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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

PEMBROKE COLLINS
EDITORIAL BOARD

PRESIDENT Felipe Dutra Asensi

MEMBERS Adolfo Mamoru Nishiyama (UNIP, Brazil)


Adriano Moura da Fonseca Pinto (UNESA, Brazil)
Adriano Rosa (USU, Brazil)
Alberto Shinji Higa (Procuradoria Geral de Jundiaí, Brazil)
Alessandra T. Bentes Vivas (DPRJ, Brazil)
Arthur Bezerra de Souza Junior (UNINOVE, Brazil)
Aura Helena Peñas Felizzola (Universidad de Santo Tomás, Colombia)
Carlos Mourão (PGM, Brazil)
Claudio Joel B. Lossio (Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal)
Coriolano de Almeida Camargo (UPM, Brazil)
Daniel Giotti de Paula (INTEJUR, Brazil)
Danielle Medeiro da Silva de Araújo (UFSB, Brazil)
Denise Mercedes N. N. Lopes Salles (UNILASSALE, Brazil)
Diogo de Castro Ferreira (IDT, Brazil)
Douglas Castro (Foundation for Law and International Affairs, United States)
Elaine Teixeira Rabello (KIT, Netherlands)
Glaucia Ribeiro (UEA, Brazil)
Isabelle Dias Carneiro Santos (UFMS, Brazil)
Jonathan Regis (UNIVALI, Brazil)
Julian Mora Aliseda (Universidad de Extremadura, Spain)
Leila Aparecida Chevchuk de Oliveira (TRT 2ª Região, Brazil)
Luciano Nascimento (UEPB, Brazil)
Luiz Renato Telles Otaviano (UFMS, Brazil)
Marcelo Pereira de Almeida (UFF, Brazil)
Marcia Cavalcanti (USU, Brazil)
Marcio de Oliveira Caldas (FBT, Brazil)
Matheus Marapodi dos Passos (Universidade de Coimbra, Portugal)
Omar Toledo Toríbio (Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Peru)
Ricardo Medeiros Pimenta (IBICT, Brazil)
Rogério Borba (UVA, Brazil)
Rosangela Tremel (JusCibernética, Brazil)
Roseni Pinheiro (UERJ, Brazil)
Sergio de Souza Salles (UCP, Brazil)
Telson Pires (Faculdade Lusófona, Brazil)
Thiago Rodrigues Pereira (Novo Liceu, Portugal)
Vania Siciliano Aieta (UERJ, Brazil)
ORGANIZADOR:
ORGANIZADORES
FELIPE
ARTHUR BEZERRA DE SOUZA ASENSI
JUNIOR, DANIEL GIOTTI DE
PAULA, EDUARDO KLAUSNER, ROGERIO BORBA DA SILVA

DIREITOS HUMANOS
PENSANDO A PRODUÇÃO
JURIDICIDADE E EFETIVIDADE
ACADÊMICA

GRUP O M ULTIF O C O
Rio de Janeiro, 2019

DEERFIELD BEACH, FL – UNITED STATES


PEMBROKE COLLINS
2022
Copyright © 2022 | Felipe Asensi (org.)

EDITORIAL PRESIDENCYFelipe Asensi


PUBLISHING Felipe Asensi
EDITORIAL COORDINATION Vanessa Abraim

PROOFREADING Pembroke Collins' Team

GRAPHIC PROJECT AND COVER Diniz Gomes

FORMATTING Diniz Gomes

PEMBROKE COLLINS
1191 E Newport Center Dr #103 - Deerfield Beach
FL 33442 - United States
info@pembrokecollins.com
www.pembrokecollins.com

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No part of this book can be used or reproduced by any means without this Publisher's written permission.

FINANCING

This book was financed by the International Council for Higher Studies in Law (CAED-Jus), by the
International Council for Higher Studies in Education (CAEduca) and by Pembroke Collins.

All books are submitted to the peer view process in double blind format by the Publisher and, in the case
Collection, also by the Editors.

P418

Pensando a produção acadêmica / Felipe Asensi (org.). – Deerfield


Beach, Florida: Pembroke Collins, 2022.

382 p.

ISBN 979-8-88670-024-4

1. Pesquisa científica. 2. Produção científica. 3. Produtividade


acadêmica. I. Asensi, Felipe (org.).

CDD 370.7

Librarian: Aneli Beloni


CRB7 049/21
SUMÁRIO

ARTIGOS 13

NEGACIONISMO E REVISIONISMO DA EXTREMA-DIREITA NO GOVERNO


BOLSONARO 15
Margarida Aparecida de Oliveira

COMO ORGANIZAR UMA SEMANA DE ENFERMAGEM DE FORMA


REMOTA? RELATO DE EXPERIÊNCIA DE UM COORDENADOR DE EVENTO
NA PANDEMIA COVID-19  30
Marttem Costa de Santana

COMO ELABORAR UM ARTIGO COM RELATO DE EXPERIÊNCIA? UM


RELATO METODOLÓGICO DE UM PESQUISADOR-EXTENSIONISTA 49
Marttem Costa de Santana

CONTROLE DA TUBERCULOSE: AVALIAÇÃO DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO


DE SERVIÇOS EM MUNICÍPIO TRIFRONTEIRIÇO 65
Regiane Bezerra Campos
Elcias Olveira da Silva
Reinaldo Antonio Silva-Sobrinho

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NO AMBIENTE DE TRABALHO: UMA


ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO À “SÍNDROME DE BURNOUT” 79
Michelle de Paula Resende Silva
ACIDENTES DE TRABALHO NO BRASIL: ANÁLISES DE ARTIGOS DA
REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE OCUPACIONAL 96
Claudia Lima Monteiro
Estela Douvletis

LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS: UMA ANÁLISE DO DIREITO DO


TITULAR ELEVADO A DIREITO FUNDAMENTAL 113
Luciane Dutra Oliveira

EDUCAÇÃO BÁSICA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19: UM


RELATO DE EXPERIÊNCIA À LUZ DO ENSINO REMOTO 131
Claudinei Zagui Pareschi
Davi Milan
Edna Maria da Silva Oliveira

IMPACTOS DO USO DE MÁSCARAS NA COMUNICAÇÃO EM LIBRAS:


COMPREENSÃO DAS EXPRESSÕES FACIAIS E DESENVOLVIMENTO DE
CRIANÇAS SURDAS 152
Celso Anjos Junior

AUDIODESCRIÇÃO EM FILMES CINEMATOGRÁFICOS: PERCEPÇÕES POR


USUÁRIOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL 169
Érico Gurgel Amorim

SE SABE DE REPENTE NA CACIQUE DOMINGOS: UMA LEGÍTIMA


PROPULSÃO DE PROTAGONISTAS 182
Emerson Felipe da silva

AS TDICS HODIERNAMENTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: UM ESTUDO


PARCIAL NA EMEF ANTONIO AZEVEDO 202
Emerson Felipe da Silva

RELATO DE EXPERIÊNCIA: UMA ANÁLISE DE PRÁTICAS NO CAMPO DO


ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO 217
Claudinei Zagui Pareschi
Davi Milan
BOATE KISS: O CUMPRIMENTO DAS LEIS DE SEGURANÇA DO TRABALHO
COMO FUNDAMENTAL CRITÉRIO PARA PREVENÇÃO DE ACIDENTES 231
Jailda Nonato dos Santos Oliveira

PERDA AUDITIVA: ESTRATÉGIAS DE BUSCA PARA PROMOVER O


APRENDIZADO EM UM MUNDO SILENCIOSO 251
Maria de Lourdes Oliveira

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA CRIANÇA


COM AUTISMO NO ENSINO FUNDAMENTAL I  264
Antocléia de Sousa Santos
Maria de Lourdes Oliveira

A CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO SOCIAL: O PAPEL DO ESTADO E DAS


CONGREGAÇÕES RELIGIOSAS 278
Débora Soares Karpowicz

PELO LEGADO DE BELL HOOKS: NARRATIVAS INSURGENTES DE UMA


VOZ NEGRA EM DEVIR 296
Rose Mari Ferreira
Antônio Cícero de Andrade Pereira

EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA EM ANGOLA: PERCEÇÕES DE


ATORES EDUCATIVOS LOCAIS SOBRE INFRAESTRUTURAS ESCOLARES
E RECURSOS HUMANOS E SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NAS
ESCOLAS DO ENSINO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO DA REGIÃO LESTE
ANGOLANA, NO PERÍODO ENTRE 2008 A 2018 309
Paulo Carlos Lopes

DESATANDO OS NÓS DA REPRESENTAÇÃO NO DIREITO SUCESSÓRIO 337


Clarissa Bottega
Mariana Gomes de Oliveira

RESUMOS 357

NECROCAPITALISMO E NEOFASCISMO EM TEMPOS SOMBRIOS 359


Margarida Aparecida de Oliveira
COMPORTAMENTO DE MATERIAIS CIMENTÍCIOS SUPLEMENTARES PARA
CONCRETO ARMADO SUBMETIDOS A ALTAS TEMPERATURAS 365
Mariana de Almeida Motta Rezende

VOZES INSURGENTES POR UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA: DIÁLOGOS


COM BELL HOOKS 371
Antônio Cícero de Andrade Pereira
Rose Mari Ferreira

RESISTÊNCIA AO FOGO DE CONCRETOS DE ALTO E ULTRA ALTO


DESEMPENHO 375
Mariana de Almeida Motta Rezende
CONSELHO CIENTÍFICO DO CAED-Jus

Adriano Rosa (Universidade Santa Úrsula, Brasil)


Alexandre Bahia (Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil)
Alfredo Freitas (Ambra College, Estados Unidos)
Antonio Santoro (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Arthur Bezerra de Souza
(Universidade Nove de Julho, Brasil)
Junior
Bruno Zanotti (PCES, Brasil)
Claudia Nunes (Universidade Veiga de Almeida, Brasil)
Daniel Giotti de Paula (PFN, Brasil)
Danielle Ferreira Medeiro
(Universidade Federal do Sul da Bahia, Brasil)
da Silva de Araújo
Denise Salles (Universidade Católica de Petrópolis, Brasil)
Edgar Contreras (Universidad Jorge Tadeo Lozano, Colômbia)
Eduardo Val (Universidade Federal Fluminense, Brasil)
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Felipe Asensi
Brasil)
(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Fernando Bentes
Brasil)
Glaucia Ribeiro (Universidade do Estado do Amazonas, Brasil)

9
(Johann Wolfgang Goethe-Universität -
Gunter Frankenberg
Frankfurt am Main, Alemanha)
João Mendes (Universidade de Coimbra, Portugal)
(Universidade Federal do Estado do Rio de
Jose Buzanello
Janeiro, Brasil)
Klever Filpo (Universidade Católica de Petrópolis, Brasil)
Luciana Souza (Faculdade Milton Campos, Brasil)
Marcello Mello (Universidade Federal Fluminense, Brasil)
Maria do Carmo
(Universidade Federal do Sul da Bahia, Brasil)
Rebouças dos Santos
Nikolas Rose (King’s College London, Reino Unido)
Oton Vasconcelos (Universidade de Pernambuco, Brasil)
(Fundación Universitária Los Libertadores,
Paula Arévalo Mutiz
Colômbia)
Pedro Ivo Sousa (Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil)
(Universidad Nacional de Río Cuarto,
Santiago Polop
Argentina)
Siddharta Legale (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil)
Saul Tourinho Leal (Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasil)
Sergio Salles (Universidade Católica de Petrópolis, Brasil)
Susanna Pozzolo (Università degli Studi di Brescia, Itália)
Thiago Pereira (Centro Universitário Lassale, Brasil)
(Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Tiago Gagliano
Brasil)
Walkyria Chagas da Silva
(Universidade de Brasília, Brasil)
Santos
SOBRE O CAED-Jus

O Conselho Internacional de Altos Estudos em Direito (CAED-Jus)


é iniciativa consolidada e reconhecida de uma rede de acadêmicos para o
desenvolvimento de pesquisas jurídicas e reflexões interdisciplinares de
alta qualidade.
O CAED-Jus desenvolve-se via internet, sendo a tecnologia par-
te importante para o sucesso das discussões e para a interação entre os
participantes através de diversos recursos multimídia. O evento é um dos
principais congressos acadêmicos do mundo e conta com os seguintes di-
ferenciais:

• Abertura a uma visão multidisciplinar e multiprofissional sobre o


direito, sendo bem-vindos os trabalhos de acadêmicos de diversas
formações;
• Democratização da divulgação e produção científica;
• Publicação dos artigos em livro impresso nos Estados Unidos
(com ISBN Americano) e distribuição mundial, com envio da
versão ebook aos participantes;
• Galeria com os selecionados do Prêmio CAED-Jus de cada edição;
• Interação efetiva entre os participantes através de ferramentas via
internet;
• Exposição permanente do trabalho e do vídeo do autor no site
para os participantes
• Coordenadores de GTs são organizadores dos livros publicados

11
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

O Conselho Científico do CAED-Jus é composto por acadêmicos de


alta qualidade no campo do direito em nível nacional e internacional, ten-
do membros do Brasil, Estados Unidos, Colômbia, Argentina, Portugal,
Reino Unido, Itália e Alemanha.
Em 2022, o CAED-Jus organizou o seu tradicional Congresso
Multidisciplinar de Produção Acadêmica (2022/2) no âmbito do
Congresso Internacional de Altos Estudos em Direito (CAED-Jus
2022), que ocorreu entre os dias 27 e 29 de abril de 2022, e contou com
14 Grupos de Trabalho com mais de 280 artigos e resumos expandidos de
52 universidades e 28 programas de pós-graduação stricto sensu. A sele-
ção dos trabalhos apresentados ocorreu através do processo de peer review
com double blind, o que resultou na publicação dos 12 livros do evento.
Os coordenadores de GTs foram convertidos em organizadores dos
respectivos livros, ao passo que os trabalhos apresentados em GTs que não
formaram 18 trabalhos foram realocados noutro GT, conforme previsto
em edital específico.
Os coordenadores de GTs indicaram artigos para concorrerem ao
Prêmio CAED-Jus 2022. A Comissão Avaliadora foi composta pelos
professores Arthur Bezerra de Souza Junior (UNIP), Mércia Cardoso de
Souza (Escola Superior da Magistratura do Ceará) e Thiago Rodrigues
Pereira (Universidade Autónoma de Lisboa). O trabalho premiado foi de
autoria de Matusalem Jobson Bezerra Dantas sob o título “Aceleração
Social Moderna e Sociedade do Desempenho: redimensionamento da
percepção de duração razoável do processo e causa de esgotamento físico
e mental dos servidores do Judiciário”.
Esta publicação americana é financiada por recursos do Conselho In-
ternacional de Altos Estudos em Direito (CAED-Jus), do Conselho In-
ternacional de Altos Estudos em Educação (CAEduca) e da Editora Pem-
broke Collins e cumpre os diversos critérios de avaliação de livros com
excelência acadêmica internacionais.

12
ARTIGOS

13
NEGACIONISMO E REVISIONISMO
DA EXTREMA-DIREITA NO GOVERNO
BOLSONARO
Margarida Aparecida de Oliveira1

INTRODUÇÃO

A negação da história pode ser entendida como uma corrente de opi-


nião que é construída com bases em ideologias extremistas que negam as
evidências documentais, científicas e consensos historiográficos mínimos.
Ainda que parte do passado tenha sido sistematicamente debatida de for-
ma ampla e rigorosamente documentada, na perspectiva do revisionis-
mo e do negacionismo, tem se uma leva representativa de indivíduos que
duvidam da existência da ditadura militar, dos inúmeros genocídios pelo
mundo afora ou até mesmo da escravidão, que influenciou sobremaneira
por décadas as formas do capitalismo vigente.
Desperta-nos uma questão: quais são às operações intelectivas, afe-
tuosas, políticas e ideológicas que abarcam e inscrevem as provocações e
dúvidas difundidas pelos negacionistas à história? Ou como recebem o
conhecimento do passado, para seus usos políticos, assimilações e condi-
ções de produção da verdade?

1 Doutoranda em Ciências Sociais – PUC – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.


Mestre em Administração – Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo – FIPEL. Docente –
UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora.

15
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Estas questões nos fazem refletir e sugerir que na prática o negacio-


nismo determina a recusa em aceitar uma teoria que foi comprovada pela
ciência. E para além desta sugestão vale explorar todas as respostas possí-
veis para decifrar a complexidade fenomenológica do negacionismo.
Este ensaio tem como objetivo a síntese de elementos teóricos-críti-
cos sobre o negacionismo e revisionismo da extrema direita na atualidade
e do governo Bolsonaro. Especialmente por considerar uma temática ética
que emerge nos debates de toda a sociedade e ainda pela agudeza dos pro-
blemas que são gerados em consequência deste fenômeno.
A relevância deste debate repousa sobre a perspectiva histórica e tam-
bém da atualidade. Coloca-se, assim, o surgimento de novas ciências,
como a Agnotologia, que recentemente aparece como manchete de jor-
nal como uma nova ciência que objetiva o estudo da “produção da ig-
norância” de forma intencional. Em algumas universidades do mundo,
abarcando algumas importantes na Europa, de acordo com a revista Ciên-
cia, Economia e Política em Carta Campinas, já está se materializando como
novo ramo a ser compreendido. O termo agnotologia foi difundido pelo
historiador americano Robert Proctor, da Universidade de Stanford, em
distintas palestras que ministrou nos últimos anos. Das palestras ministra-
das a partir de 2005 vieram a ser transformada no livro “Agnotologia: a
construção e desconstrução da ignorância”.2
Importa destacar que nos últimos 20 anos, além de Robert Proctor,
temos outros historiadores da ciência que vêm investigando e concei-
tuando esse novo ramo científico, tais como Londa Schiebinger, Peter
Galison e Naomi Oreskes. Eles sustentam que a produção da ignorância
acontece tanto de forma intencional, com o objetivo de obter vantagens,
como não intencional.
Segundo estudos que vêm se consolidando, acontece por vezes de
o conhecimento científico ser bloqueado, sabotado ou prejudicado in-
tencionalmente. E isso acaba por agravar as relações, especialmente na
perspectiva do capitalismo avançado. Também por haver financiamento
e grandes recursos para produzir a ignorância em massa, a exemplo, po-

2 O livro, em parceria com Londa Schiebinger, foi publicado em 2008,  Agnotology: The
Making and Unmaking of Ignorance (Agnotologia: a construção e a desconstrução da igno-
rância), nele o conceito aparece de forma mais sistematizada.

16
FELIPE ASENSI (ORG.)

demos citar o tabaco. Nesse bojo, temos intenções políticas, financeiras,


segredos comerciais ou militares, e temos por outro lado as estratégias de
longo prazo, que têm a finalidade de lançar dúvidas constantes sobre o
conhecimento e a realidade como objetivos ideológicos e financeiros.
O próprio presidente do Brasil na atualidade pode ser exemplo de
como a produção da ignorância em parte da população produz ganhos
políticos, eleitorais e financeiros, além da manutenção dos privilégios de
classes intocados.
O debate sobre as conformações atuais da extrema direita e seu cres-
cimento em algumas sociedades neste aspecto superam os limites de uma
tematização precisa e acadêmica, colocando-se como pauta central na
agenda política de toda esquerda que tem interesse na compreensão do
mundo em seu processo de transformação visando um horizonte de so-
ciabilidade um tanto mais livre e igualitário.
Nos próximos tópicos deste ensaio abordaremos primeiro a temática
da extrema direita contemporânea; segundo, o revisionismo e o negacio-
nismo na extrema direita contemporânea; e em terceiro, o negacionismo
e o revisionismo no bolsonarismo.

1. A EXTREMA DIREITA CONTEMPORÂNEA

Na atualidade pode ser verificado um crescimento da extrema-di-


reita e sua mera reprovação por ideologia ainda nos parece escassa para
apreensão da materialidade que lhes dá sustentação e da ação programática
indispensável para que seja superada. Por esta razão, a apreensão e a persis-
tência, assim como a indesejável presença do ideário de extrema-direita,
colocam-se como desafio ético-político fundamental àqueles que recusam
o irracionalismo, os discursos e práticas racistas, xenofóbicas, homofóbi-
cas, sexistas e opressoras.
De modo que a extrema-direita da atualidade como campo político
pode ser considerada conforme o pensamento dos tradicionais marxistas
como uma modalidade de práxis. Sendo esta caracterizada por um ato
intercedido por uma consciência que se eleva do cotidiano e se volta para
realizar as finalidades que objetivam responder aos conflitos históricos que
envolvem os destinos humanos.

17
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Não existe consenso na tradição marxista sobre o caráter genérico ou


particular da atividade política. Há aqueles que consideram se tratar de
uma atividade genérica, um complexo da totalidade social que existe nas
distintas formações históricas. Contudo, há também os que entendem se
tratar de uma atividade particular, existente tão somente na conformação
histórica das sociedades de classes por intermédio do Estado.
Importa destacar algumas referências que possam trazer contribuição
no sentido de nos posicionar tanto em relação à política como também no
campo ideológico da direita.
A constatação do crescimento da extrema-direita na atualidade e sua
mera reprovação ideológica nos parecem escassas para apreensão da ma-
terialidade que lhes dá sustentação e da ação programática necessária para
sua superação.
Em Manifesto do partido Comunista, Marx e Engels (1998, p. 58) afir-
mam que quando “desaparecem os antagonismos de classe e toda a produ-
ção for concentrada nas mãos dos indivíduos associados, o poder público
perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de
uma classe para a opressão de outra”.
Ao considerar esta perspectiva, temos a política como um complexo
no interior da totalidade social que objetiva querela de poder em torno de
interesses e necessidades de classes.
Na política, de acordo com Silva, Brites, Oliveira e Borri (2014), o
termo esquerda e direita emerge no contexto de emergência da Revolu-
ção Francesa. Quando o uso das categorias esquerda e direita estava para
indicar as preferências políticas na reunião dos Estados Gerais, no final
do século XVIII. De modo que os delegados que se identificassem com o
igualitarismo e reformas sociais sentavam-se à esquerda do rei; enquanto
os delegados identificados com aristocracia e conservadorismo, à direita.
A distinção original entre defesa da ordem ou da mudança, de acordo com
Tarouco e Madeira (2013), correspondia a uma disposição espacial e ao
longo do século XIX na Europa a distinção entre esquerda e direita passa
a ser associada com a distinção entre liberalismo e conservadorismo.
O ser social em sua ampliação com suas modalidades de práxis coloca
forças sociais que interferem na conformação e nos limites desses campos
ideológicos. De modo que ao se estabelecer a classe de trabalhadores como

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FELIPE ASENSI (ORG.)

sujeito político, como classe-para-si, e a propagação da crítica do marxismo


à sociedade burguesa, conectada à sua perspectiva revolucionária de classe,
integram os conteúdos de esquerda à defesa dos interesses dos trabalhado-
res. Foi no desenvolver de ideias reformistas da socialdemocracia em finais
do século XIX e a Revolução Russa de 1917 que marca a delimitação dos
interesses burgueses no campo ideológico da direita e dos trabalhadores
no campo da esquerda.
Surge ainda a chamada terceira via, resultante do colapso do socialis-
mo real no leste europeu e a consequente proliferação do neoliberalismo,
a revisão operada pelos partidos socialdemocratas. Esta via foi uma onda
das chamadas reformas de segunda geração (posteriormente ao Consenso
de Washington) e parece, de acordo com Tarouco e Madeira (2013), ter
aproximado do centro tanto a esquerda quanto a direita, contudo, não
foi retirado o sentido geral que coloca a luta pelo socialismo e a defesa do
capitalismo em extremos opostos do mesmo gradiente.
Essa relação entre sistema econômico, posição política e ideologia pa-
rece estar consolidada na Ciência Política contemporânea. De modo que
a identificação das identidades e perfis partidários pela sua posição unidi-
mensional (na dimensão da esquerda), está como afirma Downs (1999),
vinculada a uma determinada concepção teórica acerca da concorrência
partidária, qual seja, a teoria econômica da democracia, que sugere que os
partidos movimentam ao longo espectro ideológico estabelecendo pro-
postas de políticas para conseguir votos em busca dos quais se consentem
a mudança de posição.
O significado de esquerda e direita vem sempre carregado de contro-
vérsias. De modo que polêmicas estão sempre presentes entre liberalismo
econômico e liberalismo político, a reiterada confusão com a dimensão pro-
gressista-conservadora, os partidos religiosos na Europa, as especialidades
do sistema partidário norte-americano, o fundamentalismo, o fascismo, o
desfalecimento das fronteiras entre as bases sociais de classe dos partidos, e
mais de modo recente, o conservadorismo e a dificuldade de enquadramen-
to das chamadas questões pós-materialistas, em que podemos destacar as
questões ambientais, as questões étnicas e de nacionalidade, dentre outras.
Os conservadores e reacionários no plano político pela história
nos permitem compreender que estes têm desprendido esforço no

19
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

campo ideológico de direita, com resistência a modificações estru-


turais que pudessem alcançar a perda de poder econômico e político.
Enquanto os reformistas, socialistas e comunistas vêm alocando nas
frentes comuns de defesa da democracia política e/ou projeto civili-
zatório da modernidade. Conforme aponta Silva, Brites, Oliveira e
Borri (2014), as controvérsias analíticas e as inúmeras confusões são
consequência dessa mobilidade conjuntural no campo político mais
amplo, assinalada notadamente por coalizões políticas e/ou partidá-
rias, e acaba por contribuir e embaraçar a demarcação precisa entre
um e outro campo ideológico.
Vale rememorar pela história a formação política do Brasil marcada
pela colonização; escravismo prolongado; herança patrimonialista, coro-
nelista e conservadora de nossas elites; inserção periférica no capitalismo
mundial; transição não clássica ao capitalismo; tardia formação do opera-
riado urbano-industrial com intensa influência da imigração europeia e
escassa tradição de esquerda. Furtado (2005) sugere que o Brasil apresenta
ainda traços de uma relação contraditória entre posição periférica no sis-
tema capitalista mundial, o que tende a agravar as desigualdades regionais,
pela tendência ao desequilíbrio externo pela dificuldade para consolidação
de centros de decisão autônomos.
Sobre os aspectos políticos na atualidade, pretende-se despolitizar a
vida pública e recusar a validade ideológica no que tange à definição de
esquerda e de direita. De modo que frações originárias da esquerda, nota-
damente as que colocam uma racionalidade instrumental na querela pelo
poder do Estado, colocando em segundos planos princípios, valores e in-
teresses à lógica da disputa eleitoral, procuram se desvencilhar dos defeitos
do totalitarismo e radicalismo conferidos à esquerda (SILVA; BRITES;
OLIVEIRA; BORRI, 2014).
Para Bobbio, (1995) a existência dos termos direita e esquerda repre-
senta um típico modo de pensar por díades, a respeito do qual foram apre-
sentadas as mais diversas explicações no campo da psicologia, sociologia,
história, dentre outras. O mesmo autor afirma a não existência de disci-
plina que não esteja sob o domínio de díades, apresentando exemplos, tais
como: indivíduo-sociedade e Sociologia, mercado-plano em Economia,
transcendência-imanência em Filosofia, e por fim, direita e esquerda, que

20
FELIPE ASENSI (ORG.)

é amplamente encontrada em Ciência Política. Importa destacar que di-


reita-esquerda não são definidos por ideologias somente, segundo Bobbio
(1995, p. 33), “‘esquerda’ e ‘direita’ indicam programas contrapostos [...]
contraste não só de ideias, mas também de valoração (valitazion) a respeito
da direção a ser seguida pela sociedade”.
Baseando-se no alto enredamento das sociedades contemporâneas
vale descartar a díade porque existem posições intermediárias entre direita
e esquerda, como o centro. O centro apresenta a distinção entre posicio-
namento de centro mais próximo da direita e o centro mais próximo da
esquerda, existindo assim o centro-centro, que pode ser um terceiro in-
cluído ou um terceiro inclusivo.
O centro incluído se caracteriza pela busca de um espaço entre os dois
lados marginais, na tentativa de abrandar, alcançar consensos, com a fina-
lidade de impedir as batidas de frente. Enquanto que o terceiro inclusivo
parte da ideia sintética dialética, ou dizendo de outro modo, a superação
entre direita-esquerda indo além delas, sendo concomitantemente um as-
sentimento e síntese de ambas as partes.
Para Silva e Moraes (2019), o extremismo tem, por sua vez, uma visão
histórica de saltos qualitativos, nos quais a ação humana vem protagoni-
zando, de modo a gerar uma ruptura do tecido social que desestabiliza
o status quo de forma a promover catástrofes coletivas. Bobbio (1995, p.
103) afirma que a esquerda possui uma maior sensibilidade no sentido
de primar pela diminuição das desigualdades, mesmo que não pretenda
eliminá-las todas, mas no máximo que seja possível, adotando a postura
mais igualitária, contudo, a direita é mais inigualitária. Assim temos que a
esquerda é entendida como sendo os homens mais iguais do que desiguais,
e a direita, vice-versa.

2. NEGACIONISMO E REVISIONISMO NA EXTREMA-


DIREITA CONTEMPORÂNEA

O Brasil dos últimos anos vem sendo marcado pela desconfiança re-
lacionada ao conhecimento científico que tem demonstrado crescimento
junto à opinião pública, marcadamente no momento de ascensão ao po-
der de uma extrema-direita que faz do negacionismo e da veiculação de

21
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

notícias falsas um método de política que traz graves consequências para


os brasileiros.
O cenário da pandemia da Covid-19 só fez agravar ainda mais. É im-
portante compreender para diferenciar os diferentes propósitos envolvidos
e considerar que existem aqueles negacionistas visionários do lucro, exis-
tem os que negam baseados em um desejo de morte e extermínio, os que
entram em negação por conta da dura realidade a que estão submetidos e
podemos sugerir outra categoria de negacionistas, aqueles que são levados
a esta condição pela alienação.
Os negacionismos são distintos e heterogêneos, constituindo um
fenômeno complexo e que se articulam ao mesmo tempo. O termo ne-
gacionismo tal como entendemos hoje começou a ser empregado pelo
historiador francês Henry Rousso (1990), ao se referir àqueles que nega-
vam o Holocausto promovido pela Alemanha nazista na Segunda Guer-
ra Mundial.
O negacionismo de acordo com Morel (2021) não poderia ser cha-
mado, então, de ‘revisionismo histórico’, como reivindicam aqueles que
se empenharam em negar crimes hediondos contra minorias, pois não se
tratava de revisar e discutir em razão de controvérsias, mas sim de produ-
zir confusão intencional e silenciamento.
Uma parte representativa dos negacionistas surgiu financiada por
grandes corporações. Os primeiros ‘negacionistas profissionais’ do clima
auferiram financiamento das indústrias de combustíveis fósseis. Oreskes e
Conway (2011) asseguram que eles reproduziam estratégias escusas usadas
pela indústria do tabaco para negar os estudos científicos que evidencia-
vam os malefícios do cigarro. Estas ações sempre articuladas com o pro-
pósito de garantir maiores lucros.
Assim, emerge um questionamento – a quem interessa o negacionis-
mo? Sabe-se que os altos financiamentos marcam a ampliação dos nega-
cionistas até os dias atuais, como podemos constatar na custosa máqui-
na de notícias falsas, as denominadas fake news, que foram essenciais nas
eleições presidenciais derradeiras e têm tipo um papel de destaque para a
difusão de teorias negacionistas no Brasil e nos Estados Unidos.
Um desenho das narrativas negacionistas no mundo de hoje é feito por
Ernesto Perini (2019), apontando as novas formas de circulação da informa-

22
FELIPE ASENSI (ORG.)

ção que passaram a influenciar a formação de crenças das pessoas. O autor


vem argumentando sobre a ambiguidade dessas novas formas: de um lado,
permanece uma parcial democratização do acesso à informação, já que uma
parte crescida da população pode acessar e produzir conteúdo por meio da
internet e das redes sociais; e por outro lado, existe uma desregulação que
faz com que uma pessoa possa defender qualquer ideia, por mais absurda
que seja, e espalhar notícias falsas, ganhando considerável repercussão por se
apoiar justamente na reprodução de valores conservadores.
Perini (2009) aponta ainda que os negacionistas da pandemia pas-
saram a desqualificar e agredir os cientistas e o discurso científico, sem
necessariamente argumentar de fato sobre a dúvida gerada, apresentando
uma narrativa que se encaixava em valores compartilhados por determi-
nados grupos, em sua maioria conservadores. De modo que as narrativas
se tornaram comuns ao defenderem ideias de leitos de hospitais vazios, de
que os laudos falsos e os caixões enterrados sem ninguém fariam parte de
uma conspiração política para destruir governos de extrema-direita.
É necessária a atenção à questão do negacionismo nesses períodos
derradeiros no Brasil pelo fato de que em alguns momentos as teorias e
os discursos vieram acompanhadas de discurso científico inclusive. Até
mesmo por profissionais da academia e incluindo alguns médicos, que
inclusive ganharam até visibilidade ao defender o uso de remédios sem
comprovação científica.
Os negacionistas, ainda que se apresentem como vozes contra o stab-
lishment, se apoiam por vezes nos valores mais conservadores da sociedade.
O que nos leva a relacionar este fenômeno do negacionismo nos tempos
atuais ao crescimento da extrema-direita, não só no Brasil.
Para Raffs (2019), há um retorno especialmente dos setores funda-
mentalistas, setores de extrema direita e setores que rejeitam a narrativa
de que o ocidente possui vocação para a democracia, inclusão e liberdade.
Embora se constate inúmeras falácias nisso, esteve presente nos discursos
que as elites ocidentais mantinham.
A afirmação de Bruno Latour (2020a) se assemelha ao mesmo en-
tendimento no sentido de ter o negacionismo crescido porque as classes
dirigentes teriam concluído que não haveria mais mundo para todos. De
modo que, em vez de dar direcionamento para o planeta, passam a querer

23
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

abrigo ‘fora dele’, abandonando a ideia moderna de que a história poderia


seguir rumo a um ‘horizonte comum’ no qual ‘todos os homens’ teriam a
prosperidade para todos. O mesmo autor também afirma que, diante do
colapso ecológico e da pandemia da Covid-19, são os mesmos atores que
apresentam argumentos de busca de outra terra para irmos.
A extrema-direita, no caso da pandemia da Covid-19, reproduz ex-
plicitamente essa retórica, desconsiderando que cuidados, como os de
saúde, se dão em um mundo compartilhado. Enquanto negam a gravi-
dade da pandemia, a extrema-direita acaba por minimizar a importância
crucial das políticas públicas nesse momento, de modo a eximir o Estado
dos investimentos na saúde pública.
No Brasil, de acordo com Danowski (2018, p. 7), o negacionismo
emerge junto de “um desejo de morte e extermínio, a um só tempo,
do sentido e de qualquer forma de alteridade, que é a mola do mesmo
fascismo”. De modo que se pode dizer que o discurso negacionista tem
articulação com o que o filósofo Achhile Mbembe (2018) chamou de
necropolítica.
Na descrição de Mbembe (2018), quando se nega a gravidade da pan-
demia e, consequentemente, os cuidados quanto a ela, intensifica-se a ‘po-
lítica de morte’ que se volta contra aqueles que sofrem com a precarização
das suas vidas – assim: os negros, pobres, povos indígenas, mulheres. De
modo que os corpos destas populações passam a ser vistos como descartá-
veis dentro desta lógica do sacrifício inerente ao neoliberalismo, também
chamado pelo autor de necroliberalismo.
Mas para além dos considerados negacionistas profissionais que são
financiados por grupos que têm interesse e intencionalmente produzem
confusão, com a disseminação de fatos falsos na tentativa de substituir
aquilo que estão negando, temos outras questões: o que faz com que pes-
soas que não recebem quaisquer financiamentos, e que ainda sofrem pelas
consequências dessa política de morte, acreditem em ideias tão duvidosas
e nocivas? Embora sendo um fenômeno altamente complexo, a psicaná-
lise aponta para mecanismos de defesa do psiquismo baseados na negação
e distorção de uma realidade indesejável e dolorosa que o sujeito não tem
preparo para suportar (FREUD, 2014).

24
FELIPE ASENSI (ORG.)

Ainda que esteja diante de um colapso climático ou de uma pan-


demia, voltar-se para a negação acaba sendo uma reação mais ou menos
comum.
O fato é que sejam quais forem as posições, as pessoas não são ne-
cessariamente enganadas pelos ‘negacionistas profissionais’. Existe um
conforto envolvendo as emoções que possibilita o compartilhamento de
narrativas e notícias que, mesmo irreais, desqualificam valores opostos aos
seus. E acaba por favorecer o combate contra grupos tidos como inimigos.

3. NEGACIONISMO E REVISIONISMO NO
BOLSONARISMO.

O presidente Jair Messias Bolsonaro foi eleito democraticamente e des-


te modo no dia 1 de janeiro de 2019 iniciou seu governo de forma legí-
tima, considerando o expressivo e impressionantes 57.797.847 votos pelo
Partido Social Liberal (PSL). Conforme menciona José Cezar de Castro
Rocha (2021), naquele momento não havia qualquer suspeita de fraude na
apuração dos votos, de maneira que aceitar a derrota da candidatura que
defendemos é condição sine qua non do processo democrático. Enquanto
que não aceitar a vitória do outro é princípio dotado em aventuras golpistas.
Insta destacar que a agenda da campanha bolsonarista, conservadora
e até mesmo reacionária nos costumes, neoliberal na direção da economia
e de orientação política de direita, ou até mesmo de extrema-direita, foi
aprovada pelos eleitores do presidente.
Rocha (2021) assevera ainda que o mandato do presidente não dá
ao mesmo autorização para a destruição metódica das instituições asso-
ciadas à educação, à ciência, aos direitos humanos, à proteção do meio
ambiente, à pesquisa e cidadania. Assim como nesta investidura não
existe justificativa para o endosso de ações autoritárias que constrangem
a ordem democrática.
Com a finalidade de entender a agonia em que se vive no Brasil de
Bolsonaro, precisamos refletir sobre um paradoxo. Ou nas palavras de
Rocha (2021), seria deslindar um paradoxo. Assim temos o paradoxo da
guerra cultural bolsonarista que na interpretação do autor, o bolsonaris-
mo não consegue manter as massas digitais em mobilização permanente.

25
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Com a ambígua guerra cultural, porém não existe a possibilidade de ad-


ministrar uma realidade complexa como a brasileira, pois a busca constan-
te de inimigos desfavorece a consideração de dados objetivos.
Sobre a guerra cultural temos por definição ser este um tema trans-
nacional e meta-histórico, que envolve um conjunto considerável de refe-
rências teóricas produzidas em distintos idiomas, bem como uma série de
práticas políticas mimetizadas em latitudes as mais diversas, principalmen-
te eficazes no universo das redes sociais.
O grito de guerra bolsonarista é Guerra cultural e para além da re-
dundância, convém refletirmos sobre o verdadeiro eixo do projeto auto-
ritário de poder encabeçado por Jair Messias Bolsonaro. Em seu projeto
vemos claramente a intenção de aniquilamento até o fim das instituições
criadas pela Constituição de 1988.
E o que é duro é que não se pode alegar ser este modelo de governo de
destruição uma surpresa desagradável. Lísias (2020) destaca que o candi-
dato não tinha nenhum programa de governo organizado, fez abertamen-
te declarações racistas, machistas e homofóbicas, enaltecendo torturadores
e a ditadura militar, dentre outras falas que imprimiam ideias claras para
estrangular a vida da maioria da população. Importa lembrar que tanto o
presidente como seus ministros estão cumprindo, com notável competên-
cia, tudo que prometeram.
O governo Bolsonaro não poupou ataques às universidades, à pes-
quisa e à ciência e com justificativas pela militância nessa atmosfera. De
modo que o percurso para o caos cognitivo que alcança o Brasil de 2020
foi devidamente preparado diante dos olhos daqueles que conseguem ver.
Um dos vértices da guerra cultural bolsonarista está no sistema de
crenças olavistas que apresenta receita de manipulação coletiva por meio,
sobretudo, da excitação contraditória, beneficiado exponencialmente pela
tecnologia de comunicação digital. Rocha (2021) nos chama a atenção
para perceber que todos os elementos discutidos são propriamente brasi-
leiros e fortemente marcados por uma mentalidade militarista. Contudo,
vale reiterar, a ideologia de gênero que veio adicionar ao receituário com
uma íntima associação com a direita e a extrema-direita norte-americana.
Excepcionalmente, a pandemia da Covid-19 trouxe impactos de altas
proporções nas instâncias políticas, e aprofundando de maneira extrema a

26
FELIPE ASENSI (ORG.)

crise do capitalismo neoliberal. Se a situação especialmente do Brasil era


preocupante, as coisas ficaram ainda piores com o fator desencadeador de
ordem sanitária. Rocha (2021) acrescenta que a crise mundial de saúde,
provocada pela Covid-19 somente fez acentuar o inevitável colapso pro-
duzido por uma mentalidade conspiratória à frente de um país com as
dimensões continentais do Brasil.
Com tudo isso, se especulará muito acerca das razões que levaram
Bolsonaro a adotar uma postura negacionista diante da pandemia da Co-
vid-19. São aventados nos debates elementos de ordem ideológico-cul-
tural, influenciados pelas teorias conspiratórias bem como a disposição
para buscar um alinhamento automático com as posições do Presiden-
te dos Estados Unidos. Provavelmente, ambos os fatores tiveram alguma
influência nessa decisão. Mas me parece que o elemento determinante
foi incontornavelmente prosaico (e inquestionavelmente irresponsável): a
preocupação de Bolsonaro é com a economia e com a reeleição, ou dizen-
do de outra forma, a permanência no poder.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este ensaio objetivou sintetizar os elementos teóricos-críticos sobre


o negacionismo e revisionismo da extrema direita atualmente e em espe-
cial no governo de Bolsonaro. Levou se em consideração a importância
emergente do assunto e sobretudo pelos problemas experimentados pela
sociedade.
Importa destacar nesse sentido a reação à peste da Covid-19, misto
de negacionismo irresponsável e incapacidade logística a mais rudimentar,
somente serviu para reforçar a centralidade da guerra cultural no Governo
Bolsonaro., Rocha (2021) destaca que com a finalidade de “justificar” sua
inépcia, o que resta ao bolsonarismo a não repisar os seus temas é a mani-
festação desproporcional: “chegou o comunavírus”! Onde os prefeitos e
governadores são vistos como inimigos em potencial que têm como pro-
posta “aproveitar-se” da pandemia para impor o comunismo derrotado
em 1964.
Dessa forma consideramos as falas incessantes afirmando que “as va-
cinas são perigosas”, podendo causar metamorfoses indesejáveis ou que

27
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

os laboratórios internacionais deveriam “procurar” o governo brasileiro


para “vender” seus “produtos”, dada a dimensão do “mercado brasilei-
ro”. O presidente está sempre apresentando um fraseado trôpego com
declarações que compõem um autêntico circo de horrores, sem paralelo
na história republicana.
E pensar que o Brasil já foi visto como um modelo internacional para
campanhas nacionais de vacinação e hoje enfrenta um incompreensível
movimento antivacina, com uma leva significativa de pessoas que não
querem receber a imunização contra a Covid-19 e alimentando discursos
de possíveis efeitos colaterais.

REFERÊNCIAS

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DOWNS, A. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo:


USP, 1999.

FREUD, Sigmund. A negação. Rio de Janeiro: Cosac & Naify, 2014.

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panhia Editorial Nacional, 2005.

LATOUR, Bruno. Onde aterrar. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo,


2020a.

LÍSIAS, Ricardo. Diário da catástrofe brasileira. Rio de Janeiro: Editora


Record, 2020, p. 8, grifos meus. Nota realizada no dia 2 de janeiro
de 2020.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo,


1998.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1, 2018.

MOREL, Ana P. M. Negacionismo da Covid-19 e educação popular em


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v. 19, 2021.

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FELIPE ASENSI (ORG.)

ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M. Merchants of doubt: how


a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco
smoke to global warming. Estados Unidos: Bloomsbury, 2011.

PERINI, Ernesto. O que move as fake news e o negacionismo científico?


[Entrevista cedida a] Marco Weissheimer. Sul, 21, 27 nov. 2019.

PROCTOR, Robert. Agnotology: The Making and Unmaking of Ignorance


(Agnotologia: a construção e a desconstrução da ignorância), 2008.

RAFFS, Laura. Negar a violência do passado e do presente é um risco para


a democracia. Jornal da USP, São Paulo, 3 maio 2019. Disponível
em: https://jornal.usp.br/universidade/negar-a-violencia-dopassado-
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ROCHA, J. C. C. GUERRA CULTURAL E RETÓRICA DO


ÓDIO. Goiânia: Caminhos, 2021. (Crônicas de um Brasil pós-po-
lítico.)

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to Bobbio (Right and left according to Norberto Bobbio’s thoughts).
Revista de Discentes de Ciência Política da Universidade Fe-
deral de São Carlos, v. 7, n. 1, p. 168-192, 2019.

TAROUCO, G.; MADEIRA, R. M. Partidos, programas e o debate so-


bre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política,
v. 21, n. 45, p. 149-165, mar. 2013.

29
COMO ORGANIZAR UMA SEMANA
DE ENFERMAGEM DE FORMA
REMOTA? RELATO DE EXPERIÊNCIA
DE UM COORDENADOR DE EVENTO
NA PANDEMIA COVID-19
Marttem Costa de Santana3

INTRODUÇÃO

A capacidade de proporcionar e ampliar o acesso ao evento cientí-


fico e cultural faz parte do fazer docente decorrente do distanciamento
social devido à pandemia Covid-19, por representar um evento gratuito
é, sem dúvida, o principal benefício. Destaca-se que a recomendação das
portarias ministeriais do Ministério da Educação e do Ministério da Saú-
de para que o ensino fosse realizado remotamente para a manutenção do
distanciamento social gerou conflitos e demandas, relacionadas ao acesso
à internet, principalmente de qualidade, para uma transmissão ao vivo, é
uma realidade em todo o território nacional brasileiro.
Um evento científico e cultural pode ser denominado de diversas for-
mas: congresso, semana, simpósio, jornada, seminário, conferência, coló-
quio, sarau, fórum, reunião, encontro de âmbito menor ou maior, tanto

3 Enfermeiro e Pedagogo. Doutor em Tecnologia e Sociedade (UTFPR). Docente do Colégio


Técnico de Floriano (CTF/UFPI).

30
FELIPE ASENSI (ORG.)

em termos de duração de dias/horas, quanto de número de participantes,


resguardando os campos e as áreas de conhecimento multiprofissionais,
interdisciplinares e/ou especializadas. Coordenar um evento é uma ati-
vidade que demanda tempo, dedicação, compromisso, criatividade, in-
ventividade e reflexividade, requer uma equipe colaborativa de docentes e
monitores para dividir as atividades desde o convite de cada palestrante até
a divulgação do evento nas redes sociais.
Para materializar uma atividade de extensão universitária, elegeu-se
como pergunta norteadora deste relato: Como se organiza uma Semana
de Enfermagem como evento científico e cultural cadastrado na Pró-rei-
toria de Extensão? A qual deu suporte ao seguinte objetivo principal deste
artigo: relatar a experiência da organização da XXI Semana de Enfer-
magem 2021 do Colégio Técnico de Floriano vinculada à Universidade
Federal do Piauí de forma remota devido à pandemia Covid-19.
A coordenação de um evento científico que faz parte das comemo-
rações do mês da Enfermagem internacional é uma das motivações desta
pesquisa, e ao mesmo tempo uma das suas justificativas. Nesse contexto
pandêmico, este relato se justifica pela relevância científica e acadêmica do
tema e pela possibilidade de ampliação de atividades de extensão univer-
sitária, contribuindo para a criação de outros eventos científicos, artísticos
e culturais, bem como pela relevância social de compartilhar as experiên-
cias/vivências de idealização, organização de atividades formativas para
docentes, técnico-administrativos, discentes, profissionais da educação,
profissionais da saúde e para toda comunidade em geral.
O artigo com Relato de Experiência (RE) está dividido em cinco
partes: a introdução: pergunta de pesquisa, objetivo e justificativa; síntese
histórica do evento denominado Semana de Enfermagem; o percurso me-
todológico da pesquisa; descrição da experiência; avaliação dos resultados;
e para finalizar, as considerações finais.

1. SEMANA DE ENFERMAGEM NO BRASIL: SÍNTESES


HISTÓRICAS

Nesta seção, apresenta-se a criação da Semana de Enfermagem e uma


síntese histórica acerca desta temática. A Semana da Enfermagem é um

31
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

evento anual organizado tanto pelo Sistema Conselho Federal de Enfer-


magem/Conselhos Regionais de Enfermagem (Cofen/Coren) quanto
pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), proporcionando mo-
mentos de integração e de disseminação de evidências científicas entre
os profissionais da categoria. Este acontecimento é realizado no mês de
maio, no período de 12 a 20, em homenagem a grandes profissionais de
enfermagem, consideradas e reconhecidas como protagonistas do cuida-
do à pessoa humana (SANTANA, 2018).
Entendendo que escrever/relatar a história é registrar as memórias
e as narrativas de profissionais da Enfermagem, visando uma melhor
compreensão sobre o tema, fez-se necessário realizar uma síntese his-
tórica sobre o surgimento da Semana da Enfermagem no Brasil e no
mundo. Após a leitura atenciosa e exaustiva do material, ficou definido
como eixo temático para a reflexão – Semana da Enfermagem: refle-
xões históricas.
Em seu percurso, a ABEn, por muitas décadas, representa um espa-
ço de organização da Enfermagem. Todas as lutas e reivindicações dos
profissionais à época, incluindo as questões internas como crescimento,
desenvolvimento e reconhecimento da profissão, passavam pela asso-
ciação. No transcorrer de sua trajetória, a entidade guardou uma forte
vinculação com as Escolas de Enfermagem. Ela nasceu em uma escola, a
Escola de Enfermagem Ana Néri, e se expandiu graças ao apoio das ou-
tras escolas, que foram sendo gradativamente criadas nas diversas regiões
do país (CARVALHO, 2002). Nesse contexto, torna-se importante re-
gistrar a estreita relação entre a Aben com a Educação Profissional para
a área da Enfermagem.
Ainda na década de 1930, uma das primeiras iniciativas da ABEn foi
a criação de uma revista, Anais de Enfermagem, com o intuito de garan-
tir uma melhor comunicação entre os associados. Para a realização desse
intento, teve o respaldo irrestrito das diretoras das Escolas de Enferma-
gem, sobretudo com o trabalho dos professores, seus principais articulis-
tas (GERMANO, 2010). Esse periódico, posteriormente, na década de
1950, passou a denominar-se Revista Brasileira de Enfermagem, conhecida
como REBEn. Como veículo de comunicação, teve e continua desem-
penhando um papel importante na organização política da Enfermagem

32
FELIPE ASENSI (ORG.)

brasileira, bem como no desenvolvimento acadêmico e técnico/científico


da profissão (RODRIGUES et al., 1997).
Assim, ao longo dos anos, a Enfermagem vem apresentando avan-
ços consideráveis em seu corpo de saberes, fazeres e conhecimentos e nos
espaços de cuidado/atendimento/assistência à saúde em âmbito nacional
e mundial. Um importante espaço de reflexão sobre a profissão da En-
fermagem e seus avanços foi a criação da Semana da Enfermagem, por
iniciativa da Escola Ana Néri, no ano de 1940, e na mesma década, a rea-
lização do primeiro Congresso Brasileiro de Enfermagem, em 1947, sob a
coordenação da associação (OGUISSO, 2007).
Em 12 de maio de 1960, o Cofen, elaborou o Decreto Federal n.
48.202/1960, instituindo oficialmente a Semana da Enfermagem, a ser
celebrada anualmente de 12 a 20 de maio, datas nas quais ocorreram, res-
pectivamente, em 1820 e 1880, o nascimento de Florence Nightingale e
o falecimento da baiana Ana Justina Ferreira Néri, a Mãe dos Brasileiros;
mártires da Enfermagem mundial e brasileira (BRASIL, 1960). Assim, a
Semana de Enfermagem se inicia no dia 12 de maio – Dia Internacional
do Enfermeiro – e se encerra em 20 de maio – Dia Nacional dos Auxiliares
e Técnicos em Enfermagem. Tradicionalmente, nestas datas, acontecem
as homenagens em todo o território brasileiro à classe da Enfermagem.
Ana Neri, enfermeira baiana, considerada Mãe dos brasileiros, que
cuidou de feridos na Guerra contra o Paraguai deflagrada em 1865, e ou-
tros vultos consagrados da Enfermagem nacional e internacional, como
Florence Nightingale, pioneira da Enfermagem como ciência ao escrever
três livros: Administração Hospitalar do Exército e Comentários sobre Questões
Relativas à Saúde, em 1858, e Notas sobre Enfermagem, que foi publicado em
1859 (OGUISSO, 2007).
Na cidade de Floriano, no Estado do Piauí, a realização da Sema-
na de Enfermagem foi conduzida pelos principais órgãos deliberativos da
Enfermagem e instituições de ensino de nível médio técnico e superior.
O Curso Técnico em Enfermagem faz parte do Colégio Técnico de Flo-
riano, uma das três escolas técnicas vinculadas à Universidade Federal do
Piauí e está situado no Campus Amílcar Ferreira Sobral (CAFS), em Flo-
riano. A primeira turma do Curso Técnico em Enfermagem começou em
1981, contudo, a conclusão da primeira turma somente se deu em 1983,

33
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

haja vista que, inicialmente, o Curso Técnico em Enfermagem era na mo-


dalidade concomitante ao ensino médio, se processava e finalizava com
03 anos de estudos. Na modalidade subsequente o curso técnico termina
com dois anos.
O CTF/UFPI criou o Curso Técnico em Enfermagem para atender a
uma demanda de diversos municípios pertencentes à microrregião de Flo-
riano, bem como a outros municípios de outras microrregiões do Estado do
Piauí e do Maranhão (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ, 2014).
O Curso Técnico de Enfermagem vem realizando a Semana da En-
fermagem desde o ano de 2001. O evento era vislumbrado como um es-
paço de diálogo que permite agregar qualidade e valorização ao Curso,
dando-lhe visibilidade, a partir da reflexão sobre os pressupostos da profis-
são e da ciência, e permitindo a construção de uma rede de relacionamen-
tos, contando com a participação de profissionais de Floriano e regiões
vizinhas. Destaca-se a professora Lígia Beatriz da Costa e Silva. A partir
de 2007, o professor Marttem Costa de Santana, que fazia parte do corpo
docente da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Floriano/
PI, como professor substituto (2001-2005), se tornou professor efetivo do
CTF/UFPI, admitido como Professor do Ensino Básico, Técnico e Tec-
nológico (EBTT) em 08 de setembro de 2006.
Este resgate histórico permite potencializar a necessidade de se man-
ter a realização da Semana de Enfermagem no CTF/UFPI como forma de
mediar este evento científico e cultural de forma virtual durante o ensino
remoto emergencial devido à pandemia Covid-19.

2. PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Nesta seção de cunho metodológico descreve-se a classificação quan-


to aos objetivos da pesquisa, a natureza da pesquisa, a escolha do objeto
de estudo, técnica de produção de dados e a técnica de análise de dados.
Trata-se de uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, do
tipo relato de experiência. Para Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 61),
“[...] a pesquisa descritiva trata-se do estudo e da descrição das caracte-
rísticas, propriedades ou relações existentes na comunidade, grupo ou
realidade pesquisada”.

34
FELIPE ASENSI (ORG.)

Para materializar este relato foi utilizado o diário de bordo do ideali-


zador da semana de enfermagem de 2021. Dessa forma, o diário de bordo
produz afetos, sentidos e significados ao ser produzido, lido e materializa-
do. A composição do diário remete às lembranças, ao projeto de extensão,
ao relatório final do evento de extensão, à carga horária, aos palestrantes,
à gravação do evento, aos temas abordados. A técnica de pesquisa de re-
gistro documental-analítico do tipo RE se coloca como um instrumento
político-social de análise, de interpretação da diversidade própria da ciên-
cia que se expande a todo momento.
O lócus da pesquisa foi um Colégio Técnico de Floriano (CTF) vin-
culado à Universidade Federal do Piauí, situada no Nordeste brasileiro,
localizada na cidade de Floriano/PI. As atividades de ensino-pesquisa-ex-
tensão foram desenvolvidas, no turno manhã e tarde, durante o mês de
maio de 2021, remotamente, por meio da Plataforma do YouTube.
O evento teve a carga horária de 18 horas, com duração de 06
horas diárias. Os encontros remotos dirimiram as dúvidas e compar-
tilharam informações pertinentes sobre a Semana de Enfermagem. O
evento foi realizado em três encontros remotos e síncrono no período
matutino e vespertino.
Elegeu-se como instrumento de pesquisa o diário de bordo. Docen-
tes criam diversas formas de escrita: relatório de pesquisa, relatório de ex-
tensão, relatório de ensino, diário de classe, caderneta, agenda, relatórios
da turma e de estudantes, planos de aula, planejamento, organograma,
cronograma, projeto de pesquisa, de ensino e de extensão. A depender
da escrita docente este tipo de registro pode ser materializado por meio
de: diários, agendas, cadernos, dossiês, portfólios, memoriais, biografias,
autobiografias e outras formas de narrar e descrever o vivido, observado,
falado, sentido e lido.
Alves (2004) assevera que o diário é um instrumento colaborador para
o desenvolvimento profissional de docentes e para estudo de dilemas, sen-
do um instrumento para produção de dados biográficos, de documentos
pessoais. Estes relatos docentes materializam o que pode ser transformado
em comunicação de pesquisa como é o caso de um artigo com RE.
Revela-se que a observação ativa e participante do coordenador do
evento e professor do CTF/UFPI, bem como as demandas realizadas

35
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

durante os diálogos colaborativos com docentes e monitores da institui-


ção de ensino, durante o evento remoto foram registradas em um diário
de bordo.
Analisou-se os dados narrativos apoiados na técnica de análise de
conteúdo, proposta por Poirier, Clapier-Valladon e Raybaut (1999), que
propõem seis etapas de operações práticas: 1) pré-análise, 2) clarificação
do corpus, 3) compreensão do corpus, 4) organização do corpus, 5) organiza-
ção categorial e 6) somatório das narrativas de vida.
Fundamenta-se em uma análise descritiva por meio da construção de
tipologias, categorias e análises temáticas. A análise de conteúdo pretende
descrever a experiência/vivência, mas também interpretar o sentido do
que foi redigido no diário de bordo.
Este artigo não precisou ser submetido ao Comitê de Ética em Pes-
quisa por meio da Plataforma Brasil, pois não envolveu diretamente seres
humanos, no entanto respeitaram-se os princípios éticos, conforme Re-
solução CNS n. 466/2012 e Resolução CNS n. 510/2016, no que se refere
à pesquisa utilizando bases de dados.
A proposta da produção de um relato vivencial se materializa como
forma de imortalizar um evento alusivo de 21 anos da Semana de Enfer-
magem do CTF/UFPI (SENF-CTF/UFPI) e dos 41 anos de fundação do
CTF/UFPI.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO SOBRE A


COORDENAÇÃO DE UMA SEMANA DE ENFERMAGEM
COMO UM EVENTO DE EXTENSÃO

Nesta seção, apresenta-se os resultados obtidos a partir do relato de


experiência do coordenador da XXI Semana de Enfermagem do ano de
2021 sobre a manutenção anual deste evento científico e cultural.
Para a criação do projeto de extensão, o coordenador deixa claro os
objetivos do evento científico e cultural: Difusão de conhecimentos, pro-
cessos ou produtos culturais, científicos ou tecnológicos, desenvolvidos,
conservados ou reconhecidos pela UFPI. Os participantes do evento são
divididos em dois grupos: público externo e público interno. O Público
Externo é o alvo do Evento de Extensão: 1) Membros da Sociedade Civil;

36
FELIPE ASENSI (ORG.)

2) Participantes de Instituições Sociais; 3) Movimentos sociais organiza-


dos. O Público Interno também é outro alvo prioritário ou majoritário: 1)
Discentes/Estudantes; 2) Técnicos administrativos; 3) Docentes da UFPI.
Os Eventos científicos e tecnológicos podem ser denominados de:
1) Congresso; 2) Conferência; 3) Seminário; 4) Oficina; 5) Simpósio; 6)
Jornada; 7) Semana; 8) Encontro; 9) Fórum; 10) Reunião; 11) Circui-
to; 12) Workshop; 13) Mesas-Redondas; 14) Palestras; 15) Colóquio; 16)
Campanha Educativa; 17) Olímpiadas, dentre outros.
Ainda podem ser cadastrados Eventos culturais, esportivos e de lazer
denominados de: 1) Exposição de arte e produto; 2) Espetáculo; 3) Festi-
val; 4) Feira; 5) Salão; 6) Mostra; 7) Recital; 8) Concerto; 9) Apresentação
teatral; 10) Exibição de vídeos; 11) Documentários e filmes; 12) Apresen-
tação pública de música, canto e dança; 13) Campeonato; 14) Torneio; 15)
Olimpíada esportiva; 16) Calourada, dentre outros.
As etapas de preenchimento para submissão do Evento, que são: 1) Da-
dos gerais da ação: Título do evento; Ano de submissão; Período de reali-
zação; Área de conhecimento da CAPES; Abrangência; Área Temática de
Extensão; Tipo de Ação; 2) Dados da ação: 1) Tipo de evento; 2) Carga
horária; 3) Membros da equipe da ação; 4) Receita detalhada (se houve
financiamento); 5) Despesa detalhada (se houver financiamento); 6) Espe-
cificação da ação; 7) arquivo do projeto anexado; 8) Resumo da ação.
Ao marcar o tipo de ação, o Coordenador deve escolher entre: 1)
Atividade Cultural de Esporte ou Lazer: caso o evento envolve atividades
esportivas, de cultura ou entretenimento; ou 2) Atividade de Discussão de
Temas e Conceitos: caso seja um evento científico ou tecnológico.
Logo após, o coordenador revela o público-alvo do Evento: 1) Quan-
tificar os discentes da equipe: (quantidade de estudantes que serão moni-
tores, da comissão organizadora ou qualquer atividade que esteja ligada à
execução do evento); 2) Discriminar Público Alvo Externo: quantificar
o público-alvo que será atendido com o projeto. Exemplo: agricultores,
familiares, merendeiras, estudantes, escolares, dentre outros); 3) Quanti-
ficar Público Alvo Externo: quantidade de pessoas atendidas diretamente
pelo projeto; 4) Local de Realização: preencher Estado, município e Es-
paço de Realização do Evento; 5) Local de Inscrição de Participante; 6)
Parcerias com outras instituições.

37
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

No projeto de extensão contém as seguintes informações: 1) Re-


sumo; 2) Objetivo Geral; 3) Justificativa; 4) Programação: detalhando
a programação da ação de extensão, com os módulos, atividades, datas,
horários e as respectivas cargas horárias que serão ofertadas. Tendo o
cuidado de preencher de tal maneira que a soma das atividades esteja de
acordo com a carga horária total apresentada na proposta; 5) Pré-Requi-
sitos para Inscrição.
Em seguida, o coordenador inscreve os membros da Equipe do Even-
to. Seleciona a categoria do membro do Evento (Docente, Técnico admi-
nistrativo, Discente, Participante externo) com suas respectivas funções e
carga horária de cada membro da equipe do Evento, tais como: analista de
operações. Assessor, auxiliar técnico, comissão científica, comissão de or-
ganização, consultor/tutor, coordenador/a, coordenador/a adjunto/a, de-
batedor, executor colaborador/a, instrutor/supervisor, ministrante, orien-
tador, palestrante, presidente.
Em casos de eventos com Financiamento Externo, deve ser preen-
chido o Agente Financiador Externo, Valor do Financiamento e Exe-
cutor Financeiro. Os Eventos de Extensão com captação de recursos
com taxa e inscrição devem atender ao disposto no Art. 5º da Resolu-
ção 022/2018-CEPEX e precisam da aprovação do CEPEX. Os Even-
tos de Extensão com cobrança de taxa de inscrição devem atender ao
Art. 5º e Parágrafo único do Art. 12º da Resolução 022/2018-CEPEX,
destinando 10% das vagas para o público com vulnerabilidade social
autodeclarada.
Ainda durante o preenchimento da proposta no sistema, o coordena-
dor do Evento deverá preencher discriminando cada elemento de despesa,
tais como: 1) Diárias; 2) Material de Consumo; 3) Passagens; 4) Pessoa
Física; 5) Pessoa Jurídica; 6) Equipamentos; 7) Hospedagens; 8) Taxa de
administração UFPI; 9) Taxa de administração FADEX; 10) Outros. Na
nossa proposta não tivemos financiamento, por isso não preenchemos es-
ses dados. Todos os palestrantes doaram seu tempo e trabalho para que a
semana de Enfermagem se realizasse. Toda equipe agradece a cada moni-
tor, docente, palestrante do curso e a cada ouvinte.
Na sequência, o Coordenador do Evento deve preencher o Crono-
gramas de Atividades conforme período de realização do Evento. Logo

38
FELIPE ASENSI (ORG.)

após, o Coordenador do Evento deve enviar um arquivo completo da Pro-


posta do Evento de Extensão caso tenha sido elaborada também em ou-
tro formato (Word, Excel, PDF, outros). Em seguida, aparecerá um for-
mulário com todas as informações preenchidas que serão encaminhadas
para aprovação da chefia imediata do coordenador do Evento. Ao final do
formulário, aparecerá uma declaração de responsabilidade pela veracidade
das informações prestadas.
Para gerenciar a Equipe, cada membro foi cadastrado na “Lista de
Ações que Coordenou”, com carga horária, período de realização do
evento. As inscrições dos participantes foram abertas, realizadas e geren-
ciadas diretamente no Sistema Integrado de Gestão de Atividades Aca-
dêmicas (SIGAA). Caso as inscrições sejam feitas por outra plataforma
digital (Even, Instagram, dentre outras), o proponente (coordenador/a)
do Evento de Extensão deverá cadastrar diretamente no SIGAA cada
participante.
No relatório construído pelo coordenador consta: 1) Membros da
Equipe com carga horária cumprida; 2) Programação do Evento (deta-
lhadamente, constando data, horário de início e término das atividades
desenvolvidas); 3) Arquivos que comprovem a realização do evento (De-
vem ser anexados em PDF: fotos, cartaz, site, redes sociais, dentre ou-
tros comprovantes); 4) Lista de atividades não certificadas pelo SIGAA
(Apresentação de trabalhos, Avaliador de trabalhos, dentre outras). Nestes
casos, o coordenador da ação deve enviar formulário com as informações
necessárias para certificação (nome do autor, coautores sem abreviatura,
CPF, título da atividade a ser certificada, carga horária da atividade, pe-
ríodo de realização do Evento). As emissões dos certificados são geradas
automaticamente pelo SIGAA após o envio do relatório e avaliação por
um dos membros designados pela Pró-Reitoria de Extensão. Cada parti-
cipante entra no SIGAA e baixa seu certificado no smartphone, notebook
ou computador.
Anualmente, no quinto mês, comemora-se, no período de 12 a 20 de
maio, a Semana Nacional da Enfermagem em homenagem aos Profissio-
nais de Enfermagem. Em 2021, a Associação Brasileira de Enfermagem
– ABEN, promoveu a 82ª Semana Brasileira de Enfermagem (SBEn) com
o tema central “O trabalho em Enfermagem no contexto de crise”. O

39
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Conselho Federal de Enfermagem terá como tema principal: “Enferma-


gem: uma voz para liderar — Uma visão para o futuro dos cuidados de
saúde”. Para unir as duas temáticas, denominou-se a XXI SEMANA
DE ENFERMAGEM do CTF/UFPI – “O Trabalho do Profissional
de Enfermagem em tempos de COVID-19”. A seguir, a figura 1, o cartaz
da divulgação do evento científico e cultural:

Figura 1 – cartaz de divulgação da XXI SEMANA DE ENFERMAGEM do CTF/UFPI

Fonte: Site institucional da UFPI, 2022.

Teve como objetivo central: contribuir com a análise do papel do


Profissional de Enfermagem na crise pandêmica da Covid-19, a partir das
perspectivas e dos desafios da Enfermagem para cuidar de pessoas infec-
tadas e as profundas mudanças nas relações entre espaço, tempo, processo
saúde-doença-cuidado e doenças infectocontagiosas.
O evento se justifica pelo Decreto Federal n. 48.202, de 12 de maio
de 1960 – Institui a “Semana da Enfermagem”:

40
FELIPE ASENSI (ORG.)

Art. 1º – Fica instituída a Semana da Enfermagem, a ser celebrada


anualmente, de 12 a 20 de maio, datas nas quais ocorreram, res-
pectivamente, em 1820 e 1880, o nascimento de Florence Nigh-
tingale e o falecimento de Ana Neri.

Art. 2º – No transcurso da Semana deverá ser dada ampla divulga-


ção às atividades da Enfermagem e posta em relevo a necessidade
de congraçamento da classe e suas diferentes categorias profissio-
nais, bem como estudados os problemas de cuja solução possa re-
sultar melhor prestação de serviço ao público.

Art. 3º – Durante a Semana, deverão ser prestadas homenagens


à memória de Ana Neri e a outros vultos consagrados da Enfer-
magem.

A semana de comemorações nacionais se inicia no dia 12 de maio


– Dia internacional do Enfermeiro – e se encerra em 20 de maio – Dia
Nacional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem. Essas datas honram
e homenageiam duas ilustres mulheres e profissionais da enfermagem: o
nascimento da italiana Florence Nightingale, a pioneira da enfermagem
moderna, em 12 de maio de 1820. Bem como a data de falecimento, em
20 de maio de 1880, da baiana Ana Néri (Ana Justina Ferreira Néri), a
Mãe dos Brasileiros. No Brasil, a Escola de Enfermagem Anna Nery da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1940, promoveu a 1ª
Semana de Enfermagem brasileira.
Os profissionais de enfermagem como produtores e gestores de cui-
dados acompanham, orientam e observam o usuário/paciente/cliente em
todo: ciclo de vida, processo de restabelecimento da saúde, bem como nos
momentos de promoção, prevenção de doenças, acidentes e agravos.
Durante a organização do evento, teve-se o cuidado de analisar que
todos os temas que foram trabalhados pelas Semanas de Enfermagem do
CTF/UFPI, ao longo dos anos, seguiram os direcionamentos técnicos e
filosóficos da ABEn, do Cofen e do Coren-PI.
A programação do evento foi dividida em três dias seguidos, 19, 20 e
21 de maio de 2021, com duração diária de três horas, divididas em quatro
atividades a cada dia. Ao final de cada atividade, houve um espaço desti-
nado às perguntas feitas pelos participantes durante as aulas ministradas.

41
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

A escolha das temáticas se manifestou pela relevância para todos os profis-


sionais da Enfermagem. O evento científico e cultural foi exibido ao vivo,
por meio de uma plataforma digital, por um canal do YouTube. A XXI
SENF foi organizada da seguinte forma:

Dia 19/05/2021, das 08:00 às 11:10:

- Abertura do evento: Coordenação do Evento / Coordenação do


Curso Técnico em Enfermagem e Diretor do CTF/UFPI, Repre-
sentante do Coren-PI e da ABEn-PI;

- Conferência: Enfermagem: uma voz para liderar — Uma visão


para o futuro dos cuidados de saúde – Profa. Dra. Laurimary Ca-
minha Veloso (Coren-PI);

- Conferência: O Trabalho em Enfermagem no contexto de crise


– Profa. Dra. Ana Maria Ribeiro dos Santos (ABEn-PI);

Dia 19/05/2021: 14:00 às 17:10

- Conferência: Posicionamento Ventral (Prona) em paciente grave:


um trabalho de equipe interdisciplinar – Esp. Helena Janaina Al-
meida dos Reis – Técnica de Enfermagem (CTF/UFPI) e Fisiote-
rapeuta (Hospital Regional Tibério Nunes);

- Conferência: Monitorização do paciente grave na sala de estabi-


lização – Prof. Esp. Evandro Guilherme de Araújo (Hospital Re-
gional Tibério Nunes);

- Conferência: Vacinação contra COVID-19 – Enfa. Esp. Thami-


na Oka Lobo Paes Landim (ESF de Floriano/PI);

Dia 20/05/2021: 08:00 às 11:10

- Conferência: Segurança do Paciente no contexto hospitalar em


tempos de pandemia – Profa. Dra. Ruth Cardoso Rocha (CAFS/
UFPI); Aleitamento materno em livre demanda em tempos de
COVID-19 – Profa. Dra. Maria Augusta Rocha Bezerra (CAFS/
UFPI); Desafios para prevenção da COVID-19 entre adolescentes

42
FELIPE ASENSI (ORG.)

e jovens – Profa. Dra. Evelyne Ellene Alves de Carvalho (UESPI/


Campus de Floriano);

Dia 20/05/2021: 14:00 às 17:10

- Conferência: Saúde Mental em tempos de pandemia – Dr. Lean-


dro Gomes Reis Lopes (Psicólogo CTF/UFPI); Espiritualidade e
a vivência do luto em tempo de pandemia – Eliane Carneiro (Li-
cenciada em Letras e Técnica de Enfermagem do Hospital Regio-
nal Tibério Nunes); Enfermagem, Cuidado e Música – Enfa. Esp.
Maria Laura Barros Costa (ESF de Floriano/PI);

Dia 21/05/2021: 08:00 às 11:10

- Roda de Conversa: Vivências de Técnicos/as de Enfermagem e


o trabalho no setor COVID-19 – João Henrique Galvão Dantas,
Fernanda Feitosa da Silva e Habnnê dos Santos Sousa Silva – Téc-
nicos de Enfermagem (CTF/UFPI) atuantes no Hospital Regional
Tibério Nunes – Floriano/PI; Conferência: Papel do Técnico em
Enfermagem durante a PCR em paciente com COVID-19 – Prof.
Esp. Gilmar Alves de Sousa (Salve Vidas);

Dia 21/05/2021: 14:00 às 15:50

- Conferência: Sequelas, reabilitação e autocuidado no pós-CO-


VID-19 – Dr. Julio Cesar Pereira Leite (Enfermeiro da UPA
Renascença 3/Teresina-PI), Dr. Lázaro de Liz Sousa Brito (Fi-
sioterapeuta da UTI COVID-19 do Hospital Regional Tibé-
rio Nunes-Floriano/PI) e Dra. Elineuza Ramos (Fisioterapeuta
Proprietária da Clínica Fisiocare Fisioterapia e Enfermagem e do
Centro Integrado de Equoterapia de Floriano); Talk Show: Amor,
Poesias e Canções – Maria Lizandra Mendes de Sousa e Camila
Gabrielly Silva Do Nascimento (Egressas de Cursos Técnicos do
CTF/UFPI).

43
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Percebeu-se que, por meio do diálogo, foi possível construir um even-


to e elencar as demandas de cada um dos organizadores e, consequente-
mente, de diversos estudantes do curso Técnico em Enfermagem e definir
palestras e seus respectivos ministrantes de diferentes temas extremamente
relevantes para formação profissional. Por envolver uma equipe formada
por 05 docentes e 08 monitoras (estudantes do Curso Técnico em En-
fermagem do CTF/UFPI), a tomada de decisões referentes à organização
aconteceu por meio de reuniões por via Google Meet e criação do grupo
no WhatsApp, uma vez que cada membro possuía rotinas diferentes. As-
sim, é possível afirmar que tais vivências contribuem para formação de
habilidades de liderança, cooperação, comunicação, organização e adap-
tação, além de agregar aprendizados para uma vida toda.
O evento remoto proporcionou momentos de reflexão, de colabora-
ção e discussão para o fortalecimento da Equipe de Enfermagem nas suas
dimensões ética, moral, estética e humanística por meio da realização de
palestras, minicursos, mesa-redonda, apresentação artística e sorteio de
brindes aos participantes. A Semana contou com apoio de grandes entida-
des como o Coren-PI, a Aben e da UFPI com seus respectivos represen-
tantes na mesa de abertura do evento de 2021.
Ressalta-se que um evento remoto, gratuito, aumenta a adesão de
participante durante a pandemia COVID-19, facilita a visualização das
atividades remotas, uma vez que não é necessário deslocamento ao local
do evento presencialmente e ainda existe a possibilidade de acesso direto
nos próprios dispositivos móveis: computadores, tablets e smartphones.
Realça-se a repercussão e elogios que o evento proporcionou, a ava-
liação de participantes ecoou de forma exitosa nos feedbacks recebidos, es-
pecialmente após o envio do formulário via e-mail para as pessoas inscritas
e pelas manifestações no bate-papo do canal do YouTube. A equipe de
organização agradece a cada palestrante pela consideração, apoio e pela ge-
nerosidade de participar deste evento de forma gratuita, zelosa e assertiva.
Sob esta perspectiva, os aprendizados com as Semanas de Enferma-
gem vêm permitindo uma reflexão sobre a construção de aprendizagem
mútua e conhecimento profissional aliada à melhor qualidade da capaci-
tação técnica e inserção do conjunto de profissionais ligados à assistência.
Sua principal característica é a de ser um evento que possibilita uma visão

44
FELIPE ASENSI (ORG.)

crítica e autônoma a estudantes, professores e demais participantes. Sem-


pre é tempo de celebrar a vida, a profissão e a qualidade de vida! (SAN-
TANA, 2018).
A organização da XXI SENF se orienta pelas Diretrizes para a Ex-
tensão Superior Brasileira que visa a curricularização da extensão univer-
sitária no Brasil (BRASIL, 2018). Portanto, a organização da Semana de
Enfermagem brasileira ocorre por meio da ação conjunta de docentes e
discentes monitores, passa por um processo de transição do ensino remo-
to e requer dos profissionais de Enfermagem apoio e participação efetiva
neste fórum de debate, com vistas ao fortalecimento da profissão, da cate-
goria de trabalho e da valorização da Enfermagem.
Relata-se a experiência como idealizador, organizador e docente
da educação básica, técnica e tecnológica do projeto e da execução deste
evento de extensão para a materialização da XXI Semana de Enfermagem
de forma remota no período da Pandemia da Covid-19 de 2021 em um
colégio técnico vinculado à universidade federal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral deste relato foi atingido, evidencia-se que a ex-


periência da liderança de um projeto de extensão centrado no evento
cientifico e cultural contribui significativamente para a formação pro-
fissional e pessoal, pois é um momento em que se vivencia a unidade
teoria-prática, compartilha-se saberes, fazeres, dizeres e conhecimentos
com outros profissionais que estão ligados diretamente com a prática
profissional especializada.
Tomando como foco a formação profissional inicial e continuada e
procedendo com a análise do relato, tendo como escopo a dinâmica sub-
jetiva inserida em um contexto pandêmico, jurídico, político, econômico,
social, histórico, entre outras dimensões da tríade ensino-pesquisa-exten-
são. A pesquisa em forma de relato sustenta a tese da necessidade de con-
solidar, mesmo em período pandêmico, de forma remota, a Semana de
Enfermagem de 12 a 20 de maio como um evento científico e cultural
que possui 82 anos de execução no Brasil e 21 anos de realização no CTF/
UFPI como uma atividade de extensão que presta homenagens à memó-

45
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

ria de Ana Neri, enfermeira baiana, considerada Mãe dos Brasileiros, e a


outros vultos consagrados da Enfermagem nacional e internacional, como
Florence Nightingale, pioneira da Enfermagem científica.
Constatou-se que a convivência na coordenação do evento científico
com docentes, monitores e demais membros do CTF/UFPI permitiu di-
vulgar de forma remota a realidade do dia a dia da pandemia Covid-19 e
as peculiaridades de cada profissional da saúde que se encontra na linha de
frente do combate ao novo coronavírus, dando a oportunidade de apren-
der com enfermeiros assistenciais com o intuito de nos preparar, ainda
mais, para enfrentar os desafios da profissão.
Portanto, em vista dos argumentos e relatos apresentados, é necessário
ressaltar que as atividades de extensão universitária incidem nos processos
formativos profissionais e sociais por meio de uma educação libertadora
que prima pela dimensão de autonomia, resistência, resiliência, sustenta-
bilidade e minimização de discriminação social. O respeito à diversidade
e o apoio às ações de combate ao preconceito, estigmatização e discrimi-
nação de gênero, raça e classe. A Enfermagem luta em defesa da ciência e
da vida e como profissional da educação, amplia-se esta luta para a manu-
tenção de uma rede federal pública, gratuita e socialmente referenciada.

REFERÊNCIAS

ALVES, Francisco Cordeiro. Diário – um contributo para o desenvolvi-


mento profissional dos professores e estudo dos seus dilemas. Revis-
ta Millenium RE, n. 29, p. 1-18, jun. 2004.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Portal de


Eventos da ABEn. 2019. Disponível em: https://www.abeneven-
tos.com.br/. Acesso em: 12 fev. 2022.

BRASIL. Decreto Federal n. 48.202, de 12 de maio de 1960. Insti-


tui a Semana da Enfermagem – a ser celebrada, anualmente, de 12
a 20 de maio, datas nas quais ocorreram, respectivamente em 1820
e 1880, o nascimento de Florence Nightingale e o falecimento de
Anna Nery. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, p. 8206, 12
maio 1960.

46
FELIPE ASENSI (ORG.)

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câ-


mara de Educação Superior. Resolução n. 7, de 18 de dezembro
de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Su-
perior Brasileira e regulamenta o disposto na Meta 12.7 da Lei n.
13.005/201, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE 2014
– 2024 e dá outras providências. Diário Oficial da União: Seção 1,
Brasília, p. 49, 19 dez. 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução


n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União: Se-
ção 1, Brasília, DF, p. 59, 13 jun. 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução


n. 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial da União: Seção 1,
Brasília, DF, p. 44-46, 24 maio 2016.

