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SUMÁRIO
______________________________________________________

INTRODUÇÃO...........................................................................Pg 02
DIALOGANDO COM O ESPIRITISMO......................................Pg 04
PSICANÁLISE A LUZ DO ESPIRITISMO..................................Pg 20
O SER HOLÍSTICO....................................................................Pg 23
DIALÉTICA CULTURAL ESPIRALADA.....................................Pg 27
DOENÇAS EXPURGOS........................................................... Pg 43
A QUESTÃO DA MORTE NO OCIDENTE NA VISÃO FILOSÓFICA,
HISTÓRICA E ESPÍRITA...........................................................Pg 48
COISIFICAÇÃO DO SER HUMANO..........................................Pg 77
A EVOLUÇÃO E A VISÃO ESPÍRITA........................................Pg 80
POLITEÍSMO MODERNO..........................................................Pg 96
ESPIRITISMO EM FASES: PENSAR ± SENTIR ± AGIR........Pg 104
CIBERJIHAD............................................................................Pg 115
ENTROPIA SOCIAL: FINAL DOS TEMPOS OU PRELÚDIO DE UM
NOVO ALVORECER?..............................................................Pg 125
ENTENDENDO A MICROCEFALIA.........................................Pg 212
GENES DA INTELIGÊNCIA.....................................................Pg 215
O ESPIRITISMO NO BRASIL OITOCENTISTA: ANTECEDENTES,
INTRODUÇÃO, PROPAGAÇÃO, CONFLITOS E MÍDIA.........Pg 218
TOMORROWLAND..................................................................Pg 248
O MITO DE ADÃO E A DESOBEDIÊNCIA HUMANA.............Pg 251
OS GENES DE JÚPITER.........................................................Pg 254
FUGACIDADE DO HOMEM.....................................................Pg 258


ϭ


INTRODUÇÃO
______________________________________________________

Nascidas no século XIII, na efervescência do considerado


melhor momento do período medievo, as produções intelectuais
tinham como forma de expressão duas maneiras; a primeira era os
Comentários, essencial no desenvolvimento do saber neste século.
O outro produto da escolástica1 foram as Summas.
O próprio nome reflete o desiderato dos intelectuais do
SHUtRGR HPRIHUWDU³XPDVtQWHVHGRFXPHQWDGD H DUJXPHQWDGDVGH
XPDILORVRILDTXHQmRHVWDYDVHSDUDGD´2 de seu aspecto teológico.
As Summas tiveram alguns célebres nomes como o
franciscano Alexandre de Hales (1185 ± 1245), o dominicano
Alberto Magno (1200 ± 1287), mas o grande nome foi Tomás de
Aquino (1225 ± 1274). Sua obra ficou inacabada com sua morte aos
49 anos, mas de qualquer maneira, pode-se observar que a Summa
reconhece a razão permitir que o homem conheça Deus,
LGHQWLILFDGD FRPR ³WHRORJLD GH EDL[R´ H D ³WHRORJLD GR DOWR´ QD
identificação da verdade divina que chega ao homem, além do
intelecto, pela via da revelação.
Os textos que compõem a Summa Theologica Espírita foram
elaborados em vários momentos tendo como objeto de estudo o
Espiritismo em sua vertente filosófica. Foram trabalhos publicados


1
- Método de pensamento crítico dominante no ensino nascida nas escolas
monásticas cristãs, pautada na tentativa de conciliação da fé cristã com o pensamento
racional, baseado na filosofia grega aristotélica, colocando forte ênfase na dialética.
2
- Le Goff, Jacques. As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro, Petrópolis:
Editora Vozes, 2007, p. 187.


Ϯ


em jornais (Diário de Teresópolis), revistas especialidades em


história das religiões (Jesus Histórico), congressos (ANPUH e
$%+5 QROLYUR³(PEXVFDGH7HUUD3URPHWLGD´HQRWUDQVFXUVRGR
Mestrado em História Comparada na Universidade Federal do Rio
de Janeiro. O capítulo intitulado de Entropia Social é inédito, tendo
sido produzido entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018.
Em seu bojo, buscam através do método reflexivo, estimular o
leitor a interpretar por outra ótica, parâmetros da sociedade
hodierna, tenho como fonte de comparação a filosofia espírita.
A proposta consta com a execução de três volumes, sendo o
primeiro voltado para o aspecto filosófico (não somente), o segundo
tomo terá como viés o religioso e o último a proposição científica,
pautando assim, os três pontos basilares da codificação espírita,
mostrando as Summas Espíritas em seus três pontos cardeais, na
razão (ciência), com Deus (religião) e com seu semelhante
(filosofia).
Que a leitura possa ser agradável e que suscite farto material
de análise introspectivo.


