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JOSE MURILO DE CARVALHO OS BESTIALIZADOS O RIO DE JANEIRO E A REPUBLICA QUE NAO FOI 3 icin 28 reinresio Ue ha Musto de Carvato Tnuicacio editorial Francisco Foot Hardman ‘Nicolau Seveenko caps: Ettore Botti A partir de 0 carnaval de 1892, Reviste Hustrade, Imargo de 1892 | Revie: Lo Mein Conte SITET ET EG Oe Ita Lf -—-Genaing Santos 2s Fa Pes. Si ast trea iors vj Telenor C028 opine eg (E82 INDICE Abreviagoes Agradecimentos Introdugae I: O Rio de Janeiro ¢ a Repiblica U: Repiblica e cidadanias Ul: Cidadios inativos: a abstengao eleitoral IV: Cidaddos ativos: a Revolta da Vacina V: Bestializados ou bilontras? Conetusio Notas Bibliografia CAPITULO REPUBLICA E CIDADA /NIAS* 44 Ficou registrady que © fim do Impétio ¢ dh Repibica fo uma spose cuntestare Nam idéias, em geral importadas da Europa coe iis Rees eram idgias mal abservidas ou ab- 2 ae a io parcial e seletivo, resultando em gran- on sao ideolégica. Liberalismo, Positivismo, socialis. me larquisino: misturavam-se e combinavam-se das ma- ras mais esdrixelas na boca © na pena das pestone alae ne eras. Contudo, seria enganoso descartar as a ent como simples desorientagao. Tudo era, ie da oueo i uco, Mas havia logica na Joucu- 2, remos vetificer no cidadani ments wos tame que 0 periodo foi marcado, especial. me io de Janeiro, pelo rapido avango de velores 'gueses. Velhos monarquistas, como Taunay, expres Fam seu escindslo frente a febre de enriquectmenrs nn 2 inio absoluto de valores materic te lar riquezas @ qualquer prego, que tinham domin capital da Repibics. Meso sepaticares we 8 mre Raul Pompba, nfo denaram ie etanior eee * Versio ligeiramente modificada des foi publieada em frso te capitulo foi publicada em Dados — Revista én Citncias Socias, 282): 34, 18 a2 cae co espirito que dominava as pessoas. Segundo Pompéia, ton- yolicionista ¢ do danto ge iam os dias do romantismo a rnismo da propaganda, “O que ha agora é pio, pio, qu queiio. Dinheiro & dinheiro.” Todos se ocupam de ne gocios © até a politica ¢ dominada pelas finangas: “A Repiblica discute-se consubsianciada no Banco da Re publica” Mas foi mudanca no campo ds mentatidade coletiva No que se refere avs principios ordenadores da ordem social e politica, o Hiberalismo j4 havia sido implantado pelo regime imperial em quase toda a sua extensao. A Lei de Terras de 1850 liberara a propriedade rural na medida em que regulara seu registro ¢ promovera sua venda como mecanismo de fevantamento de recursos pa ra a importagio de miodeobra. A Lei de Sociedades Anénimas de 1882 liberara o capital, eliminando restri ges a incorporagio de empresas. A abolicdo da escravi dao liberara o trabalho. A liberdade de manifestagdo de pensamento, de reunifo, de profissao, a garantia da pro- priedade, tudo isso era parte da Constituicao de 1824. No que se refere a0s direitos civis, pouco foi acrescentado pela Constituigdo de 189i. O mesmo se pode dizer dos direitos politicos. As inovagoes republicanas referentep: & m climinar a exigéncia franquis eleitoral resumiram-se de renda, mantendo a de alfabetizacao. republicanas era, © espirito das mudangas eleitorai ‘© mesmo de {881, quando foi introduzida a eleicdo dire- fa. Até esta ultima data, 0 processo indireto permitia razodvel nivel de participagdo no provesso eleitoral, em toro de 10% da populagao total. A eleicao direta reduziu este niimero para menos de 1%, Com a Reptiblica houve aumento pouco significative para 2% da populacio (elei- so presidencial de 1894)2 Percebera-se que, no caso bra- B sileiro,a exigéncia de alfabetizacao, introduzida em 1881 ers barrdira suficente pora impedir a vapaeste do leis torado, O Congreso Liberal de maio de 1889 ja o dissera abertamente 20 accitar como indicarton de