CARVALHO, Anayde Corrêa de. Associação Brasileira de Enfermagem


– 1926/1976: Documentário. Rev. Bras. Enferm., Brasília, v. 55,
n. 3, p. 249-263, maio/jun. 2002.

CERVO, Amado Luiz.; BERVIAN, Pedro Alcino.; SILVA, Roberto da.


Metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall,
2007.

GERMANO, Raimunda Medeiros. Organização da Enfermagem Brasi-


leira. Enfermagem em Foco, v. 1, n. 1, p. 14-17, 2010.

OGUISSO, Taka. Trajetória histórica e legal da enfermagem. 2. ed.


Barueri: Manole; 2007.

POIRIER, Jean; CLAPIER-VALLADON, Simone; RAYBAUT, Paul.


Histórias de vida: teoria e prática. 2. ed. Oeiras, PT: Celta, 1999.

RODRIGUES, Ana Kelve de Castro et al. Associação Brasileira de En-


fermagem: 70 anos de luta pela vida. Rev. Bras. Enferm., Brasília,
v. 50, n. 4, p. 599-618, out./dez. 1997.

SANTANA, Marttem Costa de. Semana de Enfermagem: de 12 a 20


de maio. 2018. Notícias. CONSELHO REGIONAL DE EN-

47
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

FERMAGEM DO PIAUÍ. Disponível em: http://www.coren-pi.


com.br/semana-da-enfermagem-de-12-a-20-de-maio_6690.html.
Acesso em: 21 fev. 2022.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ. Colégio Técnico de Floria-


no. Plano Político Pedagógico do Curso Técnico de Enferma-
gem do CTF. Floriano, PI: CTF/UFPI, 2014.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ. Colégio Técnico de Flo-


riano. XXI SEMANA DE ENFERMAGEM DO CTF/UFPI:
“O Trabalho do Profissional de Enfermagem em tempos de CO-
VID-19”. 2021. Disponível em: https://ufpi.br/ultimas-noticias-c-
tf/40747-xxi-semana-de-enfermagem-do-ctf-ufpi-o-trabalho-do-
-profissional-de-enfermagem-em-tempos-de-covid-19. Acesso em:
21 fev. 2022.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ. Conselho de Ensino Pes-


quisa e Extensão. Resolução CEPEX/UFPI n. 22/2018, de 16 de
fevereiro de 2018. Regulamenta os eventos de extensão na Univer-
sidade Federal do Piauí e dá outras providências. Teresina: UFPI,
2018a.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ. Conselho de Ensino Pesqui-


sa e Extensão. Resolução CEPEX/UFPI n. 184/2018, de 20 de
agosto de 2018. Estabelece normas complementares às Resoluções
021/2018 e 022/18 que regulamentam, respectivamente, os cursos
e eventos de extensão no âmbito da UFPI. Teresina: UFPI, 2018b.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ. Pró-Reitoria de Extensão e


Cultura. Coordenadoria de Programas, Projetos e Eventos Científi-
cos e Tecnológicos. Manual eventos de extensão SIGAA. Tere-
sina: UFPI, 2021.

48
COMO ELABORAR UM ARTIGO
COM RELATO DE EXPERIÊNCIA? UM
RELATO METODOLÓGICO DE UM
PESQUISADOR-EXTENSIONISTA
Marttem Costa de Santana4

REFLEXÕES PARA INICIAR

Pesquisadores iniciantes têm dificuldades e limitações para escrever


um artigo com Relato de Experiência (RE) para publicação e participação
em eventos científicos. Esta ação de extensão remota surge diante do con-
texto da pandemia da Covid-19 e a necessidade de escrever artigos des-
crevendo as vivências e experiências formativas pessoais e profissionais. À
luz dessa relação, elegeu-se como questão de Pesquisa: Quais os elementos
constituintes de um artigo com Relato de Experiência?
Este artigo com RE tem o objetivo central de relatar, metodologica-
mente, a experiência de criar, coordenar e ministrar um curso de exten-
são para elaboração de artigo com relato de experiência. A concretização
desse objetivo implica possibilitar um processo sistematizado, mobilizado,
fluido, organizado e que envolve os esforços de pesquisadores-extensio-
nistas e das instituições nas quais eles se encontram e materializam a rea-
lidade investigada. Portanto, é necessária uma dedicação compartilhada e

4 Enfermeiro e Pedagogo. Doutor em Tecnologia e Sociedade (UTFPR). Docente do Colégio


Técnico de Floriano (CTF/UFPI).

49
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

colaborativa de cada relator/as para descrever o vivido, o manifestado, o


afetado, o acontecimento, a narrativa, o registro e a exitosa experiência.
Fortalecer e estimular a construção e a escrita de artigo com RE é um
dos motivos deste relato, e ao mesmo tempo uma das suas justificativas.
Nesse contexto potencializador de relatos, este trabalho justifica-se pela
relevância científica e acadêmica do tema e pela possibilidade de ampliação
dos estudos na área de educação, saúde e multiprofissional, contribuindo
para a criação de outros conhecimentos acerca dos tipos de artigos cientí-
ficos e pela relevância social de compartilhar as experiências/vivências da
escrita de docentes com outros profissionais da educação.
Além disso, justifica-se o presente estudo tendo em vista que o modo
como pesquisadores/as extensionista relatam o trabalho, a atividade vivi-
da, o espaço, o tempo, a estrutura física, a experiência exitosa gera a pos-
sibilidade da reinvenção, da criatividade, do incentivo à escrita cientifica,
a materialização do vivido alicerçados em pressupostos teóricos-metodo-
lógicos imbricados na unidade teoria-prática.
O curso de extensão para elaboração de artigo com RE pretendeu
ampliar o pensamento crítico-reflexivo em relação à produção textual de
um artigo com relato de experiência, visando a identificação dos elemen-
tos constitutivos no processo da investigação, da escrita e da publicação.
De forma prática, possibilita enriquecer o currículo dos participantes e
serve de base para participações e apresentações em eventos científicos.
O artigo descreve as etapas de elaboração e de execução do curso de ex-
tensão promovido por docente EBTT do colégio técnico vinculado a uma
universidade federal do Nordeste brasileiro, utilizando como estratégia de en-
sino-pesquisa-extensão sobre a escrita acadêmica para um grupo de bolsistas.
O artigo com RE está dividido em cinco partes: introdução; relato
de experiência como um tipo de artigo científico; trajetória metodológica
da pesquisa; processo de produção da escrita do relato de experiência:
intervenção, reflexividade, produção da escrita; e para finalizar, as consi-
derações finais.

RELATO DE EXPERIÊNCIA COMO UM TIPO DE ARTIGO


CIENTÍFICO

O relato de experiência é um texto que descreve precisamente uma


dada experiência que possa contribuir de forma relevante para sua área

50
FELIPE ASENSI (ORG.)

de atuação (UFJF, 2017). O artigo com RE é uma narrativa científica


de fatos da vida pessoal e/ou profissional, conquistas, superações, fases,
processos, resiliências, acontecimentos marcantes, significativos e de-
safiadores. Articula-se o pensamento técnico, científico e tecnológico
conectado à aplicação no mundo do trabalho, são necessários às práxis
exitosas e transformadoras.
Na construção desta modalidade de artigo, deve-se ter em mente os
marcos ou recortes: temático, temporal e espacial que geram a materiali-
zação da realidade investigada. Apresenta tempos e espaços bem delimi-
tados e contextualizados. A história ou o relato parece existir e o trabalho
do pesquisador é investigar, interpretar e disponibilizar essa história para
várias pessoas (STAKE, 2011).
Cada artigo com RE se torna um documento que registra o percurso
desenvolvido pelo pesquisador-extensionista em sua experiência de está-
gio, pesquisa de iniciação científica, projeto de extensão, participação em
movimento estudantil/associativo, projeto de ensino, bem como qualquer
tipo de experiência profissional.
O relato de experiência, de forma geral, deverá conter informações
sobre a atividade que foi realizada, conforme informações do planeja-
mento, e resultados alcançados fazendo a relação entre teoria e prática,
conhecimentos desenvolvidos e aplicados na prática (ESCOLA NA-
CIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MA-
GISTRADOS, 2016).
As finalidades do artigo com relato de experiência são: viver, viven-
ciar, experienciar, compartilhar, materializar, recordar, rememorar, pre-
servar e relatar uma experiência em si, quer seja única ou múltipla. Ao se
relatar, oportuniza-se reviver situações concretas e significativas, funda-
mentada na tríade: sentir-pensar-agir, com objetivos teóricos-metodoló-
gicos e científicos, incorporando a ação, a reflexão, a sensação, a experi-
mentação, a descrição e a publicação.
O artigo com RE se concretiza a partir de observações da realida-
de, dos registros das relações sociais vivenciadas, por entre as capturas do
mundo real, consubstanciados em referenciais teóricos congruentes, apro-
priados e contundentes.

51
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

A partir da reflexividade do pesquisador-extensionista em um deter-


minado contexto cultural e histórico gera-se interpretações da realidade
vivenciada. O artigo com RE é uma modalidade de produção de conhe-
cimento de abordagem qualitativa, materializada pelos trabalhos da me-
mória, da revisitação, da narrativa.
A interação e colaboração de discentes de cursos técnicos, graduan-
dos, mestrandos, mestres/as, doutorandos/as e doutores/as promovem a
cada pesquisador/a iniciante uma visão sistêmica do trabalho em equipe,
pois a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade são necessárias à vida
profissional. O artigo com RE situa o saber resultante de um processo;
um entrecruzamento de processos, dos coletivizados aos mais singulares
(DALTRO; FARIA, 2019, p. 226).
Como exemplos de relatos de experiência pode-se citar: relatório
técnico, relatório de estágio, relatório de viagem, diários íntimos, diários
de viagem, notícias, reportagens, crônicas jornalísticas, relatos históricos,
biografias, autobiografias, testemunhos, depoimentos, dentre outros.
É preciso compreender os elementos necessários para construção do
artigo com RE, de forma a fortalecer de maneira mais robusta como pos-
sibilidade de publicação em periódicos com forte impacto, investindo na
consolidação de uma política de valorização deste artefato de produção de
conhecimento.
Para relatar a observação da experiência ou da vivência podem ser uti-
lizados: agendas, diários, cadernos, formulário de observação e programas
de transcrição imediata da voz em texto.
O pesquisador pode utilizar também a audiogravação ou videograva-
ção. É preciso ter o cuidado de testar a gravação do áudio e escutar antes
de começar a gravar oficialmente para não perder nenhum detalhe de som
e/ou voz.

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA DO RELATO DE


EXPERIÊNCIA

Trata-se de uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, do


tipo relato de experiência. A técnica de pesquisa de registro documen-
tal-analítico do tipo RE se coloca como um instrumento político-so-

52
FELIPE ASENSI (ORG.)

cial de análise, de interpretação da diversidade própria da ciência que se


expande a todo momento. A depender do tipo de pesquisa, podem ser
usados diversos instrumentos de pesquisa para materializar a vivência
ou experiência, tais como: diários de bordo, diários de campo, agenda,
relatório de pesquisa.
O lócus da pesquisa foi um Colégio Técnico de Floriano (CTF) vin-
culado à Universidade Federal do Piauí (UFPI), no Nordeste brasileiro,
localizado no município de Floriano/PI, na microrregião do Sul Piauiense
a 240Km da capital do Piauí, Teresina. Foi criado por meio da resolução
n° 01/79 do Conselho Universitário da UFPI, iniciando suas atividades
em 19 de março de 1979 com o curso Técnico em Agropecuária (UFPI,
2019). Em 1981, iniciou o curso Técnico em Enfermagem.
As atividades de ensino-pesquisa-extensão foram desenvolvidas, no
turno noturno, durante os meses de agosto a dezembro de 2021, remo-
tamente, por meio da Plataforma do Google Meet. O curso ministrado
teve a carga horária 60 horas aulas, com duração de 10 horas semanais. Os
encontros remotos dirimiram as dúvidas e compartilharam informações
pertinentes sobre a coconstrução do artigo com RE. O curso foi realizado
em seis semanas nas terças-feiras e sextas-feiras, das 14 às 17h (encontro
remoto/síncrono) e das 18h às 20h (atividade remota/assíncrona).
Os Interlocutores da extensão foram 02 docentes EBTT e 02 bolsistas
do PIBIC e 02 bolsistas do PIBEX, matriculados em cursos técnicos: 02
da área de Enfermagem e 02 da Informática do CTF. A observação ativa e
participante, bem como os diálogos colaborativos com docentes e bolsistas
da instituição de ensino, durante 11 encontros remotos, foram norteados
por um roteiro construído a partir do referencial teórico-metodológico.
A ação extensionista foi proposta por um professor de Enfermagem e uma
professora de informática do CTF e o objetivo da atividade foi potencia-
lizar aos bolsistas a elaboração de artigo com RE para ser apresentado em
eventos científicos e para publicação.
Analisou-se os dados narrativos apoiados na técnica de análise de
conteúdo, proposta por Poirier, Clapier-Valladon e Raybaut (1999, p.
108), composta por seis etapas de operações práticas: (1) pré-análise, (2)
clarificação do corpus, (3) compreensão do corpus, (4) organização do corpus,
(5) organização categorial e (6) somatório das narrativas de vida. O corpus

53
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

refere-se a todo o material qualitativo recolhido, produzido e constituído


pelo relatório do projeto de extensão que foi classificado e repertoriado
pelo investigador.
Analisaram-se as narrativas dos 06 interlocutores da seguinte forma:
a) Identificação de sequências de ações narrativas; b) reconhecimento de
núcleos narrativos ou eixos temáticos. Depois aconteceu a separação de
dois tipos de informações polifônicas: curso vivido e narrado e reflexões
subjetivas impressas do diário do investigador. A compreensão do corpus
foi gerada após releituras constantes, buscou-se entender o léxico-thesau-
rus, ou seja, levantamento da terminologia própria da população, segundo
Poirier, Clapier-Valladon e Raybaut (1999, p. 114).
Logo após, materializou-se a organização do corpus com a reconstitui-
ção coerente, coesa, significante e legível do conjunto de narrativas através
da elaboração de um plano de análise, estabelecido em dois eixos de aná-
lise, conforme quadros 1 e 2.
Este artigo não precisou ser submetido ao Comitê de Ética em Pes-
quisa por meio da Plataforma Brasil, pois não envolveu diretamente seres
humanos, no entanto respeitaram-se os princípios éticos, conforme Re-
solução CNS n. 466/2012 e Resolução CNS n. 510/2016, no que se refere
à pesquisa utilizando bases de dados.

PROCESSO DE PRODUÇÃO DA ESCRITA DO RELATO


DE EXPERIÊNCIA: INTERVENÇÃO, REFLEXIVIDADE E
PRODUÇÃO DA ESCRITA

A partir da execução da atividade, percebeu-se a necessidade de rea-


lizar esta ação de extensão para cada pesquisador iniciante no grupo de
pesquisa ou após o ingresso via edital de programa de iniciação científica
ou de extensão.
Diante desse cenário, torna-se notória a carência de ações de extensão
voltadas aos pesquisadores iniciantes, evidenciada pelos discursos trazidos
para o grupo de pesquisa foi elaborado o cronograma, quadro 1, sobre os
temas que versem sobre a elaboração de artigo com relato de experiência.
A abordagem metodológica foi alicerçada na vertente sociointera-
cionista e da problematização, desenvolvendo oficinas científicas, sessões

54
FELIPE ASENSI (ORG.)

reflexivas e estratégias de cuidado, interação e socialização. Realizou-se


um levantamento de saberes e conhecimentos prévios dos bolsistas so-
bre a escrita acadêmica. Em seguida, foi executada uma atividade lúdica
e dialógica utilizando modelos didáticos. As temáticas foram abordadas,
conforme o quadro 1.

Quadro 1 – Cronograma de atividades do curso de elaboração de artigo com relato de


experiência
CARGA
CONTEÚDO
HORÁRIA
*Apresentação do curso de formação. 05h
*Primeira etapa: O que é um artigo com relato de experiência?
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono.
*Encerramento do primeiro dia.
*Segunda etapa: Como escolher a temática do artigo com relato de 05h
experiência?
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono.
*Encerramento do segundo dia.
*Terceira etapa: Como construir a introdução do relato de experiência? 05h
*Encerramento do terceiro dia.
*Encerramento do segundo dia.
*Quarta etapa: Como escolher uma revisão de literatura ou referencial 05h
teórico potente?
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono.
*Encerramento do quarto dia.
CARGA
CONTEÚDO
HORÁRIA
*Quinta etapa: Como construir uma metodologia bem-sucedida? 05h
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono.
*Encerramento do quinto dia.
*Sexta etapa: Cuidados durante a análise e interpretação do relato de 05h
experiência.
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono.
*Encerramento do sexto dia.
*Sétima etapa: Cuidados na estruturação das considerações finais 06h
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono.
*Encerramento do sétimo dia.
*Oitava etapa: Checklist para a revisão exitosa do artigo com relato de 06h
experiência.
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono.
*Encerramento do oitavo dia.

55
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

*Nona etapa: Orientação de como elaborar o resumo do artigo com 06h


relato de experiência.
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono
*Encerramento do nono dia.
*Décima etapa: Orientação de artigos produzidos pelos participantes. 06h
*Compartilhamento de materiais para momento assíncrono.
*Encerramento do décimo dia.
*Décima primeira e última etapa: Orientação de artigos produzidos pelos 06h
participantes.
*Aplicação de feedback do curso.
*Encerramento.
Fonte: Autoria própria, 2021.

A vivência teve carga horária de 10 horas semanais, perfazendo


um total de 60 horas aulas. Utilizou-se o laboratório de informática do
CTF/UFPI. Utilizou-se como atividades metodológicas: orientação in-
dividualizada durante as atividades práticas, elaboração de materiais, tais
como: resolução de estudo dirigido, construção de resumos, elaboração
de slides para comunicação oral, plantão de retirada de dúvidas e co-
construção de pôster.
O tempo do RE marca sua dicção, entrelaça às condições afetivas,
ideologias, e a aspectos intersubjetivos com seus sentidos e significados
histórico-sociais (DALTRO; FARIA, 2019, p. 227). Cada pesquisador/a-
-extensionista seleciona experiências exitosas, bem-sucedidas que geram
reflexões, sentidos e significados para a vida pessoal e profissional de leito-
res/as do artigo com RE.
A partir dos enfrentamentos vivenciados durante a realização do cur-
so, aponta-se como estratégia para superar as dificuldades encontradas, a
possibilidade de articular ações de aula expositiva, leitura de outros artigos
com RE e construção do artigo com RE, conforme o planejamento e a
execução das atividades síncronas e assíncronas.
Nem todas as experiências mostram resultados positivos, mas, mes-
mo quando revelam enfrentamentos e dificuldades, os relatos são im-
portantes para alertar outros trabalhadores e indicar novos caminhos
(UFJF, 2017). A ação extensionista possibilita o fortalecimento da for-
mação científica e emancipação no ato de pensar, sentir, refletir e agir
em prol do bem coletivo.

56
FELIPE ASENSI (ORG.)

Orienta-se a seguir a padronização na formatação, conforme o ma-


nual de normalização das editoras, das instituições de ensino ou de pes-
quisa, a fim de que os artigos com RE tenham a mesma apresentação,
a mesma sequência lógica com os elementos constituintes da editora da
publicação.
O artigo com relato de experiência pode conter entre 08 (mínimo)
e 20 (máximo) páginas (parte textual), contudo, recomenda-se seguir as
regras e as normas de cada evento científico ou periódico nacional ou
internacional. O número máximo de páginas pode incluir referências uti-
lizadas e outros elementos pós-textuais, tais como: apêndice, anexo.

Quadro 2 – Passos Metodológicos e Atividades Científicas e Tecnológicas para Constru-


ção de um Relato de Experiência
Etapas da
Passos Estrutura Atividades Científicas e Tecnológicas
textual
1 Pré-Textual Criar um grupo de pesquisa no WhatsApp.
2 Realizar reuniões com o grupo de pesquisa presenciais ou pelo
Google Meet.
3 Discutir o projeto e o plano de trabalho individual de cada bolsista
extensionista.
4 Agendar as reuniões com o grupo de pesquisa.
5 Introdução Definir a questão de pesquisa do Relato de Experiência.
Elaborar o objetivo geral e/ou específicos.
6 Selecionar os descritores ou palavras-chave.
7 Identificar o vocabulário estruturado e multilíngue que serve
como linguagem única na identificação de artigos de revista
científica, anais de congressos, livros, relatórios técnicos e outros
tipos de materiais de literatura científica.
Etapas da
Passos Estrutura Atividades Científicas e Tecnológicas
textual
8 Referencial Escolher a teoria de base ou referencial temático.
Teórico
9 Pesquisar o estado da arte sobre a temática.
10 Conceituar categorias de análise.

57
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

11 Metodologia Sintetizar a origem histórica e a evolução do objeto de estudo.


12 Elaborar o plano de intervenção.
13 Aplicar o plano de intervenção.
14 Revelar a aproximação da prática com a teoria.
15 Relatar as atividades realizadas.
16 Elaborar o instrumento de coleta de dados.
17 Aplicar instrumento de avaliação pré e pós-testes.
18 Descrever intervenções, estratégias, documentos, equipamentos,
ambientes e medidas utilizadas.
19 Relacionar o material utilizado (diário, caderno, caneta, notebook,
celular, dentre outros).
20 Resultados Relatar a interface entre a expectativa e o vivido.
21 Descrever o que foi observado durante a experimentação.
22 Relatar sobre participantes da pesquisa e como se sentiram.
23 Registrar descobertas, facilidades, dificuldades e possíveis
recomendações.
24 Discussão Discutir articuladamente a vivência com os conhecimentos
adquiridos.
25 Refletir sobre a profundidade dos dados da experiência com a
teoria de base.
26 Ressaltar as lições apreendidas.
27 Considerações Construir as considerações finais com as contribuições e resultados
Finais da experiência.
28 Responder à questão de pesquisa.
29 Listar dificuldades e limitações do Relato de Experiência.
30 Sugerir trabalhos futuros.
31 Recomendar a leitura desse Relato de Experiência.
32 Referências Referenciar os autores citados no Relato de Experiência,
conforme ABNT NBR 6023/2018.
Fonte: Autoria Própria (2020).

Elucida-se, no Quadro 2, oito categorias relacionados aos passos


metodológicos e atividades científicas e tecnológicas para construção de
um artigo com Relato de Experiência: Categoria 1 – Pré-Textual: são
ações relacionadas às atividades individuais e/ou coletivas antes de iniciar
o desenvolvimento do Relato de Experiência; Categoria 2 – Introdução:

58
FELIPE ASENSI (ORG.)

são ações iniciais relacionadas com a formulação de questão de pesquisa,


objetivo(s) e palavras-chave conectadas à escrita de um relatório de expe-
riência; Categoria 3 – Referencial Teórico: são atividades que envolvem
a busca e a leitura das teoria de base que aproxima o estudante, como
pesquisador iniciante, na participação de projetos de ensino, de pesquisa
e de extensão; Categoria 4 – Metodologia: são passos metodológicos para
construção de Relato de Experiência; Categoria 5 – Resultados: são as
descrições das atividades de intervenção reveladas durante as vivências no
campo empírico da pesquisa e/ou da extensão; Categoria 6 – Discussão:
envolvem ações de aspectos analíticos sobre o artigo com RE à luz da
base teórica; Categoria 7 – Considerações Finais: são reflexões finais e/ou
parciais sobre as atividades extensionistas, identificando suas limitações,
descobertas e indicando trabalhos futuros sobre a temática abordada; Ca-
tegoria 8 – Referências: são as citações dos autores que consubstanciam a
temática desenvolvida.
Aponta-se que o artigo com RE inclui: uma introdução ou conside-
rações iniciais; a seguir, um referencial teórico ou temático para a vivên-
cia; elege(m) o(s) objetivo(s) da experiência; apresenta as metodologias
utilizadas para realizar tal experiência, incluindo descrição do campo em-
pírico, técnicas, instrumentos, procedimentos e formas de análise; expõe
os resultados observados e discute à luz das reflexões e do marco teórico;
por fim tece as considerações finais ou conclusão a partir da experiência,
de detalhes, de histórias, de atos de se tornar a vivência mais viva, mais
ativa, mais intensa e nítida (SOUSA; LOBO; SANTANA, 2020).
De acordo com Polit, Beck e Hungler (2004, p. 34), “[...] o pesquisa-
dor que conduz a investigação descritiva observa, conta, descreve e classi-
fica”. Evidenciou-se que estudantes bolsistas têm a possibilidade de relatar
suas experiências como pesquisadores iniciantes, nos seguintes aspectos:
avaliação dos serviços utilizados; redação sobre Aprendizagem Baseada
em Problemas adquiridos durante o projeto; divulgação de conhecimen-
tos que adquiriram durante a vivência de formação profissional e pessoal;
socialização e ajuda à comunidade pesquisada, no âmbito de sua formação
escolar/técnica, acadêmica e profissional.
Para executar as atividades científicas, os estudantes bolsistas e orien-
tadores precisaram selecionar registros fotográficos, narrativas de diários

59
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

de bordo, criação de mapas mentais, selecionar as anotações informais;


criar slides, vídeos educativos; participar de reuniões do grupo de pesquisa
ou com a comunidade; relatar de forma escrita e oralmente as experiên-
cias/conhecimentos adquiridos presenciais ou por via remota.
Averiguou-se que o Relato de Experiência pode ser descrito a partir
das técnicas e instrumentos de pesquisas empregados no projeto de exten-
são, tais como: roda de conversa, grupo focal, círculo de cultura, círculo
de pesquisa, diário de bordo, entrevistas individuais, visitas técnicas, par-
ticipação em eventos científicos, aulas, disciplinas, estágios, dentre outras
atividades técnicas, tecnológicas e científicas.
Segundo Gray (2012, p. 36), “[...] os estudos descritivos buscam ‘de-
senhar um quadro’ de uma situação, pessoa ou evento, ou mostrar como
as coisas estão relacionadas entre si”. Salienta-se os relatos de casos e dos
percursos formativos e de pesquisa do grupo de pesquisa, das reuniões
como fontes de aprendizagens baseadas em problemas, em evidências
científicas. Cada roda de conversa, quer seja presencial ou via remota, por
meio do Google Meet ou pelo grupo do WhatsApp, fortalece os vínculos
do grupo de pesquisa, tira dúvidas e possibilita a fluidez necessária para a
escrita que materializará o Relato de Experiência.
Durante a execução do curso de extensão para elaboração de arti-
go com Relato de Experiência, os partícipes se permitiram fluir a ima-
ginação, a inventividade, a curiosidade e a criatividade, propuseram
outros artigos com RE, a partir de trabalhos teóricos e de campo, ati-
vidades educativas e formativas que provocaram mudanças e que preci-
sam ser publicizadas para causar possíveis transformações na sociedade
e na realidade vivida.

REFLEXÕES PARA FINALIZAR

Ao finalizar este relato de experiência, ressalta-se o atendimento


ao objetivo da pesquisa de apresentar metodologicamente a vivência na
criação de um curso de extensão sobre a elaboração de artigo com RE.
Recorda-se o amadurecimento relacional, profissional e científico. Revi-
ve-se ações rememoráveis, exitosas e inesquecíveis. Apresenta-se etapas
metodológicas para a construção de artigos com RE.

60
FELIPE ASENSI (ORG.)

A atividade de ensino-pesquisa-extensão materializada como cur-


so para elaboração de artigo com RE contribuiu para a produção aca-
dêmica e a escrita científica no tocante a um dos seus processos de
execução de trabalho científico, fortalecendo a formação técnica-cien-
tífica do futuro profissional de forma crítica, reflexiva e emancipadora.
Cada relator/a reflexivo se forma por meio de uma prática de escrita
crítico-reflexiva e libertadora. O curso de extensão estimula o respeito
aos depoimentos, as vivências e experiências diversas. Observa-se um
desenvolvimento de uma maior assimilação sobre o tema, maior re-
tenção de saberes e conhecimentos, o despertar para a interdisciplina-
ridade, reflexividade, criatividade, inventividades, sempre tendo, por
foco, a materialização e a resolução de uma questão/demanda social,
cultural, política e relacional.
Considera-se os resultados do curso de extensão e das lições aprendi-
das, como uma atividade do grupo de pesquisa, pertinentes e potenciali-
zadores da manutenção dessa modalidade de extensão universitária. Rea-
firma-se que o artigo com RE é uma produção potente, diferenciada de
diversas vivências e experiências. Destaca-se a unidade teoria-prática para
favorecer o desenvolvimento profissional e proporcionar um olhar mais
crítico-reflexivo sobre a atividade de escrever em ambiente acadêmico.
O envolvimento de cada partícipe nas atividades remotas superou as
expectativas do idealizador do curso de extensão. Cada interlocutor par-
ticipante se comprometeu com a aprendizagem e na materialização de
um artigo com RE, por meio de devolutivas na busca de aprimoramento
de seus registros, narrativas, saberes, fazeres e dizeres. Considera-se que
o intercâmbio de instituições de ensino-pesquisa-extensão com a comu-
nidade seja imprescindível para que cada vivência enriqueça a formação
científica e profissional de cada ator/atriz social que se propõe a realizar
um curso de escrita acadêmica.
Diante desse enfoque, realça-se a atmosfera de discussões teóricas e
metodológicas, na perspectiva de compartilhamento de experiências e vi-
vências, bem como na coconstrução de conhecimentos técnicos e cientí-
ficos como parte das atividades de ensino, pesquisa e extensão. Revela-se
que os participantes aprendem a identificar, classificar, conferir e produzir
artigos por meio de relatos de experiência, por meio de aulas, de labora-

61
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

tórios, de estágios e de outras atividades desenvolvidas em ambientes de


prática ou teórico-prático.
Como limitação deste trabalho, destaca-se o fato de ser um relato de
experiência metodológico, em que se mostrou resultados específicos para
a organização de um curso de extensão para elaboração de artigo com RE.
Não se pretendeu aqui generalizar os resultados. Ressalta-se que a pesqui-
sa sintetizou orientações necessárias para a construção de um artigo com
RE. Com isso, os resultados desta pesquisa poderão nortear e auxiliar pes-
quisadores-extensionistas na escrita acadêmica de vivências de aulas, de
visitas técnicas, de laboratórios, de estágio, de grupos de estudos, dentre
outras atividades cientificas, técnicas, tecnológicas e culturais.
Este relato constitui-se em uma reflexão-crítica sobre a criação de
um curso de extensão para elaboração do artigo com RE. Recomenda-se
a leitura deste relato metodológico para a comunidade acadêmica, cien-
tífica, técnica, tecnológica, artística e trabalhadora. Como sugestões para
trabalhos futuros, orienta-se a utilização dessa práxis metodológica na ini-
ciação de pesquisadores-expensionistas, bem como no incentivo à produ-
ção de artigos com RE no intuito de realizar comunicações de pesquisa
em periódicos e eventos científicos.
Portanto, recomenda-se para estudos futuros: 1) registrar as experiên-
cias/vivências em diário de campo/bordo/reflexivo para materialização do
relato; 2) arquivar fotos, imagens, quadros, tabelas, gráficos e outras ilus-
trações para usar como recurso no artigo com RE; 3) manter a escrevivên-
cia como uma forma de dar continuidade ao que foi revelado, observado,
vivido, dito, ouvido, saboreado, corporificado, expressado, experenciado
e aprendido.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução


n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União: Se-
ção 1, Brasília, DF, p. 59, 13 jun. 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução


n. 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial da União: Seção 1,
Brasília, DF, p. 44-46, 24 maio 2016.

62
FELIPE ASENSI (ORG.)

DALTRO, Mônica Ramos; FARIA, Anna Amélia de. Relato de expe-


riência: uma narrativa científica na pós-modernidade. Estud. Pes-
qui. Psicol., Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 223-237, 2019.

ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMEN-


TO DE MAGISTRADOS. Coordenação Pedagógica. Roteiro
para orientar o Relato de uma Experiência. Encontro Nacional
de Formadores, 3, Enfam, 2016. Disponível em: https://www.
enfam.jus.br/wp-content/uploads/2016/12/Orienta%C3%A7%-
C3%A3oEscritaTextoRelatoExperi%C3%AAncia.pdf. Acesso em:
02 out. 2020.

GRAY, David E. Pesquisa no Mundo Real. Tradução de Roberto Ca-


taldo Costa. 2. ed. Porto Alegre, RS: Penso, 2012. (Série Métodos
de Pesquisa.)

GROLLMUS, Nicholas Schöngut; TARRÈS, Joan Pujol. Relatos me-


todológicos: difractando experiências narrativas de investigación.
Fórum Qualitative Social Research, v. 16, n. 2, mayo 2015.

POIRIER, Jean; CLAPIER-VALLADON, Simone; RAYBAUT, Paul.


Histórias de vida: teoria e prática. 2. ed. Oeiras, PT: Celta, 1999.

POLIT, Denise F.; BECK Chery Tatano; HUNGLER Bernadette. Fun-


damento de Pesquisa em Enfermagem: métodos, avaliação e
utilização. Tradução de Ana Thorell. 5. ed. Porto Alegre, RS: Art-
med, 2004.

SOUSA, Eva Francisca Abreu Rabelo de; LOBO, Soraya Oka; SAN-
TANA, Marttem Costa. Passos para construção de um relato de ex-
periência: vivências metodológicas de um projeto extensionista. In:
ROCHA, Diego Porto; MONÇÃO, Nayana Bruna Nery; BATIS-
TA JÚNIOR, José Ribamar Lopes (org.). A interdisciplinaridade
como eixo articulador da Educação Profissional e Tecnológi-
ca: livro de resumos da VI Jornada Acadêmica e VI Mostra de Pes-
quisa e Extensão. Recife: Pipa Comunicação, 2020.

STAKE, Robert E. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas fun-


cionam. Tradução de Karla Reis. Porto Alegre, RS: Penso, 2011.
63
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA. Instituto de Ciên-


cias da Vida. Departamento de Nutrição. Instrutivo para Elabo-
ração de Relato de Experiência: Estágio em Nutrição em Saúde
Coletiva. Governador Valadares, MG: UFJF, 2017.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ. Colégio Técnico de Floria-


no. Projeto pedagógico do curso técnico em agropecuária.
Floriano, PI: CTF/UFPI, 2019.

64
CONTROLE DA TUBERCULOSE:
AVALIAÇÃO DO SISTEMA DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM
MUNICÍPIO TRIFRONTEIRIÇO
Regiane Bezerra Campos5
Elcias Olveira da Silva6
Reinaldo Antonio Silva-Sobrinho7

INTRODUÇÃO

Os serviços de saúde assumem um papel primordial nas ações de de-


tecção, promoção e prevenção da tuberculose (TB). Dentre as portas de
entrada no sistema de prestação de serviços de saúde à Atenção Primária
à Saúde (APS) constitui-se orientadora da rede de atenção à saúde, com
alcance de 85% dos problemas de saúde da comunidade (MONROE et
al., 2008).
Segundo Villa (2013), o desenho do sistema de prestação de serviços
para a atenção a TB é integrado por 6 (seis) eixos a saber: trabalho em
equipe; profissionais de saúde da própria unidade que é referência para o
desenvolvimento de ações de controle da TB; sistema de agendamento
para o tratamento da TB; monitoramento da situação da TB na comuni-

5 Doutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Universidade do Estado de São Paulo – USP.
6 Doutorando em Direitos Humanos na Universidade de Salamanca – USAL.
7 Doutor em Enfermagem em Saúde Pública pela Universidade do Estado de São Paulo – USP.

65
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

dade; atenção planejada para o controle da TB, e continuidade do cuidado


ao portador de TB.
Vale pontuar que a descrição acima tem como gênese o questionário
do Instituto MacCooll para a inovação de atenção à saúde, sendo adaptado
por Moyses et al. (2012) e validado no Brasil por Villa (2013).
No contexto da tuberculose no município de Foz do Iguaçu, reite-
ramos que a doença apresenta incidência crescente e prevalente no mu-
nicípio. Acerca disso, um estudo realizado sobre doenças negligenciadas
nesse município evidenciou que a TB ocupa o segundo lugar em número
de casos quando comparado com a dengue, hanseníase e malária (CAM-
POS, 2015).
Reiteramos que os autores Braga, Herrero e Cuellar (2011) reali-
zaram um estudo que determinou se a região da tríplice fronteira entre
Brasil/Paraguai/Argentina constitui uma área de elevada transmissão da
tuberculose.
Nessa perspectiva, o município de Foz do Iguaçu obteve as mais ele-
vadas incidências quando comparado com Ciudad del Este no Paraguai e
Puerto Iguazú na Argentina.
Outro fato, trata-se da transição epidemiológica e modelo de atenção
e organização dos serviços de saúde desse espaço no contexto da TB e
suas influências no retardo do diagnóstico da doença, tendo em vista que
é uma região de fronteira internacional com o Paraguai e Argentina (SIL-
VA-SOBRINHO, 2012).
Nesse sentido, a realidade epidemiológica e transitória das condições
de saúde nesse município de Foz do Iguaçu implica na necessidade de
superação da fragmentação da rede de atenção, a adoção do modelo de
atenção que também focalize a prestação de serviços.
Os distintos modelos de atenção às condições agudas e crônicas
diferenciam-se mediante característica singular da condição de saúde.
É interessante reiterar que as principais distinções entre as redes de
atenção às condições crônicas e as redes de atenção às condições agudas
estão diretamente relacionadas ao papel da APS e sua regulamentação
(MENDES, 2012).
A respeito disso, entendemos que a APS é considerada um dos lo-
cais de atenção à saúde que integra o centro de comunicação das Redes

66
FELIPE ASENSI (ORG.)

de Atenção à Saúde (RAS) e exercita a função de regulação dessas redes


(MENDES, 2011).
Nesse sentido, os modelos de atenção à saúde para as condições crôni-
cas é um modelo singular. A título de esclarecimento, esse modelo con-
tém elementos, os quais são subdivididos em sistema de atenção à saúde e
comunidade. Sobre isso, no sistema de atenção à saúde as mudanças ocor-
rem em 5 eixos, dentre eles o desenho do sistema de prestação de serviços
(MENDES, 2011).
Tendo a TB com condição crônica de saúde (MENDES, 2012), este
estudo justifica-se pela alta incidência e prevalência de TB no município
de Foz do Iguaçu (CAMPOS, 2015).
Ademais, o comportamento epidemiológico da TB na tríplice fron-
teira Brasil/Paraguai/Argentina é caracterizado por taxas de notificação
ascendentes, incidência de TB acima da média estadual e principalmen-
te pela elevada incidência e alta transmissão dessa endemia nessa região
(BRAGA et al., 2011).
Todavia, mediante o contexto supracitado, este estudo tem por obje-
tivo avaliar o desenho da prestação de serviços para o controle da tubercu-
lose no município de Foz do Iguaçu.
Para tal, obedeceremos à ordem sequencial para a exposição dos ma-
teriais e método, resultados, discussão e conclusão.

1. MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo com abordagem quantitativa, realiza-


do no município de Foz do Iguaçu. Este município possuía aproximada-
mente uma população de 256.088 habitantes. A cidade está localizada na
tríplice fronteira Brasil, Paraguai e Argentina.
No contexto dos serviços de saúde, informa-se que a atenção à
saúde ocorre em cinco regiões denominadas Distritos Sanitários (DS),
sendo as regiões norte, sul, leste, oeste e nordeste. Sobre isso, segue
a composição a saber: quatro (04) Centros de Referência da Famí-
lia (CRF), oito (08) Unidades Básica de Saúde (UBS), dezesseis (16)
Unidades de Saúde da Família (USF), com trinta e oito (38) equipes
de saúde da Família.

67
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

E ainda, com Unidade de Pronto Atendimento (UPA), Serviços de


Emergência e Urgência, um (01) Hospital Municipal e três (03) privados,
centro de especialidades médicas e de referência, com atendimento espe-
cializado e equipes multiprofissionais.
Ressaltamos que as ações de controle da TB ocorrem nas unidades
de saúde de Atenção Primária do município, contando com o suporte da
equipe matricial.
A população de referência foi composta pelos profissionais de saúde
registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES),
referente ao município. A base do cálculo da amostra de profissionais a
serem entrevistados se deu pelo total de trabalhadores que atuavam nos
serviços de APS do município por meio do CNES, sendo excluídos
profissionais que apresentavam duplicidade, que trabalhavam nos servi-
ços especializados (Ambulatório de Referência, Serviço de Atendimento
Especial, Centro de Apoio Psicossocial e Programa de Controle da Tu-
berculose) e aqueles que trabalhavam em estabelecimentos hospitalares e
clínicas particulares.
Foram considerados todos os profissionais que já acompanharam al-
gum caso de TB há 6 meses e que estivessem trabalhando em Unidade de
APS na época da coleta dos dados.
Após este levantamento, procedeu-se então ao cálculo do tamanho
da amostra, sendo considerados os seguintes parâmetros: erro amostral
de 0,05; intervalo de confiança de 95% e P (proporção populacional)
de 50%.
Por meio de uma amostragem por partilha proporcional, definiu-se o
número de profissionais a ser entrevistados segundo categoria profissional.
Foi utilizado como instrumento de coleta de dados um questionário
estruturado segundo MacCooll Institute for Health Care Innovation (Instituto
MacCooll para a inovação de atenção à saúde), adaptado e validado no
Brasil por Moyses et al. (2012) e, por fim, por Villa (2013), para a avaliação
do controle da tuberculose, sendo que foram entrevistados 105 profissio-
nais de saúde, de 14 pontos de atenção à saúde.
A título de esclarecimento, no período em que ocorreram a coleta de
dados havia no município 28 Unidades de APS, destas 14 tiveram respon-
dentes envolvidos na pesquisa.

68
FELIPE ASENSI (ORG.)

Utilizou-se a análise descritiva dos dados. Sobre isso, inicialmente


somou-se a pontuação dos itens de cada dimensão, calculando-se em se-
guida o valor médio correspondente.
Ao final, a pontuação de todas as dimensões foi somada, calculan-
do em seguida a média final. Dessa forma, o questionário adaptado para
a atenção à TB foi organizado para que a pontuação mais alta (11) em
qualquer item, seção ou avaliação final, indique um local com recursos e
estrutura ótimos para a atenção à TB.
Por outro lado, a menor pontuação possível (0), corresponde a um
local com recursos e estrutura muito limitados para a atenção à TB. A
interpretação dos resultados foi a seguinte: entre “0” e “2” = capacidade
limitada para a atenção à TB; entre “3” e “5” = capacidade básica para a
atenção à TB; entre “6” e “8” = capacidade razoável para a atenção à TB,
e entre “9” e “11” = capacidade ótima para a atenção à TB.
Nesse sentido, realizou-se as análises com aplicação de estatística des-
critiva (frequência, média e intervalo de confiança de 95%), segundo as
categorias de análise (componente, município, unidade de saúde, tipo de
serviço de saúde, e categoria profissional), para isso utilizou-se o software
Statistica 9.0 da Statsoft (Statsoft Inc.).
Para verificar as diferenças entre as médias segundo grupo de análise,
aplicou-se o teste de significância estatística ANOVA.
Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa, aten-
dendo à Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde – Proto-
colo 348.117.

2. RESULTADOS

Foram entrevistados 105 profissionais de saúde, sendo: 10 (9,5%) téc-


nicos de enfermagem, 13 (12,4%) médicos, 16 (15,2%) enfermeiros, 18
(17,1%) auxiliares de enfermagem e 48 (45,7%) ACS. Estes profissionais
estavam distribuídos em 14 unidades de saúde, sendo que 65 (61,9%) per-
tenciam a USF, 29 (27,6%) a UBS e 11 (10,5%) a CRF.
O desenho do sistema de prestação de serviços foi classificado, pre-
dominantemente, com capacidade razoável no município apresentando
a mesma capacidade para os diferentes tipos de serviços e categorias pro-

69
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

fissionais, sendo essa a melhor classificação elencada pelos profissionais


neste estudo.
Houve dois apontamentos básicos em dois componentes avaliados e
em três unidades de saúde. Não houve diferenças na classificação entre os
tipos de unidades e entre os profissionais de saúde (Tabela 1).
Ainda com relação aos componentes elencados no desenho do sis-
tema de prestação de serviços no município pode-se observar que o tra-
balho em equipe para o controle da TB e o monitoramento da situação
da TB na comunidade foram avaliados com capacidade básica e inferior
aos demais componentes.
Ressalta-se que as unidades de saúde classificadas como básicas estão
localizadas em regiões periféricas do município (Tabela 1).

Tabela 1 – Distribuição das variáveis da dimensão Desenho do Sistema de Prestação de


Serviços segundo componente, unidade de saúde, tipo de serviço de saúde e categoria
profissional. Foz do Iguaçu, Paraná, 2013 – 2014
Desvio-
Categoria de Análise Média N Classificação
padrão
Componente
V.19 – Trabalho em equipe para o controle da TB 5,3 2,5 105 Básica
V.20 – Profissional de Saúde da própria Unidade 7,4 2,8 105 Razoável
que é referência para o desenvolvimento de ações de
controle da TB
V.21 – Sistema de agendamento para o tratamento 7,0 2,6 105 Razoável
da TB
V.22 – Monitoramento a situação da TB na 5,6 2,5 105 Básica
comunidade
V.23 – Atenção planejada para o controle da TB 6,8 1,9 105 Razoável
V.24 – Continuidade do cuidado ao portador de TB 7,3 3,0 105 Razoável
Município 6,6 1,7 105 Razoável
Unidade de Saúde
USF Cidade Nova 6,5 1,8 7 Razoável
USF Porto Belo 6,8 1,6 9 Razoável
UBS Jardim Lancaster 7,1 1,2 10 Razoável
UBS Campos do Iguaçu 7,4 3,0 7 Razoável
USF Portal da Foz 6,1 1,6 4 Razoável
USF Vila C. Velha 5,7 1,8 12 Básica
USF Vila C. Nova 6,5 1,1 13 Razoável
UBS Jardim América 5,8 1,3 12 Básica
USF Padre Monti 6,5 1 Razoável
USF Jardim São Paulo I 7,2 1,9 9 Razoável
Centro de Referência FMI 7,2 1,8 11 Razoável

70
FELIPE ASENSI (ORG.)

Desvio-
Categoria de Análise Média N Classificação
padrão
USF Morumbi III 5,7 1,3 6 Básica
USF Jardim São Paulo II 6,0 1 Razoável
USF Três Bandeiras 7,9 1,0 3 Razoável
Tipo de Serviço de Saúde
USF 6,4a 1,6 65 Razoável
UBS 6,6a 1,9 29 Razoável
CRF 7,2a 1,8 11 Razoável
Categoria Profissional
Enfermeiro 6,5a 1,4 16 Razoável
Auxiliar de Enfermagem 6,2a 2,1 18 Razoável
Técnico em Enfermagem 6,1a 1,3 10 Razoável
Médico 6,3a 1,7 13 Razoável
Agente Comunitário de Saúde 6,9a 1,7 48 Razoável
Fonte: dados da pesquisa, 2014.

Segundo a classificação dos componentes, evidenciou-se que nos ser-


viços de saúde supracitados o trabalho em equipe é realizado pelos profis-
sionais da enfermagem e ACS, no entanto, desarticulado do trabalho da
equipe multiprofissional.
Traduzindo as classificações expressas na tabela conforme o questio-
nário aplicado, informa-se que: o componente “Profissional de Saúde da
própria Unidade de Saúde que é referência para o desenvolvimento de
ações de Controle da TB” indica que existe, mas não atribui responsabili-
dade para o restante da equipe.
Na sequência, nota-se que o quesito “Sistema de agendamento para
o tratamento da TB” está organizado para agendamento de consultas mé-
dicas. Já o “Monitoramento da situação da TB na comunidade” apresen-
ta-se básico devido ao fato de ser realizado apenas a partir da identificação
de caso.
No quesito “Atenção planejada para controle da TB” nota-se que é
utilizada para o acompanhamento das pessoas que realizam o tratamen-
to da TB e seus comunicantes. Importante ressaltar que a comunicação
ocorre por telefone ou em reuniões na unidade de saúde e entre unidades
de saúde, de forma verbal, com registro formal (guias e prontuário clínico)
e escrito.

71
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Cabe ressaltar que segundo os depoimentos dos profissionais o muni-


cípio conta com a descentralização das ações de controle da TB a partir de
diferentes processos de trabalho.

3. DISCUSSÃO

A atenção à TB no município de Foz do Iguaçu é descentralizada,


sendo possível identificar, pelo menos, três tipos de serviços de saúde
(UBS, ESF E CRF) com suas distintas formas de processos de trabalhos.
Todavia, esse fato denota assimétrica e desarticulada, principalmente no
que tange às orientações do Manual de Recomendações para o Controle
da TB, acarretando, consequentemente, a inadequação para a gestão dessa
condição crônica (BRASIL, 2011).
Semelhantemente aos achados neste estudo, Silva (2013) reitera os
desafios/fragilidades apresentados principalmente nos indicadores de es-
trutura e processo e modos de organização dos serviços de saúde na aten-
ção à TB, a exemplo: a não cura dos doentes de TB, visto que está direta-
mente relacionada ao quesito organização dos serviços.
Em relação ao “Trabalho em equipe para o controle da TB”, o
desejável seria que fosse “assegurado reuniões regulares de todos os mem-
bros das equipes (médicos, equipe de enfermagem, ACS, entre outros),
com enfoque nas responsabilidades de cada membro, incluindo educação
para o autocuidado e monitoramento dos portadores de TB” (VILLA,
2013, p. 6).
No entanto, o estudo apontou dificuldades nesse quesito, diferente-
mente dos achados de Cecílio, Higarashi e Marcon (2015), os quais evi-
denciaram integração entre os membros da equipe de trabalho.
Em se tratando dos “Profissional de Saúde da própria Unidade
de Saúde que é referência para o desenvolvimento de ações de
Controle da TB”, o desejável é que “exista e trabalhe de forma arti-
culada com outros membros da equipe para o controle da TB” (VILLA,
2013, p. 6).
Assim, de acordo com a resposta ao questionamento e as observa-
ções de campo, os respondentes apontaram que as ações e responsabili-
dades na atenção à TB estão centradas no profissional enfermeiro, sendo

72
FELIPE ASENSI (ORG.)

este a principal referência para o tratamento da doença na Unidade de


Saúde (US).
Nesse sentido, similarmente ao estudo de Sá et al. (2012), que discute
a percepção de enfermeiros sobre o cuidado ao doente de TB na Estratégia
Saúde da Família (ESF), evidenciou-se que o enfermeiro é o profissional
que geralmente coordena e lidera as ações de saúde, sendo considerado a
primeira referência de cuidado para a TB na ESF, pois realiza a maioria
das ações ao doente de TB.
Esses achados evidenciam o profissional enfermeiro como persona-
gem principal no cuidado e acompanhamento da pessoa doente de TB,
visto que também pressupõe a aproximação entre os atores e, consequen-
temente, o fortalecimento do vínculo (PONCE et al., 2011).
Entretanto, o cuidado na APS deve ser coerente com a integralidade
em saúde, por meio da integração das equipes e da abordagem multi-
profissional (PONCE et al., 2011; SÁ et al., 2012). Logo, considera-se
desejável ter um profissional como referência, entretanto, é de grande im-
portância o cuidado integral e multiprofissional.
Sobre o “Sistema de agendamento para o tratamento da TB”,
o desejável seria que “estivesse organizado de forma informatizada para
agendamento de consultas médicas, de enfermagem, facilitando o contato
com diferentes profissionais (assistência social, psicólogos etc.)” (VILLA,
2013, p. 6).
Percebe-se que para a autora uma informatização organizada dos
dados relacionados ao agendamento de consulta com médicos, enfer-
meiros/as, psicólogos e assistentes sociais contribuiria no tratamento da
tuberculose.
Considera-se de suma importância a informatização dos serviços de
controle da TB para garantia da qualidade e continuidade do atendimento
dos usuários do serviço de saúde com TB (MONROE et al., 2008; ASSIS
et al., 2012).
Observa-se que o sistema informatização dos serviços de saúde oti-
miza o diagnóstico e tratamento dos casos de TB com melhorias significa-
tiva nesse atendimento e controle da TB (RABELO et al., 2021).
Acerca do “Monitoramento da situação da TB na comunida-
de”, seria ótimo se fosse “realizado pela equipe local que tem acesso ao

73
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

sistema informatizado e planeja ações para atender as necessidades da área


de abrangência” (VILLA, 2013, p. 6).
Observa-se que a professora Villa pauta seu olhar para a realização
do monitoramento comunitário e informatizado in loco como forma de
contribuir no tratamento da TB, e, consequentemente, uma abrangência
em maior grau possível.
Assim, entendemos que existe um olhar focalizado no doente de TB,
em contrapartida as ações preventivas e promocionais para o controle
da TB na comunidade apresentam-se reduzidas ou ainda insatisfatórias
(OLIVEIRA et al., 2009) e com poucas parcerias na comunidade para
busca de sintomáticos respiratórios (CURTO et al., 2010).
No quesito “Atenção planejada para controle da TB”, o dese-
jável é que fosse “utilizada regularmente para a maioria dos usuários, in-
cluindo intervenções preventivas e estímulo ao autocuidado por meio de
consulta individual ou atenção em grupo” (VILLA, 2013, p. 6).
Sobre a “Continuidade” do cuidado ao portador de TB, “registro da
referência e contrarreferência do portador de TB”, espera-se que a comu-
nicação ocorra por telefone ou em reuniões na unidade de saúde e entre
unidades de saúde, inclusive com registro formal (guias e prontuário clí-
nico), incluindo sistemas de registro informatizados.
Observa-se que os resultados evidenciam que a comunicação ocorre
por telefone ou em reuniões na unidade de saúde e entre unidades de saú-
de, de forma verbal, COM registro formal (guias e prontuário clínico) e
escrito” (VILLA, 2013, p. 6).
Considera-se essencial a implantação de sistema integrado e in-
formatizado para os diferentes níveis de atenção, uma vez que é sabi-
do que o sistema de contrarreferências escrito por vezes não funciona
adequadamente.
Assim, esse sistema integrado e informatizado melhoraria significati-
vamente o acompanhamento das pessoas doentes de TB, como também
outras condições de saúde (RABELO et al., 2021).
Defende-se que os profissionais e as políticas de saúde devem trans-
cender a fragmentação e as ações reducionistas, primando pela integra-
lidade das ações nos serviços prestados para o controle da TB (SILVA et
al., 2013).

74
FELIPE ASENSI (ORG.)

Considera-se como elementos importantes: a singularidade do indi-


víduo, contexto em que este se insere, assim como suas necessidades de
atenção à saúde (SILVA et al., 2013).
Como também considerar que a capacidade de resolutividade das
ações de controle da TB é influenciada por fatores associados ao compor-
tamento do doente, à modalidade de tratamento empregado e à opera-
cionalização dos serviços, com destaque para a atuação do profissional da
saúde na percepção das ações a serem tomadas (SÁ et al., 2007).
Vale lembrar dos desafios e limitações na implantação do programa
de controle da TB no município de estudo, ressaltando a ascensão de um
modelo centrado em profissionais especialistas e serviços referenciados e
exclusivos para esse agravo à saúde para um modelo orientado pela APS
com acompanhamento majoritário das Equipes de Estratégia da Família
(SILVA, 2015).

CONCLUSÕES

Neste artigo avaliou-se o desenho do sistema de prestação de serviços


para o controle da TB no município Foz do Iguaçu-PR. Para tal, apresen-
tou-se um panorama da condição desse agravo nessa região de fronteira,
como também as recomendações de modelos de atenção e pontos relevan-
tes a serem observados no desenho de sistema de prestação de serviços no
controle da TB municipal.
Entende-se que a pesquisa apresenta limite da execução devido à não
captação de todos os atores envolvidos no processo de cuidado no controle
da TB, como também o não alcance do valor amostral de 153 sujeitos,
no entanto, não ausenta a relevância deste estudo de acordo com amostra
possível de 105 profissionais atuantes.
O estudo evidenciou que o desenho do sistema de prestação de ser-
viços apresenta-se majoritariamente razoável e básico em alguns com-
ponentes.
Sendo possível concluir que existem diversos desafios no quesito de
desenho dos serviços para o controle da TB, tendo em vista os aponta-
mentos dos respondentes que sugerem dificuldades e limitações, princi-
palmente, no trabalho em equipe para o controle da TB e no monitora-

75
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

mento à situação da TB na comunidade, sendo um ponto importante para


aprofundamento de investigação e análises futuras para melhor compreen-
são desse fenômeno.
Todavia, defende-se a necessidade de ampliar as atividades de educa-
ção permanente voltadas para a melhoria do trabalho em equipe, como
também o escopo de ações para o monitoramento da situação da TB.
Nesse contexto, tem-se que o desenho de prestação de serviços é um
importante componente dado sua relevância no controle da TB e que
pode ser considerado um ponto nevrálgico nos serviços de saúde.
Por fim, acredita-se que a epidemiologia singular da TB no municí-
pio de Foz de Iguaçu, aponta para a necessidade do efetivo papel da APS
em cumprir funções de resolubilidade, comunicação e responsabilização.

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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

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78
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NO
AMBIENTE DE TRABALHO: UMA
ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO À
“SÍNDROME DE BURNOUT”
Michelle de Paula Resende Silva8

INTRODUÇÃO

Diferente do que se considerava no século passado em relação ao con-


ceito de inteligência humana, com sua quantificação embasada em testes
que apuraram a capacidade intelectual, por meio do Quociente de Inte-
ligência (QI), a Inteligência Emocional surgiu na década de 1990 como
um conceito inovador que, por meio de seu estudo e desenvolvimento,
pôde trazer e ainda traz benefícios para os indivíduos nos âmbitos social,
acadêmico e profissional.
Nesse sentido, no final do século XX, os estudos sobre Inteligência
Emocional consideraram que medir a inteligência de um indivíduo não
se resumia apenas em aplicar exercícios que avaliavam somente aptidões
relacionadas a sua inteligência acadêmica. Essa apuração envolve outros
requisitos como: a avaliação da capacidade que esse indivíduo tem de lidar
com suas emoções, a forma como são externadas e o modo como lida
com as emoções dos outros, tudo isso estabelecido por um outro tipo de
quociente, denominado Quociente Emocional (QE).

8 Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete e em Gestão Públi-


ca pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera.

79
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Dessa forma, o presente artigo trouxe em sua temática, o estudo da


Inteligência Emocional no ambiente de trabalho e da “Síndrome de Bur-
nout”, uma enfermidade que tem atingido muitos trabalhadores de di-
ferentes categorias no Brasil e no mundo, ocasionada devido ao estresse
gerado pelo aumento da pressão a qual esses profissionais são submetidos.
Discutir tal temática se tornou extremamente relevante, tendo em vista,
que as empresas têm visado cada vez mais o aprimoramento, de modo contí-
nuo, das habilidades emocionais de seus colaboradores, isso para evitar o apa-
recimento de doenças psicológicas, para que estes tenham maior capacidade
de resolução de conflitos internos e consigam trabalhar melhor em equipe.
Assim, este artigo propõe discutir o desenvolvimento da Inteligência
Emocional no ambiente de trabalho e como este pode servir como uma
estratégia de prevenção da “Síndrome de Burnout”, sendo que, para isso,
a metodologia aplicada foi a utilização de pesquisa bibliográfica, feita por
meio de leitura e coleta de informações através de livro físico, artigos e
Trabalhos de Conclusão de Curso, disponibilizados em meio eletrônico.
Para tal discussão, foram criados dois capítulos. O primeiro tem como
título a Inteligência Emocional e está dividido em três subtítulos, sendo
os seguintes: o surgimento do termo Inteligência Emocional, o conceito
de Inteligência Emocional e a importância de seu desenvolvimento e as
vantagens da Inteligência Emocional no ambiente de trabalho.
Já o segundo capítulo foi intitulado de Inteligência Emocional e “Sín-
drome de Burnout”, sendo este também dividido em três subtítulos, quais
sejam: conceituação da “Síndrome de Burnout”, suas consequências para
as organizações e a Inteligência Emocional como estratégia de prevenção
a “Síndrome de Burnout”.
Foram apresentadas no desfecho deste artigo as considerações finais
das leituras e pesquisas efetuadas, assim como as referências de toda a bi-
bliografia que foi utilizada.

1. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Desenvolver a Inteligência Emocional é uma peça-chave para que o


homem possa ter um convívio eficiente em sociedade. Assim, seguindo
essa ideia, saber gerenciar bem as emoções contribui não só para o não
envolvimento em conflitos, como também para o alcance de objetivos
pessoais e profissionais.

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FELIPE ASENSI (ORG.)

Mesmo sendo um termo novo, a Inteligência Emocional ganhou e


tem ganhado cada vez mais importância, sendo que a mudança de para-
digmas, seu estudo e evolução contribuíram para o entendimento de que
o bom desempenho na área acadêmica deixou de ser o único requisito
para que o indivíduo alcance sucesso, reconhecimento e prosperidade.

1.1 SURGIMENTO DO TERMO INTELIGÊNCIA


EMOCIONAL.

Antes de efetuar a conceituação do termo Inteligência Emocional,


é necessário estabelecer como ocorreu o seu surgimento. Nesse sentido,
primeiramente, é preciso esclarecer sobre o modo como os níveis de in-
teligência dos indivíduos eram quantificados. Isso era feito por meio da
aplicação de testes para apurar o Quociente de Inteligência (QI), fator uti-
lizado para mensurar a capacidade intelectual. A aplicação em massa des-
ses testes ocorreu, pela primeira vez, nos Estados Unidos, durante a Pri-
meira Guerra Mundial, momento em que seus resultados serviram como
parâmetro para avaliar qual cidadão estava apto a entrar para o exército e
qual treinamento seria mais adequado aos recrutas, sendo as patentes mais
elevadas destinadas aos que conseguiam altas pontuações.

Figura 1: Aplicação de um teste em soldados na Virgínia em 1917, quando os Estados Uni-


dos entraram na Primeira Guerra Mundial.

Fonte: Thulin, 2019.

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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Assim, Goleman (2012, p. 61-62) mencionou que os dias de gló-


ria dos testes de QI iniciaram-se durante a Primeira Guerra Mundial,
época em que dois milhões de americanos foram classificados através
do preenchimento em massa, do primeiro formulário para avaliação de
QI, criado por um psicólogo de nome Lewis Terman, da Universidade
de Stanford.
Desde então, após ganharem grande popularidade, esses testes pas-
saram a ser utilizados em larga escala, nas seguintes situações: aconselha-
mento relacionado à vocação, admissão em diversas instituições de ensino
e também como modo de seleção de pessoal. Dessa forma, muitos pas-
saram a considerar o resultado desses testes como fator decisivo para o
sucesso em suas vidas.
Somente no começo da década de 1980, por meio de um psicó-
logo da Universidade de Harvard, de nome Howard Gardner, esse
cenário começou a ser alterado, devido a uma maneira inovadora de
pensar sobre a inteligência, descrita em seu livro Frames of Mind (Es-
tados de Espírito) de 1983, no qual este estabeleceu o conceito de
inteligências múltiplas.
O influente livro de Gardner, Frames of Mind (Estados de Espírito)
de 1983, foi um manifesto de contestação à visão do QI; ali o que o autor
coloca é que não há um tipo específico, monolítico, de inteligência deci-
siva para o sucesso na vida, mas sim um amplo espectro de inteligências,
com sete variedades principais (GOLEMAN, 2012, p. 62).
Devido à nova concepção de inteligência criada por Gardner, o termo
começou a deixar de ser visto como um conceito único, passando a ter
como característica a pluralidade. Seguindo a teoria de Gardner, primei-
ramente, as inteligências foram classificadas como sete e só depois houve
o incremento de mais duas, quais sejam: linguística, lógico-matemática,
musical, naturalista, corporal-cinestésica, espacial, existencial intrapessoal
e interpessoal, sendo o conceito de Inteligência Emocional ligado a essas
duas últimas.

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FELIPE ASENSI (ORG.)

Figura 2: Tipos de Inteligência e suas definições, conforme a teoria de Gardner.

Fonte: Almeida, 2015.

Já o surgimento do termo Inteligência Emocional se deu apenas na


década de 1990, sendo referenciado pela primeira vez por dois psicólogos:
John Mayer e Peter. Goleman, em um de seus livros sobre Inteligência
Emocional, mencionou o seguinte sobre Mayer e Salovey:

Em 1990, quando era repórter de ciência no The New York Ti-


mes, topei com um artigo em uma pequena revista acadêmica es-
crito por dois psicólogos, John Mayer, hoje na Universidade de
New Hampshire, e Peter Salovey, de Yale. Meyer e Salovey apre-
sentaram a primeira formulação de um conceito que chamaram de
“Inteligência Emocional” (GOLEMAN, 2012, p. 09).

Depois da primeira formulação do termo Inteligência Emocional por


Mayer e Salovey, esses abriram caminho para que diversos profissionais de
diferentes áreas começassem a se interessar, estudar e também a escrever
sobre esse conceito inovador.

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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Nesse sentido, o psicólogo de Harvard, de nome Daniel Goleman,


escreveu sua obra mais famosa a respeito do tema, intitulada: Inteligência
Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Ressalta-se
que foi a partir dessa obra de Goleman, publicada em 1995, que o termo
se popularizou, inspirando e promovendo ensinamentos para as pessoas
no contexto social, acadêmico e profissional.
Em síntese, só no final do século 20 que a inteligência humana
deixou de ser vista como algo unicamente relacionado à capacidade
intelectual. A evolução do conceito de inteligência, partiu da teoria de
Gardiner, criador dos vários tipos de inteligência. Na década de 1990,
o termo Inteligência Emocional surgiu, trazendo diversas mudanças
para os estudiosos do tema, que passaram a considerar não só o Quo-
ciente de Inteligência (QI), como também o Quociente Emocional
(QE) para medir a inteligência, o que fez com que resultados satisfató-
rios alcançados só no primeiro deixassem de ser um fator incontestável
de sucesso para os indivíduos.
Diante das considerações realizadas a respeito do surgimento do ter-
mo Inteligência Emocional, no próximo tópico será explicado sobre seu
conceito e porque é importante desenvolvê-la.

1.2 O CONCEITO DE INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E A


IMPORTÂNCIA DE SEU DESENVOLVIMENTO

De acordo com a cronologia estabelecida no tópico anterior, pode-


-se inferir que a Inteligência Emocional é um termo novo que alcançou
considerável notoriedade em pouco tempo, podendo ser desenvolvida em
diversos ambientes, desde o mais íntimo como o familiar, até em locais
mais amplos e formais como os das grandes corporações. Desse modo, o
conceito de Inteligência Emocional está diretamente relacionado com um
bom desempenho do indivíduo no gerenciamento das emoções, indepen-
dente do lugar onde esteja.
Segundo Goleman (2012, p. 58), o conceito de Inteligência Emo-
cional pode ser entendido como: a capacidade de criar motivações para
si próprio e de persistir num objetivo apesar dos percalços; de controlar
impulsos e saber aguardar pela satisfação de seus desejos; de se manter em

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FELIPE ASENSI (ORG.)

bom estado de espírito e de impedir que a ansiedade interfira na capacida-


de de raciocinar; de ser empático e autoconfiante.
Desse modo a Inteligência Emocional pode ser percebida como um
termo de conceituação pluralística. Sua significação está ligada ao desen-
volvimento de diversas aptidões emocionais positivas, que levam os indi-
víduos a entenderem melhor a si e aos que o cercam. O desenvolvimento
dessas aptidões faz com que os indivíduos possam viver de modo mais
equilibrado e exercitem o papel de seres sociais de maneira eficiente, evi-
tando assim os conflitos.
Sousa (2013, p. 10) explica que a inteligência emocional é definida
pela capacidade de identificar e perceber emoções, usá-las para facilitar o
pensamento, trabalhar o conhecimento emocional e regular as emoções
em si e nos outros.
Seguindo esse entendimento, a Inteligência Emocional pode também
ser explicada a partir de sua divisão em duas outras categorias de inteli-
gência: a intrapessoal e a interpessoal. A primeira está relacionada à forma
como o indivíduo lida com seus sentimentos e emoções. Já a segunda
está relacionada ao modo como esse indivíduo compreende e lida com as
emoções de terceiros, sendo que as duas foram criadas por Gardner, na
“Teoria das Inteligências Múltiplas”.
Assim a Inteligência Emocional e o seu aperfeiçoamento exercem in-
fluência tanto na parte interna do indivíduo, refletindo-se na forma de
organizar melhor os pensamentos, de controlar os ímpetos, de raciocinar
antes de agir, como na parte externa, ou seja, na interpretação das emo-
ções que são demonstradas pelos outros.
Após estabelecer alguns conceitos do termo Inteligência Emocional
se faz necessário mencionar sobre a importância de seu desenvolvimento.
As empresas têm se utilizado cada vez mais de mecanismos como
“dinâmicas” para testar seus candidatos nos processos de recrutamento.
Isso porque além da avaliação da capacidade intelectual e do currículo
acadêmico, o candidato também é avaliado em relação às suas aptidões
emocionais, devendo demonstrar capacidade para lidar com suas emoções
e externá-las de modo eficiente e inteligente.
Alves (2021, p. 305) preceitua que desenvolver inteligência emocio-
nal no mundo corporativo é cada vez mais essencial, e é necessário que

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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

os profissionais utilizem ferramentas e informações de modo inteligente


transformando os sentimentos e as emoções em ações positivas.
É imprescindível que os trabalhadores pensem mais antes de agir, sen-
do esse um preceito que leva ao desenvolvimento da Inteligência Emocio-
nal, fazendo com que pratiquem ações de modo inteligente e usem suas
emoções para evitar conflitos. Nesse sentido, Alves também mencionou
algumas aptidões positivas, relacionadas ao desenvolvimento da Inteligên-
cia Emocional:

Indivíduos com a inteligência emocional bem desenvolvida têm


extrema facilidade de adaptação à dinâmica organizacional, in-
tegração e relacionamento, pois são comunicativos e criativos, e
possuem um forte sentido de responsabilidade e uma capacidade
notável de adaptação à mudança. O desenvolvimento desta capaci-
dade faz com que as pessoas consigam ser imparciais, transpassan-
do harmonia para a equipe e direcionando o esforço de todos para
os objetivos organizacionais com sucesso (ALVES, 2021, p. 303).

Ter Inteligência Emocional desenvolvida implica em: saber aceitar e


vivenciar as mudanças, adaptando-se facilmente a estas, saber aprender
com os erros, ser focado nas atividades executadas, agir de modo imparcial
e saber se comunicar. A soma dessas características deve ser pautada pela
busca de melhor desempenho a cada dia, o que irá contribuir para o alcan-
ce tanto das metas individuais como das metas corporativas.
Desse modo, considera-se que a importância de desenvolver bem a
Inteligência Emocional está ligada ao bom desempenho dos colaborado-
res enquanto profissionais e também, por consequência, ao sucesso das
empresas e instituições onde trabalham. As pessoas com habilidades de
entender seus sentimentos e os sentimentos alheios conseguem trabalhar
melhor em conjunto, entendendo e ajudando os outros em suas limita-
ções, são focadas, conseguem se motivar e também motivar os outros,
características importantes para quem quer se tornar um profissional bem-
-sucedido e valorizado no mercado de trabalho.
No tópico a seguir serão descritas algumas vantagens do desenvolvi-
mento da Inteligência Emocional no ambiente laborativo.

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FELIPE ASENSI (ORG.)

1.3 VANTAGENS DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NO


AMBIENTE DE TRABALHO

Além da explicação a respeito do histórico, conceito e importância do


desenvolvimento da Inteligência Emocional, é preciso esclarecer as van-
tagens para o indivíduo em seu ambiente de trabalho. Salienta-se que a
busca pelo aprimoramento das aptidões emocionais se tornou uma missão
para empresários, gestores e líderes que, a cada dia, visam os seus bene-
fícios, sendo estes sentidos pelos trabalhadores e também extensivos às
empresas, aos clientes e à própria sociedade.
De acordo com o entendimento de Sousa (2013, p. 16), a habilidade
de se relacionar bem, desenvolvida através do aprimoramento da inteli-
gência emocional, contribui com o trabalho realizado, pois cria relações
positivas entre chefe e subordinado, subordinado e chefe e colegas de tra-
balho, gerando resultados positivos no trabalho em grupo.
Assim, aptidões emocionais bem desenvolvidas trazem benefícios no
clima organizacional, através da obtenção de ambientes de trabalho mais
harmônicos, onde os colaboradores conseguem interagir e trabalhar me-
lhor em equipe. Seguindo esse entendimento, Goleman explicou sobre a
Inteligência Emocional no ambiente de trabalho:

Uma nova realidade competitiva impõe a utilização da inteligência


emocional no ambiente de trabalho e no mercado [...] do lado po-
sitivo, imaginem como são proveitosas para o trabalho as aptidões
emocionais básicas – estar sintonizado com os sentimentos daque-
les com quem tratamos, saber lidar com discordâncias para que elas
não cresçam (GOLEMAN, 2012, p. 168).

O desenvolvimento da Inteligência Emocional no ambiente de tra-


balho propicia boa convivência entre os funcionários, pois estes passam a
entender melhor as próprias emoções e dos colegas, lidando melhor com
as divergências de opinião, reduzindo e anulando conflitos, sendo que essa
harmonia deverá ser buscada constantemente.
Nesse sentido, o bom uso das capacidades emocionais, proporciona
uma melhor interação entre membros de uma mesma equipe corrobo-

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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

rando, de maneira positiva, para que se tenha um ambiente de trabalho


mais saudável, onde prevalece o foco e, por conseguinte, mais cumpri-
mento de metas.
Ante todas as explicações efetuadas neste capítulo e sua conclusão,
ocorre nesse momento a necessidade de mencionar o capítulo dois e seus
tópicos, que incluem também a Inteligência Emocional, mas trazem um
termo novo, ou seja, a “síndrome de Burnout”.

2. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E “SÍNDROME DE


BURNOUT”

Conceituada como a aptidão de gerenciar as emoções de maneira po-


sitiva, a Inteligência Emocional, ao ser utilizada no ambiente de trabalho,
promove vantagens para empresas e colaboradores. Desse modo, o incen-
tivo ao desenvolvimento das habilidades emocionais, é considerado uma
dessas vantagens, pois é um meio de melhorar e garantir a saúde psicológi-
ca dos colaboradores, evitando males como a “Burnout”.
Assim, conceituar a “Síndrome de Burnout”, discutir sobre suas ca-
racterísticas e também suas consequências para os colaboradores e para
organizações se tornou uma questão de relevância, haja vista, que a “Bur-
nout” tem atingido profissionais de diversas áreas e de várias partes do
mundo, não somente o Brasil.

2.1 CONCEITUAÇÃO DA “SÍNDROME DE BURNOUT”

Na descrição do presente tópico será discutido o significado da “Sín-


drome de Burnout”, também denominada Síndrome do Esgotamento
Profissional. Nesse sentido, o Ministério da Saúde estabelece que a “Sín-
drome de Burnout” é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão
extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho
desgastantes, que demandam muita competitividade ou responsabilidade.
A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho.
Trata-se de um distúrbio de cunho emocional com reflexos na parte
física, gerados por uma sobrecarga de trabalho que prejudica acentuada-
mente os indivíduos que são atingidos por essa enfermidade.

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FELIPE ASENSI (ORG.)

De acordo com Souza e Maria (2016, p. 2), o termo “Burnout” se


refere ao nível devastador de estresse, sendo a junção de “burn” (queima) e
“out” (exterior, fora), que em um jargão popular em inglês significa aquilo
que deixou de funcionar por absoluta falta de energia. Dessa forma, enten-
de-se que o trabalhador portador dessa síndrome, devido à grande pressão e
cobrança no ambiente laboral, acaba por parar de exercer suas tarefas e cum-
prir metas, ou seja, deixa de funcionar por já ter esgotado toda a sua energia.
Para Oliveira e Pedrosa (2020, p. 5), os profissionais que trabalham
diretamente com outras pessoas, seja na assistência, ou como responsáveis
pelo bem-estar e desenvolvimento de terceiros, encontram-se mais sus-
ceptíveis ao desenvolvimento da síndrome.
Os exemplos de profissionais mais susceptíveis ao desenvolvimento
dessa síndrome são: os professores, os enfermeiros, os médicos, os policiais,
todos esses executantes de funções relacionadas a cuidados de terceiros.
Ainda segundo o Ministério da Saúde, os principais sinais e sintomas
indicadores da “Síndrome de Burnout” são: cansaço excessivo tanto físico
como mental, dor de cabeça frequente, alterações no apetite, insônia, dificul-
dades de concentração, sentimentos de fracasso e insegurança, negatividade
constante, sentimentos de derrota e desesperança, sentimentos de incompe-
tência, alterações repentinas de humor, isolamento, fadiga, pressão alta, dores
musculares, problemas gastrointestinais, alteração nos batimentos cardíacos.
A “Síndrome de Burnout” pode acometer trabalhadores que exer-
cem diferentes funções, sendo que todos estes estão mais ligados a áreas
que exigem um nível de maior relacionamento com terceiros. Acomete os
indivíduos com uma gama de sintomas que interferem e prejudicam a sua
qualidade de vida e podem vir a se agravar.
Por se caracterizar como uma doença que se desenvolve no ambiente
de trabalho, no próximo tópico será descrito sobre as consequências que a
“Burnout” poderá trazer para organizações.

2.2 CONSEQUÊNCIAS DA SÍNDROME DE “BURNOUT”


PARA AS ORGANIZAÇÕES

Após uma breve exposição do que é a “Síndrome de Burnout” no


tópico anterior e a delimitação de seus principais sintomas, se faz necessá-

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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

rio explicar quais são as suas consequências para as organizações, caso essa
enfermidade venha a incidir em seus colaboradores.
É cada vez mais imperante a acirrada a disputa de mercado entre as
organizações. Tal acirramento promove mais cobranças para que as metas
sejam cumpridas com maior agilidade, o que acarreta mais pressão para
as equipes de colaboradores. A maior pressão no local de trabalho é fator
preponderante para o aumento da ocorrência de casos de “Burnout”, o
que poderá gerar consequências negativas para as organizações.
Dentre as consequências de cunho negativo, a referida síndrome pode
motivar o afastamento de funcionários, causar a alta rotatividade de mão
de obra e grandes custos para as organizações, relacionados ao treinamen-
to de novos colaboradores. Nesse sentido, Eleutério, Parmejani e Teixeira,
explicaram:

Afastamentos dos empregados e/ou líderes de uma empresa não


constituem a situação ideal para uma empresa e nem retratam que
ela sabe gerenciar os seus recursos humanos. Além de não ser uma
ocorrência normal, a alta rotatividade de funcionários representa
para o empreendedor um extenso caminho para procurar mão de
obra qualificada que atenda às necessidades da empresa. Também
não se deve deixar de mencionar a alta despesa com o treinamento,
a qual pode ser perfeitamente evitada (ELEUTÉRIO; PARME-
JANI; TEIXEIRA, 2016, p. 18).

Seguindo esse raciocínio, todas essas consequências ainda podem cul-


minar em atrasos no cumprimento das metas organizacionais, haja vista o
tempo gasto para a contratação de trabalhadores qualificados e, caso ne-
cessário, o estabelecimento de treinamento para esses.
Dessa forma, a “Síndrome de Burnout” poderá causar malefícios tan-
to para as empresas como para seus colaboradores que representam sua
força de trabalho. Os colaboradores são prejudicados em sua saúde e em
sua vida profissional, pois deixam de ser produtivos e de serem considera-
dos capazes para o exercício das funções antes executadas. Já as organiza-
ções deixam de investir em melhorias em seus processos ou em prestação
de seus serviços, direcionando verbas para novas contratações e treina-

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FELIPE ASENSI (ORG.)

mentos, o que implica, muitas vezes, em gastos não previstos e perda de


competitividade.
Nesse sentido, para evitar os malefícios mencionados no parágrafo
acima, no próximo tópico será abordado o desenvolvimento da Inteligên-
cia Emocional como estratégia de prevenção a “Burnout”.

