trindade, Yeddo Titze e Zorávia Bettiol. to Ignez Turazza, Karin Viegler, Marlene Trindade, Yeddo Titze
A exposição contou com a participação especial de pioneiros and Zorávia Bettiol.
The exhibition enjoyed the special participation of pioneers
da arte têxtil no Brasil: Roberto Burle Marx, Regina Graz e
of textile art in Brazil: Roberto Burle Marx, Regina Graz and
Genaro de Carvalho, além de Douchez e Nicola. O catálogo, Genaro de Carvalho, as well as Douchez and Nicola. The
com fotos em preto e branco de uma obra de cada um dos ar- catalog, with black-and-white photos of the work by each
tistas participantes, teve textos de abordagem histórica e críti- one of the participating artists contained texts written from
ca assinados por Carlos von Schmidt, Aracy Amaral, Rober- a historical and critical approach authored by Carlos von
to Pontual, Marc Berkowitz, Olívio Tavares de Araújo e Cesar Schmidt, Aracy Amaral, Roberto Pontual, Marc Berkowitz,
Giobbi. (A.M.) Olívio Tavares de Araújo and Cesar Giobbi. (A.M.)

60
Jacques Douchez
Oratório, 1973
Lã em tear manual/
Wool in manual loom
195 x 120 cm
Coleção do artista

61
62
reverberações
Primeira mostra surrealista
Ubu - A patafísica nos trópicos

63
64
Exposição surrealista 1967
Surrealismo no Brasil

O Surrealismo foi um movimento artístico e literário que surgiu


nos anos 1920, difundido por um grupo de intelectuais franceses
liderado pelo poeta André Breton. Inserido no contexto das van-
guardas artísticas que viriam a definir o Modernismo no período
entre as duas guerras mundiais, ganhou dimensões internacionais
ao reunir adeptos nos quatro cantos do mundo. No Brasil, o mo-
vimento foi destaque com a Primeira Mostra Surrealista inaugurada
em 1967 no MAB.
“O acontecimento revestiu-se de extraordinária importância, tan-
to para o contexto local [...], quanto para o grupo parisiense, que A Phala - Revista
via assim uma realização sua acontecendo do outro lado do Atlân- do Movimento
Surrealista 1
tico, fato que não ocorria desde 1949, ano da última mostra inter- 08/1967
nacional promovida fora da Europa – na Galeria Dédalo, em San- MAB - FAAP
tiago do Chile”, afirmou Sergio de Lima, organizador da mostra
ao lado de Leila Lima, Pedro Antônio Paranaguá e Vincent Bou- Organização
Sergio de Lima, Leila F. Lima,
noure. A exposição contou com o apoio de André Breton e Flá- Paulo Antonio Paranaguá e

Maria Martins
vio de Carvalho, além dos grupos surrealistas de Lisboa, lidera- Vincent Bounoure.

O Impossível, 1946 dos por Mario Cesariny, e de Buenos Aires, encabeçado por Aldo 57 artistas, entre eles
Bronze/Bronze Pellegrini. Entre os brasileiros presentes na mostra estavam Raul Sade, Marcel Duchamp,
80 x 82,5 x 53,3 cm Matta, Lam, Camacho ,
Fiker, Elisa Ribeiro, Maureen Bisilliat e Maria Martins. Na oca- Alechinsky, Jean Benoit,
Acervo Museum of
Modern Art-MoMA/NY
sião, foi publicado o primeiro número da revista A Phala, cuja edi- Mimi Parent, Leila Ferraz
Lima, Sérgio Claudio De
Foto Vicente de Mello/ ção bilíngue trouxe em seu editorial um manifesto escrito por Ser- Francheschi Lima, Raul
Cosac Naify gio de Lima em parceria com Aldo Pellegrini. (F.L.) Fiker, Paulo Antonio
Paranaguá, Eduardo Jardim
de Moraes, Hans Bellmer,
Ricardo Ferraz, Maureen
Bisilliat, Victor Brauner, Miró,
Magritte, Tanguy, Arp, Robert
Surrealism in Brazil Benayoun, Mario Cesariny,
Aldo Pelegrini, Octavio Paz,
Surrealism was an artistic and literary movement that arose in the 1920s Leonora Carrington,
Carlos Latorre, Alain Joubert,
and was disseminated by a group of French intellectuals led by poet
André Breton, Maria Martins
André Breton. Inserted in the context of the artistic vanguards that came e Benjamin Péret
to define modernism in the period between the two world wars, soon
gained international dimensions by gathering followers worldwide. In Catálogo
Organização: Sérgio Claudio
Brazil, awareness of the movement was enhanced by the Primeira Mostra De Francheschi Lima
Surrealista [First Surrealist Show] opened in 1967 at MAB. “This event took Textos: Benjamin Péret,
on extraordinary importance, both for the local context [...], as well as for Leila Ferraz Lima, Sérgio
Claudio De Francheschi Lima,
the Parisian group, which thus saw a realization of its principles taking place Raul Fiker, Paulo Antonio de
on the other side of the Atlantic, something that had not happened since Paranaguá, Philippe Audion,
1949, the year of the last international show held outside Europe – at Galería Vicent Bounore, Claude
Courtot, Gérard Legrand,
Dédalo, in Santiago do Chile,” affirmed Sergio de Lima, organizer of the show
Jose Pierre, Jean Schuster,
alongside Leila Lima, Pedro Antônio Paranaguá and Vincent Bounoure. The Jean-Claude Silbermann,
exhibition enjoyed the support of André Breton and Flávio de Carvalho, as François-René Simon, Robert
Benayoun, Charles Fourier,
well as the surrealist groups of Lisbon, led by Mario Cesariny, and of Buenos
Simone Debout, Joyce
Aires, headed by Aldo Pellegrini. The Brazilians present at the show included Mansour, Alain Joubert,
Raul Fiker, Elisa Ribeiro, Maureen Bisilliat and Maria Martins. The first issue Annie Le Brun, Cruzeiro
of the magazine A Phala was published on this occasion. The bilingual Seixas, André Breton.
Layout: Sérgio Claudio
edition’s editorial section presented a manifesto written by Sergio de Lima in De Francheschi Lima
partnership with Aldo Pellegrini. (F.L.) 160 páginas

65
66
Ubu 1996
A patafísica nos trópicos

Soluções imaginárias em exposição

Em 1996, fazia 100 anos que o ator Firmin Gémier gritara a pa-
lavra “merdre!” em cena, escandalizando a plateia francesa que
assistia à peça Ubu Rei, de um autor quase adolescente chamado
Alfred Jarry. As vaias que invadiram o Théâtre de L’Oeuvre mar-
caram o fim da primazia do teatro naturalista.
Fazia também 10 anos que o diretor Cacá Rosset e sua compa-
nhia, o Teatro do Ornitorrinco, tinham encenado a peça de Jarry
pela primeira vez no Brasil.
ubu
Com o título Ubu folias physicas, pataphysicas e musicaes, ela marcou
A patafísica nos trópicos
época pela criatividade e é até hoje o maior sucesso de Rosset, que 16/04 a 19/05/1996
reencenava o personagem cínico e aproveitador.
Para comemorar esses dois eventos, Cacá Rosset, o Teatro do Or- Organização
FAAP e Teatro do Ornitorrinco
nitorrinco e o MAB inauguraram a exposição Ubu, a patafísica nos
trópicos, em que mais de 50 artistas plásticos exibiram suas leituras Projeto e curadoria
Miguel Paladino
do que vem a ser Patafísica.
Ciência das soluções imaginárias que estuda as exceções do uni- Coordenação geral
Cacá Rosset
verso, a Patafísica foi criada por Alfred Jarry em 1898. Desde essa
Ubu, a patafísica época, o pensamento encantou e influenciou diversos artistas, re- Artistas
nos trópicos Guto Lacaz, Kimi Ni, Ivald
Imagem da exposição/
percutindo na obra de mestres como Picasso, Miró, Man Ray e
Granato, Angeli, Paulo Caruso
Image of the exhibition Duchamp. Também interessou ao surrealista André Breton, ao
Foto/Photo Gal Oppido poeta Antonin Artaud e, mais recentemente, ao escritor italiano

Imaginary solutions in exhibition

In 1996, 100 years had passed since actor Firmin Gémier had shouted the word
“merdre!” on stage, scandalizing the French audience watching the play Ubu Roi
[King Ubu] by an author barely out of his adolescence, named Alfred Jarry. The
boos that broke out in the Théâtre de L’Oeuvre marked the end of naturalism in
theater.
It had also been 10 years since director Cacá Rosset and his company, the
Teatro do Ornitorrinco, had staged Jarry’s play for the first time in Brazil.
With the title Ubu Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes [Physical,
Pataphysical and Musical Ubu Revelries], it was strikingly creative for its time
and remains until today as Rosset’s greatest success, restaging the cynical and
greedy character.
To commemorate these two events, Cacá Rosset, the Teatro do Ornitorrinco,
and MAB opened the exhibition Ubu, a Patafísica nos trópicos [Ubu, Pataphysics
in the Tropics], in which more than 50 visual artists exhibited their readings of
what Pataphysics had come to be.
The science of imaginary solutions that studies the exceptions of the universe,
Pataphysics was created by Alfred Jarry in 1898. Since that time, this line of
thought has charmed and influenced various artists, echoing in the work
of masters such as Picasso, Miró, Man Ray and Duchamp. It also interested

67
68
Ubu 1996
A patafísica nos trópicos

Italo Calvino, um dos fundadores do Colégio de Patafísica de Milão. “Jarry é o iniciador da única
vanguarda positiva que não morre; a vanguarda do cinismo e da destruição”, disse certa vez a ar-
quiteta Lina Bo Bardi, que desenhou os cenários e os figurinos da primeira montagem da peça de
Cacá Rosset. Esse material pôde ser visto pelo público na parte documental da exposição, que reu-
niu também os registros de viagem da peça de Cacá Rosset nesses dez anos, e ainda reproduções dos
quadros de Picasso e de Miró, que representam o Pai Ubu.
O conjunto de artistas que participou da mostra constituía um panorama heterogêneo da produ-
ção brasileira. “Fiquei impressionado com o número de obras recebidas – coisa rara numa exposi-
ção monotemática”, disse aos jornais Cacá Rosset, que na época da exposição fez uma remontagem
de Ubu no Teatro FAAP. Estavam lá artistas como Guto Lacaz, a ceramista Kimi Nii e os cartunis-
Ubu, a patafísica nos
trópicos. Cacá Rosset, tas Angeli e Paulo Caruso. Também fizeram parte da mostra dois quadros do pintor Silvio Dworecki,
Norma Gabriel um no qual retrata Cacá na época da primeira montagem da peça e outro feito especialmente para
e Ivald Granato a exposição. “O primeiro foi uma homenagem ao Cacá. No segundo, fiz uma releitura dos dese-
Abaixo, imagem da
nhos que Jarry fez do Pai Ubu. É quase uma brincadeira”, disse o pintor. Até Rosset participou da
exposição/Below
Image of the exhibition exposição com uma tela. “Fiz um óleo com a inscrição Merdra em tinta cor de merdra e na técnica
Fotos/Photos Gal Oppido merdra sobre tela”, disse. (F.L.)

surrealist André Breton, poet Antonin Artaud and, more


recently, Italian writer Ítalo Calvino, one of the founders of
the Collège de Pataphysique of Milan.
“Jarry initiated the only positive vanguard that does not
die; the vanguard of cynicism and destruction,” stated
architect Lina Bo Bardi, who designed the stage settings
and costumes for the first staging of Cacá Rosset’s
play. This material could be seen by the public in the
documental part of the exhibition, which also included
records of the travels of Cacá Rosset’s play during those
ten years, as well as reproductions of paintings by
Picasso and Miró depicting Father Ubu.
The group of artists who participated in the show
constituted a heterogeneous cross-section of Brazilian
production. “I was impressed by the number of artworks
received – a rare thing in a monothematic exhibition,”
Cacá Rosset stated to the newspapers at the time the
exhibition restaged the play Ubu Roi in FAAP’s theater.
Ubu a patafísica
The artists participating included Guto Lacaz, ceramics
nos trópicos
maker Kimi Nii and cartoonists Angeli and Paulo Caruso. Convite da exposição/
The show also included two paintings by painter Silvio Invitation to exhibition
Dworecki: one that depicts Cacá at the time of the
play’s first staging, and another made especially for
the exhibition. “The first was in homage to Cacá. In the
second, I made a rereading of the drawings that Jarry
made of Father Ubu. It is almost a joke,” the painter said.
Even Rosset participated in the exhibition with a canvas.
“I made an oil painting with the inscription Merdra* in
paint the color of merdra and using the technique of
merdra on canvas”, he explained. (F.L.)