renda legal 0 saber ler e escrever. G liberal Rui Bay ‘bosa, um dos reda- prince tet? da Consttuigao de 1891, fors aan an Principais pr ‘opugnadores da reforma de 188}. Por tris desta concepctio restrit ‘a da participacsio dade ep esttledo de uma distingso nitida entre see dade civil e sociedade politica. © Ponto ja fora exposto com clareza por Pimenta Buer Hibwigdo de 1824. menta Bueno buscou na Constituigao, Consitutsio bra, ene cidaios ee eee {patios ou cidadaos simples. Os primeieos Possuem, além Sos dirsitos cis, os direitos politicus. Os tine vs pos. suem Os direitos civis da cidadania. Sé os Primeiros sao cidadaos plenos, possuidoves do jus civitatis do direito romano, © direito Politico, nesta concepeio, nie é um Séndo funsio social antes que direito, @ voto era fansedido dqueles a quem a sociedacte juleaca poder con. rece ltides €8 pobres (eis pela renda, seis pela Stigencia da alfabetizacao), os mendigos, as mulheres, os menores de idade, as pragas de pré, os membros de en 44 dons religiosas. Ficava fora da sociedade politica a grande maioria da populagio. A exclusio dos analfabetos pela Constituigo republicana era particularmente discrimina Loria, pois ao mesimo tempo se relirava a obrigagio do governo de fornecer instrugdo priniria, que constava do texto imperial. Exigiase para a cidadania politica uma qualidade que s6 0 direito social da educagao poderia fornecer e, simultancamente, desconhecia-se este direito, Era uma ordem liberal, mas profundamente antidemo. critica e resistente a esforgos de democratizagiio, A Constituigio de 1891 também retirou um disposi tive da anterior que se referia & obrigagdo do Estado de promover 0s socorros piblicos, em outra indicacko de enrijecimento da extodoxia liberal em detrimento dos di- reilos sociais. O Cédigo Criminal de 1890 teve a mesma inspiracao. Tentou proibir as groves ¢ coligagées operée rias, em descompasso com as corregdes que jd se faziam na Europa & interpretacdo rigida do principio da liber dade de contrato de trabalho. Foi a ameaca de greve por arte de alguns setores do operariado do Rio que forgou © governo a reformar logo os artigos que continham a disposigao antiopertria (205 e 206), A Reptilia, ou 05 vitoriosos da Republica, fizeram muito pouco em termos de expansic de direitos civis e politicos. O que foi feito ja era demanda do liberalismo imperial. Podese dizer que houve até retrocesso no que se refere a diveites soviais. Algumas mudancas, como a eliminag20 do Poder Moderador, do Senado vitalicio do Consetho de Esiade e a introdugéo do federalismo, tinham sem diivida inspiragao democratizante na medida em que buscavam desconcentrar 0 exercicio do poder. Mas, nao vindo acompanhadas por expansao significativa da cidadania politica, resultaram em entregar © governo ‘mais diretainente nas mios dos setores dominantes, tanto é Rurais quanto urbanos. © Limpério tornarase um empec iho ao dinamismo desses setores, sobretudo os de § Paulo. © Estado republicano passou a mio impe atuagdo das forcas sociais, ‘04, antes, a favorecer as mais fortes, no melhor estilo spenceriano. Fora, alias, tum dos inspiradores de Alberto Sales, 0 mais respeitado idedlogo da Repiblica.t Spencer Mas @ propaganda republicana prometera mais do Aue isso. O entusiasmo e as expectativas despertadas em certas camadas da populacao pelo advento do novo regi me Provinham de promessas democratizantes feitas nos Comieios, nas conferéncias puiblices, na imprensa radical Quein melhor earaeterizou este indo da campanha foi Silva Jardim, ao Indo de seu antigo mestre Luts Gama « de Lopes Trovao, Silva Jardim ¢ Lopes Thovdo, particu- Jermente, eram grandes agitadores populares. Trovao fora tm dos principais instigadores da Revolta do Vintén de 1880, que troure de