2.3 A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL COMO ESTRATÉGIA


DE PREVENÇÃO À “SÍNDROME DE BURNOUT”

Mesmo com a regulamentação do teletrabalho, modalidade que pas-


sou a ser mais utilizada devido à pandemia de COVID-19, é importan-
te salientar que a maioria da população ainda passa grande parte de seu
tempo no ambiente laboral. Desse modo, é necessário discutir sobre as
medidas que devem ser tomadas para evitar que esse ambiente se torne um
local hostil para os trabalhadores, fazendo com que estes se sintam cada
vez mais pressionados, com menos energia e mais propensos à “Síndrome
de Burnout”.
A resposta para tal problemática está no desenvolvimento da Inteli-
gência Emocional como estratégia de prevenção à “Burnout”, isso por
meio de uma conscientização conjunta, envolvendo tanto os trabalhado-
res como as organizações onde trabalham.
Com relação aos trabalhadores, Carvalho e Magalhães (2013, p. 548)
preconizam que há como a Inteligência Emocional ser desenvolvida e
também refinada, por meio da reflexão sobre a sua prática, sendo que isso
estimula o crescimento pessoal e emocional. Assim, esses autores sugerem
a todos os trabalhadores, independente da área que atuam, que busquem
a identificação de seus pontos fortes e fracos, relacionados à Inteligência
Emocional para que possam lidar de maneira positiva com as emoções.
Os trabalhadores devem se mostrar conscientes no sentido de buscarem
sempre o autoconhecimento, pois aqueles que se conhecem bem, conse-
guem gerir suas emoções e sentimentos de forma a trazer vantagens para
si e, consequentemente, para as organizações, evitando dessa forma níveis
elevados de estresse e uma possível incidência de males como a “Burnout”.
Já no âmbito das organizações, Brasil (apud CARVALHO; MAGA-
LHÃES, 2013, p. 547) mencionou que a prevenção da “Síndrome de

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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Burnout”, a priori, envolve um fortalecimento da inteligência emocional,


mas engloba também mudanças na cultura da organização do trabalho,
estabelecendo-se restrições à exploração do desempenho individual, pro-
movendo a diminuição da intensidade de trabalho e da competitividade,
como também o estabelecimento de metas coletivas que venham a incluir
o bem-estar de cada um.
Para a prevenção da “burnout” no ambiente de trabalho, as organi-
zações também precisam se conscientizar, promovendo uma cultura or-
ganizacional que promova incentivos aos trabalhadores, reconhecimento,
menos pressão, melhor divisão de tarefas, menos sobrecarga, mais trabalho
em equipe.
Em síntese, tem-se a Inteligência Emocional como uma estraté-
gia para prevenção da “Síndrome de Burnout” no ambiente laborativo,
quando esta é vista a partir de duas óticas: a do trabalhador que deve se
conscientizar da extrema importância de desenvolver aptidões emocionais
positivas e a das organizações, no sentido de promoverem uma cultura in-
terna favorável para esses trabalhadores, estimulando um clima harmônico
e não conflitante entre estes, além da utilização de políticas de não incen-
tivo à competição e nem o abuso de suas capacidades para o trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo foi realizada uma discussão a respeito do desenvolvimen-


to da Inteligência Emocional no ambiente de trabalho como uma estraté-
gia de prevenção à “Síndrome de Burnout”.
Para tal discussão, foram criados dois capítulos principais, sendo cada
um deles divididos em três subtópicos. Assim, no primeiro capítulo, inti-
tulado Inteligência Emocional, foi abordado o seguinte: o surgimento da
Inteligência Emocional, o seu conceito e importância de seu desenvolvi-
mento e as vantagens da Inteligência Emocional no ambiente de trabalho.
Já no segundo capítulo, intitulado Inteligência Emocional e “Síndrome de
Burnout”, também dividido em três subtópicos, foi discutido: a concei-
tuação da “Síndrome de Burnout”, suas consequências para as organiza-
ções e o desenvolvimento da Inteligência Emocional como estratégia de
prevenção a “Burnout”.

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FELIPE ASENSI (ORG.)

Ressalta-se que não foi buscado neste artigo o esgotamento do tema,


haja vista as frequentes e ligeiras alterações no mundo do trabalho. Sendo
assim, o tema poderá ainda ser trabalhado sob diversas óticas, tendo-se
como exemplo o estudo dos impactos da “Síndrome de Burnout” no tra-
balho remoto e o emprego da Inteligência Emocional para diminui-los.
Dessa forma, o presente artigo foi desenvolvido tendo como fonte de
pesquisa o livro de Daniel Goleman que propiciou grande popularida-
de ao tema Inteligência Emocional, artigos e Trabalhos de Conclusão de
Curso disponibilizados em meio eletrônico, limitando-se a efetuar discus-
sões sobre os assuntos mencionados em cada tópico através de argumen-
tação teórica.
Portanto, conclui-se que o desenvolvimento da Inteligência Emo-
cional é uma estratégia que contribui para a prevenção da “Síndrome de
Burnout”, por meio de ações preventivas que envolvam dupla conscien-
tização: a de trabalhadores e empresas. Tais ações devem ser direcionadas
ao combate do estresse crônico, desencadeado principalmente pelos níveis
elevados de pressão no ambiente laboral.
Assim, tanto os trabalhadores como as empresas devem estar cons-
cientes de seu papel no enfrentamento à “Burnout”. Os trabalhadores de-
vem buscar lidar com suas emoções de maneira positiva, ressaltando seus
pontos fortes e suprimindo ou eliminando os pontos fracos. As empresas
devem buscar o implemento de políticas internas de menor pressão, com
a divisão de tarefas mais equânimes, para que não ocorra a sobrecarga dos
colaboradores. Nesse sentido, entende-se que a prevenção da “Síndrome
de Burnout” no ambiente de trabalho é possível e se dará por meio de
ações conjuntas, advindas dos trabalhadores e empregadores.

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94
FELIPE ASENSI (ORG.)

SOUZA, A. C. K. S.; MARIA, A. L. Síndrome de Burnout em dife-


rentes áreas profissionais e seus efeitos. Revista ACTA, Brasileira
do Movimento Humano, 2016. Disponível em: http://www.pe-
riodicos.ulbra.br/index.php/actabrasileira/article/view/2920/2492.
Acesso em: 23 de fevereiro de 2022.

THULIN, Lila. The first personality test was developed during World
War I. Smithsonian Magazine. 2019. Disponível em: https://
www.smithsonianmag.com/history/first-personality-test-was-de-
veloped-during-world-war-i-180973192. Acesso em: 09 de março
de 2022.

95
ACIDENTES DE TRABALHO NO
BRASIL: ANÁLISES DE ARTIGOS DA
REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE
OCUPACIONAL
Claudia Lima Monteiro9
Estela Douvletis10

INTRODUÇÃO

A atualidade de reflexão sobre o tema Acidentes de Trabalho (AT) no


Brasil pode ser justificada tanto pela relevância numérica de ocorrência
desses eventos no Brasil, quanto pela gravidade de danos físicos, emocio-
nais, sociais e financeiros para os trabalhadores acidentados, suas famílias e
também para a Nação. O Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho
revela que no período de 2012 a 2020, foram notificados 5.589.837 aci-
dentes de trabalho, sendo que destes, 20.467 resultaram em morte. Além
das mortes, estima-se que 427.733.347 dias de trabalho foram perdidos
devido a tais acidentes (Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho,
s.d., s.p.).

9 Doutora, mestre e graduada em Serviço Social, com experiência de atuação em saúde


pública e saúde do trabalhador.
10 Graduada em Fisioterapia, especialista em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana e
em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde. Mestranda em psicologia da saúde, com expe-
riência em saúde pública e saúde do trabalhador.

96
FELIPE ASENSI (ORG.)

Afinal, do que estamos falando? A legislação brasileira, por meio do


artigo 19 da Lei 8.213/91, de 24/7/1991, define acidente de trabalho como
o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa, do empre-
gador doméstico e dos segurados no regime da Previdência Social, poden-
do causar lesão corporal, perturbação funcional, morte, perda ou redução
(temporária ou permanente) da capacidade para o trabalho.
A incidência de acidentes de trabalho no país é de tal importância
que os mesmos foram incluídos na lista de doenças do trabalho de notifi-
cação compulsória, pelo Sistema de Informação e Agravos de Notificação
Compulsória (SINAN). A Portaria 104, de 25/01/2011, estabelece que os
acidentes de trabalho devem ser notificados em todo território nacional,
se estiverem relacionados a: acidentes com exposição à material biológico
relacionado ao trabalho, se envolverem óbitos ou mutilações e acidentes
em crianças e adolescentes. O Ministério da Saúde informa que o SINAN
foi criado para facilitar a padronização da coleta e processamento dos da-
dos de doenças e agravos no país, com o intuito de fundamentar políticas
públicas nessa área (BRASIL, 2007).
Mediante a necessidade de visibilidade da ocorrência de acidentes de
trabalho no país, este artigo se propõe a discorrer sobre o tema, mediante
revisão bibliográfica de estudos publicados na área da saúde do trabalhador
(campo de inserção profissional das duas autoras). Mediante esse direcio-
namento, optamos pela delimitação de estudos e pesquisas publicados na
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO), pelos seguintes motivos:
notoriedade do periódico na área de saúde do trabalhador, seu acesso
aberto, gratuito e on-line, ser de responsabilidade de um órgão público fe-
deral, ou seja, da Fundação Jorge Duprat Figueiredo (Fundacentro) e pelo
considerável período de publicações, iniciadas em 1973.11 Nesse sentido, o
objetivo do presente artigo é identificar e categorizar os estudos sobre aci-
dentes de trabalho pela RBSO no período de 2012 a 2022. É importante
destacar também que no ano de 2007 a RBSO publicou um dossiê sobre

11 A primeira edição da RBSO ocorreu na versão impressa, em 1973. A partir do volume
28, em 2003, o periódico foi disponibilizado também no formato on-line, com livre acesso
pelo endereço eletrônico https://www.scielo.br/j/rbso/. Sua versão impressa possui o Inter-
nacional Standard Serial Number (ISSN) nº 0303-7657 e a versão on-line, ISSN 2317-6369.

97
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

acidentes de trabalho e sua prevenção (volume 32, número 115).12 Ainda


que este exemplar não tenha sido incluído no rol de artigos selecionados,
vislumbra a importância do tema para a Revista.
O resultado do levantamento dos artigos na RBSO está disposto no
quadro a seguir.

Quadro 1 – Artigos com títulos com menção a acidentes de trabalho na RBSO – período
2012 a 2022
Nº artigos com menção a
Volume Número Nº total de
Ano acidentes de trabalho nos
artigos
títulos
2012 37 125 21 1
2012 37 126 14 0
2013 38 127 16 113
2013 38 128 17 0
2014 39 129 11 2
2014 39 130 10 1
2015 40 131 08 0
2015 40 132 11 1
2016 41 -- 23 1
2017 42 -- 12 1
2017 42 Suplemento 13 0
1
2018 43 16 0
2019 44 Suplemento 11 0
1
2020 45 38 2
2021 46 26 2
2022 47 01 0
Total 16 248 12
Quadro elaborado pelas autoras, 2022.

12 O volume 32, número 115 da RBSO, está disponível em: https://www.scielo.br/j/rb-


so/i/2007.v32n115/.
13 Encontramos o termo acidente de trabalho no título do editorial “Sobre a ‘aceitabilidade
social’ dos acidentes do trabalho e o inaceitável conceito de ato inseguro” no volume 38,
número 127, de 2013. Por esse motivo, incluímos esse editorial no rol de publicações a
analisar no presente trabalho.

98
FELIPE ASENSI (ORG.)

O quadro permite a visualização do resultado encontrado no levanta-


mento, qual seja: da existência de 16 volumes da RBSO durante o período
de 2012 a 2022, com total de 248 artigos publicados. Destes, 11 artigos e
1 editorial apresentaram os termos “acidente de trabalho” ou “acidentes
de trabalho” em seus títulos. Percebe-se a existência de 2 publicações nos
anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2017. Já no ano de 2016 e a partir de
2018, as publicações tornaram-se anuais. Há de se considerar a possibi-
lidade de futuras publicações ocorrerem ainda no ano de 2022, além do
volume 47, uma vez que nosso levantamento foi realizado em fevereiro do
corrente ano.
Mediante o material selecionado, foram realizadas leitura e análise do
conteúdo de 11 artigos e de 1 editorial.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A existência de títulos que abordam especificamente os acidentes


de trabalho revela a atualidade desse tema para a academia. Ainda que
diante de total de 248 publicações, 12 estudos possam aparentar um
número ínfimo, por outro lado, revela que o tema ainda é debatido na
contemporaneidade. Também se considera a possibilidade de discussão
de acidentes de trabalho em outras publicações da Revista RBSO, em
que o termo “acidente de trabalho” não tenha sido elencado no títu-
lo, mas tenha sido analisado de forma transversal, conectado a outros
adoecimentos relacionados ao trabalho ou aos processos de organiza-
ção do trabalho.
Os artigos selecionados no levantamento serão apresentados a seguir,
em forma de quadro.

99
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Quadro 2 – Artigos selecionados na Revista RBSO, com ano de publicação, título,


autores e objetivo
ANO TÍTULO DO ARTIGO AUTORES OBJETIVO DO ARTIGO
2012 O espectro da neuropatia Marta R. D. Prestes; Relatar o processo de uma
auditiva pode contribuir para Maria Angela G. investigação clínica de
acidente de trabalho? O relato Feitosa; André trabalhador que sofreu A.T.,
de uma investigação clínica. Luiz L. Sampaio; visando identificar elementos
Maria de Fátima C. não considerados, mas que
Carvalho; Elienai de poderiam ter contribuído para a
A. Meneses ocorrência do acidente.
2013 Sobre a “aceitabilidade social” José M. Jackson Discutir as razões da
dos acidentes do trabalho e Filho; Rodolfo A. de aceitabilidade social do uso do
o inaceitável conceito de ato G. Vilela; Eduardo termo “ato inseguro”.
inseguro. Garcia; Ildeberto M.
de Almeida
2014 Acidentes de trabalho fatais Kamile M. Lacerda; Caracterizar os A.T. com
em Salvador, BA: descrevendo Rita de C. P. óbito relacionado à violência
o evento subnotificado e sua Fernandes; Leticia urbana e descrever o perfil
relação com a violência urbana. C. da C. Nobre socioeconômico e ocupacional
do trabalhador acidentado.
2014 Acidentes de trabalho com Ana Isabela R. Descrever os A.T. com óbito
óbito: o jornal impresso. Feitosa; Rita de C. noticiados nos jornais impressos
P. Fernandes. do Estado da Bahia.
2014 A (in)visibilidade do acidente Kamile M. Lacerda; Descrever o trabalho das vítimas
de trabalho fatal entre as causas Rita de C. P. de A.T. fatais e as circunstâncias
externas: estudo qualitativo. Fernandes; Leticia de óbitos relacionados ao
C. da C. Nobre; trabalho ocorridos em Salvador,
Paulo Gilvane L. na Bahia.
Pena.
2015 O Serviço Integrado de Renata C. S. Baldo; Descrever as características
Atendimento ao Trauma Regina Stella dos A.T. e o perfil das vítimas
em Emergência (SIATE) Spagnuolo; Ildeberto atendidas pelo Serviço
como fonte de informações M. de Almeida Integrado de Atendimento ao
de acidentes de trabalho em Trauma em Emergência, de
Londrina, PR. Londrina (SIATE).
2016 A.T. graves e atividades Adriana G. Campos; Verificar como concentrações
produtivas nas regiões Aline do M. Gurgel produtivas estabelecidas nas
administrativas de saúde em Regiões Administrativas de
Pernambuco: uma análise Saúde do Estado interferiram
a partir da identificação de no perfil e distribuição dos A.T.
aglomerados produtivos locais. graves no período de 2011 a
2013.
2017 Tendência na incidência de Jeronymo M. Pinto Testar o filtro HP como
acidentes e doenças de trabalho método de extração de
no Brasil: aplicação do filtro tendência da variável incidência
Hodrick-Prescott. de A.T.
2020 Perfil dos A.T. fatais em Hilka Flávia S. Analisar fatalidades por A.T.
empresa de petróleo no Guida; Marcelo G. ocorridos no período de 2001 a
período de 2001 a 2016. Figueiredo; Élida A. 2016 em empresa brasileira de
Hennington petróleo e gás.

100
FELIPE ASENSI (ORG.)

ANO TÍTULO DO ARTIGO AUTORES OBJETIVO DO ARTIGO


2020 A.T. ampliado: o rompimento Mariela P. Ramos; Elaborar protocolo e verificar
da barragem de Fundão nos Adauto E. Oliveira; sua aplicabilidade para coleta e
jornais impressos do Espírito Michele N. Antunes análise de notícias relacionadas a
Santo. A.T. em jornais impressos.
2021 Precarização e A.T.: os riscos Maria Elizabeth Analisar os impactos da
da terceirização no setor A. Lima; Rodrigo terceirização na segurança
elétrico Castro Oliveira dos trabalhadores do setor de
distribuição de energia elétrica.
2021 Mortalidade por A.T. no Lizandra da S. Analisar a tendência temporal
Brasil: análise de tendência Menegon; Fabrício da mortalidade por A.T.
temporal, 2006-2015. Augusto Menegon no Brasil de 2006 a 2015
e investigar desigualdades
segundo sexo, raça, faixa etária
e escolaridade.
Fonte: elaborado pelas autoras, 2022.

Após a leitura dos artigos selecionados, identificamos que 7 artigos


direcionaram suas análises para acidentes de trabalho fatal, 4 artigos para
acidentes de trabalho grave e 1 editorial refletiu sobre a abordagem do
termo “ato inseguro” nas investigações sobre A.Ts. O direcionamento
dos estudos para A.T. fatais e graves pode ser explicado pelas graves conse-
quências aos envolvidos no momento dos eventos (trabalhadores, empre-
sas, familiares e serviços de saúde, dentre outros) e também pela grande
repercussão na mídia. Também há de se apontar serem eventos de noti-
ficação compulsória no SINAN, com acesso a dados de informações nos
órgãos oficiais, ainda que se compreenda a existência de subnotificações.
O questionamento do editorial sobre a nomenclatura “ato inseguro” em
A.Ts. demarca a discordância de estudiosos da saúde do trabalhador em
relação à utilização deste termo.
Os artigos selecionados no levantamento serão descritos e analisados a
partir dos tópicos: acidentes de trabalho fatal, acidentes de trabalho grave e
discordância do termo “ato inseguro” em análises sobre A.T. Iniciaremos
a discussão pelos acidentes de trabalho fatal.

ACIDENTE DE TRABALHO FATAL

Os sete artigos que abordaram o tema de acidente de trabalho fatal


estão elencados no próximo quadro.

101
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Quadro 3. Artigos sobre acidentes de trabalho fatal


Títulos dos artigos sobre trabalho fatal
1. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, Bahia: descrevendo o evento
subnotificado e sua relação com a violência urbana
2. Acidentes de trabalho com óbito: o jornal impresso
3. A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre as causas externas:
estudo qualitativo
4. Perfil dos acidentes de trabalho fatais em empresa de petróleo no período
de 2001 a 2016
5. Acidente de trabalho ampliado: o rompimento da barragem de Fundão
nos jornais impressos do Espírito Santo
6. Precarização e acidentes de trabalho: os riscos da terceirização no setor
elétrico
7. Mortalidade por acidentes de trabalho no Brasil: análise de tendência
temporal, 2006-2015
Fonte: elaborado pelas autoras, 2022.

O primeiro artigo, intitulado “Acidentes de trabalho fatais em Salva-


dor, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência
urbana” apresentou o grave problema da mortalidade de trabalhadores por
acidentes de trabalho e a invisibilidade de A.T. fatais vinculados à violên-
cia urbana no Brasil. A partir dessa problematização, Lacerda, Fernandes e
Nobre (2014a) realizaram um estudo epidemiológico, a partir de uma base
de dados disponibilizada na tese de doutorado de uma das autoras, sobre
108 óbitos ocorridos em Salvador, na cidade da Bahia, em 2004. Deste
total, 91 óbitos foram decorrentes de acidentes de trabalho. Foi detectada
a tipologia dos acidentes e a falta de caracterização do campo de acidente
de trabalho pelos órgãos competentes.

Dos 91 óbitos por acidente de trabalho investigados no presente es-


tudo, 55 foram acidentes típicos [..]. O tipo de acidente ou violência
mais frequente foi o acidente de trânsito (36), seguido do homicídio
(34). Quanto ao local de ocorrência dos acidentes de trabalho, 61 ca-
sos aconteceram na rua ou estrada ou via pública e, além disso, veri-
fica-se 44 acidentes no horário da noite e madrugada. Vale destacar
que em nenhuma declaração de óbito dos casos analisados, o campo
acidente de trabalho estava preenchido pelo Instituto Médico Legal
(LACERDA; FERNANDES; NOBRE, 2014, p. 68).

102
FELIPE ASENSI (ORG.)

As autoras denunciaram o registro de tais acidentes como homicídios


ou acidentes em geral, acarretando, portanto, em significativa subnotifica-
ção de acidentes de trabalho, ocasionando prejuízos para os trabalhadores
em relação a direitos previdenciários e em ações judiciais. Acrescentamos
que a subnotificação dos acidentes de trabalho implica em diminuição de
fichas do SINAN e, consequentemente, das ações de vigilância em saúde
do trabalhador pelas equipes dos Centros de Referência em Saúde do Tra-
balhador (CERESTs).
Em continuidade à publicação dos resultados desta pesquisa, as auto-
ras elaboraram outro artigo, publicado no mesmo ano, no volume 130 da
RBSO, com o título “A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre
as causas externas: estudo qualitativo”. Nesta publicação, há inclusão de
outro autor, Paulo Gilvane Lopes Pena. Este artigo descreve o trabalho
das vítimas de acidentes fatais ocorridos em Salvador em 2004 e as cir-
cunstâncias dos óbitos, e a coleta de dados da pesquisa ocorreu por meio
de entrevistas com familiares das vítimas. A diversificação de vínculos de
trabalho e a situação de precariedade das condições de trabalho dos traba-
lhadores acidentados foram mencionadas pelos autores.

Entre as vítimas houve diferentes tipos de inserção de trabalhado-


res, com vínculo formal ou informal de trabalho, trabalhadores por
conta própria ou autônomos, servidores públicos estatutários e/ou
militares, no entanto o que se evidenciou foi a marcante presen-
ça do trabalho precário, aquele realizado em condições nas quais
a morte representou evento previsível. [...] (LACERDA; FER-
NANDES; NOBRE; PENA, 2014, p. 129).

Mediante essa constatação, o artigo reforça a necessária ação fiscali-


zatória dos órgãos governamentais em relação às condições de trabalho
dos trabalhadores, sejam eles formais ou informais, no sentido de garantir
a realização de um trabalho digno e protegido. Em concordância com
essa afirmação, ressaltamos que há legislações que protegem o trabalhador,
como a Lei 8080/90, que menciona o trabalho como elemento central no
processo de saúde e adoecimento dos trabalhadores, dentre outras. Tam-
bém há de se elencar a existência de órgãos públicos protetivos ao traba-

103
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

lhador como os Cerests (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador)


e a Delegacia Regional do Trabalho, além dos sindicatos, enquanto órgãos
representativos da classe trabalhadora. Os autores também se posiciona-
ram contrários à cultura de culpabilização dos acidentes pelos trabalha-
dores por parte de algumas empresas, mediante a concepção de que estes
seriam carentes de conhecimento e com pouca responsabilidade, ou seja,
a ideia do ato inseguro.
O artigo “Perfil dos acidentes de trabalho fatais em empresa de petró-
leo no período de 2001 a 2016” objetivou analisar os acidentes de trabalho
fatais ocorridos em uma empresa brasileira de petróleo e gás. Guida, Fi-
gueiredo e Hennington (2020) utilizaram como metodologia documen-
tos e relatórios de sustentabilidade social publicados pela empresa, docu-
mentos sindicais e notícias veiculadas pela mídia. Os autores direcionaram
o estudo para o setor de petróleo e gás, devido à complexidade do trabalho
a ser desenvolvido pelos trabalhadores, além do elevado risco de acidentes
de trabalho graves ou fatais. Os dados de óbitos por acidente de trabalho
no período de 2001 a 2016 registram a ocorrência de 222 mortes de tra-
balhadores, sendo as principais causas: “explosões e/ou incêndios nas ins-
talações (22,5%); rompimento de material ou queda de objetos (19,4%);
capotamento, colisão ou tombamento de veículo automotor (15,8%);
queda de helicóptero (10,4%); e queda de altura (9,5%)” (GUIDA; FI-
GUEIREDO; HENNINGTON, 2020, p. 5). Os autores mencionaram
que a maioria dos acidentes de trabalho fatais envolviam trabalhadores ter-
ceirizados. A terceirização é analisada pelos autores como um elemento
propulsor de precarização das condições de trabalho, por significar fragi-
lização dos vínculos empregatícios, submissão a extenuantes jornadas de
trabalho, menor tempo de treinamento e exposição às situações de maio-
res riscos no trabalho.
A opção pelo foco de estudo em acidentes de trabalho fatal em um
setor específico também foi objeto de investigação do artigo “Precariza-
ção e acidentes de trabalho: os riscos da terceirização no setor elétrico”.
Os autores Lima e Oliveira (2021) objetivaram analisar os impactos da
terceirização na precarização do trabalho e na segurança dos trabalhadores
do setor de distribuição de energia elétrica e utilizaram as metodologias
de pesquisa documental, entrevistas e estudo de um caso de acidente fatal.

104
FELIPE ASENSI (ORG.)

Assim como no artigo de Guida, Figueiredo e Hennington (2020),


a precarização das condições de trabalho, e dentre elas a terceirização, foi
considerada elemento central para a ocorrência de acidentes de trabalho.

Identificou-se que fatores como jornada de trabalho extensa,


baixos salários, más condições de trabalho, equipes reduzidas e
falta de supervisão são importantes para caracterizar a precarie-
dade que coloca em risco a integridade física e mental dos tra-
balhadores terceirizados. Também foi observado que, apesar da
periculosidade desse tipo de atividade, não se pratica o direito
reservado a todo assalariado de se recusar a fazer um trabalho que
coloque a sua vida em risco. Conclusão: os resultados sugerem
que a terceirização no setor elétrico representa aumento do risco
de ocorrência de acidentes graves e aprofunda desigualdades em
razão das diferenças entre o tratamento oferecido aos terceiriza-
dos e o reservado aos empregados da empresa primária (LIMA;
OLIVEIRA, 2021, p. 1).

O artigo “Mortalidade por acidentes de trabalho no Brasil: análise


de tendência temporal, 2006-2015” foi baseado em pesquisa no banco de
dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Seus autores (MENEGON;
MENEGON; KUPEK, 2021) analisaram a tendência temporal da mor-
talidade por acidentes de trabalho no país, no período mencionado no
título, e informações dos acidentados em relação a sexo, raça, faixa etária,
óbitos por escolaridade e macrorregiões. O estudo identificou que no pe-
ríodo entre 2006 e 2015 ocorreram 33.480 acidentes de trabalho no Brasil
em trabalhadores com idade acima de 15 anos e que as taxas anuais médias
de mortalidade por acidentes de trabalho tiveram certa estabilidade nesse
período. Ainda que possa parecer um dado positivo, os autores ressalta-
ram que o Brasil se destaca nos números de acidentes de trabalho fatais, se
comparados a países de alta renda. Nesse sentido, o estudo revelou a desi-
gualdade social existente na ocorrência de acidentes de trabalho, ao men-
cionar os dados de que homens, pretos ou pardos, índios e pessoas com
baixa escolaridade foram os mais atingidos por acidentes de trabalho fatais.

105
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Finalizando esse tópico, apresentamos dois artigos que se direcionaram


para discutir os acidentes de trabalho fatal em relação à mídia. O primeiro,
denominado “Acidentes de trabalho com óbito: o jornal impresso como
fonte de informação”, propôs descrever os acidentes de trabalho com óbitos
ocorridos na Bahia no período de 2007 a 2010 e noticiados nos três princi-
pais jornais impressos dessa localidade, quais sejam: A Tarde, Correio da Bahia
e Tribuna da Bahia. Como resultado da pesquisa, Feitosa e Fernandes (2014)
verificaram a existência de 178 notícias sobre acidentes de trabalho com óbi-
to, com um total de 208 mortes, com predominância do sexo masculino.
Acidentes em vias públicas representaram 71,6% dos óbitos noticiados, en-
quanto que os acidentes de trabalho típicos representaram 80,8% das mor-
tes. As armas de fogo, colisão, capotamento/tombamento e atropelamento
foram os principais objetos causadores das mortes. As autoras concluíram
que a mídia pode ser uma alternativa para obtenção e divulgação de dados
sobre acidentes de trabalho, considerando a sua subnotificação nos registros
oficiais. O segundo artigo, “Acidente de trabalho ampliado: o rompimento
da barragem de Fundão nos jornais impressos do Espírito Santo”, trata-se
de uma pesquisa de Ramos, Oliveira e Antunes (2020), que visou analisar
o acidente da barragem de Fundão, ocorrido em 2015, como um Acidente
de Trabalho Ampliado (ATA), a partir de notícias de jornais impressos. As
autoras verificaram que a mídia abordou o ocorrido de forma superficial,
com pouca abordagem sobre os aspectos da saúde. Assim como no artigo
anterior, também avaliaram a importância da coleta de informações de aci-
dentes de trabalho, por meio da mídia.
Podemos analisar que os artigos publicados na RBSO sobre acidentes
de trabalho fatais apresentaram dados importantes sobre tais acidentes e
especificidades próprias de alguns setores, como setores de petróleo e setor
elétrico. Todos os artigos denunciaram a existência de subnotificação de
acidentes de trabalho e se manifestaram contrários ao conceito de ato in-
seguro como explicação para a ocorrência dos acidentes de trabalho fatais.

ACIDENTES DE TRABALHO GRAVES

Os 4 artigos da Revista RBSO publicados no período de 2012 a 2022


sobre acidentes de trabalho graves estão mencionados no quadro a seguir.

106
FELIPE ASENSI (ORG.)

Quadro 4. Artigos sobre acidente de trabalho grave


O espectro da neuropatia auditiva pode contribuir para acidente de trabalho?
O relato de uma investigação clínica
O Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência (SIATE)
como fonte de informações de acidentes de trabalho em Londrina, PR
Acidentes de trabalho graves e atividades produtivas nas regiões
administrativas de saúde em Pernambuco: uma análise a partir da
identificação de aglomerados produtivos locais
Tendência na incidência de acidentes e doenças de trabalho no Brasil:
aplicação do filtro Hodrick-Prescott
Fonte: elaborado pelas autoras, 2022.

No artigo “O espectro da neuropatia auditiva pode contribuir para


acidente de trabalho? O relato de uma investigação clínica”, os autores
avaliaram que a sensibilidade auditiva no exame de admissão mostrou-se
insuficiente para identificar a real situação auditiva do trabalhador e sobre
as consequências deste déficit e prover as devidas orientações ao trabalha-
dor para prevenir o acidente.

É importante ressaltar que atribuir ao trabalhador a responsabili-


dade sobre o acidente seria um reducionismo equivocado de um
fenômeno complexo, resultante da interação entre o operador e
outros componentes da situação de trabalho enfatizar a importân-
cia do conhecimento da situação de saúde do trabalhador (PRES-
TES, Marta Regueira Dias et al., 2012, p. 186).

Já o artigo “O Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em


Emergência (SIATE) como fonte de informações de acidentes de trabalho
em Londrina, PR” se refere a um estudo descritivo realizado com vítimas
de acidente de trabalho atendidas pelo SIATE na cidade de Londrina, no
Paraná. Dentre os principais achados desse trabalho, há a informação de
que dentre 465 casos de acidentes de trabalho analisados, 376, ou seja,
80,9%, ocorrem no trânsito, envolvendo principalmente motociclistas.
Seus autores (BALDO; SPAGNUOLO; ALMEIDA, 2015) identifica-
ram que ocupações como motoboys, mototaxistas e entregadores apare-
cem com maior número de vítimas. Os autores avaliaram ser o SIATE
uma eficiente fonte de informação sobre acidentes de trabalho e sugerem

107
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

a realização de ações de prevenção de acidentes nas ruas, além da implan-


tação de rotinas que possam intensificar a notificação destes acidentes de
trabalho nos bancos de dados oficiais. Nesse sentido, os autores enfatizam
a importância dos sistemas de informações.

Contudo, o tratamento das informações deve assumir claramente


a lógica de sistemas de informação, revendo definições de casos,
fluxos de informação, formas de consolidação e análise de dados,
incentivo ao uso das informações em definições de prioridades,
práticas de feedback para os alimentadores do sistema, entre outros
(BALDO; SPAGNUOLO; ALMEIDA, 2015, p. 153).

O terceiro artigo, de Campos e Gurgel (2016), utilizou o método


Quociente Locacional para identificar a formação de aglomerados pro-
dutivos especializados nas Regiões de Saúde de Pernambuco e sua re-
lação com a ocorrência de acidentes graves. Os autores mencionaram a
importância desse estudo por causa da identificação de diversificação das
atividades produtivas no estado de Pernambuco, devido ao aparecimento
de complexos industriais e grandes fábricas. Por meio dessa pesquisa, foi
observado maior índice de acidentados no gênero masculino, na faixa de
30 a 44 anos, nas ocupações de trabalhadores agropecuários, pedreiros e
servente de obras. As partes do corpo atingidas nos acidentes de trabalho
foram mãos, membros inferiores e superiores, com graves consequências
para os trabalhadores, uma vez que “[...] mais de 50% dos acidentes ana-
lisados neste estudo evoluíram para algum tipo de incapacidade, seja ela
temporária ou permanente (parcial ou total)” (CAMPOS; GURGEL,
2016, p.8).
O quarto artigo, “Tendência na incidência de acidentes e doenças de
trabalho no Brasil: aplicação do filtro Hodrick-Prescott”, objetivou testar
este filtro como método de extração de tendência da variável incidência
de acidentes de trabalho, em comparação com o método de médias mó-
veis. Marcondes Pinto (2017) concluiu nesse estudo ser o método do filtro
Hodrick-Prescott o mais eficiente para inferir a tendência de médio e lon-
go prazo da variável dos acidentes de trabalho, sendo, portanto, uma ferra-
menta útil para a definição e a gestão de políticas em saúde do trabalhador.

108
FELIPE ASENSI (ORG.)

Os quatro artigos sobre acidentes de trabalho graves analisaram, de


forma prioritária, a questão dos serviços de informação/notificação de tais
acidentes. Utilizando dados de informações existentes, conseguiram iden-
tificar sua ocorrência em determinados setores/segmentos e enfatizaram a
importância de melhoria dos registros dos sistemas de notificação do país.

DISCORDÂNCIA DO TERMO “ATO INSEGURO” EM


ANÁLISES DE A.T.

O título do editorial “Sobre a aceitabilidade social dos acidentes do


trabalho e o inaceitável conceito de ato inseguro” já revela o posiciona-
mento político e teórico de seus autores, contrários à utilização do termo
ato inseguro. Jackson Filho et al. (2013) referendam o posicionamento do
Fórum Acidente de Trabalho, análise, prevenção e aspectos associados,
ao negar radicalmente a utilização do termo ato inseguro. Este termo se
direciona a culpabilizar as vítimas pelo acidente de trabalho de forma des-
contextualizada, sem considerar as condições organizacionais do trabalho,
desresponsabilizando as empresas em relação à prevenção e causas desses
eventos. Os autores reafirmam o apoio institucional da RBSO ao movi-
mento do referido Fórum “...esperando provocar uma mudança cultural
que nos leve a outros patamares de prevenção” (JACKSON FILHO et al.,
2013, p. 8). Essa concepção é complementada por Vilela e Almeida (2010,
p. 12), que analisam os acidentes de trabalho de forma isolada, estanque,
mas como “fenômenos resultantes de rede de fatores em interação, supe-
rando a visão dicotômica (atos/ condições inseguras)”.

CONCLUSÃO

A revisão sistemática dos artigos da RBSO com títulos sobre aciden-


tes de trabalho publicados no período de 2012 a 2022 permitiu identificar
o direcionamento de 12 estudos sobre esse tema, com ênfase de aborda-
gem a acidentes de trabalho graves e fatais e também sobre a não aceitação
do termo “ato inseguro”. Foi possível notar o posicionamento dos autores
dos artigos em relação à concepção de acidentes de trabalho, enquanto fe-
nômenos complexos, causados por multifatores, em oposição à explicação

109
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

unicausal do ato inseguro. Em relação aos acidentes graves e fatais, ainda


que sejam de notificação compulsória, os estudos denunciaram a expressi-
va subnotificação de tais eventos. Dessa forma, há necessidade de efetiva-
ção de ações governamentais que ressaltem a importância de tais registros,
bem como em relação à melhoria da qualidade do preenchimento dos da-
dos nos sistemas de informação em saúde. São ações imprescindíveis para
dar visibilidade aos acidentes de trabalho. Ações integradas, com vistas a
ampliar o diálogo entre setores, a construção de estratégias e cooperação
são fundamentais para a efetividade da promoção e proteção da saúde do
trabalhador. Acreditamos que este estudo possa contribuir para a reflexão
sobre a temática de acidentes de trabalho ainda tão necessária e impor-
tante no momento contemporâneo para que sejam pensadas em ações de
prevenção por parte dos órgãos governamentais, sindicais e pelo conjunto
da sociedade.

REFERÊNCIAS

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Análise e Prevenção de Acidentes de Trabalho – Mapa. Pira-
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110
FELIPE ASENSI (ORG.)

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nologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no
Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação
de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação com-
pulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios,
responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde.
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/
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111
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

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112
LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE
DADOS: UMA ANÁLISE DO DIREITO
DO TITULAR ELEVADO A DIREITO
FUNDAMENTAL
Luciane Dutra Oliveira14

INTRODUÇÃO

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº


13.709/2018) entrou em vigor em setembro de 2020 e trouxe muitas dú-
vidas quanto a sua operacionalização dentro das empresas. Uma questão
importante foi saber quais as empresas estavam obrigadas a se adequarem
à nova lei e principalmente como os direitos dos titulares de dados seriam
tratados a partir dessas determinações legais.
A partir disso, é pertinente questionar como a lei se aplica a todas as
empresas independentemente do setor ou porte e tratam os dados pessoais
comuns (exemplo: nome, CPF, RG) e sensíveis (exemplo: raça, religião,
opção sexual), uma vez que os direitos dos titulares foram equiparados
aos direitos e garantias fundamentais conforme preconiza a Constituição
Federal do Brasil (Art. 5º).
Assim, o objetivo desta pesquisa é analisar a adequação à LGPD nas
empresas de qualquer porte e ramo de atuação no que concerne ao direito

14 Mestra em Ciências Contábeis pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Programa de
Pós-graduação em Ciências Contábeis, Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

113
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

do titular de dados equiparado a direito e garantia fundamental a partir dos


estudos empíricos publicados no período de 2019 a 2021, considerando
os conceitos e aplicação da lei. Uma vez que elevado a um direito funda-
mental o dado do titular, como proceder ao tratamento desses dados no
âmbito das relações e operações das empresas?
A pesquisa está estruturada em cinco seções, sendo esta primeira à
introdução. A segunda seção se subdivide na apresentação dos conceitos e
princípios aplicados à LGPD, bem como o conceito de direito fundamen-
tal constante na Constituição Federal do Brasil. A terceira seção se refere
aos procedimentos metodológicos. Na quarta seção está descrita a análise
de resultados. Por fim, são apresentadas as considerações finais, as suges-
tões para futuros estudos e as referências pertinentes à pesquisa.

1. REFERENCIAL TEÓRICO

A seguir são apresentados os principais conceitos necessários à pes-


quisa proposta. Nas três subseções são apresentados os conceitos e princí-
pios norteadores da legislação. Também é apresentado o que caracteriza o
direito fundamental na Constituição Federal do Brasil.

1.1. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

Os dados pessoais têm sido considerados um dos bens mais valiosos


na sociedade atual. Isto porque através deles pode-se traçar o perfil das
pessoas e adequar produtos e publicidades de acordo com suas necessida-
des e preferências, sendo possível até mesmo prever seu comportamento
(DA MOTTA et al., 2019). Assim, dados pessoais são considerados ativos
valiosos para empresas e banco de informações, uma vez que de posse de-
les se consegue rastrear as preferências e direcionar os esforços para atrair
mais clientes e concretizar mais negócios para a empresa.
Dos bancos de dados podem ser extraídos os mais variados dados, das
mais variadas formas, de modo que é possível ter acesso ao cotidiano das
pessoas que, por sua vez, estão cada vez mais dependentes da tecnologia.
Da Motta et al. (ZUBOFF, 2015 apud DA MOTTA, 2019) explicam que
neste novo regime as relações não são mais construídas na base da con-

114
FELIPE ASENSI (ORG.)

fiança e da reciprocidade, da troca de vantagens entre fornecedor e con-


sumidor, pois a sociedade virou um alvo da extração de dados, que ignora
o que está acontecendo. Como a base e a forma de extração dos dados
são variadas, a privacidade e proteção desses dados podem ficar compro-
metidas, uma vez que a segurança da informação pode não estar sendo
adequadamente gerida e esse dado pessoal pode ser utilizado de maneira
a lesar o seu titular.
O controle e tratamento do dado pessoal conduzem o mercado a se
beneficiar com a circulação de informação como instrumento que per-
mite o uso eficiente dos recursos disponíveis para a produção e consumo.
Esses aspectos ocasionam a denominada assimetria informacional em que
o aumento da quantidade de dados reduz o conhecimento dos cidadãos
principalmente sobre o uso desses dados (DA MOTTA et al., 2019).
Não é incomum as empresas utilizarem listas de mailing a partir de
uma necessidade de consumo do titular para outras finalidades diferentes
daquela contatada no momento do consumo de um produto ou prestação
de serviço. Receber ligações de organizações com as quais não se fez re-
lacionamento também se tornou uma constante e por isso a necessidade
de regulação do tratamento de dados pessoais tornou-se caso de justiça.
A LGPD foi regulamentada em 2018, tendo a influência de outros
sistemas jurídicos, como as normas do modelo europeu para proteção
de dados, especialmente o Regulamento Geral de Proteção de Dados
(Regulamento 649/2016) e a Convenção 108 do Conselho Europeu, de
1981, assim como inspiração em leis brasileiras anteriormente publicadas
(MENDES; DONEDA, 2020). Ressalta-se, porém que a lei brasileira
não é uma cópia da lei europeia, tendo apenas se baseado nessa legislação,
não podendo a lei europeia ser aplicada no Brasil e vice-versa.
Em vigor desde setembro de 2020, a LGPD abrange qualquer ati-
vidade de tratamento de dados pessoais, proveniente de pessoa física ou
jurídica, direito público ou privado, meio físico ou eletrônico, visando ou
não o fornecimento de bens e serviços, desde que aconteça em território
nacional (BONINI et al., 2021). Assim, a lei abrange todas as empresas de
quaisquer porte e seguimento de atuação no mercado.
A Lei Geral de Proteção de Dados, Art. 5º, traz alguns conceitos
que auxiliam em sua interpretação e aplicação, e diferencia os termos

115
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

“dados pessoais”, “dados pessoais sensíveis” e “dados anonimizados”.


Considera-se:

I - Dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identifi-


cada ou identificável;

II - Dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou ét-


nica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a
organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado refe-
rente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quan-
do vinculado a uma pessoa natural;

III - Dado anonimizado: dado relativo a titular que não possa ser
identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis
e disponíveis na ocasião de seu tratamento.

Portanto, Bioni (2019) define que dado pessoal nada mais é que al-
gum tipo de informação acerca de uma pessoa natural. Ante esse caráter
pessoal, o dado pode até mesmo ser considerado um direito da persona-
lidade, caracterizando-se como uma projeção, extensão ou dimensão do
seu titular. Toda a pessoa física e natural é um titular de dado pessoal, ou
seja, somos todos titulares de dados.
Também a lei explicita quais são os dados tratados pela legislação e
quem é o dono do dado, ou seja, o titular do dado pessoal. A seguir será
apresentada a abrangência da lei, quais empresas estão obrigadas a se ade-
quarem aos preceitos da LGPD.

1.2. PRINCÍPIOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE


DADOS PESSOAIS

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais do Brasil, ou, simples-


mente, “LGPD”, tem exatamente esse escopo: aplica-se ao setor público e
setor privado e tenta estabelecer um equilíbrio entre a proteção dos dados
dos cidadãos e, no caso do setor público, a utilização desses dados para a
elaboração e execução de políticas públicas e a correta prestação de ser-
viços públicos (RATTES FILHO, 2020). A lei abrange sobre quaisquer

116
FELIPE ASENSI (ORG.)

empresas que utilizam dados pessoais, não há exceções quando da análise


dos seus dispositivos.
De acordo com o artigo 3º da LGPD, estão sujeitas à aplicação da lei
todos os tratamentos de dados pessoais realizadas no Brasil, que envolvam
a oferta de bens ou serviços para titulares que se encontram no Brasil e
independentemente do país em que o tratamento ocorra, e que envolvam
dados pessoais coletados no Brasil. Isso denota explicitamente que todas as
empresas estão sujeitas à adequação da lei.
Segundo Stelzer et al. (2019), na LGPD o tratamento de dados pes-
soais, resguardando os direitos fundamentais de privacidade, intimidade
e liberdade dos cidadãos a fim de protegê-los, não abrange os dados das
pessoas jurídicas, patentes e softwares, informações sigilosas, por exem-
plo, pois estas já são tuteladas por outras leis do ordenamento jurídico,
como a Lei de Software (9.609/1998) e Lei de Propriedade Industrial
(9.610/1998). Esses princípios elevam a legislação ao direito e garantia
fundamental do cidadão sobre os dados pessoais dos titulares. As empresas
não podem usufruir dos dados sem finalidade e necessidade específicas e
de conhecimento do titular.
Bonini et al. (2021, p. 6 e 7) resumiram todos os princípios referen-
ciados na LGPD:

a) Princípio da finalidade: envolve o tratamento de dados para


propósitos legítimos, explícitos, específicos e informados ao titu-
lar, sem possível tratamento posterior que não seja para estes fins.
Desta forma, qualquer coleta e/ou processamento de dados deve
ser explicado de maneira clara ao titular, que deve estar de acor-
do com o procedimento e delimitações do uso de dados. Acres-
centa-se que este domínio só poderá sofrer tratamento diverso
do previamente informado se houver nova, expressa e específica
concordância do titular.

b) Princípio da adequação: os dados coletados devem ter uma per-


tinência lógica em relação ao tratamento destes dados e a finalidade
objetivada, não fugindo ao que foi informado ao titular dos dados.

c) Princípio da necessidade: apregoa um tratamento e coleta de


dados mínimo para atender determinada finalidade. Desta forma,

117
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

não é permitido que fossem coletados dados em excesso do titu-


lar, dados que não sejam necessários para atingimento do objetivo
da coleta.

d) Princípio do livre acesso: garante que os titulares possam con-


sultar seus dados de forma gratuita e facilitada, por quanto tempo
quiserem, independente da finalidade, garantindo, ainda, a inte-
gralidade destes dados. Acrescenta-se que, antes do tratamento dos
dados, o titular deve ser cientificado, gratuitamente, da forma que
poderá acessar seus dados já tratados.

e) Princípio da qualidade dos dados: preconiza a exatidão dos da-


dos, ou seja, no ato da coleta os dados precisam ter clareza e relevân-
cia ao serem solicitados ao titular. Ademais, alguns dados coletados
podem ser dinâmicos, impondo-se, assim, sua constante atualização.

f) Princípio da transparência: as informações devem estar disponí-


veis para o acesso ao titular, de maneira precisa e clara, bem como
sobre os agentes de tratamento; sempre em linguagem compreen-
sível ao cidadão de qualquer grau de cultura.

g) Princípio da segurança: refere que os dados coletados sejam


armazenados de forma segura, a fim de não serem acessados de
maneira indevida. Assim, os agentes de coleta e tratamento devem
adotar medidas de segurança eficazes para a proteção dos dados,
não importando, para a responsabilização civil, se a violação se deu
por ato ilícito ou acidental.

h) Princípio da prevenção: envolve a adoção de medidas para pre-


venir danos ao titular dos dados coletados e tratados. Na verdade, o
presente princípio apenas reitera o da segurança, retro definido.

i) Princípio da não discriminação: defende que o tratamento de


dados pessoais deve ser impedido se a finalidade for discrimina-
ção, atos ilícitos ou abusivos. Inclui-se, neste princípio, a vedação à
utilização excessiva dos dados pessoais, derrubando o nexo lógico
com a finalidade.

j) Princípio da responsabilização e prestação de contas: determina


que as empresas devam prestar contas sobre a adoção de medidas que

118
FELIPE ASENSI (ORG.)

garantam o cumprimento de normas que protejam os dados pes-


soais, comprovando a eficácia destas medidas. Assim, não basta o
agente de tratamento demonstrar a adoção de medidas protetivas aos
dados pessoais, deverá comprovar que estas medidas foram eficazes.

Guérios et al. (2020) analisam que no Brasil, assim como em outros


diversos países, o direito à privacidade é assegurado constitucionalmente
como direito humano fundamental. Esse direito é inviolável, ou seja, não
pode ser utilizado sem uma hipótese de tratamento referendada na lei.
Um estatuto dirigido à proteção da pessoa humana não poderia ig-
norar o tratamento de dados pessoais com base em decisão realizada por
meios automatizados, cada vez mais frequentes. Diferentemente do que
ocorreu em relação a outros termos técnicos, não há na LGPD conceito
de decisão automatizada (DE SÁ et al., 2020). Assim, decisões por meio
de Inteligência Artificial necessitam de regulamentação complementar,
pois utilizar-se de algum robô necessita de maiores adequações por parte
do ciberespaço em território nacional.
O direito à explicação, nos moldes do art. 20, é uma consequência do
princípio da transparência, previsto no art. 6º, VI da LGPD. O caput do
art. 20 confere ao titular dos dados o direito a solicitar a revisão de decisões
tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pes-
soais, desde que afetem seus interesses. Estão aí incluídas as decisões desti-
nadas a definir o perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os
aspectos da personalidade do titular (DE SÁ et al., 2020). O controlador tem
o dever de fornecer informações claras ao titular sempre que requisitado.

1.3. O DIRETO FUNDAMENTAL

No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 (CF), embora faça


referência, no art. 5º, XII, ao sigilo das comunicações de dados (além do
sigilo da correspondência, das comunicações telefônicas e telegráficas),
não contempla expressamente um direito fundamental à proteção e livre
disposição dos dados pelo seu respectivo titular, sendo o reconhecimento
de tal direito algo ainda relativamente recente na ordem jurídica brasileira
(SARLET, 2020).

119
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

A proteção dos dados pessoais, por outro lado – para além da referência
ao sigilo da comunicação de dados – também encontra salvaguarda parcial
e indireta mediante a previsão da ação de habeas data (art. 5º, LXXII, da
CF), ação constitucional, com status de direito-garantia fundamental au-
tônomo, que precisamente busca assegurar ao indivíduo o conhecimento
e mesmo a possibilidade de buscar a retificação de dados constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público, ao mesmo tempo que se trata de uma garantia procedimental do
exercício da autodeterminação informacional (SARLET, 2020).
Com relação ao sigilo da comunicação de dados, contudo, há que ter
cautela, razão pela qual se impõe o registro. Sarlet (2020) destaca de que
não se trata, neste caso, do direito à proteção de dados pessoais em si nem
de seu fundamento direto. A privacidade é encarada como um direito
fundamental, as informações pessoais em si parecem, a uma parte da dou-
trina, ser protegidas somente em relação à sua comunicação, conforme
art. 5, XII, que trata da inviolabilidade da comunicação de dados. Tal
interpretação traz consigo o risco de sugerir uma grande permissividade
em relação à utilização de informações pessoais (SARLET, 2020, p. 184).
Acrescente-se que, a teor do art. 5º, §§2º e 3º, CF, o marco norma-
tivo que concretiza e formata o âmbito de proteção e as funções e dimen-
sões do direito (fundamental) à proteção de dados é também integrado
– embora tal circunstância seja usualmente negligenciada – pelos tratados
internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, destacando-se,
para o efeito da compreensão adequada e manejo correto em nível do-
méstico, a Convenção Americana de São José da Costa Rica e o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, incluindo a sua interpretação
pelas instâncias judiciárias e não judiciárias respectivas (SARLET, 2020).
Esse fato assume uma dimensão particularmente relevante, à vista do
atual posicionamento do STF sobre o tema, dada a atribuição aos tratados
de direitos humanos devidamente ratificados, hierarquia normativa su-
pralegal, de modo que, ao menos assim o deveria ser, o marco normativo
nacional infraconstitucional não apenas deve guardar consistência formal
e material com a CF, mas também estar de acordo com os parâmetros de
tais documentos internacionais, sendo passível do que se tem designado
de um controle jurisdicional de convencionalidade. Além disso, convém

120
FELIPE ASENSI (ORG.)

lembrar que em se cuidando de tratados internacionais de direitos huma-


nos aprovados pelo rito agravado previsto no §3º do art. 5º da CF o seu
valor normativo na esfera nacional será equivalente ao das emendas cons-
titucionais (SARLET, 2020).
Diante do exposto, cabe ressaltar que o Congresso promulgou no
mês de fevereiro de 2022 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
inclui a proteção de dados pessoais entre os direitos fundamentais do ci-
dadão. O texto, então, passa a valer e fazer parte da Constituição. A PEC
17/2019 inclui no artigo 5º, que trata dos direitos individuais e coletivos,
novo trecho (item LXXIX) que diz ser assegurado, nos termos da lei, o
direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.
A inclusão torna a proteção de dados pessoais cláusula pétrea – o que
significa que qualquer mudança nesse tema terá de ser no sentido de am-
pliar e resguardar os direitos. Eventuais alterações não poderão fragilizar a
proteção à privacidade do cidadão (RATTES FILHO, 2020). Isso denota
que as leis e regulamentos vão cada vez mais evoluírem para garantir o
direito do titular de dados no que concerne à finalidade da coleta do dado
pessoal.
Assim, o dono dos dados pessoais tratados pelos agentes é o titular.
Cabe a este fornecer os dados de maneira consciente e entender como e
para qual finalidade os seus dados pessoais serão utilizados, sendo o toma-
dor de decisão sobre a autorização ou não autorização do uso (DA CRUZ
et al., 2021).

2. METODOLOGIA

A pesquisa caracteriza-se como um estudo descritivo, de abordagem


qualitativa, realizado por meio de análise bibliográfica, a partir da legisla-
ção nacional vigente e de pesquisas realizadas acerca do tema, buscando
analisar o direito do titular de dados elevado a direito fundamental à luz
da LGPD a partir dos trabalhos empíricos publicados no período de 2019
a 2021. Assim, será possível verificar quais os impactos dessa equiparação
à LGPD quando da observância dos princípios desta lei.
As pesquisas anteriores publicadas deram a dimensão dos conceitos e
princípios referente à LGPD, bem como o direito fundamental na Cons-

121
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

tituição Federal do Brasil. Também foi possível verificar os impactos dessa


equiparação no contexto de adequação das empresas à Lei Geral de Pro-
teção de Dados Pessoais quanto ao direito dos titulares de dados pessoais.
A coleta de dados foi realizada entre os meses de janeiro e fevereiro de
2022, buscando artigos, estudos e documentos que tratassem da temática
citada. Inicialmente, foi realizada busca no Google Scholar (www.scholar.
google.com) e Portal Capes (https://www-periodicos-capes-gov-br) uti-
lizando os termos “Privacidade e Proteção de Dados”; “Direito Funda-
mental”; “Dados Pessoais”; “Direito do Titular”, a fim de identificar e
coletar trabalhos semelhantes a esta pesquisa. A coleta de dados envolveu,
ainda, algumas etapas: definição das bases de dados para busca de artigos,
limitação do espaço de tempo; idioma; critérios de inclusão e exclusão.
O estudo foi realizado por meio de análise de conteúdo, na modalida-
de temática, seguindo uma ordenação lógica, conforme Marconi e Laka-
tos (2021): organização do material coletado, realizando-se a leitura dos
artigos, que constituem o corpus de análise; exploração do material, recor-
tes dos registros encontrados, classificação das informações; tratamento e
interpretação dos resultados: realização da síntese interpretativa a fim de
atingir os objetivos da pesquisa, vinculando os artigos científicos. A seguir
são apresentados os resultados desta pesquisa e a análise de conteúdo.

3. DISCUSSÃO E RESULTADOS

A seguir são apresentados os resultados dessa pesquisa. Nas duas sub-


seções é apresentada a LGPD, o direito fundamental e o impacto da equi-
paração do direito do titular de dados pessoais ao direito fundamental.

3.1. A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS E


O DIREITO FUNDAMENTAL

A LGPD estabelece no País, de forma muito amadurecida, a prote-


ção de dados pessoais, trazendo para o ordenamento jurídico nacional a
evolução histórico-protetiva dessa matéria. Em termos históricos, a con-
sistência da proteção da liberdade e da vida privada, muito antes da aplica-
ção das tecnologias da informação, deve-se à Declaração Universal de Di-

122
FELIPE ASENSI (ORG.)

reitos Humanos de 1948 (TAMER, 2021). Esse documento versa sobre


a consolidação dos direitos fundamentais, impondo limitações à atuação
desleal, cruel e indigna do Estado, inspirando os regimes de proteção de
dados pessoais.
Não obstante, verifica-se que o direito à privacidade possui um ca-
ráter complexo, cuja proteção contemporânea não consegue ser efetivada
somente por um não fazer por parte do Estado e dos particulares. O re-
conhecimento de tal complexidade é imprescindível para a devida tutela
do direito, pois ela apenas é possível com a proteção de todas as posições
jurídicas pelas quais a privacidade se espraia. Contudo, antes de se aden-
trar na análise específica das diferentes dimensões que compõem o direito
à privacidade, necessário compreender que esta pluralidade de dimensões
é característica comum de todos os direitos fundamentais, em decorrência
de sua multifuncionalidade (SAITO; SALGADO, 2020).
Saito e Salgado (2020, p. 120) destacam que tradicionalmente, contu-
do, os direitos fundamentais não eram explorados conforme a sua multi-
funcionalidade, preferindo a doutrina constitucionalista separá-los em três
gerações distintas, de maneira a facilitar uma análise histórica:

a) a primeira geração abrange os direitos decorrentes do libera-


lismo iluminista a partir do século XVIII, ou seja, as liberdades
individuais, que estabelecem ao Poder Público o dever de não in-
terferir na esfera jurídica dos cidadãos;

b) a segunda geração, referente aos direitos sociais surgidos com


o Estado Social de Direito a partir do século XX, que obrigam
o Estado a realizar ações positivas de intervenção (em prol, por
exemplo, do direito à saúde, à assistência social, à educação, entre
outros); e

c) a terceira geração, relativa aos direitos de titularidade difusa e co-


letiva a partir do último quarto do século XX, que tutelam bens jurí-
dicos indivisíveis, tais como a proteção do meio ambiente ecologica-
mente equilibrado e a conservação do patrimônio histórico e cultural.

Nesse contexto, Saito e Salgado (2020) destacam que o direito funda-


mental em sentido amplo abrange um conjunto de pretensões jurídicas di-

123
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

versas, tanto de defesa como de prestações positivas, sendo que cada uma
dessas posições jusfundamentais. Não obstante, os direitos fundamentais
abarcam o direito à privacidade e proteção de dados a partir da promulga-
ção da LGPD e da PEC 17, uma vez que o titular do dado pessoal passa a
ter propriedade sobre esses dados e faz jus à inviolabilidade da intimidade
da vida privada, da honra e imagem.

3.2. DIREITO FUNDAMENTAL E OS IMPACTOS À LGPD

A evolução das tecnologias de informação no decorrer das décadas


demonstrou a necessidade de evolução também dos dispositivos norma-
tivos sobre proteção de dados. Doneda (2019) aponta que atualmente é
possível constatar, ainda, a existência de uma terceira e de uma quarta
gerações legislativas, tendo ambas reconhecidas novas camadas de com-
plexidade inerentes à proteção da privacidade, além de associá-la à ideia de
autodeterminação informativa e reconhecer a posição de vulnerabilidade
do usuário dentro da relação informacional.
Por consequência, em comparação com outros países, que possuem
dispositivos legais sobre a proteção de dados desde as décadas de 1970 e
1980, a discussão normativa brasileira acerca do tema ainda está em seus
estágios iniciais, tendo em vista que a Lei Geral de Proteção de Dados foi
promulgada apenas em 2018, na esteira da consolidação do General Data
Protection Regulation da União Europeia (GDPR) em 2016 (SAITO; SAL-
GADO, 2020).
Também cabe destacar que havia outras normativas que abordavam
a privacidade e a proteção de dados (Marco Civil da Internet, Código de
Defesa do Consumidor, por exemplo). Entretanto, elas eram insuficientes
para regular o tratamento de dados e a privacidade sob um sistema uni-
formizado, pois se restringiam às hipóteses setoriais de aplicação de cada
dispositivo (SAITO; SALGADO, 2020).
O texto legal adota normas voltadas ao cumprimento da posição ju-
rídica jusfundamental prestacional de proteção da privacidade e dos dados
pessoais, destinadas a proteger o titular dos direitos contra intervenções de
terceiros e de outros particulares. Isso ocorre na medida em que a LGPD
não estabelece apenas uma base principiológica e axiológica para a prote-

1 24
FELIPE ASENSI (ORG.)

ção de dados, como também institui deveres ao Estado e a entes privados,


quando realizem operações de tratamento de dados pessoais em território
brasileiro ou relativos aos titulares localizados em território nacional (SAI-
TO; SALGADO, 2020).
Ainda, o descumprimento dos preceitos legais pode incorrer na apli-
cação de sanções administrativas aos agentes de tratamento, nos termos
dos artigos 52 a 54, sem prejuízo da aplicação do instituto da responsabili-
dade civil quando constatado o dano em relação ao titular dos dados, con-
forme disposto pelos artigos 42 a 45. Dessa maneira, a proteção normativa
do direito à privacidade e à proteção de dados não se limita à relação entre
indivíduo e Estado, mas igualmente busca proteger as situações entre par-
ticulares, demarcando as esferas dos sujeitos de direito de mesma hierar-
quia, bem como a exigibilidade e a realização dessa demarcação (SAITO;
SALGADO, 2020).
Torna-se possível observar, nesse caso, a denominada eficácia hori-
zontal dos direitos fundamentais, ou seja, o fato de que as normas de di-
reitos fundamentais incidem sobre as relações privadas, mesmo quando a
priori se trate de um direito dirigido de maneira imediata ao Estado. Isso
ocorre por força do efeito de irradiação dessas normas sobre todo o or-
denamento jurídico, uma vez que, como explorado pela teoria da multi-
funcionalidade, os direitos fundamentais se desdobram tanto em posições
subjetivas que permitem a sua exigibilidade judicial como em valores ob-
jetivos de proteção que devem ser respeitados pelo ente estatal e por todos
os cidadãos (SAITO; SALGADO, 2020).
A relação existente entre direitos fundamentais e o dever de orga-
nizações e procedimentos é mútua, uma vez que, ao mesmo tempo, os
direitos fundamentais dependem da organização e do procedimento para
que sejam devidamente exercidos. Esses próprios mecanismos devem ser
estabelecidos de acordo com as normas de direitos fundamentais, utilizan-
do-as como parâmetro para a construção das estruturas organizacionais
e como diretrizes para a aplicação das normas procedimentais (SAITO;
SALGADO, 2020).
Na Lei Geral de Proteção de Dados, a preocupação com a previsão
de uma autoridade administrativa específica levou à criação da Autorida-
de Nacional de Proteção de Dados (ANPD), prevista pelo artigo 55-A

125
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

como órgão da Administração Pública federal integrante da Presidência


da República, depois do veto da redação original, a qual inicialmente
previa a Autoridade enquanto autarquia especial vinculada ao Ministério
da Justiça. Nesse sentido, Saito e Salgado (2020) ressaltam que enquanto
manifestação da posição fundamental prestacional normativa de organi-
zação e procedimento, a ANPD se volta à regulamentação específica de
determinados dispositivos gerais estabelecidos pela Lei nº 13.709/2018 –
tais como, por exemplo, os acordos contratuais para transferência interna-
cional de dados pessoais e o dever dos agentes de tratamento de notificar
eventuais vazamentos de dados.
Cabe ainda à Autoridade a publicação de orientações técnicas para
que os agentes públicos e privados se adéquem à LGPD, a fiscalização e a
aplicação de sanções administrativas nas situações de descumprimento do
texto legal, dentre outras atribuições. Para tanto, torna-se imprescindível
que a atuação da Autoridade se dê a partir de um diálogo constante com
os setores sociais diretamente afetados, bem como que a composição do
Conselho Diretor seja multidisciplinar, ante a complexidade e a especifi-
cidade dos temas relacionados ao desenvolvimento tecnológico, cuja rá-
pida mutação exige tecnicidade, atualização constante, conhecimento de
ponta e garantia de atuação independente (SAITO; SALGADO, 2020).
Ademais, a promulgação pelo Congresso Nacional da PEC 17/2019
insere um direito fundamental à proteção de dados pessoais no catálogo
constitucional de direitos, mediante a inclusão de um inciso XII-A no art.
5º, e o inciso XXX no art. 22, estabelecendo a competência privativa da
União para legislar sobre a matéria (SARLET; SAAVEDRA, 2020).
Assim, independentemente aqui de se aprofundar a discussão sobre
a conveniência, necessidade e bondade intrínseca de uma consagração
textual de um direito fundamental autônomo à proteção de dados na
CF, ou mesmo adentrar a querela sobre se tratar, ou não, de um direito
“novo”, o fato é que cerramos aqui fileiras com os que saúdam como
benfazeja tal medida.
Quanto aos efeitos gerados por essa proteção, alinhando-a ao con-
ceito de autodeterminação informativa, é possível pensá-los a partir de
uma dupla dimensão. Para Mendes e Doneda (2020), de um lado, essa
proteção se desdobra como liberdade negativa do cidadão oponível pe-

126
FELIPE ASENSI (ORG.)

rante o Estado, demarcando seu espaço individual de não intervenção


estatal (dimensão subjetiva). De outro lado, ela estabelece um dever de
atuação estatal protetiva no sentido de estabelecer condições e procedi-
mentos aptos a garantir o exercício e a fruição desse direito fundamental
(dimensão objetiva).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais trouxe muitas alterações


na forma de tratamento dos dados pessoais dos entes públicos como das
empresas privadas. A análise da adequação à LGPD nas empresas de qual-
quer porte e ramo de atuação no que concerne ao direito do titular de
dados pessoais equiparados ao direito e garantia fundamental a partir de
estudos publicados no período de 2019 a 2021 sobre o tema, evidencia que
a lei trouxe ao titular do dado pessoal (todas as pessoas naturais) um direito
fundamental à privacidade e proteção de dados pessoais.
Foi possível identificar nos estudos anteriores os principais conceitos
abordados na lei, como agentes de tratamento de dados, o que significa
dado pessoal e dado pessoal sensível, os princípios norteadores e as hipó-
teses de tratamento de dado pessoal. Também foi possível identificar o
conceito de direito fundamental no tratamento de dados pessoais.
Além desses conceitos, foi possível verificar o impacto do direito do ti-
tular de dados equiparado a direito fundamental a partir da promulgação da
PEC 17/2019, uma vez que assegura, nos termos da lei, o direito à proteção
dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais. Essa inclusão torna a prote-
ção de dados pessoais cláusula pétrea – o que significa que qualquer mudança
nesse tema terá de ser no sentido de ampliar e resguardar os direitos. Eventuais
alterações não poderão fragilizar a proteção à privacidade do cidadão.
Assim, foi possível evidenciar que a privacidade é uma liberdade ne-
gativa, ou seja, o titular de dados pode se colocar a salvo de interferências
alheias, de resguardo, direito de ser deixado só. A LGPD busca estabelecer
que os indivíduos sejam livres para se manifestarem, obter informações e
empreenderem digitalmente. A autodeterminação informativa traz o titu-
lar do dado pessoal ao centro da discussão, quem decide se seu dado será
tratado, salvo legislação anterior.

127
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Esta pesquisa limitou-se em analisar os estudos empíricos publicados


no período de 2019 a 2021 referentes ao direito do titular de dados pes-
soais à luz do artigo 5º da CF quando tornou esse direito em fundamen-
tal. Assim, sugerem-se estudos futuros para verificar como a governança
de dados e a governança corporativa se relacionam, bem como descrever
como seria a implantação de um comitê de privacidade e proteção de da-
dos pessoais.
Por fim, este estudo objetivou contribuir não só para o meio acadê-
mico, mas, também, para evidenciar o impacto do direito do titular de
dados pessoais ter sido elevado a direito fundamental. Uma vez que as
empresas devem garantir a privacidade e segurança da informação no uso
e tratamento dos dados pessoais no momento da prestação de serviço ou
venda de seus produtos. Além de garantir o direito de concessão ou não
dos dados pessoais dos titulares a depender da finalidade e necessidade da
sua coleta.

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130
EDUCAÇÃO BÁSICA NO CONTEXTO
DA PANDEMIA DA COVID-19: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA À LUZ DO
ENSINO REMOTO
Claudinei Zagui Pareschi15
Davi Milan16
Edna Maria da Silva Oliveira17

INTRODUÇÃO

Anteriormente aos acontecimentos da pandemia da Covid-19, deno-


minada por SARS-COV-2, a educação já apresentava déficit com relação
à efetivação e garantia da qualidade e democratização do ensino. A pande-
mia agravou ainda mais a desigualdade econômica e social, ocasionando
mais desemprego e causando problemas como a escassez de recursos e de
infraestrutura em grande escala em várias regiões do mundo. No âmbito

15 Mestre em Educação pela UNIMEP, formado em Filosofia, Pedagogia e História, pesquisa-


dor do grupo Movimentos Docentes da UNIFESP e do grupo Horizonte da UFSCAR. Professor
e diretor de escola na SME-Limeira.
16 Especialista em Educação, formado em Letras e Pedagogia, pesquisador pelo grupo de
pesquisa da Unesp – Marília – SP. Professor na SME – Quintana-SP.
17 Doutoranda em avaliação Psicológica, Mestre em Educação e em Ciências da Saúde, Es-
pecialista em Avaliação Psicológica. Psicóloga, Psicanalista. Professora na USF.

131
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

educacional, os países adotaram medidas radicais como a suspensão das


aulas presenciais em todos os níveis e o ensino remoto emergencial.
Dessa maneira, ocorreu o processo de mobilização das escolas e co-
munidades para a efetivação do ensino remoto por meio de plataformas
digitais. Outra importante observação foi a preocupação com a manuten-
ção da saúde dos alunos e da sociedade em geral, recomendando o uso de
máscaras, a higienização das mãos e de ambientes e o isolamento social.
Com base nesses pressupostos, a presente pesquisa configurou-se
como uma abordagem qualitativa em que se aplicou como instrumento
metodológico um questionário elaborado na plataforma virtual Google
Forms, além da observação, vivência e reflexão de famílias e alunos de
uma escola de educação básica do ciclo de alfabetização do interior do Es-
tado de São Paulo. Assim, este trabalho tem como objetivo relatar as expe-
riências pedagógicas dos alunos na educação remota durante a Covid-19,
no período de 2020 a 2021, e relatar como retornaram presencialmente
no ano de 2022, especificamente durante as primeiras semanas de aula do
mês de fevereiro e março.
Este artigo foi dividido em quatro partes: a primeira apresenta o
Google Meet como ferramenta de aprendizagem no contexto da pande-
mia da Covid-19; a segunda parte explica o aprendizado segundo Vigo-
tsky e Leontiev; já na terceira parte foi abordado o tema da alfabetização
e letramento, mencionando as fases de escrita das crianças; na quarta
parte realizou-se a entrevista e a pesquisa de fato e, por fim, as conside-
rações finais.

1. O GOOGLE MEET COMO FERRAMENTA DE


APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA
COVID-19

A suspensão das aulas presenciais nas escolas foi uma das princi-
pais medidas para conter o avanço da pandemia da Covid-19 em todo
o mundo. De acordo com o relatório do Banco Mundial, mais de 1,5
bilhão de alunos ficaram sem estudos presenciais em 160 países. O
contingente representou mais de 90% de todos os estudantes do pla-
neta. Nestes termos:

132
FELIPE ASENSI (ORG.)

Com a expansão viral em território nacional, no início de ano de


2020, o sistema educacional brasileiro público e privado se viu
obrigado a lecionar a partir do ensino remoto, de forma análoga
ao atualmente conhecido EaD, como uma forma de promover um
distanciamento social e barrar a transmissão do agente patogênico
(SANTOS; ZABOROSKI, 2020, p. 43).

O mundo parou com a pandemia e as crianças, os jovens e adoles-


centes ficaram a maior parte do tempo dentro de suas casas. As escolas do
mundo todo fecharam as portas para que diminuísse a infecção do vírus
e medidas rígidas foram tomadas, como o isolamento social. As famílias
tiveram que reinventar a maneira de lidar com os seus afazeres do dia a dia,
ficando em processo de home-office. Os alunos tiveram sua rotina alterada,
passaram a ter aulas em casa por meio do ensino remoto.
Com relação à problemática, segundo Loiola (2021, p. 08), “a pan-
demia reconfigurou a educação e, de repente, implementou novos termos
no vocabulário dos docentes e discentes, como web aula, webinar, Google
Meet, ensino remoto, Classroom, postar, link, dentre outros”.
Tanto os professores quanto os alunos se adaptaram a essa nova reali-
dade. Professores encaminharam para as famílias atividades impressas para
serem realizadas em casa, acompanharam esses alunos individualmente
em contato com as famílias via WhatsApp, por meio de ligações de telefo-
ne e aulas ministradas pelo Google Meet.
O uso das tecnologias foi de suma importância no cotidiano das salas
de aula, pois potencializou o aprendizado dos alunos e organizou o “ensi-
nar” dos professores, vindo ao encontro das necessidades pedagógicas dos
discentes e também foram muito atrativas e lúdicas. Desse modo, com-
preendemos que, de acordo com Moran (1995):

As tecnologias de comunicação não substituem o professor, mas


modificam algumas das suas funções. As tecnologias permitem um
novo encantamento na escola, ao abrir suas paredes e possibilitar
que alunos conversem e pesquisem com outros alunos da mes-
ma cidade, país ou do exterior, no seu próprio ritmo (MORAN,
1995, p. 4).

133
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Conforme o exposto, a tecnologia, vista como um recurso que trouxe


grandes potencialidades para o contexto da sala de aula, tornou o proces-
so educativo de ensino-aprendizagem mais dinâmico. O Google Meet se
destacou no processo:

O Google Meet como ferramenta de ensino, consistiu em mais


uma ferramenta que esteve à disposição da educação e do professor
para a sua prática, e independente da pandemia, num futuro pró-
ximo, a escola teria que se atualizar quanto ao contexto das novas
tecnologias educacionais, sendo instituição integrante e atuante
dessa sociedade e responsável pelo desenvolvimento do saber for-
mal, não podia ficar fora ou a margem do dinamismo marcado
pelas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC)
(TEIXEIRA; NASCIMENTO, 2021, p. 56).

Com base no exposto, considerou-se como sendo uma ferramenta


de grande importância para o professor, pois ofereceu considerável auxílio
durante as aulas remotas. E como devido ao isolamento social causado
pela pandemia não havia condições das aulas acontecerem presencialmen-
te na escola, a tecnologia serviu como meio para manter a assiduidade dos
estudantes, bem como seu aprendizado.

Figura 1 – Representação de uma sala de aula do Google Meet

Fonte: revista eletrônica fio de vida, 2022.

A figura acima remeteu a uma situação bastante recorrente durante as


aulas remotas nos anos de 2020 e 2021, quando a plataforma Google Meet

134
FELIPE ASENSI (ORG.)

foi utilizada por professores e alunos de centenas de instituições escolares


no Brasil e no mundo. Como plataforma gratuita, trouxera uma série de
recursos e subsídios para os professores utilizarem com os seus alunos, tais
como: gravação de aula, compartilhamento de vídeos, além de várias op-
ções que tornou o ensino e o aprendizado atrativo e significativo. Sendo
de fácil manuseio, qualquer pessoa pode criar uma conta nesta platafor-
ma e realizar uma videochamada, convidar até 100 participantes e fazer
reuniões de até 60 minutos gratuitamente. De fato, foi uma alternativa
muito importante nas diversas modalidades e níveis da educação durante
o período de pandemia.
Assim, conclui-se que com a suspensão das aulas presenciais, os pro-
fessores e alunos tiveram que adquirir novos hábitos a fim de darem con-
tinuidade ao aprendizado, mesmo a distância. E, como lembraram Tei-
xeira e Nascimento (2021, p. 56), “a ferramenta Google Meet promoveu
atividades colaborativas, possibilitou a interação com quiz e gamificações,
facilitou a associação com diversas outras ferramentas que ajudaram a or-
ganizar a sala de aula, tornando-a mais dinâmica”.

1.1. APRENDIZAGEM SEGUNDO VIGOTSKY E LEONTIEV

Para Leontiev, o aprendizado nada mais é que a mudança no com-


portamento, mudança de estágio de uma situação para outra, ou seja, a
aprendizagem ocorre de fato quando as habilidades atuais são modificadas
por outras mais significativas que as anteriores.
A interação do sujeito com o meio onde vive é muito saudável para seu
desenvolvimento e crescimento intelectual. As crianças, por meio de sua
relação com o meio em que vivem, desenvolvem-se facilmente. Até mes-
mo uma brincadeira de roda, de carrinho ou boneca podem proporcionar
um aprendizado muito importante, inclusive observando a expressão do
outro e suas emoções. Independentemente do que podemos perceber do
mundo, as crianças possuem uma percepção de maneira estruturada, isto
é, como um padrão de estímulos (LEONTIEV, 2010, p. 86).
Todos os estímulos recebidos do mundo externo, ou seja, das rela-
ções com o próximo, perdurarão pela vida. Num certo momento, as ações

135
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

de um indivíduo refletirão pelo contato com o meio em que vive. Desse


modo, explica Leontiev:

Nós reagimos e nos adaptamos a esses estímulos externos e, na reali-


dade, todo o nosso comportamento equivale essencialmente a alguma
acomodação mais ou menos adequada às diversas estruturas do mun-
do exterior. Para adaptar-se eficazmente a essas condições, o indiví-
duo deve perceber as várias situações do mundo exterior da maneira
mais clara e diferenciada possível, discriminando-as, escolhendo da
totalidade do complexo sistema de formas que agem sobre ele aquelas
que, para ele, são as mais essenciais (LEONTIEV, 2010, p. 86).

Quando as crianças estão construindo saberes durante a aula, por


meio do contato com o professor e com os colegas de turma, neste caso
específico de alfabetização, ao formarem determinadas palavras, depois
de um bom tempo de conversa e de trocas de informações, utilizando as
letras móveis, elas descobrem que realmente precisam de uma consoante e
de uma vogal para formarem sílabas. Constatam também que estas partes
menores (letras e sílabas) podem formar as partes maiores (palavras, frases
e pequenos textos) e vice-versa (pequenos textos, frases e palavras), orga-
nizando as partes menores (letras e sílabas).
Dessa maneira, o processo de construção do conhecimento e da
aprendizagem acontece por intermédio de quem ensina e de quem apren-
de. Com as resoluções mentais, o indivíduo, em contato com o objeto de
conhecimento, vai evoluindo a sua compreensão do mundo e das signifi-
cações que nele há.
Vygotsky (2010 p. 45) menciona que “o adulto não apenas responde
aos estímulos apresentados por um experimentador ou por seu ambiente
natural, mas também altera ativamente aqueles estímulos e usa suas modi-
ficações como um instrumento de seu comportamento”.
Segundo Oliveira (2006), o sociointeracionismo de Vygotsky, além
de trabalhar no âmbito educacional, ajuda na percepção, atenção, me-
mória e no processo de internalização cultural, física ou psicológica. Esse
método valoriza as atividades em grupo, a linguagem e o relacionamento
interpessoal, entendendo que o desenvolvimento histórico acontece do

136
FELIPE ASENSI (ORG.)

social para o individual. Tais contribuições reforçam a importância quanto


à compreensão de forma mais abrangente dessa perspectiva, para que seja
possível analisar de que maneira as práticas educativas podem ser traduzi-
das no cotidiano escolar.
Considerando-se as relações próximas dos estudantes, uma determi-
nada atividade que depende de fatores como contato físico, olho no olho,
percepção visual, auditiva, percepção das emoções, trocas de informações,
dentre outros, verifica-se que o aprendizado, segundo Vygotsky e Leon-
tiev (2010), ocorre de forma mais efetiva e duradoura.
Uma questão que serve para reflexão é o fato de indagar o seguinte:
uma criança só adquire conhecimento quando passa a frequentar a esco-
la? De acordo com o pensamento de Vygotsky, acontece o contrário, de
modo que, fora da escola, a criança desenvolve seu potencial com todas
as trocas estabelecidas e também quanto ao desenvolvimento da língua
escrita. Porém, o teórico não diminui a importância do ambiente escolar,
pois, quando a criança se familiariza com este espaço, ocorre algo funda-
mentalmente novo em seu desenvolvimento: ela sai da sua zona de desen-
volvimento real e passa, com auxílio do professor ou outro mediador, para
a zona de desenvolvimento potencial – caracterizando a zona de desenvol-
vimento proximal (MAGALHÃES, 2007).
Com base nessa discussão, a seguir, a figura 02, que trata das zonas de
desenvolvimento propostas por Vygotsky.

Figura 2 – Esquema do desenvolvimento da aprendizagem proposto por Vygotsky

Fonte: Blog Educacross, 2021.

137
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

O infográfico acima retrata a teoria de Vygotsky, o desenvolvi-


mento cognitivo do aluno se dá por meio de relações sociais, ou seja,
de sua interação com outros indivíduos e com o meio. Conforme o
pesquisador, o professor é figura essencial do saber por representar
um elo intermediário entre o aluno e o conhecimento disponível no
ambiente.