ϯ


DIALOGANDO COM O ESPIRITISMO

O surgimento do espiritismo no contexto europeu está


agregado a um processo de revalorização dos valores místicos no
transcurso dos séculos XVIII e XIX. Andando de mãos dadas com a
valorização da razão, apregoada pelo Iluminismo, este processo
pode ser elancado como um movimento de contraposição ao
materialismo vigente e ao declínio do dogmatismo das religiões
cristãs (catolicismo/protestantismo), incutindo na dessacralização
da sociedade, processo este já em curso desde o período da
escolástica.

1 ± Antecedentes
O primeiro expoente dentro deste ressurgimento do
movimento espiritualista foi Emmanuel Swedenborg (1688 ± 1772).
Místico sueco, homem de notável conhecimento 3teve seu despertar
psíquico aos 25 anos. Suas ideias vieram a antecipar as
proposições centrais do espiritismo, principalmente no tocante ao
contato entre os mundos físico e espiritual. Ao afirmar que estava
sempre comungando com o mundo espiritual, Swedenborg
reacendeu a chama do oculto na mentalidade dos homens.


3
- Swedenborg foi engenheiro militar, autoridade em Física e em Astronomia, autor de
importantes trabalhos sobre as marés e sobre a determinação das latitudes, era
também zoologista e anatomista. Financista e político, era também um estudioso da
Bíblia. Doyle (DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. São Paulo: Editora
Pensamento, 2011) dedica o primeiro capítulo do livro a ele e CARNEIRO, Victor
Ribas. A B C do Espiritismo. Curitiba: Federação Espírita do Paraná, 1996, pp. 159 a
162).


ϰ


Neste aspecto vale a pena ressaltar que a volta da


popularidade de tudo que é ou está oculto, sempre esteve presente
na cultura europeia4. Segundo Mircea5, mediante os estudos mais
recentes, verificou-se que este fenômeno é a reminiscência de um
culto pré-cristão de fertilidade e que com isso,

o significado real e a função cultural de um grande número de práticas e


teorias ocultas registradas, tanto europeias como não europeias e em
todos os níveis de cultura, desde os ritos populares ± como magia e
bruxaria ± até as técnicas secretas e pesquisas esotéricas mais eruditas e
sofisticadas: alquimia, ioga, tantrismo, gnosticismo, hermetismo
renascentista e lojas maçônicas do período iluminista.

sendo esta manifestação atual nada mais é do que parte

de uma tendência mais ampla, ou seja, a grande popularidade de tudo o


que é oculto ou esotérico ± desde a Astrologia e movimentos neo-
espiritualistas até o hermetismo, alquimia, zen, ioga, tantrismo e outras
gnoses e técnicas orientais6.

Outro movimento que teve grande poder de penetração na


Europa foi o mesmerismo. O médico alemão Franz Anton Mesmer
(1733 ± 1815) introduziu no campo acadêmico no século XVIII a
possibilidade de se comprovar cientificamente a sobrevivência da


4
- O historiador italiano Carlo Ginzburg (Os andarilhos do bem. Feitiçaria e cultos
agrários nos séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2010) retrata um
culto popular de nome Benandanti ³DTXHOHV TXH HVWmR YLDMDQGR´ ³YDJDEXQGRV´ 
documentado pela primeira vez em 21 de março de 1575, onde os bons bruxos
combatiam os feiticeiros (stregoni) quatro vezes por ano. Os benandanti chegavam ao
local da reunião cavalgando lebres, gatos e outros animais. O encontro deles era
sempre a noite e o combate se dava com os benandanti munidos de ramos de funchos
contra os feiticeiros que estavam armados com juncos enfeixados como vassouras.
Caso obtivessem a vitória as colheitas do ano seriam fartas e não haveria escassez de
alimentos. Esse culto irá se modificar sob a pressão exercida pela Inquisição, vindo a
se assemelhar à concepção tradicional de bruxaria.
5
- ELIADE, Mircea. Ocultismo, bruxaria e correntes culturais. Ensaios em
religiões comparadas. Belo Horizonte: Interlivros, 1979, pp. 64/65.
6
- Ibid. p. 79.