volta o povo do Rio ao primeiro pla no da politica apés auséncia de muitos anos. Silva Jardim foi protagonista de virias demonstragdes republicanay, ‘aigumas terminadas em tirotefo, como a de dezembro de 1838. Qual a inspiracio de Silva Jardim? Era basicamente 2 retérica da Revolucio Francesa. Contra as chefes evo. lucionistas do Partido Republicano, queria a transforme, So feita revolucionariamente nas ras com apoio ¢ part sipagdo do pove. Porém nunca expos sistematicamente suas idéias sobre como seria a participagéo popular no novo regime, Falava apenas na necessidade inicial de uma ditadura republicans, que Ihe poderia ter sido inspirada fanto por Robespieire quanto pelo positivisino, a ser depois legitimada por sufrigio universal § © radicalismo de Silva Jardim incomodava o grosso do partido © levou-o ao rompimento com a dizegao parti, dliria, Foithe até oculteda a data da zevolia © ele dele participow por acaso, Mas 0 fez dentro de sua espe dade: Benjamin Constant, temeroso de que falhasse o yolpe, pediza a Annibal Falcio, amigo de Silva Jardim que agitasse © povo. Nisso aparcceu Silva Jardim, que de bom grado cumpriu a tarefa, liderando 0 coro da Marselhesa . loge apés a proclamagio, foi siste maticamente boicotado, Nas eleigdes de 1890 para a Cons. tituinte, no conseguiu eleger-se no Rio de Janeiro, pritici- pal palco de sua atuago. Desildido, como outros radi cais, com a Repiiblica, que nao era a de seus sonhos, foi para a Europa, onde morreu em 1891, caindo no Vestivio. Mais pela simbologia da ago do que pelas idéias, Silva Jardim introduzira uma concepgdo de cidadania que se aproximava do modelo rousseauniano: a visio do povo como entidade abstrata homogénea, falando com uma s6 voz, defendendo os mesmios interesses comuns. Apesar de ser também contratual, esta concepcao difere do con- tratualismo lockeano, pois sua inspiragio platdnica sax Hienta antes os aspectos comunitirios de integragdo de todos na vontade geral da soberania. 0 todo ¢ mais do que a soma dos individuos que 0 formam, podendo por isso ditar o que seja a verdadeira vontade destes. A idéia de ditadura republicana adequava-se bem a esta concep: so. Segundo ela, o ditador era a encarnaggo da vontade coletiva ¢ 0 instrumento de sua ago, sem que fosse ne- cessdria eleicio formal, bastando a sangio implicita, co- mo expressamente admitia 0 manifesto do. Partido Re. publicano de Pernambuco de 1888, com a concordincia de Silva Jardim. Outros temas dos republicanos radicais que reforcavam a idéia comunitéria eram os da patria ¢ fratemidade, ambos também inspirados na Revolusio Francesa. O tema de patria, em especial, é freqiiente em Silva Jardim, destoando do discurso dos republicanos conservadores que insistiai antes na federagio. Estes pelas ruas. Todav a f | | i ' ' tiktimos, 20 Falarem de pitria, referiamtse « suas: provin. cias, como foi o caso de Alberto Sales, que preyou aber tamente o separatisine paulista em livro a que deu © om gestive Utulo A Pétria Paudisia, escrito em 1887. Silva Jar lim achava umn erro a separacéo, apesar de compartilhas com os positivistas a idéia de que a tendéncia de tudes 4s sociedades era formar pequenas patrias, As razées da adogio desta visio integradora, com nitaria, organica das relades dos cidadios com a socie dade politica poderiam ter sido de natureza apenas tation © movimento republicano era constituido de uma frente jocratas & aboli empla de interesses, que abrangia ese Fonkstes, militares e civis, fazendeiros, estudantes, pro- Fissionais liberais, pequetos comerciantes. A iia de ys Yo. de piizia tinha o mécito de unir a todos, evitando om. baragos. Mas o importante aqui 6 apontar sua existnein 60 fato de ter sido atl na instrumentalizagio da atuacio politica de eertos setores