1.2. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: ALGUNS


CONCEITOS

As crianças, desde muito cedo, convivem com a linguagem oral e


escrita. Nos mais diversos ambientes e situações, estão em contato com a
linguagem nos departamentos sociais e religiosos, na escola e, primeira-
mente, com os adultos que os cercam, no ambiente familiar.
As crianças são seres ativos, participam, interagem, promovem e re-
cebem informações cotidianamente. Terminantemente, recebem e pro-
movem cultura. Ao chegarem nas instituições escolares, passam a siste-
matizar e ampliar o conhecimento que foi adquirido antecedentemente à
escola (ARROYO, 2007).
O mesmo fato ocorre com a escrita, sendo absorvida pelas crianças
nos arredores de seu ambiente social, bem como outdoors, rótulos, propa-
gandas e quando ouvem histórias contadas pelos adultos. Nessa visão de
integração entre linguagem oral e escrita, com as experiências culturais,
com práticas de leitura e escrita mediadas pela oralidade, as crianças vão se
constituindo como sujeitos letrados. Nesta mesma linha de pensamento,
frisa Foucambert (1994, p. 31):

Afirma ser o meio uma grande contribuição para a compreensão


do ensino da leitura. Na fase de aprendizado, o meio deve pro-
porcionar à criança toda a ajuda para utilizar textos “verdadeiros”
e não simplificar os textos para adaptá-los às possibilidades atuais
do aprendiz. Não se aprende primeiro a ler palavras, depois fra-
ses, mais adiante textos, e, finalmente, textos dos quais se precisa
(FOUCAMBERT, 1994, p. 31).

138
FELIPE ASENSI (ORG.)

Como foi a experiência de estudante numa sala de alfabetização? Será


que nesse momento foi vivenciado atividades relacionadas à escuta, pro-
dução de textos coletivamente e com os pares, mesmo não dominando o
sistema de escrita? Era proporcionado momentos de leituras, deleite, diá-
logo, ou foi mesmo copiando várias letras, várias vezes até que se decorava
por conta própria?
Durante muito tempo, o ensino do sistema de escrita alfabético foi
realizado de maneira mecânica e repetitiva, na qual os estudantes eram
levados a memorizar segmentos das palavras (letras ou sílabas), palavras
inteiras, sem entender o significado destas sequências de letras e pala-
vras, porque eram realizadas fora de contexto e não relacionadas com
suas vivências.
Há um conjunto de conhecimentos a serem construídos, não de for-
ma isolada, passiva, mas com grandes desafios a serem promovidos, le-
vando as crianças e adolescentes ao conhecimento efetivo da relação do
escrito e falado, necessitando de um adulto para assim fazê-lo.
Moraes (2005) afirma que para dominar a notação alfabética, os es-
tudantes precisam entender a relação entre o falado e o escrito – partes
do escrito (sílabas e letras) e as do falado (sílabas e fonemas). As crianças
realmente são capazes de pensar, interagir e construir seu próprio conhe-
cimento e os docentes podem instigar essas crianças a serem autônomas,
levando cada uma a tomar as suas decisões, não recebendo passivamente o
conhecimento, mas sendo protagonistas de seus aprendizados. De acordo
com os dizeres de RUSSO (2012, p. 14):

A concepção pedagógica construtivista não dispõe de material di-


dático com regras prontas e práticas imutáveis, uma vez que cada
aluno é ser único, com conhecimentos próprios e habilidades pes-
soais e particulares. Também não constitui um método, e sim uma
postura para o meio da qual o educador, mesmo utilizando dife-
rentes métodos, exerce o papel de mediador do conhecimento e
de incentivador da interação, do diálogo e do trabalho em grupo.

Quando se pede para a criança copiar algumas palavras descritas na


lousa pelo professor muitas realizam tais tarefas sem ao menos compreen-

139
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

derem o que está escrito. Esse tipo de atividade pode desmotivar ainda
mais os alunos, levando-os ao fracasso escolar. De acordo com Paulina
(2010), para se ter alguma utilidade pedagógica, tem de responder muito
bem à pergunta “copiar por quê?”.
Em uma palestra organizada em 2009 pela Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo, a educadora argentina Delia Lerner, da Universidade
de Buenos Aires, sugeriu mais questões para potencializar a indagação: a
cópia é ou era uma prática social importante? Quais são seus propósitos?
Para que se copiava antigamente? E hoje em dia?
É essencial, conforme destaca a pesquisadora, considerar o tipo de
relação que existe entre a forma e o ato de copiar, de modo que na escola
é apresentada a maneira como existe fora dela, no dia a dia, sendo função
da instituição formar pessoas que saibam fazer coisas úteis fora da sala de
aula. Para ilustrar essa situação, apresentamos a figura 03, referente à ação
de copiar algo na lousa.

Figura 03 – Lousa com cópia repetitiva – modelo de educação bancária

Fonte: Revista Nova Escola, 2010.

Na figura acima, vê-se o exemplo de educação antiquada e retrógrada,


em que não há benefícios de aprendizagem, pois o aluno mecanicamente
reproduz o que está na lousa/tela para o caderno sem ao menos saber o que

140
FELIPE ASENSI (ORG.)

está escrito. Infelizmente, essa prática também foi muito corriqueira nas
residências dos alunos durante o ensino remoto.
Como fora mencionado no início do artigo, as crianças trazem consi-
go conhecimentos anteriores à escola, retirados dos textos, relacionamen-
tos com os pares, logo, será importante não haver mecanicamente cópias
de palavras e frases “soltas”, sem sentido. “Portanto, é necessário criar
momentos para que os alunos possam refletir sobre o sistema de escrita
alfabético e pensar sobre as relações grafofônicas e as peculiaridades da
língua escrita” (FERREIRO, 2006, p.26).
Muito válido e oportuno, os alunos escreverem por conta própria,
com a supervisão e direcionamentos do professor, dando-lhes oportuni-
dade de refletirem sobre a escrita realizada por eles e a escrita convencio-
nalmente correta.
É imperioso destacar a disponibilidade de cartazes com pequenos tex-
tos na sala de aula, outros com o nome dos alunos da classe para criar nessa
sala de aula um ambiente alfabetizador. Com relação ao desenvolvimento
da alfabetização, verifica-se que:
O desenvolvimento da alfabetização ocorre, sem dúvida, em um am-
biente social. Mas nas práticas sociais, assim como as informações sociais,
não são recebidas passivamente pelas crianças. Quando tentam com-
preender, elas necessariamente transformam o conteúdo recebido. Este
é o significado profundo da noção de assimilação que Piaget colocou no
âmago de sua teoria (FERREIRO 2006, p. 22).
Assim, nas discussões dos autores citados que o indivíduo terá um
desenvolvimento considerável ao entrar em contato com o meio em que
vive, ou seja, as crianças aprenderão efetivamente quando trocarem expe-
riências com outras crianças, estando o professor como mediador desse
processo de ensino-aprendizagem.

METODOLOGIA

Este estudo desenvolveu-se com base em uma pesquisa de revisão bi-


bliográfica, com aplicação da pesquisa qualitativa que proporcionou uma
visão mais ampla da realidade vivenciada no período da pandemia da Co-
vid-19 pelos estudantes no ensino remoto emergencial.

141
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Como instrumentos de pesquisa, utilizou-se um questionário


semiestruturado, sendo respondido pelos familiares de 11 alunos de
uma turma de ensino fundamental I da educação básica no ciclo de
alfabetização.
O grupo familiar participante da pesquisa foi composto por 11 traba-
lhadores ou donas de casa, dos quais 06 possuem o ensino médio comple-
to, outros 02 estudaram até o ensino médio incompleto, no ensino fun-
damental completo e no ensino fundamental incompleto, observou-se a
participação de 01 entrevistado em cada nível de ensino, e ainda 01 possui
o nível superior e 01 com nível técnico. Suas idades variam entre 29 a 49
anos e a maior parte, 9 dos respondentes, é do sexo feminino. Sobre o grau
de parentesco, 8 são mães ou avós dos alunos e 3 são do sexo masculino,
sendo pai ou avô.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Todos os respondentes do questionário afirmaram sentir-se insegu-


ros com a nova forma emergente de ensino remoto; afirmaram ainda que
este momento da educação trouxera um prejuízo sem precedentes para as
crianças, adolescentes e jovens em todo o mundo, conforme observa-se na
resposta de uma das mães:

[“Meu filho não aprendeu quase nada durante as aulas online” -


Relato de uma mãe de uma criança do ciclo de alfabetização, do 1º
Ano do Ensino fundamental I, respondente da pesquisa].

Por meio do resultado da pesquisa realizada com pais de alunos matri-


culados nas turmas do ensino fundamental I, foi possível observar algumas
questões importantes sobre a aprendizagem das crianças durante o ensino
remoto, as quais serão mencionadas a seguir:

142
FELIPE ASENSI (ORG.)

Quadro 1 – Dificuldade no ensino remoto


QUAL A MAIOR DIFICULDADE NO ESTUDO REMOTO/ EM
CASA?
“A criança não aprende como na escola.”
“O acesso, qualidade e velocidade das conexões de internet no país ainda
deixam a desejar e podem dificultar o acompanhamento das aulas.”
“Dificuldade em compreender e executar as atividades propostas, e a falta de
concentração também para realizar as atividades.”
“Difícil prestar atenção pela preocupação com a câmera do celular, algumas
interferências e ecos com microfones ligados ao mesmo tempo, conciliar
afazeres domésticos com aula é muito complicado.”
“Horário disponível de quem acompanha a criança na aula para quem
trabalha fora.”
“Disponibilidade de tempo para acompanhar a criança no desenvolvimento
das tarefas, não quer sentar para poder fazer as atividades.”
“Não sabemos ensinar como alguém que tem formação. Eu acho que em casa
a criança não presta muita atenção.”
Fonte: dados da pesquisa/2022.

Quadro 02 – Aprendizado no ensino remoto

NA SUA OPINIÃO, A CRIANÇA APRENDEU COM O ESTUDO


REMOTO/EM CASA?
“O mínimo, mas praticamente não aprendeu nada.”
“Apesar de muita distração, aprendeu alguma coisa, mas é bem difícil sem a
presença do professor.”
“Não muito, ela quase não participava das aulas.”
“Sim, mas não como numa sala de aula presencial, a presença do professor é
fundamental para o aprendizado do aluno.”
Fonte: dados da pesquisa/2022.

143
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Quadro 03 – Expectativa de aprendizado das crianças


COM A VOLTA DAS AULAS PRESENCIAIS, QUAL A
EXPECTATIVA DE APRENDIZADO PARA AS CRIANÇAS?
“Espero que a escola esteja empenhada em ensinar tudo o que foi perdido
nesses anos de pandemia e que tenha um planejamento para que todas as
crianças consigam acompanhar e realizar todas as atividades.”
“Fazer o nome dela bonitinho na alfabetização.”
“A expectativa é que se consiga recuperar o tempo perdido sem as aulas
presencial
porque aprende mais.”
“Que ele aprenda ler e escrever corretamente, que aprenda melhor. Como
mãe, acho melhor na escola, pelo menos lá eles prestam atenção e o professor
sabe tirar suas dúvidas.”
“Que ela consiga absorver o conteúdo atrasado e ter bom desenvolvimento.”
“Tentar recuperar a aprendizagem.”
“Que ele desenvolva melhor o conhecimento com o auxílio de um
profissional qualificado no caso o professor que está preparado para ensinar e
tem paciência que os pais não têm.”
“Que meu filho seja alfabetizado, reconhecendo letras e números, tendo assim
conhecimento pra ler e escrever aos poucos, tudo no seu tempo, vendo que
foram dois anos quase no modo remoto, mas que mesmo assim, não foi um
ano perdido, foram feitas atividades para desenvolvimento dos alunos.”
“Agora acho que ela vai aprender.”
“Muito melhor presencial, pois na escola só ficam na aprendizagem não
precisa forçar em outras tarefas.”
Fonte: dados da pesquisa/2022.

De acordo com os relatos dos pais na pesquisa, percebeu-se que as
crianças em questão tiveram dificuldade em desenvolver-se no aprendiza-
do em relação aos anos em que elas permaneceram na escola. Após algu-
mas semanas do início do ano de 2022, as crianças deste primeiro ano no
ciclo de alfabetização passaram por um processo de sondagem, no qual o
professor ditou palavras de um campo semântico e as crianças escreveram
de acordo com a capacidade adquirida.
Destaca-se aqui cinco níveis de escrita, sendo definidas segundo a
psicogênese da língua escrita, como nível garatuja, pré-silábico, silábico,
silábico-alfabético, alfabético.

144
FELIPE ASENSI (ORG.)

Nível Garatuja:

Figura 04 – Nível Garatuja

Fonte: dados da pesquisa/2022.

Na figura acima, a criança começa a se expressar por meio da garatu-


ja, que são rabiscos aleatórios em todas as direções, com vários tamanhos
e sem controle de força. Na garatuja, os rabiscos ganham complexidade
conforme os pequenos crescem e ao mesmo tempo que impulsionam o
seu desenvolvimento cognitivo.

Nível Pré-silábico:

Figura 05 – Nível Pré-silábico

Fonte: dados da pesquisa/2022.

145
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Nesta figura, nível pré-silábico, no qual a criança não estabelece uma


relação entre a escrita e a fala (pronúncia), expressando sua escrita por
meio de desenhos, rabiscos e letras, utilizando-as aleatoriamente.

Nível Silábico:

Figura 06 – Nível silábico

Fonte: dados da pesquisa/2022.

Já no nível silábico de escrita, a criança já começa a ter consciência


de que existe uma relação entre fala e escrita entre os aspectos gráficos e
sonoros das palavras.

Nível silábico-alfabético:

Figura 07 – Nível silábico-alfabético

Fonte: dados da pesquisa/2022.

146
FELIPE ASENSI (ORG.)

Nas figuras acima, a escrita de uma criança que está no nível de escri-
ta alfabético. Não há erros de ortografia e a criança consegue dominar a
escrita de forma efetiva. Esse nível é uma transição do silábico para o alfa-
bético. É uma escrita quase alfabética, quando a criança começa a escrever
alfabeticamente algumas sílabas e para outras permanece silábico.

Nível alfabético

Figura 08 – Nível alfabético

Fonte: dados da pesquisa/2022.

Na figura acima, a escrita de uma criança que está no nível de escrita


alfabético. O aluno, nesse nível, já domina a relação existente entre letra-
-sílaba-som e as regularidades da língua. Faz relação sonora das palavras,
escreve do jeito que fala, oculta letras quando mistura a hipótese alfabética
e silábica, apresenta dificuldades e problemas ortográficos.
De acordo com o relato de uma professora alfabetizadora, “os alunos,
antes da pandemia, neste mesmo período, estavam dois níveis acima”, ou
seja, no nível de escrita “silábico com valor sonoro”.
Escrita de duas crianças do primeiro ano do ensino fundamental I, em
fase de alfabetização, de acordo com uma sondagem realizada em março
de 2020. As duas atividades são referentes ao nível de escrita Garatuja
(FERREIRO, 2006).

147
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Figura 09– Resultado da escrita de um aluno de 06 anos – nível de escrita Garatuja

Fonte: dados da pesquisa/2022.

Na atividade acima, percebeu-se que a criança atribui rabiscos alea-


tórios formando uma palavra. Esses rabiscos são formados em desenhos.

Figura 10 – Resultado da escrita de um aluno de 06 anos – nível de escrita Garatuja

Fonte: dados da pesquisa/2022.

148
FELIPE ASENSI (ORG.)

Na atividade da figura 10, percebeu-se que a criança atribui rabiscos


para cada letra, formando palavras, representadas por rabiscos desordenados.
Nessas atividades avaliativas de sondagem, os professores dos pri-
meiros anos elencaram quatro palavras dentro de um campo semântico,
sendo uma polissílaba, uma trissílaba, uma dissílaba e uma monossíla-
ba. Após, foi ditado pelo professor uma frase e as crianças participantes
da atividade escreveram as quatro palavras, uma frase e cinco números
(sortidos) de 0 a 10 de acordo com o conhecimento da escrita adquirido,
bem como dos números.
As situações propostas pelo educador levaram em consideração o
estágio em que as crianças constroem ações significativas, de modo que
possam refletir, pensar e criar soluções a fim de resolverem a situação
proposta.
Do total de crianças que participaram das atividades, observou-se
que 8 delas estão no nível de escrita “Garatuja”. Segundo as professoras
alfabetizadoras desta escola, no mesmo período (antes da pandemia), as
crianças, em sua maioria, estavam no nível de escrita silábico com valor.

CONCLUSÕES

Durante a pandemia da Covid-19, as crianças dessa escola munici-


pal do interior de São Paulo do ciclo de alfabetização tiveram, como em
centenas de escolas espalhadas pelo Brasil, suas aulas presenciais interrom-
pidas e o modelo de aula remoto começa a funcionar com toda força. As
ferramentas digitais e os meios de comunicação nunca foram tão utiliza-
dos como neste atual momento.
Como visto no decorrer deste trabalho, a tecnologia foi fundamental
para o aprendizado das crianças. O Google Meet foi muito utilizado e, em
contrapartida, por meio da pesquisa realizada, foi percebido pelas falas das
famílias representadas pelas mães que as crianças não obtiveram tanto êxi-
to no aprendizado como anteriormente, em sala de aula, presencialmente.
Uma problemática bastante recorrente na pesquisa foi o fato de que
as crianças não aprenderam de acordo como está proposto nas leis, diretri-
zes, conforme os pesquisadores e planejamento. Houve uma constatação
de que muitas famílias não possuíam acesso à internet, ou não possuíam

149
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

um aparelho de celular ou tablet. Além disso, famílias residentes da zona


rural estavam impossibilitadas de utilizarem tais aparelhos, por conta da
internet que não chegava até eles. Outrossim, muitas famílias relataram
que não havia possibilidade de utilizarem o celular, por causa da memória
escassa do aparelho.
Dessa forma, com a falta de acessibilidade à tecnologia, bem como
esse distanciamento da escola, podemos afirmar, pelas evidências e estu-
dos deste artigo, que as crianças não tiveram o mesmo aprendizado que
tinham antes da pandemia. Estas crianças retornaram à escola com muitas
defasagens e isso dificultou muito o trabalho com elas para a aquisição do
sistema de escrita alfabético.

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151
IMPACTOS DO USO DE MÁSCARAS
NA COMUNICAÇÃO EM LIBRAS:
COMPREENSÃO DAS EXPRESSÕES
FACIAIS E DESENVOLVIMENTO DE
CRIANÇAS SURDAS
Celso Anjos Junior18

INTRODUÇÃO

Desde o início da pandemia em 2020, causada pela Covid-19, sur-


giram muitos questionamentos sobre os impactos desta doença. As es-
tratégias iniciais de enfrentamento à pandemia visaram, antes de tudo, a
preservação da vida, por isso, desconsiderou-se, inicialmente, os possíveis
impactos decorrentes das mudanças advindas dos protocolos adotados pe-
las medidas de combate ao vírus. Nesse sentido, foram adotadas pelo Bra-
sil algumas medidas de saneamento, como o distanciamento social, ensino
remoto e uso de máscaras. Esta última, com desdobramentos significa-
tivos na área fonoarticulatória, desenvolvimento cognitivo, emocional e
social de indivíduos em idade escolar.
Muitas adaptações foram necessárias nos diversos sistemas de ensino.
Escolas foram fechadas em vários países e aqui no Brasil não se mostrou
diferente. Outras tantas adotaram o ensino remoto como alternativa para

18 Bacharelando em Psicopedagogia UNICESUMAR.

152
FELIPE ASENSI (ORG.)

a continuidade das aulas. Dentre as muitas estratégias para driblar o con-


tágio pelo vírus, o uso de máscaras se mostrou necessário para o contato,
ainda que mínimo, entre as pessoas. Ao mesmo tempo que a máscara de
proteção se tornou aliada na proteção contra a Covid-19, tornou-se uma
barreira para a comunicação, sobretudo de pessoas Surdas, usuárias da
Língua Brasileira de Sinais – Libras.
A barreira física causada pelo uso de máscaras limitou o uso de um dos
parâmetros que estabelecem a Libras, as Expressões Faciais. Estas consti-
tuem-se como recursos valiosos para a compreensão da Língua, sobretudo
para as crianças. Considera-se, por isso, que este parâmetro se apresenta
essencial e indispensável para a sinalização e comunicação efetiva entre
indivíduos Surdos.
O objetivo do presente artigo é discutir como o uso de máscaras trou-
xe prejuízos para o desenvolvimento global de indivíduos Surdos e com-
preensão das expressões faciais, tão importantes para uma comunicação
efetiva. Para isso, foi realizada uma pesquisa no Google Acadêmico com as
seguintes palavras: Surdo, comunicação, covid, máscara e expressão facial,
entre os anos de 2020 e 2022. Os dados selecionados foram analisados
para o estabelecimento da compreensão de como o uso de máscaras afetou
o processo de comunicação e desenvolvimento de crianças Surdas. Os
materiais selecionados foram divididos em dois capítulos: 1) A relação das
expressões faciais com a comunicação em Libras e 2) Implicações no uso
de máscaras e as expressões faciais. Por fim, serão realizadas algumas con-
siderações finais sobre as questões apresentadas e seus possíveis desdobra-
mentos e a possibilidade de exploração de novas pesquisas sobre o assunto.

1. RELAÇÃO ENTRE AS EXPRESSÕES FACIAIS E A


COMUNICAÇÃO EM LIBRAS

1.1. A LIBRAS E A COMUNICAÇÃO

A Libras se mostra essencial à comunicação de Surdos e à intera-


ção destes com Ouvintes, uma vez que esta Língua é reconhecida, por
força de Lei, como meio legal de comunicação e expressão de sua co-
munidade, constituindo-se como principal canal de comunicação. Nes-

153
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

se sentido, já que a Libras é reconhecida como forma de comunicação


amplamente utilizada pelos surdos em todo o Brasil, entende-se que esta
Língua se apresenta como ferramenta mais efetiva à comunicação e ins-
trução dos Surdos.
A fundamentalidade da Libras para a comunicação de Surdos, e de
suas interações com os demais indivíduos de sua comunidade, ganha força
a partir do momento em que a Libras é reconhecida por meio de Lei. “A
proposta de reconhecimento da Libras, dentre outros recursos de expres-
são a ela associados como meio legal de comunicação e expressão da co-
munidade surda, está prevista na Lei de Libras” (BRASIL, 2002). Assim,
Libras constitui-se como canal de comunicação, garantido e amplamente
utilizado pelos surdos no Brasil.
A utilização da Libras pela comunidade surda no Brasil é anterior à
Lei de Libras, entretanto, a partir da promulgação da mesma, a Língua
pôde ser amplamente difundida e compreendida em todo o território
brasileiro, de acordo com a Lei 10.436, de 24 de abril de 2002, e enten-
dida como [...]

Parágrafo único. [...] a forma de comunicação e expressão, em que


o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura
gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão
de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do
Brasil (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, a Libras se faz necessária à comunicação de forma efe-


tiva de indivíduos Surdos. Assim, esta necessidade se revela imperiosa,
uma vez que a comunicabilidade é estabelecida por meio de uma comu-
nicação eficiente.

Não basta que o projetista apenas elabore um bom sistema, o sis-


tema deve ser capaz de apresentar o seu funcionamento e possibi-
lidades de interação, de forma que os usuários possam explorar o
máximo de seu potencial. A comunicabilidade é uma comunica-
ção efetiva potencializada com as tecnologias, termo este em que o
presente estudo está fundamentado (DA COSTA 2017, p. 1272).

154
FELIPE ASENSI (ORG.)

Os indivíduos Surdos se comunicam por meio de um sistema linguís-


tico de natureza visual-motora, assim, necessitam de um canal visuoes-
pacial para o estabelecimento efetivo da comunicação. Dessa maneira, a
Libras se mostra como ferramenta dotada das prerrogativas necessárias à
comunicação pretendida, disponível a toda comunidade surda brasileira,
além de ser reconhecida e garantida por Lei. Por fim, entende-se que, para
que os Surdos estabeleçam uma comunicação efetiva, requer-se o uso da
Libras como principal forma de transmissão e recebimento de ideias.

1.2. O CARÁTER VISUOESPACIAL DA LIBRAS

A Libras necessita do canal visuoespacial para se propagar. Dessa ma-


neira, há possibilidade de comunicação entre indivíduos, não só surdos,
mas de todos os que compõem a comunidade surda, a saber, familiares,
amigos, tradutores e intérpretes, e de todos os que se relacionam com os
surdos e se interessam por essa Língua.
O caráter visuoespacial da Libras é de fundamental importância para
a comunicação. Da mesma maneira que os Ouvintes utilizam a modali-
dade oral para a comunicação, os Surdos utilizam a modalidade gestual.
Esta modalidade é estabelecida, uma vez que os Surdos podem apresentar,
desde perdas moderadas a profundas no sistema auditivo, o que limita a
aquisição e desenvolvimento de Língua oral.
Da mesma maneira que, assim como Ouvintes utilizam a Língua
Portuguesa para se comunicarem, os Surdos também lançam mão da Li-
bras para a comunicação. Lima (2019) aponta que, independentemente de
a comunicação ser verbal, utilizando a linguagem oral ou escrita; ou não
verbal, por meio de gestos, expressões corporais, sinais, dentre outros; em
ambas as formas, os seus elementos estão presentes em qualquer processo
comunicativo. Isto nos permite, como ponto de partida, associar aspectos
da comunicação oral com a gestual e refletir sobre os recursos visuais tão
importantes à comunicação em Libras.
A linguagem compartilhada com uso do canal visuoespacial da Li-
bras possibilita o desenvolvimento cognitivo da criança surda. Além disso,
Skliar (1999) traz o entendimento de que um modelo bilíngue prioriza o
acesso a duas línguas: a Língua de Sinais, como primeira Língua, e a Lín-

155
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

gua oral e/ou escrita, como segunda Língua. Partindo do acesso às duas
línguas, o sujeito desenvolve-se inserido numa rede bicultural, se relacio-
nando hora com a cultura surda e hora com a ouvinte. Nesse contexto, a
Língua de Sinais é utilizada amplamente na comunicação entre surdos e
em todo o desenvolvimento global, ao passo que a Língua oral/escrita se
dedica à integração com a sociedade.
O canal visuoespacial se caracteriza pela percepção e transmissão lin-
guística.

A comunidade surda caracteriza-se como usuária das Línguas de


Sinais, constituindo-se numa minoria linguística que se diferencia
da comunidade ouvinte por sua privação de audição, sendo a lin-
guagem viso-espacial seu canal de percepção e transmissão linguís-
tica. Para os ouvintes, usuários das línguas oral-auditivas, o canal
de transmissão e percepção da linguagem é o oral-auditivo (MA-
CHADO, 2007, p. 2).

Diante dessa característica linguística, de acordo com Machado


(2007), confere-se à cultura surda, como incompreendida ao longo da
trajetória de vida do sujeito surdo e que, somente a partir de 1960, vem
se modificando, até que se tornasse “oficialmente” a Língua desse gru-
po, recebendo legitimação pela ciência como sendo, de fato, uma Lín-
gua natural.
A comunicação por meio da Libras se estabelece pelo canal visuoes-
pacial e articulado com uso de cinco parâmetros. A expressão facial é um
desses parâmetros. Corresponde basicamente à entonação, intensidade e
emoções. Para Brecailo (2012, p. 9), a Expressão Facial é

[...] a forma mais básica e mais comum de expressão de emoções,


fisiologistas estimaram que o rosto humano fosse capaz de gerar
cerca de 20.000 expressões diferentes. Juntamente com o olhar a
expressão facial é o meio mais rico e importante, para expressar-
mos os nossos estados de ânimo e as nossas emoções, a expressão
facial utiliza-se essencialmente para regular a interação, e para re-
forçar a nossa mensagem enviada junto do receptor.

156
FELIPE ASENSI (ORG.)

Assim sendo, o caráter visual da Libras estabelece a Expressão Fa-


cial como sendo indispensável à comunicação nesta Língua, pois a revela
como parte integrante e indissociável para a comunicação.

1.3. A EXPRESSÃO FACIAL COMO PARTE INTEGRANTE


DA LIBRAS

Considerando o caráter visuoespacial da Libras, percebemos que as-


pectos visuais são muito importantes para a concretização da comunica-
ção. Dentre os cinco parâmetros da Libras, as expressões faciais e corporais
ou expressões não manuais se referem inteiramente à percepção visual dos
surdos, para compreensão dos aspectos comunicativos. Dessa forma, este
parâmetro se mostra indispensável à comunicação efetiva dos indivíduos
que utilizam a Língua de Sinais.
A expressão facial é indispensável para a comunicação em Libras por
se constituir um dos cinco parâmetros desta Língua. Assim, sendo a “ex-
pressão facial” componente essencial da Libras, para compreensão na co-
municação, entende-se que a efetividade da comunicação depende direta-
mente da exploração deste parâmetro.
O caráter viso-espacial de Libras garante aos usuários da Língua, o
uso de todos os recursos conhecidos e disponíveis para a compreensão da
mensagem. Nesse sentido, a Libras se apresenta como:

[...] um sistema linguístico completo, de modalidade visual-espa-


cial, com especificidades que são desafios para o ensino e aprendi-
zagem como L2. Dentre estas especificidades temos a Expressão
Facial como parte integrante do léxico, gramática, sintaxe e se-
mântica. A construção de sentidos na Libras decorre de processos
simbólicos visuais, nos quais a Expressão Facial assume centralida-
de, de forma diferenciada das expressões adotadas por falantes da
língua oral (GUIMARÃES et al., 2018, p. 409).

Dentre os diversos parâmetros utilizados na Libras, as Expressões Fa-


ciais se referem inteiramente à percepção visual dos Surdos.

157
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Como exemplo destes usos, temos as expressões faciais, por meio


das quais podemos demonstrar nossos sentimentos e emoções de
maneira semelhante na língua oral. Contudo, na Libras temos um
uso diverso que Surdos e não-Surdos fazem das linguagens não
verbais. Por exemplo, as expressões faciais na Libras podem ser gra-
maticais, relacionadas à estrutura, morfologia (por exemplo, elas
marcam grau de intensidade, tamanho) e sintaxe (negação, inter-
rogação, ênfase). As expressões faciais podem ser também usadas
para expressar sentimentos (alegria, angustia, ansiedade, sofrimen-
to) (GUIMARÃES et al., 2018, p. 413).

Ainda, segundo Quadros e Karnopp (2004), as Expressões Faciais


podem desempenhar funções sintáticas e fonológicas, além de expressões
de intensidade. Marcam concordâncias, ênfases, topicalizações e ainda
modalidade das sentenças, como interrogativas parciais como “o que”,
“como”, “por que”, e interrogativas totais, tipo sim e não.
Isto posto, compreende-se que a efetividade na compreensão da si-
nalização em Libras está condicionada à observância e ao uso irrestrito
de todos os parâmetros desta Língua, sobretudo o das expressões faciais e
corporais. Nesse contexto, Goldin (2020) aponta que o uso de máscaras
de proteção impede a leitura labial; as Expressões Faciais, parâmetro fun-
damental na Libras; além de afetar o entendimento e a percepção do que é
falado por indivíduos com perda auditiva.
Nesse sentido, segundo Francisco (2021), diversas iniciativas aborda-
ram a causa, e com a finalidade de minimizar essas dificuldades, distribuí-
ram máscaras com visor transparente, como vemos abaixo:

“O Time Enactus UFPA doou 636 máscaras para as pessoas com


deficiência auditiva na Associação de surdos de Belém.”

“No estado da Paraíba, foi sancionada a lei nº 11.772, que estabe-


lece o uso de máscaras acessíveis por no mínimo 5% dos funcioná-
rios de estabelecimentos públicos ou privados.”

“Em Niterói, onde entrou em vigor a lei nº 3.542, que torna obri-
gatório o uso de máscaras acessíveis em 30% dos funcionários de
estabelecimentos que realizam atendimento presencial.”

158
FELIPE ASENSI (ORG.)

Ainda segundo Francisco (2021), “tais medidas são fundamentais para


proporcionar maior acessibilidade aos surdos”. Além disso, minimizam os
efeitos das barreiras comunicacionais impostas pelo uso das máscaras.
A constituição dos sinais e das diversas expressões em Libras,
sob todos os possíveis contextos observam, rigorosamente, cada um
dos parâmetros da Língua. À medida que não é observado algum dos
parâmetros, a mensagem poderá ser compreendida de maneira equi-
vocada. Assim, diante da realização equivocada da sinalização ou ne-
gligência de qualquer um dos parâmetros, o entendimento da men-
sagem poderá ser outro completamente diferente do que se propunha
o emissor da mesma.

2. IMPLICAÇÕES NO USO DE MÁSCARAS E AS


EXPRESSÕES FACIAIS

2.1. LIMITAÇÃO DO RECURSO VISUAL DA


COMUNICAÇÃO EM LIBRAS

Como visto anteriormente, o recurso visual da Libras é essencial ao


desenvolvimento do indivíduo Surdo, assim, a perda, ainda que parcial de
recursos visuais prejudicam, diretamente, a capacidade comunicativa de
indivíduos que usam a Libras para a comunicação. Dentro desse contexto,
o uso de máscaras limita, consideravelmente, as Expressões Faciais e, por-
tanto, o caráter visual próprio da Língua.
Prejuízos na capacidade comunicativa, de indivíduos usuários da
Libras, são potencializados pelo uso de máscaras. Considerando, inicial-
mente, que os recursos visuais são indispensáveis ao desenvolvimento das
capacidades comunicativas dos usuários da Libras, a omissão de parte do
rosto e de suas expressões faciais pode acarretar limitações consideráveis.
Nesse sentido, a limitação na percepção visual, ocorridas pelo uso de más-
caras durante a pandemia, tende a dificultar o desenvolvimento dos bebês
e das crianças na primeira infância, além de refletir comprometimentos
no desenvolvimento de indivíduos durante todo o percurso escolar, com
consequente prejuízo para o desenvolvimento de aspectos cognitivos e
emocionais.

159
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Ensejando o desenvolvimento comunicativo pleno dos indivíduos


usuários da Libras, é preciso dar atenção especial aos recursos visuais e à
sua disponibilidade a estes indivíduos. No que diz respeito ao desenvolvi-
mento verbal, Spitzer (2020) ressalta que é por meio da fala e da percepção
visual que desenvolvemos, desde cedo, nossa percepção do que está sendo
transmitido e nossa própria capacidade de reprodução. Nesse prisma, o
desenvolvimento e a compreensão do Surdo estarão apoiados, quase que
exclusivamente, às relações visuais, uma vez que o recurso oral não se
mostra satisfatório ao seu processo de comunicação, senão por meio da
sinalização.

As expressões faciais e corporais são de fundamental importân-


cia para o entendimento real do sinal, sendo que a entonação
em Língua de Sinais é feita pela expressão facial (BRECAILO,
2012, p. 10).

No mesmo sentido, a existência de uma máscara facial pode reduzir a


motivação do usuário para produzir expressões faciais em primeiro lugar,
considerando que os recursos visuais, explorados por meio das expressões
faciais, são necessários à comunicação em Libras. Assim, a omissão das
expressões faciais prejudica a comunicação.
Não é apenas o entendimento da linguagem que é atrapalhado pelo
uso de máscaras. O estudo de Schneider et al. (2022) revela que o uso
de máscaras pode acarretar uma percepção equivocada dos sentimentos
expressados no ambiente escolar. Este engano pode ensejar interpretações
equivocadas, confusões e, até mesmo, subdesenvolvimento das expressões
menos identificadas.
Cecília (2021) reforça que, por meio do uso de máscaras, podem ha-
ver distorções do som que modifica a melodia, a entonação e a intensidade
da mensagem, gerando possíveis incompreensões da mensagem recebida,
causando problemas nas relações sociais e ambientais.
O desenvolvimento comunicativo está diretamente ligado às percep-
ções dos sentidos expressos no rosto. Afirmações e negações; exclama-
ções e questionamentos; sentimentos como raiva, medo, ódio, alegria; são
todos distinguidos por meio da codificação das expressões faciais e cor-

160
FELIPE ASENSI (ORG.)

porais. Dessa forma, é razoável pensar que tais expressões corroboram o


desenvolvimento das capacidades comunicativas dos usuários da Libras.

2.2. PREJUÍZO NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL,


COGNITIVO, EMOCIONAL E LINGUÍSTICO

A privação ou mesmo limitação de recursos visuais, proporcionados


pelas expressões faciais, interferem no desenvolvimento de aspectos so-
ciais e linguísticos de indivíduos surdos. Através das relações interpessoais
os indivíduos têm acesso ao desenvolvimento social pleno de suas capaci-
dades e por meio da comunicação alcançam o desenvolvimento linguísti-
co e, por consequência, o cognitivo.
O uso de máscaras produz interferências no desenvolvimento social e
linguístico de indivíduos usuários da Libras. Considerando que o desen-
volvimento comunicativo dos indivíduos é prejudicado pelo uso de más-
cara, podemos considerar que, por consequência, os desenvolvimentos
social e linguístico destes também sofram prejuízos.
Prejuízos no desenvolvimento social e linguístico de indivíduos, cau-
sados pelo uso de máscaras, decorrem por consequência de limitações no
processo comunicativo dos usuários da Libras.

Observamos, pois, que têm tanta importância para uma percep-


ção de impressões e juízos e para uma transmissão emocional, os
movimentos faciais perceptíveis, como por exemplo a mudança de
posição dos músculos faciais, das sobrancelhas, da boca; tal como
os movimentos imperceptíveis, como a contração pupilar ou uma
ligeira transpiração (BRECAILO, 2012, p. 9).

As relações interpessoais, sem barreiras, proporcionam aos indiví-


duos, usuários da Libras, a capacidade de desenvolverem aspectos sociais
plenos e suas capacidades.

Através da linguagem o ser humano exterioriza seu pensamento


e se relaciona socialmente, nesse processo o entendimento surge
entre os sujeitos e, ao atuar comunicativamente, se relacionam, in-
teragem, utilizam suas interpretações transmitidas culturalmente

161
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

e modificam, simultaneamente, seu mundo objetivo, seu mundo


social e seu próprio mundo subjetivo (BRECAILO, 2012, p. 9).

Além disso, considerando os aspectos sociais, a Libras

[...] tornou-se o caminho para a abertura social do surdo e a intro-


dução do mesmo no sistema social através dessa língua de extrema
importância no desenvolvimento de uma identidade social (BRE-
CAILO, 2012, p. 4).

Além disso, o desenvolvimento social permite, ainda, a melhora nos


aspectos linguísticos e cognitivos. Nessa direção,

[...] a adoção de máscaras faciais tem efeitos documentados em dois


domínios cognitivos: o da linguagem (COREY; JONES; SIN-
GER, 2020; BOTTALICO, 2020) e o das emoções (CALBI et al.,
2020; CARBON, 2020; FREUD et al., 2020; MHEIDLY et al.,
2020), que, na interação são inter-relacionados” (BRANDÃO,
2022, p. 75).

Logo, as mudanças na sociedade, causadas pelo uso de máscaras, ten-


dem a dificultar o desenvolvimento dos Surdos, sobretudo dos bebês e das
crianças na primeira infância, uma vez que iniciam o desenvolvimento da
linguagem durante os primeiros anos de vida. Esta limitação traz conse-
quências para o desenvolvimento da compreensão da mensagem e dos de-
mais aspectos cognitivos e emocionais destinados à comunicação. Assim,
um processo adequado de comunicação permite que diversos segmentos
globais do desenvolvimento humano sejam trabalhados, como os sociais,
cognitivos, emocionais e linguísticos.

2.3. LIMITAÇÃO DE LEITURAS EMOCIONAIS CONTIDAS


NAS EXPRESSÕES FACIAIS

As capacidades comunicativas, desenvolvidas por meio da interação


com outros indivíduos, poderão ser potencializadas, à medida que o in-
divíduo explora todos os recursos que a Libras dispõe. Contudo, o uso de

162
FELIPE ASENSI (ORG.)

máscaras pode limitar estas interações, o desenvolvimento social, linguís-


tico e, por consequência, as leituras emocionais, presentes nos diálogos do
dia a dia.
O uso de máscaras limita a capacidade dos indivíduos usuários da
Libras de captarem, com precisão, as diversas leituras emocionais estabele-
cidas no processo comunicativo. Levando em consideração que a maioria
das emoções são expressas durante os diálogos, sobretudo no rosto, o uso
de máscaras prejudica a percepção de tais sentimentos.
Para Ekman (1992), estes sentimentos podem ser classificados basica-
mente, independente da cultura, em emoções de alegria, surpresa, medo,
nojo, raiva e tristeza. Pelphrey e LaBar (2007) consideram, com isso, a
relevância da dimensão social em nosso cotidiano e a capacidade de julgar
as expressões emocionais, desenvolvidas pelos indivíduos, um mecanismo
importante para a comunicação interpessoal de maneira eficaz.
A percepção das emoções contidas nas Expressões Faciais é estabele-
cida de maneira eficaz, na medida em que não há prejuízos para a codi-
ficação e decodificação da mensagem, tanto por quem a emite, tanto por
quem a recebe. Assim, as limitações impostas pelo uso de máscaras na co-
municação em Libras, ainda que parciais, contribuem significativamente
para a limitação do desenvolvimento das habilidades ligadas à linguagem,
sobretudo de crianças Surdas em idade escolar.
As interações, entre indivíduos, potencializam as capacidades comu-
nicativas, ao passo que o uso de máscaras limita as mesmas.

O pareamento dos gestos faciais que expressam emoções com


os gestos vocais que expressam linguagem em situações de inte-
ração é afetado pela adoção de máscaras porque a imposição de
uma barreira física no corpo, especificamente na área oro-facial,
impacta em demandas de adaptabilidade, tanto no reconheci-
mento de emoções, como na produção linguística (BRAN-
DÃO, 2022, p. 78).

Segundo Freitag e Shwarzer (2009), essa capacidade de reconheci-


mento das emoções, nas expressões faciais, está presente desde a infância e
continua a progredir ao longo de todo o desenvolvimento humano.

163
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Para Hess, Jr e Kleck (2004), há vidências suficientes que sugerem


que o reconhecimento de emoções faciais já se apresenta ao final do pri-
meiro ano de vida, quando bebês são capazes de discriminar as diferentes
expressões emocionais. Apontam, ainda, que é a partir dos três anos de
idade que as crianças conseguem reconhecer, identificar e nomear as emo-
ções faciais.
Rodger, Vizioli, Ouyang e Caldara (2015) pontuam que, mesmo ad-
quirindo maturidade da habilidade de reconhecer emoções em faces por
volta dos seis anos de idade, sugerem haver diferença de desempenho na
identificação para as diferentes emoções básicas, ou seja, à medida que o
indivíduo amadurece, sua percepção se modifica, aumentando sua capaci-
dade de identificação das emoções e seus sentidos.
As habilidades decorrentes do processo de leitura emocional são
prejudicadas pelo uso de máscaras e limitam o desenvolvimento da lin-
guagem dos indivíduos, afetando diferentemente cada um em cada etapa
diferente da vida. Assim, segundo o Parecer OPP (2020), o uso de más-
caras pode interferir com a comunicação e com a “leitura emocional”
do outro, mas isto não impede as pessoas de se comunicar, interagir e
compreender. As capacidades de comunicação e de percepção de emo-
ções são maximizadas, à medida que os indivíduos exploram todos os
recursos que a Libras dispõe.
O uso irrestrito da comunicação possibilita o desenvolvimento das
diversas leituras emocionais que são compartilhadas por meio das expres-
sões faciais. Em contrapartida, o uso de máscaras impossibilita a percepção
dos sentidos expressos, em sua totalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo diante da necessidade de implementação e uso dos mecanis-


mos de prevenção e combate à Covid-19, deve-se atentar aos seus impac-
tos causados no desenvolvimento cognitivo, emocional, social dos indiví-
duos Surdos, sobretudo nos que se encontram em fase escolar, em pleno
desenvolvimento de suas capacidades comunicativas. Com isso, neste ar-
tigo, buscou-se discutir as limitações causadas pelo uso de máscaras por
indivíduos Surdos na fase de alfabetização e letramento. Foi considerada

164
FELIPE ASENSI (ORG.)

para a discussão, a análise de aspectos ligados às barreiras física, fonoarti-


culatória e expressiva causadas pelo uso de máscaras de proteção durante
a pandemia.
Para isso, foi realizada uma pesquisa no Google Acadêmico para levan-
tamento de materiais sobre a temática, sobretudo neste período de covid.
Após a análise dos materiais foi estabelecida uma maior compreensão sobre
os efeitos do uso das máscaras sobre o processo de comunicação e desenvol-
vimento de crianças Surdas. A divisão em dois capítulos, a saber, A relação
das expressões faciais com a comunicação em Libras e Implicações no uso
de máscaras e as expressões faciais, possibilitou identificar comprometimen-
tos consideráveis para a comunicação de indivíduos Surdos.
O aspecto abordado no primeiro capítulo buscou esclarecer a relação
de dependência entre as expressões faciais e a Libras. Na sequência, o capí-
tulo seguinte buscou identificar as limitações impostas à comunicação em
Libras, causadas pelo uso de máscaras durante a pandemia entre os anos
de 2020 e 2022.
As possíveis consequências causadas por este período de dois anos de
pandemia podem refletir durante muito tempo. É provável que os prejuí-
zos advindos do uso de máscaras, sobre o desenvolvimento comunicativo
de crianças em idade escolar, se mostrem presentes durante muitos anos.
Profissionais ligados à educação e áreas correlatas têm desafio considerável
frente às demandas já identificadas e que se não forem interpostas, serão
potencializadas e agravadas com o passar dos anos.
Desse modo, considerando que as discussões sobre a temática ainda
são recentes e com pouca profundidade, acredita-se que muito ainda pode
ser explorado com a finalidade de possibilitar uma análise mais precisa
sobre os impactos do uso de máscaras, para o desenvolvimento de crianças
Surdas, durante esse período, além de alternativas interventivas que possi-
bilitem amenizar os efeitos negativos identificados.
Por fim, é evidente que o assunto não pode ser esgotado em uma
única discussão, considerando ainda todos os seus desdobramentos. Es-
tes poderão ser estudados em momento oportuno, seja por seus reflexos
sociais, educacionais, familiares, políticos, dentre outros. Considerando
sua relevância, torna-se preponderante a continuidade dos estudos sobre a
temática e de seus impactos sobre os Surdos, usuários da Libras.

165
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

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168
AUDIODESCRIÇÃO EM FILMES
CINEMATOGRÁFICOS: PERCEPÇÕES
POR USUÁRIOS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL
Érico Gurgel Amorim19

INTRODUÇÃO

A audiodescrição (AD) é um recurso de mediação linguística, inter-


semiótica e de acessibilidade comunicacional que permite a tradução de
impressões imagéticas em palavras (MIANES, 2016). Uma vez que o sig-
no visual passa a ser transposto para o verbal, preenche-se para o usuário
o fosso entre o audível e o imagético, em paralelo às demais informações
auditivas coexistentes, com a finalidade de gerar uma melhor compreen-
são da cena em curso (ACIEM; MAZZOTTA, 2015). Trata-se de uma
tecnologia assistiva que proporciona a ampliação da compreensão dos
usuários por meio da descrição objetiva e clara das informações visuais
(MONTEIRO; PERDIGÃO, 2020; CARVALHO, 2017), além de ad-
mitir a incorporação de elementos de intencionalidade por meio da ex-
pressividade poética e sensibilidade para melhor experiência estética do
produto audiovisual (SANTOS; SILVA; FARIAS, 2017).

19 Doutor em Saúde Coletiva. Docente da Escola Multicampi de Ciências Médica da Univer-


sidade Federal do Rio Grande do Norte.

169
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Por meio da audiodescrição, pessoas com deficiência visual, cegas ou


com baixa visão, podem ter acesso e compreender às informações visuais
com maior autonomia e abrangência, levando à ampliação do repertório
sociocultural, promovendo e potencializando a inclusão social. Além das
pessoas com deficiência visual, beneficiam-se diretamente do recurso de
audiodescrição pessoas com deficiência intelectual, pessoas com espectro
autista, pessoas com dislexia, com déficit de atenção, pessoas não alfabe-
tizadas e idosos (TAVARES, 2019; MOTTA; ROMEU FILHO, 2010).
A técnica da audiodescrição surgiu, foi aperfeiçoada e sistematizada
nos Estados Unidos da América entre as décadas de 70 e 80 do século XX
por Gregory Frazier. No Brasil, o primeiro relato de sua utilização foi em
1999 no Centro Cultural Louis Braile, em Campinas, com maior impulso
após 2003, quando passou a ser utilizado no cinema (MOTTA; ROMEU
FILHO, 2010).
A AD Fornece informações complementares sobre onde, quem, o
quê e como do que se passa em qualquer conteúdo audiovisual (MASZE-
ROWSKA; MATAMALA; ORERO, 2014). Ela pode ser oferecida ao
vivo, simultânea ou gravada, em ambientes fechados ou abertos, a todo
e qualquer produto ou atividade cultural, artística, educacional científica
ou de entretenimento, tais como filmes, peças de teatro, programas de
rádio e TV, exposições, mostras, fotografias, pinturas, esculturas, musi-
cais, shows, óperas, concertos sinfônicos, desfiles e espetáculos de dan-
ça; eventos turísticos, esportivos, pedagógicos ou científicos como, por
exemplo, aulas, seminários, congressos, palestras, feiras, além de eventos
sociais como festas, casamentos, funerais, parto etc. (MOTTA; ROMEU
FILHO, 2010; MIANES, 2016).
A modalidade de audiodescrição voltada para filmes cinematográficos
é o tipo pré-gravada e mixada em estúdio junto à faixa de áudio original
(ADERALDO; CHAVES, 2017). Ela é inserida entre as falas dos perso-
nagens e permite que a pessoa com deficiência visual receba as informa-
ções sobre as paisagens, os cenários, a arquitetura da cidade, as ruas, os
figurinos, as personagens, suas expressões faciais, a linguagem corporal, a
quantidade de pessoas nas cenas, a movimentação de personagens e tam-
bém as referências de mudança de tempo e espaço, se anoiteceu ou ama-
nheceu, se os personagens mudaram de lugar, se estão dentro ou fora da

170
FELIPE ASENSI (ORG.)

cena, os movimentos de câmera, efeitos especiais, cenas em preto e branco


que representam flashbacks etc. (MACHADO, 2015; SILVA, 2009).
A narração profissional feita em estúdio é indispensável para a carac-
terização e ajuste aos diversos gêneros cinematográficos (ADERALDO;
CHAVES, 2017). Elementos como volume e entonação da voz e velo-
cidade da fala do narrador exigem que este esteja atento à sequência do
filme e às deixas do roteiro de audiodescrição, o que requer experiência e
preparação por parte do audiodescritor (MACHADO, 2015).
Além do audiodescritor narrador, a equipe responsável pela produção
da audiodescrição é composta pelos audiodescritores roteirista e consul-
tor. Com frequência, integram também diretores e editores de vídeo e de
áudio. Todos esses profissionais deverão ter formação específica em audio-
descrição para melhor oferecer um produto audiodescrito com qualidade,
pertinência, eficácia e funcionalidade (SÁ, 2015).
O consultor em audiodescrição, também denominado de audiodes-
critor consultor ou revisor de audiodescrição, é um profissional capacita-
do necessariamente com deficiência visual, cego ou com baixa visão, que,
por meio de feedback especializado sob o ponto de vista dos usuários do
recurso, avalia a pertinência e a qualidade do roteiro de audiodescrição.
Com isso, ele tem um importante papel no incremento para a qualidade,
pertinência e compreensibilidade do produto audiodescrito, estando pre-
sente em todas as etapas de sua elaboração, divulgação, execução e pós-
-produção (MIANES, 2016; SÁ, 2015).
Sá (2015) complementa que por meio da consultoria em audiodescri-
ção imprime-se a voz das pessoas com deficiência visual que percorreram
da posição de usuário do serviço a habilitado para colaborar com a pro-
dução de um produto audiovisual acessível e de qualidade, minimizando
doravante as possíveis falhas de adequação. Além de analisar as descrições
feitas sobre personagens, cenário, objetos, os consultores podem colaborar
com a melhor forma de descrever ambientes internos e externos, paisa-
gens, iluminação, o modo pelo qual personagens e cenas são apresentadas,
etc., atentando-se para a minimização do excesso de palavras e para o rit-
mo mais adequado da narração (MACHADO, 2015).
Como uma forma recente e emergente de tradução intermodal, a AD
levanta muitas novas questões para os Estudos da Tradução e disciplinas

171
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

relacionadas. Isso faz com que ela necessite urgentemente de uma base in-
terdisciplinar orientada para a pesquisa e que inclua as vozes dos usuários
deste serviço (BRAUN, 2008), contribuindo para o seu aprimoramento
e divulgação.
Nesse sentido, o presente estudo objetiva investigar as percepções
de usuários com deficiência visual sobre a audiodescrição, com vistas a
subsidiar o entendimento sobre as potencialidades e os desafios da au-
diodescrição na atualidade, contribuindo para implementação de po-
líticas públicas e aplicação da referida técnica nos diversos dispositivos
socioculturais.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório com abordagem qualitativa reali-


zada em abril de 2021. O público-alvo desta pesquisa foram pessoas com
deficiência visual residentes no município de Natal-RN e que passaram
por serviço de reabilitação, o Instituto de Educação e Reabilitação de ce-
gos do Rio Grande do Norte (IERC). Trata-se de uma sociedade civil
de direito privado sem fins lucrativos de utilidade pública em reabilitação
da pessoa com deficiência visual, cega ou com baixa visão. Além da ha-
bilitação e reabilitação, o IERC possui papel socioeducativo com ofer-
ta de atividades de lazer, desporto, aulas de informática, de música etc.,
proporcionando oportunidades para o acolhimento, o desenvolvimento
pleno, o preparo profissional, inclusão social e autonomia de seus usuários
(AMORIM, 2021).
Considera-se deficiência visual o comprometimento da visão capaz
de interferir com a capacidade do indivíduo realizar suas atividades coti-
dianas, seja por redução na acuidade visual ou no campo visual, que não
pode ser totalmente melhorada com o uso de óculos ou cirurgia. Ela pode
ser caracterizada como moderada, grave ou profunda, esta última equi-
valente à cegueira total (ZARETSKY; FLANAGAN; MOROZ, 2010).
Essa condição de não ver impele o sujeito a uma necessidade de aprender
novos recursos, como táteis e olfativos, mas sobretudo auditivos e pro-
prioceptivos para fins de incrementar a dimensão funcional da vida (KAS-
TRUP, 2015).

172
FELIPE ASENSI (ORG.)

O contato com os entrevistados se deu via e-mail, quando foi en-


viado um convite para participação, a garantia do anonimato e o roteiro
de entrevistas semiestruturado. Para fins de garantia do anonimato foram
empregados pseudônimos de autores consagrados da literatura brasileira
de reconhecido mérito literário por suas produções, a saber: Guimarães
Rosa, José de Alencar e Clarice Lispector.
O roteiro de entrevistas foi elaborado pelo autor e foi solicitado aos
entrevistados que respondessem livremente após assistirem ao curta-me-
tragem de ficção com audiodescrição Louça suja se lava em casa, de di-
reção de Raoni Reis e produção de Ver com palavras, com duração de
18 minutos e 8 segundos, disponível no link: https://www.youtube.com/
watch?v=FKrmWAAMmTw&t=48.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistados dois homens com idade compreendida entre 34


e 45 anos e uma mulher com idade de 38 anos. O grau da deficiência vi-
sual de todos é status de equivalência à cegueira total. Dois deles têm de-
ficiência adquirida na vida adulta e 1 tem deficiência congênita. Quanto
a suas ocupações, um deles é bacharel em psicologia e servidor municipal,
um é servidor federal e técnico em análise de dados e um é bacharel em
direito. Dois deles têm união estável e 1 é solteiro e mora com a mãe.
A primeira pergunta do roteiro versou sobre a familiaridade ou não
dos entrevistados quanto a já terem assistido a algum filme ou espetáculo
com a técnica de audiodescrição. Nesse ponto, todos os entrevistados afir-
maram ter familiaridade com a mesma, seja em filmes, documentários ou
peças teatrais, tendo sido mencionada a TV aberta por um deles, o teatro
por outro e a plataforma de streaming por assinatura pelo terceiro como
veículo prioritário para o acesso ao recurso.
Um deles referiu lidar diariamente com o recurso, enquanto outro de
modo mais esporádico, sem uma periodicidade bem definida e o terceiro,
raramente. Quanto ao tempo em que utilizam o recurso, os três referiram
ter tido contato pela primeira vez há mais de 5 anos. O último contato
com o mesmo variou entre poucos dias há alguns anos.

173
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Quanto ao que acham da referida técnica, todos eles referiram perce-


ber a importância dela. Um deles referiu boa impressão, ser útil, funcional
e que traz uma imersão diferenciada do expectador com deficiência visual,
porém refere percepção de alguns erros eventuais no sentido da anteci-
pação de situações nas cenas e afins. Outro entrevistado destacou que se
trata de um recurso adicional que serve para completar o entendimento
global e pormenorizado da obra.
Ao questionar o modo como costuma assistir a um filme, o entrevis-
tado Guimarães Rosa esclarece:

Se não houver o recurso da audiodescrição, apenas ouvindo, o que


obviamente traz perdas importantes acerca do conteúdo da trama.
Em estando com uma pessoa dotada da visão, esta, a pessoa, costu-
ma trazer parcial descrição dos ocorridos, o que é interessante, mas
claro, não substitui por completo uma boa audiodescrição.

O termo autonomia tem origem grega e significa autos (próprio) e


nomos (regra, autoridade ou lei) e frequentemente refere-se a como a
pessoa com deficiência visual conduz suas “próprias regras” ou assume
sua “própria autoridade” para organizar sua vida pessoal e social. Para es-
sas pessoas, a autonomia poderá ser avaliada nas atividades da vida diária
(AVD), no esporte, no lazer, na cultura, na vida emocional, na locomoção
ou deslocamento, no estudo, no trabalho etc. Ademais, a audiodescrição
de serviços de audiodescrição garante o acesso à informação e contribui
para o resgate e usufruto da autonomia (ACIEM; MAZZOTTA, 2015).
Mcclure e Leah (2020) advertem que para se alcançar autonomia e
cumprir alguns objetivos em muitas ocasiões é preciso o apoio de outras
pessoas e tecnologias. Isso se traduz no contexto de engajamento social e
conectividade, indispensáveis à vida humana, nos diversos ambientes e re-
lações estabelecidas, traduzindo-se em melhorias para a qualidade de vida.
Em referência à audiodescrição inserida no curta metragem assistido,
Guimarães Rosa achou-a “ponderada, com a voz em um tom agradável,
confortável e que não gera quaisquer desconfortos”. Segundo ele, chama
a atenção o fato de haver uma razoável quantidade de entradas da audio-
descrição. “Como há muitas cenas eminentemente visuais, por vezes a

1 74
FELIPE ASENSI (ORG.)

sensação foi a de que se tratava quase que de uma ‘radionovela’, guarda-


das as devidas proporções e possível exagero da minha percepção pessoal”
(GUIMARÃES ROSA).
As radionovelas surgiram e ocuparam lugar de destaque popular nas
décadas de 40 e 50 do século XX, período conhecido como os anos dou-
rados da rádio brasileira. Elas permitem à imaginação complementar a
ausência de imagens cabendo ao ouvinte utilizar o recurso da imaginação
(CALABRE, 2007).
Quanto ao tempo e sincronias das falas do audiodescritor narrador
e os áudios nativos, José de Alencar refere desagrado com a sobreposição
que percebeu na passagem dos créditos. Segundo ele, “os diálogos, quais-
quer que sejam, devem ser preservados por pertencer ao produto origi-
nal”, discordando, portanto, das entradas de audiodescrição simultâneas
aos momentos de falas (JOSÉ DE ALENCAR).
Para Tavares (2019), a sobreposição de uma voz com uma unidade
descritiva pode ser uma solução necessária em certas circunstâncias, como
é o caso de uma ação considerada fundamental que ocorra durante a fala
de um personagem, por exemplo. Todavia, nessas ocasiões, deve-se captar
o momento menos prejudicial à compreensão da cena e buscar resguardar
a orientação primordial de soberania do diálogo no filme, sem prejuízos à
fruição do receptor.
Clarice Lispector também achou adequada a audiodescrição, elogiou
a mesma e apontou a qualidade do tom e da altura da voz da audiodescri-
tora narradora e das descrições das cenas. Em sua opinião, sentiu falta da
audiodescrição do conteúdo dos bilhetes deixados por Januário a Vanda.
A voz do audiodescritor narrador deve ser adequada quanto à velo-
cidade, volume e entonação, apropriados ao gênero e ritmo do que está
sendo narrado. Ela deverá ajudar a explicar a história, reconhecer os per-
sonagens, as descrições dos conteúdos, a mudança de tempo e espaço, as
legendas etc. (MACHADO, 2015).
Por fim, ao indagar sobre como o recurso de audiodescrição pode ser
mais bem aproveitado pelas pessoas com deficiência visual, os entrevista-
dos esclarecem:

Eu diria que inicialmente, esta informação precisa ser cada vez


mais difundida. Há muitos deficientes visuais que se quer sabem

175
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

da existência deste tipo de possibilidade. E, a partir deste conhe-


cimento e da experiência diferenciada, creio que os próprios defi-
cientes passarão a colaborar com o aperfeiçoamento da audiodes-
crição, gerando um aproveitamento mútuo, entre quem produz e
quem usufrui deste relevante recurso (GUIMARÃES ROSA).

A audiodescrição deve ser mais divulgada, bem como, os equi-


pamentos de televisão devem ter facilitado o acesso aos menus de
áudio com tecla dedicada no controle remoto. Já que, nem todos os
aparelhos de tv possuem uma tecla no controle para selecionar os
menus de audiodescrição (JOSÉ DE ALENCAR).

É preciso mais investimentos e que haja mais espetáculos no teatro,


que sejam mais divulgados e que o poder público possa incentivar
cada vez mais (CLARICE LISPECTOR).

Segundo Levy (1996, p. 51), a arte representa o ápice da humanida-


de, uma vez que ela potencializa a capacidade criadora, a significação, a
expressão emocional, as sensações íntimas da subjetividade. Ela permite
liberar a energia afetiva que ajuda a superar o caos cotidiano, lançando
novos olhares sobre o mundo e sobre os modos de se constituir. De modo
complementar, Ortega y Gasset (2005) advoga o elo entre o homem e a
vida social que a arte constitui, uma vez que a partir dela expressam-se
reflexões e explicações dos problemas vividos pelos autores de uma deter-
minada época.
Dada a forte presença e significado que os filmes têm na vida das
pessoas, a audiodescrição se faz crucial para a fruição das obras por quem
as utiliza, uma vez que a pessoa com deficiência visual tem o direito à
acessibilidade comunicacional e o acesso aos recursos de acessibilidade em
vídeos e filmes. Desse modo, ao se garantir uma técnica em audiodes-
crição adequada, com uma linguagem dentro da poética da obra, com
vistas à transmissão dos sentimentos que podem ser evocados, a pessoa
com deficiência visual poderá se beneficiar de um melhor entendimento
e imersão cultural.
A Lei da Acessibilidade (BRASIL, 2000), sancionada em dezembro
de 2000, regulamenta a obrigatoriedade da audiodescrição no Brasil. To-
davia, sua exigibilidade recai apenas quanto aos meios de comunicação,

176
FELIPE ASENSI (ORG.)

apenas o televisivo, estando o cinematográfico de fora de tal regulamenta-


ção. Isso contraria diretamente o decreto legislativo 186 de 2008, que ao
aprovar a Convenção dos direitos da pessoa com deficiência reconhece e
preconiza o direito de acesso e participação das pessoas com deficiência
à vida cultural, em formato acessível, incluindo programas de televisão,
cinema, teatro e outras atividades culturais (BRASIL, 2008).
Portanto, percebe-se que o direito à acessibilidade comunicacional
e cultural é salvaguardado pela Constituição, porém ainda é pouco ope-
racionalizado e muito pouco difundido. Ele passa pelo acesso e usufruto
à audiodescrição nos seus diversos contextos de utilização, tornando-se
uma necessidade humana ao usufruto da cidadania, ao direito de per-
tencer e de interagir com o mundo que nos cerca. Sua defesa recai em
todos nós, deficientes visuais ou não, conscientes de tal contribuição para
a experiência profunda do usuário da audiodescrição, fazer emergir um
conjunto de ações e de práticas que garantam o seu desfrute de modo am-
pliado e com sua disponibilidade gradualmente ampliada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foi possível aferir as percepções de usuários com de-


ficiência visual sobre a técnica de audiodescrição, suas potencialidades e
desafios. Ficou estabelecida a sua relevância no sentido de melhor fruição
estética do produto audiovisual audiodescrito pelos entrevistados, bem
como a necessidade de sua ampliação como recurso de acessibilidade co-
municacional e veículo à inclusão social.
Diversos são os contextos de aplicação da audiodescrição, desde a au-
diodescrição de imagens, de obras de arte e de fotografias, à audiodescri-
ção no teatro, no cinema, em espetáculos musicais, em eventos culturais,
esportivos etc. Com isso, fica nítida a amplitude dos meios em que a au-
diodescrição pode ser incorporada, difundida e valorizada para tornar a
acessibilidade uma realidade praticada por pessoas com ou sem deficiência
visual, em respeito à diversidade de todos nós.
Com isso, o estudo da audiodescrição, no contexto de suas aplica-
ções, desafios, resultados e percepções, poderá subsidiar uma melhor
compreensão sobre essa modalidade de comunicação e de inclusão, susci-

177
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

tando mudanças nas práticas e na valorização da diversidade humana. No-


vos estudos que apontem percepções de usuários com deficiência visual de
diversos graus e outros tipos de deficiências, perspectivas regionais e que
incidem sobre os diversos gêneros cinematográficos, poderão contribuir
para um melhor entendimento das lacunas e necessidades de aperfeiçoa-
mentos e consolidação da técnica de audiodescrição como vetor para in-
clusão social e de um mundo mais justo.

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181
SE SABE DE REPENTE NA CACIQUE
DOMINGOS: UMA LEGÍTIMA
PROPULSÃO DE PROTAGONISTAS
Emerson Felipe da silva20

INTRODUÇÃO

Depreender ou mensurar se o protagonismo juvenil em uma esco-


la pública está empreendido, não utilizando uma ótica míope, pode apa-
rentar ser missão árdua, essencialmente no chão de uma escola indígena.
Todavia, quando compreendemos que está imbricado vorazmente, em
alguns discentes, o desejo de alcançar degraus maiores, logo, distintos, es-
taremos aptos para afirmar a presença pontual desse protagonismo.
Socializar como um projeto exitoso de protagonismo juvenil, implan-
tado pela Secretaria de Estado de Educação e agraciado pelo educandário
e professor articulador, na Escola Estadual Indígena de Ensino Funda-
mental e Médio Cacique Domingos Barbosa dos Santos, conseguiu reve-
lar inúmeros alunos protagonistas está no comprometimento deste artigo.
A temática abordada perpassa pelo apresentar como o projeto Se Sabe
de Repente, da Escola Indígena Cacique Domingos, pode ser considerado
impulsionador para a formação e consolidação do protagonismo, no pe-
ríodo de 2017 a 2019, na educação escolar indígena.

20 Pedagogo e Profissional da Educação Física. Doutorando em Ciências da Educação (FICS).


Supervisor Escolar da Rede Municipal e Docente da Educação Escolar Indígena no Governo
da Paraíba.

182
FELIPE ASENSI (ORG.)

Apresentar ações e feitos que contribuíram para a consolidação de


alunos em protagonistas, destaques dessa instituição de ensino, comuni-
dade, município e região, refletindo sobre as possíveis habilidades e com-
petências apreendidas ao longo da estada no projeto Se Sabe de Repente e
publicitar exemplos de superação e talento em suas mais distintas realida-
des, em dias hodiernos, está proposto enquanto objetivo deste.
Amparados por uma essencial revisão bibliográfica, enveredamos pela
modalidade relato de experiência, em que conseguimos, através do Goo-
gle Forms, formulário da Google, concretizar um questionário fechado e
colher dados junto aos alunos que estiveram frequentando o projeto, na
supracitada unidade de ensino, ao longo do período informado.
Além da presente introdução, teremos o capítulo inicial ‘a realidade
do projeto no estado da Paraíba e na Escola Indígena Cacique Domingos’;
o capítulo final ‘As fases de consolidação de talentos hercúleos; as consi-
derações que jamais serão finais, pois pretendemos escrever com maior
amplitude perante a temática; e as referências.

1. A REALIDADE DO PROJETO NA PARAÍBA E NA


ESCOLA INDÍGENA CACIQUE DOMINGOS

Um projeto que objetiva desenvolver espaços pedagógicos de dis-


cussões e ações de inúmeras temáticas importantes para os escolares da
rede estadual, nesse caso específico aos jovens indígenas Potiguara, pos-
sibilitando formas próprias de interação, expressão e participação das
diferentes juventudes na sociedade, incentivando e reafirmando o pro-
tagonismo juvenil.
Existe uma relação intrínseca e relevante entre democracia e educa-
ção clamando a responsividade dos atores escolares para que permitam
uma participação efetiva do jovem como protagonista que possa garantir
uma visão diferenciada ao educando ao proporcionar experienciar a teoria
na comunidade que vive (ANJOS et al., 2021, p. 232).
Esse experienciar ou vivenciar está sendo para minha pessoa de gran-
de valia na comunidade indígena da Aldeia Jaraguá frente ao que esteve e
está sendo desenvolvido enquanto ações do Projeto Se Sabe de Repente
na Escola Indígena Cacique Domingos. Já aos protagonistas, nomencla-

183
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

tura que utilizo para me referir aos alunos com passagem no projeto, acre-
dito que os dados e o texto trarão respostas significativas.
Ainda em abril de 2013, o Governo da Paraíba lançava o Projeto de
Apoio à Expressão Juvenil “Se Sabe de Repente”. Com nome disseme-
lhante, até ousado, o projeto foi uma iniciativa da SEE (Secretaria de Esta-
do da Educação), atualmente SEECT (Secretaria de Estado da Educação,
Ciência e Tecnologia) em parceria com outras secretarias e demais repre-
sentações do poder público e sociedade civil.
Naquele cenário inicial do projeto, há aproximadamente 10 anos, foi
destinado aos estudantes do Ensino Médio Regular e Ensino Médio da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), localizadas apenas em quatro muni-
cípios, em Gerências Regionais de Ensino (GRE) distintas, com aproxi-
madamente 50 unidades de ensino. Realidade essa que sofreu considerá-
veis alterações até seu último ano de existência, em 2019, dentre as quais
destacamos: Implementação em todas as 14 GREs, alteração do público-
-alvo, admitindo também estudantes das turmas do 8º e do 9º anos do
ensino fundamental, maximização de unidades de ensino ofertantes do
projeto, dentre outras.
Pertinente ressaltar que na 14ª GRE Mamanguape, gerência há qual a
Escola Indígena Cacique Domingos está inserida, o projeto chegou apenas
no ano de 2017, ano esse que tal educandário fora contemplado. Recordo-
-me que quando apresentado pela gestão escolar para seleção do profissio-
nal da educação para ser o professor articulador, nenhum dos meus pares
aceitou aquele desafio, então, sem titubear me prontifiquei a aceitar com
a condição de iniciar as atividades apenas após a fase regional dos JEPPB
(Jogos Escolares e Paraescolares da Paraíba), evento também do governo
estadual do qual estava coordenador pela primeira vez, e, assim, iniciava
uma das missões mais nobres em minha trajetória no sacerdócio docente.
Então, cabe evidenciar que muito provavelmente o apoio da gestão
escolar e minha presença enquanto professor articulador fizeram com que
o Se Sabe de Repente na Escola Indígena Cacique Domingos, projeto ex-
tinto na Paraíba após o ano letivo 2019, muito provavelmente pelos efeitos
da pandemia da Covid-19 na educação escolar, fosse o único em atuação
ininterrupta independente do ensino remoto presente nos anos 2020 e

184
FELIPE ASENSI (ORG.)

2021, do não funcionamento nas demais escolas da rede estadual e da au-


sência da bolsa antes recebida pelos docentes.
A escola indígena em ênfase está situada na Aldeia Jaraguá, zona rural
do município de Rio Tinto – PB, na qual leciono há mais de 15 anos,
atualmente profissional da educação dos componentes curriculares educa-
ção física e projeto de vida. Essa unidade de ensino é uma das onze escolas
da categoria educação escolar indígena mantidas pelo governo do Estado
da Paraíba, subdivididas em três municípios do litoral norte, sendo Rio
Tinto, Marcação e Baía da Traição. Todas as escolas atendem, preferen-
cialmente, indígenas da etnia Potiguara.

1.1 O SURGIMENTO DO PROJETO, O ENTUSIASMO E


OS DIAS HODIERNOS

Devido ao ano 2013 ser o marco inicial do projeto nas escolas, con-
forme mencionei anteriormente, provavelmente remete-me ao fato de
vislumbrar uma antecipação ao pregar tanto a BNCC (Base Nacional Co-
mum Curricular), quanto o NEM (Novo Ensino Médio) frente ao prota-
gonismo, pois, essa palavra de origem grega, protagonismo, está bastante
presente na base curricular e nesse moderno ensino médio.
Conforme afirma Clear (2019, p. 256): “Ser curioso é melhor do
que ser inteligente.” Então, a nomenclatura do projeto, a proposta ar-
rojada em abordar o protagonismo enquanto ideia central e essa an-
tecipação comentada frente ao BNCC e ao NEM são elementos, no
mínimo, instigantes para aguçar a curiosidade e entender a essência do
Se Sabe de Repente.
Necessito afirmar que aqui jamais conseguiríamos aludir todo o en-
redo do projeto na mencionada escola, então, como em janeiro de 2022
ocorreu um evento nomeado ‘Reencontro dos Protas’, solenidade provo-
cada pela equipe remanescente do projeto durante esses árduos dois anos
2021 e 2022 de pandemia da Covid-19, objetivando apresentar aos prota-
gonistas egressos ou transferidos do educandário que o projeto não apenas
resistiu aos dias difíceis vivenciados implantando um corajoso e audacioso
projeto ambiental, mas, também, pela gratidão e reconhecimento aos pri-
meiros discentes que constituem o início da história.

185
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Então, ao receber o convite impresso ou virtual desse aguardado


evento, todos os protagonistas, inclusive aqueles que não residem mais na
aldeia ou estado, foram solicitados que respondessem um formulário da
Google, através do WhatsApp, onde justamente conseguimos coletar os
dados de todos os 39 protagonistas que passaram pelo projeto nas turmas
de 2017, 2018 e 2019.
A ousadia do governo socialista na Paraíba, em 2013, ao instaurar um
projeto exclusivamente voltado para trabalhar o protagonismo nas turmas
de ensino médio e turmas do último ciclo do ensino fundamental, sem
sombra de dúvidas, foi atitude digna de aplausos. Mesmo que aqui na
14ªGRE veio se instalar apenas quatro anos mais tarde, fizemos questão
de indagar esses alunos sobre o fato de eles recomendarem o projeto para
outros alunos nesse ano de 2022 que estaria a iniciar.

Gráfico 1: O recomendar do projeto

Janeiro/2022. Fonte: autor.

Os dados asseverando uma palatável super-recomendação e reco-


mendação são valorosos tanto para os estudantes dessa escola que estão
regressando ao ensino híbrido e/ou presencial no educandário, uma vez
que nos anos 2020 e 2021 por decisão da comunidade escolar as aulas

186
FELIPE ASENSI (ORG.)

foram totalmente remotas em detrimento ao vírus da Covid-19, quanto


para analisarmos um legítimo atestado de competência do projeto imple-
mentado na Cacique Domingos.
Quando a engrenagem do projeto estava sólida, aqui devemos enten-
der tal engrenagem como sendo o praticar das temáticas recomendadas
nos módulos da cartilha somado às inovações dos procedimentos meto-
dológicos adotados pelo professor articulador, obtive um feeling extrema-
mente positivo não apenas da comunidade escolar, mas, sobretudo, da
GRE (Gerência Regional de Ensino) devido aos métodos e conteúdos
utilizados.

Gráfico 2: O professor articulador

Janeiro/2022. Fonte: autor.

Ao observar o gráfico, vejo que, apesar da indagação referendar exclu-


sivamente o professor articulador, acredito que essa responsabilidade deve
estar dividida com a gestão escolar, coordenação pedagógica e secretaria
escolar por aceitar o aguardar de minha pessoa para iniciar as ações em
2017 e contribuir enquanto parceira em todos os momentos até os dias
hodiernos, e, essencialmente, com todos aqueles que contribuíram direta
e indiretamente pelo sucesso do projeto.

187
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Ressaltamos aqui que sempre foi utilizado, através do seu professor


articulador, em todos os anos do projeto, o método adição por subtração,
ou seja, metodologia comumente utilizadas por empresas e equipes para
concretizar a remoção de pessoas objetivando tornar a equipe mais forte.
Então, apesar de praticamente dois anos letivos inteiros de aulas re-
motas, o professor articulador continuou firme com os protagonistas do
projeto, não deixando apagar aquela chama, pois em pouquíssimos dias
que antecederam a suspensão das aulas, em 18 de março de 2020, já ha-
viam sido realizadas algumas ações do projeto, como entrega dos novos
fardamentos, fotos individuais e coletivas e ação de reflorestamento na Al-
deia Mont Mor.
Todavia, os estudantes estavam em janeiro de 2022, praticamente
dois anos distantes da escola, realidade distinta daqueles que compõem
o projeto Se Sabe de Repente, que estavam vivenciando semanalmente
em 2021 encontros presenciais voltados ao projeto de Reflorestamento,
Conscientização e Conservação, daí aventuramos em construir e realizar
o “Reencontro dos Protas”, ação de reencontro de todos os protagonistas
que fizeram ou fazem parte dessa história.

Gráfico 3: Convite para o reencontro dos protagonistas

Janeiro/2022. Fonte: autor.

188
FELIPE ASENSI (ORG.)

Os dados apresentam que de todos os 39 estudantes que responderam


apenas 2 declararam não querer participar do evento e outros preferiram
evitar emitir opinião. Portanto, tais dados serviram de combustível para
consolidar uma proposta que já estava pronta para ser executada, tencio-
nando fazer história em um ano letivo que clamávamos por dias melhores.
Apesar do encerramento do projeto na rede estadual, aquele dia 11
de janeiro, dia do evento Reencontro dos Protas na Escola Indígena Ca-
cique Domingos, foi mais uma prova cabal que o projeto é essencial ao
educandário e comunidade escolar, como também sua continuidade deve
provavelmente render mais safras privilegiadas de protagonismo.

1.2 A ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA CACIQUE
DOMINGOS E A ANÁLISE SWOT DO PROJETO

A Escola Estadual Indígena Cacique Domingos é uma unidade de


ensino que oferta toda a educação básica na modalidade de ensino edu-
cação escolar indígena, além de ofertar os ciclos do ensino fundamental
e médio da EJA (Educação de Jovens e Adultos). Funciona nos três ho-
rários com espaço físico precário. Mas o profissionalismo dos profissio-
nais da educação e demais funcionários, somado ao fato de o alunado
manter uma postura respeitável, possibilita uma relação ensino-apren-
dizagem considerável.
O Se Sabe de Repente nessa unidade de ensino conseguiu tornar-
-se referência para a GRE devido as suas ações e relatórios plurais; para
a gestão escolar e coordenação pedagógica por tornarem-se um aliado
que promove benfeitorias constantes; para a comunidade escolar devido
às inúmeras propostas, feitos e façanhas; para o professor articulador por
oportunizar rever constantemente e diversificar sua prática pedagógica; e
aos alunos do projeto por internalizarem o ato de protagonizar.

189
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Gráfico 4: Aprendizagens do projeto

Janeiro/2022. Fonte: autor.

O gráfico acima apresenta um resultado coerente com a narrativa do


parágrafo anterior, uma vez que 36 estudantes afirmaram que as aprendi-
zagens advindas do projeto Se Sabe de Repente somam ou somaram em
sua vida pessoal, profissional e/ou acadêmica.
Diante do exposto sinto-me na obrigação de efetuar uma narrativa de
uma das ações que analiso, enquanto ser humano, que foi essencial para o
conteúdo da educação socioemocional, conteúdo esse presente em todos
os módulos da cartilha do projeto.
Os protagonistas do Projeto Se Sabe de Repente, no dia 05 de novembro
de 2019, visitaram o Hospital Napoleão Laureano, referência no tratamento
do câncer, conduzindo dezenas de brinquedos e produtos de higiene arreca-
dados numa gigantesca rede de coletas junto aos profissionais da educação,
discentes e comunidade escolar. Ainda cabe ressaltar que os espaços concedi-
dos nos veículos de comunicação Interação FM e Correio do Vale FM, emis-
soras de rádios aqui da região, também contribuíram bastante para a ação.
O encontro com uma turma de Pedagogia do município de Bana-
neiras, a atenciosa equipe da CAGEPA (Companhia de Água e Esgotos
da Paraíba), o Spider-Man JP, Lurdinha Bom Te Ver (munícipe e conse-
lheira tutelar), dentre tantos outros voluntários fora muito enriquecedor.
Ficou evidente que outras instituições e pessoas físicas também estavam
prestando seu apoio utilizando formas distintas.

190
FELIPE ASENSI (ORG.)

A protagonista e aluna da 2ª série do ensino médio Lissandra Rodri-


gues ponderou, em entrevista ao blog da escola:

Poder vivenciar um momento ímpar desse como estudante da rede públi-


ca, protagonista do Se Sabe de Repente e, principalmente, como cidadã,
deve ser considerado algo sem adjetivos, pois, desde o início da campanha
que estamos entusiasmados e, na visitação, conhecer o trabalho de Lurdi-
nha (Bom Te Ver) e outros diversos voluntários que realizam de maneira
magnífica essas legítimas correntes do bem, como também, contribuir
numa causa tão justa e ter contato com aquelas crianças, verdadeiros super
heróis e heroínas, me fez um ser humano melhor.