ϱ


alma e a comunicação com os mortos. Segundo ele, existiria no ser


humano, assim como em toda a natureza, uma energia magnética
passível de ser manipulada pela vontade e pelo uso das mãos e da
possibilidade desta energia ser posta a serviço da Medicina.
A chegada de Mesmer a Paris ocorreu em fevereiro de 1778
e ele anunciou ³Vua descoberta sobre um fluido ultrafino que
SHQHWUDYDHFHUFDYDWRGRV RV FRUSRV´ 7. O mesmerismo encontrou
forças na sociedade pré-revolucionária (1780) devido expressar sua
fé no Iluminismo e

(...) na razão levado ao extremo, um Iluminismo desenfreado que


posteriormente iria provocar um movimento para o extremo oposto, sob a
forma do romantismo. O mesmerismo também desempenhou um papel
neste movimento: ele mostrou o ponto em que os dois extremos se
tocavam8.

O fluido de Mesmer necessitava de caminho livre na


circulação pelo corpo humano e quando de seu interrompimento,
ocasionaria as doenças. Para o retorno da saúde, aplicavam-se
imãs nas partes afetadas e que posteriormente foi modificado pela
imposição das mãos.
Outro expoente na medicina que irá contra os tratamentos
convencionais9 será Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755 ±
1843  ³FULDQGR XP QRYR WLSR GH WUDWDPHQWR D KRPHRSDWLD FXMR
princípio de cura é a similitude dos sintomas (similia similibus


7
- DARNTON, Robert. O Lado oculto da revolução. Mesmer e o final do
Iluminismo na França. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, pp. 13/14.
8
- Ibid. p. 42.
9
- O tratamento preconizado na antiga medicina utilizava métodos baseados na ação
contrária a doença (contraria contrarius curanter).


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curantur)´10, cujas orientações seguem o princípio que para


funcionamento harmônico do corpo é necessário que a energia vital
(fluido) percorra o organismo sem interrupção ou de maneira
desajustada. Caso isso não aconteça, a doença se estabelece,
sendo necessário restabelecer o equilíbrio mediante a ingestão de
substâncias que teriam similaridades de ação em um homem sadio.
Tanto o mesmerismo quanto a homeopatia não puderam ser
comprovadas cientificamente pelos padrões vigentes da época por
estarem fora de alcance do escopo acadêmico, estando ambas
assim ligadas ao contexto em voga de contraponto ao pensamento
materialista corrente nos proscênios europeus vinda desde os
setecentos. Segundo Damázio11,

filosoficamente a homeopatia é um sistema vitalista, ou seja, um sistema


que defende a ideia da existência de um princípio vital, não comprovável
empiricamente por ser imaterial, mas que é a causa explicativa da
atividade que anima todo o organismo. A força vital é o princípio
intermediário entre o corpo físico (princípio material) e o espírito (princípio
espiritual). Com tal postulado, Hahnemann superou o dualismo matéria x
espírito, herdado do racionalismo. A animação do organismo, isto é, a vida,
não se devia à matéria nem ao espírito, mas sim a um terceiro princípio,
imaterial e dinâmico, que ligava aqueles dois. Espiritualistas e materialistas
acataram o vitalismo explicativo de Hahnemann.

O entendimento de fluido foi apropriado posteriormente por


Kardec na explanação sobre aquilo que permeia a tudo e a todos no
Universo.


10
- JESUS, Verônica Cardoso de. História da Medicina: O homem na eterna busca da
cura. In: Em torno de Rivail ± O mundo em que viveu Allan Kardec. p. 240. Para
maiores informações sobre a homeopatia ver tb o artigo de Elizabeth Pinto Valente de
6RX]D QR PHVPR OLYUR QR FDStWXOR ³$ +RPHRSDWLD $OYRUHFHU GD DUWH GH FXUDU´ ± pp.
251 a 267.
11
- DAMAZIO, Sylvia F. Da elite ao povo: advento e expansão do espiritismo no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand, 1994, pp. 83/84.