* Translator’s note: Analogously to the formation of the neologism merdre spoken in Ubu Roi – formed by adding an “r” to the
French word merde [shit] – the neologism merdra is formed by adding an “r” to the cognate of merde in Portuguese, merda.

69
70
modernismo
Flávio de Carvalho
Cem anos de um revolucionário romântico
Ismael Nery - 40 anos depois
Ismael Nery 100 anos - A poética de um mito
Di Cavalcanti - 100 anos
Uma viagem com Anita
No tempo dos modernistas
Brasil - Da antropofagia a Brasília
O olhar modernista de JK

71
72
Flávio de Carvalho 1967
Vários artistas em um

A obra múltipla de Flávio de Carvalho (1899-1973) não aceita ca-


rimbo genérico e jamais caberia em uma única gaveta da História
da Arte. Eletrizada pelo choque contra os costumes da época, era
mais frequente ser alvo de notícias de jornal do que de ensaios crí-
ticos universitários, tendência que só começou a ser revertida na
sua posteridade. A primeira exposição individual de pintura, em
1934, foi fechada pela polícia sob alegação de ser “imoral”. Uma
de suas performances na rua, de boné e andando no sentido con-
trário ao de uma procissão católica, em 1931, chegou a colocá-lo
em risco de ser linchado pela multidão.
O MAB realizou três exposições sobre esse polêmico e fundamen-
tal artista. A primeira delas, em 1967, assinalou a criação da Sala
flávio de
Flávio de Carvalho e a aquisição de várias obras dele para o acer- carvalho
vo da instituição. Foram exibidas 21 pinturas, sete aquarelas e 10 1967
desenhos a carvão ou nanquim. A maior parte das telas era do gê- 14/11/1967 a 02/1968
nero pictórico mais praticado pelo artista e uma de suas áreas de Sala Especial -
excelência: o retrato. Exposição Permanente
Flávio de Carvalho
A exposição de 1967 contava ainda com quatro reproduções de do Acervo
Retrato da cantora
Maria Kareska, 1950 projetos arquitetônicos e fotos de prédios realizadas por Flávio, Catálogo
Óleo s/ tela/ também engenheiro e arquiteto. Entre as fotos, estavam as de sua Layout:
Oil on canvas Edinízio Ribeiro Primo
arrojada casa na fazenda Capuava (Valinhos, SP). Em outra ex- 8 páginas
110 x 80 cm
Acervo Museu de Arte posição, uma retrospectiva realizada em 1973, o MAB ampliaria
Brasileira-FAAP, SP a abrangência mais pela extensão temporal da produção pictóri- Lista de Obras
21 óleos
07 aquarelas,
10 desenhos

Various artists in one

The multiple oeuvre of Flávio de Carvalho (1899–1973) is impossible to


pigeonhole into any single category in the history of art. Due to its electrified
clashing against the customs of the time, it was more frequently the subject
of newspaper articles than academic critical essays, a tendency that is only
beginning to change in his posterity. His first solo show of paintings, in 1934,
was closed by the police under the allegation of being “immoral.” One of his
street performances, wearing a cap and walking against the flow of the Catholic
procession, in 1931, went so far as to risk his being lynched by the crowd.
MAB has held three exhibitions about this controversial and fundamental artist.
The first of them, in 1967, marked the creation of the Sala Flávio de Carvalho
[Flávio de Carvalho Room] and the acquisition of various works by him for
the institution’s collection. The show featured 21 paintings, 7 watercolors
and 10 drawings in charcoal or India ink. Most of the paintings were from the
pictorial genre most practiced by the artist, and one of his areas of excellence:
the portrait. The set included the portrait of actress Maria Della Costa, which
currently belongs to MAB’s collection. The 1967 exhibition also included four
reproductions of architectural designs and photos of buildings realized by Flávio,
who was also a civil engineer and architect. Among the photos were those of his
house on his farm called Capuava, located in the county of Valinhos, state of São

73
74
Flávio de Carvalho 1999
100 anos de um revolucionário romântico

Flávio de Carvalho ca e gráfica do artista do que pelo foco na diversidade criativa do


Caminhando pelo homenageado. A diversidade ficaria mais nítida no projeto reali-
centro de São Paulo zado em 1999 para assinalar o centenário de nascimento. Flávio de
com seu New Look,
1956/Walking through
Carvalho – 100 anos de um revolucionário romântico, com curadoria de
downtown São Paulo Denise Mattar, foi aberta em outubro de 1999 no MAB, após ser
with his New Look, inaugurada em agosto no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio
1956 de Janeiro. O enfoque curatorial buscou mapear todas as áreas de
Fotografia/
Photography
atuação do artista, que foi multimeios várias décadas antes dessa
30 x 40 cm palavra surgir na caixa de ferramentas da crítica de arte.
Acervo Museu de Arte Além de uma ampla exposição, com peças reunidas de sete ins-
Brasileira- FAAP, SP tituições públicas e privadas e de 14 colecionadores particulares,
o projeto envolveu a edição de um catálogo com diversos ensaios Flávio de
críticos e a reprodução de textos originais do artista. Também in- Carvalho
100 anos de um
tegrava o evento a remontagem do espetáculo de teatro-dança revolucionário romântico
O bailado do deus morto, criado e encenado por Flávio de Carvalho 20/10 a 29/11/1999
em 1933. A remontagem foi realizada sob direção de José Possi MAB – FAAP
Neto, coreografada por Ana Teixeira e teve no elenco os atores Sér-
Curadoria
gio Mamberti, Laís Corrêa e oito atores-bailarinos. Os cenários e Denise Mattar
objetos de cena foram recriados por Guilherme Isnard a partir dos
Cenografia
croquis originais de Flávio de Carvalho. A peça, segundo o autor, Júlia Peregrino
Montagem do era uma demonstração do seu Teatro da Experiência, “um labora- e Gláucio Campello
Bailado do deus
morto, 1933/ Setup
tório de teatro com o espírito aberto a todos os fenômenos”. Catálogo
for Bailado do deus Flávio de Carvalho não esteve presente na Semana de Arte Mo- Textos: Flávio de Carvalho,
Denise Mattar, Ligia Canongia,
morto, 1933 derna de 1922, período em que estudava engenharia em Londres Luiz Carlos Daher, Tadeu
Chiarelli, Maria Izabel Branco
Ribeiro e Valeska Freitas.
128 páginas
Programação Visual:
Unidesign
Paulo. At the second show, a retrospective held in 1973, the scope was enlarged
more in regard to the temporal extension of the artist’s pictorial and graphic Prêmio APCA
production than in respect to his creative diversity. This diversity was to become
clearer in the show held in 1999 in honor of the 100th anniversary of the artist’s
birth. Flávio de Carvalho: 100 anos de um revolucionário romântico [Flávio De
Carvalho: 100 Years of a Romantic Revolutionary], curated by Denise Mattar,
opened in October 1999 at MAB after being started in August for a run at the
Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. The curatorial focus sought to
map all of the artist’s areas of activity, which were multimedia in nature several
decades before this word found its way into the toolbox of art criticism.
Besides a wide-ranging exhibition, with pieces brought together from 7 public
and private institutions and 14 private collectors, the project included the
publishing of a catalog with various critical essays and the reproduction of
original texts by the artist himself. The event also involved the restaging of the
theater dance-play O Bailado do Deus Morto [The Dance of the Dead God],
Cenário para
espetáculo de created and initially staged by Flávio de Carvalho in 1933.
dança, c. 1950/ This restaging was directed by José Possi Neto, choreographed by Ana Teixeira,
Scenery for a dance and its cast included Sérgio Mamberti, Laís Corrêa and eight dancer-actors.
performance, c. The stage sets and props were re-created by Guilherme Isnard based on Flávio
1950 de Carvalho’s original sketches. According to the playwright, this play was a

75
76
Flávio de Carvalho 1999
100 anos de um revolucionário romântico

Flávio de Carvalho e fazia frequentes viagens a Paris, onde entrou em contato com os protagonistas do surrealismo. As-
100 anos de um sim, se a pedra de toque do modernismo brasileiro foi o expressionismo de Anita Malfatti, certamen-
revolucionário
romântico
te Flávio foi o passo seguinte na atualização do país em relação às correntes estéticas da primeira
Imagens da metade do século passado. Não por acaso, de volta a São Paulo, Flávio foi correspondente da revis-
exposição/Images ta Minotaure, comandada pelo líder do movimento surrealista, André Breton. Antes e depois disso,
of the exhibition porém, Flávio também foi arquiteto de ideias arrojadas, pioneiro da performance e da body art, e
atento observador da cena artística nos textos que escreveu para jornais de São Paulo e Rio de Ja-
neiro desde os anos 30 até os anos 50. Fora dos grupos em torno da Semana de 22, traçou itinerário
muito próprio. Criou, em 1931, o Clube dos Artistas Modernos (CAM), movimentado e prestigiado
local onde se discutiam ideias e se promoviam palestras e eventos culturais.
No texto para o catálogo da exposição, Denise Mattar observa que “Flávio foi amigo de algumas
das principais personalidades de seu tempo, especialmente das mais polêmicas como Oswald de An-
drade, Di Cavalcanti, Assis Chateaubriand, Carlos Lacerda e Geraldo Ferraz, entre outros”. Deles,
ganharia definições tão multifacetadas quanto o personagem que tentavam definir. Oswald de An-
drade dizia que ele era “o antropófago ideal”. O arquiteto francês Le Corbusier viu em Flávio o “re-
volucionário romântico”, expressão que a curadora se apropriou como subtítulo da mostra.
Outra definição possível, entre tantas, talvez fosse chamá-lo de Marcel Duchamp brasileiro. Os dois
compartilharam a mesma voltagem iconoclasta irradiada do surrealismo e a mesma multiplicida-
de de interesses e expressões, que detonaram paradigmas estéticos e comportamentais. Como Du-
champ, Flávio documentava o raciocínio que antecede a criação visual. Ambos gostavam de chistes
e posturas desafiadoras. Uma seleção de textos de Flávio e um estudo enxuto sobre suas característi-
cas, a cargo de Valeska Freitas, são pontos altos do catálogo da mostra de 1999 no MAB, ajudando
a dimensionar a contribuição de Flávio para o pensamento da arte no Brasil.