Não obstante, outros inúmeros fatos relevantes poderiam ser


narrados aqui, mas enquanto professor articulador sempre fiz questão de
ressaltar que um dos segredos do sucesso do projeto no educandário é
a regular utilização da análise SWOT, assim dizendo e/ou traduzindo,
Strengths: pontos fortes; Weaknesses: pontos fracos; Opportunities:
oportunidades; e Threats: ameaças. Uma vez que quando sintetizados e
trabalhados esses quatro elementos o planejamento sempre foi mais eficaz.

Gráfico 5: A contribuição do projeto

Janeiro/2022. Fonte: autor.

O projeto conseguiu transmitir tal ideia de transformar o aluno não


apenas para os próprios discentes conforme explícito no gráfico, mas a co-
191
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

munidade escolar logo reconheceu esses protagonistas porque além de trajar


aquele fardamento, verde bandeira, destacando-os inclusive dos demais alu-
nos nos eventos estaduais do projeto, também estavam sendo reconhecidos
pelo brilhantismo em cada ação, apresentação ou projeto concretizado.
Segundo Shinyashiki (2012, p. 77), “Na vida, só há uma coisa pior
do que estar no caminho errado: é estar no caminho errado com certe-
za”. Por isso a necessidade reconhecer a importância da análise SWOT,
também, em uma equipe repleta de alunos que necessitam protagonizar.
Justamente, por isso, alguns ficaram pelo caminho ou não conseguiram
entender a mensagem do caminhar na estrada correta.
Objetivando consolidar a ideia de mudança discente no torná-lo me-
lhor, maior, capaz, enfim, protagonista, os diversos caminhos percorridos
em distintas áreas devem ser considerados virtude, mas vivências distintas
da educação escolar podem estar sempre sendo rememoradas, tais como:
visitação à comunidade quilombola Caiana dos Crioulos em Alagoa Gran-
de; visitação à aldeia indígena Tabajara no litoral sul da Paraíba; visitação
à aldeia indígena Potiguara no Estado do Rio Grande do Norte; visitação
e doação de brinquedos e donativos para crianças com câncer no Hospital
Napoleão Laureano em João Pessoa; e concretizar eventos e projetos edu-
cacionais, ambientais, esportivos e culturais para a comunidade escolar.

Gráfico 6: O significado de ser protagonista

Janeiro/2022. Fonte: autor.

192
FELIPE ASENSI (ORG.)

Conforme já explicitado, os estudantes que passaram pelo projeto


sempre os chamei de protagonistas, até pela necessidade de eles com-
preenderem o sentido amplo da palavra. E quando perguntei o que signi-
ficava ser protagonista, no gráfico acima, a ampla maioria asseverou que a
aquisição de aprendizagem é o principal pilar do projeto, logo, o signifi-
cado maior para eles.
Pela condição de professor articulador sempre existiu a necessidade
de buscar mais, pois munir os protagonistas de uma diversidade de possi-
bilidades deveria ser o caminho para interromper aquele ciclo vicioso de
concluir o ensino médio como ápice dos escolares, até antes do projeto
sendo uma realidade muito presente e que me torturava bastante.

2. AS FASES DE CONSOLIDAÇÃO DE TALENTOS


HERCÚLEOS

As orientações anualmente repassadas pela SEE/SEECT ou GRE an-


tecedendo o início do ano letivo no projeto, em conformidade com as
demandas presentes nos módulos da cartilha Se Sabe de Repente, sempre
foram encaradas enquanto ponto de partida e não como linha de chegada,
ou seja, distintamente da metodologia aplicada em praticamente todas as
unidades de ensino, a Cacique Domingos sempre adotou um verdadei-
ro overview para consolidar todos os conteúdos presentes nos módulos do
projeto.
Para representar esse olhar amplo me apego ao projeto de refloresta-
mento, conscientização e conservação da nascente da água mineral pro-
movido pelo Se Sabe de Repente desde 2017, que tomou uma proporção
jamais imaginada, pois, não contente com as ações promovidas anualmen-
te na semana do meio ambiente, desde agosto de 2021 os protagonistas
construíram e consolidaram um planejamento ávido que notabiliza como
o maior projeto de educação ambiental das escolas indígenas da Paraíba,
pois está amparado em uma infinidade de relevantes parcerias do setor pú-
blico e privado, alinhado com renomados profissionais da área e abraçado
pela liderança da aldeia e gestão escolar.

193
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Estratégias de revitalização e preservação de nascentes pode ser o


ponto de partida para despertar uma consciência de uso racional da
água, bem como da preservação dos mananciais (SILVA; SILVA;
BRAGA, 2021, p. 230).

Conforme prega os autores, existe uma necessidade ímpar de


conscientizar toda a população e na aldeia Jaraguá não é disseme-
lhante, então, o Se Sabe de Repente vem intensificando suas ações
frente ao meio ambiente. Ainda cabe ressaltar que a educação esco-
lar indígena necessita abraçar constantemente práticas ambientais no
chão da escola.

2.1 A APLICAÇÃO DE IDEIAS PLURAIS NA PROPOSTA


DE CONSOLIDAÇÃO DO PROJETO

Trilhas, oficinas, palestras, bolsas CNPq, cursos básicos, parcerias,


campanhas, bazar, cinema, trotes, pedais, gincanas, visitações em uni-
versidades, visitações em empresas privadas, deslocamentos para outras
aldeias e etnias indígenas, participação em eventos estaduais e regionais,
dentre outros, foram os sustentáculos do projeto na Cacique Domingos.
Essas aprendizagens vivenciadas, aqui chamadas de plurais, não pelo
fato da nomenclatura estar em evidência, mas, porque o projeto envere-
dou por uma infinidade de temáticas, dentre as quais podemos destacar:
educação emocional e socioemocional, educação escolar indígena, edu-
cação indígena, juventude indígena, educação sexual, educação para o
trânsito, educação ambiental, educação musical, meio ambiente, ensino
superior, ensino profissionalizante, educação para as relações étnico-ra-
ciais, direitos e deveres da criança e do adolescente, saúde pública, lazer,
esporte, cultura, dentre outras.

194
FELIPE ASENSI (ORG.)

Gráfico 7: Temas abordados

Janeiro/2022. Fonte: autor.

Por isso, quando indagados sobre o nível de satisfação frente aos te-
mas abordados durante os encontros semanas do Se Sabe de Repente,
25 alunos afirmaram ser muito satisfeitos. Tais dados devem ser bastan-
te comemorados porque ofertar em contraturno palestras para discentes
não habituados a tal realidade e, geralmente, desconhecedores do assunto,
sempre foi desafiante.
Consegui implantar ainda no pioneiro ano de execução, 2017, um
curso básico de Libras, ministrado por acadêmicos do curso de Letras da
UFPB. Já no segundo ano, 2018, tive o privilégio de concretizar o curso
de compostagem orgânica ministrado pela EMPASA (Empresa Paraibana
de Abastecimento e Serviços Agrícolas), como também iniciei os cursos
básicos de Design, Informática Básica e GeoGebra ministrados por acadê-
micos da UFPB (Campus IV), mas não concluídos devido a problemáticas
no espaço físico da escola, todos apreciados em 2018. E em 2019 consegui,
através da Loja Maçônica de Rio Tinto, um curso de Produção Textual
(redação para o ENEM), mas infelizmente não implementado devido à
ausência de sala de aula.

195
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Gráfico 8: Cursos realizados

Janeiro/2022. Fonte: autor.

Embora nem todos os protagonistas pudessem frequentar os cursos


ofertados, o nível de satisfação exposto no gráfico demonstra que fiz es-
colhas coesas e, acima de tudo, alcançamos parceiros expressivos para mi-
nistrarem tais cursos, uma vez que aqui em nossa GRE fomos pioneiros,
também, nessa oferta de cursos, servindo de modelos para os projetos de
outras unidades de ensino.
Segundo Shinyashiki (2012, p. 21), “Seu sucesso é proporcional ao
número de pessoas que você ajuda”. Então, a ideia principal seria contri-
buir capacitando o maior número possível de protagonistas, pois há algum
tempo tive o privilégio de ler que sucesso requer hábito e hábito requer
repetição.
No que diz respeito aos inúmeros palestrantes que passaram aqui,
devemos destacar não exclusivamente aqueles do mundo acadêmico, tais
quais: PhD Paulo Palhano, Dr. Lusival Barcellos, Dr. Anderson Alves,
Dra. Thaíse Costa, Dr. Sidnei Felipe, Dra. Alda Tranquelino, Dra. Jeane
Tranquelino, Ms. Carmem Maria e Ms. Welando Bráulio, mas, também,
profissionais liberais e representantes de instituições públicas e privadas
que somaram bastante ao longo desses anos de projeto.

196
FELIPE ASENSI (ORG.)

Gráfico 9: Palestrantes presentes

Janeiro/2022. Fonte: autor.

É perceptível que a aprovação dos palestrantes é mais que salu-


tar conforme dados apresentados, até mesmo porque se compararmos
frente aos níveis de satisfação dos cursos, esses dados conseguem se so-
bressair, ou seja, os palestrantes que passaram pelo Se Sabe de Repente
conseguiram números extremamente expressivos perante os conceitos
dos protagonistas.
Portanto tenho de reconhecer esses brilhantes palestrantes e compac-
tuar com a seguinte afirmação: “Nenhum dos grandes discursos da huma-
nidade é lembrado por seus slides, mas sim pela forma como a mensagem
foi transmitida” (SHINYASHIKI, 2012, p. 138).
Aprendizagens significativas para todos os públicos e em uma di-
versidade acentuada de temáticas existem no cotidiano do projeto,
como também possibilidades construídas com profissionais liberais e
empresas parceiras que renderam frutos primordialmente no Progra-
ma Jovem Aprendiz, programa em que vários de nossos protagonistas
obtiveram êxito.

197
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

2.2 ALGUMAS REFERÊNCIAS QUE ILUSTRAM ESSA


PROPULSÃO DE TALENTOS

O ser humano nasce protagonista ou transforma-se em protagonista?


Essa pergunta adaptada de uma ampla discussão de outrora já está no palco
dos debates acalorados entre os discentes que constituem o projeto Se Sabe
de Repente da Escola Indígena Cacique Domingos.
“A vida das pessoas comuns, assim como a dos grandes homens e
mulheres, é determinada pela maneira como elas lidam com a injustiça na
vida: Hellen Keller, Nelson Mandela, Stephen Hawking, Malala Yousaf-
zai e Moki Martin” (MCRAVEN, 2019, p. 47).
O surgimento de escritor e/ou futuros profissionais da educação, quer
dizer, nem posso generalizar ressaltando ‘futuros’ uma vez que já temos
um dos nossos protagonistas reconhecido como escritor e atuando em sala
de aula na educação básica, e para nossa maior alegria é docente da língua
Tupi, língua materna do povo Potiguara, componente curricular obriga-
tório da educação escolar indígena.
Esse protagonista é o Danilo Soares, remanescente da turma de pro-
tagonistas de 2019, ainda na educação básica lançou dois livros: Versos
Substanciais e Versos Existenciais, sobre o que necessito socializar que para a
pioneira obra tive o privilégio de ser escolhido prefaciador pelo autor. Da-
nilo, graduando no curso de Letras – Português da UFPB (Universidade
Federal da Paraíba), está professor da Escola Estadual Indígena de Ensino
Fundamental e Médio Dr. José Lopes Ribeiro, escola indígena situada na
Aldeia Mont Mor.
Além deste, devemos ainda destacar Luiz Fernando, também aca-
dêmico do mesmo curso e instituição; e Severino Lucas, acadêmico de
Pedagogia na universidade supracitada. Ambos ainda devem ser lembra-
dos porque são protagonistas da turma de 2017 e atualmente compõem
o quadro de funcionários da escola em que foram alunos e protagonistas
durante anos, até mesmo porque obtiveram êxito em um processo seletivo
realizado.
Analisando os relatos desses protagonistas, recordo-me de Mcraven
(2019, p. 29) ao afirmar “Faça tantos amigos quanto possível e nunca
esqueça que seu sucesso depende dos outros”. Portanto, anteriormente

198
FELIPE ASENSI (ORG.)

alunos, protagonistas e amigos, hodiernamente com mui orgulho, com-


panheiros de trabalho e profissão.
As profissionais que estão encaminhadas nos cursos da área de saúde,
algumas com um tempo admirável de estrada e outra adentrando recen-
temente através de um brilhantismo digno de homenagens. Essa última
mencionada relocamos aqui na área de saúde, mas pelo fato de ser uma
graduação em Psicologia pode também atuar na educação escolar.
Já que falamos sobre áreas, recordo-me de Clear (2019, p. 224): “O
segredo para maximizar suas chances de sucesso é escolher o campo de
competição certo.”
Jaciene Maria, protagonista 2017, enveredou pelo curso de Enferma-
gem, atualmente estuda no Centro Universitário de João Pessoa, apesar de
haver iniciado o curso em outra instituição, já está com mais de 50% na
bagagem; Joyce Yara, protagonista 2018, cursa técnico em Enfermagem;
e Janeide Matias, também protagonista 2018, recentemente passou em
primeiro lugar no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) para o
curso de Psicologia da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), inician-
do sua jornada acadêmica em abril de 2022.
Mais que nunca é público e notório que muitas vezes na vida nós
aproveitamos a hora após prestarmos atenção em outra pessoa que soube
aproveitar a hora dela. É o aprendizado pelo exemplo, uma forma bastante
eficaz de aquisição de conhecimento. Significa também economizarmos
tempo de aprendizado (CORTELLA, 2021, p. 115).
Essas frases do professor Cortella são explicativas pelo fato de estarem
evidenciando tais exemplos, atentando ao objetivo de contemplar, em um
futuro próximo, que o aprendizado pelo exemplo seja ainda mais recor-
rente no Se Sabe de Repente.
E os protagonistas exitosos enquanto servidores públicos municipais e
a técnica em comércio também estarão sendo lembrados neste artigo, pelo
fato de, além de haver adquirido a maioria das competências da BNCC
(Base Nacional Comum Curricular), ainda receberam convites ou apro-
veitaram oportunidades. Dois desses protagonistas, Eduarda Michele e
Wanderlei Cazuza, ambos da turma 2017, conseguiram espaços em ges-
tões distintas no serviço público municipal e iniciaram a vida profissional
com experiências enriquecedoras no currículo. Já Daniele Soares, prota-

199
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

gonista 2018, após sua transferência para cursar o ensino médio Técnico
em Comércio, na ECIT (Escola Cidadã Integral e Técnica) Luiz Gonzaga
Burity, aproveitou a oportunidade de estágio na empresa Iplug Telecom
e muito provavelmente ao término desse estágio, que ocorrerá nos próxi-
mos dias, deverá ser aproveitada no quadro de funcionários da empresa.
Entender que a sorte segue a coragem, não se trata de uma sorte esva-
ziada de perícia, de habilidade, de competência. É uma sorte impregnada
de capacidades e competências. E essa expressão parte do pressuposto de
que a pessoa teve humildade para buscá-las (CORTELLA, 2021, p. 46).
Trilhar caminhos que possam conduzi-los ao sucesso é o desejo de
todos os que fazem o educandário Cacique Domingos, mas, essencial-
mente, daqueles que constituem o Projeto Se Sabe de Repente, uma vez
que tais legados estarão sempre eternizados na história desse projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em meu prometimento, apesar de não conseguir contemplar todos


os palestrantes e protagonistas que exitosamente contribuíram ao projeto,
busquei sintetizar alguns anos de vivências frente ao Se Sabe de Repente
para que possa ser contemplado por óticas amplificadas.
No decorrer de ambos os capítulos, a realidade do projeto no Estado
da Paraíba e na Escola Indígena Cacique Domingos e as fases de conso-
lidação de talentos hercúleos, tentei ser o mais cirúrgico possível, uma
vez que se fez necessário dosar os pronunciamentos entre o projeto e as
pessoas que fazem o projeto.
Conforme aqui já descrito, pretendo, não sendo presunçoso, re-
digir algo maior para abordar a temática, não apenas por pretender ser
dadivoso em apresentar histórias de sucesso, podendo dar vida ou ma-
terializar a maior parte das ações concretizadas pelo projeto, uma vez
que neste não conseguimos expor mais histórias essenciais que podem
e/ou devem ter contribuído de alguma forma para que os protagonistas
empreendessem tal sucesso, mas primordialmente pelo fato do privilé-
gio e emoção em proferir um relato de experiência exitoso no seio de
uma escola pública indígena no interior da Paraíba. Então, aqui tenho
ciência que estive limitado.

200
FELIPE ASENSI (ORG.)

Enfim, acredito que esse presente artigo poderá nas escolas públicas,
inclusive nas indígenas, fomentar uma maior produção acadêmica, através
do relato de experiência, como também alertar a rede estadual e demais
redes que um projeto exitoso somado a um professor articulador ou equi-
pe competente e uma unidade de ensino cúmplice de boas práticas peda-
gógicas podem formar exímios protagonistas.

REFERÊNCIAS

ANJOS, Dayane Priscilla dos et al. Protagonismo juvenil e participação


escolar: sob o olhar dos estudantes. Entramados, v. 8, n. 9, 2021.

CLEAR, James. Hábitos atômicos: Um método fácil e comprovado de


criar bons hábitos e se livrar dos maus. Rio de Janeiro: Alta Books,
2019.

CORTELLA, Mario Sergio. A sorte segue a coragem: oportunidades,


competências e tempos de vida. 3. ed. São Paulo: Planeta do Brasil,
2021.

MCRAVEN, William H. Arrume sua cama: pequenas atitudes que


podem mudar a sua vida... e talvez o mundo. 2. ed. Tradução de
Eliana Rocha. São Paulo: Planeta, 2019.

SHINYASHIKI, Roberto. Os segredos das apresentações podero-


sas: pessoas de sucesso sabem vender suas ideias, projetos e produtos
para qualquer plateia. São Paulo: Editora Gente, 2012.

SILVA, João Rodrigues; SILVA, Sabas Mescouto e; BRAGA, Miguel. O


protagonismo juvenil em práticas de educação ambiental em uma es-
cola pública do nordeste paraense, Brasil. Nova revista amazônica,
v. IX, n. 3, 2021.

201
AS TDICS HODIERNAMENTE NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR: UM ESTUDO
PARCIAL NA EMEF ANTONIO
AZEVEDO
Emerson Felipe da Silva21

INTRODUÇÃO

O avançar das TDICs (Tecnologias Digitais da Informação e Co-


municação) possibilitou a utilização de ferramentas diversas pelos profis-
sionais da educação, o que poderia sugerir um processo educativo mais
dinâmico, eficiente e inovador. Todavia, as exigências instantâneas em in-
corporar em sua prática pedagógica, inclusive, legitimamente respaldada
pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular) estiveram praticamente
engolidas pela imprescindibilidade do ensino remoto, aquele que trouxera
arraigado inúmeras perspectivas distintas.
Palavrear sobre TDICs não é meramente um modismo, mas, sim,
uma necessidade urgente, essencialmente quando estamos adentrando em
escolas da rede pública, onde em alguns cenários existem praticamente
uma impossibilidade, então o objeto deste é relacionar um determinado
público-alvo, daí a exposição do parcial presente no título, da Escola Mu-

21 Pedagogo e Profissional da Educação Física. Doutorando em Ciências da Educação (FICS).


Supervisor Escolar da Rede Municipal e Docente da Educação Escolar Indígena no Governo
da Paraíba.

202
FELIPE ASENSI (ORG.)

nicipal de Ensino Fundamental Antonio Azevedo, profissionais da edu-


cação polivalente com suas respectivas turmas das séries iniciais do ensino
fundamental e as TDICs em sua amplitude.
A nossa problemática concentra-se no cenário de apesar de estarmos
completando, praticamente, um segundo ano letivo, em tempos de pan-
demia da Covid-19 em nosso país, por estarmos vivenciando o quarto
bimestre do ano letivo 2021, a Escola Municipal de Ensino Fundamental
Antonio Azevedo, em seu primeiro segmento, apresenta dados e perspec-
tivas animadoras concernente ao conhecimento e o trato junto as TDICs?
Nosso objetivo neste trabalho é construir uma reflexão a respeito das
TDICs e suas essencialidades, os caminhos e as dificuldades para tornar-se
um profissional fluente e efetivar aplicação em sala de aula, sondar os pos-
síveis desconhecimentos de algumas ferramentas, sua aproximação do uni-
verso das novas metodologias do ensino e a problematização das formações
para professores em nosso país, logicamente, inteirado à realidade docente
das turmas de primeira fase do ensino fundamental da escola mencionada.
A pesquisa bibliográfica e os dados coletados na pesquisa empírica,
junto aos profissionais informados do Antonio Azevedo, atendem en-
quanto caminho metodológico deste, logo, resultando em uma revisão
integrativa.
Longínquo da presunção em discutir densamente o assunto, mas de
suscitar o desejo de aprofundamento, no tocante à estrutura desse artigo,
o dividimos em seis seções, sendo esta, a primeira que aborda, a introdu-
ção, contendo os aspectos gerais do estudo; a segunda, contemplando a
metodologia utilizada para a realização do trabalho; a terceira seção, expri-
mindo os resultados encontrados na pesquisa; a quarta seção, abordando
teoricamente as discussões da temática; as conclusões, alocadas na quinta
seção ,e, por fim, encerra-se com as referências na sexta seção.

METODOLOGIA

Neste descreveremos por onde trilhamos para redigir o presente ar-


tigo, os dados angariados e, consequentemente, os resultados obtidos,
analisados aqui nos próximos momentos. Então, convidamos vocês para
navegar conosco nessa viagem metodológica.

203
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

O percurso metodológico tutelado para a construção deste trabalho


consistiu, logicamente, de pesquisa bibliográfica, do levantamento de da-
dos e pesquisa empírica junto aos docentes da primeira fase do ensino
fundamental do Antonio Azevedo. Trata-se da maior unidade de ensino
da rede municipal de Baía da Traição, município situado no litoral norte
do Estado da Paraíba, conhecido historicamente e culturalmente por suas
belezas naturais e por abrigar a etnia Potiguara.
Com seis profissionais da educação, titulares, nas respectivas turmas
de 4º A, 4º B, 4º C, 5º A, 5º B e 5º C, no ano letivo 2021, sendo três ofer-
tadas no turno matutino e três ofertadas no vespertino, obtivemos uma
amostragem que contemplou toda a população.
Até porque a supracitada instituição ainda detém uma maior quan-
tidade de turmas na segunda fase do ensino fundamental, como também
oferta os ciclos da EJA (Educação de Jovens e Adultos) do ensino funda-
mental, mas, muito provavelmente, os estudos perante esses demais gru-
pos docentes podem e/ou devem ser cenas dos próximos capítulos.
Os dados empíricos foram coletados por meio de um questionário
on-line, através do formulário do Google, popularmente conhecido como
Google Forms, contendo cinco seções distintas com um total de dezoito
questões objetivas, na seção inicial solicitamos uma simplória apresenta-
ção pessoal e profissional. Desse quantitativo de questões presentes apenas
estaremos ofertando os dados que acreditamos ser mais pertinentes ao de-
bate presente neste presente artigo.
O levantamento contou com a resposta dos seis profissionais da edu-
cação conforme ressaltado, convidados a responderem de forma voluntá-
ria e anônima, as indagações versaram sobre às condições ofertadas pelo
educandário ao uso das TDICs, a formação docente e formação continua-
da relacionada às TDICs, uma breve análise perante o perfil docente no
tocante às TDICs, e a prática pedagógica relacionada às TDICs.
O período de coleta dos dados ocorreu no dia 29 de novembro de
2021, momento em que estavam completando, aproximadamente, no-
venta dias de aulas presenciais e híbridas na unidade de ensino, após os
angustiantes meses de ensino remoto. Aqui cabe ressaltar que a escola re-
tomou a oferta de aulas presenciais no dia primeiro de setembro de 2021,

204
FELIPE ASENSI (ORG.)

sendo uma das primeiras unidades de ensino da região que efetuaram tal
prática, pois todos devemos relembrar dos meses vivenciados em aulas re-
motas devido ao enfrentamento da Covid-19.
Os ambientes de educação remotos foram maximizados em razão da
pandemia da Covid-19 que interrompeu as aulas presenciais em todas as
instituições de ensino no país. Fato que possibilitou o cumprimento das
aulas serem organizadas através de plataformas digitais, como o Google
Classroom e salas de reunião por meio do Google Meet (SILVA; AN-
DRADE; SANTOS, 2020, p. 2-3).
Observando esse pronunciamento dos autores acima, necessitamos
aqui inferir que essa realidade vivenciada em uma maioria das escolas
da rede estadual, ou seja, utilização do Classroom e Meet, não foi uma
realidade presente na EMEF Antonio Azevedo, da mesma maneira que
acreditamos não ocorrer nas pequenas cidades do interior do Estado da
Paraíba, independente se estejam situadas no centro, até porque na zona
rural geralmente o cenário é ainda mais desfavorável para o trabalho com
esses aplicativos do Google.
Além dos dados coletados e estudo bibliográfico, considerou-se para
realização deste trabalho as observações, inquietações e reflexões inferidas
ao longo do ensino remoto, que perdurou aproximadamente por quatorze
meses no educandário, tal qual as primogênitas vivências emanadas no
educandário nesse ‘novo’ período de aulas presenciais.
Na análise dos resultados, apresentados na próxima seção, foram se-
lecionadas para discussão algumas questões pontuais de todas as cinco se-
ções, pois alguns dados realmente clamaram a atenção.

RESULTADOS

Na seção inicial, apresentação pessoal e profissional, detacamos ape-


nas um dado essencial para socializar aqui, pois metade dos profissionais
detêm nível de pós-graduação, ou seja, são especialistas, logo, estaremos
dialogando com um público-alvo situado numa prateleira acima da for-
mação básica docente.

205
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Gráfico 1: Nível de Escolaridade

Fonte: Autor, Novembro/ 2021.

Já na segunda seção enveredamos por um diálogo voltado ao espaço


ou estruturação física do Antonio Azevedo, que apesar de haver passado
por várias reformas recentes, pretendemos entender se as condições ofer-
tadas aos docentes possibilitam um trabalho aguçado com TDICs, então,
versamos sobre espaço físico, ausência de laboratório de informática, re-
cursos tecnológicos disponibilizados, e internet e wi-fi. Mas nossa avalia-
ção específica no gráfico abaixo versa perante a ausência do laboratório,
uma vez que esse foi o gráfico da seção que apresentou mais disparidade,
pois as profissionais da educação alertaram que tal ausência dificulta a re-
lação ensino-aprendizagem.

Gráfico 2: Ausência de Laboratório de Informática

Fonte: Autor, Novembro/ 2021.


206
FELIPE ASENSI (ORG.)

Na terceira seção, aquela que tratava da formação acadêmica e for-


mação continuada, nosso destaque não poderia ser diferente, visto que,
além da supremacia nos dados que escancaram as lacunas deixadas nessas
formações, acadêmica e continuada, perante as TDICs, a unanimidade no
questionamento sobre a necessidade da oferta de formação pelo município
para o trabalho docente junto às tecnologias conseguiu ser o único ques-
tionamento dentre todos que alcançara esses 100% do sim. Portanto, uma
formação continuada em TDICs é mais que necessária.

Gráfico 3: Formação Continuada

Fonte: Autor, Novembro/ 2021.

Na seção penúltima, aquela que objetivamos compreender os conhe-


cimentos prévios docentes concernentes às habilidades e competências
para o trabalho com TDICs, a compreensão perante os ambientes virtuais
de aprendizagem e as famigeradas novas metodologias de ensino, aquelas
que eclodiram, essencialmente, nesse ensino remoto, estaremos destacan-
do a última mencionada porque a ausência de conhecimento perante estas
pode ser considerada peça essencial nesse e em outros possíveis debates.

207
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Gráfico 4: Novas Metodologias do Ensino

Fonte: Autor, Novembro/ 2021.

Por fim, a derradeira seção, acredito que a mais aguardada, não ape-
nas por conter praticamente 50% dos questionamentos, mas, consubstan-
cialmente, pelo fato de detalhar a prática pedagógica ante o trabalho com
as TDICs, estivemos num legítimo caleidoscópio para escolha de quais
dados deveríamos aqui apresentar.
Todavia, decidimos, diferente das demais seções, apresentar dois mo-
mentos distintos, ou seja, lembrando daquela velha história que temos duas
notícias, uma boa e uma ruim... então, estaremos conforme geralmente
escutamos: – fala logo a ruim, iniciando por um ponto preocupante, e, em
seguida, apresentando, ao invés de um, dois pontos extremamente positi-
vos tabulados nos posicionamentos docentes.

Gráfico 5: Ferramentas para Mapas Mentais e Infográficos

Fonte: Autor, Novembro/ 2021.

208
FELIPE ASENSI (ORG.)

Pelo fato de estarmos na única indagação que atingiu negativa unâ-


nime, refletimos como preocupante, apesar de compreendermos as falhas
em ambas as formações mencionadas em outros dados não expostos aqui e
as dificuldades da escola pública em possibilitar um maior conhecimento
perante algumas ferramentas.

Gráfico 6: Ferramentas para Vídeos

Fonte: Autor, Novembro/ 2021.

Apesar de alguns entenderem que seria basilar ao trabalho nas turmas de


ensino fundamental I e educação infantil prioritariamente o trabalho com
vídeos, devemos salientar que um número absurdamente consideravel de
docentes apenas veio adentrar nesse universo com o advento da pandemia.
Logo, essa dado é extremamente animador, pois os desafios em inúmeros
caso foram superados e esses profissionais merecem ser reverenciados.

Gráfico 7: Ferramentas interativas

Fonte: Autor, Novembro/ 2021.


209
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Analisar mui positivamente a interação na prática pedagógica atra-


vés do conhecimento e proposição docente ao trabalho com questioná-
rios interativos, no seio de uma escola da rede pública, também deve ser
aclamado, uma vez que essa necessidade aparente se tornou praticamente
uma das únicas metodologias para avaliar os educandos no ensino remoto.
A experiência das aulas remotas nos mostrou que não é fácil organizar
o tempo da gestão didática do professor e o tempo da aprendizagem do
estudante. Enfrentar os desafios da falta de estrutura dos estudantes e até
de alguns docentes por não possuírem acesso à internet e computador em
casa; as dificuldades de aprimorar a mediação e manuseio de plataformas
digitais são questões que instigam a avaliação permanente da prática peda-
gógica (NOGUEIRA; CAVALANTE; LIMA, 2021, p. 218).
Diante do exposto é que reafirmamos essa necessidade em concreti-
zar este estudo, nesse momento específico da EMEF Antonio Azevedo,
exclusivo no ensino fundamental I, proporcionando inquietações em de-
mais profissionais da educação e pesquisadores frente a essa realidade mais
que necessária na educação escolar.
Conforme assevera Silva, Andrade e Santos (2020, p. 13): “Mesmo
diante de dificuldades de acesso à internet e pouco conhecimento acerca
das ferramentas, muitos professores criaram projetos de ensino remoto e
trabalham semanalmente os conteúdos.”
Devido ao fato de nos sentirmos na obrigação de parabenizar esses le-
gítimos heróis da docência, os quais mesmo diante de um cenário adverso
reuniram forças para adquirir conhecimento e habilidades, quando ne-
cessário, e conseguiram ou estão conseguindo possibilitar o ensino mes-
mo diante das aulas remotas. Alguns desses dados apresentados explicitam
esse nosso pronunciamento.
Na discussão, seção posterior, estaremos dialogando com os autores e
realizando mais um debruço perante os conceitos, breve histórico, afirma-
ções, cenários, dentre outros no tocante à temática do texto abaixo presente.

DISCUSSÃO

O dualismo presente neste artigo, no qual estaremos procurando um


equilíbrio entre análise teórica e empirismo, nos remete ao fato de es-

210
FELIPE ASENSI (ORG.)

tarmos confabulando sobre uma temática, essencialmente nesse período


pandêmico, a qual preponderou nos holofotes educacionais do nosso país
e do planeta.
Pelo fato de não dissociar as TDICs da pandemia da Covid-19 na
educação escolar da EMEF Antonio Azevedo, ou melhor, na maioria das
unidades de ensino da rede pública do país, corroboramos Castro e Quei-
roz (2020, p. 4)

A pandemia se torna mais enfática e assustadora revelando as dife-


renças sociais e tornando públicas as situações de miséria que gran-
de parte da população mundial vive. Tal situação escancarou as di-
ferenças e expôs as fragilidades humanas. Assim, a quarentena não
é a mesma para todos, ganha diferentes significados em diferentes
contextos com uma diversidade de vivências que não podem ser
generalizadas ou universalizadas.

O escancaramento dessas diferenças sociais na educação escolar tor-


nou-se mais que visível durante as aulas remotas, pois se pudéssemos
efetuar uma análise completa das metodologias utilizadas nas escolas de
todo o país, muito dificilmente iríamos nos surpreender com a diferença
longínqua da proposta pedagógica para o ensino remoto da rede privada
frente à rede pública.
Concordamos, também, com Nogueira, Cavalante e Lima (2021, p.
214) ao afirmarem que o ensino remoto não substitui plenamente o ensi-
no presencial, todavia, dadas algumas circunstâncias, consideramos que as
aulas remotas são possibilidades interessantes de serem experimentadas na
tentativa de minimizar as perdas do distanciamento presencial.
Apesar dessa discussão permear na temática devido ao fato de estar-
mos confabulando frente à utilização das TDICs em uma escola muni-
cipal, faz mais que necessária uma autoavaliação da educação escolar mi-
nistrada em cada escola, pois em um país com dimensão continental mui
provavelmente teremos resultados que podem variar bastante.
Diante desse cenário, Rodrigues (2009, p. 17) admitiu que se está
vivendo uma época em que as TDICs são constitutivas das práticas sociais
de interação e não significa acreditar ingenuamente que, como num passe

211
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

de mágica, o professor reinventará seu fazer pedagógico, incorporando-as


no cotidiano da sala de aula.
Então essa reputada e até recorrente nos discursos educacionais rein-
venção docente demanda não apenas tempo, mas, também, um conjunto
de fatores para ser concretizada.
A relação entre o uso das TDICs e o desenvolvimento do processo
pedagógico deve ser realizada pela mediação entre docentes, discentes e
as situações sociais apresentadas, por vezes, de forma inesperada, como o
caso da pandemia (ARRUDA; SIQUEIRA, 2021, p. 11).
Atentar ao fato de que a pandemia enfatizada pelos autores será recor-
rente nesse debate, provavelmente nem seja a essência, porém, analisar que
uma simetria entre professor, aluno e contexto, sim, sem dúvida alguma,
torna-se vital para o alcance do objetivo.

Percebe-se que as TDICs possibilitam o acesso dos estudantes a


diferentes fontes de acesso midiático sejam elas móvel ou em rede,
mas gostaríamos de enfatizar que os acessos a essas tecnologias
ainda são muito desiguais para boa parte dos estudantes, tanto na
questão dos aparelhos tecnológicos quanto na questão do acesso
à internet. Esta evidência gerou uma série de debates sobre a via-
bilidade ou não do Ensino Remoto, uma vez que as escolas da
rede privada, por exemplo, se adaptaram prontamente enquanto
as escolas da rede pública ainda buscam meios de consolidar este
processo na busca de ampliar o acesso ao ensino a grande parte dos
estudantes. Pela limitação da natureza deste trabalho, não teremos
como desenvolver tal análise, mas fica a reflexão sobre o Ensino
Remoto diante deste atual contexto (OLIVEIRA; MENDON-
ÇA; SILVA, 2021, p. 150).

Aquele antagonismo jamais esquecido entre rede privada e rede pú-


blica de ensino no país gerou, simplesmente, mais um capítulo notório
nesse contexto pandêmico, justamente, pelo fato de alguns cenários esta-
rem conspícuo à disparidade dentre as tais mencionadas.
Moran (2017, p. 53): “Um aluno não conectado e sem domínio digi-
tal perde importantes chances de se informar, de acessar materiais muito

212
FELIPE ASENSI (ORG.)

ricos disponíveis, de se comunicar, de se tornar visível para os demais, de


publicar suas ideias e de aumentar sua empregabilidade futura.”
Geralmente despercebido ou ofuscado pelo sucateamento da rede
pública de ensino, tal qual a ausência da formação docente adequada ao
trabalho com TDICs, devemos salientar que pelo fato não somente da
pesquisa haver sido concretizada no interior da Paraíba, mas, sobretudo,
atento ao aspecto de que a maioria do alunado desses professores, em pau-
ta, serem residentes em aldeias indígenas rurais, e em condições socioe-
conômicas precárias, logo, dificultando a concretização dessa necessária
conexão junto ao alunado.
Couto (2017, p. 35) ressalta que um fator preponderante consiste na
falta de capacitação para os professores da rede pública de ensino, sendo
que, em alguns casos, as escolas até dispõem de recursos tecnológicos, mas
a equipe docente não possui repertório didático de como utilizá-los.
Apesar de acreditar que existem inúmeras situações destas, o contex-
to da EMEF Antonio Azevedo não segue esse padrão abordado, pois os
dados já nos trouxeram uma ideia dissemelhante dessa realidade.
Nada obstante, “Não se pode ignorar os equívocos que estão sendo
cometidos, como equipar as escolas sem preparar os professores ou ter
uma equipe qualificada sem a contrapartida institucional de infraestrutura
e apoio técnico necessários” (RODRIGUES, 2009, p. 16).
Portanto, aludir as palavras acima ainda parece ser uma realidade ex-
tremamente presente no país, até porque ainda carecemos da consolidação
de uma escola pública de qualidade.
Inclusive, “O uso da tecnologia está além do ‘fazer melhor’, ‘fazer
mais rápido’, trata-se de um ‘fazer diferente’” (ROLKOUSKI, 2011,
p. 102).
Esse diferencial apresentado é justamente o divisor de águas da educa-
ção escolar com o advento da pandemia da Covid-19, uma vez que os pro-
fissionais da educação estiveram e, em muitos casos, estão embrenhados
pelo ensino remoto concretizando pactos junto às TDICs e encontrando,
em vários cenários, ferramentas que possibilitam a conectividade com os
estudantes de forma remota dentre os vários recursos utilizados.
Tornar as aulas mais acessíveis, ainda que com menos tempo, foi e
é uma das novas tarefas do professor no contexto de pandemia. Ainda

213
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

que muitos profissionais estejam habituados a usar algumas plataformas de


recursos digitais no dia a dia, a situação atual demanda novos e diferen-
tes esforços. Além do desafio de adaptar as aulas em um novo ambiente,
os professores precisaram criar alternativas para estudantes que não têm
computador ou acesso à internet de qualidade em casa (NOGUEIRA;
CAVALANTE; LIMA, 2021, p. 214).
Apesar dessa árdua missão docente, em lecionar após o início da pan-
demia, haver sido debatido em inúmeros contextos, é necessário ter ciên-
cia que o professor, tal qual outros inúmeros profissionais, deve estar aten-
to ao cenário de mudanças, uma vez que este exige um certo malabarismo
para atender às expectativas.
No momento seguinte estaremos audaciosamente convidando você
para concluir este presente estudo, após perambular pelos vocábulos intro-
dutórios, marco metodológico, resultados e suas análises, e as discussões
respaldadas em referências previamente fichadas e destacadas.

CONCLUSÃO

Assim, apresentamos brevemente essa experiência em que trouxemos


aspectos positivos e negativos, verificados na possibilidade de conhecer e
utilizar as TDICs, tanto no ensino remoto, quanto no ensino presencial.
Portanto, asseveramos que o uso das ferramentas tecnológicas na edu-
cação escolar pode e deve ser visto sob a ótica de uma nova metodologia de
ensino, possibilitando a interação digital dos educandos com os conteú-
dos, isto é, condicionando o educando a interagir com diversas ferramen-
tas que o possibilitam a utilizar os seus esquemas mentais a partir do uso
racional e mediado da informação.
Porém, para conseguirmos tal êxito necessitamos retomar aquela dis-
cussão aqui já palpitada em que estado, órgão da educação, gestão escolar e
magistério necessitam, sim, não apenas conhecer, algo mais que essencial,
porém, das condições mínimas possíveis para obter sucesso, uma vez que
sua importância está, agora, alicerçada também na BNCC.
Como expectativas futuras, aguardando que não em futuro hiperbó-
lico, espera-se que as experiências vivenciadas na educação escolar nesses
últimos anos contribuam para uma maior atenção para o uso das TDICs.

214
FELIPE ASENSI (ORG.)

Até porque conforme anunciamos, indiretamente, estamos tratando de


um campo fértil para as pesquisas acadêmicas.
Por fim, ciente de que com o advento do ensino remoto houve uma
imposição inesperada das TDICs, inclusive, acarretada de inúmeras difi-
culdades, angústias e desafios ao magistério, estudantes e familiares. Ape-
sar de não focarmos em refletir sobre tais implicações, porém, é extre-
mamente significativo enfatizar que o docente não estava preparado ou
pronto, e ainda não está, pois além de não possuírem tecnologias e equi-
pamentos necessários para o ensino remoto, muitos não conhecem ou não
sabem utilizar as TDICs adequadamente, mesmo em inúmeras situações
sendo encorajados a estudar e aprender a lidar com estas, até então desco-
nhecidas por muitos.

REFERÊNCIAS

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215
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

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gitais em ensino remoto emergencial. Cadernos da Fucamp, v. 20,
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SILVA, Douglas dos Santos; ANDRADE, Leane Amaral Paz; SANTOS,


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demia. Research, Society and Development, v. 9, n. 9, 2020.

216
RELATO DE EXPERIÊNCIA: UMA
ANÁLISE DE PRÁTICAS NO CAMPO
DO ENSINO DE FILOSOFIA NO
ENSINO MÉDIO
Claudinei Zagui Pareschi22
Davi Milan23

INTRODUÇÃO

O presente relato de experiência pretende fazer uma análise reflexiva


de práticas profissionais (SCHÖN, 2000), utilizando um plano de aula de
um professor iniciante na disciplina de Filosofia no Ensino Médio com a
finalidade de descrever as ações enquanto profissional em educação, mais
precisamente como professor iniciante, para assim poder analisar os saberes
docentes que foram mobilizados durante a prática e poder “compreender
as regras que regem essas práticas profissionais” (WITTORSKI, 2014, p.
128). Ao listar as etapas deste Plano de Ensino pretende-se evidenciar seus
fundamentos e a mobilização de saberes docentes no decorrer da aula.
Na ocasião em que se passa o relato de experiência, em meados de
2006, a disciplina ainda não era obrigatória na grade do Ensino Médio e

22 Mestre em Educação pela UNIMEP, Gestor Escolar na SME – Limeira – SP e pesquisador


do Grupo Horizonte da UFSCar, pesquisador do grupo Movimentos Docentes da UNIFESP.
23 Especialista em Educação, formado em Letras e Pedagogia. Professor de Educação Básica
da Rede Pública Municipal.

217
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

poucas escolas a mantinham como disciplina optativa no currículo, ten-


do poucas aulas disponíveis. Na rede estadual de São Paulo, para manter
o mínimo de aulas atribuídas, o professor iniciante tinha que passar em
várias escolas no período diurno e noturno. Também ainda não havia um
currículo em comum para todas as escolas da rede estadual, sendo que o
Programa “São Paulo Faz Escola” ainda iria ser criado em 2008, assim
como a Lei nº 11.648/08, sancionada pelo então Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, que tornou obrigatório o ensino de Filosofia e Sociologia na
grade do Ensino Médio no Brasil.
Nesse contexto, este relato de experiência se faz relevante por conter
aspectos de uma época em que a disciplina de Filosofia buscava conquistar
seu espaço no currículo do Ensino Médio das escolas brasileiras. A me-
todologia utilizada parte de um estudo autoetnográfico, em que o autor
relata suas experiências como professor iniciante na disciplina de Filosofia
no desenvolvimento de seu plano de aula. Será abordada uma aula de 45
minutos, em um segundo ano do Ensino Médio com aproximadamente
35 alunos em uma escola periférica em condições precárias, tanto físicas
como pedagógicas.

1. QUADRO CONCEITUAL

A temática sobre os saberes docentes, desenvolvida por autores como


Shulman (1987), Gauthier (1998), serviu como embasamento teórico
para este estudo, tendo como principal referência o pesquisador canadense
Maurice Tardif (2014).
Para o autor, as situações vivenciadas na escola e na sala de aula in-
fluenciam na forma em que esses saberes são desenvolvidos e acionados,
ou seja, seus saberes também são produzidos e modelados em seu traba-
lho. Assim, Tardif (2014) compreende que os saberes dos professores es-
tão relacionados ao trabalho que desenvolvem na escola. Por este motivo,
análises de práticas docentes se fazem relevantes para colocar em evidência
as experiências escolares, a fim de refletir sobre elas e enfim poder nortear
o trabalho dos professores iniciantes.
Da mesma forma que Gaultier et al. (1998), Tardif (2014, p. 38) en-
tende que “os próprios professores, no exercício de suas funções e na prá-

218
FELIPE ASENSI (ORG.)

tica de sua profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu


trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio”. Assim, estes saberes
são chamados de experienciais ou práticos, e podem nascer da experiência
individual ou coletiva sob a forma de habitus (BOURDIEU, 1989). Nesse
sentido, o professor pode aprender por meio de suas próprias experiências
e colaborar para o aprendizado de outros professores criando seu habitus
docente, inserindo-se na cultura escolar.
Os saberes experienciais são adquiridos no início da docência, quan-
do o professor começa a ter contato com os alunos e suas dificuldades,
passando a trabalhar coletivamente com outros professores, vivenciando
situações cotidianas na escola. Para aprimorar o desenvolvimento do tra-
balho do professor, Nóvoa (2019, p. 6) propõe uma metamorfose na es-
cola por meio de um reforço e valorização das dimensões profissionais dos
professores, seja na sua formação inicial ou continuada, que só se completa
por meio de um trabalho coletivo entre pares, no qual os professores ve-
teranos podem contribuir com a formação dos professores iniciantes com
seus relatos provenientes de sua experiência profissional. Esse movimento
é um meio muito importante para a profissionalização docente, para se
chegar a um ofício feito de saberes (GAUTHIER et. al., 1998).
Com essas afirmações, pode-se perceber que há uma ligação entre a
formação dos professores e sua profissionalização. Na análise de práticas,
por exemplo, o professor se torna protagonista da sua própria formação
(ALTET, 2001). A escola é vista como lócus de formação e a análise de
práticas, portanto, um meio para a melhoria da profissionalização docente
(WITTORSKI 2014).

É possível dizer que a análise de práticas auxilia os professores a se


distanciarem e a refletirem sobre a sua própria prática, possibilitan-
do a mudança em futuras práticas. Cabe ressaltar que esse exercício
de análise não é algo simples e fácil, pois demanda tempo e escolha
de dispositivos para que ela seja realizada de forma sistematizada
(CARVALHO; SOUZA NETO, 2019, p. 5).

Outros autores como Rufino e Souza Neto (2021, p. 248) com-


preendem também que o trabalho docente precisa ser pensado e analisado

219
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

para se conhecer suas ações, seus saberes e sua formação. Os saberes dos
professores são moldados em seu ambiente de trabalho em contato com
outros professores, alunos e comunidade.
De tal modo, a análise de práticas é importante na medida em
que proporciona aos professores iniciantes problematizar situações co-
tidianas da escola para a partir delas, criar novas práticas, conforme
Wittorski (2014).
O Relato de experiência (RE) é uma narrativa importante que
legitima a experiência profissional dos professores como fenômeno
científico a ser estudado e explorado. Daltro e Faria (2019, p. 277)
apresentam o RE como “uma fonte inesgotável de sentidos e possibili-
dades passíveis de análise”. No RE é possível analisar acontecimentos
e as experiências dos autores para assim compreender como se dão as
práticas educativas.
A fim de produzir novos conhecimentos e fornecer dados para
uma análise consistente da realidade de uma aula de Filosofia no se-
gundo ano do Ensino Médio, optou-se por fazer um RE por meio
da metodologia autoetnográfica, defendida por Bossle e Molina Neto
(2009, p. 143) como uma investigação importante para compreen-
der o trabalho docente coletivo em uma perspectiva epistemológica e
metodológica inovadora, destacando as vivências do sujeito pesqui-
sador em sua pesquisa, sendo um instrumento muito relevante para
a análise de práticas, na medida em que transforma esses relatos em
pesquisa cientifica.
Ademais, a metodologia de análise autoetnográfica que será utilizada
neste trabalho permite que o autor narre uma ou mais situações vivencia-
das por ele no ambiente escolar para que sirva de instrumento para uma
autorreflexão sobre sua prática, descrevendo pontos positivos e negativos
a fim de propor novas práticas. Por meio das etapas de análise proposto
por Smyth (1992), primeiramente, será descrito o plano de aula e as ações
desenvolvidas pelo autor; em segundo lugar, será informado o significado
dessas ações; em terceiro lugar, serão corroborados os motivos que fize-
ram o autor ser o que ele é; e por último, será feita a análise da prática com
sugestões para um possível aperfeiçoamento.

220
FELIPE ASENSI (ORG.)

2. ANÁLISE DE UMA PRÁTICA DE UM PROFESSOR DE


FILOSOFIA

No presente tópico, a análise da prática será apresentada de acordo


com as etapas de Smyth (1992). Os relatos serão feitos em primeira pessoa
para expressar a subjetividade do autor.

2.1 DESCREVER: O QUE FAÇO?

A aula selecionada foi a do segundo ano do Ensino Médio com o


seguinte tema: Ideologia e Alienação. A sala tinha em média 35 alunos, em
sua maioria trabalhadores do comércio e das fábricas de joia do bairro.
Tinham em média entre 15 e 16 anos, mas havia alunos bem mais velhos
na sala que acostumavam repetir de ano por falta para retornarem à escola
no ano seguinte. A aula durou 45 minutos e seu objetivo foi trabalhar a
capacidade de reflexão dos alunos sobre o tema em questão, sendo dividi-
da em três momentos:
Parte Inicial – exposição e comandas da aula: primeiramente
fiz aos alunos uma exposição de um texto sobre Ideologia e Alienação,
retirado do livro denominado: Filosofia para Jovens, de Maria Silveira Te-
les. Distribuí o texto xerocado e resumido para eles e pedi que colassem
no caderno. Li e debati o texto e depois pedi para que formassem grupos
por afinidade para discutirem novamente e responderem a três questões
relacionadas ao tema. Propus que, ao final, um aluno do grupo lesse ou
apresentasse o resultado das discussões para a sala.
Parte principal - desenvolvimento: durante a exposição do con-
teúdo e da reflexão dos alunos sobre tema da aula, observei que os mesmos
apresentavam dificuldades de concentração e dificuldade para permane-
cerem na sala. Os que ficavam demonstravam estar dispersos. Ainda não
entendiam a importância da Filosofia e do debate em grupo para o co-
nhecimento. Então, orientei os que permaneciam atentos a aula e não me
dediquei aos que estavam dispersos.
Parte final - conclusão: no final da aula pedi para que um aluno de
cada grupo falasse para a sala o que tinham discutido. Como os alunos já
estavam dispersos, somente um aluno se propôs a ler as respostas de seu

221
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

grupo. Os outros alunos pediram para somente entregar as respostas escri-


tas. Aceitei porque realmente tinha me perdido no tempo e não haveria
tempo hábil para que todos falassem naquela aula.

2.2 INFORMAR: O QUE SIGNIFICA ISTO? QUAL O


SIGNIFICADO DAS MINHAS AÇÕES?

Quando comecei a lecionar a disciplina de Filosofia nas escolas da


rede pública do Estado de São Paulo, em meados de 2006, tinha atribuídas
poucas aulas de Filosofia e por isso completava minha jornada de trabalho
como professor eventual (substituto), trabalhando em várias escolas de Li-
meira e região, conhecendo ao mesmo tempo várias realidades diferentes.
Os documentos norteadores para o Ensino de Filosofia na época eram
escassos, tendo como principal documento disponível os PCNs de Filoso-
fia, que traziam os conhecimentos necessários em Filosofia para o exercí-
cio da cidadania e na formação ética, com o objetivo de fortalecer os laços
familiares, de solidariedade humana e de tolerância recíproca. Todavia, o
documento ainda expõe que “a especificidade da atividade filosófica con-
siste, em primeiro lugar, em sua natureza reflexiva” (PCN, 2002, p. 47).
Os PCNs de Filosofia ainda especificavam as competências e habili-
dades a serem desenvolvidas em Filosofia, dentre elas:

• L er textos filosóficos de modo significativo;


• Elaborar, por escrito, o que foi apropriado de modo reflexivo;
• Debater, tomando uma posição, defendendo-a argumentativamente
e mudando de posição face a argumentos mais consistentes.

Mesmo sendo professor iniciante com pouca experiência já lecionava


Filosofia por meio de temas filosóficos, os quais escolhia aleatoriamente,
sem uma sequência didática. Ainda não existia um currículo estruturado
de Filosofia no Estado de São Paulo, visto que o seu ensino ainda não era
obrigatório. Por este motivo, os professores tinham liberdade para definir
os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula. Contudo, autores como
Aspis (2004) já frisavam a importância do ensino de Filosofia no Ensino
Médio voltado ao ensino do filosofar, em contraponto à prática de alguns
professores que ensinavam Filosofia como Ensino de História da Filosofia.

222
FELIPE ASENSI (ORG.)

Para a autora, “o conteúdo da filosofia, propriamente, é o filosofar,


quer dizer, são suas questões, sua investigação ou métodos, suas lingua-
gens, seus conceitos, sua história (ASPIS, 2004, p. 317).
Nesse contexto, preparei uma aula pensando em atingir os objetivos
de inserir os alunos no debate de assuntos filosóficos, tendo como base um
texto reflexivo com um tema filosófico relevante e questões norteadoras
para uma produção de texto. E assim reforçaria a visão a seguir:
A escola em que se passa esse RE é estadual de Ensino Fundamental e
Médio e está localizada numa cidade do interior do Estado de São Paulo. Ela
foi escolhida por que foi nela que iniciei minha prática docente e por causa da
relação de poder que os alunos tinham com a equipe gestora da escola.
Lembro-me que os professores faltavam muito no período noturno,
principalmente as sextas-feiras. Nestes dias quase não havia aulas. às vezes
os alunos eram dispensados, outras vezes nem entravam na sala de aula,
ficavam no pátio conversando ou na quadra jogando futebol. Na falta do
professor titular, o coordenador da escola me chamava também para subs-
tituí-lo. Por este motivo, sempre tinha aulas preparadas para caso tivesse
que lidar com algum imprevisto.
Por ser um professor iniciante, tinha pouca prática didática. Ensinava
como tinha aprendido com meus professores na escola e na Faculdade.
Para poder lecionar até o final do ano naquela realidade escolar tive que
adotar algumas estratégias. Elas me ajudaram a conquistar a empatia dos
alunos e conseguir chamar a atenção deles por pelo menos 20 minutos.
Era o máximo que conseguia por aula. Para isso, chegava um pouco mais
cedo para conversar com os alunos e procurar saber do que eles mais gos-
tavam e quais problemas estavam enfrentando.
Busquei, então, relacionar os temas das aulas com aspectos da reali-
dade deles, para gerar discussão. Após minhas considerações e reflexões
sobre o tema, eles se expressavam, desabafavam e falavam sobre o que es-
tavam pensando sobre o assunto, fundamentando-me assim, na Pedagogia
da Autonomia de Paulo Freire (2010), na importância de ensinar a pensar
ao invés da mera transmissão de conteúdos, levando em consideração a
realidade dos alunos trabalhadores.
Para selecionar materiais tinha como base teórica as discussões de
Silvio Gallo (2006), que afirmava que para ensinar Filosofia era preci-

223
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

so interagir e debater com os alunos temas filosóficos coerentes com a


realidade deles, por meio de quatro passos didáticos importantes para o
desenvolvimento da disciplina: sensibilização, problematização, inves-
tigação e conceituação, em que afirmava que a Filosofia é um ato de
criação de conceitos.
Os alunos não copiavam nada da lousa e não se tinha computador ou
televisão disponível para passar vídeos ou slides para eles, por este motivo
trouxe cópias do texto sobre Ideologia e alienação para eles. Na folha ti-
nha também três perguntas para responderem em grupo. Estas discussões
algumas vezes davam certo, outras vezes não.
Eles tinham muitas desavenças e isso causava muitos conflitos na
sala de aula. O mais difícil era mediar esses conflitos para que não
houvesse brigas mais sérias. Havia também uma garota grávida que
se irritava com o barulho e com o cheiro dos alimentos que os alunos
traziam para comer. Ainda assim, procurava dialogar com a sala ba-
seado na maiêutica socrática, fazendo com que eles chegassem as suas
próprias respostas.

2.3 CONFRONTAR: COMO ME TORNEI ASSIM? COMO


CHEGUEI A AGIR DESSA FORMA?

De acordo com Tardif (2014), os saberes docentes são provenientes de


diversas fontes. Boa parte dos saberes por mim mobilizados na aula men-
cionada vieram dos saberes universitários e dos saberes pessoais ligados à
minha experiência de vida. Minhas formas de selecionar e organizar os
conteúdos vinham das discussões que tinha com os colegas na época em
que cursava a Faculdade.
Mais do que estudar a História da Filosofia, gostávamos de debater
assuntos polêmicos e tentar relacioná-los com a realidade. Porém, não sa-
bia que alguns alunos do Ensino Médio não tinham maturidade para estes
tipos de discussão e debate em grupo e me senti um pouco frustrado como
professor no início de carreira.
Sobre os saberes adquiridos na profissão (TARDIF, 2014), não tinha
me inserido na cultura escolar e não sabia da importância das trocas de
experiências com outros professores no ambiente escolar. Com o passar

2 24
FELIPE ASENSI (ORG.)

do tempo, busquei me aperfeiçoar com leituras e participação em cursos


de formação continuada para procurar melhorar minha prática docente.
Somente anos depois quando me efetivei como professor e passei a
lecionar em uma escola fixa, comecei a partilhar meus conhecimentos
e experiências com outros professores nas reuniões pedagógicas. Assim,
pude me fortalecer e aprender mais sobre os saberes docentes importantes
para o desenvolvimento de minha profissão.
A escola era cercada por um alambrado, o qual vivia quebrado pelos
alunos. Os mesmos criaram uma passagem para que pudessem entrar e
sair da escola assim que quisessem. O entorno da escola favorecia essa
entrada e saída, pois tinha um bar e uma padaria por perto. Como não
tinha merenda nem cantina na escola no período noturno, os alunos, que
eram boa parte trabalhadores, já chegavam cansados e com fome e por isso
saíam para comprar lanches e guloseimas.
As aulas nunca tinham hora certa para começar e para terminar, ape-
sar do sinal bater de 45 em 45 minutos, eram os alunos que comandavam a
escola. Tinha também muitos alunos usuários de droga, o que me causou
um pouco de medo e estranheza no início, foi quando adquiri a prática de
deixar a porta aberta para eles saírem quando quisessem, já que na escola
ninguém impedia.
A gestora da escola ficava sozinha à noite e saía muito pouco de sua
sala, o que dava aos alunos liberdade de locomoção. Como tinha o buraco
na cerca, muitas vezes ela nem fechava o portão, já que alguns alunos não fi-
cavam na escola. O coordenador aparecia às sextas-feiras à noite, mas como
quase não tinha alunos especificamente, ele pouco fazia para mudar a situa-
ção. Eu, como um iniciante e inexperiente professor de Filosofia, tentava
aprender com os meus erros e buscava resolver meus problemas sozinho.
Também observava o comportamento de outros professores. Alguns
reclamavam da situação de não conseguir dar aulas de maneira tradicio-
nal por causa da indisciplina e inconstância dos alunos que não davam o
devido valor à escola e ao ensino. Muitos não eram solidários nem so-
lícitos com os professores iniciantes. Tinham aqueles que entravam nas
brincadeiras dos alunos e ficavam ouvindo músicas ou jogando um jogo
qualquer com eles para passar o tempo. Na ocasião, o celular era uma no-
vidade, poucos tinham e por isso chamava muita atenção.

225
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Outros faltavam e não avisavam a escola com antecedência, o que


gerava na época chamávamos de caos, pois as salas ficavam constante-
mente sem professores e os alunos soltos pela escola. Mesmo com todos
estes problemas, procurava fazer com que os alunos se interessassem pela
aula de Filosofia, buscando proximidade para compreender melhor suas
necessidades.

2.4 RECONSTRUIR: COMO POSSO FAZER DIFERENTE?


COMO POSSO ME TRANSFORMAR?

A reflexão sobre a prática (SCHÖN, 2000) é um dispositivo im-


portante para a identificação dos saberes mobilizados nas ações pe-
dagógicas. A prática deve ser refletiva, problematizada e criticada
(TARDIF, 2014). Ao realizar este movimento de autorreflexão sobre
a prática, percebi que, mesmo com os obstáculos enfrentados por mim
para conseguir a atenção dos alunos, alguns deles realizaram bem as
atividades propostas. Mesmo com o entra e sai da sala de aula, conse-
gui prender a atenção de uma parte da sala e obter retorno da atividade
escrita de alguns estudantes.
Reflito que poderia ter usado outras estratégias, como criar regras
de convivência; utilizar exemplos mais atuais em minhas explicações para
ilustrar os temas trabalhados; a longo prazo trabalhar com projetos em
conjunto com outros professores para tratar de assuntos de ordem indivi-
dual e coletiva como: violência física e simbólica, gravidez na adolescência
e combate às drogas; usar meios tecnológicos para melhorar a interação
dos estudantes com os conteúdos.
Para melhor desenvolver a atividade deveria ter planejado melhor o
tempo; ter separado os grupos de maneira diferente do que por afinidade,
por meio de um sorteio por exemplo para que eles pudessem ter a oportu-
nidade de se conhecerem melhor e evitar conflitos futuros desnecessários;
ainda procuraria interagir mais com os professores mais experientes a fim
de aprender mais com eles, dando mais valor à formação dentro da profis-
são (NÓVOA, 2019) e assim melhorar meus saberes docentes; envolveria,
com aval da gestão da escola, a comunidade do entorno para ajudar a re-
solver os problemas e conflitos que apareciam na sala de aula.

226
FELIPE ASENSI (ORG.)

Por fim, ressalto a importância de se manter um diálogo próximo


com os alunos e com os professores para aprender mais sobre eles e assim
melhorar minha prática como professor, inserindo-me na cultura escolar,
identificando os saberes dos professores mais experientes a fim de melho-
rar meus conhecimentos e me profissionalizar como docente (TARDIF,
2014). É importante que o professor conheça os elementos do saber pro-
fissional docente para assim melhorar sua qualidade e competência profis-
sional (NETO; CYRINO; BORGES, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal do texto foi relatar minha experiência como


professor iniciante de Filosofia, destacando uma aula, o clima e a cultura
da escola para assim poder analisar minhas práticas no campo filosófico
por meio de uma reflexão crítica consistente.
Ao descrever esta aula que lecionei no início da carreira pude perceber
que o fato de não ter sido bem acolhido e orientado naquela escola me fez
imitar a prática e o modelo de aula de meus professores. Não fui orientado
pela equipe gestora sobre a importância de se ter um currículo a seguir,
como elaborar um plano de aula consistente ou a importância de seguir
uma sequência didática a fim de atingir um objetivo educacional. Não
sabia como prender a atenção dos alunos e como lidar com os conflitos
eminentes daquela realidade escolar.
Já com relação ao comportamento dos alunos, o fato de eles saírem
várias vezes da sala de aula acabou atrapalhando o aprendizado de quem
estava interessado em estudar e a debater as questões filosóficas. Por este
motivo, ficavam dispersos, sem conseguir se concentrar nas atividades. Eu
também me sentia um pouco desconfortável com a situação e não conse-
gui desenvolver bem aquela aula.
Sobre a análise da minha prática docente, minha inexperiência na-
quela época fez com que não buscasse ajuda e apoio dos professores mais
experientes e isso não foi proveitoso no início da minha carreira docen-
te. Não diversificava minhas aulas e agia sem me importar em abran-
ger todos os estudantes. Deixava com que saíssem da sala sem nenhum
questionamento pertinente quanto a este comportamento. Entretanto,
olhar para esta prática me fez ver a importância de se adquirir saberes e

227
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

conhecimentos docentes necessários para a constituição da prática pro-


fissional, algo que demanda tempo, esforço, dedicação e conhecimento.
Graças a essas e outras situações próprias do cotidiano escolar, fui
aprendendo a ser professor e melhorando minha prática docente a cada
dia. Já estive em escolas ótimas com muitos recursos tecnológicos e espa-
ços físicos dos melhores, mas foi nessa escola cheia de problemas e desafios
que aprendi a ouvir as histórias e necessidades dos alunos e assim refletir
sobre o professor que eu queria ser: humano e solidário, conhecedor das
dificuldades e sonhos dos alunos para poder contribuir com suas forma-
ções como cidadãos críticos e autônomos.

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230
BOATE KISS: O CUMPRIMENTO DAS
LEIS DE SEGURANÇA DO TRABALHO
COMO FUNDAMENTAL CRITÉRIO
PARA PREVENÇÃO DE ACIDENTES
Jailda Nonato dos Santos Oliveira24

INTRODUÇÃO

A gestão de segurança de saúde e do trabalho são ferramentas utiliza-


das com o propósito de reduzir o índice de acidentes e aumentar a cons-
cientização relacionada à segurança e à saúde de todos, poder contar com
a implementação da Segurança e Saúde no Trabalho é fundamental, já que
este sistema diminui consideravelmente os riscos de acidentes, propicia a
saúde, a satisfação e o bem-estar dos envolvidos (OLIVEIRA, 2010).
Segundo Freire (2009), os casos relacionados aos incêndios tomaram
maiores proporções ao passo que as cidades evoluíram, fazendo com que
fosse necessário dispensar mais atenção às situações de risco e, sobretu-
do, às maneiras de fuga quando isso ocorria, as popularmente conhecidas
como saídas de emergência.
A legislação brasileira, embora seja muito extensa, nem sempre
comportou normas rígidas e completas sobre a segurança em locais de
aglomeração de pessoas e, principalmente, normas estruturadas de pro-

24 Engenheira Ambiental. Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho. Docente


do Senac São Paulo. Pesquisadora nas áreas de Microbiologia e Engenharia Biomédica.

231
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

teção contra incêndio. A Boate Kiss foi um acontecimento sem prece-


dentes na história recente do sul do Brasil. Uma discoteca que pegou
fogo e matou 242 jovens na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul
(SILVEIRA, 2014).
Este incidente deixou filhos sem pais, pais sem filhos, irmãos sem ir-
mãos, amigos sem amigos é uma cidade marcada pelo incêndio da Kiss. O
acidente encontra-se dentre os mais propalados pela mídia, inclusive com
repercussão internacional. A investigação criminal, levada a cabo pela de-
legacia de polícia e a feita pelos técnicos do conselho regional de engenha-
ria, resultou em um conhecimento dos fatos imediatos, ou seja, um olhar
da relação causa e efeito, nitidamente estabelecida sem buscar as razões de
origem das causas. Após o trágico acidente, as discussões sobre seguran-
ça em eventos passaram a ser mais difundidas e a urgente necessidade de
prevenção de acidentes dessa natureza deu lugar à criação da chamada Lei
Boate Kiss (MARINHO,2021).
Este estudo foi produzido a partir de algumas indagações: o que mu-
dou no Brasil referente a este assunto? O Brasil evoluiu nesse sentido ou
continuamos na mesma situação? Estamos seguros de um desastre como
este ou apenas é questão de tempo para que aconteça de novo? Elegeu-se
como questão de partida: Que normas de segurança foram desrespeitadas
e Como a Lei 13.425, de 2017, também conhecida como Lei Boate Kiss,
mudou as normas de prevenção à incêndio?
Para cumprir tal objetivo, para além da relação imediata de causa e efei-
to utilizamos como modelo descritivo e analítico as normas regulamenta-
doras e as leis que foram criadas após o acidente, com enfoque qualitativo.
Nessa perspectiva, este artigo tem o objetivo de apresentar uma
proposta multidisciplinar e seria difícil o desenvolvimento de um diag-
nóstico único sem prejuízo ao aprendizado. O objetivo é justamente
constatar e apresentar o contingente de influências que estavam em jogo
no sistema da gestão da boate, além de acentuar a importância de uma
gestão para o trabalhador.
A parte do artigo que incide sobre legislação tem o interesse de elu-
cidar as mudanças nas leis com o acidente da Boate Kiss. Fazendo, assim,
que se abra um espaço para algumas reflexões tais como o incêndio e suas
características, a organização e segurança do trabalhador em casas notur-

232
FELIPE ASENSI (ORG.)

nas, outra reflexão importante está relacionada à responsabilidade gover-


namental em todas as esferas no tocante à proteção da vida humana.

1. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA DA PESQUISA

O presente estudo, portanto, está estruturado por seis capítulos e seus


subcapítulos, de forma que aborda questões relativas ao assunto do incên-
dio em Santa Maria. Com o caráter de informar o leitor para que ele tenha
capacidade de compreender as consequências de tal acontecimento.
Thomas e Nelson (2002) descrevem:

A pesquisa qualitativa é um método de pesquisa que envolve ob-


servação longa e intensiva em um ambiente; registro preciso e de-
talhado do que acontece um em 3317 ambiente; interpretação e
análise interpretadas, citações diretas, gráficos e tabelas e, algumas
vezes estatística (usualmente descritiva) (p.36).

Para tanto, no capítulo 1 temos a trajetória metodológica, no capí-


tulo 2 vamos trazer o histórico de como foi o acidente em Santa Maria.
No capítulo 3 vamos analisar os conceitos das normas de segurança do
trabalho. No capítulo 4 vamos analisar a Lei 13.425, antes e depois da tra-
gédia. No capítulo 5 vamos abordar as principais diretrizes em segurança
para o trabalhador e assim prevenir e/ou minimizar acidentes em casa de
shows, utilizando o caso Boate Kiss, como referência. Por fim encerramos
a reflexão com as considerações finais, baseadas nos estudos analisados na
elaboração deste artigo.
A pesquisa está apoiada na técnica de análise de conteúdo, proposta
por Poirier, Clapier-Valladon e Raybaut (1999), que propõem seis eta-
pas de operações práticas: (1) pré-análise, (2) clarificação do corpus, (3)
compreensão do corpus, (4) organização do corpus, (5) organização catego-
rial e (6) somatório das narrativas de vida. “A armadura da organização e
descodificação do corpus, só elas permitem dar-lhes conta do sentido. É
possível, assim, repartir os discursos individuais pelo sistema de categorias
e, fazendo-o, preparar a apresentação e a redação do relatório final” (POI-
RIER; CLAPIER-VALLADON; RAYBAUT, 1999, p. 119).

233
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

2. COMO FOI O ACIDENTE NA BOATE KISS?

O dia 27 de janeiro de 2013 ficou marcado na memória de todos os


brasileiros, e de uma forma ainda mais intensa, na vida das mais de 608
famílias que tiveram seus parentes envolvidos na tragédia (FELIPE, 2001).
Era um dia normal de diversão na cidade de Santa Maria, recanto
universitário de vários jovens. Por volta de meia noite o tempo na fila de
espera era de pelo menos meia hora, mas isto não desanima os jovens, até
porque estavam entre amigos, no ambiente que era o point dos universitá-
rios. Naquela noite estavam comemorando o término de um dos cursos,
estavam presentes estudantes de zootecnia, agronomia, veterinária dentre
outros. Naquela noite o Show programado foi o da banda Gurizada Fan-
dangueira, o grupo cantava música regional, que atraía vários fãs inclusive
por proporcionar show pirotécnico, naquela noite o show iniciou por vol-
ta das duas horas da manhã (LASCIO,2001).
Após a quarta música o vocalista, auxiliado pelo promotor da ban-
da, aciona o artefato e inicia-se de pronto um princípio de incêndio e
tenta por três vezes extinguir o princípio de incêndio, sem sucesso pois
o extintor estava sem lacre, demonstrando que havia algum uso anterior
(MARINHO, 2021).
Os membros da banda foram os primeiros a abandonar o recinto. Os
que estavam na frente do palco ao ver que a situação estava fora de con-
trole começaram a fuga do local, outros sem saber ao certo o que estava
acontecendo percebem o tumulto e alguns imaginaram ser uma briga.
Os seguranças do local cumprindo o dever orientavam que fosse feito o
pagamento da comanda para que pudessem sair pela única porta de saída,
somente quando os seguranças verificaram a situação é que foi liberada a
saída dos que ali estavam, porém o incêndio já estava em grandes propor-
ções. Foram 242 mortos, e quase 600 feridos (SILVEIRA, 2014).
Além dos jovens universitários, 22 trabalhadores morreram no in-
cêndio, entre funcionários da casa noturna, profissionais terceirizados e
músicos que se apresentavam naquela madrugada. Segundo documentos
entregues pela administração da Boate Kiss à Polícia Federal, o estabele-
cimento tinha 35 trabalhadores (17 com Carteira de Trabalho assinada e
18 sem registro). Do total, 14 morreram em decorrência do incêndio. No

234
FELIPE ASENSI (ORG.)

entanto, outras duas pessoas que trabalhavam no local foram identificadas


entre as vítimas e outros seis eram profissionais de vigilância/segurança
terceirizados e integrantes das bandas com shows programados para aque-
la noite (FAGUNDES, 2015).
Nas declarações das testemunhas à Polícia Civil, 18 pessoas disseram
que não tinham recebido treinamento para usar extintores, nem orienta-
ção para evacuação em casos de tumultos ou incêndios. Além disso, não
havia equipamento de comunicação entre os seguranças da casa noturna.
Outras falhas também se deram na falta de sinalização, apontando a saída
de emergência e faixas luminosas que indiquem onde fica a saída. Pelo
ocorrido, foram indiciados e presas quatro pessoas, sócias do empreendi-
mento e responsáveis por promover a sua segurança. A seguir apresenta-
mos uma ilustração do local do acidente (MARTELLI, 2018).

Figura 1: Infográfico da Tragédia. Jornal diário de Santa Maria (SILVEIRA,2014, p. 162).

235
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

2.1. DESRESPEITO ÀS NORMAS DE SEGURANÇA

• S egundo informações prestadas pelos sobreviventes da tragédia:


• O fogo começou depois que um dos integrantes da Banda Guri-
zada Fandangueira manipulou um sinalizador pirotécnico proibi-
do para ambientes fechados;
• A utilização de fogos de artifício por essa banda era comum na
Boate Kiss;
• Quando o fogo começou a se alastrar, pelo menos um extintor de
incêndio não funcionou e o fogo ficou difícil de ser controlado;
• A boate só tinha capacidade para 691 pessoas, e no momento do
acidente havia mais público do que o permitido pelas normas de
segurança;
• O alvará de funcionamento expedido pelo Corpo de Bombeiros
estava vencido desde agosto de 2012;
• O local tinha apenas um único acesso para a entrada e saída de
pessoas e não contava com saídas de emergência;
• A boate não obedeceu ao plano de prevenção contra incêndio fei-
to por uma profissional de engenharia;
• A perícia concluiu que todas as mortes ocorridas nesse acidente se
deram por asfixia das vítimas (BASTOS, 2014).

3. SEGURANÇA DO TRABALHO

Como definição, segurança é um estado, uma condição; traduz-se,


basicamente, em confiança. A segurança do Trabalho pode ser resumida
em uma frase: É a prevenção de perdas. Estas perdas às quais devem ser
antecipadas referem-se a todo tipo de ação técnica ou humana, que pos-
sam resultar numa diminuição das funções laborais (produtivas, humanas,
etc.). A segurança do trabalho são os meios preventivos (recursos), e a pre-
venção dos acidentes é o fim a que se deseja chegar (ZOCCHIO, 1996).
O empregador, visando lucros em produtividade, nos últimos anos,
passou a preocupar-se mais com a segurança, devido aos custos diretos e
indiretos que um acidente pode representar para sua empresa. Sejam elas

236
FELIPE ASENSI (ORG.)

com perdas, injúrias, danos à propriedade eventualmente causados pelas


atividades, produtos e serviços de uma organização (FELIPE, 2001).
Para Araújo (2006), as empresas devem estar livres de riscos inacei-
táveis de danos nos ambientes de trabalho, garantindo o bem-estar físico,
mental, e social dos trabalhadores e partes interessadas. Esta visão vem
se desenvolvendo de forma gradativa e tende a se expandir com os novos
conceitos que estão surgindo, relacionando a segurança com a qualidade e
a produtividade (CONCEIÇÃO,2006).
O quadro de Segurança do Trabalho de uma empresa de acor-
do com a Norma Regulamentadora Quatro (NR 4) compõem-se de
uma equipe multidisciplinar composta por Técnico de Segurança do
Trabalho, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Médico do Traba-
lho e Enfermeiro do Trabalho. Esta norma delimita as atribuições de
competências desses profissionais, além de estabelecer os critérios para
constituição do SESMT – Serviço Especializado em Engenharia de
Segurança e Medicina do Trabalho. Também os empregados da em-
presa constituem a CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Aci-
dentes, que tem como objetivo a prevenção de acidentes e doenças
decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanente-
mente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do
trabalhador (OLIVEIRA, 2003).
Segundo Saliba (2006), a segurança do trabalho visa prevenir os aci-
dentes de trabalho oriundos dos diversos riscos operacionais presentes nos
ambientes de trabalho (eletricidade, proteção de máquinas, armazena-
mento, dentre outros). Desse modo, as medidas adotadas na prevenção
dos acidentes de trabalho muitas vezes minimizam a exposição aos agentes
ambientais. Portanto, um programa de segurança do trabalho deverá in-
cluir, também, o controle dos riscos ambientais e vice e versa.
Sendo assim, a segurança do trabalho pode ser entendida como os
conjuntos de medidas que são adotadas visando minimizar os acidentes
de trabalho, doenças ocupacionais, bem como proteger a integridade e a
capacidade de trabalho do trabalhador (ARAÚJO, 2006).
De acordo com SILVEIRA (1995), as primeiras técnicas e leis em re-
lação à prevenção de incêndio tiveram atenção após as tragédias que ocor-
reram nos edifícios Andraus e Joelma, nos anos 1970, época em que se

237
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

iniciaram os estudos com a finalidade de adaptar itens de segurança, assim


como as maneiras corretas de abandonar locais de incêndio.
Em 1974, publicou-se, por meio do ABNT/CB-024 da Associação
Brasileira de Normas Técnicas, designada como “Saída de emergência em
edifícios”, estabelecendo normas que executassem escadas seguras, caso
houvesse a necessidade de evacuar a área em incêndios. Porém, a norma
foi reformulada em 1985 para NBR 9077, pois devido aos avanços tec-
nológicos e pesquisas mais aprofundadas, atualizou-se no ano de 1993 e,
mais adiante, em 2001. Em 1995 criou-se um grupo de trabalho no sen-
tido de desenvolver normas relacionadas ao período de resistência ao fogo
em edifícios, e no ano de 2000 foi publicada a NBR 14323, recebendo o
nome de “Exigências de resistência ao fogo de elementos construtivos de
edificações – Procedimento” (ABDALA, 2015).
O autor ainda ressalta que, após anos de pesquisas, no fim de 2011,
concluiu-se o Código de Segurança contra Incêndio e Pânico do CBPM-
PR, o qual estabelecia diversos conceitos atuais, mas mantinha aqueles
que se consolidaram. As mudanças mais relevantes foram relacionadas ao
total planejamento das edificações, ou seja, o Código não estabelece so-
mente a aprovação de um Projeto de Incêndio, mas atuava desde a sua
construção (CONCEIÇÃO, 2006).

4. ANTES E DEPOIS DA LEI 13.425 DE 2017

Legislação vigente à época da tragédia – Quando da ocorrência da


tragédia na boate Kiss, na cidade de Santa Maria/RS, a legislação atinen-
te à proteção e prevenção contra incêndios, expedição de alvarás e fisca-
lização de estabelecimentos encontrava-se desatualizada e sem qualquer
atenção das autoridades. Em âmbito municipal, na cidade gaúcha em que
ocorreu o incidente havia apenas previsão no Plano Diretor e na Lei Or-
gânica do município, combinando diversos decretos e normas espalha-
dos por diferentes órgãos da administração municipal (Lei 3301/1991).
A nível estadual, está em vigência a Lei 10.987 (RIO GRANDE DO
SUL, 1997), extremamente desatualizada e com apenas cinco dispositivos
dos quais os mais importantes eram “fiscalizações” dos prédios e possíveis
aplicações de multas (ACOSTA, 2015).