que hutavam por uma amplisens da cidadania. Veremos como tal visSo se telacioneva comm outras, particularmente com o positivism, Alésh dos propagandistas civis, conservadores ¢ radi cals, outro grupo que se salientou na propaganda do novo reine foi o dos militares. Desde a metade do século, Segundo o estudo de Schultz, havia entre 0s oficiais de Exérelto insatisfacSo quanto ao que consideravam lei. {acces de seus direitos de cidadania. Mas foi certamente fa Ultima década da Monarquia que a insatisfagao se fomou mais ruidosa e se expressou através da iddia do seldsdoidadso. Havia neste movimento varias inspira S6es, algumas de natureza ideol6zica, outras organizacio BLS cutras politicas, que nio & necessario explorar aqui” “Basta dizer que a inspiracio ideoldgiea mais forte foi Positivismo transmitido aos jovens oficiais por Benfamin Constant. A visti profundamente antimilitarista de Com 8 te levava os militares a se sentirem pouco & vontade den tue dos uniformes © a procurar eliminar ae maximo a vava do mundo civil atraves da rei distincia que os sey vindicagao da condigao de plenys eidadios, cidad: vos 0a lerminologia de Pimenta Bueno. Na pritica, as feivindicaySes centravanrse no direito de reuniay e de livre manifestagao da opiniio politica. Houve mesmo um: estorge eleitoral no sentido de levar a0 Congreso candi- No fundo, 0 que se queria era maior datos militares peso nas decisses politicas para a corporagio militar. A relagio entre cidadao ¢ soldado foi e continua sen- do complicada, Na Iuta contra o absolutismo, um ponto importante era tirar da nobreza 0 monopélio das armas, era dar a0 cidadao 0 direito de armarse para a defesa de seus interesses. A Constitui¢io americana incorporou em seu texto este direito como garantia do cidadao contra © Estado. A Franga revoluciondria, além de abrir o Exér: Cito, isto ¢, o corpo de oficiais, & burguesia, crion também 8 Guarda Nacional, 0 que equivalia a entregar as armas 20s cidadios, a criar 0 cidacio-soldado. A Guarda Nacio- nal brasileira de 1831 inspirouse no modelo francés e em parte cumpriu a missao de colocar nas maos dos ci- dadaos de posses a tarefa de manter a ordem, A milicia cidada, como era chamada, constitufa sem ditvida um instramento liberal ¢, pelo menos em sua concepeio ori- ginal, democratizante.” 0 problema do Exército no firal do Império era © oposto: tratava-se de criar nia 0 cida- iosoldado mas o soldado-cidadao. Eram os beneficié ios do monopélio de portar armas, componentes da bu- rocracia estatal, que desejavam para sia plenitude dos direitos de cidadania, Para isso nao sé nao renunciavam # condigio de integrantes do Estado, como ve utilizavam da forca que esta condicao thes dava. Lutavam de dentro Para fora, néo eram parte de um movimento da socieds ~ de, Poderseia dizer que buscavam maior pasticipagan através do pertencimento ao Bstado, isto €, no se trate va tanto de cidadania mas do que poderiamos chamar de esiadania.! A contradicio implicita nesta posigdo levou ao desen- volvimento de uma ideologia segundo a qual o Exéreite se identificava com o povo, Foi talvez o republicano Raul Pompéis 0 primeiro a propor esta formulagio por ocasine de um dentre os muitos atritos entre 6 governy eo Exer, Cito nos tiltimos anos da Monarquia. Raul Pompdia dew. Gartava a possibitidade de militarismo no Brasil, porque, Gila, “O Exéreito brasileiro € muito povo para. querer Ser contra © povo e sobre o povo”. E continuava: “O Exér- Cito € plebeu e é pobre, o Exército ¢ a democracia arma. Gals Dentro do Exército, uim dos melhores representan ies dessa posigao foi Lauro Sodré, republican fandtien, Hlorianista © permanente conspirador. Para ele. os milite, Ta Sempre se haviam colocado ao lado das causas popu lares ¢ democriticas, pois