demonstration of his Teatro da Experiência [Theater of Experiment/Experience], “a laboratory of theater


with a spirit open to all phenomena.” Flávio de Carvalho was not present at the Modern Art Week of
1922, held when he was studying engineering in London and making frequent trips to Paris, where he
made contact with the protagonists of surrealism. Thus, if the touchstone of Brazilian modernism was
Anita Malfatti’s expressionism, certainly, Flávio was the next step in the country’s updating in relation
to the aesthetic trends during the first half of the 20th century. Not by chance, upon Flávio’s return to
São Paulo he was a correspondent for the magazine Minotaure, headed by the leader of the surrealist
movement, André Breton. Before and after this, however, Flávio was also an architect with bold ideas, a
pioneer in performance and body art, and a careful observer of the artistic scene, as evinced in articles
he wrote for the newspapers of São Paulo and Rio de Janeiro from the 1930s to ’50s. Outside of the
groups involved in the Week of ’22, he traced his own, unique path. In 1931 he created the Clube dos
Artistas Modernos [Club of Modern Artists – CAM], an active and prestigious place where ideas were
discussed and lectures and cultural events held.
In the text for the exhibition’s catalog, Denise Mattar observes that “Flávio was a friend of some of the
main personalities of his time, especially the most controversial ones such as Oswald de Andrade, Di
Montagem do Bailado do deus Cavalcanti, Assis Chateaubriand, Carlos Lacerda and Geraldo Ferraz, among others.” From them, he
morto 1999, direção de José Possi
gained definitions as multifaceted as the character they tried to define him as. Oswald de Andrade
Neto. Acima, capa do programa
said that he was the “ideal anthropophagite.” The French architect Le Corbusier sought in Flávio the
“romantic revolutionary,” an expression that the curator appropriated as the show’s subtitle. Another
Setup for Bailado do deus morto,
1999, directed by José Possi Neto.
possible definition, among so many, was perhaps to call him the Brazilian Marcel Duchamp. The
Above, the cover of the program two shared the same iconoclastic voltage irradiated from surrealism and the same multiplicity of
interests and expressions, which exploded aesthetic and behavioral paradigms. Like Duchamp, Flávio

77
78
Flávio de Carvalho 1999
100 anos de um revolucionário romântico

Nessa seleção de trabalhos, fica evidente que o autor propõe “uma leitura híbrida, não dualista e
pós-modernista, construída a partir dos fragmentos da cultura e da própria cultura como sintaxe de
fragmentos”, afirmou Valeska. Uma cultura do fragmento, acrescente-se, que só seria assumida am-
plamente pela produção teórico-visual das últimas décadas do século 20, bem depois da morte de
Flávio. A exposição Flávio de Carvalho – 100 anos de um revolucionário romântico foi organizada no espaço
expositivo do MAB em quatro núcleos.
No primeiro, foram mostrados os trabalhos do início da trajetória do artista, entre eles 10 telas que
estiveram em sua primeira exposição individual, realizada em julho de 1934 em uma sala na rua Ba-
rão de Itapetininga, centro da capital paulista. Fechada pela polícia, a exposição foi reaberta por or-
dem judicial após processo movido pelo artista. Vale lembrar que três anos antes, Flávio tinha rea-
lizado a performance na procissão de Corpus Christi, estopim da ira que provocou desde então na
influente comunidade católica paulistana.
No segundo núcleo da exposição foram reunidas telas de paisagens e composições com figuras femi-
ninas. No terceiro e mais extenso segmento, foram exibidos retratos. O último núcleo foi dedicado à
Série Trágica (1947), conjunto de nove desenhos a carvão em que o artista anota, com dramaticidade
tocante e coragem invulgar, retratos dos últimos instantes de vida da mãe. A exposição se completa-
Flávio de Carvalho va com um grande painel de fotos de época, projetos de arquitetura, maquetes de cenografias para
100 anos de um teatro e a recriação das máscaras da peça O Bailado do Deus Morto. Ainda no mesmo segmento, foi exi-
revolucionário bido o famoso conjunto de saia (réplica) e blusa (original) com que Flávio de Carvalho desfilou nas
romântico
ruas centrais de São Paulo para propor uma vestimenta masculina capaz de enfrentar o calor dos
Imagens da
exposição/Images trópicos. A performance New Look de verão, realizada em 1956, novamente provocou polêmica e
of the exhibition escândalo. O artista nunca perdeu o espírito iconoclasta. (A.M.)

documented the reasoning that precedes visual creation. They both liked witticisms and challenging postures.
A selection of texts by Flávio and a concise study of his characteristics undertaken by Valeska Freitas are the highlights
of the catalog for the 1999 show at MAB, helping to dimension Flávio’s contribution to the mindset concerning
the visual arts in Brazil. In this selection of works, it is evident that the author proposes “a hybrid, nondualistic and
postmodernist reading, constructed based on fragments of culture and of his own culture as a syntax of fragments,”
Valeska states. A culture of the fragment, we may add, which was only to be widely assumed by the visual-theoretic
production in the last decades of the 20th century, well after Flávio’s death.
The exhibition Flávio de Carvalho: 100 anos de um revolucionário romântico [Flávio De Carvalho: 100 Years of a
Romantic Revolutionary] was organized in MAB’s exhibition space in four segments. The first featured works from the
beginning of the artist’s career, including ten paintings that were presented at his first solo show, held in July 1934 in
a room on Barão de Itapetininga Street in downtown São Paulo. Closed by the police, the exhibition was reopened by
judicial order after a lawsuit brought by the artist. It should be noted that three years earlier, Flávio had realized the
performance artwork involving the Corpus Christi procession, which triggered the wrath directed at him ever since by
São Paulo’s influential Catholic community. The second segment consisted of paintings of landscapes and compositions
with female figures.
The third and largest segment was composed of portraits. The last segment was dedicated to the artist’s Série Trágica
[Tragic Series, 1947], a set of nine charcoal drawings in which the artist records – with touching drama and exceptional
courage – portraits of the last instants of his mother’s life.
The exhibition was capped off by a large panel of photographs of that time, architectural designs, scale models
of theater scenography, and the re-creation of masks for the play O Bailado do Deus Morto. This same segment
included the famous outfit of men’s summer clothing that Flávio de Carvalho designed and wore during a walk
through the streets of downtown São Paulo to propose a type of man’s clothing suitable for the heat of the tropics.
The performance New Look de verão [New Summer Look], held in 1956, once again provoked controversy and was
considered scandalous. The artist never lost his iconoclastic spirit. (A.M.)

79
80
Ismael Nery 1970
40 anos depois

Dois momentos de um mito

Trágica e por vezes até soturna, a obra de Ismael Nery (1900-


1934) ficou no limbo da história da arte durante muito tempo
após a breve existência de 33 anos do artista e sua pouco mais
de uma década de vida produtiva. A temática recorrente eram
os abismos da entrega amorosa, a aniquilação física causada pela
doen­ça e a morte. O traço sinuoso e enxuto do desenhista, mais
que o do pintor, expunha as vísceras das figuras, apontava para a
subjetividade e para o inconsciente.
Os autorretratos, como o que se transfigurou em Toureiro (1922),
forjaram o mito de figura enigmática. A absoluta originalidade de
percurso diante dos artistas da época, difícil de ser entendida pelo
público quando Nery era vivo, tornou-se um dos principais obs-
táculos para a visibilidade póstuma. Ao contrário de modernistas
L’art 1930 – 1970:
como Tarsila e Di Cavalcanti, o espiritualizado e religioso Nery
Ismael Nery
não buscava raízes da brasilidade, mas a subjetividade do indiví- 40 anos depois
duo em suas universais angústias. 1970
Ismael Nery
Autorretrato (toureiro),
O MAB realizou duas exposições sobre Ismael Nery. A primeira MAB – FAAP
1922 delas, em 1970, Ismael Nery 40 anos depois, foi organizada pelo crí-
Óleo s/ tela s/ tico de arte Carlos von Schmidt, então diretor do MAB. Reuniu Curadoria
Carlos von Schmidt
madeira/ 227 obras de cinco coleções particulares: 18 pinturas, 171 dese-
Oil on canvas
nhos, 32 aquarelas e seis guaches. O conjunto refletia uma produ- Catálogo
on wood Textos: Carlos von Schmidt,
32,5 x 24,7 cm ção mais gráfica do que pictórica e o fato da obra estar quase em Murilo Mendes, Antonio
Coleção particular, SP sua totalidade ausente das coleções públicas. Bento, Mário de Andrade
e Ismael Nery
12 páginas

Two moments of a myth

Tragic and sometimes even gloomy, the oeuvre of Ismael Nery (1900–1934)
languished in the limbo of art history for a long time after the artist’s brief
33-year life and productive period of just over a decade. The recurrent themes
were the abysses of amorous surrender and the physical annihilation brought
on by sickness and death. The sinuous and concise lines of the drawer, more
than those of the painter, exposed the innards of the figures and pointed toward
subjectivity and the unconscious.
The self-portraits, such as that which was transfigured in Toureiro [Bullfighter,
1922], forged the myth of an enigmatic figure. Nery’s absolute originality as
compared to other artists of that time was difficult for the public to understand
during his life, and constituted one of the main obstacles for widespread
posthumous recognition of his work. Unlike modernists such as Tarsila
and Di Cavalcanti, the spiritualized and religious Nery did not seek roots in
Brazilianness, but rather in the subjectivity of the individual in his universal
anxieties. MAB has held two exhibitions on Ismael Nery. The first of them, in
1970, Ismael Nery 40 anos depois [Ismael Nery, 40 Years Later], was organized
by art critic Carlos von Schmidt, then director of MAB. This show involved 227

81
82
Ismael Nery 2000
100 anos – a poética de um mito

A exposição foi documentada em catálogo com reproduções em


preto e branco de duas telas e seis desenhos, além de textos críticos
do diretor do MAB e a íntegra de textos de época assinados por
Mário de Andrade (1928), Murilo Mendes (1948) e Antonio Ben-
to (1966). O próprio Ismael Nery teve reproduzidas duas poesias
e um texto de 1933, espécie de testamento espiritual.
Em agosto de 2000, para comemorar o centenário de nascimen-
to do artista, o MAB sediou a retrospectiva Ismael Nery 100 anos - a
poética de um mito, com curadoria de Denise Mattar. Um conjunto
de 155 obras, mais uma vez obtidas quase totalmente em coleções
privadas, foi dividido em quatro núcleos. O primeiro, denomina-
do O Eu e o Outro, exibiu trabalhos de viés autobiográfico, em que ISMAEL NERY
Nery abordou a relação entre ele, sua mulher Adalgisa e o amigo 100 anos – a poética
e poeta Murilo Mendes. O segundo segmento, Imagem e Semelhan- de um mito
18/08 a 01/10/2000
ça, apresentou óleos de Nery por grupos temáticos (figuras, nus e
MAB – FAAP
visceralidades). O terceiro, Memória, trazia a cronologia do artista
e uma instalação sonora com poemas de Ismael, Adalgisa e Mu- Curadoria
rilo nas vozes dos atores Murilo Rosa, Christiane Torloni e Bru- Denise Mattar

no Garcia. Cenografia
Por fim, o núcleo Nery o virtuose apresentava 100 desenhos do artis- Julia Peregrino e Gláucio
Campelo
ta reunidos por analogia de linguagem. Nessa parte, era possível
Ismael Nery 100 anos –
observar as influências da art nouveau do desenhista inglês Au- CATÁLOGO
a poética de um mito Textos: Denise Mattar, Tadeu
Imagens da exposição/ brey Beardsley (1872-1898), conhecido pelas ilustrações de livros Chiarelli, Affonso Romano
Images of the exhibition de Oscar Wilde (como Salomé); a tela em homenagem a Chagall; de Sant’Anna, Maria Izabel
Branco Ribeiro, Emmanuel
Nery, Chaim José Hamer,
Rodolpho Ortenblad Filho.
128 páginas
Programação Visual:
artworks from 5 private collections: 18 paintings, 171 drawings, 32 watercolors Unidesign
and 6 gouaches. The set reflected a production that was more graphic than
pictorial, besides the fact that the oeuvre was almost totally absent from public Prêmios ABCA e APCA
collections.
The exhibition was documented in a catalog with black-and-white reproductions
of two paintings and six drawings, along with critical texts by MAB’s director and
texts written in different decades, by Mário de Andrade (1928), Murilo Mendes
(1948) and Antonio Bento (1966). Two poems and a 1933 text by Ismael Nery
himself were also reproduced, as a sort of spiritual testament.
In August 2000, to commemorate the 100th anniversary of the artist’s birth, MAB
held the retrospective Ismael Nery 100 anos: a poética de um mito [Ismael Nery
100 Years: The Poetics of a Myth], curated by Denise Mattar. The set of artworks
– once again obtained almost totally from private collections – was divided
into four segments. The first, named “The Self and the Other,” was made up of
works of an autobiographical nature in which Nery approached the relationship
between himself, his wife Adalgisa, and friend and poet Murilo Mendes. The
second segment, “Image and Resemblance,” featured oils by Nery in thematic
groups (figures, nudes and paintings with viscera). The third segment, “Memory,”
presented the artist’s chronology along with an audio installation with poems
by Ismael, Adalgisa and Murilo read by the actors Murilo Rosa, Christiane Torloni
and Bruno Garcia.