ϳ


Mediante este quadro, num ambiente rico e das promessas


científicas12 que acalentavam o público com qualquer hipótese que
tivesse ressonâncias de cunho científico e explicasse as maravilhas
da natureza, o mesmerismo e a homeopatia encontraram espaço na
mentalidade da população.
Seguindo a mesma trilha, ³DPRGDGRRFXOWLVPRIRLFULDGDSRU
um seminarista francês, Alphonse Luois Constant, nascido em 1810
HFRQKHFLGRSRUVHXQRPGHSOXPH(OLSKDV/pYL´ 13. Lévi14 postulou
que este reavivamento do ocultismo tinha a ver com os abusos
cometidos pela religião católica e posterior declínio com a perda de
sua soberania, sendo mais criticado no século XVIII, mas, a seu ver,
³D DOWD PDJLD HVFDSD j LQFUHGXOLGDGH H j LJQRUkQFLD SRUTXH VH
apoia igualmente sobrH D FLrQFLD H D Ip´ Lévi veio a falecer em
1875, mas deixou um grande número de seguidores de suas ideias.
Concomitante a isso, começa a se espalhar nos salões
europeus, advindo da América do Norte 15, a moda das mesas
girantes. Este fenômeno se produzia mediante a formação de uma
cadeia magnética produzida pelos participantes. A mesa além de


12
- Jesus. Op. cit. pp. 269 a 301.
13
- Eliade. Op. cit. p.58.
14
- LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual de Alta Magia. São Paulo: Editora Memphis, 1971,
p. 43.
15
- Neste ponto vale a pena ressaltar que em 1848 no condado de Hydesville, um
típico vilarejo do Estado de Nova York, aconteceram as primeiras manifestações com
batidas. A casa era habitada por uma família metodista de nome Fox e após várias
incidências, conseguiu-se verificar que os sons não eram produzidos por demônios ou
Deus e sim pelo espírito de um homem. Charles Rosma se comunicou, informando as
indicações de sua passagem pela residência a qual foi morto pelo anterior proprietário,
sendo enterrado no subsolo. A comunicação só se fez possível devido a mediunidade
das irmãs Fox. Para maiores informações verificar o capítulo IV do livro de Doyle
(2011). Ver também MAGALHÃES, Henrique. Em prol da Mediunidade. Pequena
história do Espiritismo. Rio de Janeiro: S/ed, 1998, pp. 69 a 72, LANTIER, Jacques.
O Espiritismo. Lisboa: Edições 70, 1971, pp. 41 a 51 e BARBOSA, Pedro Franco.
Espiritismo Básico. Rio de Janeiro: FEB, 1987, pp. 42 a 45.


ϴ


girar, redarguia a perguntas das pessoas mediante batidas. Para


Lévi16,
Os fenômenos que ultimamente agitaram a América e a Europa, a
propósito das mesas falantes e das manifestações fluídicas, outra coisa
não são senão correntes magnéticas que começam a formar-se e,
solicitações da natureza que nos convida, para a salvação da humanidade,
a reconstituir as grandes cadeias simpáticas e religiosas.

Na década de 1850, as mesas girantes tornaram-se febre em


Paris e levou muitos cientistas sérios a tentar decifrar como se
produziam tais fenômenos. Entre estes pesquisadores, um deles foi
Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais tarde vindo a ser conhecido
como Allan Kardec.

2 - Conhecendo Rivail
Nascido em 1804 na cidade francesa de Lyon, Rivail recebeu
as primeiras letras em sua cidade natal, vindo a completá-los no
famoso Instituto de Educação Pestalozzi, em Yverdon, Cantão de
Vaud, localizado na Suiça, vindo a se tornar um dos principais
discípulos e dos mais fervorosos de Pestalozzi 17. Segundo Arribas18

O estabelecimento de Pestalozzi recebia alunos de todas as partes de


Europa e administrava uma educação liberal fundada na confiança e no
desenvolvimento individual e gradual de cada aluno, abandonando deste
modo qualquer tipo de punição física ou moral. (...) Como Pestalozzi, Rivail
também acreditava sobremaneira em uma ciência da educação,
IXQGDPHQWDGD D SDUWLU GD ³QDWXUH]D KXPDQD´ H QmR D SDUWLU GH FUHQoDV

16
- Levi. Op. cit. p. 153.
17
- Johann Heinrich Pestalozzi (1746 ± 1827) não foi apenas o mestre de Kardec, pois
suas obras e ações dentro da prática pedagógica são ponto de referência para
qualquer educador sincero e ardente em cumprir sua função. Autor de mais de 40
obras tinha como preocupação principal a educação e o homem, este entendido na
plenitude da palavra. Propagou ideias como a educação integral e ativa,
demonstrando na prática, através do Instituto por ele criado, o escopo de seu sistema
educacional.
18
- ARRIBAS, Célia da Graça. Afinal, espiritismo é religião? A doutrina espírita na
formação da diversidade religiosa brasileira. São Paulo: Alameda, 2010, p. 36.