eram cidadaos fardadon: “Nae hi no nosso passado nem na nossa historia ume Pagina em dus se registrem vitérias da Hiverdade contra a pre- Poreéncia, na qual nfo figure ao lado da povo, levantado Para a defesa de seus direitos, 0 Exército que ¢ 0 proprio Hover due € a agremiacao de cidadios unidos pelos lacos a disciplina’’” A proclamacio da Republica por milite, tes ¢ a instalacdo dos governos militares nao abalariam 2s convicgdes de Raul Pompéia. Pelo contrério, passou a ver no Exército a tnica classe organizada do pais. O fato de ter sido o Exército que fizera a Republica ndo era ams tlesonra para o pove mas uma honra para o Exército, que £78 © Povo com armas, Sua aio seria mesmo preferivel diante da apatia do povo paisano,.# Tratavase naturalmente de uma ideologia da oficin. Ito republicano e dos civis que o apoiavain. Verso mais radical desta ideotogia existia entre as pragas de pre, 0 jomnal 0 Soldado, por exemplo, publicado no Rio ern 1881 defendia 0 direito da classe militar de se representar pe rapte a nagio © de “tomar parte na administracio do Estado", Mas apelo era dirigido avs soldados ¢ v fava-se @ veforma eleitoral de 1881, que teria privado pragas do diteito do voto. © jornal protestou dizendo 4) os soldades ¢ © povo foram as “duas vitimas dat 580 e da prepoténcia, ¢ tnicos espoliados de todos us di reilos, € que $6 tém deveres”. Reclamando da mé accita- 0 do jornal pelo comandante do Batalhao Naval, o recs lor respondeu que “0 soldado no é um servo da globe é um cidadao, tem deveres a cumprir e direitos a gozar' Em carta ao imperador publicada pelo jornal, um exe Juntério da Guerra do Paraguai queixava-se com amar gura ¢ violencia: em troca dos sactificios como volunta Flo, perdera até a cidadania com a nova lei eleitoral.” 4 alianga, ou mesmo identidade, entre soldado e povo, mais particularmente entre soldado e operirio, era defendida em termos mais radicais pelo jornal Revolucdo. Segundo este jornal, 0 soldado era 0 obreiro da guerra, 0 obreiro © soldado da paz. E conclamava: “Nés, soldados ¢ obrei- ros, artistas e operdtios, devemos nos confundir na praga piiblica bradando a uma vor: Revoligao!”.3* Esta versio radical, quase sans-cullotte, propondo unta alianca real ¢ néo simbélica entre © soldado concre- to, € nio a cozporacio, € 0 povo operario, e ndo o povo em abstrato, era minoritéria, Mesmo assim, ret6rica revo- luciondria & parte, os porta-vozes desta posicio eram pes- soas de algum modo vinculadas 20 Estado. O jornal O Soldado, embora ditigido as pracas, era redigide por wm alferes honorério do Exército, e os operdrios a que se refere Revoluedo eram sem diivida os operérios, do- Bsta. do. Vimos gue o redator fora demitido do servigd publi at © certa € parte de sta exaltagio revolucionaria devia mente a este fato. Os operirios do. Estadlo meracem referencia especial Constitulam parte importante do operariady do Riv no final do Império ¢ inicio da Repiibliea, ¢ foram outro se tor da populagao que viu a Republica como uma oportw- nidade de redefinir sew papel politico, Tratava-se princi palmente dos operdrios dos arsenais do Exéreito ¢ da Marinha, dos ferrovisrios da Estrada de Ferre D. Pedro IL, depois Central do Brasil, dos prificos da Imprensa Nacional, dos operirios da Casa da Moeda e de alguns setores das port do Tmpério tinham tigasao com estes grupos. Além de Revolupdo, havia a Gazeta dos Operirios (1875), que a fendia 08 operdrios dos arsenais; a Unido do Pov (1877) que se dizia érg80 do funcionério piblico, do artista ¢ do oper: Nihilista (1883), jornal dos operiirios, do Exéreito e da Armada; 0 Artista (1883), defensor dos ope rarios da Tipografia Necional, da Casa da Moeda c dos arsenais. ios. Varios dos jornais radicais no fim Logo apés a prociamagio, howve