238
FELIPE ASENSI (ORG.)

Após a tragédia, com a consciência de que a ausência de regulamen-


tação havia contribuído para o fato o Estado passou a debater sobre a ne-
cessidade de uma lei única a fim de evitar acontecimentos similares. Dessa
maneira, passou a tramitar na Assembleia Legislativa do Rio Grande do
Sul, em julho de 2013, a Lei Kiss Gaúcha, que entrou em vigor no mesmo
ano, revogando expressamente a Lei 10.987 (RIO GRANDE DO SUL,
1997), (MARINHO, 2021).
Na mesma linha do que quase sempre acontece com a legislação
brasileira, não foi originada da reflexão preventiva das nossas autoridades
parlamentares. Ela foi fruto da comoção popular e do chamado Direito
Penal de Emergência ou de Revanche, que ocorre sempre que o legis-
lador origina um diploma normativo com vistas a punir ou dar uma
satisfação à sociedade diante de uma catástrofe ou outro evento grave.
O projeto foi originado na Câmara dos Deputados, no ano de 2014, e
depois revisado pelo Senado Federal e enviado para sanção presidencial
(MARTELLI, 2018).
O Projeto de Lei nº 2.020 (BRASIL, 2007) voltou à pauta do Con-
gresso Nacional, tornando-se a vigente Lei Federal nº 13.425 (BRASIL,
2017) – igualmente conhecida como “Lei Boate Kiss” –, sancionada pelo
presidente da República Federativa do Brasil, Michel Temer, com doze
vetos. A ementa da Lei Federal Boate Kiss refere que o diploma legal “es-
tabelece diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incên-
dio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de
público; [...]” Além disso, a legislação em comento altera o Código Civil
brasileiro, gerou alterações no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/90) e na Lei de Improbidade Administrativa Lei nº 8.429/92 (FA-
GUNDES, 2015).
Dentre as principais disposições trazidas pela Lei nº 13.425 (BRASIL,
2017) encontra-se a prevenção de incêndios e desastres como condição
para a realização de eventos artísticos, culturais, esportivos ou científicos
que envolvam incentivos fiscais da União; a responsabilização legal dos
órgãos de fiscalização profissional de engenharia e arquitetura; a observa-
ção das normas de prevenção de incêndio pelo planejamento urbano mu-
nicipal; a determinação de que estabelecimentos com reunião de idosos,
crianças, pessoas com dificuldade de locomoção ou que contenham mate-

239
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

rial inflamável, mesmo com potencial de ocupação inferior a cem pessoas,


devem observar as normas da lei (CARRION, 2016).
A priorização do uso de materiais de baixa inflamabilidade na cons-
trução de edificações destinadas à aglomeração de pessoas como condição
para a obtenção de alvará de funcionamento do local; a utilização de sis-
tema preventivo de aspersão automática de combate a incêndio em lo-
cais de aglomeração de pessoas, como condição para o licenciamento do
empreendimento; a vinculação da validade do alvará de funcionamento à
validade do projeto de prevenção de incêndio; obrigação de exibição do
alvará de funcionamento e da aprovação do projeto contra incêndio no
sítio da internet do empreendimento e no próprio estabelecimento; entre
outros (MARTELLI, 2018).
O projeto de Lei é muito rigoroso, seguindo as diretrizes e o exem-
plo de países como Estados Unidos e algumas nações da União Europeia.
Contudo, muitas dessas passagens mais rigorosas foram vetadas pelo Pre-
sidente Michel Temer (BULOS, 2005).

4.1 QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS DETERMINAÇÕES DA LEI


BOATE KISS SOBRE PREVENÇÃO DE INCÊNDIO?

Bem, a Lei Boate Kiss não trouxe modificações substanciais, embora


tenha alterado as redações do Código Civil, Código de Defesa do Con-
sumidor e Lei de Improbidade Administrativa. Isso porque a legislação
pátria já dispunha de normas de controle e prevenção de acidentes dessa
espécie, por meio de portarias e regulamentos. Embora essas normas não
tivessem a hierarquia de lei ordinária, elas já contemplavam uma série de
situações que foram objeto da preocupação do legislador ordinário. En-
tretanto, as principais determinações da referida lei foram: Prevenção de
incêndios e desastres; Responsabilidade legal; Observação das normas de
prevenção de incêndios pelo município; Locais com capacidade menor
que cem pessoas (CONCEIÇÃO, 2003).
Além do uso de materiais não inflamáveis na construção; Sistema de
aspersão automática (Utilização de sistemas preventivos de aspersão au-
tomáticos de combate a incêndios em locais de aglomeração de pessoas,
como condição para o licenciamento do empreendimento); Validade do

24 0
FELIPE ASENSI (ORG.)

alvará (A validade do alvará de funcionamento do local fica condicionada


à validade do projeto de prevenção de incêndios); Alvará e projeto contra
incêndio (Necessidade de exibição do alvará de funcionamento e da apro-
vação do projeto contra incêndio no sítio da internet do empreendimento
e no próprio estabelecimento) (ABNT, 2013).
Bem, esses são os principais pontos a ressaltar sobre a nova Lei Boate
Kiss, que entrou em vigor em setembro de 2017. É importante deixar
claro, contudo, que a prevenção de acidentes deve ser uma preocupação
constante. A segurança das instalações, além de ser um dever do empre-
sário e direito dos frequentadores, também é um requisito indispensável
para o sucesso de qualquer empreendimento (MARINHO, 2021).

5. NORMAS E LEIS PARA PREVENÇÃO DE ACIDENTES

São várias as Leis que regem a Segurança no Trabalho, juntamente


com vários órgãos que fiscalizam o seu cumprimento. A Constituição Fe-
deral de 1988, Art. 7°, dita os direitos dos trabalhadores e entre eles o que
garante a segurança no trabalho: “XXII – redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde e segurança. XXIII – adicional de
remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma
da lei” (BULOS, 2005).
Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no seu Capítulo V –
Da Segurança e da Medicina do Trabalho Art. 154, até o artigo 223, dita
normas e medidas de segurança para os locais de trabalho, a obrigatoriedade
por parte das empresas de manter serviços especializados em segurança e
em medicina do trabalho, a constituição da CIPA, o fornecimento de Equi-
pamentos de proteção Individual (adequado ao risco), os exames médicos
(na admissão, demissão e periódicos), requisitos técnicos para a segurança
de trabalhadores em edificações, iluminação, conforto térmico, instalações
elétricas, armazenamento, movimentação e manuseio de materiais nos lo-
cais de trabalho, das máquinas e equipamentos utilizados pelos colaborado-
res, caldeiras, fornos e recipientes sob pressão, atividades insalubres ou pe-
rigosas, medidas especiais de proteção e penalidades (CARRION, 2006).
Além disso, devem ser observadas as Normas Regulamentadoras, tam-
bém conhecidas por NRs, que são normas que regulamentam, fornecem

24 1
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

parâmetros e instruções sobre Saúde e Segurança do Trabalho. As NRs são


elaboradas por uma comissão composta por representantes do governo, dos
empregadores e dos empregados e todas elas são imprescindíveis para um
ambiente de trabalho saudável. Dependendo da quantidade de funcioná-
rios e do grau de risco da atividade desenvolvida na empresa, o número de
componentes do SESMT aumentará gradualmente, para assim garantir que
a saúde e segurança dos funcionários seja respeitada (OLIVEIRA,2003).
Outro programa obrigatório trata-se, de acordo com a NR 1, do Pro-
grama de Gerenciamento de Riscos (PGR), pelo qual é realizada a ante-
cipação, reconhecimento, avaliação e controle dos riscos ambientais. Este
programa também deverá ser desenvolvido em todas as instituições que
admitam trabalhadores como empregados. Tem como objetivo princi-
pal a preservação da saúde e integridade dos colaboradores, fazendo parte
de um conjunto de medidas que buscam a qualidade de vida das pessoas
(BRASIL,2020).
A NR 5 Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) tem
por objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho.
Esta Comissão é obrigatória nas empresas, sendo constituída por repre-
sentantes do empregador e dos empregados. A CIPA trabalha como um
intermediador entre a diretoria e os colaboradores, promovendo assim a
segurança deles. Isto evidencia a importância da participação dos cola-
boradores na elaboração de medidas preventivas, no uso de EPIs dentre
outras medidas (BRASIL, 2020).
A CIPA terá por atribuições elaborar o Mapa de Riscos da empresa,
elaborar um plano de trabalho de segurança e saúde no trabalho, realizar
reuniões de avaliação e controle de metas, colaborar com o desenvolvi-
mento e implementação do PGR e Programa de Controle Médico da
Saúde Ocupacional (PCMSO), promover anualmente a Semana Interna
de Prevenção de Acidentes do Trabalho (SIPAT), entre outras que estão
na NR 5 (BRASIL, 2021).
Além destas descritas, todas as demais têm sua relevância em deter-
minados ambientes de trabalho, devendo ser observado suas indicações e
limites de tolerância para os riscos encontrados. Caso o empregador não
cumpra essas exigências, caberá a ele responder judicialmente pelo seu ato
e negligência (CARRION, 2006).

24 2
FELIPE ASENSI (ORG.)

5.1 PLANO DE PREVENÇÃO E PROTEÇÃO CONTRA


INCÊNDIOS (PPCI)

O PPCI é uma sigla que significa plano de prevenção e proteção de


combate a incêndio, baseado em um conjunto de ações que possam ga-
rantir a segurança das pessoas. Esse plano é exigido por lei, sendo um do-
cumento fiscalizado pelo Corpo de Bombeiros para verificar se as instala-
ções e implementações realizadas no local estão de acordo com as normas
vigentes. Esse plano de prevenção deve ser realizado para qualquer tipo de
estabelecimento comercial, residencial ou industrial que necessite obter o
AVCB (Auto de vistoria do corpo de bombeiros) ou CLCB Certificado
de Licenciamento do corpo de bombeiros (ACOSTA, 2015).
A elaboração do plano PPCI deve ser realizada por um profissional
habilitado que possui o credenciamento junto ao Conselho do CREA.
Esse profissional deve ser registrado e possuir curso superior para estar
apto a realizar a ART – Anotação de Responsabilidade Técnica, um laudo
que tem como objetivo definir os responsáveis técnicos por uma determi-
nada obra ou prestação de serviço (FAGUNDES, 2010).
O profissional habilitado para elaborar o PPCI vai adotar e implantar
as medidas de segurança necessárias para a prevenção de incêndios. As
medidas serão analisadas pelo Corpo de Bombeiros. Após a aprovação do
plano o órgão responsável irá realizar a fiscalização através de uma vistoria
onde será verificado se as instalações estão de acordo com o plano aprova-
do. Os bombeiros irão averiguar o PPCI e poderão exigir novas medidas
de segurança, além de poderem determinar um período para que as mes-
mas sejam executadas (ABDALA, 2015).
Os itens a serem instalados pelo PPCI serão analisados de acordo com
o risco do local, carga de incêndio e outros critérios baseados nas instru-
ções técnicas.
O plano de emergência contra incêndio e pânico deve conter, no mí-
nimo:

• a s características gerais da edificação;


• os procedimentos básicos de emergência contra incêndio e pânico;
• o plano de abandono;

24 3
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

• a previsão de exercícios simulados; e


• as plantas de emergência.

Entre os equipamentos de segurança podemos citar os extintores de


incêndio; hidrantes; lâmpadas de emergências; placas de sinalização; porta
corta-fogo; saídas de emergência e sprinklers, os chuveiros automáticos.
Ter um PPCI aprovado é essencial para a segurança de todos na edificação.
Faça inspeções de rotina para garantir que as medidas estejam em vigor e
sejam mantidas. Investigue todos os acidentes para garantir que as lições
sejam aprendidas e os procedimentos alterados, se necessário (FAGUN-
DES, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho evidenciou a importância do cumprimento das leis


de segurança do trabalho como fundamental critério para prevenção de
acidentes, com base no caso Boate Kiss. Percebeu-se que contrariar as
normas vigentes invariavelmente resulta em conflito e prejuízos a certas
partes. Enquanto não houver atitudes coerentes, seguindo o Código de
Ética Profissional da engenharia, da agronomia, da geologia, da geogra-
fia e da meteorologia, (CREA), bem como aplicação dos conhecimentos
obtidos em conhecimento técnico e científico), não teremos profissionais
competentes e vítimas serão feitas por meio de más execuções de obras e
negligência de seres humanos. Logo, atentar-se à importância dos concei-
tos básicos de ética e levar em consideração as consequências que um ato
negligente pode gerar, é ato mínimo a se esperar de qualquer profissional,
na engenharia ou fora dela.
É observável que empresas, destacando-se em sua maioria as de menor
porte, optem por consultorias particulares, que desenvolvem esses progra-
mas como pacotes economicamente mais viáveis e que atendam as normas
regulamentadoras, haja visto que pela própria NR, não se há exigência de
profissionais da segurança e saúde do trabalho nessas empresas destacadas.
As condições de trabalho definem-se por um conjunto de fatores re-
lacionados com a qualidade de vida das pessoas e nos resultados das tarefas
que elas desenvolvem, de modo que muitos problemas que ocorrem no

24 4
FELIPE ASENSI (ORG.)

ambiente de trabalho dos profissionais são por falta das medidas de segu-
rança para o trabalho nesse ambiente.
No âmbito dessas informações, faz-se essencial a aplicação das nor-
mas regulamentadoras, leis, documentos, portarias e demais orientações
do corpo de bombeiros e profissionais de saúde e segurança do trabalho
no planejamento e organização das diversas áreas diurnas, e a exemplo do
objeto de estudo, dos locais em funcionamento noturno, (bares, restau-
rantes, casas de show, dentre outros), não apenas pelo aspecto normativo,
mas, principalmente, por conter princípios de utilização coletiva.
Sobre esses aspectos, torna-se necessária a implementação de padrões
de segurança e proteção contra incêndio nos imóveis, sistemas de proteção
por extintor de incêndio, aplicação da norma regulamentadora (NR 23),
bem como em áreas de risco de incêndio. Todas as pessoas ao frequentar
um estabelecimento, conforme citado, precisa visualizar facilmente as si-
nalizações para saídas de emergência, porta corta-fogo, extintores, alarme
de incêndio com detector de fumaça, Sprinkler (chuveiro automático para
extinção de incêndio) e quadro informativo da capacidade máxima de pú-
blico, caso contrário o ambiente é considerado inseguro.
Outros aspectos a serem considerados como caráter preventivo e que
se constituem situações sujeitas à denúncia na Vigilância em Saúde do
Trabalhador são aquelas potencialmente geradoras de risco à saúde ou de
acidentes e doenças adquiridas nos ambientes e condições de trabalho,
tais como: 1) Antropométricos; 2) Layout ou Leiaute; 3) Biomecânicos;
4) Organização do trabalho; 5) Químicos; 6) Físicos; 7) Biológicos; 8)
Mecânicos; 9) Cognitivos.
Consiste em um direito para os funcionários e frequentadores efetuar
denúncias sobre as más condições do ambiente de trabalho. Em primeiro
lugar, está a atuação da Vigilância em Saúde do Trabalhador (VST), este
órgão municipal, intervém nos fatores determinantes de agravos à saúde
das pessoas gerados pelo ambiente mal dimensionado para a realização do
trabalho (espaço reduzido, mobiliário inadequado, ferramentas pesadas,
obstáculos de circulação, etc.), pois o resultado da exposição a estes fatores
pode levar a acidentes de trabalho ou adoecimento junto aos ministérios
do Trabalho e Emprego (MTE) e Público do Trabalho (MPT), bem como
vigilância sanitária. Em segundo lugar, estão as ações conjuntas com ór-

24 5
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

gãos federais e estaduais que atuam diretamente na área do trabalho como


Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho.

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DECRETO Nº 53.280, DE 1º DE NOVEMBRO DE 2016. Estabele-


ce normas sobre segurança, prevenção e proteção contra in-
cêndio nas edificações e áreas de risco de incêndio no Estado
do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/
filerepository/replegis/arquivos/dec%2053.280retificado.pdf. Aces-
so em: 28.03.2022.

250
PERDA AUDITIVA: ESTRATÉGIAS
DE BUSCA PARA PROMOVER O
APRENDIZADO EM UM MUNDO
SILENCIOSO
Maria de Lourdes Oliveira25

INTRODUÇÃO

O processo educativo faz parte da vida e do desenvolvimento huma-


nos. Ao longo da história de uma pessoa ela busca subsídios para potencia-
lizar o seu desenvolvimento, busca por o aperfeiçoamento de suas poten-
cialidades. Assim, ao longo da história, a educação tem sido um recurso
importante para o desenvolvimento do indivíduo e à medida que a pessoa
se modifica acaba por modificar também o meio, portanto estas modifica-
ções também se refletem na sociedade como um todo.
Buscar por melhorias das potencialidades humanas passou a ser uma
das grandes preocupações da humanidade, e assim se deu ao longo da
história, e segue o seu curso em uma busca constante por aperfeiçoa-

25 Mestranda em Educação Global, Desenvolvimento Humano e Gestão da Inovação com


imersão internacional da Flórida Christian University - FCU, Especialista em Gestão Escolar
(FAPESP), Especialista em Atendimento Educacional Especializado (Faculdade Dom Alberto),
graduada em Pedagogia (Faculdade Anhanguera de Osasco), graduanda em Letras (Facul-
dade Dom Alberto), professora da Educação Infantil e ensino fundamental I da rede pública
do Estado de São Paulo.

251
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

mentos das práticas educativas para atender às necessidades humanas por


conhecimento.
Desse modo, ao sistematizar a educação observou-se lacunas neste
processo e assim sucessivamente, as necessidades de aperfeiçoamento do
processo educativo estão em constante modificação. Com isso educar pas-
sa a ser uma prática sintetizada e em constantes transformações.
Diante disso, muitas outras questões foram sendo consideradas e a
educação passa a ser direito de todos, porém um questionamento presente
é como garantir este direito a todos em um país com tantas desigualdades.
Refletir sobre educação pressupõe que diferentes sujeitos têm os mesmos
direitos e possam conviver no mesmo ambiente, ou seja, no espaço escolar.
Assim, com a inserção de todos os sujeitos de direitos na sala de aula,
em muitos países, esta inclusão ainda não faz parte da realidade. No Brasil
não é diferente, a inclusão não faz parte da realidade brasileira por com-
pleto. Quando se trata de deficiência auditiva a questão é mais profunda.
Visto que o fato de não escutar não acarreta desvantagens no desem-
penho da criança, as dificuldades estão nos contextos sociais, os quais
acabam por tratar estas pessoas como menos capacitadas para o convívio
social, quando na verdade o deficiente auditivo consegue conviver em so-
ciedade, sendo que a dificuldade está na própria sociedade em não ter uma
estrutura para acolher os diferentes sujeitos de direitos.
Nesse sentido, este estudo vem analisar por meio de estudos de artigos
referentes ao tema, disponíveis no Google Acadêmico, e em plataformas
como SciELO entre outras. Para discorrer sobre o processo de aprendi-
zagem da criança com deficiência auditiva, suas dificuldades e potencia-
lidades.
Para tanto, traz em seu primeiro capítulo uma perspectiva de educa-
ção para todos, no segundo capítulo traz uma reflexão da escola pública
como espaço do saber versus espaço de estar, por fim, nas considerações
finais traz uma análise dos assuntos tratados nos capítulos anteriores.

1. EDUCAÇÃO PARA TODOS

Educar pressupõe lidar com a diversidade, estar sempre aberto ao


novo, ao diferente pois em sala de aula pode ocorrer perfil diversificado

252
FELIPE ASENSI (ORG.)

com muitas diferenças entre uma criança e outra. Além da grande diver-
sidade humana presente em sala de aula, na qual cada sujeito tem suas
peculiaridades e formas diferentes de construir o seu aprendizado e seus
conhecimentos. A educação tem o papel de ser um ambiente inclusivo
e precisa preparar sua estruturação a fim de receber, entender e acolher
todos os diferentes sujeitos.
Também cabe a este ambiente o papel de reconhecer as diferenças
nas capacidades físicas, motoras e psicológicas das crianças, nesse sentido
a criança com perfil diferenciado e necessidades diversas deve ser consi-
derada no processo educativo, nos casos de pessoas surdas, essa debilidade
pode ser capaz de deixar esse ambiente ainda mais inóspito e hostil, pois
de acordo com o posicionamento do professor e do corpo docente respon-
sável por aquela escola, este ambiente pode ser melhorado ou prejudicado
por falta de recursos para a permanência dessa criança na escola.
Portanto, pensar uma escola para todos passa a representar uma ade-
quação às necessidades dos usuários deste espaço. Pois:

Uma Educação adaptada a suas possibilidades, que utilize diferentes


recursos comunicativos, que contribua à sua socialização, que seja
capaz de não colocar à margem, nem do mundo dos ouvintes nem
do mundo dos surdos, pode ter enormes repercussões favoráveis para
sua aprendizagem e sua educação (MARCHESI, 1995, p. 201).

Buscar diferentes recursos a fim de contribuir com o desenvolvimen-


to de todos representa uma estratégia positiva, pois a educação é o pas-
saporte para a inserção dos alunos surdos na sociedade, assim como os
direitos ao pertencimento. Pois uma das maiores dificuldades de muitos
educadores está no fato de não ter conhecimentos específicos para enten-
der os processos neurológicos interligados com as aprendizagens, a audi-
ção, a fala e as conexões neurais tão importantes para a concretização do
das aprendizagens.
Portanto para contribuir com escola para todos estes espaços precisam
ser repensados e feitas algumas adequações às necessidades dos usuários
deste espaço. Visto que a educação é um direito de todos e garantir este
direito pode ser um grande desafio ou uma tarefa árdua.

253
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Pois para alcançar a todos será preciso desenvolver estratégias que su-
perem suas limitações conforme Coll (1999, p. 203), ao dizer que: “As
primeiras limitações na evolução intelectual das crianças surdas manifes-
tam-se em suas expressões simbólicas, não somente na aquisição do código
linguístico oral, mas também em outras formas como o jogo simbólico”.
Educar não se trata apenas de incluir a criança no ambiente escolar,
será preciso uma busca de subsídios para entender e desenvolver o poten-
cial da criança, para que ela se sinta pertencente a este espaço do saber, e
não apenas estar em um espaço físico.
Visto que se ela não escuta, muitas ações realizadas nas escolas po-
dem não fazer sentido algum, o que irá depender do grau de surdez desta
criança. Pois para Rinaldi (1994), “a diminuição da capacidade de percep-
ção normal dos sons, sendo considerado surdo aquele cuja audição não é
funcional com ou sem prótese auditiva”.
Nos casos em que a criança não ouve os sons, ela precisa buscar em
todo o seu sistema de aprendizagens substitutos para tais funções, quando
estes não são suficientes acarretam uma perda considerável do seu poten-
cial para as aprendizagens.
Nesses momentos o educador será um elemento possibilitador, pois
este pode oferecer estímulos externos capazes de despertar sentidos im-
portantes para tais funções, nesse sentido o uso de recursos como ima-
gens, língua de sinais, entre tantos outros recursos eficazes para a apro-
priação de uma linguagem, pode ser um instrumento possibilitador para
o desenvolvimento da linguagem.
Nesse sentido, também o educador pode desenvolver com a criança a
linguagem de Libras como a primeira língua, visto que esta já é reconhe-
cida legalmente.
Portanto, a escola é um ambiente pensado para atender a todos, po-
rém existe muitas dificuldades em se garantir estes direitos e as crianças
com deficiência acabam por serem as mais prejudicadas.
Para tanto é importante salientar que essa responsabilidade é de todos
dentro de uma sociedade, porém acaba caindo nos braços do professor em
sala de aula, e o resultado para a criança surda pode ser uma sala de aula
como um lugar silencioso, onde tudo parece complexo e sem significado.

254
FELIPE ASENSI (ORG.)

1.1 SALA DE AULA, UM LUGAR SILENCIOSO.

Buscar o entendimento de como funciona o mundo silencioso da


criança por meio de estudos das linguagens, e das áreas neurológicas res-
ponsáveis pelas aprendizagens a fim de se entender a criança, e proporcio-
nar um significado para as atividades diárias vivenciadas por elas em seu
dia a dia, é um desafio para o educador que recebe em sala de aula uma
criança surda.
Pois para a pessoa ouvinte será difícil o entendimento de como fun-
ciona os processos de aprendizagens sem os recursos da audição, e se a fala
está diretamente ligada ao som, e o som ligado às aprendizagens, e estas
ligadas à fala, logo para esta criança ressignificar suas aprendizagens será
mais difícil, desse modo adequar as estratégias pedagógicas do educador
pode ser uma tarefa difícil.
Portanto, educar pressupõe entender as deficiências e buscar nestes
conhecimentos os subsídios necessários para a promoção do saber, tendo
em vista que: “Entende-se que o termo “deficiência” significa uma restri-
ção física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que
limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida
diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social” (BRASIL,
2001, p. 2).
Desse modo, tornar a sala de aula um espaço de fala para a criança sur-
da requer habilidades do educador, comprometimento da equipe pedagó-
gica e apoio dos setores responsáveis, além de muito comprometimento
com o trabalho a ser desenvolvido.
Pois para que este espaço represente esta criança será necessário pen-
sar em linguagens, pois por meio destas o indivíduo ouve e reproduz seu
aprendizado e posteriormente se apropria dele, e sem o recurso da audição
e consequentemente da fala, essa criança carece de uma forma de lingua-
gem que atenda às suas necessidades, nesse sentido cabe ao educador se
valer do olhar para desempenhar essa tarefa, pois:

Os sujeitos surdos, com sua ausência de audição e do som, perce-


bem o mundo através de seus olhos, tudo o que ocorre ao redor de-
les: desde os latidos de um cachorro – que é demonstrado por meio

255
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

dos movimentos de sua boca e da expressão corpóreo-facial-bruta


– Essa diferença de percepção do mundo para os surdos, consoli-
da-se todos os dias em seu cotidiano, não só através do olhar, da
visão, da pessoa surda, mas da forma como se comunicam, suas
expressões, corporais, faciais, etc. Enfim, todos os meios que usam
para se comunicar, e acima de tudo por meio da língua de sinais
(CAZARIN, 2011, p. 1).

Desse modo, as linguagens de sinais quando consideradas como lín-


gua materna do surdo traz consigo muitas reflexões, pois para esta criança
formular seus conhecimentos de forma dinâmica é necessário um elemen-
to de comunicação.
Um elemento de comunicação só é eficaz quando os sujeitos envol-
vidos no dialogo têm o domínio deste elemento, proporcionar à criança
com deficiência auditiva uma aprendizagem significativa carece de se de-
senvolver outras áreas da percepção, a fim de se compensar as áreas lesio-
nadas, oferecendo estímulos como imagens, línguas de sinais, expressões
corporais, entre outros. Nesse sentido a:

LIBRAS, “é uma língua de modalidade gestual-visual, reconheci-


da como língua natural dos surdos e constitui o “símbolo da sur-
dez”. Hoje consideramos que a Língua de Sinais é o único meio
efetivo de comunicação entre os surdos, possibilitando-lhes se de-
senvolver linguístico-cognitivamente (BRITO, 1993, p. 28).

Entretanto, foge a maior parte dos educadores o domínio desta lín-


gua, sendo esta a barreira mais presente no processo de aprendizagem da
criança surda, pois se uma língua é estranha ao sujeito, como este poderá
desenvolver aprendizagens nesse sentido, ensinar o que não se conhece é
um dos desafios dos educadores do Brasil.
Dentro desta perspectiva, um recurso necessário está no intérprete de
Libras para traduzir as falas para a criança, porém isso pouco faz parte da
realidade em sala de aula.
Portanto, buscar entender o mundo silencioso da criança pode ser o
primeiro passo para o desenvolvimento da criança surda e sua inclusão de

256
FELIPE ASENSI (ORG.)

fato na sala de aula, tornando-a um espaço do saber que contemple tam-


bém essa criança.

2. ESCOLA PÚBLICA: ESPAÇO DO SABER VERSUS


ESPASSO DE ESTAR

Buscar melhorias nas escolas sempre foi um forte nas características


de educadores brasileiros, e as questões relacionadas à surdez merece con-
sideração, pois as pessoas surdas têm potencial igual ou maior que os de-
mais, suas dificuldades estão em grande maioria dos casos relacionadas às
barreiras sociais, pois é comum se ver inglês e espanhol em temas trans-
versais, porém poucas são as escolas a oferecer o curso de Libras como
uma língua.
Tais cursos de formação em Libras estão voltados a educadores e de
forma muito superficial, buscar transformar a escola em espaço do saber
para todos pode vir a fazer parte dos anseios dos educadores, porém estes
esbarram nas dificuldades existentes no contexto social como um todo,

Portanto, os problemas tradicionalmente apontados como caracte-


rísticos da pessoa surda são produzidos por condições sociais. Não
há limitações cognitivas ou afetivas inerentes à surdez, tudo de-
pendendo das possibilidades oferecidas pelo grupo social para seu
desenvolvimento, em especial para a consolidação da linguagem
(GÓES, 1996, p. 38).

Desse modo, as mudanças nesse contexto podem partir de educado-


res engajados com a educação brasileira, mas para uma mudança signifi-
cativa, mesmo que possa vir a partir de dentro para fora, este movimento
carece de apoio e entendimento.
Pois educadores e educadoras no Brasil convivem com a realidade de
receber em sala de aula uma criança carente de um olhar mais detalhado, e
não contar com o amparo de recursos metodológicos e recursos humanos
capazes de possibilitar à criança uma aprendizagem significativa, ou uma

[…] condição para utilização, com segurança e autonomia, total


ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das

257
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e


meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de de-
ficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2004, p. 45-46).

Estas são as condições necessárias, fato este que destoa completamen-


te das vivências do educador em sala de aula. Visto que buscar estratégias
de aprendizagens é ferramenta importante, porém para a criança surda
este processo vai além, carecendo de se estabelecer o contato visual e um
elo de confiança e afetividade como um elemento fundamental. Para tan-
to, carece de tempo e disponibilidade individual e atenção voltada para
essa criança, pois:

“Como problemas decorrentes da ausência de consciência auditi-


va, podem aparecer:

- Alheiamente ao ambiente sonoro;

- Dificuldade de comunicação;

- Dificuldades na aprendizagem;

- Dificuldade de comunicação;

(BRASIL, 1997, p. 56).

Vencer esses desafios faz parte de um processo constante, dia após


dia, pois sendo a escola um espaço para todos, proporcionar uma edu-
cação transformadora, é um indicativo de inclusão de fato. Pois consi-
dera-se que:

A tentativa do movimento de direito dos surdos é afastar a ve-


lha sensação de que o deficiente auditivo é estrangeiro dentro de
seu País de origem, tendo em vista a dificuldade de comunicação
quando vai ao banco, ao médico ou registrar boletim de ocorrên-
cia. “Além do preconceito linguístico e cultural, os surdos sofrem
com dificuldade do acesso às novas tecnologias”, destaca a espe-
cialista em Educação Bilíngue e Interpretação e Ensino de Libras,
Neiva Aquino. Aqueles que defendem a inclusão entendem que

258
FELIPE ASENSI (ORG.)

as escolas especializadas não oferecem ambiente adequado para o


aprendizado pleno (AMARO, 2006, p. 23).

Portanto, a criança não precisa de um mundo à parte do seu próprio


mundo e sim de um mundo onde todos encontram o seu lugar de re-
presentação, a educação carece de educadores bilíngues, conhecedores da
língua de sinais para que possa alcançar as crianças surdas ou com baixa
audição.
Pois direitos só são validados com a contribuição de toda uma socie-
dade, não basta ter direitos, será preciso fazer valer tais direitos, e fazer
com que isso aconteça é um dever de todos, não devendo esta tarefa se
restringir apenas ao papel desempenhado por educadores em sala de aula,
e sim por todos, em todos os ambientes sociais, tornando a sociedade um
organismo que interage e contribui para a garantia dos direitos.

2.1 ENSINAR, APRENDER E ENSINAR, UMA CONSTANTE


BUSCA PELOS SABERES.

Ensinar parte do princípio de conhecer as peculiaridades de cada


criança, e dentre esses conhecimentos encontram-se as estratégias para se
promover as aprendizagens, sendo que o trabalho com a criança com baixa
(ou sem) audição pode ser um trabalho desafiador.
Tendo em vista o fato de que o contato com a criança faz com que
o educador se disponha a se empenhar mais nas investigações, tendo que
manter em boa parte da aula o contato visual com a criança. Pois:

A história dos surdos comprova as ideias de Vygotsky e Bakhtin


quanto à importância da linguagem no desenvolvimento do pen-
samento e da consciência, mostrando também que a sua aquisição
pela criança deve ocorrer através de diálogos, conversações, já que,
sem uma língua de fácil acesso, os surdos não conseguiriam parti-
cipar ativamente da sociedade (GOLDFELD, 1997, p. 159).

Portanto, se a criança carece da linguagem e o educador não a detém,


este busca meios estratégicos de tornar esta linguagem minimamente do

259
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

seu domínio, o que se pressupõe que ser educador é estar em constantes


modificações.
Buscar estar sempre aprendendo nas vivências do dia a dia e conhe-
cendo as dificuldades da criança com maior propriedade, a fim de se pro-
mover e fazer cumprir o direito à educação, pois:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visan-
do ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exer-
cício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL,
1988, p. 105).

Seguindo esse princípio, na maioria das vezes esta busca por modi-
ficar o sistema educativo parte dos professores, pois são estes que buscam
diante de suas dificuldades as formações adequadas para desenvolver as
habilidades necessárias ao trabalho com o aluno e suas peculiaridades.
Portanto, a curiosidade e as necessidades de se promover as apren-
dizagens para as crianças surdas podem promover grandes mudanças no
perfil do educador e consequentemente da escola. Pois este tem latente
em si a sua fala interior, diferente da criança surda, já que

a fala interior se desenvolve mediante um lento acúmulo de mu-


danças estruturais e funcionais; que se separa da fala exterior das
crianças ao mesmo tempo que ocorre a diferenciação das funções
social e egocêntrica da fala; e, finalmente, que as estruturas da fala
dominadas pela criança se tornam estruturas básicas de seu pensa-
mento (VYGOTSKY, 1989, p. 44).

Diante das colocações de Vygotsky, a criança aprende por intermédio


de suas vivências nos diálogos, portanto a formulação do conhecimento
na criança surda tem o impacto do fator: ausência da fala e audição. Assim
sendo, o processo educativo dessa criança se apresenta de forma mais di-
ferenciada, pois será importante desenvolver todo um processo linguístico
para que se possa potencializar as demais funções das aprendizagens, para
que assim essas práticas tenham maior significado.

260
FELIPE ASENSI (ORG.)

Nesse sentido, alcançar o desenvolvimento da criança significa al-


cançar um novo potencial na caminhada tanto da criança, como para o
educador. A comunidade escolar quando participa de todos os proces-
sos educativos também faz parte desta caminhada. Embora as parcerias
com a comunidade sejam difíceis de se promover, este é um elemento
importante.
Pois as modificações necessárias à educação também passam pelas
questões de a escola ser um ambiente diferente no contexto em que está
inserida, uma vez que a escola busca promover inclusão em seus espaços,
porém a inclusão só ocorre de fato quando os recursos presentes na escola
também estão presentes nos ambientes sociais. Desse modo, todos os su-
jeitos de direitos têm acesso real às aprendizagens promovidas nas escolas,
tendo em vista que se estes aprendem Libras na escola, precisam de outros
falantes dessa mesma linguagem, para estabelecer um diálogo nos estabe-
lecimentos dos quais costumam frequentar.
Portanto, será preciso mudar o meio social para que assim se modifi-
que o próprio sistema educativo. Só então a escola será capaz de desenvol-
ver um efetivo trabalho de promoção das aprendizagens dentro do mundo
silencioso da criança surda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao discorrer sobre o processo de aprendizagem da criança surda,


considera-se como fato importante a fala no processo educativo (cogni-
tivo) da criança, pois educar é mais que uma prática e sim uma constante
busca por estratégias para proporcionar uma educação para todos.
Nesse sentido, pode-se perceber a importância de se desenvolver uma
educação que considere a possibilidade de uma formação bilíngue tendo
as línguas de sinais como segunda (ou primeira no caso de pessoa surda)
língua materna, pois esta representa um diferencial importante a ser con-
siderado no processo educativo.
Sendo esta língua o elemento fundamental para a aquisição da lin-
guagem dos surdos, a sua valorização pode vir a derrubar barreiras e
proporcionar uma inclusão de fato das pessoas surdas. Portanto, se mos-
trou a importância de se proporcionar uma linguagem para a criança

261
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

surda, logo nos primeiros anos de sua vida, para que este processo seja
realmente natural.
Considera-se a aquisição da língua de sinais como um processo
natural da criança, ou seja, uma língua materna, será preciso que esta
linguagem esteja inserida no seio familiar. Para que assim a familiari-
dade com a língua se torne de fato uma língua materna, no real sentido
da palavra. Desse modo, percebe-se que muito estratégias educativas
podem ser desenvolvidas dentro das escolas e nas comunidades esco-
lares a fim de se disseminar os conhecimentos promovidos nas escolas
para além dos muros, só assim será possível falar em inclusão da pessoa
surda de fato.

REFERÊNCIAS

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cotidiano escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

BRASIL. Acessibilidade. Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004.

BRASIL. MEC, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPOR-


TO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. EDUCA-
ÇÂO ESPECIAL. Brasília, 1997. v. II.

BRITO, Ferreira Lucinda. Integração Social e Educação de Surdos.


Rio de Janeiro: Babel, 1993.

COLL SALVADOR, César et al. Psicologia da educação. Porto Ale-


gre: Artes Médicas Sul, 1999.

GÓES, M. C. R. Linguagem, surdez e educação. São Paulo: Autores


Associados, 1996.

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MARCHESI, A. Comunicação, linguagem e pensamento das crianças


surdas. In: COLL, C.; PALÁCIOS, J.; MARCHESI, A. (org.). De-
senvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas

262
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nistério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Espe-
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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins


Fontes, 1989.

263
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O
PROCESSO DE APRENDIZAGEM
DA CRIANÇA COM AUTISMO NO
ENSINO FUNDAMENTAL I
Antocléia de Sousa Santos26
Maria de Lourdes Oliveira27

INTRODUÇÃO

Pouco tempo atrás, a Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, institui a


Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, que
tem como objetivo garantir os direitos fundamentais da pessoa com de-
ficiência, que inclui o direito à educação em escolas regulares, em todos
os segmentos.
A criança com autismo tem, naturalmente, dificuldade de socializa-
ção. Essa dificuldade, consequentemente, vai repercutir no seu desenvol-
vimento e no seu desempenho escolar.
Diante disso, esta pesquisa versa sobre “Educação inclusiva: o proces-
so de aprendizagem da criança com autismo no Ensino Fundamental I”.

26 Filósofa. Doutora em Ciências Sociais (UFP) Porto/Portugal. Servidora pública da Secreta-


ria de Estado do Maranhão. Pesquisadora nas áreas de Filosofia, Educação e Ciências Sociais.
27 Pedagoga. Mestranda em Educação Global, Desenvolvimento Humano e Gestão da Ino-
vação com imersão internacional da Flórida Christian University - FCU. Professora da Educa-
ção Infantil e Ensino Fundamental I da rede pública do Estado de São Paulo.

264
FELIPE ASENSI (ORG.)

Em virtude disso, tem o propósito de fazer uma análise desse processo de


aprendizagem da criança autista numa perspectiva de educação inclusiva
no Ensino Fundamental I na escola pública, nesse contexto de pandemia
(2020-2021).
Esta pesquisa é um ensaio teórico de abordagem qualitativa, funda-
mentada numa revisão de literatura nos seguintes autores: Mantoan (2006),
Vygotsky (2007), Cunha (2012), Wendel (2013) entre outros. Assim como
buscou-se por artigos relacionados à educação inclusiva e ao processo de
aprendizagem da criança com autismo, no Google Acadêmico.
A pergunta norteadora desta pesquisa foi: como a criança com autis-
mo constrói sua aprendizagem na escola regular? Em face desta realida-
de, o nosso objetivo principal é analisar o processo de aprendizagem da
criança com autismo no Ensino Fundamental I em uma perspectiva de
educação inclusiva.
Esta pesquisa está estruturada em duas seções, além da introdução
e considerações finais. A primeira seção é sobre: “a educação inclusiva
voltada para a criança com autismo” e o processo de aprendizagem da
criança com autismo no contexto escolar. Na segunda seção analisa-se a:
“igualdade versus equidade” e possibilidades de promoção da equidade na
sala de aula.

1. A EDUCAÇÃO INCLUSIVA VOLTADA PARA A CRIANÇA


COM AUTISMO.

A inclusão de uma criança autista em escola regular é um direito ga-


rantido por lei, assim está no capítulo V da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) 9394/96, que trata sobre a Educação Especial.
Da mesma forma, a Constituição Federal de 1988, a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e o Estatuto da Criança e do Ado-
lescente que garantem a acessibilidade ao espaço escolar regular para a
criança autista, assim como outras crianças com deficiência.
Para o desenvolvimento comportamental e produtivo da criança com
autismo é importante que a educação familiar esteja bem fundamentada.
Além de tudo, a inclusão no espaço escolar é de grande importância na
vida familiar dessa criança. O papel da família é dar carinho e atenção à

265
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

criança e ao mesmo tempo garantir um ambiente agradável para que a


criança consiga desenvolver suas habilidades.
Família e escola têm que andar juntas no processo de inclusão, sem
essa parceria o processo de aprendizagem fica mais difícil e demorado no
sentido de que a criança autista precisa desse apoio no ambiente escolar
para se sentir segura e confiante. Segundo Cunha (2012, p. 93):

A escola está inserida na educação entre família e a sociedade,


onde se adquire princípios e regras estabelecidas para o conví-
vio. Ainda que seja normal existir em qualquer aluno posturas
comportamentais diferentes em casa e na escola, no autismo, isto
poderá trazer grande prejuízo. Por isso é necessário que os pais
e os profissionais da escola trabalhem da mesma forma, estabe-
lecendo os mesmos princípios que permitirão uma articulação
harmoniosa na educação.

Nesse viés, afirma-se que o aprendizado da criança autista poderá ser


muito mais difícil se a escola e a família não unirem suas práticas educati-
vas. Independente do contexto educacional, o ideal é mediar a liberdade e
os limites pela responsabilidade e tolerância.
Com isso, o processo de inclusão na educação é desafiador. Todas as
crianças têm obrigatoriedade de estarem no ensino fundamental, com ou
sem deficiência. Segundo Mantoan (2006, p. 25):

Na verdade, resiste-se a inclusão escolar porque ela nos faz lembrar


que temos uma dívida a saldar em relação aos alunos que excluí-
mos, sabemos que alunos com ou sem deficiência, que foram ou
são excluídos das escolas comuns, devem estar inseridos e há muito
tempo, ou seja, desde que o ensino fundamental é obrigatório para
os alunos em geral.

A família, partindo do princípio que se refere a autora (Mantoan),


não deve e não pode excluir a criança do ambiente escolar e os docen-
tes e profissionais da educação devem auxiliá-la nas práticas pedagógicas
guiando-a na sua aprendizagem e propiciando-a atividades que venha a
intervir no seu desenvolvimento para ajudar a corrigir as dificuldades para

266
FELIPE ASENSI (ORG.)

que possa melhorar o rendimento educacional da criança, de acordo com


o nível de cada uma.
Portanto, tanto a família quanto a escola têm que andar unidas no
processo de inclusão, para que a aprendizagem da criança autista possa
ser mais harmoniosa. A educação se torna desafiadora nesse processo de
inclusão, diante de famílias que resistem em levar suas crianças para o am-
biente escolar.

1.1 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA CRIANÇA


COM AUTISMO NO CONTEXTO ESCOLAR

Considera-se que os benefícios em termos de interações sociais, as-


sim como do desenvolvimento de habilidades cognitivas no espaço escolar
vividos pela criança com autismo, sejam uma prática difícil, porém é pos-
sível de ser realizada.
Nesse sentido, Vygotsky afirma em seus estudos sobre defectologia os
benefícios da inclusão de crianças com deficiência mental em grupos ho-
mogêneos. A relação de troca remete ao conceito de mediação, que para
Vygotsky (2007) exerce um papel fundamental, as trocas que a criança
define umas com as outras e com os adultos desempenham funções im-
portantes para o desenvolvimento e para a aprendizagem.
O vínculo afetivo entre a criança autista e o docente é essencial. Para
que isso aconteça ambos têm que estar conectados através do coração para
uma aprendizagem viva. Segundo Wendel (2013, p. 10),

Nossos sentidos de educador devem estar direcionados ao coração


dos educandos. É nele que está a resposta para uma aprendizagem
viva. No encontro em sala de aula, deve-se buscar cotidianamente
algo necessário para o desenvolvimento humano dos educandos: A
abertura do seu coração. É estar inteiro nesse encontro de conexão
em sala de aula. São dois seres abertos para aprender.

O autor nos diz que o docente tem que ser pesquisador, facilitador no
processo de aprendizagem da criança autista, para que possa penetrar no
mundo autista para entender, aprender e compreender como esta criança
absorve esse conhecimento.

267
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

As práticas educativas utilizadas pelo docente precisam ser necessárias


para atender às necessidades da criança com autismo. Mas para que o tra-
balho do docente tenha êxito, vai precisar do apoio total da escola, para
isso, a escola necessita ter em seu espaço a sala de atendimento ou sala de
recurso, que nada mais é que uma sala específica para atividades direcio-
nadas para a criança autista, em que o seu progresso é integrado nas salas
de ensino regular. Segundo Ferreira e França (2017, p. 516),

[...] a escola fazendo o seu papel facilitará de forma significativa


o trabalho do professor junto à criança autista sendo que a sala
de atendimento ou sala de recurso é de suma importância para a
criança, já que funciona em um horário diferente das do ensino
regular, funcionando como reforço escolar para essas crianças, tra-
zendo benefícios para o seu aprendizado.

Ofertar um ensino de qualidade é primordial para uma aprendizagem


exitosa. Assim como é fundamental um plano de ensino que trate com
respeito a capacidade de cada criança, considerando o conhecimento que
cada uma traz para o ambiente escolar.
Logo, reconhecer a essencialidade no vínculo afetivo da criança
autista e do docente é algo mágico. O docente precisa utilizar práti-
cas educativas que sejam necessárias para atender as necessidades dessa
criança. Assim como considerar as diversas formas de aprendizagens,
as diferenças de estímulos em cada criança para que se possa propor
uma igualdade de direitos.

2. IGUALDADE VERSUS EQUIDADE

Falar sobre direitos à educação remete ao conceito de igualdade, po-


rém ao pensar nesta temática leva a uma reflexão sobre se uma igualdade
de direitos vem a garantir para cada indivíduo uma aprendizagem real-
mente significativa. Pois ao dar às crianças com perfil diferente um mes-
mo estímulo, nem sempre a resposta a esse estímulo será igual.
Portanto, para se promover a igualdade de direitos será preciso consi-
derar as diferentes formas de aprendizagens e as diversidades nas respostas
aos estímulos oferecidos, assim, ao considerar tais diferenças leva-se em

268
FELIPE ASENSI (ORG.)

consideração os conceitos de igualdade e equidade para que, desse modo,


um venha a complementar o outro.

Figura 1 - Igualdade e equidade

Fonte: Foto ilustrativa, 2019.28

De acordo com a imagem, igualdade e equidade são termos impor-


tantes a serem considerados na hora de se promover um espaço educa-
cional capaz de garantir o direito a todos. Visto que todos têm o direito
de alcançar os seus objetivos educacionais e essa igualdade de direito à
educação é incontestável.
Porém, cada criança tem sua particularidade e enxerga o mundo à luz
de suas percepções, de acordo com a percepção de cada uma será preciso
oferecer condições para esta alcançar o mesmo objetivo de forma diferen-
te, neste momento entra o conceito de equidade que, segundo o dicio-
nário Michaelis,29 é: a “consideração em relação ao direito de cada um
independentemente da lei positiva, levando em conta o que se considera
justo”, e sendo a igualdade uma “qualidade daquilo que é igual ou que
não apresenta diferenças; identidade”.

28 https://clicnavegantes.com.br/wp-content/uploads/2019/11/Igualdade-e-Equidade.jpg.
29 MICHAELIS, Dicionário. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&-
t=0&palavra=igualdade. Acesso em: 05/03/2022.

269
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Portanto, promover a igualdade nem sempre é sinônimo de garantir


o direito à aprendizagem, pois para que este processo se dê, outros fatores
precisam ser analisados, oferecer condições iguais às crianças com caracte-
rísticas diferentes pode-se induzir ao erro de achar que um é menos capaz
do que o outro.
Fato este que não é verídico, pois o educador busca estratégias para
alcançar a criança, valendo-se de seu conhecimento pedagógico para de-
sempenhar melhor este papel. Com isso, uma das suas estratégias mais re-
levantes para desenvolver as aprendizagens é a sua voz. Conforme Cunha
(2012, p. 118):

Como o professor poderá conduzir o processo de aprendizagem? A


sua fala precisa ser serena, explícita e sem pressa. A voz é o convite
do docente, é a identificação do objeto, é o exercício de comunica-
ção oral. Ele está propondo, nomeando e dando sentido ao traba-
lho em sala. Por isso, deve ser objetiva e funcional.

Suas ações devem convergir em ações modificadoras, para que assim


a fala seja coerente com as atitudes do dia a dia. Principalmente quan-
do o educador relaciona estas práticas a proporcionar educação de maior
qualidade e mais inclusiva. Dentro do conceito de equidade pressupõe-se
respeitar o indivíduo. Portanto, promover a igualdade nem sempre é si-
nônimo de garantir os direitos à aprendizagem, pois a dualidade da criança
com autismo deve ser considerada a fim de promover um espaço mais
justo e democrático.
Visto que alguns aspectos da criança autista estão relacionados às suas
funções neurais e o entendimento de como se dá estas funções pode ser o
diferencial para alcançar as aprendizagens. Segundo Mota e Brites (2019,
p. 36-37):

As pontes, as ligações e ramificações se encontram incompletas,


desviadas, ora ativadas, ora desligadas, com conexões ora perdidas,
ora sobrecarregadas. As funções de cada grupo de neurônios se en-
contram desbalanceadas, com hiper funcionamento, dependendo
do interesse do cérebro, e disfuncional para o que não interessa.
O conjunto, portanto, não consegue processar direito as informa-

270
FELIPE ASENSI (ORG.)

ções, pois fica tudo dessincronizado, e ele pode demorar para reali-
zar as tarefas e os processos sociais do ambiente, ou, por outro lado,
pode agilizá-los demais.

Nesse sentido, pressupõe-se que ao considerar o fato de a criança de-


morar para ter uma resposta do seu próprio organismo, a priorização da
equidade pode ser mais importante do que garantir igualdade.
Pois será por intermédio da equidade que se possibilitará à crian-
ça as condições diferentes, porém compatíveis com as oferecidas a uma
criança comum. Tendo em vista que ao se dar um lápis para uma criança
destra, não quer dizer que ao dar este mesmo lápis a uma criança canho-
ta, ela conseguirá escrever com a mão direita com a mesma facilidade.
Neste caso, o lápis é um bom recurso para que uma possa escrever com
a mão direita e a outra possa escrever com a mão esquerda, respeitando
suas características.
Portanto, igualdade e equidade precisam ser compreendidas para se
estabelecer um ambiente de aprendizagem capaz de ter nas diferenças os
benefícios para todos os grupos. Pois cada criança precisa de um olhar para
a sua totalidade. Para Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 12)

Se olharmos apenas para cada um dos sintomas envolvidos, incor-


remos no erro de avaliarmos, de maneira parcial, o conjunto que a
obra representa. Mas, se tratarmos e cuidarmos corretamente desse
indivíduo, o jogo é montado e podemos nos surpreender com o
resultado obtido. A tarefa de montar um quebra-cabeça pode ser
nada fácil para muitos de nós: buscamos peça a peça e tentamos
encaixá-las, cuidadosamente, a fim de que pequenos fragmentos,
que aparentemente não têm lógica, possam se transformar em uma
bela paisagem.

Para garantir qualidade de ensino a todos, cada criança precisa ser


considerada como uma criança da escola, e não de um ou outro docente,
no caso da criança com autismo, um ponto positivo é trazer um acolhi-
mento. Partindo de todos os envolvidos na comunidade escolar, para que
assim a criança possa se sentir segura em estar nesse ambiente. Visto que a
afetividade traz muitos benefícios para o seu desenvolvimento.

271
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Portanto, considerar os conceitos de igualdade de direitos e equidade


nos estímulos oferecidos para as crianças, leva-se em conta as peculiari-
dades de cada uma (no caso da criança autista), pressupõe-se pensar uma
educação para todos na qual todos aprendem com a diferença e conside-
ram as diferenças como o elemento fundamental para a elaboração das
práticas educativas.

2.1 POSSIBILIDADES DE PROMOÇÃO DA EQUIDADE


NA SALA DE AULA

Figura 2 - Frase de Albert Einstein.

Fonte: Foto ilustrativa.30

Einstein vem nos alertar que cada indivíduo tem seus pontos fortes
e fracos. Com isso, é de suma importância buscar meios e estratégias que
contemplem as diversas características de cada um para se promover uma
aprendizagem capaz de considerar os pontos fortes de cada criança, como
por exemplo, considerar o mundo interior da criança autista, pode ser o
diferencial entre desenvolver suas potencialidades ou se retrair ainda mais
diante dos pares.
Portanto, ao propor uma atividade para um grupo com o intuito de se
promover a equidade, se pode considerar que mesmo sendo a afetividade
um ponto primordial para a educação, em casos de autismo, esta afetivi-
dade deve ser trabalhada de forma diferente para que se possa promover

30 https://kdfrases.com/frases-imagens/frase-todo-mundo-e-um-genio-mas-se-voce-jul-
gar-um-peixe-pela-sua-habilidade-de-subir-em-arvores-ele-albert-einstein-91282.jpg.

272
FELIPE ASENSI (ORG.)

a equidade. Assim, a mesma afetividade pode ser trabalhada de formas


diferentes para alcançar os diferentes grupos.
Desse modo, as escolhas dos pais e dos docentes envolvidos em todo
o processo educacional da criança serão a rota que esta irá seguir em seu
futuro e cada decisão é muito importante, pois o objetivo maior é alcan-
çar aquela criança, para não retroceder a padrões abandonados. Segundo
Praça (2011, p. 25):

Assim, a pessoa autista permanece em seu mundo interior como


um meio de fugir dos estímulos que a cerca no mundo externo.
Outro motivo para o autista permanecer em seu universo interior é
o fato de que, em geral, o autista sente dificuldade em se relacionar
e em se comunicar com outras pessoas uma vez que ele não usa a
fala como um meio de comunicação.

O fato de a criança autista não utilizar muito a fala para se expressar,


traz uma reflexão, pois para ensinar será preciso aprender, e aprender pode
ser um exercício de paciência e persistência, tanto para o docente na sua
busca por conhecimentos para alcançar a criança, quanto da criança autista
que tem mais dificuldade em aprender. Para Nunes (2008, p. 4):

As crianças com autismo, regra geral, apresentam dificuldades em


aprender a utilizar corretamente as palavras, mas se obtiverem um
programa intenso de aulas haverá mudanças positivas nas habili-
dades de linguagem, motoras, interação social e aprendizagem é
um trabalho árduo precisa muita dedicação e paciência da família e
também dos professores. É vital que pessoas afetadas pelo autismo
tenham acesso a informação confiável sobre os métodos educacio-
nais que possam resolver suas necessidades individuais.

Neste viés, as necessidades individuais da criança precisam ser o foco


dos docentes, desse modo, o ambiente passa a ser mais democrático e pe-
dagógico para todos. As estratégias são sempre o forte da educação, as
rotinas e uma prévia da aula seguinte trazem tranquilidade para a criança
autista, promove as aprendizagens e é um elemento fundamental no pro-
cesso educacional. Segundo Melo (2007, p. 72):

273
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Uma criança com autismo: Usa as pessoas como ferramenta, resis-


te à mudança de rotina, não se mistura com outras crianças, não
mantém contato visual, age como se fosse surdo, resiste ao apren-
dizado, apresenta apego não apropriado a objetos, não demonstra
medo de perigos, gira objetos de maneira bizarra e peculiar, apre-
senta risos e movimentos não apropriados, resiste ao contato físico,
acentuada hiperatividade física, às vezes é agressivo e destrutivo,
apresenta modo e comportamento indiferente e arredio.

Portanto, a inclusão é uma tarefa grandiosa e em muitos casos as


crianças chegam sem laudo e sem condições de aceitar as regras e normas
da escola. Com isso, fica a cargo do docente a tarefa de educar e possibi-
litar as aprendizagens. Assim, será preciso promover o aprendizado para
todos, proporcionando a equidade de direitos, sendo importante as esco-
lhas dos recursos e formas de se realizar as ações rumo à alfabetização e ao
desenvolvimento da criança. Para Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 81),

[...] alfabetização precisa ter uma função [...] é preciso que tenha-
mos muita criatividade para adaptar materiais e inserir as letras
[...], no âmbito da vivência do discente. No que se refere o desen-
volvimento do aluno, é importante que o educador faça atividades
que se associam com as carências existentes do aluno, visto que
é preciso a junção do aprendizado [...] ao maior número possí-
vel de estímulos concretos: o aluno que está aprendendo a contar,
por exemplo, precisa sentir” as quantidades e os números de forma
palpável.

Desse modo, ao realizar um trabalho com os docentes do grupo


escolar, articulando o fazer pedagógico com as vivências da criança na
comunidade, se promove uma experiência significativa e uma educação
condizente com o ambiente em que ela está inserida. Visto que ao estabe-
lecer um elo de confiança com o docente, a criança vai constituindo novas
relações com os demais com maior segurança em suas ações.
Em virtude disso, a igualdade pode garantir direitos iguais, porém
será dentro do conceito de equidade que a educação e a própria sociedade
possibilitarão a todas as crianças oportunidades condizentes com suas ne-

2 74
FELIPE ASENSI (ORG.)

cessidades para que possam chegar ao mesmo ponto, tendo como ponto
de partida lugares e situações diferentes e necessidades de recursos parti-
culares a cada uma, olhar para cada situação e investigar as necessidades
para o seu desenvolvimento pode ser uma forma de humanizar a educação
e promover educação para todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se na temática “Educação inclusiva: o processo de apren-


dizagem da criança com autismo no Ensino Fundamental I”, uma questão
relevante, uma vez que a criança autista, naturalmente, tem dificuldade de
socialização. Essa dificuldade, consequentemente, repercute no seu de-
senvolvimento e no seu desempenho escolar.
Em virtude disso, este artigo ensaístico buscou fazer uma análise
do processo de aprendizagem da criança autista numa perspectiva de
educação inclusiva no Ensino Fundamental I, nesse cenário de pande-
mia (2020-2021). Para isso, analisou-se a educação inclusiva voltada
para a criança com autismo, assim como o seu processo de aprendiza-
gem no contexto escolar. Do mesmo modo, analisou-se os conceitos
de “igualdade” versus “equidade” e as possibilidades de promoção da
equidade na sala de aula.
A pesquisa limitou-se a uma revisão de literatura nos autores supra-
citados e, concomitantemente, buscou-se artigos relacionados com temas
referentes à educação inclusiva e ao processo de aprendizagem da criança
com autismo, no Google Acadêmico.
A educação no processo de inclusão mostrou-se desafiadora. Para que
a aprendizagem da criança autista se torne harmoniosa, a família e a escola
têm que andar unidas nesse processo. Com isso, reconhecer como essen-
cial o vínculo afetivo entre a criança autista e o docente é algo fantásti-
co. Assim como considerar as diversas formas de aprendizagens e práticas
educativas que possam atender às necessidades dessa criança. Do mesmo
modo, considerar os conceitos de “igualdade” de direitos e “equidade”
nos estímulos é levar em consideração as peculiaridades de cada uma, em
que se pressupõe uma educação para todos, na qual todos possam aprender
com as diferenças e também considerá-las.

275
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Promover uma educação que condiz com o ambiente em que a crian-


ça com autismo está inserida é articular o fazer pedagógico das vivências
dessa criança na comunidade e com o trabalho do grupo escolar. A crian-
ça, ao estabelecer um elo de confiança com o docente, estabelece novas
relações com os demais.

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277
A CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO
SOCIAL: O PAPEL DO ESTADO E DAS
CONGREGAÇÕES RELIGIOSAS31
Débora Soares Karpowicz32

INTRODUÇÃO

O advento das Congregações femininas com o papel de dar assis-


tência à população desvalida “ressurge” no final da Revolução Francesa.
Até a Reforma Protestante, durante o século XVI, os conventos possuíam
pouca vitalidade como centros de organização. As mulheres dos conven-
tos, a grande maioria de famílias ricas e nobres, possuíam uma vida de
clausura e eram impedidas de ter contato com o mundo externo, mesmo
com mulheres de fora dos claustros.
Na França, durante esse período, não se tem notícias de freiras com
uma vida comunitária. Já as mulheres urbanas, separadas do clero, eram
identificadas, segundo propaganda protestante dos anos 1540 aos 1560,
por sua relação com as Escrituras. Sua pureza e seu controle sexuais são
demonstrados por seu interesse na Bíblia (DAVIS, 1990, p. 71-73). Con-

31 Artigo reelaborado a partir da tese: Do Convento ao Cárcere: Da Congregação Bom Pastor


D’Angers à Penitenciária Feminina Madre Pelletier, da mesma autora.
32 Doutora, mestre e licenciada em História pela PUCRS. Pedagoga e Especialista em Educa-
ção a Distância (Uniasselvi). Autora do livro CIGANOS: História, Identidade e Cultura (2018) e
da trilogia Do Convento ao Cárcere (2021). Atualmente, é professora do Centro Universitário
Uniasselvi e da Rede Jesuíta de Educação.

278
FELIPE ASENSI (ORG.)

quanto a existência da clausura nos mosteiros femininos e a ausência efeti-


va, por parte das freiras, de um trabalho comunitário, a Igreja continuava
a desempenhar o papel que outrora, na Idade Média, possuía em relação
à caridade, o atendimento social. O século XVI produziu uma sistema-
tização deste movimento em função da conjuntura social e econômica
desfavoráveis (CASTEL, 2008, p. 73).
Nesse sentido, este artigo tem por objetivo historicizar o papel do
Estado e da igreja para a construção de um estado social, observando o
acirramento às camadas populares, consideradas perigosas e impertinen-
tes. Analisará o ressurgimento das Congregações Religiosas e o papel que
desempenharam de cuidado, educação e ressocialização de pessoas em si-
tuação de vulnerabilidade, cumprindo, por vezes, o papel do Estado. Para
tanto, a pesquisa é de natureza básica, tendo como abordagem do pro-
blema o método qualitativo de análise a partir da análise de documentos
históricos e de fontes bibliográficas.
O artigo foi dividido em duas partes, na primeira denominada Con-
gregações Femininas e a Construção de um Estado Social faz-se uma
análise histórica da construção de um Estado Social, a partir da obra de
Robert Castel, mostrando o papel do Estado e da Igreja. Na segunda par-
te, Igreja e Estado: da Revolução Francesa à restauração napoleônica, ana-
lisa-se o papel do Estado e da Igreja desde o final da Revolução Francesa,
destacando a importância de Napoleão para a restauração das congrega-
ções religiosas femininas que irão assumir papeis de responsabilidade do
Estado, como o cuidado dos órfãos, mulheres em situação de vulnerabi-
lidade e prisões.

1. CONGREGAÇÕES FEMININAS E A CONSTRUÇÃO DE


UM ESTADO SOCIAL

O século XVI marcou o enfraquecimento dos valores cristãos, deter-


minando um endurecimento de atitude em relação aos pobres, conside-
rando-os perigosos e impertinentes. Iniciou-se o processo de classificação,
administração e controle através de regulamentações rígidas. Dentre as
políticas de exclusão cabe destacar as concernentes ao ensino de um ofí-
cio às crianças pobres. Outra forma de acirramento, diante do aumento

279
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

significativo dessa classe de indigentes – povo sem lei, sem religião, sem
autoridade, sem polícia –, foi a reclusão, recurso escolhido como forma
de restaurar o pertencimento comunitário (CASTEL, 2008, p. 61; 73).
A austeridade no rigor fez com que técnicas de disciplinas fossem
desenvolvidas, segundo Goffman, os internados de uma Instituição total33
têm todo o dia determinado, isso equivale a dizer que todas as necessida-
des essenciais precisam ser planejadas. Neste caso, o trabalho, a oração e o
aprendizado são fatores determinantes. Segundo o autor, essas instituições
“são estufas para mudar pessoas; cada uma é um experimento natural so-
bre o que se pode fazer ao eu” (GOFFMAN, 2001, p. 21-2).
Corroborando esta ideia, Foucault destaca as características das pri-
sões do século XVI. Buscavam a transformação pedagógica e espiritual
através de um exercício contínuo, feito através da exigência de leituras
religiosas, de trabalho obrigatório, de horário estrito dentro de um sistema
de proibições e obrigações, sempre sob o olhar de uma vigilância cons-
tante, cujo objetivo era “atrair para o bem e desviar do mal”, trazendo ao
indivíduo preguiçoso o gosto pelo trabalho, o qual seria mais vantajoso
que continuar na preguiça. Não só o gosto pelo trabalho seria restituído,
como também a possibilidade de uma vida melhor dentro e fora do cárce-
re (FOUCAULT, 2010, p. 117-8).
A estes indivíduos passiveis de uma ressocialização através da disci-
plina e do cárcere ou a partir do assistencialismo, associa-se a figura do
“vagabundo”, impedido de compor uma ordem social determinada, per-

33 “Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde
um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais
ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente admi-
nistrada”. In: GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva,
2001, p. 11. Para o autor, o caráter de instituição total é simbolizado pela barreira à relação
social com o mundo externo e por proibições à saída, que muitas vezes estão incluídas no
esquema físico da própria instituição, como: portas fechadas, paredes altas, arame farpado,
enfim, barreiras físicas que tolhem a interação do indivíduo ali presente com a sociedade e
com o mundo “extramuros”. Goffman divide as instituições totais em cinco categorias distin-
tas, no entanto, com características comuns. O agrupamento de interesse para este trabalho
será o três, que caracteriza como instituição total as penitenciárias, cadeias, campos de
prisioneiros de guerra e campos de concentração, que objetivam proteger a comunidade
contra os perigos intencionais (GOFFMAN, op. cit., p. 16-7).

280
FELIPE ASENSI (ORG.)

tence à massa dos “pobres” que só podem viver do trabalho, mas que, no
entanto, estão impossibilitados de fazê-lo.
Até o século XVI esses indivíduos são associados a uma série de
qualificativos, em especial à versão pejorativa do “mendigo válido”. Dois
critérios tornaram-se explícitos na definição desta categoria: “a ausência
de trabalho, que caracteriza a ociosidade associada à falta de recursos;
e o fato de ser sem “fé nem lei”, isto é, sem pertencimento comuni-
tário”. Sendo assim, a “vagabundagem” está substancialmente ligada à
condição da falta de trabalho, bem como a pessoas com profissões de
má reputação e ocupações condenadas, como a prostituição. Aos ditos
“vagabundos” também se incluem os indivíduos sem “endereço certo”,
ou em constantes trocas de residência, o que determina, mais uma vez,
o rompimento com as regras sociais: trabalho, família, moralidade e reli-
gião. “É um ser sem lugar nenhum” (CASTEL, 2008, p. 56-7, 120-35).
Essa definição pouco mudou nos séculos seguintes, visto que o Código
Penal Napoleônico assim os definiu:

Declaramos vagabundos e pessoas sem fé nem lei aqueles que não


têm profissão, nem ofício, nem domicílio certo, nem lugar para
subsistir e que não são reconhecidos e não podem valer-se da reco-
mendação de pessoas dignas de fé que atestam sobre sua boa con-
duta e bons costumes (CASTEL, 2008, p. 121).

A esta imagem estão associados indivíduos que vagueiam pelas mar-


gens da ordem social, vivendo de pequenos delitos e ameaçando, muitas
vezes, a vida das pessoas. O tratamento fora do comum dado a esses indi-
víduos justifica-se por terem eles rompido com o pacto social, sendo, pois,
inimigos da ordem pública. Segundo Robert Castel (2008), às vésperas da
Revolução Francesa, o perfil sociológico dos albergados no depósito de
mendicância de Soissons (França) era composto por dois terços de indiví-
duos fora do emprego. Ainda segundo Castel:

A condição de classificação como “vagabundo” ocorre de forma


gradual, não há barreiras fixas entre a sociedade e suas margens,
entre os indivíduos e os grupos que respeitam as normas estabele-
cidas e aqueles que as infringem (CASTEL, 2008, p. 133).

281
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Somados a essa massa de desvalidos também hão de ser incluídos


os que as circunstâncias, muitas vezes desconhecidas das fontes oficiais,
fazem cair em condições de miséria. Como representante destes é pos-
sível citar: crianças abandonadas, mães solteiras, mulheres abandonadas,
viúvas, famílias com um número elevado de filhos sem possibilidade de
criá-los. Segundo levantamento feito na França, em 1779, para um total
de vinte abandonos de crianças, seis são de casais em completa miséria,
dois de viúvas e oito de viúvos. De um modo geral, ser “vagabundo” era
tido como um delito que levava a cometer outros delitos, nesse sentido,
tal indivíduo estava pré-condenado ao encarceramento, pois a ausência de
uma atividade laboral está diretamente relacionada ao mundo do crime,
que é de caráter vulnerável devido às relações de trabalho e à fragilidade
dos vínculos sociais (CASTEL, 2008, p. 133-4). A representação social do
trabalho foi uma maneira de ressocialização, educação, inclusão e domí-
nio sobre o indivíduo.
O trabalho e as possibilidades que ele gera determina a posição social
dos indivíduos na sociedade. Castel chama o perfil deste conjunto de in-
divíduos de teoria da desvantagem, pois todos têm em comum o fato de não
suprirem por si as suas necessidades básicas, uma vez que estão impossibi-
litados do trabalho.34
O atendimento a esses carentes foi se constituindo ao longo da his-
tória em um objeto de práticas especializadas: “Assim, o hospital, o orfa-
nato, a distribuição organizada de esmolas são instituições sociais” (CAS-
TEL, 2008, p. 57).
Atrelado a estas ideias, Anthony Giddens destaca que a pobreza, o de-
semprego, e a doença, condições nominadas por ele como pauperismo, são

34 O autor, ao longo do texto, discute a questão que divide entre capacidade e incapacidade
de trabalho. Quem seriam os “verdadeiros” incapazes, merecedores da assistência social?
Segundo o autor, existe um núcleo de incapacidades reconhecido de se enquadrar à ordem
do trabalho por causa de deficiências físicas manifestas devido à idade (crianças e idosos),
à enfermidade, à doença, e que podem até se estender a algumas situações familiares ou
sociais desastrosas, como a da “viúva cheia de crianças”. Outro caráter discriminatório que
determina quais pobres merecem ser assistidos é chamada de economia da salvação. Por
esta categoria são excluídos os que se revoltam contra a ordem do mundo desejada por
Deus. O pobre mais digno de mobilizar a caridade é o que exibe em seu corpo a impotência
e o sofrimento humano. In: CASTEL, op. cit., p. 41-2; 65-7. Grifos da autora.

282
FELIPE ASENSI (ORG.)

elementos constitutivos da formação do Estado que é definido conjun-


tamente pelos conflitos sociais, agências oficiais, organizações e grupos.
A pobreza, do final do século XVII em diante estava ligada ao trabalho
produtivo, os miseráveis eram aqueles que não podiam trabalhar ou que
não trabalhavam. Segundo o autor, a ligação entre pauperismo e a falta de
educação moral era evidente: “trabalho para aqueles que irão labutar, cas-
tigo para aqueles que não vão fazê-lo, e pão para aqueles que não podem
fazê-lo” (GUIDDENS, 1996. p. 154.)
Já a estrutura dos mosteiros e conventos das comunidades religiosas
femininas, durante os séculos XVII e XVIII – apesar de funcionar de for-
ma independente e de usufruir de certa liberdade mesmo sob o olhar do
clero –, manteve a vida comunitária subjugada às funções de ordens inter-
nas. Para serem reconhecidas como religiosas, essas mulheres não podiam
ter atividades fora do ambiente do convento. Eram chamadas de Freiras
Contemplativas ou enclausuradas. Esses claustros cumpriam diversos pa-
peis sociais, desde a função de banco – emprestando dinheiro às famílias e
a proprietários de terras –, até a criação das filhas, cuja família não possuía
dote para um bom casamento ou mesmo não tinha condições de criá-las
ou apenas desejava o status de uma filha freira (NUNES, 1986, p. 188).
O interior dos conventos era extremamente organizado e toda mulher
que desejasse seguir a vida religiosa precisava passar por diversas etapas.
Nestas instituições coexistiam noviças, freiras de coro e conversas. O período
probatório era chamado de noviciado, estas candidatas eram obrigadas a
fazer votos simples ou temporários.
Para tornarem-se freiras de coro era preciso o pagamento do dote, pois
este posto era reservado, em geral, às freiras provenientes de classe social
mais elevada. Elas eram responsáveis pelos cantos litúrgicos e pela parti-
cipação nas assembleias capitulares, bem como pela direção do convento.
A condição de freiras conversas era reservada às mulheres de origem mais
humilde, incumbidas de tarefas no interior e exterior do convento, elas
proferiam os três votos de religião, mas nunca se tornavam professas da
ordem, apenas agregadas ou associadas ao mosteiro. As conversas tinham
como características a robustez física, bom caráter, espírito submisso e
temperamento dócil, qualidades fundamentais para o desempenho dos
trabalhos manuais. Algumas alterações podem ser identificadas de ordem

283
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

para ordem, no entanto, pouco muda na estrutura de ingresso de mulheres


aos mosteiros, conventos e congregações (CARDOSO, 2003, p. 42-3).

2. IGREJA E ESTADO: DA REVOLUÇÃO FRANCESA À


RESTAURAÇÃO NAPOLEÔNICA

A estrutura destes conventos, bem como seu papel social foram dras-
ticamente abalados com o advento da Revolução Francesa. O período
revolucionário modificou a organização da Igreja que por dez anos se re-
traiu em suas ações. Somente após a ascensão de Napoleão Bonaparte que
Igreja e Estado retomam os laços, fazendo novos usos e sentidos às ações
executadas pelos religiosos, conforme veremos.
O final do século XVIII e início do século XIX foi marcadamente
um período antagônico. Por um lado, a presença das ideias religiosas, da
fixidez, da fé, por outro, confrontaram-se as ideias de ciência, da velocida-
de e da razão. Ao contrário do século XVIII, assinalado pela mistura entre
o ser e o devir, o século XIX, impulsionado por uma nova filosofia, foi o
primeiro século verdadeiramente do devir com uma grande tendência à
multiplicidade, à fragmentação da ciência, bem como de um pensamento
sectário político e histórico. No século XIX o indivíduo tornou-se ele-
mento central (BAUMER, 1990b, p. 13, 95).
A marca desse triunfo está no constitucionalismo iniciado com a ma-
triz americana (1776), seguido da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, adotada pela Assembleia Constituinte na primeira fase da
Revolução Francesa (1789), que, segundo Loius Dumont, fundamentou a
nova Constituição da França decorrente de manifestações populares e tida
como exemplo na Europa e no restante do mundo (DUMOND, 1985, p.
109). Espalhando-se rapidamente pela América e chegando ao Brasil no
início do século XIX (1824) (GAUER, 2014, p. 19-35).
Às vésperas da Revolução Francesa, a Igreja da França cuidava de
mais de dois mil e duzentos asilos, além do ensino ministrado nas escolas
paroquiais. Havia entre o Baixo e o Alto clero uma grande disparidade
no que tange às ações sociais e o valor pago pelos trabalhos prestados. A
relação entre Igreja e Estado do final do século XVIII acirrou-se com a
aprovação, pela Assembleia Nacional Constituinte, da Constituição Civil

284
FELIPE ASENSI (ORG.)

do Clero, em junho de 1790, esta ação significou o rompimento da França


com a Igreja de Roma.
No mesmo ano foi aprovado o juramento constitucional que exigia
dos bispos, curas e religiosos, fidelidade à Constituição civil da França,
neste contexto a Igreja mais uma vez dividiu-se. De um lado, os sacerdo-
tes fieis à Constituição, de outro, os sacerdotes fieis ao Papa, sendo cha-
mados de refratários. Dentre as determinações feitas a partir da imposição
a esta Magna Carta estava a proibição da atividade acadêmica aos profes-
sores, que não haviam feito juramento, e o fechamento de todas as Ordens
e Congregações religiosas (HÜTTNER, 2000, p. 21-2). Determinou,
ainda, que os cléricos que em oito dias depois da publicação do edital não
tivessem prestado juramento perderiam seu salário ou pensão e seriam
afastados de sua residência. Toda resistência foi punida com encarcera-
mento e no caso de tentativa e/ou fuga para o exterior, o seu autor seria
punido com a pena de morte (ROGIER, 1971, p. 137).
Ademais, a Revolução Francesa também colocou “à disposição da
nação” todos os bens eclesiásticos e iniciou um progressivo processo de
laicização de tarefas que até então eram desempenhadas pelo clero, tais
como: Assistência social, ensino e registros de estado civil. Foi a tentativa
de destruição de todo e qualquer sinal de culto. O clero passou a fazer par-
te do corpo de funcionários remunerados pelo Estado ou pelas comunas,
seus membros eram eleitos pelo povo e estavam inteiramente submetidos
à autoridade civil (PIERRARD, 1982, p. 212).
A perseguição aos religiosos intensificou-se no decorrer da Revolu-
ção. Os padres refratários foram perseguidos e muitos guilhotinados. No
entanto, diversos cléricos continuaram a exercer suas funções de forma
clandestina. Celebravam missas às escondidas, socorriam doentes e mori-
bundos e davam continuidade, da maneira que podiam, à obra de suas or-
dens religiosas. Dentre estes devotos, Pierre Pierrand destaca João Eudes,
que, conforme veremos, serviu de inspiração para Maria Eufrásia Pelletier
quando da fundação da Casa do Bom Pastor (PIERRARD, 1982, p. 215).
O Papa Pio VI, em busca de ajuda, dirigiu apelo às potências católicas,
Rússia e Inglaterra. Fez clemência para que fossem em socorro do rei da
França e para que ajudassem a restituir à Santa Sé nos territórios que lhe
foram tirados (ROGIER, 1971, p. 138). Em consequência se seu ato, o

285
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Papa Pio VI foi preso e no período final do Diretório (1797-1799), com


oitenta e três anos, morreu como prisioneiro na cidade de Valença, na
França. A ascensão do novo Papa, Pio VII, ocorreu em 14 de março de
1800, quase simultaneamente à ascensão de Napoleão ao poder.
Napoleão (re)significou o papel das instituições religiosas frente à
questão assistencial. Até então, o Antigo Regime não havia compreendi-
do que a indigência suscitava um problema de direito: “sempre se pensou
em fazer caridade aos pobres, mas nunca em fazer valer os direitos do
homem pobre em relação à sociedade e os da sociedade em relação a ele”
(CASTEL, 2008, p. 242). As medidas adotadas eram de dar socorro para
os necessitados “merecedores”, ou reprimir, muitas vezes com punições
severas, os “vagabundos válidos”. O Estado até então não havia incluí-
do os pobres na Constituição. Com base na Declaração dos Direitos do
Homem é que o Comitê organizou as instituições responsáveis por essa
assistência, conforme aponta Castel:

Todo homem tem direito à subsistência: está verdade fundamen-


tal de toda sociedade, e que reclama imperiosamente um lugar na
Declaração dos Direitos do Homem, pareceu ao Comitê ser a base
de toda lei, de toda instituição política que se propõe extinguir a
mendicância. Assim, cada homem tendo direito à subsistência, a
sociedade deve prover a subsistência de todos os seus membros que
poderão estar carentes dela, e esta benéfica assistência não deve ser
encarada como um favor; é, sem dúvida, a necessidade de um co-
ração sensível e humano, o desejo de todo homem que pensa, mas
é o dever estrito e indispensável de todo homem que não está na
pobreza, dever que não pode ser aviltado nem pelo nome nem pelo
caráter da esmola; enfim, ela é uma dívida inviolável e sagrada para
toda a sociedade (CASTEL, 2008, p. 243).

Com base nessas premissas o Comitê organizou a lista dos necessita-


dos merecedores e não merecedores de assistência. Dentre os necessitados
estavam os que eram inaptos ao trabalho, ou porque a idade ainda não
permitia (crianças), ou não conseguiam mais (idosos). Fez-se uma “lista
exaustiva das crianças abandonadas até os idosos sem recursos” (CAS-
TEL, 2008, p. 244).

286
FELIPE ASENSI (ORG.)

Napoleão Bonaparte, conhecedor da influência que a Igreja conti-


nuava tendo sobre as massas populares, pois sua campanha na Itália só fez
confirmar o poder que a Fé exercia sobre as pessoas, buscou reconciliar-se
com a Igreja, conforme aponta Pierre Pierrand ao descrever a percepção
de Napoleão frente à importância da religião na gestão do Estado:

Considerava que a religião é um instrumento indispensável para


o governo de um Estado e sua pacificação. Como o catolicismo
mostrava-se uma religião à qual, apesar de dez anos de convulsões,
a maioria dos franceses permanecia ligada, concluiu que lhe era
necessário reestabelecer a qualquer custo o culto católico (PIER-
RARD, 1982, p. 221).