ϵ


sobrenaturais. Ela seria a pedra de toque da evolução harmoniosa da


humanidade e beneficiaria igualmente homens e mulheres. A educação,
nesse sentido, regeneraria o homem, livrando-o, portanto, das misérias
sociais e individuais.

O pedagogo suíço teve como mentor as doutrinas de Jean-


Jacques Rousseau e mediante as interpolações de Pestalozzi e da
filosofia iluminista que preconizava a razão, o espírito de Rivail foi
formado e serviu de modelo para o espiritismo, pontuando
premissas como ³RV LGHDLV GH WROHUkQFLD IUDWHUQLGDGH H
XQLYHUVDOLGDGH´ Arribas19 também ressalta que Rivail fez parte dos
socialistas utópicos e que devido ao fracasso em 1848, irão buscar
o viés da educação como forma de alteração da sociedade.
Posteriormente, Rivail levará para Paris a primeira instituição do
gênero daquela ao qual ele foi formado.
Seu contato com as mesas girantes aconteceu em 1854
conforme ele próprio explica no livro Obras Póstumas 20 a sua
iniciação no Espiritismo. As indagações de Rivail o levaram a busca
da causa das mesas girantes, participando com mais assiduidade
das sessões no transcurso do ano de 1855 e que acabaram
culminando na aplicabilidade efetiva do método experimental que
segundo as suas palavras 21

(...) nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente,


comparava, deduzia consequências; dos efeitos procurava remontar às
causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo
por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da
questão.


19
- Ibid. p. 38.
20
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1999, p. 265 em diante.
21
- Ibid. p. 268.


ϭϬ


Mediante este processo, o professor Rivail compreendeu a


gravidade da tarefa a empreender e para tal, se cercou de cuidados
para não se iludir, reconhecendo como um dos primeiros resultados
de suas observações, a fabilidade dos espíritos comunicantes, pois
os mesmos não eram senão homens despojados de sua veste
carnal. Em cada sessão realizada, Rivail apresentava uma série de
perguntas preparadas e metodicamente arranjadas e recebia de
volta respostas precisas, profundas e lógicas.
À medida que o material se avolumava, começou a se
inquirir na publicação do material, no intuito de torná-los públicos,
para instrução de todos. Nascia, então, o Livro dos Espíritos 22,
entregue à publicidade em 18 de Abril de 1857. Três anos mais
tarde, surgiria a segunda edição, sendo esta revista e aumentada
para a edição atual23. A partir deste momento, Rivail adota o
pseudônimo de Allan Kardec 24, pois segundo sua colocação, ³ROLYUR
era obra dos espíritos, sendo eles, portanto, seus verdadeiros


22
- O Livro dos Espíritos é composto de apenas um volume, mas o mesmo é
subdividido em quatro partes assim compostas; Livro Primeiro ± As Causas Primárias;
Livro Segundo ± Mundo Espírita e dos Espíritos; Livro Terceiro ± As Leis Morais e por
fim Livro Quarto ± Esperanças e Consolações. Portanto, no livro terceiro temos as leis
± 1º Divina/Natural, ± 2º Adoração, ± 3º Trabalho, ± 4º Reprodução, ± 5º Conservação,
± 6º Destruição, - 7º Sociedade, - 8º Progresso, - 9º Igualdade, - 10º - Liberdade, - 11º
Justiça, Amor e Caridade e por fim, 12º Perfeição Moral. Na sequência, Kardec
publicou mais cinco obras; O que é espiritismo (1859), O Livro dos Médiuns (1861),
O Evangelho segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e por fim, A
Gênese (1868). Os seis livros são considerados como sendo as obras basilares da
doutrina espírita. Sinônimo de Espiritismo. Após o seu desencarne, em 1869, foi
lançado o livro Obras Póstumas em 1890.
23
- A primeira edição do Livro dos Espíritos continha 501 perguntas e respostas e a
edição posterior passou a conter 1018.
24
- Em uma das sessões, Rivail foi informado de que o nome Allan Kardec era
proveniente de encarnação pretérita, quando na Gália havia sido um druida, vindo
também a tomar ciência da missão que lhe era reservada na elaboração e
organização de uma nova doutrina, fruto dos contatos com os espíritos.