tentativas de orge- nizé-los politicamente, seja através de elementos de fora, seja de dentro da classe. A primeira tentativa devewse 0s positivistas, Ainda em 1889, Teixeira Mendes reniu: se com 400 operirios da Uniti e discutiu dim documento que entregou a seguir a Benjamin Constant, entio minis tro da Guerra, As bases ideoligicas do documento, como era de esperar, sustentavam-se na nocio positivista da necessidade de incorporar o proletariado a sociedade. As medidas priticas propostas caracterizavam uma legisla fo trabathista muito avangada para a época. Inciuia jor nada de sete horas, descanso semanal, férias de 15 di licenga remunerada para tratamento de saiide, aposenta 52 dovia, pensao para a vidiva, estabilidade aos sete anos de servigo ete.” Poueo depois, no inicio de 1890, houve virins tenta tivas de criay um Partido Operdtio, 74 af abrangendo tam bem operirios do setor privado, Estabelecease uma dis: Puta entre lideres operdrios, como Franga e Silvs, que lutava por um partido controlado pelos préprios opera: rios, € 0 tenente José Augusta Vinhaes, da Marinha, que Vinkaes tinha suas bases principais entre os ferrovidrios, com incursdes tambem nos arsenais ¢ entre os Portuarios, onde outro oficial da Marina, José Carlos de Carvalho, também era influeate. Na irénica expressio de Franga e Silva, Vinhaes colocava-se como 0 S80 Gabriel do governo, intermedia tty entre Deodoru ¢ os operarios."* Vinhaes teve mais éxito Que Franca © Silva em conseguir o apoio opersrio, ele. gendo-se para a Constituinte, depois transformada em primeira legislatura republicana. Na Camara, justica se Ibe faca, falou varias vezes em defesa do operariado ¢ dos Ppobres em geral, protestando contra a carestia, propondo: aumentos salariais, criticando a ago da policia nas gre ves, defendendo a ampliacio do voto. Diziase mesmo so- Cialista e mereceu dos adversérios a acusagio de petro- leiro ¢ niilists, 0 equivalente 20 terrorista de hoje. Por sugestéo sia, 0 governo introduziu a primeira legislagao de protecdo ao trabalho do menor (1891). Organizou tam- dem um Banco de Operarios, & moda de Penny-Bank de Londres. Segundo ele, o banco possuia 6 722 acionistas em fevereiro de 1891." Vinhaes esteve ainda envolvido em diversas greves de natureza politica, comesanda pela dos ferrovidrios, em 1891, que ajudou a derrubar Deodore, terminando na dos estivadores, ferrovidrios ¢ carroceiros, em 1900, planejada como parte do golpe destinado a der- rubar Campos Sales. "A maior conquista do Partido dos lideranca organizou un partido sob su 53 Operirios que criara foi sem diivida a de ter Lorgado 0 governo, através de ameaga de greve geral, a mudar 0 C6. digo Penal nos artigos que protbiam a greve e a coligagio operdrias, em dezembro de 1890. Vinbaes serviu de inter- rio entre 05 operdrios ¢ @ governo. Seja qual for a medi avaliagao de seu papel do ponte de vista dos interesses ios, © importante ¢ salientar que, como no caso dos mititares, embora em escala menor, também aqui a tentativa de acesso a uma cidadania mais ampla se dew elas portas ou pelos porteiros do Estado No caso da aco positivista (¢ quase todas as lideran gas republicanas que se preocupavem com o protetariado © faziam em fungio da influéncia comteana), as .conse- aligncias para a construgdo da nova cidadania foram ain da mais sérias. A nogto positivista de cidadania nao in cluia 0s direitos potiticas, assim como ndo aceitava os partidos e a propria democracia representativa. Admitia apenas 0s direitos civis e sociais, Entre os altimos, soli citava a educagéo primiria ¢ a protegdo & familia e a0 trabalhador, ambas obrign¢io do Estado. Como vetcva a seo politica, tanto revoluciondria quanto parlame:tar, resultava em que os direitos sociais néo poderiam ser