Corroborando esta ideia, Bertier de Sauvigny destaca o pensamento


de Bonaparte neste contexto ao afirmar que se convencera de que sua obra
teria apenas durabilidade se realizasse os desejos e votos da grande maio-
ria dos franceses que permaneciam ligados à Igreja. E assim Bonaparte
afirma: “minha política, disse ao conselho de Estado, é de governar os
homens como a grande maioria o deseja” (ROGIER, 1971, p.116).
A Igreja só voltou a restaurar-se após dez anos de Revolução. O Pri-
meiro Cônsul da França era conhecedor da força do sentimento religio-
so e com o objetivo de transformar a França em um Império colocou
a religião, novamente, em sua base. Três decretos foram assinados entre
o Papa Pio VII e Napoleão Bonaparte, neste contexto, as Congregações
puderam reabrir seus seminários e o culto nas Igrejas foi liberado. Den-
tre estes documentos, a Concordata assinada na França entre o Papa Pio
VII e Napoleão Bonaparte, em 15 de julho de 1801,35 cedeu à França a
liberdade dos cultos, reestabeleceu a hierarquia eclesiástica e manifestou
o primado do Papa. Determinou que a tolerância aos religiosos e religio-
sas seria apenas para aqueles e aquelas que podiam ser úteis ao povo, nas
escolas, hospitais e estabelecimentos de amparo em geral. Para Napoleão,

35 Estes documentos assinados entre o representante da Igreja, o Papa Pio VII e o re-
presentante do Estado, Cônsul Napoleão Bonaparte, estão disponíveis integralmente na
BnF (Bibliothèque Nacional de France), conforme link: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bp-
t6k6503426z/.

287
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

a religião não passava de uma engrenagem, essencial na enorme máquina


do Estado (PIERRARD, 1982, p. 222). Segue partes importantes deste
documento assinado entre Estado da França, representado por Napoleão,
e Igreja, representada pelo Papa Pio VII:

Preâmbulo: O Governo da república reconhece que a religião cató-


lica apostólica romana é a religião da grande maioria dos cidadãos
franceses. Sua Santidade reconhece igualmente que esta mesma
religião sempre tirou e espera ainda [...] a maior vantagem [...] do
estabelecimento do culto católico na França e da profissão que fa-
zem dele os cônsules da República (ROGIER, 1971, p. 117-8).

Apesar de não abordar, especificamente, o caso da restauração das


ordens religiosas, o fato de a Concordata ter aberto uma nova relação en-
tre Igreja e Estado possibilitou a revitalização e até mesmo a criação de
Instituições religiosas com papeis sociais determinados. O documento
Les Congrégations Religieuses ou temps de Napoléon,36 escrito em 1929 por
Léon Deries, disponível na Biblioteca Nacional da França (BnF), narra
o percurso das congregações religiosas, masculinas e femininas durante o
domínio napoleônico.
Segundo impresso, Napoleão fora intolerante com as Congregações
contemplativas: “La contemplation est interdite. Le gouvernement, sans
porter de décret à cet égard, ne l'admet point. Quiconque veut s'y livrer
est obligé de la dissimuler sous une œuvre matérielle utile”.37 Em contra-
partida, envoltas no véu da prestação de serviço na saúde o no ensino, as
Congregações femininas multiplicaram-se. Napoleão não penas dominou
as Congregações religiosas dando-lhes ou retirando-lhes o direito de sua
existência, como determinou-lhes a função que deveriam exercer, con-
forme documento (DERIES, 1929, p. 241):

36 “As Congregações Religiosas ou tempos de Napoleão”.


37 “A contemplação é proibida. O governo, mesmo sem determinar nenhum decreto a res-
peito disso, não a admite. Quem quiser a ela se entregar é obrigado a dissimulá-la sob a
forma de uma obra material útil.”

288
FELIPE ASENSI (ORG.)

[...] les Congrégations féminines reparurent et se multiplièrent. Les sœurs


de Saint-Vincent-de-Paul reçurent la reconnaissance légale avant même la
promulgation de la loi concordataire. C'était la voie ouverte à d'autres recon-
naissances qui suivirent, en effet, nombreuses et rapides. Elles s'adressent
à la fois à des religieuses hospitalières et à des religieuses enseignantes. Les
religieuses contemplatives en sont systématiquement privées car Napoléon
n'admet pas ce que l'on appelle alors la « spéculation oisive». Mais la con-
templation ne disparaît pas pour cela. Elle se réfugie dans certaines maisons
où elle prend une forme clandestine et où elle est tolérée. Elle se dissimule et se
déguise en se couvrant du voile de l'hospitalisation et du voile de l'éducation.
[...] Ainsi, la domination que Napoléon exerce sur les évêques, les curés, les
prêtres de tout grade s'étend aux congrégations subordonnées à l'État qui, non
seulement leur donne ou leur enlève l'existence, mais détermine leur genre
même d'existence (DERIES, 1929, p. 241):38

A Igreja do século XIX, após a restauração Napoleônica, tornou-se


essencialmente ativa, cumprindo o papel, em determinados momentos,
de responsabilidade do Estado. Pierrand destaca que o XIX foi o século
dos religiosos e religiosas franceses:

Nunca a Igreja da França criou e manteve às suas custas tantas es-


colas; ela fundou centenas e centenas de colégios cristãos. Nunca
constituiu tantas igrejas e tantos conventos; nunca abriu tantos re-
fúgios para as misérias. Em parte alguma suscitou tantas vocações;

38 “[...] as Congregações femininas reapareceram e se multiplicaram. As irmãs de Saint-


-Vincent-de-Paul receberam o reconhecimento legal antes mesmo da promulgação da lei
concordatária. Tratava-se da via aberta para outros reconhecimentos que seguiriam, de
fato, numerosos e rápidos. Elas dirigem-se simultaneamente a religiosas hospitaleiras e re-
ligiosas educadoras. As religiosas contemplativas são sistematicamente dela privadas, pois
Napoleão não admite o que se chama então de ‘especulação ociosa’. Mas a contemplação
não desaparece por conta disso. Ela se refugia em certas casas nas quais toma uma forma
clandestina e onde é tolerada. Ela se dissimula e se disfarça, cobrindo-se com o véu da hos-
pitalização e o da educação [...]. Assim, a dominação que Napoleão exerce sobre os bispos,
os curas, os padres de todos os graus, estende-se às congregações subordinadas ao Estado
que  não somente permitem ou proíbem que elas existam, mas determinam seu próprio
gênero de existência”. Grifo da autora.

289
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

raramente gerou mais santos e santas”. O reitor das faculdades


católicas de Lille não estava exagerando: O século XIX libertou
na Igreja católica imensas forças, que a fizeram erguer inumeráveis
obras através do mundo. E também aí o papel da Igreja francesa foi
primordial: Em 1900, dois terços dos missionários católicos eram
franceses; entre cento e dezenove padres mortos nas missões em
um século, nada menos que noventa e cinco haviam nascido na
França; três quartos das Congregações religiosas fundadas no curso
do século XIX são francesas (PIERRARD, 1982, p. 232-3).

A França do século XIX favoreceu a restauração das antigas ordens


e a multiplicação das Congregações religiosas. Em 1860, registram-se oi-
tocentas e dezessete Congregações Femininas, quase todas educacionais
e de ajuda aos enfermos. Essas freiras tinham dupla vocação, controlavam
desde escolas públicas até escolas livres. Também é marca do século XIX
a pulverização religiosa para a América, conforme aponta Pierrard:

A maioria dessas ordens religiosas – e mesmo várias Congrega-


ções Femininas – olhava com agrado para o ultramar. O século
XIX foi incontestavelmente o século dos missionários franceses:
de trezentos que eram em 1789, pularam para dez mil e catorze –
dos dois sexos – em 1900. [...] Quantas obras de toda sorte: obras
de caridade, de agrupamento, de juventude, obras em função do
sacerdócio e das igrejas, dos pobres, das crianças, dos prisioneiros
(PIERRARD, 1982, p. 233, 235-6).

Sendo assim, conquanto a Revolução Francesa tenha destruído aba-


dias, mosteiros e conventos, o Império Napoleônico, ao organizar as leis
da França e colocar o Estado frente ao antigo modelo monástico, contri-
buiu para que houvesse uma reformulação na vida religiosa. Nesse senti-
do, condicionou a conservação das ordens femininas à manutenção de sua
função social, fornecendo à coletividade pessoas qualificadas para trabalhar
junto a hospitais e escolas primárias. Deu-se, dessa forma, o aparecimento
e a expansão de um novo modelo congregacional, cuja clausura não fazia
mais sentido para o contexto histórico, social e político, mas sim exigia

290
FELIPE ASENSI (ORG.)

uma vida ativa consistente em verdadeiro projeto de ação social, de forma


a atender às novas exigências do Estado.
Mesmo Napoleão reconhecia nas religiosas a importância de seus
serviços, conforme aponta documento: “Où trouverait-on, non pas seu-
lement des infirmières aussi expérimentées et aussi dévouées que les re-
ligieuses, mais même simplement des infirmières à gages?” 39 (DERIES,
1929, p. 200): O trabalho apostólico dessas Irmãs desempenhou papeis
importantes, muitas vezes cumprindo o dever do próprio Estado e em de-
terminados momentos confundindo-se com ele (NUNES, 1986, p. 191).
Sendo assim, José Nunes define o conceito de Congregação como:

A Congregação é um espaço social reconhecido, onde se opera


uma tácita transação: impedido de colocar em comum suas con-
vicções privadas, o grupo se engaja no exercício de uma ação públi-
ca útil à sociedade. Uma pesquisa, em 1808, na França, dividia as
religiões em: hospitalares, professoras e religiosas dedicadas a casas
de assistência. A mesma identificação aparece no censo de 1861.
As congregações caracterizam-se, pois, por um modo de vida dis-
ciplinado, controlado, por exercerem atividade útil à sociedade e
por alcançarem certa independência econômica (NUNES, 1986,
p. 191-2).

De uma forma geral, a partir do século XIX, as Congregações re-


ligiosas se reestruturaram adaptando-se às novas ordens. Tornaram-se
úteis ao Estado, pois além de caracterizarem-se pela disciplina e por
exercerem atividades úteis à sociedade, tinham certa independência fi-
nanceira. Desta forma, via-se desonerado o Estado, pois além de dele-
gar funções importantes às Instituições religiosas, a exemplo do Bom
Pastor D’Angers – como o acolhimento e educação de meninas órfãs –,
subsidiava-as com pouco apoio financeiro, eis que as campanhas e aju-
das da comunidade representavam às religiosas ganhos financeiros que
possibilitavam, não só a construção de diversas casas pelo Brasil, mas a
manutenção de seu sustento.

39 “Onde se encontraria, não somente enfermeiras tão experientes e devotadas quanto às


religiosas, mas mesmo simplesmente enfermeiras contratadas”. Tradução livre da autora.

291
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

É imprescindível destacar que, por pouco apoio financeiro, entende-


-se o fato de a Instituição do Bom Pastor não ter subsidiadas, por parte
do Estado, completamente as suas despesas. Daí a importância das Con-
gregações para o Estado e a busca dos dirigentes estatais pela instalação de
Instituições administradas por religiosas em suas cidades.
Com as reformulações do início do século XIX, constata-se, por par-
te das Ordens e Congregações religiosas, uma reavaliação das estruturas
existentes e uma adaptação às novas exigências. Houve continuidade no
que tange aos aspectos assistenciais, às Congregações religiosas, em espe-
cial as femininas, passaram a assumir papeis de cunho social, como admi-
nistração de escolas e hospitais.
A incumbência de dar assistência aos desfavorecidos, que outrora era
executado nos mosteiros e abadias, tornou-se institucionalizada, doravan-
te com o apoio do Estado e com papeis determinados. O assistencialismo
passa a ter a ingerência oficial do Estado que delega às religiosas, de acordo
com a vocação de cada ordem, funções que hodiernamente seriam dele.
Também a sociedade, vestida de outra roupagem – que outrora dava es-
molas para redimir-se dos pecados –, passa a apoiar as obras assistenciais
através de campanhas, doações e incentivos às Ordens e Congregações.
Nesse contexto, as Ordens e Congregações religiosas tornam-se úteis ao
Estado, cumprindo funções por eles determinadas ao mesmo tempo que
mantêm a tradição “medieval” de ajuda ao próximo, agora institucionali-
zada e com o apoio social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar a construção histórica de um estado social e o papel das con-


gregações religiosas femininas nos permitiu compreender como os me-
canismos de controle social foram se constituindo. Demonstrou-se que
o Estado e a Igreja tiveram papeis distintos e complementares quanto ao
tratamento às camadas populares, consideradas perigosas e impertinentes.
Na primeira sessão compreendemos a construção de um estado so-
cial, observou-se o acirramento, a partir do século XVI, do Estado frente
aos indivíduos considerados “vagabundos”. Esses indivíduos foram asso-
ciados a uma série de qualitativos, sendo a mais relevante para o Estado a

292
FELIPE ASENSI (ORG.)

falta de trabalho. O atendimento a essas pessoas passou a ser uma prática


institucional, feita em hospitais, orfanatos, igrejas e instituições sociais,
constituindo-se um importante papel social-assistencial. Também com-
preendemos o rompimento entre igreja e Estado durante a Revolução
Francesa, retirando o papel que estas instituições cumpriam desde a Idade
Média, de prestar serviços aos necessitados.
Na segunda sessão destacou-se o papel das congregações religiosas fe-
mininas que foram ressignificadas a partir de Napoleão. Até a Revolução
Francesa a pobreza era vista como um problema, dava-se esmola ou ajuda
apenas aos necessitados merecedores. Napoleão reconcilia-se com a Igreja,
restaurando as ordens religiosas que haviam sido perseguidas durante a Re-
volução, e dá novo significado e incentiva a criação de instituições religiosas
com papeis determinados. Impõe que as Congregações contemplativas pas-
sem a ser ativas, servindo ao Estado e cumprindo papeis específicos
A partir dessa mudança histórica do papel das congregações, com-
preendemos a união Estado e Igreja na construção deste Estado Social.
Historicamente constatamos que a Revolução Francesa rompeu com a
Igreja e com todo seu papel social exercido desde a Idade Média, sen-
do restaurado apenas com Napoleão, que condiciona às ordens femininas
a uma função social de trabalhar em escolas, hospitais, prisões, ou seja,
cumprindo o papel que deveria ser do Estado.
A pesquisa aqui desenvolvida limitou-se a historicizar o papel da
construção de um estado social desde o século XVI até a era napoleônica.
A delimitação temporal nos impõe limites de aprofundamento histórico,
no entanto, ainda assim, foi possível verificar as mudanças de papeis entre
Igreja e Estado, e, acima de tudo, como políticas de acolhimento e ajuda
aos necessitados foram tratadas ao longo desse período histórico.
Este estudo nos mostra a importância das Congregações religio-
sas quando se estuda minorias, políticas públicas, educação e saúde. As
Congregações femininas, por muito tempo, supriram o papel que deve-
ria ser do Estado. A exemplo, pode-se citar a Congregação Bom Pastor
D’Angers, fundada na França ao final da Revolução Francesa, que as-
sumiu o papel de fundar e administrar cárceres femininos em todos os
continentes. Foram mais de 600 casas administradas pelas Irmãs do Bom
Pastor pelo mundo.

293
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Nesse sentido, esta obra nos coloca à frente de um conhecimento


histórico acerca da construção de um estado social e da importância de
estudos e pesquisas sobre as congregações religiosas que, ao lado do Es-
tado, ou até mesmo em substituição deste, tiveram papel importante no
cuidado, saúde, ressocialização, educação de pessoas em situação de vul-
nerabilidade.

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ja. IV Século das Luzes, Revoluções, Restaurações. Rio de Janeiro:
Editora Vozes limitada, 1971.

295
PELO LEGADO DE BELL HOOKS:
NARRATIVAS INSURGENTES DE UMA
VOZ NEGRA EM DEVIR
Rose Mari Ferreira40
Antônio Cícero de Andrade Pereira41

INTRODUÇÃO

Este texto, escrito por mãos negras, retrata a realidade de muitas


pessoas de cor, que, ao longo de suas vidas despertaram acerca de
suas identidades étnico-raciais tardiamente. Todavia, este despertar
não se dá instantaneamente. É um constructo, um movimento, um
processo, um devir.
Desta forma, visando dar um rosto à dona destas mãos negras, apre-
sento-lhes uma mulher42 em devir que ousa erguer sua voz para narrar
sua trajetória acadêmica e profissional. No entanto, este relato não será

40 Doutoranda em Saúde Coletiva pela Unisinos. Sanitarista e Cirurgiã Dentista da Secreta-


ria de Saúde de Alvorada/RS.
41 Doutorando em Educação pela UFSCar, Campus Sorocaba. Professor Efetivo Assistente da
Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Floriano/PI.
42 Este texto em formato narrativo foi produzido em colaboração de uma autora e um au-
tor. No entanto, seu escrito está em primeira pessoa do singular, pois retrata a trajetória da
autora. O segundo autor desta produção participou ativamente de sua construção, contri-
buindo na seleção das citações e referências utilizadas, estruturação e formatação do texto,
nas reflexões e discussões ao longo da escrita.

296
FELIPE ASENSI (ORG.)

apresentado pura e simplesmente como um recorte de minha narrativa


(auto)biográfica, pois trago nele como base epistemológica as contribui-
ções de bell hooks, que me alicerçam tanto como referência bibliográfica
como também no seu exemplo de mulher negra de voz insurgente, que
impactou a Academia por meio de suas obras e continua impactando por
meio de seu legado.
Escrever o presente texto, aqui apresentado como relato de experiên-
cia com pitadas de ensaio (se pudermos assim caracterizá-lo), surgiu do
seguinte questionamento: como o legado de bell hooks, por meio de suas
obras, vem a despertar o devir de mulheres negras, instigando-as em nar-
rar suas trajetórias insurgentes?
Foi buscando responder à interrogativa supraescrita que apresen-
to como objetivo deste artigo: relatar experiências de uma mulher
negra em devir, sob a óptica da teoria feminista fundamentada por
bell hooks.43
Apropriando-me do artifício da escrita em primeira pessoa (mesmo
achando que isto já esteja subentendido nesta breve introdução), trago,
inicialmente, o tópico intitulado “Trajetória de uma mulher negra em
constante devir”, no qual narro fragmentos de minha história decorrentes
da vida familiar, acadêmica e profissional, dialogando com bell hooks e
sua óptica que protagoniza a mulher negra em um contexto social mar-
cado pela supremacia branca patriarcal. Em seguida, destaco o tópico “E
com a palavra, a saudosa bell hooks”, evidenciando em seu legado cita-
ções consideradas (por mim) relevantes em seus escritos, uma vez que
este legado contribuiu consideravelmente para o despertar identitário que
assumo plenamente de mulher negra em devir. E sem pretensão alguma
de esgotar a discussão sobre a teoria feminista ancorada em bell hooks,
trarei “à guisa de desfecho” deste artigo como sendo uma reflexão que me
veio proporcionar novas nuances deste devir, que, assim espero, prossiga
dinâmico, em movimento.

43 Autora estadunidense que faleceu em 15 de dezembro de 2021, aos 69 anos de idade,


deixando uma vasta literatura constituída por livros autorais, textos em coletâneas, produ-
ções ensaísticas e publicações científicas em periódicos nas seguintes áreas de conhecimen-
to: Filosofia; Antropologia; Sociologia e Educação.

297
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

TRAJETÓRIA DE UMA MULHER NEGRA EM


CONSTANTE DEVIR

As trajetórias de mulheres negras são constituídas por vivências ex-


clusivas e singulares. Cada uma destas histórias tem o potencial de tor-
nar-se uma narrativa única, merecedora de ser compartilhada. E quem
melhor para contar sua história que a pessoa que a vivenciou?
As histórias fazem parte da minha construção como pessoa negra e o
conteúdo dessas histórias traz as questões racistas, pois foram resistência e
luta que me constituíram e como foi constituída minha identidade racial
como mulher negra.
Escrever em primeira pessoa é exercer a escrita de si. Consideramos
a escrita de si como uma ferramenta téorico-metodológica que se sus-
tenta pela escrita da narrativa de quem é atravessada pela (trans)formação
das relações interpessoais. Desta forma, destaco que minha escrita, prova-
velmente, terá identificação com a escrita de outras mulheres negras que
tenham experimentado, por meio de vivências em comunidades suburba-
nas, frequentar escola pública e chegar à Academia.
Para Elizeu Clementino de Souza (2007, p. 68), “o pensar em si, falar
de si e escrever sobre si emergem em um contexto intelectual de valori-
zação da subjetividade e das experiências privadas”. Assim sendo, ratifico
o quanto essas narrativas me fizeram chegar até os lugares onde cheguei.
Inicio essa escrita trazendo o que compôs/compõe minha trajetó-
ria de ser (me reconhecer) uma mulher negra. Ser filha de pai negro
e mãe negra, com mais quatro irmãs negras e um irmão negro, o que
nos constituía uma família de pessoas negras, fomos instruídos que de-
víamos nos “comportar” bem em locais públicos, que não poderíamos
sair sem documentos, que nunca deveríamos correr quando a polícia
estivesse por perto. Estas, dentre tantas outras recomendações do “ma-
nual de sobrevivência” que, a maioria de nós, pessoas negras, devem
aprender desde muito cedo caso queiram sobreviver a este mundo
cunhado pela supremacia branca. Estes aprendizados que tive em casa
sobre o que significava ser negro e negra permitiram às minhas irmãs,
ao meu irmão e a mim sobreviver diante das inúmeras possibilidades
de nos tornarmos parte das estatísticas de extermínio do nosso povo.

298
FELIPE ASENSI (ORG.)

E para mim, em particular, proporcionou um significado ainda maior,


pois veio a me interpelar como mulher negra.
Essa luta não é nova. Essa luta por reconhecimento das mulheres ne-
gras é contada em um dos mais famosos discursos do feminismo negro
dito por Sojourner Truth, que nasceu em cativeiro como Isabella Baum-
free e em 1851, em Ohio, na Convenção Sufragista proferiu:

[...] Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir
numa carruagem, é preciso carregar elas quando atravessam um
lamaçal e elas devem ocupar sempre os melhores lugares. Nunca
ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da
lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher? Olhem
para mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei
palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não
sou uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer tanto quanto um
homem – quando tinha o que comer – e também aguentei as chi-
cotadas! E não sou uma mulher? Pari cinco filhos e a maioria deles
foi vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe,
ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E não sou uma mulher? [...] E
daí eles falam sobre aquela coisa que tem na cabeça, como é mes-
mo que chamam? (uma pessoa da plateia murmura: “intelecto”).
É isto aí, meu bem. O que é que isto tem a ver com os direitos das
mulheres ou os direitos dos negros? Se minha caneca não está cheia
nem pela metade e se sua caneca está quase toda cheia, não seria
mesquinho de sua parte não completar minha medida? (TRUTH,
2020, p. 28).

Em seu discurso, Sojourner Truth já estava esclarecendo que o termo


“mulheres” usado para debater a questão do direito ao voto não estava
contemplando as mulheres negras. E a ativista nos trouxe nesse discurso
a insurgência das mulheres negras em relação ao modelo dominante que
nessa época era definido como a imagem de “mulheres” somente as mu-
lheres brancas. Como nos traz Djamila Ribeiro (2020) denunciando a
invisibilidade das negras como categoria política, Truth colocava em pauta
a conquista de direitos para as mulheres negras.

299
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Minha construção identitária como mulher negra foi/é constituída


por resistência e luta, muito embora eu não tenha vivenciado situações de
racismo durante minha infância e adolescência. No entanto, em conversas
familiares tínhamos clareza sobre nossa condição de família racializada.
Éramos uma família negra, constituída por pessoas negras.
No Brasil, a identidade racial se apresenta de duas maneiras: uma pelo
processo de autoidentificação como pertencente ao grupo racial negro; a
outra é (trans)formada diante da percepção e do olhar do outro, caracteri-
zando o processo de heteroidentificação racial.
De acordo com Tomaz Tadeu da Silva (2014, p. 74), “a identidade
só tem como referência a si própria: ela é autocontida e autossuficiente”.
Nós, pessoas negras, aprendemos desde muito cedo que o mundo fora dos
limites da nossa casa era racista. Que as diferenças a que estaríamos ex-
postos na rua, construídas através dos conceitos de “aquilo que o outro é”
(SILVA, 2014, p. 74) poderiam trazer conflitos para nossa sobrevivência.
Nós mulheres negras carregamos as marcas do nosso passado, e de
como isto determina quem somos no presente, desde a vivência familiar,
chegando à formação acadêmico-profissional.
A representatividade (ou melhor, a falta desta) se fez importante para/
na construção de minha identidade enquanto mulher negra. A pouca pre-
sença de mulheres negras na Academia, bem como em outros espaços
de poder (que para mim, este contexto retrata o trabalho em Unidades
de Saúde), exerceram impacto significativo em minhas escolhas ao longo
deste processo de tornar-me mulher negra acadêmica sanitarista e cirur-
giã-dentista.
As questões do acesso à Educação Superior para as pessoas negras têm
raízes históricas. Para bell hooks, “a persistência do pensamento e da ação
racistas é o pano de fundo social que mina os esforços para acabar com a
discriminação em todos os níveis da educação” (HOOKS, 2020, p. 151).
Por ter me graduado em Odontologia em um período que data mais
de trinta anos, vivenciando esta experiência em uma Universidade pri-
vada, desprovida da tão importante representatividade negra supracitada,
enxergar-me como a única pessoa negra entre 88 discentes, sendo esta
maioria constituída por homens brancos, causou em mim sentimentos
controversos àqueles que poderiam surgir em outras pessoas negras em

300
FELIPE ASENSI (ORG.)

situações similares. Ao invés de sentir-me não pertencente àquele lu-


gar, mesmo sabendo que eu estava na condição de “o outro”, decidi
por resistir e lutar pela minha permanência neste que é considerado um
ambiente marcado pela supremacia branca, ou seja, eu sendo a pessoa
diferente em um espaço de poder, a Academia, aonde se espera por mais
um dos iguais, mais um dos sujeitos que se consideram merecedores do
direito àquele lugar.

Na sociedade brasileira, o “normal” é que espaços de produção de


conhecimento, como é a Academia, sejam ocupados por pessoas
brancas, bem como outros espaços, como é a área da saúde. Essa
área de conhecimento vem sendo historicamente estruturada em
torno do modelo médico-centrado, sendo normalmente o médico
detentor da tomada de decisão nesses espaços de poder. A posição
ocupada nesses espaços pelo médico, que traz consigo conheci-
mento do colonizador branco, reproduz práticas que subvertem
outros profissionais da saúde, bem como apagam conhecimentos
ancestrais dos povos colonizados (PEREIRA; FERREIRA, 2021,
p. 208-209).

Atuando na assistência em odontológica, a situação não é tão diferen-


te. Sou servidora pública em uma cidade da área metropolitana de Porto
Alegre/RS e durante muitos anos fui a única cirurgiã-dentista negra no
quadro de servidores municipais. A mudança dessa fotografia ocorreu em
2018, com a nomeação de mais uma mulher negra cirurgiã-dentista, po-
dendo-se observar que “a presença de corpos negros nos espaços de poder,
Academia e Instituições de Saúde, produz estranhamento àqueles que os
veem como intrusos em espaços de poder dominados pelo grupo hege-
mônico, homens brancos cis-heterossexuais” (PEREIRA; FERREIRA,
2021, p. 206-207).
No Mestrado em Saúde Coletiva, em que pese ser um Programa de
Pós-graduação que contempla a participação de estudantes vindos de Gui-
né Bissau, Moçambique e outros países do continente África, a represen-
tatividade de mulheres negras é pequena. O programa conta com reserva
de vagas para pessoas negras, pessoas indígenas e pessoas trans-gênero. E
eu como mulher negra, optado por inscrever-me pelo sistema de reserva

301
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

de vagas e tendo sido aprovada e classificada em primeiro lugar, com nota


dez, avaliando o estranhamento produzido na maioria absoluta branca ao
perceber que uma mulher negra havia sido classificada em primeiro lugar,
corrobora com o que hooks nos apresenta quando diz que “o sistema pa-
triarcal assegura que as mulheres negras bem-sucedidas, tanto no passado
quanto no presente, raramente recebem o respeito e a atenção que seus
colegas homens brancos recebem” (HOOKS, 2020, p. 152).
E a realidade que se expressou nas atitudes dos colegas do Mestrado
em Saúde Coletiva novamente corrobora o que bell hooks nos apresenta:

Supremacia branca é a base para o pressuposto de que pessoas ne-


gras são intelectualmente inferiores ou não são iguais a seus colegas
brancos. Mas isso não significa, necessariamente, que pessoas bran-
cas que pensam dessa forma buscam dominar professores negros
a partir de uma posição de discriminação racista. Vários de meus
colegas brancos acadêmicos expressam o desejo de viver e trabalhar
em espaços com mais diversidade, ter pessoas negras como colegas,
mas isso não significa que desaprenderam o pensamento suprema-
cista branco (HOOKS, 2020, p. 155).

Os brancos supremacistas questionam constantemente o conheci-


mento produzido e evidenciado por pessoas negras. Esse não foi o único
episódio em houve manifestação da branquitude.
Em outra disciplina, novamente eu era a única estudante negra na
sala, cinco estudantes mulheres brancas, dois homens brancos e duas do-
centes brancas formavam a turma. Em uma fala racista de uma das es-
tudantes, faço uma interrupção e classifico imediatamente a fala como
racista. A pessoa que falou se sente incomodada e logo diz que não sabia
que a frase era racista, ao que prontamente a professora explica que sim e
complementa dizendo que outras frases usadas também têm cunho racis-
ta. Como parecia, naquele momento, que eu deveria me pronunciar, ex-
plico que não saber que se está usando uma frase racista ou mesmo manter
uma relação afetiva com algum negro, como a estudante havia acabado de
relatar, não torna uma pessoa não racista (RIBEIRO, 2018; MOREIRA,
2019). Um dos estudantes masculinos interrompe minha fala “bradando”

302
FELIPE ASENSI (ORG.)

que o discurso era vitimista, que agora tudo é racismo. Continuo a dis-
cussão questionando sobre qual o embasamento que ele, homem branco,
possui para classificar o que é uma fala racista e o que não é fala racista. O
clima fica tenso e a cada palavra que eu digo ele se posiciona de maneira
mais agressiva. Ninguém na sala se posiciona. O silêncio grita e somente
ouvem-se duas vozes: a minha, mantida em tom o suficiente para ser ou-
vida e a voz do homem branco, supremacista, racista, deslegitimando meu
discurso. A professora então pede para que “os ânimos” se acalmem, pois
estamos aguardando um convidado que fará uma participação na aula.
Decido por manter minha educação e aguardar pela chegada do convida-
do. A aula termina e saio.
Na aula seguinte ao ocorrido, a professora inicia uma conversa de que
parecia ter acontecido algo de ofensivo na aula passada, e o estudante que
falou em tom mais “incisivo” não estava na aula mas havia enviado uma
mensagem a ela dizendo que “talvez ele tivesse se excedido”, mas que ela
achava tudo normal dentro de um ambiente democrático.
Mais uma vez o silenciamento do restante dos componentes da aula
ao que eu pedi a palavra e disse que não se pode optar por ser antirracista
em um dia e no outro cometer atos racistas. Essa é a posição da branqui-
tude acrítica.
E aqui faz-se necessário lembrar do que inteligentemente bell hooks
nos traz de sua experiência como docente em ambientes majoritariamente
ocupados por pessoas brancas,

As dificuldades surgiram e surgem em relação a crenças alimen-


tadas inconscientemente e pressupostos enraizados na supremacia
branca (noções de que pessoas negras são inferiores academica-
mente ou de que pessoas negras serão racistas se criticarem a bran-
quitude e os privilégios brancos), o que nos leva vários estudantes
brancos a questionar constantemente a autoridade de professores
negros ou a tentar enfraquecê-la (HOOKS, 2020, p. 155-156).

E a ausência de representatividade continua quando falamos de


Educação Superior em nível de pós-graduação. Dessa forma, tornar-se
negra e acadêmica, dentro do contexto de estudante em doutoramen-

303
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

to, remete-me a uma nova fase de descobertas, sobretudo sendo a úni-


ca doutoranda negra ingressante do PPG em Saúde Coletiva da Uni-
sinos. E bell hooks, analisando as questões de Educação nos Estados
Unidos, dirá que “o sistema de educação pública não consegue educar
a grande maioria dos estudantes negros de origem pobre e trabalhado-
ra” (HOOKS, 2020, p. 152).
E o panorama no Brasil não difere muito, pois estando em nível de
Educação Superior, uma mulher negra chegar ao Doutorado em Saúde
Coletiva contraria ao que bell hooks avalia como quase improvável para
um “[...] grupo de negros que está mal preparado para completar o ensi-
no médio, provavelmente, jamais buscará educação superior” (HOOKS,
2020, p. 152).
E será que cursando Doutorado em Saúde Coletiva, agora bolsis-
ta CAPES, em uma Universidade privada, fundada por padres jesuítas,
composta por professoras e professores brancas e brancos, haverá alguma
mudança? Lamentavelmente, a resposta ainda é não.
As disciplinas que iniciaram no Doutorado já demonstram a realidade
que bell hooks nos falava há tempos atrás (HOOKS, 2020), evidenciando
que os espaços acadêmicos são frequentados majoritariamente por pessoas
brancas. E por pertencerem a esses espaços, o estranhamento é causado
com a presença de uma estudante mulher negra.
Para nós, mulheres negras, “mesmo que o pensamento e a prática
feministas direcionados à conexão entre racismo e machismo tenham aju-
dado a conscientizar sobre a maneira como a feminilidade negra é desva-
lorizada em uma cultura patriarcal, capitalista, imperialista e supremacista
branca [...]” (HOOKS, 2020, p. 158), ainda se faz necessário que conti-
nuemos batalhando, lutando para que sejamos respeitadas, tanto no meio
acadêmico, quanto nas ações laborais em saúde. A Unidade Básica de Saú-
de, local onde atuo, é constantemente palco dessa reafirmação.
E embora tenha havido enormes progressos graças ao movimento fe-
minista, que forçando “[...] reflexões sobre raça e gênero que permitem
a mulheres negras construir sua personalidade e identidade contrariando
estereótipos negativos” (HOOKS, 2020, p. 159), enquanto acadêmica
negra no Doutorado em Saúde Coletiva ou cirurgiã-dentista na assistên-
cia em uma Unidade de Saúde, precisamos lutar contra os pensamentos

304
FELIPE ASENSI (ORG.)

machistas e racistas que, constantemente, tentam definir, nós mulheres


negras como não pertencentes a esses lugares.
Dessa forma, ser uma mulher, ser negra e ser acadêmica doutoranda
fazem parte de quem sou/quem estou me tornando. Compreendo meu
processo de devir como dinâmico, instável e inacabado.

E COM A PALAVRA, A SAUDOSA BELL HOOKS

A intelectual e escritora bell hooks deixa um legado vasto no que


se refere ao feminismo negro. Enquanto mulher negra suburbana do sul
estadunidense que vivenciou uma época em que o apartheid determinava
em quais lugares pessoas negras poderiam adentrar, bell hooks veio com a
missão de compartilhar sua teoria feminista sob uma óptica pouco apre-
sentada para aqueles tempos.
As mulheres negras, ao agregar para a teoria feminista a categoria raça
como uma vertente necessária, evidenciam o intercruzamento de opres-
sões. E essa discussão veio à tona em uma aula no Mestrado em Saúde Co-
letiva, demonstrando que mulheres brancas intituladas como feministas,
desconhecem ou não reconhecem a interseccionalidade de opressões que
oprimem mulheres negras. Vejamos o que nos escreve bell hooks

As mulheres brancas que dominam o discurso feminista, que, na


sua maioria, elaboram ou articulam a teoria feminista, pouco ou
nada compreendem da supremacia branca como política racial, do
impacto psicológico das classes e do seu estatuto político dentro de
um estado racista, sexista e capitalista (HOOKS, 2019, p. 30-31).

Em uma discussão fervorosa durante uma das disciplinas, uma pro-


fessora (mulher branca, olhos claros e fora dos padrões de beleza para o
quesito peso corporal) defende que ela, por ser/estar acima do peso corpo-
ral eleito como parâmetro de beleza também sofre discriminação e afirma
que não são somente mulheres negras que sofrem racismo. É interessante
notar que em uma discussão como essa, o movimento que é percebido
por parte de outras mulheres brancas é de apoio à professora, como se a
docente estivesse coberta de razão.

305
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

O movimento feminista, principalmente o trabalho de ativistas ne-


gras visionárias, preparou o caminho para reconsiderarmos raça e
racismo, o que teve impacto positivo em nossa sociedade como um
todo. Raramente, críticas sociais convencionais reconhecem esse
fato (HOOKS, 2021, p. 94).

Ainda há muito trabalho a ser construído, pois mulheres brancas ainda


não conseguem enxergar que sofrem questões sexistas por serem mulheres,
mas jamais sofrerão racismo por serem brancas. Racismo é uma relação de
poder e as mulheres negras não tem o poder de oprimir mulheres brancas.
A nossa trajetória, de mulheres negras, não é feita somente de passagens
que tentam nos empurrar para baixo. Ao contrário, a experiência de viven-
ciar a Academia quando encontramos mais pessoas negras nos faz seguir
em frente, ter mais vontade de prosseguir. E desse feliz encontro que tive
com uma professora de outro Programa de Pós-graduação, mulher negra,
professora doutora negra, acrescentou-se mais epistemologia de bell hooks.
Essa professora convidou-me para participar do seu grupo de pesqui-
sa e integrar com outras pesquisadoras e pesquisadores, negras, negros e
negres, um grupo que discute feminismos negros, entre outras pautas de
interesse de acadêmicos pessoas negras que sofrem as opressões de uma
Educação Superior racista. Fazer parte desse grupo de estudo é estar entre
os meus. É sentir-se completamente em casa.
Também importante trazer que o orientador por mim escolhido du-
rante o Mestrado em Saúde Coletiva, embora seja um homem branco de
olhos azuis, formou uma parceria de muita potência durante os dois anos
do Mestrado. Parceria que segue ainda durante o Doutorado, pois sendo
ele parte da branquitude crítica, nossas discussões continuam sendo rea-
lizadas e muitos trabalhos estão sendo apresentados em diversos eventos
científicos. Uma demonstração de que pessoas brancas, ainda que sejam
reconhecedoras de seus privilégios, podem agregar na luta antirracista.

À GUISA DE DESFECHO

A decisão de escrever à guisa de desfecho ao invés de uma clássica


conclusão ou de fazer as considerações finais vem do fato de se tratar de

306
FELIPE ASENSI (ORG.)

um relato de experiências. Estas experiências que outrora me atravessaram


e contribuiram com a construção identitária que incorporo atualmente, a
de mulher negra doutoranda, sanitarista e cirurgiã-dentista que destaquei
neste artigo não me definem em minha totalidade. Vivenciei tantas outras
coisas, muitas até mais significativas que as apresentadas neste texto, mas
creio que não cabem para esta narrativa.
No entanto, revelo que este processo encontra-se inacabado, uma vez
que acontecimentos que me atravessarão ainda estão por vir. Dessa forma,
sinto que meu ser se tornará algo que ainda não sou.
Desde antes de iniciar minha jornada como acadêmica, o tornar-me
mulher negra já compunha minha identidade. Mas nem sempre foi assim.
Claro que, se acompanharmos a linha temporal que narrei ao longo deste
relato de experiências, pode-se inferir que ser negra foi imposto a mim
como herança genética, e, acima disso, como ancestralidade.
Na atual conjuntura, herdo também o legado deixado por bell hooks,
sendo ela mulher negra, acadêmica, escritora e ativista, tudo aquilo que
almejei ser. Trago seus ensinamentos, suas críticas por meio de sua voz,
através de minha voz. Ecoando em uníssono junto também aos gritos de
tantas outras mulheres negras.
Entretanto, revelo que não busquei aqui neste texto generalizar outras
possíveis narrativas que relatassem trajetórias de mulheres negras que pre-
cisariam ser escritas, nem esgotar quaisquer possibilidades outras de dis-
cussão dentro da temática do feminismo negro tendo como base as epis-
temologias presentes nas obras de bell hooks. Dito isto, ao dialogar com
bell hooks, apresentando minha trajetória como mulher negra, busquei
mostrar que todas nós estamos/estaremos em devir.

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PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

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journer Truth / contada a Olive Gilbert. Rio de Janeiro: Livros de
Criação; Ímã editorial, 2020. (Coleção Meia Azul.)

308
EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA EM
ANGOLA: PERCEÇÕES DE ATORES
EDUCATIVOS LOCAIS SOBRE
INFRAESTRUTURAS ESCOLARES
E RECURSOS HUMANOS E SUAS
CONDIÇÕES DE TRABALHO NAS
ESCOLAS DO ENSINO PRIMÁRIO
E SECUNDÁRIO DA REGIÃO LESTE
ANGOLANA, NO PERÍODO ENTRE
2008 A 2018
Paulo Carlos Lopes44

INTRODUÇÃO

O processo de construção de infraestruturas escolares, em qualquer


sociedade hoje em dia, é associado à política do Estado. É o Estado que
assume os encargos de prover infraestruturas e recursos humanos a ela as-
sociados nas comunidades populacionais, em vista à criação de condições

44 Doutorando em Ciências da Educação na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educa-


ção da Universidade do Porto, Portugal.

309
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

básicas para as populações que estudam e trabalham – aprendizagem e en-


sino. A sua insuficiência num contexto é atribuída, por sua vez, à política
de determinado governo. O Estado, a família e a sociedade civil partilham a
reciprocidade da conservação quando num contexto é criada uma infraes-
trutura escolar. O ato de prover escolas no meio da população com essa
necessidade e materiais a ela associados, equipamentos e recursos humanos
e suas condições de trabalho para a escolarização das populações, como su-
cede na região leste angolana – que apenas muito recentemente procura (re)
construir infraestruturas escolares nas comunidades populacionais – é uma
das principais competências do Estado angolano (LOPES, 2016).
Este artigo desenvolve uma análise das perceções de professores(as),
alunos(as), diretores de escolas e do MED, políticos, pais e encarregados de
educação sobre o processo de (re)construção de infraestruturas e dotação de
materiais escolares, e sobre recursos humanos existentes e suas condições de
trabalho nas escolas do ensino primário e do 1º e 2º ciclos do ensino secun-
dário da região leste de Angola no período entre 2008 e 2018.
A metodologia seguida é eminentemente mista, assente no método
de estudo de caso. A recolha dos dados foi realizada com recurso às técni-
cas de inquérito por questionário e por entrevista e análise documental das
estatísticas descritivas adquiridas no Gabinete de Estudo e Planeamento
Estatístico (GEPE) do MED da região leste de Angola. Os inquéritos por
questionário foram realizados presencialmente pelo investigador nos meses
de março a agosto de 2018, integrando perguntas fechadas e abertas, tendo
obtido respostas de 127 professores(as) e de 408 alunos(as) que estudam
na 9ª, 12ª e 13ª classes de 11 escolas do ensino secundário daquela região
que cooperaram com o projeto de investigação. As entrevistas semiestru-
turadas foram efetuadas a 7 diretores de escolas do ensino secundário, a 2
representantes provinciais do MED da região, a um representante político
do governo central na região e a um pai e encarregado de educação.
Para este artigo foram selecionadas algumas questões fechadas do
questionário, em articulação com as das entrevistas, designadamente as
relativas a: recursos materiais escolares, e recursos humanos em pessoal
docente e suas condições de trabalho.
A fundamentação teórica assenta no percurso do ensino escolar em
Angola a partir da década de 60, destacando o interesse de iniciar a cons-

310
FELIPE ASENSI (ORG.)

trução de infraestruturas escolares em diversos lugares do território an-


golano por parte do governo colonial (VICTORINO, 2012). A partir de
11 de novembro de 1975, Angola torna-se independente da colonização
e forma o seu 1º governo que relança a alfabetização da população inter-
rompida pelo desenrolar da guerra civil. A região mais a leste de Angola,
nesse período, pouco empreendeu no esforço da escolarização da sua po-
pulação, quer no tempo colonial quer, ainda, no tempo da guerra civil.
Primeiramente por ser um território muito distante do litoral, que foi
onde começou e mais se desenvolveu a influência da colonização, e de-
pois por ter sido o território que mais ficou afetado pela guerra civil, que
terminou, com a assinatura do protocolo do Luena, a 4 de abril de 2002.

1. MARCOS DO ENSINO EM ANGOLA

Angola foi colónia portuguesa até ao dia 11 de novembro de 1975, data


da sua independência. Com a independência o país formou o seu primeiro
governo que, desde então assumiu o provimento do sistema educativo e de
ensino em vista à preparação de recursos humanos e à (re)construção do país
atenuando no que respeita à educação, “a taxa geral de analfabetismo [que]
era de 85% da população” (VICTORINO, 2012, p. 10) e ao subdesenvol-
vimento daquele território herdado do período da colonização.
A variável referente às infraestruturas e condições escolares e dos re-
cursos humanos e suas condições de trabalho é importante para o de-
senvolvimento do processo de educação escolar em qualquer contexto
da sociedade, e sem o seu conhecimento efetivo não se poderá chegar a
conclusões quanto ao estado do ensino numa dada região. Daí o termos
escolhido o apuramento destes para a realização deste trabalho.
Ainda que seja uma variável quase inexistente no contexto da região
leste angolana, como refere Pedro (2015, p. 308), “as abordagens sobre con-
dições de trabalho dos professores e das escolas em Angola é ainda escassa na
medida em que boa parte da literatura existente simplesmente associa esta
temática às capacidades técnicas e científicas que o professor possui ou deve
possuir para o exercício docente”, a nível de Angola aparece alguma litera-
tura que refere um esforço político, social e religioso de uma prevalência de
ensino naquele território, pois, de acordo com Santos (1998, p. 627), “no

311
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

decorrer do ano de 1964, foram criados em Angola mais de cinquenta pos-


tos escolares e cerca de dezena e meia de escolas. (…) os postos eram fun-
dados em zonas afastadas, atrasadas, de menor contingente populacional,
enquanto as escolas se estabeleciam nas melhores, maiores e mais desenvol-
vidas povoações. (…) os postos quase sempre antecediam futuras escolas”,
o que foi reafirmado por Victorino (2012, p. 10) ao referir que “o colo-
nialismo português começou a realizar investimentos razoáveis no domínio
da educação somente a partir da década de 60 (…) alargando assim a rede
escolar e permitindo o acesso de angolanos à função docente-educativa”.
Assim visto, na data da independência, em 1975, a frequência escolar
registava a existência de algumas centenas de milhar de alfabetizados no
curso elementar, algumas dezenas de milhar no ensino secundário e pou-
cas centenas no superior, sendo de notar que grande parte destes últimos
eram europeus ou assimilados.
Considerando que a população de Angola ao tempo seria de cerca
de seis milhões de indivíduos segundo os dados oficiais, e que já haviam
decorrido 11 anos desde a implementação do ensino público oficial, cal-
cula-se que seria mais de um milhão o número de pessoas que em Angola
sabiam, pelo menos, ler, escrever e contar.
Alcançada então a independência, em 1975, seguiu-se, em Angola,
um longo período de guerra civil que impediu que se exercesse normal-
mente o governo do país, e consequentemente, com prejuízo da generali-
dade e uniformidade da educação e mantendo-se a maioria da população
analfabeta e muito pobre (WHEELER; PÉLISSIER, 2016, p. 362).
A partir daquele tempo, e como diz Victorino (2012, p. 9),

o fim do conflito armado (…) possibilitou um rápido desenvolvi-


mento da educação em todo o país, (…) a rede escolar foi amplia-
da com a construção de novas escolas do ensino geral e Institutos
Médios Politécnicos em todas as províncias, o que possibilita a
formação de muitos jovens. No período de 2001 a 2010, período
de paz, construíram-se 34.580 novas salas de aulas que representa
uma média/ano de 3.842 salas de aulas construídas.

Para além destas considerações sobre o contexto interno angolano


há outras de experiências externas a Angola que contribuíram significa-
312
FELIPE ASENSI (ORG.)

tivamente para concluirmos das necessidades de infraestruturas escolares


e de condições para uma escola desenvolver com qualidade o ensino e
aprendizagem.
Garcia (2014, p. 139) começa por elucidar que

o termo IE [infraestrutura escolar] tem sido utilizado (…) como


sinónimo de condições materiais, condições físicas, recursos físicos,
recurso pedagógicos, dependências, equipamentos, infraestrutura
física, infraestrutura escolar. [Infraestrutura escolar entendemos]
como um sistema de elementos estruturais, inter-relacionados,
que inclui o edifício escolar, as instalações, os equipamentos e os
serviços necessários para garantir o funcionamento da escola e im-
pulsionar a aprendizagem do aluno.

Deste modo a infraestrutura pode ter efeito sobre a aprendizagem do


aluno e da sua formação, incluindo o seu comportamento, quando para
esta contribuem as instalações, os equipamentos, os serviços, as iniciativas
educativas e os projetos pedagógicos (ibidem).
Garcia, Prearo, Romero e Bassi (2014, p. 616) identificaram que “o
tema infraestrutura engloba as instalações, os equipamentos pedagógicos
e os serviços realizados na escola. (…) influencia o desempenho escolar
dos alunos, [e] torna-se importante para a formação do jovem quando
articulada com as instalações, os equipamentos, os serviços, as iniciativas
educativas, os projetos pedagógicos e o comportamento humano”.
A partir destes pressupostos teóricos elencados compreenderemos
que o País empreendeu esforço demostrado com aprovação dos diversos
diplomas que tentaram reorganizar o sistema de ensino público logo após
a independência. Em 1975, a Lei nº. 4 de 9 de setembro nacionaliza o en-
sino incluindo as estruturas da Igreja Católica, ou anteriormente de priva-
dos; em 1977 definiu-se a reformulação geral do ensino através das Teses
e Resoluções do 1º. Congresso do MPLA-PT, e, em 1980, é publicada a
Lei de Bases do Sistema Educativo através do Decreto nº. 40/80 de 14 de
maio. Esta viria a ser revogada em 31 de dezembro de 2001 pela Lei nº.
13/01, que procurou reestruturar o sistema de educação seguindo dire-
trizes internacionais relativamente à importância da sua democratização,
gratuidade e universalidade.
313
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

A partir do alcance da paz no país, em 2002, o MED manteve em


vigor a Lei nº 13/01 até à publicação da Lei nº. 17/16 de 7 de outubro
de 2016, ainda atualmente em vigor, reforçando o objetivo central da
reforma de 2001 de apostar mais na escolarização das populações do
país. Nesse processo deparou-se com o desafio de, necessariamente,
ter de reparar os estragos ocasionados no período de guerra civil,
tendo de construir e reconstruir infraestruturas escolares em muitas
comunidades urbanas e rurais, e também, de resolver a insuficiência
do corpo docente para poder enfrentar o desafio de uma escolariza-
ção de massas.
Na prática, porém, eram várias as dificuldades que Angola enfrentava
para realizar a educação preconizada e legislada, o que o MED de Angola
veio reconhecer-se em 2009 que, entre 1981 e 1984, o ensino foi afetado
pelas condições políticas e militares, pela destruição e abandono de ins-
talações e equipamentos no período conturbado da guerra, pela posterior
má situação social do país (FERREIRA, 2005, p. 114).
Às dificuldades já referidas, acrescentou-se no período em análise
o grande afluxo ao país de muitos milhares de refugiados vindos dos
países vizinhos, o que obrigou o MED nos serviços de educação esco-
lar pública a enfrentar enormes desafios para responder ao acréscimo
da população.
Daqui se compreende que só com o fim da guerra civil se geraram
condições para relançar o processo de reestruturação e expansão de um
sistema educativo e de o implementar com uma cobertura territorial
abrangente, e, ainda assim, passados vários anos, reconhecem-se oficial-
mente as dificuldades na concretização desse processo.

1.1. CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO LESTE ANGOLANA

A região leste de Angola é composta por três províncias: Lunda-Nor-


te, Lunda-Sul e Moxico. INE (2016b, p. 8) reafirma que i) a província da
Lunda Norte é composta, política e administrativamente, por 10 municí-
pios, 25 comunas, com um total de 1.107 localidades, sendo 122 urbanas e
985 rurais e é habitada por 1.060.551 habitantes; ii) a província da Lunda
Sul compreende por 4 municípios, 14 comunas, com um total de 397

314
FELIPE ASENSI (ORG.)

localidades, sendo 34 urbanas e 363 rurais e tem 669.413 habitantes; iii)


a província do Moxico integra 9 municípios, 30 comunas, com um total
de 1.236 localidades, sendo 92 urbanas e 1.144 rurais e 935.649 habitan-
tes”. Ela “faz fronteira, externamente, com a República Democrática do
Congo e com a República da Zâmbia, confinando, internamente, com as
províncias de Malanje, do Bié e do Cuando-Cubango” (LOPES; CARA-
MELO; CORREIA, 2022, p. 132).
INE (2016a) destacou a região leste angolana com uma das taxas de
analfabetismo mais elevadas do país, pois cerca de metade da população
com 15 ou mais anos não sabe ler, escrever ou calcular. As diferenças va-
riam entre, sensivelmente, 52% (Moxico) e 44% (Lunda-Sul) da popu-
lação que não sabe ler nem escrever, o que indica que em qualquer delas
se regista uma taxa de analfabetismo significativamente superior à média
nacional (34,4%), como é referido no censo de 2014 (INE, 2016a, p. 54).
Ao inverso, as taxas de alfabetização da população de 15 ou mais anos
registam a nível regional a seguinte distribuição (INE, 2016a): a província
da Lunda-Norte, 50,0%; a província da Lunda-Sul, 55,8%; e a província
do Moxico 47,6%. A média a “nível nacional é de 66%, sendo na área
urbana cerca do dobro da área rural, respetivamente, 79% contra 41%”
(INE, 2016a, p. 53).
As estatísticas acedidas no gabinete de estudo e planeamento estatís-
tico (GEPE), das direções provinciais de educação daquelas províncias, e
no que se refere à variável que estamos a analisar, manifestam um aumento
em termos de construção de infraestruturas escolares naquele período,
como indicado no quadro n.º 01:

Quadro 1: Evolução da construção de escolas na região leste angolana entre o período de


2008 a 2018

Província Escolas 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Lunda Norte Ensino P. e secundário 180 185 200 206 208 213 203 208 210 213 213

Lunda Sul Ensino P. e secundário 189 193 197 197 208 232 263 273 285 285 287

Moxico Ensino P. e secundário 135 158 337 386 407 431 439 470 481 490 490

Total de escolas na região leste angolana 504 536 734 789 823 876 905 951 976 988 990
Fonte: criação do autor, a partir de DPGEPE, Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico

315
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Os dados manifestam a existência de 504 escolas em 2008, e deste


ano até 2011 um aumento de mais 285 escolas, e daqui até 2018 mais 201
escolas. Perfazendo um total de 990 escolas.
Conclui-se que tais resultados quantitativos gerais demonstram a
tendência de um aumento considerável na quantidade de infraestruturas
escolares construídas entre 2008 até 2014 e um decréscimo no período
entre 2015 até 2018.

2. ESTUDO EMPÍRICO

2.1. METODOLOGIA

Como já foi dito, o estudo empírico que fundamenta o presente arti-


go integrou-se numa pesquisa de doutoramento, com a configuração de
um estudo de caso.
Este estudo visou analisar a perceção que os estudantes e os/as pro-
fessores(as) do 1º e 2º ciclos do ensino secundário da zona leste angolana
possuem sobre as condições em que se exerce a educação escolar e sobre a
sua evolução no período entre 2008 a 2018. Neste estudo estão em análise
perceções de diversos atores sociais daquela região sobre o processo de (re)
construção e implementação da educação escolar e sobre quantidade e
qualidade das infraestruturas e materiais escolares, estado de conservação
dos recursos materiais escolares, saneamento básico e equipamentos auxi-
liares, e resultados ligados à quantidade e qualidade dos recursos humanos
e suas condições de trabalho nas escolas do ensino primário e do 1º e 2º
ciclos do ensino secundário da região leste de Angola do período entre
2008 a 2018.
Para tanto, a recolha de dados realizou-se a partir do inquérito por
questionário, dirigido a alunos(as) e a professores(as), integrando questões
fechadas, elaborado para o efeito e administrado presencialmente pelo in-
vestigador – no ano de 2018 - e envolveu ainda a realização de entrevistas
a atores locais das três províncias do leste angolano.
Para este artigo foram selecionadas para análise algumas questões fe-
chadas já referidas na introdução.

316
FELIPE ASENSI (ORG.)

Após obtenção das respostas àquelas questões e sua devida inserção


numa base de dados desenvolvida para o efeito, foram realizadas duas di-
ferentes análises, uma quantitativa e outra qualitativa.
Numa análise quantitativa foram analisados os resultados obtidos das
questões fechadas no questionário aplicado, recorrendo para o efeito à
análise das frequências e percentagens obtidas.
Ao nível da análise qualitativa extraíram-se as perceções das entrevis-
tas destinadas a complementar as respostas obtidas dos questionários.
A análise dos resultados obtidos foi efetuada com recurso ao programa
SPSS Statistics vs. 26, tendo sido realizada uma análise descritiva e compa-
rativa entre professores, alunos e entrevistados. As diferenças nas respostas
obtidas entre os dois grupos de participantes (alunos e professores) resulta-
ram do teste de Qui-Quadrado, considerando os resultados significativos
quando a probabilidade de significância obtido no valor absoluto, percen-
tual e médio é acima da média da variável analisada.
As respostas dadas às entrevistas foram sujeitas, com apoio do sof-
tware Nvivo12, a análise de conteúdo, e a categorização indutiva daí re-
sultante foi complementada com as questões do questionário apuradas na
tendência quantitativa das respostas.

2.2. PARTICIPANTES

Foram entrevistados para este estudo 9 homens e 2 mulheres de 11


escolas, sendo 6 do 1.º ciclo, 2 do 2.º ciclo, uma do complexo escolar dos
1.º e 2.º ciclos do ensino secundário, e 2 escolas do Magistério Primário.
Foram inquiridos também 408 estudantes do 1º e 2º ciclos do ensino se-
cundário (ou colégios e liceus, de acordo com a designação inserida pela
Lei n.º 17/16, de 7 de outubro de 2016), isto é, matriculados em 2018 nas
9.ª, 12.ª e 13.ª classes das três províncias daquela zona. A maioria dos/as
alunos(as) inquiridos/as é do sexo masculino (n = 233, 57.1%), sendo os
restantes do sexo feminino (n = 169, 41.4%) e 6 omitiram resposta a esta
questão. No que respeita à sua escolaridade, a maioria dos respondentes
está a frequentar a 9ª classe (n = 207, 50.7%), seguindo-se os que detêm a
12ª classe (n = 121, 29.7%) e a 13ª Classe (n = 79, 19.4%), e um estudante
não respondeu.

317
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

No que respeita à amostra dos docentes, esta é constituída por 127


professores(as) que lecionam no 1º e 2º ciclos do ensino secundário, sendo
do sexo masculino 105 e do sexo feminino 22.

2.3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste artigo, são apresentados dados obtidos ao longo do processo da


pesquisa desenvolvida no contexto da região leste angolana. A análise dos
dados e a sua discussão incide sobre os recursos materiais e humanos e as
condições de trabalho que oferece aos profissionais do sector no processo
da educação escolar na região leste angolana:
Num primeiro momento, procura-se aferir dos recursos materiais es-
colares quanto à sua quantidade e qualidade.
Seguidamente procura-se saber dos recursos humanos e das suas con-
dições de trabalho nas escolas do ensino primário e do 1º e 2º ciclos do
ensino secundário da região leste de Angola.
Para a realização da análise dos resultados foram consideradas uma
série de questões relacionadas com os recursos materiais escolares e as-
petos associados, e também com os recursos humanos e das suas condi-
ções de trabalho.

2.4. RECURSO MATERIAIS ESCOLARES QUANTO À SUA


QUANTIDADE E QUALIDADE

Analisaram-se neste ponto as perceções dos inquiridos (alunas e


de professores e professoras) e dos atores locais (diretores de escolas,
MED e político e pai encarregado de educação) entrevistados sobre
os recursos materiais escolares referentes às escolas e seus equipa-
mentos e condições de trabalho que oferecem as escolas existentes na
região leste angolana.
O desenvolvimento da educação escolar implica infraestruturas es-
colares condignas para um ensino de qualidade. Na região leste angolana
as escolas e suas condições de trabalho ainda carecem de uma intervenção
para a sua melhoria e aumento. O testemunho dos inquiridos e entrevis-
tados é o que a seguir passamos a analisar.

318
FELIPE ASENSI (ORG.)

2.4.1. INFRAESTRUTURAS ESCOLARES QUANTO À SUA


QUANTIDADE

O esforço empreendido pelo governo angolano no âmbito de (re)


construção de infraestruturas escolares, principalmente desde 2008 até
2014, foi notório. Nos anos seguintes, até 2018, a criação de mais espaços
destinados ao ensino abrandou o seu ritmo dificultando a cobertura em
zonas que ainda aguardam a chegada de uma escola. Isto significa que não
se conseguiu ainda atingir o pleno desse objetivo. É essa a opinião dos
alunos inquiridos apresentada no quadro seguinte.

Quadro 2: Perceção de alunos(as) sobre a quantidade de escolas

Quantidade Mau Insuficiente Suficiente Bom Muito bom Não responde


Média
de Escolas n % n % n % n % n % n %
Zona de
54 13,24% 196 48,04% 74 18,14% 37 9,07% 19 4,66% 28 6,86% 2.40
Residência
Município 51 12,50% 165 40,44% 65 15,93% 50 12,25% 13 3,19% 64 15,69% 2.44
Província 25 6,13% 149 36,52% 69 16,91% 56 13,73% 40 9,80% 69 16,91% 2.81

Zona Leste 35 8,58% 139 34,07% 64 15,69% 63 15,44% 36 8,82% 71 17,40% 2.78

País 23 5,64% 91 22,30% 65 15,93% 71 17,40% 80 19,61% 78 19,12% 3.28

Como no período compreendido entre 2008 e 2018 existiam na Re-


gião Leste 990 escolas, segundo dados estatísticos do GEPE, esse número
conjugado com as opiniões manifestadas acima, e ainda que não possua-
mos números que quantifiquem as necessidades face ao constante aumen-
to de alunos, concluímos que ainda há necessidade de aumentar o número
de escolas na região.
De facto, no que respeita à quantidade de escolas, o quadro nº 02
apresenta a tendência central de como os alunos(as) percecionam que
é insuficiente a quantidade de escolas da sua zona de residência/bairro
(48.04%), do Município (40.44%), da Província (36.52%), da zona les-
te angolana (34.07%) e, sendo mais positiva quando se refere ao nível
do país. Há aqui um aspeto curioso nos dados deste quadro: a apreciação
sobre a suficiência da quantidade de escolas é mais exata relativamente à
escala mais próxima (zona de residência), diminuindo à medida que se
passa para a escala mais distante (o país), o que não deixa de revelar uma

319
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

perceção/visão que naturalmente está enraizada nas vivências pessoais des-


tes estudantes podendo significar o reconhecimento de existência de uma
certa desigualdade no tratamento de que são alvo (ou seja, também não
deixa de revelar que sentem que as suas comunidades estarão menos bem
servidas do que, em média, outras comunidades do país).
Os resultados médios obtidos em torno dos valores 2 e 3 parecem
confirmar esta tendência para os alunos(as) considerarem insuficientes o
número de escolas, com a exceção da análise feita ao nível do país em
geral, em que a tendência já é para considerarem este número entre sufi-
ciente e bom (média=3.28).
Também na mesma linha de opinião converge a dos docentes inquiri-
dos que consideram em grande maioria insuficientes as escolas existentes,
quer na sua zona de residência, quer no Município, Província, Zona ou
País.

Quadro 3: Perceção de professores(as) sobre a quantidade de escolas

Mau Insuficiente Suficiente Bom Muito bom Não Média


Quantidade de Escolas responde
n % n % n % n % n % n %
Zona de
6 4,72% 83 65,35% 26 20,47% 10 7,87% 1 0,79% 1 0,79% 2.34
Residência/Bairro/Comuna
4 3,15% 72 56,69% 27 21,26% 18 14,17% 1 0,79% 5 3,94% 2.51
Município
2 1,57% 70 55,12% 34 26,77% 17 13,39% 2 1,57% 2 1,57% 2.58
Província
4 3,15% 86 67,72% 24 18,90% 11 8,66% 0 0,00% 2 1,57% 2.34
Zona Leste Angolana
5 3,94% 77 60,63% 24 18,90% 19 14,96% 1 0,79% 1 0,79% 2.48
País

Assim, podemos verificar que a maioria dos docentes considera que a


quantidade de escolas é insuficiente na sua zona de residência (65.35%),
do Município (56.69%), da Província (55.12%), da zona leste angolana
(67.72%) e do País em geral (60.63%).
Os resultados médios parecem confirmar esta tendência para os do-
centes considerarem ainda escasso e insuficiente o número de infraestru-
turas escolares.
Manifestando um conhecimento mais exato da realidade, sobressaem
um pouco mais sobre os outros três itens os números referentes às zonas
residencial e de Leste.

320
FELIPE ASENSI (ORG.)

A perceção dos inquiridos (docentes e discentes) converge ainda com


a dos entrevistados quando afirmam existir ainda na zona leste angolana
um déficit em termos de infraestruturas escolares, como se vê nas palavras
de um dos entrevistados:

entendemos nós que a educação com o número de (…) esco-


las diversas, mas não são suficientes. Temos que reconhecer
isto, porque cada dia nasce uma criança e cada dia uma criança
completa um ano, o que significa dizer que próprio senso de
construção de escolas tem e é um processo dinâmico, (…).
Temos muitos bairros que ficam muito distantes das zonas ur-
banas e, por isso, sentimos algum déficit em termos de infraes-
trutura escolar.

Concluindo, sendo coincidentes as opiniões dos inquiridos no ques-


tionário e no dos entrevistados, é ainda exíguo o número de escolas face
ao necessário para uma cobertura integral dos territórios em causa, o que
exige uma redobrada atenção por parte de quem de direito.

2.4.2. MATERIAL ESCOLAR E SUA QUALIDADE

O material escolar e sua qualidade foi percecionado, pelos inquiridos


alunos e alunas no estudo, com valores mais altos na escala “razoável” a
variar entre salas de aula (36.76%), o material didático (34.07%), as car-
teiras (26.72%) e um equilíbrio nas secretárias entre a tendência “inade-
quada”, “razoável” e “bom”.
Já no que respeita aos computadores e acesso à internet um número
claramente superior aponta mais a tendência negativa (66.67%). Isto é,
claramente que a questão dos recursos digitais (computadores e net) é o
que é reconhecido como mais deficitário em termos de material escolar
disponível: quase 80% dos respondentes situam a sua resposta entre os
níveis inexistente e inadequado e a média das respostas, numa escala de 6
pontos, é de 1,54.

321
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Quadro 4: Opinião dos estudantes acerca do material escolar

Opinião Inexistente Inadequado Razoável Bom Muito Bom Excelente Não responde Média
sobre
material n % n % n % n % n % n % n %
escolar
Salas de 26 6,37% 122 29,90% 150 36,76% 52 12,75% 19 4,66% 15 3,68% 24 5,88% 2.90
Aula

Material 54 13,24% 108 26,47% 139 34,07% 57 13,97% 17 4,17% 13 3,19% 20 4,90% 2.78
Didático
33 8,09% 121 29,66% 109 26,72% 71 17,40% 28 6,86% 11 2,70% 35 8,58% 2.93
Carteiras

37 9,07% 91 22,30% 92 22,55% 89 21,81% 35 8,58% 21 5,15% 43 10,54% 3.16


Secretárias

Compute e 272 66,67% 51 12,50% 40 9,80% 11 2,70% 8 1,96% 2 0,49% 24 5,88% 1.54
Internet

Os professores(as) referem que as salas de aula da sua escola (55.91%),


o material didático existente (50.39%), as carteiras (43.31%) e as secretá-
rias (42.52%) são razoáveis, mas com necessidade de apostar na sua me-
lhoria (veja-se que a média da apreciação se situa em torno do valor 3
numa escala de 6 pontos). Já no que respeita aos computadores e acesso à
internet, um número claramente superior de docentes já os considera ine-
xistentes (55.12%), ideia aliás confirmada pelo resultado do valor médio
(M=1,76).

Quadro 5: Opinião dos docentes acerca do material escolar

Opinião sobre Inexistente Inadequado Razoável Bom Muito Bom Excelente Não responde
instalações e Média
materiais n % n % n % n % n % n % n %

Salas de Aula 2 1,57% 28 22,05% 71 55,91% 20 15,75% 5 3,94% 0 0,00% 1 0,79% 2.98

Material 1 0,79% 28 22,05% 64 50,39% 28 22,05% 5 3,94% 0 0,00% 1 0,79% 3.06


Didático
1 0,79% 28 22,05% 55 43,31% 29 22,83% 13 10,24% 0 0,00% 1 0,79% 3.20
Carteiras
3 2,36% 32 25,20% 54 42,52% 26 20,47% 8 6,30% 2 1,57% 0 0,00% 3.08
Secretárias

Computadores e 70 55,12% 27 21,26% 24 18,90% 2 1,57% 4 3,15% 0 0,00% 0 0,00% 1.76


Internet

Quanto a este ponto, e seguindo o parecer emitido pelos inquiridos,


em que convergem as opiniões manifestadas quer pelos docentes quer pe-
los alunos, sobre a existência de material e da sua qualidade concluímos
ser “razoável”, e quase inexistentes os computadores e a internet.

322
FELIPE ASENSI (ORG.)

2.4.3. ESTADO DE CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS


MATERIAIS ESCOLARES EXISTENTES NA REGIÃO LESTE
ANGOLANA

O bloco referente ao estado de conservação dos edifícios, da higiene das


casas de banho, salas de aula e gabinetes e a limpeza dos espaços de entrada,
corredores e jardins, apresenta globalmente uma perceção equilibrada, con-
forme os resultados médios apresentados no quadro nº 06 que confirmam
esta tendência. Isto é, nenhum item tem média abaixo de 2,5 numa escala de
5 pontos, de acordo com aquele quadro, e a resposta com maior frequência
é, para os 3 itens, a que aponta para um estado "razoável". Isto significa que
há ainda que melhorar a conservação das infraestruturas naqueles contextos.

Quadro 6: estado de conservação dos edifícios escolares

Qualidade da Péssimo Má Razoável Boa Muito Boa Não responde


conservação da Média
n % n % n % n % n % n %
Infraestrutura
Estado de
conservação dos 87 21,32% 83 20,34% 102 25,00% 70 17,16% 18 4,41% 48 11,76% 2,58
edifícios
Estado de higiene 73 17,89% 83 20,34% 106 25,98% 76 18,63% 26 6,37% 44 10,78% 2,72

Estado de limpeza 66 16,18% 60 14,71% 113 27,70% 85 20,83% 34 8,33% 50 12,25% 2,89

A maioria dos docentes considera razoáveis as condições de conser-


vação do edifício (39.37%), a higiene do WC, salas de aula e gabinetes de
docentes (41.73%) e a limpeza dos espaços, entrada principal, corredores
e jardins (37.01%).
Conforme os resultados médios obtidos (em torno do valor 3) tam-
bém confirmam a tendência para os docentes considerarem razoáveis
estes aspetos.
Neste caso em específico a tendência parece ser no sentido de valo-
rizarem o estado de conservação, higiene e limpeza das infraestruturas
escolares, pois feito o somatório dos valores "positivos" razoável + boa +
muito boa, são maiores (73,22%; 69,29% e; 80,31%) que o somatório
dos valores "negativos" péssimo + má (22,83%; 26,77% e; 15,74%), res-
petivamente.

323
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Quadro 7: estado de conservação dos edifícios escolares

Não Média
Qualidade da Péssimo Má Razoável Boa Muito Boa
conservação da responde
Infraestrutura n % n % n % n % n % n %
Conservação do 3,06
11 8,66% 18 14,17% 50 39,37% 39 30,71% 4 3,15% 5 3,94%
Edifício
Higiene de WC, salas 3,00
8 6,30% 26 20,47% 53 41,73% 28 22,05% 7 5,51% 5 3,94%
de aulas e gabinetes de
docentes 3.39
Limpeza dos Espaços,
Entrada Principal, 4 3,15% 16 12,60% 47 37,01% 39 30,71% 16 12,60% 5 3,94%
Corredores, jardins…

Analisando os resultados do inquérito sobre o estado de conservação


dos equipamentos concluímos que é em parte bom, e maioritariamente
razoável, mas em que parte bastante apreciável de equipamentos se encon-
tra em mau estado, ideia que se torna mais evidente para os alunos.

2.4.4. SANEAMENTO BÁSICO E ENERGIA NAS ESCOLAS


EXISTENTES NA REGIÃO LESTE ANGOLANA

No que concerne às condições do saneamento básico, a maior parte


dos participantes (estudantes) no estudo salienta, como se pode ver no
quadro nº 08, a inexistência de água canalizada (50.74%) e de retretes/
latrinas (37.01%). Ao passo que a perceção em termos das condições de
saneamento referente a casas de banho situa entre péssimo (21.81%) ou
mau (21.81%). Apenas quanto ao fornecimento de luz elétrica há uma
maioria dos participantes que tende a atribuir um valor acima da média
“razoável” (26.72%).

Quadro 8: Condições do saneamento básico e energia

Condições Não
Inexistente Péssimo Mau Razoável Boa Muito boa
Saneament responde Média
o Básica n % n % n % n % n % n % n %
Água
207 50,74% 46 11,27% 43 10,54% 53 12,99% 29 7,11% 17 4,17% 13 3,19% 2.25
Canalizada
Luz 92 22,55% 54 13,24% 44 10,78% 109 26,72% 53 12,99% 32 7,84% 24 5,88% 3.22
Elétrica
Casas de 68 16,67% 89 21,81% 89 21,81% 78 19,12% 49 12,01% 15 3,68% 20 4,90% 2.99
Banho

Retretes ou 151 37,01% 69 16,91% 52 12,75% 46 11,27% 44 10,78% 9 2,21% 37 9,07% 2.43
Latrinas

3 24
FELIPE ASENSI (ORG.)

Os resultados médios obtidos parecem confirmar esta tendência para


os alunos(as) considerarem baixas (péssimas ou mesmo inexistentes) as
condições da água canalizada e retretes/latrinas (M=2,25 e 2,43) e apenas
reconhecerem como minimamente positivas as condições das casas de ba-
nho e luz elétrica (M= 3,22 e 2,99). Na verdade, o que podemos perceber
é que os alunos(as) inquiridas avaliam as condições destas infraestruturas
como deficitárias, com exceção da luz elétrica.
Os resultados obtidos dos professores(as) apontam para a existência de
um número mais elevado de docentes que consideram que são inexisten-
tes as condições de saneamento em termos de água canalizada (53.54%) e
de retretes/latrinas (30.71%). Ao passo que um número superior dos do-
centes acha que as condições das casas de banho (36.22%) e a luz elétrica
(40.16%) são razoáveis, mas necessitando de melhoria.
Os resultados médios (que variam entre 1 e 4) parecem confirmar
esta tendência para os docentes considerarem baixas (péssimas ou mesmo
inexistentes) as condições da água canalizada, más ou péssimas as con-
dições das casas de banho, razoável e boa a luz elétrica, inexistentes ou
péssimas as retretes/latrinas existentes.

Quadro 9: Condições do saneamento básico e energia

Muito Não
Condições do Inexistente Péssimo Mau Razoável Boa
boa responde Média
Saneamento Básico
n % n % n % n % n % n % n %
Água Canalizada 68 53,54% 11 8,66% 11 8,66% 27 21,26% 8 6,30% 1 0,79% 1 0,79% 2.20

29 22,83% 23 18,11% 11 8,66% 51 40,16% 11 8,66% 1 0,79% 1 0,79% 2.96


Luz Elétrica
6 4,72% 28 22,05% 27 21,26% 46 36,22% 14 11,02% 5 3,94% 1 0,79% 3.39
Casas de Banho
39 30,71% 23 18,11% 21 16,54% 22 17,32% 11 8,66% 4 3,15% 7 5,51% 2.63
Retretes/Latrinas

Analisados os resultados quanto a água e energia verifica-se um equi-


líbrio entre os valores indicados sobre a sua existência e qualidade, tanto
da parte dos docentes como dos alunos(as), de onde se conclui que muito
há a fazer para que as escolas daquelas províncias possuam uma e outra em
quantidade e qualidade aceitáveis.
Já quanto a casas de banho e retretes/latrinas o panorama é muito
mau, o que exigirá mais a sua atenção.

325
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

2.4.5. EQUIPAMENTOS AUXILIARES ÀS


INFRAESTRUTURAS ESCOLARES CONSTRUÍDAS NA
REGIÃO LESTE ANGOLANA

No que diz respeito às infraestruturas construídas (escolas), na região


leste angolana, podemos observar na figura 01, segundo a qual, a opi-
nião dos participantes (estudantes), manifesta uma tendência equilibrada
quanto à vedação e em torno dos auxiliares de limpeza. Ao passo que uma
maioria dos estudantes atribui a nota negativa às bibliotecas (72.06%), la-
boratórios (61.27%), espaços desportivos (56.86%) e pessoal de segurança
(55.15%) nas escolas daquela região.

Figura 1: Equipamentos complementares nas escolas da região leste angolana

O grupo dos docentes participantes na pesquisa quando questiona-


do acerca de certos equipamentos complementares nas escolas construí-
das na região leste angolana considera que a situação é positiva quanto
à vedação nas escolas (67,72%), existência de auxiliar de limpezas nas
escolas (74,80%) e de pessoal de segurança (76,38%). De acordo com
estes resultados parece que bibliotecas (65,35%) e laboratórios (53,54%)
são as infraestruturas que mais faltam nas escolas existentes junto das
suas áreas de residência. No que se refere aos espaços de prática desporti-
va, como podemos observar na figura nº 02, as opiniões são aproximadas
e equilibradas. Isto é, (51,97%) os que dizem sim, indicando existirem

326
FELIPE ASENSI (ORG.)

espaços de desporto e (45,67) que sustentam a sua inexistência. Natu-


ralmente são respondentes de diferentes contextos (entre meio urbano
e rural) o que podemos concluir, em termos globais, que haverá pelo
menos uma percentagem significativa de escolas onde este equipamento
não estará disponível.

Figura 2: Equipamentos complementares nas escolas da região leste angolana

Sobre os equipamentos complementares há um equilíbrio entre as


opiniões expressas da parte dos docentes e dos discentes, que situam a sua
existência um pouco acima da média. Sobressaem as indicações de carên-
cia essencialmente de bibliotecas e laboratórios.

2.5. RECURSOS HUMANOS QUANTO À QUANTIDADE E


SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO

Neste tópico analisaram-se as perceções dos mesmos inquiridos e


atores entrevistados neste estudo sobre a dimensão da (in)suficiência de
recursos humanos nas escolas da região leste angolana.
O processo de educação escolar público formal implica, afinal de
contas, não somente infraestruturas escolares, que proporcionam con-
dições de trabalho, mas é ainda fundamental dimensão a existência de
recursos humanos preparados para utilizar os equipamentos de trabalho à
sua disposição.

327
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Deste modo, conforme os quadros nº 10 e 11 observa-se que os itens


com maior frequência de apreciação negativa são os que dizem respeito
ao número de coordenadores de cursos (22.55%) e ao número de salas de
convívio (41.91%) que os alunos(as) consideram “mau”.
O número de professores(as), a maioria esmagadora de alunos(as)
considera-o insuficiente (37.75%), ao passo que o número de coorde-
nadores(as) de turno (27,94%), coordenadores de disciplinas (25.49%),
funcionários administrativos (24.75%) e pessoal administrativo (21.81%)
manifesta uma tendência positiva “bom” e ligeiramente acima da média,
a mesma tendência “bom” é atribuída às condições dos espaços das esco-
las, nomeadamente aos gabinetes/salas dos docentes (23,77%) e a salas de
reuniões (23.77%). Neste caso, nota-se aqui uma distinção entre, por um
lado, a apreciação que os alunos(as) fazem do número de recursos huma-
nos (cf. quadro n.º 10) e, por outro lado, a apreciação que os alunos(as)
fazem acerca da disponibilidade do que são espaços tendencialmente para
professores(as) e espaços tendencialmente para alunos(as) (cf. quadro n.º
11). Na visão dos alunos(as), o que parece ainda faltar naquelas escolas são
os espaços para estudantes. Não deixa de ser revelador de um olhar crítico
dos alunos(as) sobre os espaços da escola quando reconhecem que para
os professores(as) esses espaços existem em quantidade suficiente, mas o
mesmo já não acontece no que toca aos espaços para alunos e alunas.
O que importa dizer essencialmente aqui é que, globalmente, no que
respeita à quantidade de recursos humanos (pessoal docente e adminis-
trativo) disponível nas escolas daquela região, a apreciação dos alunos(as),
se situa no nível "mínimo", ou seja, embora a média seja (quase) sempre
superior a 2,5 (numa escala de 5 pontos), fica sempre muito próxima desse
valor. Com duas exceções: coordenadores de turno (M=3,08) e coorde-
nadores de disciplina (M=3,12) (cf. quadro n.º 10), e salas de professo-
res(as) (M=3,07) (cf. quadro n.º 11). Ou seja, na perceção dos alunos(as) as
coordenações intermédias estão mais ajustadas em termos de quantidade
às necessidades daquele contexto do que o número de professores(as) ou
de pessoal administrativo, e um desajuste sobre a “má” perceção em ter-
mos das salas de convívio (M=1,88) (cf. quadro n.º 10).

328
FELIPE ASENSI (ORG.)

Quadro 10: Pessoal docente e administrativo nas escolas da região leste angolana

Classificação da Não
quantidade do Mau Insuficiente Mínimo Bom Muito Bom
responde
pessoal docente,
Média
administrativo
nas escolas da n % n % n % n % n % n %
região leste.