ϭϭ


25
DXWRUHV´ , vindo a ser considerado como o codificador 26 da
doutrina.

3 ± Dialogando com o Espiritismo


Os oitocentos representaram um período marcado por
rupturas e descontinuidades 27. Novas formas de relacionamento
humano, consumo e lazer. A industrialização muda o tempo e o
espaço. O homem oitocentista respira e transpira otimismo. Este
otimismo está centrado nas diversas áreas de conhecimento que
florescem. Na Medicina, Biologia, Química, Física e outras tantas
eclodem num tsunami de mudanças, arrastando as multidões atrás
de si.
O progresso é a ordem do dia. Acordo Silva 28, a ³LGHLD GH
progresso invadiu o pensamento ocidental (...) na esperança de se
alcançar uma sociedade mais feliz, a utopia tornou-se uma das
forças motoras da nosVD FLYLOL]DomR´ Pode-se dizer que a
expectativa do século XIX era de que

a razão, através de sua filha predileta, a ciência, iria resolver todos os


problemas do homem. Muitos físicos, por exemplo, achavam que todas as


25
- FELIPELI, Milton. Espiritismo. Fundamentos Históricos e Doutrinários. São
Paulo: Letras & Textos, 2012, p. 34.
26
- O termo codificador é utilizado para Allan Kardec devido o mesmo ter organizado e
sistematizado os conteúdos da doutrina espírita. O entendimento de codificar vem do
latim, codice + fic, variante de facere. Isto significa que reunir, compilar, coligir ou
transformar em sequência de sinais determinados códigos, dando o entendimento do
proposto do título de Kardec.
27
- ORTIZ, Renato. Cultura e Modernidade. A França no século XIX. São Paulo:
Brasiliense, 2001, p. 14. Para maiores informações sobre os oitocentos verificar
também HOBSBAWN, Eric. A Era do Capital ± 1848 ± 1875. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982 e RÉMOND, René. O século XIX ± 1815 ± 1914. Uma introdução à
história de nosso tempo. São Paulo: Cultrix, 1997.
28
- SILVA, Fábio Luiz da. A Utopia Espírita: A cidade espiritual Nosso Lar. In:
Espiritismo e Religiões afro-brasileiras. São Paulo: Unesp, 2011.


ϭϮ


grandes questões da Física já haviam sido resolvidas. Logo depois, porém,


a própria Física teria de rever esta posição29.

Neste aspecto, os oitocentos representaram, segundo


30
Souza , um passo gigantesco ³GDGR QD GLUHomR GH JUDQGHV
transformações que envolveram não somente concepções
filosóficas e científicas, mas também religiosas, mostrando novos
caminhos e abrindo portas para perspectivas futuras, antes jamais
LPDJLQDGDV´
Com isso, as ideias se filiam dentro de um contexto próprio,
abrangentes, das quais Kardec não foge a regra. Arribas assinala
que no momento do surgimento da doutrina espírita na Europa é
visível as

(...) muitas relações existentes entre o seu surgimento e as ideias


positivistas e evolucionistas, de uma parte, bem como suas relações com
os ideais socialistas e republicanos, de outra. Desse modo, se de um lado
a compreensão do aparecimento do espiritismo quando atrelada apenas
ao estudo do contexto francês do século XIX é capaz de dar conta de uma
série de reflexões pertinentes e esclarecedoras desse processo, por outro,
paradoxalmente, não consegue perceber que o espiritismo, inserido em
outras situações, toma um caráter se não total, pelo menos parcialmente
distinto do espiritismo original31.