conguistados pela pressio dos interessados, mas deve- Ham ser concedidos paternalisticamente pelos governan: tes.iNa realidade, nesta concepcio no existiam sequer os idados ativos. Todos eram inativos, & espera da ago iluminada do Estado, guiado pelas Iuzes do grande mes tre de Montpellier e de seus porta-vozes. A posi¢do de Vinhaes tinha um sentido menos cas trador, j4 que buscava organizar a aco operdria através de partidos, de movimentos grevistas e da agao parlamen- tar, Mas no hé que se negar que stia agéo foi preventiva no sentido de retirar o movimento operiirio das maos de ‘suas préprias liderancas, o que pode ser confirmado pela 54 maneira como agin em 1890, Nesse sentido, representon 9 inicio de uma acao cooptativa do Estado em reingie 4 classe of que teria ample curso no Rio de Janeira corante a Primeiza Republica, sobretudo no que se refere aus operirios.ligades direta ou indiretamente x setor piblico. De novo, a estadania se misturava i eidadania Se no a sobrepujava Proposta diferente era a de Franca e Silva, Vicente de Souza, Evaristo de Moraes, Gustave de Lacerda e ou tos, que se diziam socialistas. As idéias de Franca e Silva, expostas no Echo Popular, sio as que mais se aproximam do modelo clissico de expansio da cidadania. A Reptibli- ca, achava, viers possibilitar a extensio do direito de in tervir nos negécios piblicos a todos 0s cidadios. Os ope ririos, até entao vivendo como forasteirus no solo da pa: tria, vinham agora reivindicar este direito através de uma ‘orgunizagao partidéria que se propunha defender seus ia- teresses dentro das regras do sistema representativo. A reivindicaeao era reforgada pela afirmacao de nova iden- tidade para o operario, segundo a qual, embora margina. lizado na sociedade politica, ele constitute o principal fa- tor de progresso do Brasil ¢ de todas as nagdes. Varias tentativas foram feitas nas duas primeiras décadas repue blicanas de formar partidos socialistas operérios, tanto no Rio quanto em Sao Paulo ¢ outros Estados, nenhuma de- Jas com éxito. No Rio, houve em 1892 um Congresso So- Gialista organizado por iniciativa de Franga e Silva, com # participagao de 400 operérios, do qual resultou ¢ Parti ¢o Operario do Brasil. Em 1895, com a participaggo de Evaristo de Moraes, foi fundado um Partido Socialista Operirio. Em 1899 surgiu um Centro Socialista, e em 1902 fol criado por Gustavo de Lacerda e Vicente de Sotiza 0 Partido Socialista Coletivista, Finalmente, em 1908, esti- vadores ¢ cocheiros fundaram o Partido Operério Socia. 55 lista, em que de novo se verificou a presenga de Evaristo | de Moraes. As propostas de todas estas as do socialismo democritico, isto & htar por maior participagdo e conseguir reforma através do mecanisme representative. longa vida, muitas nav chegaram a completar um ano nizagoes eram especialinente suciais, nhusna delas teve A rigider do sistema republicano, sua resistencia ei permitir a ampliagio da eidadania, mesmo dentro da lo. aiea liberal, fez com que o encanto inicial com a Repit blica rapidamente se esvaisse e desse origem a decepeao € a0 desanimo. O desencanto fica transparente no Mani festo do Centro Sociatista aos Operarios e Proletérios, langado em 9 de janeiro de 1899 no Rio de Janeito. Ai se afirma que, se © Império vivera sob 0 monopitio dos donos de escravos, a Repiblica "vai vivendo & custa dos mais repugnantes sindicatos politicos e industriais, gera 1 dores de uma perigosa oligarquia plutocrétiea tao pernt ciosa como a oligarquia aristocrética”. Em consegiiéncia, Prossegue o Manifesto, o Brasil se acha na mesma condi, sao da Europa, onde os vicios do capitalismo s6 deixam 20 operirio a opcio entre 0 socialismo reformadur e 0 anarquismo revolucionitio. Na verdade, os socialistas bra. sileiros