Professores (as) 35 8,58% 154 37,75% 102 25,00% 61 14,95% 33 8,09% 23 5,64% 2,75

Coordenador de
45 11,03% 79 19,36% 78 19,12% 114 27,94% 42 10,29% 50 12,25% 3,08
Turno
Coordenadores
92 22,55% 90 22,06% 43 10,54% 61 14,95% 27 6,62% 95 23,28% 2,49
de Cursos
Coordenadores
49 12,01% 74 18,14% 60 14,71% 104 25,49% 54 13,24% 67 16,42% 3,12
de Disciplinas
Funcionários
67 16,42% 101 24,75% 59 14,46% 72 17,65% 26 6,37% 83 20,34% 2,66
Administrativos
Pessoal
83 20,34% 89 21,81% 69 16,91% 64 15,69% 29 7,11% 74 18,14% 2,62
Administrativo

2.6. CLASSIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS NAS ESCOLAS DA


REGIÃO LESTE ANGOLANA

Quadro 11: Quantidade dos espaços nas escolas da região leste angolana

Classificação da
quantidade dos Mau Insuficiente Mínimo Bom Muito Bom Não responde
espaços nas Média
escolas da região n % n % n % n % n % n %
leste.
Gabinetes/Salas
65 15,93% 73 17,89% 47 11,52% 97 23,77% 65 15,93% 61 14,95% 3,07
de Professores
Salas/Gabinetes
coordenadores de 95 23,28% 99 24,26% 42 10,29% 64 15,69% 32 7,84% 76 18,63% 2,52
Curso/Disciplinas
Sala de Reuniões 95 23,28% 70 17,16% 47 11,52% 86 21,08% 48 11,76% 62 15,20% 2,77

Sala de Convívio 171 41,91% 71 17,40% 22 5,39% 31 7,60% 17 4,17% 96 23,53% 1,88

Conforme o quadro nº 12, observa-se que uma proporção superior


de docentes considera insuficiente o número de professores(as) (39.37%);
bom o número de coordenadores(as) de turno (31.50%), de coordena-
dores(as) de disciplinas (36.22%), funcionários administrativos (37.01%),
pessoal administrativo (31.50%), e positivo só o somatório de coordena-
dores de cursos (46.45%).
Na perspetiva dos docentes, e no que respeita aos recursos humanos,
o valor médio permite realçar que para todas as categorias a quantidade é
reconhecida como insuficiente ou, na melhor das hipóteses, pouco mais
que "mínima" (as médias, numa escala de 5 pontos, variam entre 2,58 e

329
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

3,17), sendo que são os coordenadores de curso e professores(as) os recur-


sos tidos como menos suficientes.

Quadro 12: pessoal docente e administrativo nas escolas da região leste angolana

Classificação da Não
Mau Insuficiente Mínimo Bom Muito Bom
quantidade do responde
pessoal docente e
administrativo Média
nas escolas da n % n % n % n % n % n %
região leste
angolana
Professores (as) 1 0,79% 50 39,37% 33 25,98% 35 27,56% 6 4,72% 2 1,57% 2.96
Coordenador de
10 7,87% 34 26,77% 31 24,41% 40 31,50% 7 5,51% 5 3,94% 3.00
Turno
Coordenadores
29 22,83% 27 21,26% 29 22,83% 23 18,11% 7 5,51% 12 9,45% 2.58
de Cursos
Coordenadores
13 10,24% 27 21,26% 21 16,54% 46 36,22% 14 11,02% 6 4,72% 3.17
de Disciplinas
Funcionários
11 8,66% 30 23,62% 27 21,26% 47 37,01% 8 6,30% 4 3,15% 3.09
Administrativos
Pessoal
11 8,66% 30 23,62% 38 29,92% 40 31,50% 5 3,94% 3 2,36% 2.98
Administrativo

Ao passo que o quadro nº 13, apresenta a classificação da quantidade


dos espaços nas escolas da região leste angolana onde, no entender dos
professores(as) inquiridos, consideram mau o número de salas de/gabi-
netes (28.35%), salas de reuniões (26.77%), salas de convívio (55.12%) e
bom os gabinetes e salas de professores(as) (29,13%).
No que respeita aos "espaços", a apreciação é ainda mais negativa, pois
nenhum dos espaços considerados chega a obter uma média de resposta
que corresponda ao nível "mínimo", sendo que a apreciação mais negativa
se prende com a existência de espaços de convívio (1,84 numa escala de
5 pontos).

Quadro 13: quantidade dos espaços nas escolas da região leste angolana

Classificação da Não
quantidade dos Mau Insuficiente Mínimo Bom Muito Bom
responde
espaços nas Média
escolas da região n % n % n % n % n % n %
leste angolana
Gabinetes/Salas
25 19,69% 25 19,69% 25 19,69% 37 29,13% 10 7,87% 5 3,94% 2.85
de Professores
Salas/Gabinetes
coordenadores de 36 28,35% 32 25,20% 19 14,96% 28 22,05% 6 4,72% 6 4,72% 2.47
Curso/Disciplinas
34 26,77% 25 19,69% 17 13,39% 32 25,20% 15 11,81% 4 3,15% 2.75
Sala de Reuniões
Sala de Convívio 70 55,12% 23 18,11% 6 4,72% 15 11,81% 5 3,94% 8 6,30% 1.84

330
FELIPE ASENSI (ORG.)

Analisando e concluindo sobre o estado do pessoal docente e admi-


nistrativo com base nas respostas dadas, verificamos que há certa equi-
valência geral sobre se é suficiente e mau ou bom e muito bom, o que
manifesta a existência de graves carências neste campo.
Quanto aos espaços há uma manifesta necessidade de salas de con-
vívio, e em número considerável de salas ou gabinetes de professores
e de coordenação, sobretudo nas escolas do ensino secundário, como
é o caso.

2.6.1. CONDIÇÕES DO TRABALHO DOS DOCENTES


NAS ESCOLAS DO ENSINO PRIMÁRIO, COLÉGIOS E
LICEUS E DO PESSOAL ADMINISTRATIVO

Através do quadro nº 14, podemos verificar que a maioria dos alunos


e alunas manifesta uma tendência para considerar adequada a educação
escolar ministrada na sua área de residência (34,80%) como confirma o
valor médio do item (M=3,05, numa escala de 5 pontos).
Ao considerar a média global das respostas verifica-se que no que res-
peita a condições de trabalho dos docentes das escolas do ensino primário
(29.17%, média M=2,58) e dos técnicos administrativos nas direções das
escolas (27.70%, média M=2,90) a tendência é menos positiva do que a
que respeita a condições de trabalho dos docentes do ensino secundário
em escolas do 1º ciclo do ensino secundário (ou colégios) (28.43%) e em
escolas do 2º ciclo do ensino secundário (ou liceus) (29.17%) média de
M=3,23 e de M=3,21, respetivamente.
Globalmente, o valor adequado é o que recolhe maior percenta-
gem de respostas para os diferentes itens da pergunta e o bloco de itens
apresenta um valor médio com tendência positiva. No fundo, as con-
dições de trabalho são entendidas como entre adequadas e boas para
todos menos para os docentes das escolas do ensino primário e técnicos
administrativos nas direções de escolas, ainda que também para estes
o valor médio (acima de 2,5) significa que as condições são entendidas
como adequadas.

331
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Quadro 14: condições de trabalho dos docentes e do pessoal administrativo nas escolas do
ensino primário, colégio e liceus e gabinetes

Opinião sobre condições de Não


trabalho dos docentes nas Muito má Má Adequada Boa Muito Boa
responde
escolas do ensino primário, Média
colégios e liceus e de n % n % n % n % n % n %
pessoal administrativo
Educação escolar pública na
35 8,58% 70 17,16% 142 34,80% 93 22,79% 32 7,84% 36 8,82% 3,05
área de residência
Condições de trabalho dos
docentes nas escolas do 69 16,91% 119 29,17% 105 25,74% 61 14,95% 19 4,66% 35 8,58% 2,58
ensino primário
Condições de trabalho dos
docentes nos colégios do 32 7,84% 59 14,46% 116 28,43% 113 27,70% 48 11,76% 40 9,80% 3,23
ensino secundário
Condições de trabalho dos
docentes nos liceus do 36 8,82% 61 14,95% 119 29,17% 98 24,02% 56 13,73% 39 9,56% 3,21
ensino secundário
Condições de trabalho dos
técnicos administrativos nas 54 13,24% 84 20,59% 113 27,70% 86 21,08% 34 8,33% 37 9,07% 2,90
direções das escolas

No que respeita a condições de trabalho dos docentes das esco-


las do ensino primário (29.17%) e dos técnicos administrativos nas
direções das escolas (27.70%) a tendência é menos positiva relativa-
mente ao que respeita a condições de trabalho dos docentes do ensino
secundário em colégios (28.43%) e liceus (29.17%) que consideram
mais positiva.
No que respeita às condições do trabalho dos docentes nas escolas de
ensino primário, nas escolas do 1º e 2º ciclos do ensino secundário (co-
légios e liceus), conforme o quadro nº 15, podemos verificar que a maio-
ria dos docentes considera que o processo de educação escolar a ocorrer
na sua zona de residência tende a ser considerado positivo de acordo o
somatório adequado + boa + muito boa (74,80%) e, no que se refere às
condições em que se desenvolve os mesmos apresentam opiniões pouco
positivas no que respeita a condições de trabalho dos docentes das escolas
do ensino primário (61.41%). Porém notam que as condições de trabalho
dos docentes nas escolas do 1º e 2º ciclos do ensino secundário tendem
a melhorar (colégios) (64,56%), nos liceus (72,44%) e as condições de
trabalho dos técnicos administrativos nas direções das escolas (63.77%)
são adequadas.

332
FELIPE ASENSI (ORG.)

Quadro 15: Condições do trabalho dos docentes e do pessoal administrativo nas escolas
do ensino primário, colégios e liceus e gabinete da região leste angolana

Condições do trabalho dos


docentes nas escolas do Muito má Má Adequada Boa Muito Boa Não responde
ensino primário, colégios e Média
liceus e do pessoal n % n % n % n % n % n %
administrativo
Na sua opinião, a
qualidade da educação
escolar pública na sua área 3 2,36% 30 23,62% 58 45,67% 32 25,20% 2 1,57% 2 1,57% 3,00
de residência é:
Condições de trabalho dos
docentes nas escolas do 27 21,26% 51 40,16% 32 25,20% 13 10,24% 1 0,79% 3 2,36% 2,27
ensino primário
Condições de trabalho dos
docentes nos colégios do 7 5,51% 36 28,35% 51 40,16% 26 20,47% 5 3,94% 2 1,57% 2,89
ensino secundário
Condições de trabalho dos
docentes nos liceus do 6 4,72% 26 20,47% 55 43,31% 36 28,35% 1 0,79% 3 2,36% 3,00
ensino secundário
Condições de trabalho dos
técnicos administrativos 8 6,30% 37 29,13% 49 38,58% 28 22,05% 4 3,15% 1 0,79% 2,87
nas direções das escolas

Sobressai da análise respeitante a este tema a opinião equivalente ma-


nifestada pelos professores(as) e pelos alunos(as) quanto às condições em
que se processa o ensino primário e secundário. Generalizadamente, as
condições em que é ministrado o primeiro são manifestamente inferiores
às do segundo, em que estas são sobretudo consideradas adequadas en-
quanto que, quanto ao primeiro, são consideradas por maioria más.
Significa isto que as condições de trabalho nas escolas do ensino pri-
mário carecem de melhorias, e bem como as do 1.º e 2.º ciclos do ensino
secundário, ainda que se apresentem já com o mínimo de funcionamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo analisaram-se a evolução das infraestruturas escolares e


seus respetivos equipamentos, e verificou-se a suficiência e insuficiência
dos recursos humanos e suas condições de trabalho nas escolas do ensino
primário e do 1.º e 2.º ciclos do ensino secundário da região leste angola-
na, no período entre 2008 e 2018.
Essa análise às perceções que, tanto alunos(as) como professores(as)
e atores educativos locais, possuem sobre as condições que oferecem as
infraestruturas, e sobre os profissionais, são, em nossa opinião, aspetos re-
levantes a estudar, dada a importância e impacto social que representam.
A opinião destes principais intervenientes no processo de educação esco-

333
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

lar e ensino/aprendizagem, na região leste angolana, acaba por constituir


uma espécie de alerta para a melhoria de uns e de outros, e como tal apela
a uma maior preocupação do Estado relativamente a eles, e para a maior
intervenção, nomeadamente no que respeita à melhoria das escolas e in-
fraestruturas, recursos educativos e humanos e condições a ela associadas
tendo em vista a qualidade do ensino, o combate ao analfabetismo e aban-
dono escolar. Ao mesmo tempo permite-nos aferir das conquistas reali-
zadas quanto à expansão dos processos de escolarização e do sentido que
o envolvimento naqueles adquire para professores, alunos e comunidades.
Conclui-se que o aspeto referente à infraestrutura escolar e o equi-
pado a ela associado e os recursos humanos e suas condições de traba-
lho, a nível da região leste de Angola, necessita muito de ser melhorado
em termos de quantidade quer ainda em termos de qualidade, pois um e
outro influenciam o sucesso do ensino e aprendizagem, e contribui deci-
sivamente para a emulação dos profissionais e a uma melhor dedicação e
entrega no exercício da sua profissão.
É necessário prosseguir com a realização de estudos sobre esta variá-
vel de análise às infraestruturas escolares e recursos materiais e humanos
e suas condições a ela associadas, e não só a nível da zona leste angolana,
mas também a nível nacional, por ser um aspeto a aprofundar, dada a re-
levância e impacto social e académico que representa para aquela região e
para Angola, em geral.

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335
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

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336
DESATANDO OS NÓS DA
REPRESENTAÇÃO NO DIREITO
SUCESSÓRIO
Clarissa Bottega45
Mariana Gomes de Oliveira46

INTRODUÇÃO

O objetivo do texto é pesquisar na doutrina e na jurisprudência bra-


sileira os embates jurídicos decorrentes do instituto do direito de repre-
sentação no direito sucessório, bem como suas nuances práticas, buscando
assim, em consonância com a legislação, delimitar os direitos dos repre-
sentantes e os principais cenários possíveis.
Foi realizada a coleta de dados através de pesquisas na doutrina sobre
o direito sucessório, bem como em sites dos tribunais brasileiros, com
foco em demonstrar os contornos atuais sobre o direito de os herdeiros
sucederem por representação.
No direito das sucessões o direito de representação ocorre quando
o herdeiro sucessível é excluído da herança por meio de decisão judicial
que reconhece a indignidade ou deserdação (considerado pré-morto) ou,

45 Jurista, escritora, mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Coimbra – Portugal,


doutoranda em Ciências Sociais pelo PPGCS da UNISINOS.
46 Jurista, escritora, mestre em Ensino pela Universidade de Cuiabá.

337
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

como regra, no caso de morte precoce do herdeiro (pré-morto) em rela-


ção ao autor da herança.
Deste modo, o ordenamento jurídico brasileiro, com fulcro no pri-
mado da solidariedade familiar e na manutenção do patrimônio no seio
da família, dispõe sobre a possibilidade dos herdeiros do pré-morto ou
excluído herdarem por representação ao herdeiro que sequer chegou a
receber o seu quinhão hereditário, mas que, como medida de legalidade
e justiça, seus herdeiros sucessíveis poderão participar da herança nos
limites legais.
A análise dos dados considerou, especialmente, os questionamen-
tos levados pelos jurisdicionados aos tribunais brasileiros, em especial,
acerca dos limites do direito de representação, como exemplo, se o so-
brinho-neto pode herdar por representação a herança do tio-avô (RESP
nº1064363/SP), dentre outros casos jurisprudenciais que serão destaca-
dos no presente estudo.
Visando aprimorar o debate, o trabalho está divido em tópicos e sub-
tópicos, sendo o primeiro tópico destinado ao estudo do conceito do di-
reito de representação e legitimidade dos herdeiros que podem exercer a
representação (herdar por sucessão), destacando os dispositivos legais pre-
vistos no Código Civil para os fins de aprofundamento.
Adiante, no tópico dois, há o aprofundamento do instituto em debate
em quatro subtópicos sobre os contornos delineados nos artigos do Có-
digo Civil, os efeitos do direito de representação, hipóteses legais e limi-
tes dos herdeiros representantes, em especial, as limitações concernentes
quanto aos parentes sucessíveis.
Por fim, apresentam-se as considerações finais da pesquisa e as re-
ferências bibliográficas utilizadas para o aprimoramento dos estudos ora
apresentados.

1. DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Neste tópico iremos apresentar as definições mais importantes en-


volvidas no direito de representação dentro do direito das sucessões, bem

338
FELIPE ASENSI (ORG.)

como identificar a previsão legislativa acerca do direito de representação e


os legitimados para exercer a representação no direito sucessório.
Antes de adentrarmos na discussão ora proposta, é importante escla-
recer que o direito de representação é reflexo direto da garantia da suces-
são legítima.
Sucessão legítima é a situação na qual a transmissão da herança (suces-
são) é operacionalizada por previsão legal direta (legítima).
Em casos nos quais o falecido não deixa disposição de última vontade
(testamento) irão, portanto, incidir as regras legais (previstas em lei) acerca
da divisão patrimonial dos bens, direitos e deveres constituídos em vida
pelo autor da herança.
Deste modo, visando atender, especialmente, os princípios da so-
lidariedade familiar e a manutenção da propriedade privada no âmbito
familiar, o artigo 1.788 do Código Civil dispõe que morrendo a pessoa
sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo
ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e
subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.
(BRASIL, 2002)
Por ocasião da sucessão legítima, serão convocados a herdar as pessoas
indicadas no artigo 1.829 do Código Civil, devendo ser atendida a ordem
de preferência legislativa no ato de realizar a partilha dos bens.
Para deixar mais clara essa situação prevista em lei conhecida com
sucessão legítima, destacamos abaixo o rol dos herdeiros legítimos (prefe-
renciais) previstos em lei:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide


Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário
nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobreviven-


te, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão
universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, pa-
rágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

339
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. (BRASIL, 2002)

Depreende-se do artigo 1.829 do Código Civil que o critério da su-


cessão legítima é o vínculo de parentesco ou familiar (cônjuge ou compa-
nheiro) do falecido para com os herdeiros, devendo ser considerado que
o rol adota o critério de exclusão do parente mais remoto, ou seja, irá ter
direito a sucessão legítima prioritária os parentes com mais proximidade
familiar do falecido (presunção legal do afeto). Desta forma, a legislação
determina, em regra, que os herdeiros de uma classe afastam os herdeiros
da classe seguinte (exceção na concorrência – exemplos: descendentes ou
ascendentes em concorrência com cônjuge/companheiro sobrevivente – a
depender do regime de bens). Entre herdeiros da mesma classe e grau, a
herança deve ser dividida em partes iguais, e, conforme dito, os herdeiros
de grau mais próximo excluem os de grau mais remoto.
No mesmo sentido do critério da convocação (ex.: filhos, ou filhos
concorrendo com o cônjuge ou companheiro sobrevivente), a legislação
estabelece os critérios da partilha nos artigos 1.830 e seguintes do Código
Civil, sendo crível considerar que, em decorrência de tais critérios, tere-
mos três formas ou modos de suceder e, também, três modos de partilhar
a herança (por cabeça, por estirpe e por linhas).
No que diz respeito aos modos de suceder a doutrina, com amparo na
legislação, estabelece as seguintes formas de suceder: por direito próprio,
quando o chamamento legal é direto, previsto no art. 1.829 do Código
Civil; por transmissão, também chamado de substituição, ocorre nos ca-
sos de o herdeiro falecer após o autor da herança inventariada, previsto
no art. 1.809 do Código Civil; ou por representação, hipótese onde há
o chamamento de herdeiros de graus diversos, previsto no art. 1.851 do
Código Civil.
Acerca do modo de suceder por direito próprio, tem-se que, na linha
sucessória prevista no artigo 1.829 do Código Civil, os parentes mais pró-
ximos são chamados a suceder em detrimento dos mais remotos.
Dentro da linha sucessória mais próxima, teremos a igualdade de cri-
térios e condições entre os herdeiros do mesmo grau, sendo que aqui, o
herdeiro irá suceder em nome próprio, também conhecida como partilha

340
FELIPE ASENSI (ORG.)

por cabeça. A sucessão por transmissão ou substituição, hipótese prevista


no art. 1.809 do Código Civil, ocorre quando um dos herdeiros chama-
dos a suceder em determinada herança falece antes de manifestar se aceita
ou não aquela herança e, portanto, essa liberalidade é transmitida aos seus
herdeiros que, aceitando a segunda herança, poderão se manifestar em
relação a aceitação da primeira.
A sucessão por transmissão ou substituição é a verdadeira aplicação do
princípio da saisine no direito sucessório, princípio esse que tem como ob-
jetivo primordial a transferência automática dos bens do falecido para seus
herdeiros em decorrência de previsão legal expressa (art. 1.784, Código
Civil), “até porque não há, em nosso sistema jurídico, patrimônio sem um
respectivo titular” (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO, 2019,
p. 1.390).
Sobre o princípio da saisine, Dias (2021, p. 141) ainda complementa
afirmando que “para o patrimônio do falecido não restar sem dono, a lei
determina sua transferência imediata aos herdeiros, não ocorrendo a in-
terrupção da cadeia dominial”.
Já na hipótese do modo de suceder representação, objeto do estudo
proposto, e diversamente do modo de suceder por direito próprio, há a
possibilidade de concorrência de representantes de diferentes graus suces-
sórios, conforme previsão legal.
Compreendidos os modos de suceder por direito próprio e por trans-
missão, esclarecemos que o modo de suceder por direito de representação
será objeto de aprofundamento no próximo subtópico.
Além dos modos de suceder, ainda temos no direito sucessório três
modos de partilhar a herança, quais sejam: por cabeça, por estirpe e por
linhas. Por cabeça a partilha é feita seguindo as regras do modo de suceder
por direito próprio. A partilha por linhas se dá quando a sucessão ocorrer
na linha ascendente após o primeiro grau (avós, bisavós, ...), quando a he-
rança será dividida entre linha materna e linha paterna.
O que nos interessa é a partilha por estirpe, que é utilizada quando o
modo de suceder decorre do direito de representação, pois haverá graus
diferentes concorrendo na herança, por isso, essa partilha também será
objeto de aprofundamento mais adiante.

341
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Por fim, para concluirmos esse primeiro tópico, destacamos que a


doutrina elenca, para fins didáticos, que os modos de suceder se resumem
nas expressões vocação hereditária direta e indireta, sendo que a direta é a
sucessão por direito próprio já a sucessão indireta se consiste nos direitos
de transmissão e representação.

1.2 DEFINIÇÃO E LEGITIMIDADE

Compreendidos os conceitos iniciais, passaremos a apresentar a de-


finição do direito de representação, bem como identificar quem são os
herdeiros legitimados a suceder por direito de representação, tudo em
conformidade com a legislação vigente. Portanto, tem-se a sucessão por
direito de representação (modo de suceder), que incide no modo de par-
tilhar por estirpe, quando, por força de permissivo legal, o sucessor de
um grau mais distante participa da sucessão ao lado de sucessores do grau
antecedente (FARIAS, NETTO; ROSENVALD, 2019, p. 2.043).
“Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos paren-
tes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se
vivo fosse”, assim é a redação do artigo 1.851 do Código Civil (BRA-
SIL, 2002).
Através de uma leitura simples, não é possível descortinar todos os
“nós” envolvidos no conceito e implicações do direito de representação,
portanto, vejamos um pouco mais sobre o conceito do direito de repre-
sentação:

São chamados os parentes do herdeiro falecido em todos os direitos


que esse receberia em razão de ser premorto (ou seja, faleceu antes
do de cujus) ou foi considerado indigno ou deserdado. No direito
de representação, o representante chamado a suceder ao represen-
tado, o substituirá no limite em que esse sucederia, com todos os
direitos e deveres (ROSA; RODRIGUES, 2021, p. 115).

Assim é que o direito de representação surge, como regra, nos casos


de em que o herdeiro que haveria de herdar por direito próprio faleceu
antes do autor da herança, ou seja, houve o que no direito das sucessões é
conhecido como “premoriência” (morreu antes). Portanto, para se cor-

342
FELIPE ASENSI (ORG.)

rigir uma eventual injustiça, a lei determina o chamamento dos herdeiros


do pré-morto para herdar em seu lugar através da representação do her-
deiro anteriormente falecido.
Clóvis Beviláqua apud Tartuce e Simão bem identifica essa nature-
za reparadora do direito de representação quando destaca que se refere
a um “preceito de equidade, que tem por fim reparar, do ponto de vista
hereditário, o mal sofrido pelo descendente com a morte prematura do
ascendente” (2012, p. 126).
No mesmo sentido, a doutrina elenca que a sucessão por representa-
ção é embasada em duas excepcionalidades, quais sejam:

Primus, excepciona-se a regra de que os herdeiros mais próximos


excluem aqueles mais remotos, uma vez que na sucessão por repre-
sentação o herdeiro mais distante concorre juntamente com um
outro mais próximo. Secundus, também é excepcionada a regra de
que o sucessor tem que sobreviver ao autor da herança, porque
na sucessão por estirpe os descendentes do herdeiro pré-morto re-
colhem a herança que lhe é regularmente transmitida (FARIAS,
NETTO; ROSENVALD, 2019, p. 2.043).

Além da hipótese da premoriência, o direito de representação tam-


bém ocorrerá nos casos de indignidade e deserdação, pois a legislação
estabelece que “são pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do
herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da
sucessão”, previsão do artigo 1.816 do Código Civil (BRASIL, 2002).
Compreende-se então que o direito de representação se opera em duas
situações: quando o herdeiro é pré-morto (morre antes do autor da herança)
ou quando o herdeiro é excluído da sucessão (indignidade ou deserdação).
As hipóteses de exclusão por indignidade ou deserdação estão previstas
de forma expressa nos artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do Código Civil, sen-
do que se elencam as hipóteses relacionadas aos atos criminosos contra a
vida do falecido (homicídio ou tentativa de homicídio doloso), atos contra a
honra (calúnia, injúria e difamação) e atos contra a liberdade de testar.
Acerca do direito de representação na hipótese de deserdação, impen-
de destacar o entendimento jurisprudencial abaixo ementado:

343
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO INVENTÁRIO - De-


cisão que determinou à inventariante apresentação de plano de par-
tilha, levando em conta que somente a parte disponível dos bens da
falecida pode ser objeto do testamento e os efeitos da deserdação não
afetam o filho do herdeiro excluído Cabimento - Os descendentes do
herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da aber-
tura da sucessão - São pessoais os efeitos da pena de deserdação In-
teligência do art. 1.816 do Código Civil - Adequada a inclusão do
descendente do herdeiro deserdado na herança, que sucederá por re-
presentação seu genitor Decisão mantida Recurso desprovido (TJSP,
8ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 0086580-
82.2013.8.26.0000, Rel. Des. Salles Rossi, Julgado em: 07-08-2013).

Dentre os requisitos legais para a ocorrência do direito de representa-


ção, devemos reiterar que o representado (herdeiro) deve ter falecido antes
do autor da herança (pré-morto), exceto nos casos de exclusão de herdeiro
(hipóteses de exclusão por indignidade ou deserdação).
Em atendimento ao artigo 1.852, o representante do herdeiro pré-
-morto ou excluído deve ser descendente do representado, ter legitimação
(capacidade sucessória) para o ato.
Para finalizar a questão da legitimidade, é importante registrar que o
direito de representação somente ocorre na sucessão legítima e nunca, por
disposição legal, na sucessão testamentária.
Adiante serão desatados alguns “nós” relacionados ao direito de re-
presentação e sua hermenêutica, especificamente serão analisadas as carac-
terísticas legais do instituto, seus efeitos mais importantes, hipóteses legais
e limites do direito de representação.

2. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO: DESATANDO OS NÓS

2.1 CARACTERÍSTICAS LEGAIS

Como objetivo do presente subtópico temos a análise das característi-


cas legais do direito de representação. O direito de representação tem seus
contornos jurídicos delineados nos artigos 1.851 a 1.856 do Código Civil.

344
FELIPE ASENSI (ORG.)

Uma das principais características do instituto é o chamamento dos


herdeiros do pré-morto para herdar em seu lugar, criando uma sucessão
em graus diferentes, através do modo de suceder por representação. Outra
característica do instituto é que a representação somente ocorre na linha
reta descendente, sem limite de grau, conforme previsão do art. 1.852 do
Código Civil (BRASIL, 2002), com vedação legal expressa da represen-
tação na linha ascendente.
Na linha colateral ou transversal, a representação só ocorre, conforme
artigo 1.853 do Código Civil “em favor dos filhos de irmãos do falecido,
quando com irmãos deste concorrerem” (BRASIL, 2002), ou seja, sobri-
nhos e tios concorrendo na herança.
Também como característica legal do direito de representação te-
mos a previsão acerca dos limites do quinhão a ser herdado, pois a le-
gislação dispõe que “os representantes só podem herdar, como tais, o
que herdaria o representado, se vivo fosse”, previsão do art. 1.854 do
Código Civil (BRASIL, 2002). Ou seja, o quinhão a ser recebido pelos
representantes é o mesmo quinhão que haveria de ser entregue ao repre-
sentado, caso vivo fosse.
E no caso, ainda em observância a lei, o artigo 1.855 do Código Civil
prevê que “o quinhão do representado partir-se-á por igual entre os re-
presentantes” (BRASIL, 2002), ou seja, o quinhão recebido pelos repre-
sentantes deverá ser dividido de forma igualitária tantos quantos forem os
representantes.
Por fim, como característica expressa prevista em lei há a previsão
relacionada a questão da renúncia da herança, onde o artigo 1.856 do mes-
mo diploma legal prevê que “o renunciante à herança de uma pessoa po-
derá representá-la na sucessão de outra” (BRASIL, 2002).
Isso significa que, eventualmente, o representante poderá renunciar à
primeira herança e depois representar o herdeiro pré-morto para receber
a segunda herança.

2.2 EFEITOS

A representação sucessória, em verdade, é uma ficção jurídica, pois


ocorre a sucessão do quinhão hereditário como se o herdeiro regularmen-

345
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

te fosse receber o seu direito na integralidade, sendo que, porém, quem o


recebe são os seus herdeiros na linha reta descendente.
O principal efeito decorrente do direito de representação é possibi-
litar o chamamento de parentes do falecido que, em regra, não teriam
direito de herdar caso fossem seguidas as regras legais da sucessão legítima,
portanto, possibilita o recebimento de herança por parentes em graus dife-
rentes na relação com o falecido titular da herança. Diante disso, as regras
e efeitos do instituto devem estar bem claras na legislação para que não
ocorram desvirtuamentos de seu uso.
Assim, além da condição do herdeiro ser pré-morto ou excluído (in-
dignidade ou deserdação) e ter relação de descendência com o representa-
do, deve-se considerar ainda como condição para o exercício do direito a
inexistência de quebra de continuidade parental, sendo que, se o herdeiro
por cabeça estiver vivo, não haverá hipótese de sucessão por estirpe (repre-
sentação). Neste sentido:

Dentre os efeitos produzidos pelo direito de representação, pode-


-se citar que os representantes, alocados no lugar do representado,
herdam exatamente o que a ele caberia se vivo estivesse e sucedes-
se, possibilitando, assim, ao representante a participação em uma
herança da qual seria excluído, em decorrência dos postulados
emanados pelo princípio de que o parente mais próximo afasta o
mais remoto (SILVA, 2015, on-line).

Devemos ainda considerar que há vigência de concorrência entre di-


ferentes graus de descendência, ou seja, concorrência entre herdeiros na
linha reta de 1º grau (filhos) com herdeiros da linha reta de 2º grau (netos).
Se todos, por exemplo, forem netos, não há o que se falar em representa-
ção, mas sim em modo de suceder por direito próprio.
Um efeito decorrente do direito de representação é a não incidência
em duplicidade do ITCMD (imposto de transmissão causa mortis e doa-
ções), ou seja, a herança será transmitida aos representantes com a inci-
dência de apenas um fato gerador de imposto. O fato gerador é o quinhão
sendo transmitido do falecido aos representantes, sem a existência (trans-
ferência) do quinhão ao representado.

346
FELIPE ASENSI (ORG.)

Diferente seria, por exemplo, no caso da sucessão por transmissão ou


substituição (hipótese de herdeiro pós-morto) quando há incidência dupla
do ITCMD, ou seja, incide o imposto na transmissão da herança do fale-
cido para seu herdeiro direto e depois mais uma incidência transmitindo a
herança (ou o quinhão) ao seu substituto.

2.3 HIPÓTESES

Em consonância com os tópicos anteriores, merecem destaque as hi-


póteses legislativas da incidência do direito de representação.
Conforme já salientado, o artigo 1.852 do Código Civil (BRASIL,
2002) destaca que somente se beneficiam da representação os descenden-
tes do herdeiro pré-morto ou excluído da sucessão.

[...] reconhecido o direito de representação na linha descendente


apenas, nota-se inexistir uma limitação de grau. Nessa linha de
intelecção, ainda, afasta-se peremptoriamente que se invoque o di-
reito de representação sucessória em favor dos ascendentes. Isto é,
se a pessoa faleceu sem deixar descendentes, mas tem a mãe viva e
o pai pré-mortos, a herança caberá, em sua integralidade, à geni-
tor, não podendo os avós paternos reclamar o seu recebimento por
representação sucessória (FARIAS, NETTO; ROSENVALD,
2019, p. 2.044).

Desta forma, a excepcionalidade do direito de representação é bene-


ficiar os filhos do herdeiro que, seja por condição de pré-morto ou por
qualquer causa de exclusão, não possa receber o quinhão que lhe é de be-
nefício em decorrência da linha reta descendente direta. Porém, a legisla-
ção dispõe de uma excepcionalidade específica para linha colateral, quan-
do prevê no artigo 1.853 do código Civil (BRASIL, 2002) a possibilidade
de os sobrinhos do falecido sucederem por representação em concorrência
com os irmãos do autor da herança.
Neste sentido, a doutrina manifesta que a possibilidade de os sobri-
nhos herdarem por estirpe tem por objetivo elidir disparidades no recebi-
mento dos quinhões, quando, especialmente, se tratar da existência, por
exemplo, de apenas dois irmãos sucessíveis.

347
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

[...] Se o autor hereditatis deixou, tão somente, dois irmãos, sendo


um deles pré-morto, este tendo deixado um filho, sobrinho do
falecido, não teria acesso à herança, se não fosse a previsão nor-
mativa. A herança será, então, dividida em duas partes iguais, uma
delas em favor do irmão sobrevivente e a outra em favor do sobri-
nho, que herda, por estirpe a cota-parte que caberia ao seu pai, se
vivo fosse (FARIAS, NETTO; ROSENVALD, 2019, p. 2.044).

Outra hipótese interessante que surge é o direito de representação nos


casos de comoriência entre ascendente e descendente ou entre irmãos.
A comoriência tem previsão no artigo 8º do Código Civil, onde dis-
põe que “se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se
podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, pre-
sumir-se-ão simultaneamente mortos” (BRASIL, 2002). Ou seja, co-
moriência é a presunção legal de morte simultânea na situação em que
duas pessoas falecem sem que seja possível se determinar quem morreu
primeiro, a comoriência tem relevância jurídica uma vez que pode impac-
tar diretamente na sucessão hereditária, em razão da ordem de vocação
prevista em lei.
Nos casos de comoriência entre ascendente e descendente ou entre
irmãos, o Enunciado nº 610 do Conselho da Justiça Federal já manifestou
favoravelmente acerca da possibilidade de incidir o direito de represen-
tação aos descendentes e aos filhos dos irmãos (BRASIL, 2015). Neste
sentido, a jurisprudência já firmou entendimento acerca do direito de re-
presentação na hipótese de comoriência, vejamos:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES.


INVENTÁRIO. COMORIÊNCIA. ART. 8º DO CCB. IN-
CLUSÃO NO INVENTÁRIO do neto que herda por direito
de representação DO PAI FALECIDO. cabimento. DIREITO
DO MENOR ASSEGURADO. DECISÃO POR ATO DA
RELATORA (ART. 557 DO CPC.). AGRAVO DE INS-
TRUMENTO DESPROVIDO. Fundamentos: [...] No caso
em exame, não havendo como aferir quem morreu primeiro, se
a mãe [...] ou o filho [...], cuida-se de evidente hipótese de co-
moriência. E ao contrário do que alegou o agravante, o art. 8º

348
FELIPE ASENSI (ORG.)

do CCB não afasta o direito de representação do filho her-


deiro comoriente. Trata-se, pois, de um caso típico de direito
de representação no qual o representante herda o que herdaria o
representado, se vivo fosse, consoante o previsto no artigo 1.854
do Código Civil. Além disso, segundo o artigo 1.851 do CC o
direito de representação é dado, inclusive, ao pré-morto. Portan-
to, nenhum reparo deve ser feito na decisão agravada que deter-
minou a inclusão do menor [...] como herdeiro pela estirpe do
falecido (....) (TJRS. Agravo de Instrumento, Nº 70064124613,
Sétima Câmara Cível, Relatora Desa. Sandra Brisolara Medeiros,
Julgado em: 31-03-2016 – grifos nossos).

Desta forma, com o objetivo de resolver eventuais dúvidas acerca


de conflitos existentes na intepretação do instituto da comoriência e do
direito de representação, o Enunciado nº 610 do CJF (BRASIL, 2015)
conforme já mencionado, apresenta entendimento de que sim, é admi-
tido o direito de representação a favor de herdeiros de mortos em co-
moriência, tendo em vista que o artigo 1.851 do Código Civil dispõe
sobre o chamamento de determinados parentes sucessíveis do falecido
para participar da sucessão, sem apresentar qualquer distinção do modo
como ocorreu o falecimento.

2.4 LIMITES

O direito de representação não é, por óbvio, ilimitado, apresentando


diversos “nós” jurídicos e fáticos que precisam ser devidamente interpre-
tados e resolvidos, pois é instituto complexo e necessário. Um dos pri-
meiros limites importantes para ser abordado é a questão que envolve o
próprio quinhão a ser recebido.
Conforme já delineado anteriormente, os representantes só poderão
herdar nos limites do quinhão do representado, ou seja, irão receber nos
exatos termos do herdeiro pré-morto ou excluído do direito de suceder,
conforme disposição do art. 1.854 (BRASIL, 2002).
No que tange a partilha, os representantes, independentemente do
número de pessoas que tenham direito à representação, irão partilhar em
partes equivalentes o quinhão que era de direito do herdeiro originário,

349
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

conforme previsão do artigo 1.855 (BRASIL, 2002). Portanto, há um


limite bem definido acerca do quinhão que será transmitido aos represen-
tantes, qual seja, exatamente o quinhão do representado que deverá ser
partilhado, de forma igualitária, entre todos os representantes.
Outro limite bem definido ao exercício do direito de representação
é o que se refere a representação quando há renúncia da herança. O fato
é que um herdeiro qualquer, como regra, pode renunciar a herança, con-
forme prevê o parágrafo único do artigo 1.804 do Código Civil quando
dispõe que “a transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro
renuncia à herança” (BRASIL, 2002).
Nesse caso, os sucessores do herdeiro renunciante, em tese, pode-
riam ficar prejudicados, pois perderiam a eventualidade de recebimen-
to da herança renunciada, então, em tese, poderia surgir o direito de
representação.
Entretanto, a legislação brasileira é expressa quando dispõe no artigo
1.811 que “ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante”
(BRASIL, 2002). Ou seja, não há representação na renúncia e quando
há renúncia aplica-se o artigo 1.810, parte inicial quando prevê que “na
sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da
mesma classe” (BRASIL, 2002).
Para ilustrar a situação vejamos um caso em que houve renúncia de
herdeiro na condição de representante e a destinação de seu quinhão
hereditário:

INVENTÁRIO. EFEITO DA RENÚNCIA. RENUNCIAN-


TE QUE POSSUI IRMÃO. 1. A renúncia é o ato pelo qual o
herdeiro abdica dessa condição, isto é, considera-se como se ele
jamais tivesse sido chamado a suceder. 2. Quando o renunciante
não é filho único, a parte do renunciante acresce a do outro her-
deiro da mesma classe. Inteligência dos art. 1.810, CCB. 3. Tendo
a de cujus deixado filhos e dois netos, que herdam por direito de
representação do mesmo filho pré-morto, a renúncia da neta deve
ser considerada como se ela jamais tivesse sido herdeira, isto é, a
parte dela não volta para a sucessão, pois ela é considerada como
se jamais tivesse sido herdeira e nada recebeu, e também não se

350
FELIPE ASENSI (ORG.)

direciona a determinado herdeiro, pois a renúncia não se confunde


com a cessão de direitos. 4. Como a sucessão está sendo operada na
classe dos filhos e os netos herdam por direito de representação, a
renúncia de um dos netos não afeta a quota que será dividida entre
eles, permanecendo hígida. 5. No caso concreto, sendo dois netos
que herdam por representação, a renúncia abdicativa feita por um
deles se confunde, no resultado, com a pretendida renúncia trans-
lativa (típica cessão de direitos), pois a quota que deve ser repartida
é rigorosamente a mesma e, em face da renúncia, será direcionada
integralmente ao outro. Recurso provido (TJRS. Sétima Câmara
Cível, Agravo de Instrumento nº 70055743702, Rel. Des. Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em: 23-10-2013).

Portanto, não há que se falar em direito de representação quando


houve renúncia do herdeiro, entretanto, eventualmente, se o renunciante
“for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe
renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito pró-
prio, e por cabeça” (BRASIL, 2002).
Outro nó importante de ser compreendido é que não existe represen-
tação na sucessão testamentária, justamente pela sucessão testamentária
ser personalíssima.
A jurisprudência já tem se manifestado nesse sentido de forma reite-
rada, vejamos o entendimento jurisprudencial abaixo ementado:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO


- DIREITO DE REPRESENTAÇÃO NA SUCESSÃO TES-
TAMENTÁRIA - INAPLICABILIDADE - DIREITO DE
ACRESCER. - Sendo as cláusulas testamentárias persona-
líssimas, não há que se falar em direito de representação
(art.1.851 e seguintes, do CC/02) na sucessão testamen-
tária. - Dá-se o direito de acrescer sempre que herdeiros testa-
mentários forem chamados à herança, em quinhões não determi-
nados, e qualquer deles não puder aceitá-la, ressalvado o direito
do substituto. Inteligência do art.1.941 do CC/02. - Recurso des-
provido (TJMG. 1ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento nº

351
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

1.0051.09.025901-4/001, Relator: Des. Eduardo Andrade, julga-


mento em 16/08/2011, publicação em 02/09/2011 – grifos nossos).

Na mesma linha de raciocínio, a doutrina assim já se manifestou:

[...] não há direito de representação na sucessão testamentária. Se


um herdeiro testamentário é pré-morto em relação ao autor da he-
rança (testador), os bens a ele destinados devem ser revertidos a ou-
tra pessoa indicada no testamento, ou no silêncio do ato de última
vontade, aos herdeiros legítimos (SILVA, 2015, on-line)

Por fim, apenas para ilustrar os diversos nós que podem surgir na aná-
lise dos limites do direito de representação, vejamos situação em que uma
sobrinha-neta (parente colateral de 4º grau) pretendia ver seu direito su-
cessório reconhecido:

RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. EXCLUSÃO DE


COLATERAL. SOBRINHA-NETA. EXISTÊNCIA DE OU-
TROS HERDEIROS COLATERAIS DE GRAU MAIS PRÓ-
XIMO. HERANÇA POR REPRESENTAÇÃO DE SOBRI-
NHO PRÉ-MORTO. IMPOSSIBILIDADE.

1. No direito das sucessões brasileiro, vigora a regra segundo a qual


o herdeiro mais próximo exclui o mais remoto. 2. Admitem-se,
contudo, duas exceções relativas aos parentes colaterais: a) o direito
de representação dos filhos do irmão pré-morto do de cujus; e b)
na ausência de colaterais de segundo grau, os sobrinhos preferem
aos tios, mas ambos herdam por cabeça. 3. O direito de repre-
sentação, na sucessão colateral, por expressa disposição legal, está
limitado aos filhos dos irmãos. 4. Recurso especial não provido
(STJ. REsp 1064363/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 11/10/2011, DJe 20/10/2011).

No caso acima, o entendimento foi em conformidade com a previsão


legal que, ao contrário de não limitar graus na linha reta descendente,
limita o exercício do direito de representação aos filhos do irmão falecido
quando concorrerem com outros irmãos do falecido.

352
FELIPE ASENSI (ORG.)

Em recente julgado o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande


do Sul ratificou o entendimento acima nos seguintes termos:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES.


CONDIÇÃO DE HERDEIRO. VOCAÇÃO HEREDITÁRIA.
DIREITO DE REPRESENTAÇÃO EM LINHA TRANS-
VERSAL. PEDIDOS DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E IN-
TIMAÇÃO DA INVENTARIANTE PARA APRESENTAR
PLANO DE PARTILHA E ARROLAR BENS NÃO CONS-
TANTES DAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES. QUESTÕES
NÃO ANALISADAS NA DECISÃO RECORRIDA NÃO
PODEM SER OBJETO DE AGRAVO, SOB PENA DE SU-
PRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. Não podem ser objeto de agravo
questões que não foram examinadas na decisão recorrida, sob pena
de supressão de instância. 2. Sobrinhos-netos não herdam por di-
reito de representação, uma vez que, na linha transversal, somente
se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do
autor da herança, quando com irmãos deste concorrerem (artigo
1.853 do Código Civil). AGRAVO CONHECIDO EM PARTE
E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO (TJRS. Agravo
de Instrumento, Nº 70083862136, Sétima Câmara Cível, Relator
Des. Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 05-03-2020).

Deste modo, verifica-se que a limitação do exercício do direito de


representação dispõe que poderão ser representantes os descendentes no
lugar do filho pré-morto ou excluído (sem limite de grau) e, excepcio-
nalmente, se a herança for conferida aos irmãos, somente os sobrinhos
poderão representar o genitor falecido, não sendo admissível pela juris-
prudência qualquer outro parente exercendo o direito de representação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos argumentos delineados pode-se concluir que o direito de


representação tem um papel importante no direito das sucessões, especial-
mente no que tange a manutenção do patrimônio no seio familiar, sobre-

353
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

tudo para os descendentes do herdeiro pré-morto ou excluído da herança,


garantindo assim a possibilidade de participação na herança do falecido.
Conforme se observou no texto, o regramento do direito de repre-
sentação é taxativo, ou seja, quando da interpretação legislativa, a juris-
prudência não admite que ocorra a ampliação da aplicabilidade do direito
de representação para outros herdeiros sucessíveis que não sejam aqueles
expressamente indicados na lei.
O objetivo do texto foi trazer à pauta de debate pontos polêmicos e
excepcionais, os denominados “nós” do direito de representação e discu-
tir os cenários legais possíveis no exercício da representação, almejando
que este texto possa servir de subsídio para novos olhares sobre o tema e
novas perspectivas para o futuro do direito de representação.

REFERÊNCIAS

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Direito Civil. 2015. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enuncia-
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código ci-


vil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406compilada.htm. Acesso em: 04/abr./2022.

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vel em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/941070835/
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BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. 8ª Câmara de Di-


reito Privado. Recurso de Agravo de Instrumento nº

354
FELIPE ASENSI (ORG.)

0086580-82.2013.8.26.0000. Rel. Des. Salles Rossi, Jul-


gado em: 07-08-2013. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.
com.br/jurisprudencia/117436163/agravo-de-instrumento-ai-
-865808220138260000-sp-0086580-8220138260000. Acesso em:
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BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 7ª Câmara Cível. Recurso


de Agravo de Instrumento. Processo nº 70083862136. Relator
Des. Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 05/mar/2020. Disponível
em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/824410437/agra-
vo-de-instrumento-ai-70083862136-rs/inteiro-teor-824410447.
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BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 7ª Câmara Cível.


Recurso de Agravo de Instrumento. Processo nº 70064124613.
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Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia/exi-
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TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil. V. 6: di-


reito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2012.

355
RESUMOS

357
NECROCAPITALISMO E
NEOFASCISMO EM TEMPOS
SOMBRIOS
Margarida Aparecida de Oliveira47

INTRODUÇÃO

A pandemia da Covid-19 trouxe impactos de altas proporções nas


instâncias políticas e aprofundamento de maneira extrema da crise do ca-
pitalismo neoliberal.
Este estudo tem como objetivo refletir sobre os impactos políticos
da crise sanitária, compreendendo a importância emergente deste assunto
em tempos atuais.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Os antecedentes imediatos sobre a crise atual, salientado por Dardot e


Laval (2016), apontam que em diferentes partes do mundo a crise do capi-
talismo global de 2008 levou a experiências autoritárias pós-democráticas.
Muitas dessas experiências fertilizaram o terreno para o desenvolvimento
de práticas fascistas.

47 Doutoranda em Ciências Sociais – PUC– Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.


Mestre em Administração – Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo – FIPEL. Docente –
UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora.

359
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Para compreensão da realidade nos dias em que vivemos, de acordo


com Dornelles (2020), podemos contar com as contribuições de matriz
frankfurtiana de Max Horkheimer, Theodor Adorno e Walter Benjamin
acerca do fascismo, pois estas referências continuam atuais. O pensamento
de Antônio Gramsci, da mesma forma, mantém a sua atualidade. Tam-
bém são apresentadas outras chaves de compreensão proporcionadas por
Umberto Eco ao tratar o “fascismo eterno” e Boaventura de Sousa Santos
falando do “fascismo social”.
Importa salientar que a preocupação está presente há alguns anos em
todas as partes do mundo, agravando-se com a crise sanitária. O contexto
prévio ao momento da pandemia se estende por mais de uma década de
profunda crise do capitalismo, de guerras híbridas globais e da segunda
grande ofensiva do hipercapitalismo neoliberal (o que neste estudo é cha-
mado de necrocapitalismo), tendo como consequência direta a debilitação
da democracia liberal e o aparecimento na cena política institucional de
movimentos e partidos de corte fascistas, levando ao poder alianças da di-
reita tradicional com a extrema-direita, como ocorreu no Brasil, em 2018,
com a eleição do Presidente atual.
Em uma passagem do Manifesto Comunista de 1848 Marx e Engels,
eles trataram do “estado de barbárie momentânea” nos quadros das crises
cíclicas do capitalismo. Seriam momentos em que é necessária a destrui-
ção de parte das forças produtivas visando a recomposição do sistema e o
início de um novo ciclo de acumulação e concentração do capital. “A so-
ciedade vê-se subitamente reconduzida a um estado de barbárie momen-
tânea; como se a fome ou uma guerra de extermínio houvesse lhe cortado
todos os meios de subsistência” (MARX; ENGELS, 1998, p. 45).
O ano de 2008 marcou o início de uma nova crise cíclica do capitalis-
mo, possivelmente a mais séria e profunda da sua história. Um momento
de crise em que se acelerou o processo de destruição de parte das forças
produtivas, que impulsiona a superconcentração do capital, reconduzindo
a sociedade para um novo “estado de barbárie momentânea”.
O “estado de barbárie momentânea”, apontado por Marx e Engels,
passa a ser também o “estado de exceção permanente contra os opri-
midos”, descrito por Benjamin na tese oitava em Sobre o Conceito da
História (2005, p. 83). Ainda no que se refere à barbárie, Benjamin e

360
FELIPE ASENSI (ORG.)

Adorno revelaram as condições da existência de uma barbárie nomeada-


mente contemporânea.
A barbárie contemporânea em articulação com a ideia do “mito do
progresso”. Em suas teses sobre o conceito da história, Benjamin teve que
desmitificar a ideia de progresso e na revelação da barbárie e da multipli-
cação das violências na formação da civilização moderna, através da cons-
tante produção de vítimas, de corpos que vão se amontoando no passado.
O conceito adorniano de fascismo ponderava sobre um “fascismo po-
tencial” presente no psiquismo dos indivíduos e expressado numa perso-
nalidade autoritária. Em sociedades historicamente autoritárias, coloniais,
excludentes, elitistas, fundamentadas em culturas oligárquicas e escra-
vistas, onde os privilégios das classes dominantes são naturalizados e são
exibidos como normais, o “fascismo potencial”, assinalado por Adorno,
articula a dimensão do individual e do social, onde a pulsão de morte passa
a prevalecer em relação à pulsão de vida. O velho mundo está definhando
para morrer e o novo mundo ainda não nasceu, e, nesse claro-escuro, ger-
minam os monstros (GRAMSCI, 2002).
Poderíamos dizer em termos gramscianos que os embaraços delonga-
dos entre propostas políticas democrático-populares e alternativas conser-
vadoras liberais – anunciadas nos embates entre os setores de centro-es-
querda e esquerda, por um lado, e os setores das oligarquias conservadoras
liberais (a direita tradicional), por outro – levaram a uma espécie de inde-
cisão na correlação de forças, acendendo abertura para soluções de extre-
ma-direita que reconfigura o bloco histórico das classes dominantes.
As crises orgânicas se configuram em crises de hegemonia, quando
nenhuma das classes sociais organizadas em blocos históricos alcança a
consolidação e seu controle político e ideológico sobre o conjunto da so-
ciedade. Com a inabilidade de cada bloco histórico garantir a consolidação
da sua hegemonia, abre-se um quadro de intensa crise e desagregação po-
lítica e social que abrange os órgãos de controle político, da representati-
vidade e dos organismos privados de hegemonia do Estado. É o momento
em que os monstros brotam nas sociedades em crise (GRAMSCI, 2002).
As práticas fascistas descobrem terrenos férteis para o seu desenvol-
vimento nas situações de crise, onde é possível incitar o medo, o ódio, a
xenofobia e a intolerância. A dinâmica do capitalismo contemporâneo,

361
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

na sua expressão de necrocapitalismo,48 não procura a sua legitimidade


na democracia, em direitos, nos princípios de solidariedade social e bem
comum. Nesse sentido, o capitalismo contemporâneo desnuda de todos
os véus que poderiam camuflar a sua verdadeira natureza.
Esse é o contexto do necrocapitalismo ultraliberal em crise, com a
herança democrática e emancipatória da modernidade sendo agredida e
assolada. E esse processo de destruição não se restringe à crise das insti-
tuições e práticas do Estado Democrático de Direito, mas atinge todas as
dimensões da existência social, impactando as diferentes relações sociais.
Uma nova razão do mundo e uma nova subjetividade ultraindividualista
têm sido tramadas nesse processo (DARDOT; LAVAL, 2016)
Portanto, a crise sanitária da Covid-19 apareceu justamente no mo-
mento em que a crise do modelo de acumulação e da forma de existência
da sociedade burguesa já tinha mostrado toda a sua capacidade destrutiva.
De modo que o necrocapitalismo e as práticas fascistas no Brasil atual vêm
encarnar melhor do que qualquer coisa o que representa a essência do ca-
pitalismo, sendo a Covid-19 a cara da opressão.
São tempos onde tudo é precificado, tudo e todos – coisas, bens, pes-
soas, sentimentos, natureza, relações se transformam em mercadorias ava-
liadas pela lógica glacial das necessidades da ampliada acumulação do ca-
pital. Tempos de fim do humanismo e da necropolítica, conforme Achille
Mbembe (2018).
Assim, vai sendo adotada uma política de “solução final” que começa
a matar, ou deixar morrer, em nome de escolhas perversas. Hoje escolhem
os idosos para a morte, amanhã escolhem pela cor da pele, pelas opções
sexuais etc. E não param mais de escolher os que merecem morrer para
preservar a sociedade dos “bons cidadãos”.

METODOLOGIA

Com base na pesquisa bibliográfica é possível uma reflexão que per-


mita a apreensão de lições gerais que caracterizam o cenário atual do pro-

48 Sobre a expressão necrocapitalismo = toda forma de capitalismo expressa a morte, a


exploração e a opressão dos seres humanos e a destruição de toda forma de vida pela acu-
mulação ampliada e a reprodução permanente do próprio capital.

362
FELIPE ASENSI (ORG.)

cesso político recente e da forma como as forças políticas se comportaram,


desde o início da crise da Covid-19.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No Brasil são tempos de irracionalidade, a lógica fria do mercado


convive em harmonia com as práticas do fascismo. Um tipo de governo
desajustado incapaz de ter o mínimo de responsabilidade e sensibilidade
em relação aos desafios colocados para enfrentar a crise. A irracionalida-
de fascista do presidente do Brasil se encaixa muito bem com a lógica da
acumulação capitalista.

CONCLUSÕES

O coronavírus não é democrático. Dependendo da sociedade e da sua


forma de organizar a vida social reproduz a lógica classista, excludente e
seletiva do capitalismo.
Esta conjuntura reflete na intensa inabilidade da globalização neoli-
beral e do modo de produção capitalista em assimilar o paradigma político
e suas implicações sociais. A crise sanitária da Covid-19 não parou a his-
tória. Apenas diminuiu o ritmo insano de um processo de produção de
mercadorias, de acumulação do capital e da riqueza produzida por todos e
não distribuída solidariamente.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Aviso de incêndio: uma leitura das teses "Sobre o


conceito de história". / Michael Liiwy; tradução de Wanda Nogueira
Caldeira Branr, [tradução das teses] Jeanne Marie Gagnebin, Marcos
Lurz Muller. Sao Paulo: Boitempo, 2005.

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saio sobre a Sociedade Neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

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peste. In: Pandemias e pandemônio no Brasil (livro eletrônico).

363
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Organizadores: Cristiane Brandão, Rogério Dultra dos Santos; ilus-


trações: Rodolfo Carvalho. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020.

ECO, Umberto. O fascismo eterno. In: Cinco Escritos Morais. Rio de


Janeiro: Record, 1998.

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Manuel Sacristan. Madrid: Siglo Veintiuno Editores, 1977.

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ção Brasileira, 2002.

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Processo de Produção Capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
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MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto Comunista. In: COGGIOLA,


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Com ensaios de Antonio Labriola, Jean Jaurès, Leon Trotsky, Har-
old Laski, Lucien Martin, James Petras. São Paulo: Boitempo, 1998.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 Edições, 2018.

364
COMPORTAMENTO DE MATERIAIS
CIMENTÍCIOS SUPLEMENTARES
PARA CONCRETO ARMADO
SUBMETIDOS A ALTAS
TEMPERATURAS
Mariana de Almeida Motta Rezende 49

INTRODUÇÃO

O concreto é por definição é um nanomaterial composto, multifásico


e estruturado que envelhece com o tempo. Sua composição consiste em
uma fase amorfa (C-S-H – aglomerante), cristais da ordem de micro e
nanômetros e água para permitir que esses materiais se liguem. O C-S-H
por si é um nanomaterial (SANCHEZ; SOBOLEV, 2010). Na Figura 1,
é possível observar o tamanho de partículas pela área superficial de alguns
materiais que podem compor o concreto: os agregados, o cimento e as
adições minerais.

49 Doutoranda em Engenharia Civil do Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil


(UFSCar). Mestra em Estruturas e Construção Civil (UFSCar).

365
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Figura 1 - Área de superfície específica e tamanho de partícula de materiais utilizados para


produção de concreto

Fonte: adaptado de Sanchez e Sobolev (2010).

Este trabalho tem como objetivo principal analisar quatro artigos de


periódicos internacionais que avaliaram a influência de adição de nanoma-
teriais cimentícios suplementares em concreto armado submetido a altas
temperaturas, uma vez que não é dada a devida importância para o com-
portamento de MCS em situações de incêndio.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Os materiais cimentícios suplementares (MCS) já são vastamente


estudados por pesquisadores na área da ciência dos materiais, pois em
geral aumentam o desempenho da matriz cimentícia no que se refere
às suas propriedades físicas e mecânicas e à sua durabilidade. Recen-
temente, os nanomateriais cimentícios suplementares se tornaram uma
realidade e mostraram que têm ainda melhor desempenho que os MCS.
Pouco se pesquisou, porém, sobre a influência dessas adições em con-
cretos no que se refere à resistência ao fogo. O objetivo de se incorporar
MCS em concreto é, além de melhorar seu desempenho, o de diminuir
a quantidade de cimento utilizado, pois este é um material que emite
muitos poluentes em sua produção (para cada kg de cimento produzido,

366
FELIPE ASENSI (ORG.)

são emitidos aproximadamente 0,8 kg de CO2 na atmosfera) (JIANG;


HUANG; SHA, 2018).
Considerando o aumento do uso de MCS na produção de concreto
armado, é importante que esses concretos sejam testados a altas tempera-
turas, para que se consiga entender o comportamento do concreto com
adições frente a uma situação de incêndio ou para que se saiba se esse
compósito pode ser utilizado em construções que frequentemente apre-
sentam sua temperatura elevada devido à produção industrial por exem-
plo. Essa importância vem do fato de que muitos materiais se decompõem
em altas temperaturas, portanto isso pode influenciar no comportamento
conhecido do concreto quando MCS são adicionados a sua composição.

METODOLOGIA

Foi escolhida a base de trabalhos cimentícios da Scopus para buscar os


artigos desejados, considerando que essa base é amplamente difundida no
meio da Engenharia Civil e contempla periódicos importantes dessa área.
A procura por artigos foi feita através das seguintes palavras no campo
de busca: “supplementary cementitious material” AND “high tempera-
ture”. Dentre os artigos obtidos pela busca, quatro foram selecionados
por terem sido considerados suficientes para alcançar o objetivo proposto
neste trabalho. No próximo capítulo, cada um dos artigos escolhidos será
analisado detalhadamente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os artigos escolhidos conforme a Metodologia foram: “Mechanical


performance, durability, qualitative and quantitative analysis of microstructure of fly
ash and Metakaolin mortar at elevated temperatures” (NADEEM; MEMON;
LO, 2013), “Thermal performance and fire resistance of nanoclay modified ce-
mentitious materials” (IRSHIDAT; AL-SALEH, 2018), “The effect of nano-
materials on thermal resistance of cement-based composites exposed to elevated tem-
perature” (MIJOWSKA et al., 2018) e “Cement pastes modified with recycled
glass and supplementary cementitious materials: Properties at the ambient and high
temperatures” (LI et al., 2019).

367
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Nadeem; Memon; Lo (2013) realizaram ensaios com corpos de pro-


va (CP) de concretos com adições de metacaulim (um tipo de MCS) e
os submeteram a altas temperaturas (200, 400, 600 e 800 ° C). Irshidat;
Al-Saleh (2018) moldaram CP de armagamassas com adição de nanoar-
gila (tipo de MCS) e as submeteram a temperaturas de 200 a 600 ºC. Já
Mijowska et al. (2018) moldaram CP de argamassas com adição de nanos-
sílica (MCS) e as amostras foram elevadas a 200, 450, 600 e 800 ° C. Por
fim, Li et al. (2019) incorporaram pó de vidro como MCS em argamassas
a serem submetidas a altas temperaturas.
Os CP foram avaliados em altas temperaturas notadamente quanto à
resistência à compressão e porosidade das matrizes cimentícias.
Na resistência à compressão de matrizes cimentícias, os MCS cinza
volante, metacaulim, nanoargila, nanossílica e nanomagnetita, influen-
ciam em altas temperaturas fazendo com que houvesse menor diminuição
dessa resistência (Figura 2).

Figura 2 - Resistência à compressão de corpos de prova com adições nas temperaturas


analisadas

Fonte: Nadeem; Menon; Lo (2013).

Quanto à porosidade da matriz cimentícia, por serem materiais po-


zolânicos, os MCS apresentam uma temperatura mais elevada nos mo-
mentos de decomposição do CSH e do CH, portanto, permanecem den-
sificando a matriz com maior eficiência quando comparado a uma matriz
sem incorporação de MCS (Figura 3).

368
FELIPE ASENSI (ORG.)

Figura 3 - Área total de poros nas amostras analisadas

Fonte: Nadeem; Menon; Lo (2013).

CONCLUSÕES

A presença de MCS nas matrizes expostas a altas temperaturas faz


com que as matrizes fissurem menos, pois densificam melhor a matriz.
Enfatiza-se que esse comportamento já ocorre em temperatura ambiente,
portanto, sendo seguro o uso de concretos com adições de MCS conside-
rando situações de incêndio.

REFERÊNCIAS

IRSHIDAT, Mohammad R.; AL-SALEH, Mohammed H. Thermal


performance and fire resistance of nanoclay modified cementi-
tious materials. Construction and Building Materials, [S. l.], v.
159, p. 213–219, 2018. DOI: 10.1016/j.conbuildmat.2017.10.127.
Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/
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LI, Bo; LING, Tung Chai; YU, Jin Guang; WU, Jiaqi; CHEN, Weiwei.
Cement pastes modified with recycled glass and supplementary ce-
mentitious materials: Properties at the ambient and high tempera-
tures. Journal of Cleaner Production, [S. l.], v. 241, 2019. DOI:
10.1016/j.jclepro.2019.118155.

MIJOWSKA, Ewa; HORSZCZARUK, Elzbieta; SIKORA, Pawel;


CENDROWSKI, Krzysztof. The effect of nanomaterials on ther-

369
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

mal resistance of cement-based composites exposed to elevated


temperature. Materials Today: Proceedings, [S. l.], v. 5, n. 8, p.
15968–15975, 2018. DOI: 10.1016/j.matpr.2018.05.040. Disponí-
vel em: https://doi.org/10.1016/j.matpr.2018.05.040.

NADEEM, Abid; MEMON, Shazim Ali; LO, Tommy Yiu. Mechani-


cal performance, durability, qualitative and quantitative analysis of
microstructure of fly ash and Metakaolin mortar at elevated tempe-
ratures. Construction and Building Materials, [S. l.], v. 38, p.
338–347, 2013. DOI: 10.1016/j.conbuildmat.2012.08.042. Dispo-
nível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2012.08.042.

SANCHEZ, Florence; SOBOLEV, Konstantin. Nanotechnology in


concrete - A review. Construction and Building Materials,
[S. l.], v. 24, n. 11, p. 2060–2071, 2010. DOI: 10.1016/j.conbui-
ldmat.2010.03.014. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.
conbuildmat.2010.03.014.

370
VOZES INSURGENTES POR UMA
EDUCAÇÃO LIBERTADORA:
DIÁLOGOS COM BELL HOOKS
Antônio Cícero de Andrade Pereira50
Rose Mari Ferreira51

INTRODUÇÃO

Neste texto ensaístico, buscaremos dialogar com a intelectual negra


bell hooks sobre sua visão de educação libertadora em sua obra Ensinan-
do a transgredir: a educação como prática da liberdade, na qual esta
vem a questionar os modelos educacionais conservadores, aqueles ditos
tradicionais.
Desta forma, partiremos do seguinte questionamento: quais vozes são
ouvidas quando os ensinamentos são transgressores? Se fôssemos realizar
uma investigação, seria bem provável destacarmos as vozes insurgentes
daquelas e daqueles sujeitos que vivem às margens do sistema capitalista,
pessoas subalternizadas dotadas de subjetividades outras.
Para tanto, apresentaremos como ponto de partida de nossa discussão
o tópico intitulado “Aprendendo a transgredir com bell hooks”, seguindo

50 Doutorando em Educação pela UFSCar, campus Sorocaba. Professor Efetivo Assistente da


Universidade Estadual do Piauí (UESPI), campus de Floriano/PI.
51 Doutoranda em Saúde Coletiva pela Unisinos. Sanitarista e Cirurgiã-Dentista da Secreta-
ria de Saúde de Alvorada/RS.

371
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

do tópico “bell hooks: por uma educação como prática libertadora” e fi-
nalizaremos este texto, sem intenção alguma de buscar seu esgotamento,
destacando nossas considerações finais.

APRENDENDO A TRANSGREDIR COM BELL HOOKS

Saber que vida de professor não é fácil, todos nós já, no mínimo, po-
demos imaginar. As gerações em que se encontram os autores do presente
ensaio eram aquelas que foram educadas em escolas que figuravam os pro-
fessores como os detentores do conhecimento e os alunos eram agentes
passivos a aprender conceitos prontos como aqueles trazidos em enciclo-
pédias e livros didáticos, o que nos remete à educação bancária. Esta visão
bancária da educação, segundo Paulo Freire (2005, p. 67), “o ‘saber’ é
uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber.”
Algumas inquietações nos arrebataram diante da reflexão freiriana su-
pracitada, sendo estas: como quebrar este ciclo de educação bancária que
reprime o ser crítico? Como ensinar a transgredir a este molde bancário
de educação? Como ensinar para a prática da libertação?
Vale salientar que Paulo Freire tornou-se uma referência sólida para
bell hooks em seus estudos sobre educação como prática da liberdade.
Sendo que, ao beber de fontes freirianas, bell hooks fundamenta sua obra
Ensinando a transgredir a partir da pedagogia de Paulo Freire.
Quando bell hooks afirma que “ensinar é um ato teatral” (HOOKS,
2017, p. 21), não devemos imaginar um espetáculo em que o professor é
um ator em um palco e os alunos são simples expectadores. Pelo contrá-
rio, o ensinar como ato teatral vem da interação entre professor e alunos,
são trocas de saberes e de experiências, permitindo assim o crescimen-
to mútuo. É, ao mesmo tempo, ensinar e aprender. Ou seja, o ensinar a
transgredir parte desta premissa.
“Essa estratégia pedagógica se baseia no pressuposto de que todos nós
levamos à sala de aula um conhecimento que vem da experiência e de que
esse conhecimento pode, de fato, melhorar nossa experiência de aprendi-
zado” (HOOKS, 2017, p. 114).
Para tanto, bell hooks (2021) apresenta o conceito de educação de-
mocrática, em que ela defende o processo de ensino e aprendizagem como

372
FELIPE ASENSI (ORG.)

indissociáveis e constantes. A autora ainda destaca que devemos compar-


tilhar “o conhecimento obtido em salas de aula para além daquele espaço,
trabalhando, portanto, para desafiar a concepção de que certas formas de
saber são sempre e somente acessíveis à elite” (HOOKS, 2021, p. 89).
Trazendo as experiências de bell hooks quando esta ainda era uma
jovem recém-ingressa na faculdade por meio de programa de ação afirma-
tiva e posteriormente como professora assistente em Universidade, pode-
mos entender a importância de enfrentar o paradigma de educação restrita
às elites (HOOKS, 2021).
Desobedecer ao status quo e aliar-se às subculturas radicais dentro da
academia, dando visibilidade aos sujeitos subalternizados é uma das fun-
dações do ensinar a transgredir. Sabemos que não é fácil. Pode não ser,
mas é imprescindível à educação democrática, à educação libertadora.

BELL HOOKS: POR UMA EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA


LIBERTADORA

Assim como bell hooks, defendemos uma educação democrática.


Uma educação que alcance tanto os que vivem à margem como aqueles
que se encontram no centro (HOOKS, 2019).
Quando iniciamos a leitura do capítulo intitulado “pedagogia enga-
jada” da obra “Ensinando a transgredir”, bell hooks nos presenteia com a
seguinte afirmativa: “A educação como prática de liberdade é um jeito de
ensinar que qualquer um pode aprender” (HOOKS, 2017, p. 25). O que
nos surpreende nas palavras de bell hooks é sua coragem em confrontar
a estrutura educacional institucionalizada aos moldes bancários, voltada à
elite. Este enfrentamento se sobressai quando a autora prossegue ao dizer
que, nós, professores, devemos ensinar de um jeito que respeite e proteja
as almas de nossos alunos, sendo assim essencial “criar as condições ne-
cessárias para que o aprendizado possa começar do modo mais profundo e
mais íntimo” (HOOKS, 2017, p. 25).
Enquanto professora, bell hooks reconhece que “os alunos de grupos
marginalizados têm aula dentro de instituições onde suas vozes não têm
sido nem ouvidas nem acolhidas, quer eles discutam fatos [...], quer discu-
tam experiências pessoais” (HOOKS, 2017, p. 113-114).

373
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Para modificarmos este cenário de silenciamento, torna-se essencial


dar voz aos alunos como uma prática pedagógica transgressora. Não no
sentido de autorizá-los, mas de partilhar com, de escutá-los e aprender-
mos juntos. Somente assim estes poderão crescer como sujeitos e como
protagonistas de suas próprias histórias. Além de favorecer o despertar
de expertises que culminem em pensamentos críticos e revolucionários,
levando-nos assim a uma prática libertadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dialogar com bell hooks tem sido uma experiência ímpar para duas
pessoas negras que se encontram na busca pela construção identitária en-
quanto pesquisadores intelectuais. Neste diálogo, trouxemos a educação
como prática libertadora e a relação ensino-aprendizagem dentro de um
contexto transgressor e insurgente.
Transgressão esta quando destacamos a necessidade de/por práticas
pedagógicas que vão abolir a formação bancária. Já esta insurgência, re-
presentada pelas vozes que se recusam em ser silenciadas, alicerça a prática
libertadora.
Acreditamos que este diálogo com bell hooks, ainda inconcluso, pois
consideramos este um ponto de partida, nos permitirá retomadas futuras,
abordando também outras temáticas e destacando diferentes contextos.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


2005.

HOOKS, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. São Paulo: Pers-


pectiva, 2019.

HOOKS, bell. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança.


São Paulo: Elefante, 2021.

HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da


liberdade. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.

3 74
RESISTÊNCIA AO FOGO DE
CONCRETOS DE ALTO E ULTRA ALTO
DESEMPENHO
Mariana de Almeida Motta Rezende 52

INTRODUÇÃO

A necessidade de desenvolvimento de concretos de alta resistência


(CAR) surgiu com as grandes edificações que começaram a ser cons-
truídas na década de 60. Entretanto, começou-se a diferenciar os ter-
mos CAR e concreto de alto desempenho (CAD), pois ao longo do
desenvolvimento científico dos concretos, juntamente com o aumento
da resistência, pôde-se aumentar o desempenho no meio ao qual esse
concreto está inserido.
Atualmente, o meio científico apresenta um número relevante de
pesquisas quanto à resistência ao fogo de CUAD pois esse compósito vem
sendo cada vez mais utilizado e pode ser submetido a uma situação de
incêndio inesperada.
Considerando as atuais pesquisas que abordam o estudo de CUAD
frente à ação de altas temperaturas, especialmente as repentinas como os
incêndios, e considerando pesquisas que visam a encontrar formas de mi-
tigar os estragos causados por explosões de CUAD em situação de incên-

52 Mestra em Estruturas e Construção Civil. Doutoranda em Engenharia Civil do PPGECiv/


UFSCar.

375
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

dio, este trabalho visa analisar artigos científicos que estudaram o compor-
tamento desses concretos

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A viabilidade da produção do CAD foi facilitada primeiramente com


o uso dos aditivos superplastificantes no final dos anos 1960, pois esses
produtos químicos possibilitam a completa dispersão dos grãos de cimen-
to, permitindo a obtenção de misturas mais trabalháveis com baixa rela-
ção a/c e ganhando, portanto, aumento significativo na resistência e na
durabilidade. Na década de 1970, ainda, começou-se a utilizar adições
minerais em concretos (sílica ativa, cinza volante, escória de alto-forno,
metacaulim etc.). Essas adições possuem área específica muito elevada
e granulometria mais fina que a do cimento. Dessa forma, favorecem a
densificação da zona de transição, produzindo uma microestrutura mais
densa e com menor índice de vazios.
Desde a década de 90, porém, surgiu o concreto de ultra alto desem-
penho (CUAD) projetado para fins industriais e militares. Sua resistência
mecânica é maior que 120 MPa e possui alta durabilidade. Para isso, são
necessários mais baixa relação a/c e grande distribuição granulométrica
de materiais. Além disso, recentemente têm-se utilizado fibras de aço ou
polipropileno para aumentar a resistência dos concretos.
Ainda há uma pequena quantidade de estudos sobre o comportamen-
to do CAD e do CUAD frente a altas temperaturas. Entretanto, as poucas
pesquisas existentes mostraram que há um considerável risco potencial de
spalling induzido pelo fogo é maior em concretos com menor permeabili-
dade e maior resistência à compressão, como é o caso dos CAD e CUAD.
A fim de mitigar a fragmentação induzida pelo fogo em elementos
estruturais de concreto, alguns pesquisadores propuseram uma série de
medidas, incluindo a adição de polipropileno (PP) ou fibras de aço à mis-
tura de concreto. No caso do concreto com fibras de PP, o mecanismo
pelo qual a extensão do spalling pode ser minimizado é atribuído à fusão
das fibras de PP presentes no concreto em temperaturas relativamente bai-
xas (na faixa de 160 a 170 °C). A fusão das fibras de PP cria canais (poros)
dentro da microestrutura do concreto, aumentando assim a permeabilida-
de desse concreto. Esses canais facilitam a dissipação da pressão de vapor

376
FELIPE ASENSI (ORG.)

induzida pela temperatura gerada em um elemento de concreto exposto


ao fogo, evitando assim a fragmentação. No caso do concreto com fibras
de aço, o aumento da resistência à tração do concreto (especialmente em
temperaturas elevadas) é o principal fator que ajuda a suportar o acúmulo
de alta pressão dos poros e, assim, minimizar a fragmentação, em um ele-
mento de concreto exposto ao fogo. O CUAD tem uma microestrutura
extremamente densa com permeabilidade muito menor do que o CAD,
o que pode resultar no desenvolvimento de maior pressão de poro nos
elementos estruturais do CUAD. Além disso, o CUAD é geralmente
reforçado com fibras de aço para obter maior resistência à tração e me-
lhor resposta pós-trinca, e essa mistura é denominada UHPFRC. Assim,
UHPFRC exibe maior resistência à tração do que HSC e, portanto, pode
resistir melhor às tensões de tração que causam spalling. No entanto, isso
não foi totalmente validado por meio de testes de incêndio em grande
escala em membros estruturais CUAD ou UHPFRC.

METODOLOGIA

Neste trabalho foram analisados cinco artigos de periódicos qualifica-


dos. Para a busca de artigos foi utilizada a base de dados da Elsevier com
as palavras-chave: “concrete” AND “high performance” AND “ultra” AND
“fire resistance”. Para filtrar os artigos, foram selecionados apenas artigos
publicados a partir de 2016, o que resultou em seis artigos, dos quais foram
escolhidos cinco para serem analisados neste trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto ao spalling, Xiong e Liew (2016) mostraram que CUADs


sem fibras e com fibras de aço sofreram spalling aos 490 ºC, entretanto
o CUAD com fibras de polipropileno não sofreu spalling na temperatura
máxima estudada de 800 ºC. Ali, Dinkha e Haido (2017) observaram que
o spalling de CADs com pó de vidro é menor ou não ocorre em compara-
ção aos CADs com sílica ativa. Comprovando a eficiente do uso de fibras
de PP, Liang et al. (2018) mostraram que o uso conjunto de fibras de PP e
aço e uso de escória de aço no lugar de areia quartzosa resulta em uma ma-
triz que possui melhor desempenho, mantendo densidade até os 400 ºC.

377
PENSANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

O CUAD feito por Liu e Tan (2018), com uso conjunto de fibras de aço e
PE, apresentou spalling não explosivo, também comprovando a eficiência
desses concretos com fibras. Nos estudos feitos por Banerji; Kodur; Solh-
mirzaei (2020), o volume fragmentado ao longo do comprimento da viga
não era uniforme devido à natureza não homogênea do concreto.
Quanto à análise de microscopia eletrônica de varredura (MEV), com
a utilização de outro tipo de fibra associada à fibra de aço, a fibra de po-
lietileno (PE) também auxilia na melhora do desempenho térmico dos
CUADs, como foi comprovado por Liu e Tan (2018). Foi possível obser-
var que a associação de fibras de aço e de PE faz com que a fissuração do
CUAD aos 200 ºC seja muito menor que o CUAD sem fibras.
Liang et al. (2018) mostraram que a matriz de CUAD com fibras de
aço e PP ficam mais densas e compactas. O fato é melhor explicado por
Liang et al. (2018), pois conseguiram mostrar uma suposta reação das fi-
bras com a matriz que provoca melhor aglomeração dos materiais. Essa
explicação ainda é questionável no meio científico, mas ganha cada vez
mais força devido à falta de outras explicações.
Em relação ao comportamento de CUAD frente a uma situação de
incêndio, análise de perda de massa mostra uma perda significativa entre
200 e 400 ºC devido à evaporação da água e a análise microscópica mostra
que a matriz fica mais densa entre essas temperaturas de 200 e 400 ºC.
A resistência à compressão dos CADs e CUADs normalmente cai até
os 100 ºC, mas é recuperada ou superada até os 300 ºC devido à facilitação
de evaporação da água proporcionada pela fusão das fibras. Os CUADs
com fibras podem apresentar resistência à compressão de 69% aos 800 ºC
quando comparada à resistência em temperatura ambiente;
Uma informação relevante levantada é que o tipo de agregado in-
fluencia significativamente na manutenção da resistência em elevadas
temperaturas – o agregado de escória de aço desempenhou melhor que o
agregado quartzoso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste trabalho, foi possível observar que o tipo de agre-


gado influencia significativamente no comportamento do CAD e do

378
FELIPE ASENSI (ORG.)

CUAD frente a situações de incêndio. A utilização de agregados de


escória de aço desempenhou melhor frente a altas temperaturas que o
agregado quartzoso, que se começa a se fundir acima de 400 ºC. En-
tretanto, é possível ter um CAD e um CUAD que tenha durabilidade
em situações de incêndio, o que é importante para o avanço desses
compósitos na construção civil.

REFERÊNCIAS

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