As principais teorias e concepções científicas corrente nos


oitocentos (positivismo, evolucionismo e o marxismo) traziam a
marca do legado iluminista e concomitante a isto, progressista,
racionalista e experimental. Segundo Arribas novamente

a imagem do mundo projetada por esta cultura científica


não contemplava a possibilidade de qualquer realidade fora do domínio

29
- Ibid. p. 13.
30
- SOUZA, Hebe Laghi de. Darwin e Kardec. Um diálogo possível. Campinas:
&HQWUR(VStULWD³$OODQ.DUGHF´S
31
- Arribas. Op. cit. p. 32.


ϭϯ


³PDWHULDO´ TXH QmR SXGHVVH VHU H[SOLFDGD DWUDYpV GH H[SHULPHQWRV


laboratoriais, de verificações racionais de suas causas e do controle de
suas variáveis, por meio de cálculos e de comprovações das leis que
regem os fenômenos naturais, físicos, biológicos e até mesmo sociais. (...)
a prática da construção da teoria espírita desenvolver-se-ia, portanto, na
lógica das intervenções sociais e dela derivaria seus cálculos, estratégias e
previsões. Essa lógica envolveria a ativação dos repertórios de Allan
Kardec32.

3.1 ± Positivismo
Neste contexto surge o positivismo. Na marcha do
progresso, as leis gerais as quais eram buscadas, iam de encontro
às prerrogativas de caráter universalista e, no século XIX, diferente
das propostas iluministas na centúria anterior, o que irá prevalecer é
a justificativa deste progresso alinhado com o controle das massas,
maneira da qual os detentores do poder econômico retratavam seu
domínio, efetuando um processo de resignação nas condições de
vida dos trabalhadores.
Na ótica espírita, além das postulações de igualdade, este
aperfeiçoamento da humanidade é inerente não pela posição de
domínio de um pelo outro, mas das diferenças de progressão de
cada espírito. O aperfeiçoamento da humanidade, não se traduz
somente pelo avanço tecnológico, mas concomitante as conquistas
morais que cada um de nós efetua, traduzindo em melhoria coletiva.
O que pode verificar é que, enquanto Comte achava que a
civilização europeia estaria em seu degrau mais elevado, devido às
conquistas na ciência, na realidade, pela avaliação espiritual, ainda
estava engatinhando e longe de tal perfeição preconizada.


32
- Ibid. pp. 34/35.



ϭϰ


3.2 ± Evolucionismo
Já referente ao evolucionismo, o conceito de evolução já era
corrente nos oitocentos e quando das formulações advindas das
observações de Darwin, estas acabaram por produzir um
sentimento de vazio, vazio pela retirada de Deus da criação,
substituída pela letra fria da ciência.
Na análise espírita, este entendimento teve um aumento
substancial, ao agregar não somente o mundo em que vivemos,
mas alçar o próprio Universo como um todo na ordem de evolução.
A evolução, bem mais do que se resumir a matéria, é alçada a todo
o Universo, sendo o princípio inteligente, a partícula divina. Darwin
em suas ponderações não estava errado, simplesmente não levou
em conta o aspecto espiritual e como homem de seu tempo,
manteve-se atrelado ao aspecto dito científico e não levaram em
conta outras possibilidades.
Darwin e Kardec, ambos têm em seu objeto de estudo o
homem, compartilhando preocupações comuns, origem, evolução e
destino. A diferença entre eles está no modo de abordagem; Darwin
o direciona para a evolução biológica, enquanto que Kardec amplia
a evolução acrescendo os planos espirituais, que se servem da
evolução orgânica para a manifestação do Espírito. O homem seria,
portanto, um produto da evolução espiritual, mas dependente dos
processos biológicos postulados por Darwin. Conforme explica
Souza33, ³D WHRULD GDUZLQLDQD IXQGDPHQWRX-se no agente material,
isto é, na evolução biológica da vida; e a espírita baseou-se
inteiramente na evolução do espírito, cujo processo envolveu
WDPEpPDHYROXomRRUJkQLFD´.

33
- Souza. Op. cit. p. 29.