83
84
Ismael Nery 2000
100 anos – a poética de um mito

projetos de arquitetura e desenhos de figurinos. A visitação terminava com os últimos trabalhos da


série Visceralidades, realizados pelo artista antes de morrer de tuberculose.
Durante a mostra, foi apresentado o espetáculo performático 33, coordenado por Denise Mattar e
dirigido por José Possi Neto. O elenco contou com os atores/bailarinos Sandro Borelli, Sonia Soares
e Roberto Alencar. O espetáculo visava expressar as sensações e tensões da obra e da vida do pintor.
“Nery era um homem extremamente contemporâneo” afirmou Possi (Folha de S. Paulo, 19/08/2000).
A curadoria sobre Ismael Nery encerrou a trilogia de mostras modernistas organizada por Denise,
em realização compartilhada entre o Centro Cultural Banco do Brasil e a Fundação Armando Alva-
Ismael Nery
A família, s/d res Penteado, e que já tinha enfocado Di Cavalcanti e Flávio de Carvalho. A retrospectiva de Nery re-
Óleo s/ tela/ cebeu o prêmio de melhor exposição do ano da Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA) e
Oil on canvas igual distinção da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Celso Fioravante (Folha de S.Paulo,
37 x 47 cm
19/08/2000), que já tinha visto a exposição no Rio, aberta em junho, observou: “Apesar de ser com-
Coleção
Wilma e Rodolpho posta pelos mesmos trabalhos apresentados no Rio (...), em São Paulo a mostra ganha montagem mais
Ortenblad Filho, SP linear, em paredes curvas e caracóis, algo que possibilita uma observação mais acurada”. (A.M.)

The last segment, “Nery the Virtuoso,” presented 100


drawings by the artist grouped by analogy of language.
In this part, it was possible to observe the art nouveau
influences of English drawer Aubrey Beardsley (1872–
1898), known for his illustrations of books by Oscar Wilde
(including Salomé); a canvas in homage to Chagall; as
well as architectural and clothing designs. The exhibition
was capped off by the last artworks of the Visceralidades
[Visceralities] series, realized by the artist before he died of
tuberculosis.
During the exhibition, the performance 33 was presented,
coordinated by Denise Mattar and directed by José Possi
Neto. The cast included actors/dancers Sandro Borelli,
Sonia Soares and Roberto Alencar. The performance sought
to express the sensations and tensions of the painter’s life
and work. “Nery was an extremely contemporary man,”
Possi stated (Folha de S.Paulo, 19 August 2000).
This exhibition on Ismael Nery completed the trilogy
of modernist shows curated by Denise, in a joint effort
between Centro Cultural Banco do Brasil and Fundação
Armando Alvares Penteado, and which had already
focused on Di Cavalcanti and Flávio de Carvalho. Nery’s
retrospective received the prize for best exhibition of the
year from the Associação Brasileira dos Críticos de Arte
[Brazilian Association of Art Critics – ABCA] and the same
distinction from the Associação Paulista de Críticos de
Arte [São Paulo Association of Art Critics – APCA]. Celso
Fioravante (Folha de S.Paulo, 19 August 2000), who had
Ismael Nery
already seen the exhibition in Rio, which had opened in June,
Nu (adolescente)
observed: “Despite being composed of the same works Óleo s/ tela/ Oil on canvas
presented in Rio [...], in São Paulo the show gained a more 113 x 58 cm
linear layout, on curved and spiraling walls, something that Acervo Museu de Arte
allows for a more accurate observation.” (A.M.) Brasileira-FAAP, SP

85
86
Di Cavalcanti 1997
100 anos

Um cronista da vida boêmia

A organização da retrospectiva de grande envergadura Di Caval-


canti 100 Anos, inaugurada no MAB em janeiro de 1998, coloca em
evidência um fator essencial para o êxito dessas empreitadas de fô-
lego: a pesquisa e sistematização de dados, para produzir cronolo-
gia consistente. A acurada reunião de fatos biográficos e obras sig-
nificativas delimitam e qualificam as conquistas de uma trajetória
estética. Ajudam também a suprir lacunas de nossa história da arte,
tão pródiga em adjetivos e tão ávara em fatos contextualizados. Há
que ter empatia pelo assunto. A curadora Denise Mattar se refere
a Di Cavalcanti (1897-1976), no final de seu texto para o catálogo,
como “um gordo elegante, amante de muitas mulheres, amigo de
muitos amigos, carioca até a raiz dos cabelos, brasileiro até o fundo
Di Cavalcanti
de sua alma”. Na abertura do mesmo texto, já tinha saudado o ar- 100 anos
tista como “um ser múltiplo, apaixonado, tumultuado, irreverente, 1997-1998
boêmio e sensual, um intelectual de arguta inteligência”.
Exposições
Di Cavalcanti
Feita para assinalar o centenário de nascimento desse grande • As Mulheres de Di
Moleque, 1932 nome do modernismo e motor primeiro da Semana de Arte Mo- Centro Cultural Banco do
Brasil, RJ 07/09 a 14/12/1997
Óleo s/ cartão/ derna de 1922, a exposição foi aberta na terra natal do home- • Di – Meu Brasil Brasileiro
Oil on cardboard nageado, o Rio de Janeiro. Ocupou dois locais: MAM e CCBB. Museu de Arte Moderna
49 x 36,5 cm do Rio de Janeiro, 07/09 a
Coleção sr. e sra. Luiz
Logo a seguir, foi exibida para o público paulista, no MAB. O 15/10/1997
Antônio de conjunto de 137 óleos, aquarelas e desenhos foi obtido de 60 co- • Di Cavalcanti 100 anos
Museu de Arte Brasileira –
Almeida Braga leções públicas e particulares, em vários pontos do país. FAAP. 22/01 a 01/03/1998
Curadoria: Denise Mattar
Cenografia: Júlia Peregrino
e Gláucio Campello

a reporter on bohemian life Catálogo


Textos: Denise Mattar, José
Mindlin, Mário de Andrade,
The organization of the large-scope retrospective Di Cavalcanti 100 Anos Murilo Mendes, Augusto
[Di Cavalcanti 100 Years], opened at MAB in January 1998, highlighted an essential Frederico Schmidt, Sérgio
factor for the success of this sort of comprehensive undertaking: research and Milliet, Jaime Maurício, Carlos
Drummond de Andrade,
systematization of data, in order to produce a consistent chronology. The accurate Carlos Flecha Ribeiro, Carlos
collation of biographical facts and significant artworks delimits and qualifies the Scliar, Walter Zanini, Antônio
achievements of an art career. This work also helps fill in the gaps in our Maria, Vinicius de Moraes,
Frederico Moraes, Luís
art history, with its surfeit of adjectives and dearth of contextualized facts. Martins, Roberto Pontual,
There must also be empathy for the subject. The curator Denise Mattar refers to Vera D’Horta, Mário Pedrosa,
Di Cavalcanti (1897–1976), at the end of her text for the catalog, as “an elegant fat Geraldo Edson de Andrade,
Olívio Tavares de Aráujo, Joel
man, the lover of many women, the friend of many friends, a carioca to the roots
Silveira, Fernando Sabino,
of his hair, a Brazilian to the bottom of his soul.” At the beginning of the same text, Moacir Werneck de Castro,
she had already praised the artist as “a multiple, impassioned, agitated, irreverent, Elisabeth Di Cavalcanti Veiga,
Diná Lopes Coelho, Casimiro
bohemian and sensual being, a quick-witted intellectual.”
Xavier de Mendonça, Gilda
Held to mark the 100th anniversary of the birth of this great name in modernism Cesário Alvim e Marcus de
and a main driver of the Modern Art Week of 1922, the exhibition was opened in the Lontra.
homaged artist’s land of birth, Rio de Janeiro. It occupied two venues: MAM [Museu Projeto gráfico:
Departamento de
de Arte Moderna] and CCBB [Centro Cultural Banco do Brasil]. A short time later Programação Visual MAM, RJ
it was exhibited to the São Paulo public, at MAB. The set of 137 oils, watercolors 120 páginas
and drawings was obtained from 60 public and private collections, in various

87
Di Cavalcanti 1997
100 anos

Di Cavalcanti 100 anos


Imagem da exposição/
Image of the exhibition

Di Cavalcanti
Mulata em rua
vermelha, 1960
Óleo s/ tela/
Oil on canvas
98 x 79 cm
Coleção particular

Na sua itinerância paulistana, a retrospectiva foi reduzida para parts of Brazil. For its São Paulo showing, the retrospective
75 peças (Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo, 22/01/98), was reduced to 75 pieces (Caderno 2 of the newspaper O
para melhor ocupação do espaço expositivo. O catálogo, com- Estado de S. Paulo, 22 January 1998), for a better occupation
of the exhibition space. The catalog contained statements
partilhado, reuniu depoimentos e seleção de textos críticos de
and a selection of critical texts of that time, linked to colored
época, articulados a reproduções a cores das obras expostas e
reproductions of the featured artworks, along with a detailed
minuciosa cronologia, enriquecida com imagens raras de ar- timeline, enriched with rare archival images. The expository
quivo. A expografia elegeu o vermelho para as paredes, assina- design chose red for the walls, indicating the sensual and
lando o clima sensual e caloroso da obra deste artista que Má- warm climate of the work of this artist that Mário de Andrade
rio de Andrade definia como “mulatista-mór”. A distribuição defined as a mulatista-mor [great painter of mulatto women].
dos trabalhos foi feita em dois módulos. O primeiro, As Mulhe- The artworks were divided into two segments. The first, “As
Mulheres de Di” [Di’s Women], included 35 canvases displayed
res de Di, reuniu 35 telas dispostas em ordem cronológica, para
in chronological order, for the public to observe all of the
o público observar todas as várias influências estilísticas adota-
various stylistic influences adopted by the painter.
das pelo pintor brasileiro. More than the beauty and sensuality of the mulatto women,
Os retratos, mais do que a beleza e sensualidade das mulatas, they clearly evidenced Di’s pictorial erudition. The painting
trazem a evidência da erudição pictórica de Di. Saberes adquiri- techniques he had acquired in the 1920s and ’30s, when
dos nos anos 20 e 30, quando viveu em Paris e conheceu Picasso, he lived in Paris and met Picasso, Matisse and Léger, were
Matisse e Léger, influências que soube analisar e traduzir para influences he knew how to analyze and translate in terms
of his own painting diction. This is evident, for example, in
sua própria dicção nas tintas. É o que fica evidente, por exemplo,
the canvas Cinco Moças de Guaratinguetá [Five Girls from
na tela Cinco Moças de Guaratinguetá, de forte acento legeriano. O Guaratinguetá], with accents clearly evocative of Léger’s
segundo módulo da exposição, Meu Brasil Brasileiro, agrupou ce- style. The exhibition’s second segment, “Meu Brasil Brasileiro”
nas de festas populares, paisagens, naturezas-mortas e até autor- [My Brazilian Brazil], included scenes of popular festivals,
retratos. Em grande parte dessas obras, a figura feminina nova- landscapes, still-lifes and even self-portraits. In a large part
mente assume protagonismo, como na tela Samba. of these works, the female figure plays a central role, as in
A exposição Di Cavalcanti 100 Anos significou ainda uma vitória the canvas Samba. The exhibition Di Cavalcanti 100 Anos,
moreover, meant a tenacious victory in regard to surmounting
da tenacidade sobre difíceis questões de direitos autorais, que
difficult questions of copyright, which had already blocked
já tinham inviabilizado outras iniciativas de historiar a trajetó- other initiatives for a retrospective of this painter. The solution
ria do pintor. A solução encontrada para garantir a realização that allowed the realization of the shows in Rio and São Paulo
das mostras no Rio e em São Paulo criou benéfico precedente established a legal precedent which greatly facilitated future
jurídico para demandas futuras na área. (A.M.) initiatives in this area. (A.M.)