viram-se logo entre estes dois fogos: de um lado, os que defendiam @ cooperacio direta com o governo, » estadania; de outro, e cada vez mais, os anarquistas, que rejeltavam totalmente o sistema politico. A partir éo ini cio do século, a corrente anarqitista garhow crescente in Huencia. Ela traria um conceito radicalmente diferente dle cidadania. Por ter influenciado um setor da populacto due exatamente buscava insergio no novo sistema, merece exame mais detido, © primeiro jornat anarquista do Rio parece ter sido O Despertar, de José Sarmento, publicado em 1998. Em Tinguagem cheia de espanholismos, denunciadora de 5B origem do articulista, © jornal revela individuslisrme © espuntancisme extremados, rejeitundy até mesine a orga nizagav da propaganda, Delende como tiaica arma oper ria & greve, visando a preve geral que abolirs © Estado. A seguir, vieram O Protesie (1899), O Golpe 1400}, + revista Asgurda (1902), O Trubalhador, A Greve (1903), revista Kultur (1904), O Libertéria (1904), de Neno Vasco, to dos-anarquisias na época. portugues e talvez 6 mais A excecio do tihtimo, todos estes jornais ¢ revistas foram Carvalho © Mota Assungiv, incan- A partir de 1803, com itados por Elysio doutrinadores anarquistas a criacdo da Federagio de Associagses de Classe ¢, espe cialmente, apés 0 Congreso Operdirio de 1906 © a subse aliente criagio da Federacao Operaria do Rio de Janeiro, aumentou a penetragéo do anarquismo entre os uperd ios. Surgiram varias publicagdes anarquistas vinculndas 2 organizagoes de classe. Alguns exemplos so Accordem (1905}, da Sociedade de Carpinteiros ¢ Artes Correlatas; Novo Rumo (1908), de Alfredo Vasques; O Baluarte (1907), da Associacdo dos Chapeleiros, cujo secretirie era Tose Sarmento; © Marmorista (1907), principalmente 4 Voz do Trabathador (1908), érgio da Confederagio Operdria Brasileira, para ficar s6 no Rio de Janeiro. Embora todos se dissessem anarquistas ou liberté. ros, havia algumas nuancas importantes entre eles, Ely- sio de Carvatho distinguia ja em 1904 duas correntes prin- cipais: 05 anarquistas comunistas ¢ os anarquistas indivi dualistas. 0 primeiro grupo, de Jonge o mais numerose, segundo Elysio, seguia Kropotking, Réclus, Malatesta, Hamon, contava entre seus membros Neno Vasco, Ben. Jamin Mota, Fabio Luz e, estranhamente, Evaristo de Mo- ras. Eram pela revolugao social, pela aboligao da pro. priedade privada e do Estado, mas admitiam 0 sindica lismo como arma de luta. 0 segundo grapo seguia a linha @ thado individuslisina, Tay “de Max Stirner, / bém pregava a abolicio do Estado, porcn « forma de organizasao que nao fosse expontinen qu # manulensZ0 da propriedade privada apis a revues contra toda A primeira corrente continuou a preduminar nos ans Zetutes. Apesar das difereneas, no que se refere s ne Sisto em relacio & antoridade © ao Estado, nig havia Brande divergéncia entre os libertirios. Todos repudia. pam avalauer tipo de autoridade, especialmente g estat Pal também uma avers protunda a lute politica atra F eisdes, Neste ponto eram inimizos irre aveis dos socialistas. Os velhos lideres “socialistas 30 inicio da Republica, como Franca © Silva, Vicente de Souza e mesmo o joven Evaristo se Moraes, tornaram.se objeto de ferrenhas criticas. Ja em 1898, por exemplo, Benjamin Mota polemizava com Franca ¢ Silva, denun. clando 0 cariter utépico e autoritirie da uta partidaria, ¢ afirmava: “C...J no terreno da tute eleitoral socialistas Sstoritétios socialistas libertérios sao inimigos irre. coneiliaveis"% Em 1908, por ocasiio do Congresso Operitio Regio. al Brasileiro, douse 0 enfrentaments entre anarquistas jorme reagdo da platéia, scompanhada de vaias, © a mesa tove de encerrar a ses. Gindicatos); 9 uso

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