88
89
90
Uma viagem com Anita 2001
A festa da forma e da cor

Viagem ao farol do modernismo

Uma das características da exposição Uma viagem com Anita foi a


montagem cenográfica da tela O Farol, pintada por Anita Malfatti
(1889-1964) na ilha de Monhegan (Maine, EUA). Quando criou
essa obra, em 1915, Malfatti retomava e amadurecia a desenvoltu-
ra das pinceladas expressionistas que aprendera em quatro anos na
Alemanha (1910-1914), no auge desse movimento.
Malfatti tinha viajado para estudar pintura nos Estados Unidos. As
aulas na Royal Academy of Design não a satisfaziam. Foi em um Uma Viagem
curso livre de verão, na ilha de Monhegan, que ela retomou as con- com Anita
A festa da forma e da cor
vicções expressionistas adquiridas na Europa. Em uma de suas car-
11/08 a 16/09/2001
tas, a pintora definiu o período em Maine como “festa da forma MAB – FAAP
e da cor”. A expressão foi apropriada pela curadora Denise Mat-
tar para ser utilizada como subtítulo da exposição, inaugurada no Curadoria
Denise Mattar
MAB em 11 de agosto de 2001.
Anita Malfatti
O Homem das
A mostra no MAB deu destaque também a outra característica do Cenografia
Guilherme Isnard
sete cores, 1915/16 legado de Malfatti: o pioneirismo na implantação de noções de ar-
Carvão e pastel s/ papel/ te-educação no Brasil. Sem abdicar do viés didático, a montagem Catálogo
Charcoal and pastel on buscou atrair o olhar com recursos de expografia e cenografia. Texto: Denise Mattar
paper Programação visual:
60,7 x 45 cm
A imprensa diária noticiou a exposição em matéria de página inteira: Mauro Campello
Acervo do Museu de Arte “Com cuidadoso projeto cenográfico, que cria um percurso lúdico e 72 páginas

Brasileira-FAAP, SP didático para apresentar a produção da artista entre 1909 e 1923 por

A trip to the lighthouse of modernism

One of the characteristics of the exhibition Uma Viagem com Anita [A Trip with
Anita] was the scenographic setup of the painting O Farol [The Lighthouse],
painted by Anita Malfatti (1889–1964) on Monhegan Island (Maine, USA).
When she created this artwork, in 1915, Malfatti reassumed and matured the
self-confident expressionist brushstrokes she had learned in the four years
she spent in Germany (1910–1914), at the apex of this movement.
Malfatti had also traveled to study painting in the United States. The classes
she had taken at the Royal Academy of Design had not satisfied her.
It was in an open course during the summer, on Monhegan Island, that she
reassumed the expressionist convictions she had acquired in Europe. In one of
her letters, the painter defined the period in Maine as “a festival of form
and color.” The expression was appropriated by curator Denise Mattar
for the subtitle of the exhibition, opened at MAB on 11 August 2001.
The show at MAB also highlighted another of Malfatti’s characteristics: her
pioneering in the implementation of notions of art education in Brazil.
Besides the show’s educational thrust, it aimed to attract the viewer’s gaze by
means of meticulous exhibition design and scenography.
The press gave first-page coverage to the exhibition: “With a careful scenographic
design, with the artworks laid out along a playful and educational path that

91
Uma viagem com Anita 2001
Recriação Scenographic
A festa da forma e da cor cenográfica re-creation of
do quadro the painting
O Farol O Farol

meio de 34 obras, a exposição tem por objetivo central fazer com features the artist’s production from 1909 to 1923, the
que o público atente para o processo de construção de uma obra exhibition’s central aim is to make the public aware of the
de arte” (Hirszman, M. O Estado de S. Paulo, 11/08/2001). No tex- process by which an artwork is constructed” (O Estado de S.
to para o catálogo, Mattar lembra que a ideia do projeto surgiu ao Paulo, 11 August 2001). In her catalog text, Mattar points out
that the idea for the project arose when she asked herself:
se perguntar: “Como fazer alguém observar uma pintura, uma
“How to make someone observe a painting, a brushstroke?
pincelada? Imediatamente imaginei uma criança entrando em I immediately imagined a child entering a painting.” And
um quadro”. E o quadro era O Farol. Em entrevista, na matéria the painting was O Farol. In an interview, in the above cited
citada, a curadora observa: “Quis estudar esse momento da cria- material, the curator observes: “I wanted to study this
ção de Anita, que tem um vigor, uma pincelada e uma força ca- moment of creation by Anita, which has a vigor, a brushstroke
pazes de ensinar uma série de coisas”. and a force able to teach a series of things.”
Foi essa ideia que o cenógrafo brasileiro Guilherme Isnard ado- It was this idea that Brazilian scenographer Guilherme
Isnard adopted for the exhibition design, and which Belgian
tou no percurso expositivo da mostra e a cenógrafa belga Isabel-
scenographer Isabelle van Oost applied in the three-
le van Oost aplicou na recriação tridimensional da tela O Farol. dimensional re-creation of the painting O Farol. The path
O trajeto se iniciava com uma cronologia da carreira artísti- taken by the visitor began with a chronology of Malfatti’s
ca de Malfatti. A contextualização foi feita com fotografias da artistic development. The contextualization was given by
capital paulistana no início do século 20, quando começava a photographs of São Paulo in the early 20th century, when

92
Anita Malfatti
O Farol, 1915
Óleo s/ tela/ Oil on canvas
46,3 x 61 cm. Coleção Gilberto
Chateaubriand-MAM, RJ
Foto José Franceschi

verticalização dos prédios mas ainda havia regatas no rio Tie- the verticalization of the buildings had begun, but there were
tê e bondes nas ruas. No segundo segmento da mostra foram still regattas on the Tietê River and trolleys in the streets. The
apre­sentados 12 desenhos e gravuras, além da recriação do ate- show’s second segment presented 12 drawings and prints,
liê da artista. Uma sucessão cronológica de trabalhos ia de plá- as well as a re-creation of the artist’s studio. In chronological
succession, the artworks went from placid landscapes to the
cidas paisagens até vigorosos traços a carvão de nus masculinos.
vigorous charcoaled lines of male nudes. The audio ambience
O ambiente foi sonorizado com Chiquinha Gonzaga, Villa-Lo- was provided by strains of Chiquinha Gonzaga, Villa-Lobos,
bos, Chopin e Mozart. Chopin and Mozart.
Ao sair do ateliê, o visitante passava por corredor de módulos Upon leaving the studio, the visitor went down a corridor of
de cores primárias antes de entrar na montagem cenográfica modules of primary colors until entering the scenographic
da tela O Farol, sonorizada com ruídos de ondas do mar, vento setup of the painting O Farol, complete with the recorded
e pássaros. Uma das casas do quadro levava à exposição de 23 sounds of ocean waves, wind and birds. One of the houses in
the painting led to an exhibit with 23 paintings by Anita Malfatti,
pinturas de Anita Malfatti, feitas entre 1909 e 1923. A exposi-
made from 1909 to 1923. The exhibition was complemented
ção se completava com um workshop em que os visitantes ex- by a workshop in which the visitors experimented with
perimentavam os recursos expressivos da pintura em pequenas the expressive resources of painting on small canvases,
telas, com tintas atóxicas de secagem rápida. Em 35 dias de ex- with nontoxic, fast-drying paints. In 35 days of the exhibition,
posição, foram pintadas 15 mil telas. (A.M.) 15 thousand of these canvases were painted. (A.M.)

93
94
No tempo dos modernistas
D. Olívia Penteado,
a senhora das artes 2002

a grande dama dos saraus

O contraste não poderia ser maior. As elites econômicas do iní-


cio do século XX no Brasil ainda cultuavam a pintura acadêmica
francesa, móveis estilo Luís XV e tapeçarias gobelins. Dona Olí-
via Guedes Penteado (1872-1934), fortuna alicerçada na exporta-
ção do café, também tinha em sua mansão, em São Paulo, esses
ornamentos. Cultivava ao lado, porém, referenciais estéticos mo-
dernistas. Todas as terças-feiras, recebia artistas e intelectuais ami-
gos em pavilhão construído no jardim, com teto decorado por La-
sar Segall e paredes repletas de telas de Tarsila do Amaral, Anita
Malfatti e Di Cavalcanti.
A Semana de Arte Moderna de 1922 não teria maior repercus- no tempo dos
Reconstituição do são se o salão de d. Olívia não tivesse dado apoio logístico para a modernistas
salão modernista de consolidação do movimento. Esse fato histórico foi lembrado pelo D. Olívia Penteado,
Dona Olívia Penteado MAB para homenagear a grande dama dos saraus modernistas a senhora das artes
com uma exposição, que assinalou os 80 anos da Semana de 22. 09/03 a 28/04/2002
Reconstitution of the
A homenagem se deu, aliás, em espaços culturais criados por Ar- MAB – FAAP
Olívia Penteado’s
modernist pavilion mando Alvares Penteado, sobrinho e primo de d. Olívia. Curadoria
Denise Mattar

Cenografia
Guilherme Isnard

The leading lady of the soirées Lista dos artistas


André Lhote, Anita Malfatti,
The contrast could not have been greater. The economic elites in early Antonio Gomide, Brancusi,
Cícero Dias, Di Cavalcanti,
20th-century Brazil still venerated French academic painting, Louis XV style
Fernand Léger, Lasar Segall,
furniture and Gobelin tapestries. Olívia Guedes Penteado (1872–1934), whose Marie Laurencin, Mário
fortune was based on the exportation of coffee, also had these ornaments de Andrade, Oswald de
Andrade, Pablo Picasso,
in her mansion in São Paulo. She also had a taste, however, for modernistic
Tarsila do Amaral, Foujita
aesthetic references. Every Tuesday, she received artists and intellectual friends e Victor Brecheret.
in a pavilion in her garden, with a ceiling decorated by Lasar Segall and walls
replete with paintings by Tarsila do Amaral, Anita Malfatti and Di Cavalcanti. Catálogo
Organização: Denise Mattar
The Modern Art Week of 1922 would not have enjoyed such a great impact Textos: Maria Thereza da
without the support given by Olívia Guedes Penteado for the consolidation of Silva Prado Godoy, Denise
the modernist movement. This historic fact was remembered by MAB when it Mattar, Jayme da Silva Telles,
Anésia Pacheco e Chaves,
honored the leading lady of the modernist soirées with an exhibition, marking
Mônica Raisa Schpun,
the 80th anniversary of the Week of ’22. This homage took place in cultural Aracy Amaral, Goffredo da
spaces created by Armando Alvares Penteado, Olívia’s nephew and cousin. Silva Telles Jr., Maria Izabel
Ribeiro, Telê Ancona Lopez
The exhibition No Tempo dos Modernistas: D. Olívia Penteado, a Senhora das
e Vasco Mariz.
Artes [In the Time of the Modernists: Olívia Penteado, the Leading Lady of the Projeto Gráfico:
Arts] opened in March 2002. The curating was handled by Denise Mattar. The Mauro Campello
304 páginas
scenography, by Guilherme Isnard, used architectural elements from Olívia’s
mansion to articulate the various parts of the exhibition design: at the entrance,
an octagonal room presented the chronology in large photographic panels

95
96
No tempo dos modernistas
D. Olívia Penteado, a senhora das artes 2002

A exposição No tempo dos modernistas: D. Olívia Penteado, a senhora das artes foi inaugurada em março de
2002. A curadoria foi feita por Denise Mattar. A cenografia, de Guilherme Isnard, usou elementos
arquitetônicos do palacete de Dona Olívia para articular o percurso expositivo: na entrada, uma sala
octogonal apresentava a cronologia em grandes painéis fotográficos e abria-se em arcos para cada
um dos cinco núcleos temáticos da mostra.
Um dos núcleos focou as viagens realizadas pela mecenas ao Rio de Janeiro, Minas Gerais e a ou-
tros pontos do país, para mostrar um pouco do Brasil ao poeta franco-suíço Blaise Cendrars. Como
observou a curadora em seu texto, dessas viagens resultaram obras-primas do modernismo, como
o livro Pau-Brasil, de Oswald de Andrade e as “cores caipiras” que Tarsila passaria a adotar em sua
pintura. Nesse segmento, Tarsila foi representada com 11 obras sobre papel e seis óleos sobre tela de
sua produção dos anos 20, entre eles a pintura O Sapo, do acervo do MAB.
Um dos destaques da mostra foi a reconstituição do pavilhão modernista da casa de d. Olívia. A co-
lorida pintura geométrica do teto, de viés art déco e autoria de Lasar Segall, foi recriada pela cenó-
grafa belga Isabelle van Oost a partir do projeto original do artista – em guache, aquarela e grafite
– existente no acervo do Museu Lasar Segall. Fotos de época, documentando o ambiente em todos
Tarsila do Amaral  os ângulos, ofereciam aos visitantes boa noção do espaço original, demolido nos anos 40 junto com
O sapo, 1928 a mansão de d. Olívia, na esquina da rua Conselheiro Nébias, para o alargamento da avenida Du-
Óleo s/ tela/ que de Caxias.
Oil on canvas
50,5 x 60 cm
Várias intervenções com figuras estilizadas, pintadas por Segall nas paredes laterais do pavilhão,
Acervo Museu de Arte também foram recriadas no MAB. Telas originais de artistas da Escola de Paris, como Fernand Lé-
Brasileira-FAAP, SP ger e André Lhote, que pertenceram à coleção de d. Olívia, foram pesquisadas e situadas no espaço

and opened into arches that led to each of the show’s five thematic
segments. One of the segments was focused on the trips that this
Maecenas took to Rio de Janeiro, Minas Gerais and other places around
the country, to show a little of Brazil to the Swiss-French poet Blaise
Cendrars. As the curator observed in her text, these trips resulted in
masterpieces of modernism, such as the book Pau-Brasil, by Oswald de
Andrade and the “cores caipiras” [countrified colors] that Tarsila began
to use in her painting. In this segment, Tarsila was represented with
eleven works on paper and six oils on canvas from her production of
the 1920s, including the painting O Sapo [The Frog], from the collection
of MAB.
One of the highlights of the show was the reconstitution of the
modernist pavilion at Olívia’s house. The colored geometric painting
on the ceiling, in art-deco style and authored by Lasar Segall, was re-
created by Belgian scenographer Isabelle van Oost based on the artist’s
original design – in gouache, watercolor and graphite – pertaining to the
Museu Lasar Segall collection. Photos from that time, documenting the
environment from every angle, offered the visitors a good notion of the
original setting, demolished in the 1940s together with Olívia’s mansion,
on the corner of Conselheiro Nébias Street, for the widening of Duque
de Caxias Avenue.
Various interventions with stylized figures, painted by Segall on the
pavilion’s sidewalls were also re-created at MAB. Original paintings by
artists from the Paris School, such as Fernand Léger and André Lhote,
which belonged to Olívia’s collection, were researched and arranged

97
98
No tempo dos modernistas
D. Olívia Penteado, a senhora das artes 2002

que tinham ocupado. Dona Olívia costumava exibir peças estrangeiras ao lado de obras modernistas
brasileiras e o mesmo foi feito no espaço cenográfico.
O Turista aprendiz, outro núcleo da mostra, reuniu desenhos singelos de observação e muitas fotos rea­
lizadas por Mário de Andrade nas viagens pelo Brasil ao lado da mecenas. Outro núcleo importante
do percurso foi denominado de Coleção Modernista. Conforme observou a curadora no texto do livro/
catálogo, “as obras de d. Olívia, hoje dispersas entre familiares e colecionadores, foram reunidas nes-
ta mostra, na sua quase totalidade, a partir de um árduo trabalho de pesquisa e localização”.
Na coleção havia um guache de Picasso de 1920, uma escultura de Brancusi atualmente no acervo
do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), pintura e desenho do japonês Foujita, além de
obras de Antonio Gomide, Di Cavalcanti e Cícero Dias. Um conjunto de oito esculturas de Victor
Brecheret refletia a importância que o artista teve no acervo de d. Olívia.
Um último segmento foi dedicado a retratos da mecenas: telas a óleo pintadas ainda na primeira dé-
Fotos de Mário de
Andrade. Viagem
cada do século 20 por artistas franceses. A exposição foi documentada em livro/catálogo de 304 pági-
ao Amazonas, 1927 nas com vários textos críticos e históricos. A diretora do MAB, Maria Izabel Ribeiro, escreveu sobre o
pavilhão modernista. Outros autores focaram a convivência de d. Olívia com Tarsila (texto de Aracy
Photos by Mário Amaral), Villa-Lobos (Vasco Mariz) e Mário de Andrade (Telê Ancona Lopez). Mônica Schpun ana-
de Andrade. Trip to
the Amazon region,
lisou o convívio de d. Olívia com Carlota Pereira de Queiroz, primeira brasileira eleita deputada fe-
1927 deral. Com o apoio de d. Olívia, diga-se. (A.M.)

in the same spaces they had occupied in the pavilion. Olívia


preferred to display foreign pieces side by side with Brazilian
modernist works, and the same practice was adopted for the
exhibition layout.
Another segment of the show, the “Apprentice Tourist,” featured
simple observational drawings and many photos made by Mário
de Andrade on his trips through Brazil alongside the Maecenas.
Another important segment in the design was called the
“Modernist Collection.” As the curator observed in the text of the
book/catalog, “Olívia’s artworks, today dispersed among relatives
and collectors, were brought together at the show, nearly in their
entirety, through a painstaking effort of research and localization.”
In the collection there was a gouache by Picasso from 1920, a
sculpture by Brancusi which is today in the Museum of Modern Art
of New York (MoMA), a painting and drawing by the Japanese artist
Foujita, as well as works by Antonio Gomide, Di Cavalcanti and
Lasar Segall
Cícero Dias. A set of eight sculptures by Victor Brecheret reflected
Os patinadores, 1912
the artist’s importance in Olívia’s collection. The final segment
Óleo s/ tela/Oil on canvas
was dedicated to portraits of the Maecenas herself: oil paintings
65 x 61 cm
made in the first decade of the 20th century by French artists. Coleção particular, SP
The exhibition was documented in a 304-page book/catalog with
various critical and historical texts. MAB’s director, Maria Izabel
Obras de Tarsila do
Ribeiro, wrote about the modernist pavilion. Other authors focused
Amaral. Viagem
a Minas, 1924 on Olívia’s relationships with Tarsila (text by Aracy Amaral), Villa-
Lobos (Vasco Mariz) and Mário de Andrade (Telê Ancona Lopez).
Works by Tarsila Mônica Schpun analyzed Olívia’s relationship with Carlota Pereira
do Amaral. Trip to de Queiroz, the first woman in Brazil ever elected as a federal
Minas Gerais, 1924 congressional representative. With Olívia’s help it is said. (A.M.)

99
100
Brasil 2002
Da antropofagia a Brasília

raízes do Brasil

A palavra megaexposição costuma ser utilizada pelos meios de co-


municação de massa para apontar espetaculosidades ou cifras mi-
lionárias, como se cultura pudesse ser reduzida à lógica rasa do
show business. Uma das poucas vezes em que o termo foi utilizado
com merecido assombro, pela percepção da escala excepcional de
valor artístico alcançada, foi quando se referiu à mostra Da Antropo-
fagia a Brasília 1920-1950. Inaugurada no MAB dia 30 de novem-
bro de 2002, ficou três meses em cartaz e registrou o fenômeno de
visitas repetidas do público, impactado pela densidade do material
oferecido à apreciação. Significou um conjunto de elementos rara-
mente reunido na historiografia brasileira, tanto pela profundidade da antropofagia
e extensão da pesquisa quanto pelos resultados alcançados. Além de a brasília
prover conteúdo para um evento, produziu história da cultura, do- Brasil 1920 - 1950
Lasar Segall
30/11/2002
Menino com cumentada em catálogo que é referência obrigatória na área.
a 02/03/2003
lagartixas, 1924 Para ilustrar as quatro décadas que alicerçaram a cultura do país
Óleo s/ tela/
foram expostas quase 700 obras de 144 artistas, de mais de uma Curadoria Geral
Oil on canvas Jorge Schwartz
98 x 61 cm
centena de coleções públicas e particulares e vários pontos do
Museu Lasar Segall, país. O gigantesco material iconográfico e documental foi arti- Curadores
IPHAN-MinC, SP culado em 10 salas e 900 metros quadrados de espaço expositivo. Annateresa Fabris, Carlos
Augusto Calil, Carlos Alberto
Ferreira Martins, Jean-Claude
Bernardet, Rubens Fernandes
Junior e José Miguel Soares
Wisnik
Brazil’s roots Projeto Museográfico
Pedro Mendes da Rocha
The term mega-exhibition is generally used by the mass media to denote
flashy productions with huge budgets, as though culture could be reduced to 165 artistas plásticos,
the shallow logic of show business. One of the few times that the term has poetas, escritores,
arquitetos, fotógrafos,
been applied to an event that truly merited this description in regard to the
cineastas e músicos,
exceptional scale of artistic value attained was when it was used to refer to the entre eles
show Da Antropofagia a Brasília 1920–1950 [From Anthropophagy to Brasília Tarsila, Carlos Drummond
1920–1950]. Inaugurated at MAB on 30 November 2002, it ran for three months de Andrade, Gilda de Abreu,
Mário de Andrade, Vilanova
and received a phenomenal number of visitors, who were struck by the density Artigas, Oswald de Andrade,
of material offered for their appreciation. Such a set of elements has rarely been Lamartine Babo, Manuel
gathered in Brazilian historiography, both in terms of the depth and extension Bandeira, Lina Bardi, Lima
Barreto, Brecheret, Burle-Marx,
of the research as well as the results achieved. Besides providing content for Niemeyer, Augusto e Haroldo
an event, this research led to findings concerning Brazilian cultural history, de Campos, Flávio de Carvalho,
documented in a catalog that has become a key reference in the area. Alberto Cavalcanti, Adolfo Celi,
Lúcio Costa, Di Cavalcanti,
To illustrate these four decades essential to the foundation of the nation’s
Cícero Dias, Gilberto Freyre,
culture, the exhibition involved nearly 700 artworks by 144 artists, from more Gautherot, Goeldi, Gomide,
than 100 public and private collections throughout Brazil. The colossal quantity Guignard, Ferreira Gullar, Sérgio
Buarque de Holanda, Rino Levi,
of iconographic and documental material was articulated in 10 rooms and 900
Jorge de Lima, Clarice Lispector,
square feet of exhibit space. Monteiro Lobato, Anita
This volume of research required three years of work and was begun based on Malfatti, Maria Martins,
an invitation made by the Instituto Valenciano de Arte Moderno (IVAM, Valência, Ismael Nery, Pagu, Pancetti,
Reidy, Hildegard Rosenthal,
Spain) to literary critic and specialist in modernist literature Jorge Schwartz, Segall, Pierre Verger,
from the Universidade de São Paulo (USP). The idea was to present the Spanish Alex Vianny, Warchavchik

101
102
Brasil 2002
Da antropofagia a Brasília

Esse volume de pesquisa consumiu três anos de trabalho e começou


a partir do convite, feito pelo Instituto Valenciano de Arte Moder-
no (IVAM, Valência, Espanha) ao crítico literário e especialista em
literatura modernista Jorge Schwartz, da Universidade de São Pau-
lo (USP). A ideia era apresentar ao público espanhol um panora-
ma da cultura brasileira, analisando suas principais vertentes. Para
tanto, o IVAM subsidiou a totalidade dos recursos para a primei-
ra montagem da mostra, inaugurada em Valência em outubro de
2000 e que ficou em cartaz por três meses, com sucesso de público
e de crítica repercutindo em extensas matérias nos dois principais
jornais de Madrid. O crítico Vicente Jarque, do jornal El País, des- Catálogo
Produção: IVAM Institut
tacou em página inteira (21/10/2000, Madrid) do diário madri- Valencia d’Art Modern
lenho que “o mais interessante da mostra (...) reside seguramente Coordenação: Maria
Casanova e Ma. Victoria
na vontade plural e multidisciplinar com que foi concebida”. Ob- Menor
servou a “enorme fascinação que o Brasil exerceu durante o sécu- Coordenação da edição em
português: Gênese Andrade
lo XX entre os mais inquietos intelectuais do Ocidente”. Textos: Jorge Schwartz,
O crítico Kevin Power, em texto para o suplemento cultural do jor- Juan Manuel Bonet,
Mário de Andrade Eduardo Subirats.
Sombra Minha, Santa
nal El Mundo (Madrid), com capa dedicada à “monumental” exposi- Textos dos curadores
Tereza do Alto, 1927 ção brasileira, escreveu que ela ajudava o público a “entender outras sobre cada tema e textos
referenciais como o
Fotografia/Photograph versões da modernidade desde perspectivas que não são exclusiva- Manifesto do III Salão de Maio,
3,7 x 6,1 cm mente eurocêntricas”. Frisou o “gesto ideológico necessário para re- Manifesto Ruptura, Manifesto
Arquivo do Instituto Antropófago, Da Função
de Estudos Brasileiros
solver o dilema da dependência cultural sobre a cultura européia”. Moderna da Poesia, Plano-
IEB-USP Em texto para a revista brasileira Cult (fev. 2001), Ana Mae Bar- Piloto para a Poesia Concreta,
entre outros.
Foto Rômulo Fialdini bosa comenta o sucesso da montagem espanhola destacando que Design: Manuel Granell
638 páginas

Prêmio APCA

public with an overview of Brazilian culture, analyzing its main trends. To this end,
IVAM provided total funding for all the resources needed for the first staging of
the show, opened in Valência in October 2000 for a three-month run that was
a success with the public and critics alike, and was the subject of extensive
articles in Madrid’s two leading newspapers. Critic Vicente Jarque devoted
a full-page article to the exhibition in El País (21 October 2000), in which he
stated that “the most interesting thing about the show [...] is certainly the plural
and multidisciplinary thrust of its conception.” He pointed out the “enormous
fascination that Brazil held during the 20th century among the most uneasy
intellectuals in the West.” In a text for the cultural supplement of El Mundo, with
a cover dedicated to the “monumental” Brazilian exhibition, critic Kevin Power
wrote that it helped the public to “understand other versions of modernity
from perspectives that are not exclusively Eurocentric.” He underscored the
“ideological gesture necessary to resolve the dilemma of cultural dependence on
European culture.” Mário de Andrade
Capa do livro Paulicéia
In a text for the Brazilian magazine Cult, Ana Mae Barbosa commented on
Desvairada, 1922
the success of the exhibition in Spain, emphasizing that it took place “without
Capa de Guilherme de Almeida
millionaire funding from commemorative commissions of the 500 years of
Coleção Thales Estanislau
Brazil’s ‘discovery,’ without any association with those politically disconcerting do Amaral
celebrations.” This goes a long way toward explaining the recurrent praise in Instituto de Estudos
regard to the sobriety and consistency of the São Paulo staging of the show. Brasileiros IEB - USP
The success in Spain was repeated in São Paulo, with a restaging sponsored Foto Ângela Garcia

103
104
Brasil 2002
Da antropofagia a Brasília

ela aconteceu “sem verbas milionárias de comissões comemorativas dos 500 anos da ‘descoberta’
do Brasil, sem qualquer associação com aquelas celebrações politicamente desconcertantes”. Estava
dado, aí, o pano de fundo para o entendimento dos elogios recorrentes à sobriedade e à consistên-
cia da montagem paulistana.
O sucesso no exterior repetiu-se em São Paulo, na remontagem patrocinada pelo MAB para assina-
lar os 80 anos da Semana de Arte Moderna, um dos pilares da curadoria. O outro fulcro temático
foi a construção de Brasília. Os dois fatos, segundo a tese curatorial, demarcariam a superação da
dependência cultural e a construção de uma cultura autônoma no país.
No texto para o catálogo da exposição no MAB, Schwartz esclareceu que a exposição foi “concebi-
da em conjunto com Juan Manuel Bonet (diretor do IVAM) e a partir do fervoroso entusiasmo des-
se grande especialista em vanguardas internacionais”. A abordagem plural da curadoria, assinalou
Schwartz no mesmo texto, representava “uma tentativa de retomar o espírito pluriartístico da Sema-
Affonso Eduardo Reidy na de 22, espírito que alentou a criação de verdadeiras redes de vasos comunicantes”. Era também
Conjunto Habitacional de “uma forma de chegar aos diversos ‘brasis’, incluídas suas inerentes contradições”. Para obter esses
Pedregulho, Rio de Janeiro,
vários registros, o curador geral Jorge Schwartz montou uma equipe multidisciplinar com seis cura-
1947-52
Maquete/ Architectural dores, todos professores e ensaístas de suas especialidades: Annateresa Fabris (artes plásticas), Jean-
model, escala 1/250; Claude Bernardet (cinema), Carlos Ferreira Martins (arquitetura e urbanismo), José Miguel Wisnik
110 x 132 cm (música) e Carlos Augusto Calil. Este último analisou a presença de intelectuais e artistas do exterior,
Realização de Roberto
que interagiram com o meio cultural brasileiro. Jorge Schwartz, além da coordenação geral, realizou
Righetti e Yuri Constantini
Acervo Museu de Arte a curadoria de literatura e dividiu com Rubens Fernandes Júnior a área de fotografia.
Brasileira-FAAP, SP Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (28/11/2002), Schwartz afirma: “Não quis nenhuma

by MAB to mark the 80th anniversary of the Semana de Arte Moderna [Modern Art
Week], one of the main anchors for the curatorial framework. The other thematic
fulcrum was the construction of Brasília. According to the curatorial thesis, these
two occurrences were milestones in the surpassing of cultural dependence and the
construction of an autonomous culture in the country.
In his text for the catalog of the exhibition held at MAB, Schwartz made it clear that
the show was “conceived together with Juan Manuel Bonet [the director of IVAM] and
based on the fervent enthusiasm of this great specialist in international vanguards.”
The curatorship’s plural approach, set forth by Schwartz in the same text, represented
“an attempt to recover the pluralistic spirit of the Modern Art Week of ’22, a spirit that
encouraged the creation of true networks of communicating vessels.” It was also “a
way of arriving at various ‘Brazils,’ included in their inherent contradictions.” To obtain
these various registers, general curator Jorge Schwartz assembled a multidisciplinary
team of six curators, all of them professors and essayists in their specialties: Capa da Klaxon Nº1
Annateresa Fabris (visual arts), Jean-Claude Bernardet (cinema), Carlos Ferreira Revista, 28 x 19 cm
Martins (architecture and urbanism), José Miguel Wisnik (music) and Carlos Augusto Biblioteca Guita e José
Gregori Warchavchik Calil. The latter analyzed the presence of intellectuals and artists abroad, who Mindlin
Casa Modernista, Rua Foto Rômulo Fialdini
interacted with the Brazilian culture milieu. Besides serving as general curator, Jorge
Itápolis, São Paulo, 1929
Schwartz also curated the literature segment and shared the area of photography
Maquete/ Architectural
with Rubens Fernandes Júnior.
model, escala 1/100
In an interview with the newspaper Folha de S.Paulo (28 November 2002), Schwartz
27 x 47cm
Realização de Roberto
affirmed: “I did not want any special scenography, it is the artworks themselves that
Righetti e Anna Ciotti should be highlighted.” Maria Hirszman, in the newspaper Estado de S. Paulo (30
Acervo Museu de Arte November 2002) referred to “the various pleasures” of the exhibition path, and the
Brasileira-FAAP, SP “discrete museographical design by Pedro Mendes da Rocha.” Maria also called

105
106
Brasil 2002
Da antropofagia a Brasília

cenografia especial, são as obras que devem ser ressaltadas”. Maria Hirszman, no jornal Estado de S.
Paulo (30/11/2002) assinala “os vários prazeres” do percurso expositivo”, no “discreto projeto museo-
gráfico assinado por Pedro Mendes da Rocha”. Maria destaca ainda a trilha sonora editada por Wisni-
ck: “A música, a menos tangível das artes, está presente em todo o espaço expositivo”.
Enorme diversidade de obras, com presença maior das artes visuais, da arquitetura e da literatura, foi
distribuída ao longo do percurso, ancorado por dois manifestos e dois planos piloto. O manifesto da
Semana de Arte Moderna e o Manifesto Antropófago nucleavam a década de 20. O Plano Piloto para
a Poesia Concreta e o Plano Piloto de Brasília ressaltavam os anos 50. O conjunto reuniu centenas de
pinturas, desenhos, gravuras, croquis, livros, revistas, manuscritos, fotografias, cartazes de cinema, par-
tituras e até roupa de época (o New Look ,de Flávio de Carvalho, ou seja, a saia que ele propôs como
roupa masculina, em performance pelas ruas de São Paulo). O levantamento de documentos e cruza-
mento de dados chegou a resultados inéditos. Permitiu, por exemplo, creditar o pioneirismo moder-
nista ao desenho O antropófago, de Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), que antecedeu em sete anos
a tela Abaporu, de Tarsila do Amaral. Essa pintura era vista logo na entrada da mostra. Outra imagem
impactante do início de percurso era a ampliação da foto que José Medeiros realizou do encontro entre
um índio do Xingu e um avião. Emblemática do choque civilizatório, dava uma medida da voltagem
Brasil, da antropofagia do sistema simbólico articulado pelos curadores. A mesma imagem do índio e do avião foi utilizada na
a Brasília
capa do catálogo de 638 páginas (português-inglês) que se constitui, por si só, em feito cultural de rara
Imagens da exposição/
Images of the envergadura. A edição, além de farta reprodução iconográfica, inclui ensaios de Juan Manuel Bonet,
exhibition Eduardo Subirats e de cada um dos curadores, além de acurada cronologia. (A.M.)

attention to the soundtrack edited by Wisnick: “Music, the least tangible of the
arts, is present throughout the exhibition space.”
An enormous diversity of artworks, mostly consisting of visual arts, architecture
and literature, was distributed along the course of the exhibition, anchored
by two manifestoes and two pilot plans. The manifesto of the Semana de
Arte Moderna and the “Manifesto Antropófago” [Anthropophagite Manifesto]
served as hubs for the 1920s. The manifesto entitled “Plano Piloto para a Poesia
Concreta” [Pilot Plan for Concrete Poetry] and the pilot plan for Brasília served
as focal points for the 1950s. The set included hundreds of paintings, drawings,
prints, architectural sketches, books, magazines, manuscripts, photographs,
movie posters, musical scores and even clothing from the era (the New Look
men’s summer wear design by Flávio de Carvalho, which featured a male skirt,
modeled in a performance by the artist himself, walking along the streets of
São Paulo). The gathering of documents and the collation of the data resulted in
Raul Bopp
new findings. It allowed, for example, for the conferral of pioneering modernist
Capa do livro Cobra Norato
status to the drawing O antropófago [The Anthropophagite], by Vicente do (Nheengatú da margem
Rego Monteiro (1899–1970), drawn seven years before Tarsila do Amaral’s esquerda do Amazonas),
painting Abaporu, this latter work displayed at the very outset of the course 1931
the visitors took through the show. Another striking image at the beginning Capa de Flávio de Carvalho,
of the expository path was the enlargement of the photograph that José 1ª edição
Medeiros took of a Xingú Indian’s first encounter with an airplane. Emblematic 19 x 14 x 0,8 cm
of civilizatory shock, it reflected the power of the symbolic system articulated Coleção Waldemar Torres,
by the curators. The same image of the Indian and the airplane was used on the Porto Alegre
Foto Rômulo Fialdini
cover of the 638-page bilingual (Portuguese/English) catalog, which was itself a
cultural feat of rare scope. Besides a vast wealth of iconographic reproductions,
the catalog included essays by Juan Manuel Bonet, Eduardo Subirats and by
each of the curators, as well as an accurate chronology. (A.M.)

107
108
O olhar modernista de JK 2006
JK e o estímulo às artes

Para além do foco em uma exposição de artes plásticas, O olhar mo-


dernista de JK foi um mergulho no ambiente cultural e político de
uma época fértil em transformações. O protagonismo do presi-
dente Juscelino Kubitschek no estímulo e na consolidação da arte
moderna no país foi o eixo principal da mostra, realizada pela
Fundação Armando Alvares Penteado em duas ocasiões. A pri-
meira, em 2004, no Palácio Itamaraty, em Brasília. A segunda, na
remontagem da mostra, em 2006, no Museu de Arte Brasileira
(MAB), em São Paulo.
A curadora Denise Mattar, que assinou as duas exibições, frisa no
texto para o catálogo, reeditado em 2006, que o desenvolvimento
da pesquisa para a mostra “revelou uma questão que estava sub-
jacente à nossa proposta inicial: a importância da política como o olhar
modernista de JK
estímulo à arte”. Foi assim que se resolveu recriar a exposição Arte
11/03 a 23/04/2006
Tarsila do Amaral  Moderna 1944, feita em Belo Horizonte por decisão do então pre-
Terra (mãe terra), 1943
feito JK e executada pelo pintor Alberto da Veiga Guignard. Curadoria
Óleo s/ tela/ Denise Mattar
Oil on canvas
Juscelino, um político que tinha o hábito e o prazer de conviver
61 x 80,2 cm com artistas e intelectuais, inscreveu essa exposição no seu esfor- Design de Montagem
Coleção particular, RJ ço do que denominou “arrancada da arte mineira para o futuro”. Guilherme Isnard

Programação Visual
Mauro Campello

Lista dos artistas


JK and the incentive to the arts Alberto da Veiga Guignard,
Aldari Toledo, Alfredo
Volpi, Anita Malfatti,
Beyond its focus on the visual arts, the exhibition Olhar modernista de JK [JK’s Arthur Kaufmann, Augusto
Modernist Gaze] took a plunge into the political and cultural environment of an Rodrigues, Burle Marx,
Candido Portinari,
era fertile in transformations. President Juscelino Kubitschek’s leading role in
Carlos Leão, Carlos Scliar,
encouraging the consolidation of modern art in Brazil was the main thrust of the Clóvis Graciano, Dacosta,
show, held by Fundação Armando Alvares Penteado on two occasions: the first, Di Cavalcanti, Djanira,
in 2004, at the Palácio Itamaraty, in Brasília, and the second, in 2006, at MAB, in Enrico Bianco, Fernando Fam,
Hans Etz, Heitor dos Prazeres,
São Paulo. Hilda Campofiorito, Hilde
Denise Mattar, the curator of both exhibitions, states in her text for the catalog, Weber, Iberê Camargo, José
published in 2006, that the development of the research for the show “revealed Moraes, José Pancetti, Lasar
Segall, Lívio Abramo, Lucy
a question that underlay our initial proposal: the importance of politics as Citti Ferreira, Manoel Martins,
a stimulus for art.” For this reason the decision was made to re-create the Mario Levi, Mario Zanini,
exhibition Arte Moderna 1944 [Modern Art 1944], held in Belo Horizonte by Martha Loutsch, Noemia
Mourão, Oswald de Andrade
decision of then-mayor Juscelino Kubitschek and executed by painter Alberto da
Filho, Goeldi, Paulo Rossi Osir,
Veiga Guignard. Percy Deane, Percy Lau, Poty,
Juscelino, a politician with a habit and pleasure of rubbing shoulders with Quirino Campofiorito, Quirino
da Silva, Rebolo Gonsales,
artists and intellectuals, included this exhibition in his effort that he called the
Alcides Rocha Miranda,
“jumpstart with Minas Gerais art for the future.” The coordination by Guignard, Rubem Cassa, Santa Rosa,
a prestigious painter, guaranteed the adhesion of leading artists of the first and Tarsila do Amaral, Victor
second modernist phase. The exhibition featured artworks by Tarsila do Amaral, Brecheret e Waldemar
da Costa
Anita Malfatti, Brecheret, Goeldi, Portinari, Pancetti, and others, as well as the
young talents Iberê Camargo, Milton Dacosta and Augusto Rodrigues.
Also called the Semaninha de Arte Moderna [Little Modern Art Week], alluding
to the Week of ’22, the event in Belo Horizonte was organized exactly 22 years
after the event in São Paulo. The show O Olhar Modernista de JK, opened in

109
Anita Malfatti
Moça de azul, c.1925
Óleo s/ tela/Oil on canvas
80 x 74 cm
Acervo Museu de Arte
Brasileira-FAAP, SP

110
Milton Dacosta
Retrato Mulher de Azul, 1943
Óleo s/ tela/Oil on canvas
55 x 46,5 cm
Coleção particular, RJ

111
112
O olhar modernista de JK 2006

A coordenação de Guignard, pintor de prestígio, garantiu a adesão de artistas de proa da primeira e


da segunda fase modernista. Foram mostradas obras de Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Brecheret,
Goeldi, Portinari e Pancetti, entre outros, além dos então jovens talentos Iberê Camargo, Milton
Dacosta e Augusto Rodrigues.
Também chamada Semaninha de Arte Moderna, como alusão à Semana de 22, o evento em Belo Hori-
zonte foi organizado exatos 22 anos depois do paulista. O olhar modernista de JK, inaugurado em Brasí-
lia, assinalou os 60 anos da exposição mineira. A remontagem no MAB, em São Paulo, por sua vez,
foi motivada pelo sucesso da minissérie JK, escrita por Maria Adelaide Amaral para a TV Globo,
emissora que se associou à FAAP na realização dessa mostra.
Organizada em quatro módulos, o primeiro era dedicado à reconstituição da exposição de BH.
Como resultado de excepcional esforço de pesquisa, foi possível reunir 50 das 80 telas, gravuras e de-
senhos expostos originalmente em 1944 e registrados no catálogo editado naquela ocasião. Quando
não foi possível localizar alguma obra, optou-se por outra de mesmo autor, temática e período. Fez
parte do conjunto remontado neste novo século uma das oito telas de Santa Rosa restauradas após
terem sido cortadas à gilete por um vândalo, em atentado à mostra mineira.
O segundo segmento foi dedicado ao impacto cultural da administração do prefeito JK (1940-1945),
Candido Portinari que assumiu uma cidade culta mas conservadora e a levou para a modernidade. A marca mais visí-
Cabeça de galo (O olho), vel dessa transformação resultou do convite de Juscelino a Oscar Niemeyer para fazer o conjunto ar-
1941
quitetônico da Pampulha. Estava ali a semente do que a dupla iria realizar mais tarde na criação de
Óleo s/ tela/Oil on canvas
55 x 46 cm Brasília. Outro índice importante da decisiva mudança de mentalidade em BH irradiou-se da cria-
Coleção particular, SP ção da Escola de Belas Artes e do convite para Guignard dirigi-la. Guignard vinha de formação na

Brasília, marked the 60th anniversary of the exhibition in Minas Gerais. Its
restaging at MAB, in São Paulo, in turn, was motivated by the success of the
miniseries JK, written by Maria Adelaide Amaral for the TV Globo television
network, which worked in association with FAAP for the realization of this
show.
The exhibition was organized in four segments, the first of which was
dedicated to the reconstruction of the exhibition in Belo Horizonte. As
a result of painstaking research, it was possible to gather 50 of the 80
paintings, prints and drawings originally exhibited in 1944 and recorded
in the catalog published on that occasion. Wherever it was impossible to
locate one of the artworks, another one by the same artist, with the same
thematics and from the same period was chosen. This set brought together
in this new century included one of the eight paintings by Santa Rosa
restored after a vandal cut them with a razor during an attack on the Minas
Gerais show.
The next segment was dedicated to the cultural impact of Juscelino
Kubitschek’s mayoral administration (1940–1945), which ushered a
cultivated but conservative city into modernity. The most visible mark of
this transformation was the result of Juscelino’s inviting Oscar Niemeyer
to design the architectural complex of Pampulha. This was the seed for
the duo to later create Brasília. Another important sign of Belo Horizonte’s
change in mentality was the creation of the Escola de Belas Artes [School
of Fine Arts] and the invitation to Guignard to run it. Guignard had received
his artistic training in Europe (Munich, Florence and Paris), and his
background included a period of teaching art in Rio de Janeiro.
The third segment was a special room dedicated to Martha Loutsch
(1911–1995), a German painter who settled in Belo Horizonte.

113
114
115
116
O olhar modernista de JK 2006

Europa (Munique, Florença e Paris) e marcante período como professor de artes no Rio de Janeiro.
O terceiro módulo era a sala especial de Martha Loutsch (1911-1995), pintora alemã radicada em
Belo Horizonte. Um conjunto de 15 telas e 17 aquarelas evidenciava a influência expressionista des-
sa autora injustamente pouco conhecida. De enorme talento e competência, formou-se em Frankfurt
e Paris. Foi a única artista residente na cidade convidada por Guignard para participar da exposição
Arte Moderna de 1944, o que dá a medida exata da qualidade de sua obra.
O último módulo e também o mais descontraído fez um inventário de fatos culturais dos “anos dou-
rados” da época JK, o que incluiu desde um carro Romi-Isetta até fotos, objetos e publicidade da
época. O jornalista Marcelo Coelho (Folha de S. Paulo, 29/03/2006, pág. E 8) dedicou sua coluna a
O olhar comentar a mostra e destacou o modo como a cenografia, de Guilherme Isnard, recriou no espaço
modernista de JK
Imagens da
expositivo as colunas do Palácio da Alvorada: “(...) as colunas de Brasília passam por um novo pro-
exposição/ Images of cesso de abstração: não mais de concreto armado, aparecem feitas de tecido branco, esticado por fios
the exhibition quase invisíveis de metal, como velas de um barco parado no tempo”. (A.M.)

A set of 15 canvases and 17 watercolors evidenced the expressionist


influence of this artist who has received much less recognition than she
deserves. Enormously talented and competent, Martha received her art
training in Frankfurt and Paris. She was the only artist residing in the city to be
invited by Guignard to participate in the exhibition Arte Moderna 1944, which
gives a clear measure of the quality of her work.
The last and most casual segment made an inventory of the cultural facts
of the “golden years” of the JK era, including everything from a Romi-Isetta
automobile to photos, objects and advertising from that time. Journalist
Marcelo Coelho (Folha de S.Paulo, 29 March 2006, p. E 8) dedicated
his column to the show and underscored the way that the exhibition’s
scenography, by Guilherme Isnard, re-created the columns of the Palácio
da Alvorada: “[...] the columns of Brasília have been submitted to a further
process of abstraction: no longer of reinforced concrete, they appear made of
white fabric, stretched by nearly invisible metal wires, like the sails of a ship
frozen in time.” (A.M.)

117
118

You might also like