ϭϱ


3.3 ± Marxismo
Por fim, o socialismo científico, ou como ficou conhecido, o
marxismo. Entre as suas várias proposições, o mais significativo é o
aspecto da dialética materialista.
Marx ao o postular, colocou a dialética sob o ponto de vista
estritamente materialista, em sua análise da evolução da matéria
(natureza). Para ele, ³DKLVWyULDKXPDQDpDKLVWyULDGRWUDEDOKRGD
técnica e das forças de produção as quais determinam o modo de
produção e as relações de produção que constituem a base
estrutural da VRFLHGDGH´34.
A história seria, então, o processo através do qual aquele
que detêm o poder domina os outros homens. A ligação entre eles
dar-se-ia mediante o desenvolvimento das formas de produção e
este conjunto se constitui a infraestrutura da sociedade. A história
da sociedade estaria pautada na luta de classes, pois estas
mesmas classes nada mais seria do que produto da época e da
maneira como as relações econômicas se congregam. Com isso, as
prevalências das relações econômicas existentes em cada época
caracterizam a história da evolução da sociedade humana.
Citando novamente Mesquita35, ³R HVFUDYLVPR
corresponderia à etapa do mundo antigo; o servilismo, à etapa
PHGLHYDOHRFDSLWDOLVPRj HWDSDGR PXQGR PRGHUQR´ O superar
de cada fase leva a subsequente. Nesta trajetória, frente as próprias


34
- MESQUITA, José Marques. A Dialética Espiritualista. Rio de Janeiro: Editora
Mandarino, 1985, p. 69.
35
- Ibid. p. 71.


ϭϲ


contradições do capitalismo acabariam levando o próximo passo


que seria a do socialismo científico.
O socialismo teria como destinação modelar a sociedade
com base na práxis (ação) no sentido de alcançar seus objetivos.
Para tal desiderato, seria necessário a revolução para efetuar as
mudanças necessárias.
Ao enfatizar a práxis (ação) e criticar a passividade da
filosofia (logos), Marx propõe que o homem seja o artífice de suas
aspirações. O conflito entre o idealismo e o materialismo será o
cerne desta premissa.
Portanto, o marxismo postula que pela revolução externa, ou
seja, para fora alcançamos nossas reinvindicações, pautadas na
melhoria material. Já o espiritismo também enfatiza a revolução, ou
melhor dizendo, a reforma íntima, que é a revolução para dentro.
Enquanto um vê somente o aspecto material, o outro enfatiza a
melhoria do espiritual que reflete na matéria. Marx inverteu o
conceito de Hegel referente a dialética idealista e a transformou na
dialética materialista. Com o espiritismo temos a dialética
espiritualista que conjuga os dois, espírito e matéria, mostrando que
³D PDWpria é o instrumento de que se utiliza o espírito, nas
atividades destinadas à realização dos desígnios das leis
XQLYHUVDLV´ 36.
Em toda a doutrina, todo um manancial de exortação a sua
melhoria, ao seu autoaprimoramento, almejando a condição de


36
- Ibidem. p. 104.


ϭϳ


homem integral37, integrando as duas realidades existentes, matéria


e espírito.

4 ± Considerações Finais
Na (re) construção da sociedade, novas formas de
relacionamentos são expostas. No contexto da época aparece Karl
Marx que expõe as mazelas dos operários nas indústrias e com o
Manifesto Comunista38 abre frente no sentido de alimentar o
pensamento do homem mediante às modificações do ambiente em
que este interage. O materialismo histórico terá sua vertente voltada
para o econômico e de suas imprecariações no transcurso da
história humana devido às imposições de mando de quem está no
poder.
O evolucionismo de Darwin retira Deus definitivamente da
Criação e abre precedentes perigosos nas mentes incautas e
afiliadas somente a ciência, estabelecendo um hiato cada vez mais
profundo entre a religião (fé) e os preceitos científicos (razão). O
materialismo viceja a vitória sobre tudo aquilo que não pode ser
comprovado empiramente e que suplante a razão humana.
A noção de progresso propalada pelo Positivismo, posiciona o
homem em linha reta no processo evolutivo, criando modelos de
justificativa entre as diferentes etnias, alimentando o etnocentrismo
cultural.
O ambiente no século XIX exalava um secularismo cada vez
mais proeminente e ³UHIOHWLD D PXGDQoD PDLV JHUDO QR FDUiWHU GD

37
- FRANCO, Divaldo P. O Homem Integral. Salvador: Livraria Espírita Alvorada
Editora, 1990.
38
- MARX & ENGELS. Manifesto do Partido Comunista ± 1848. Porto Alegre: L&PM
Pocket, 2002.


ϭϴ


psique ocidental, mudança essa visível em cada um dos diversos


fatores, transcendendo e subordinando-RVHPVXDOyJLFDJOREDO´ 39 e
todas estas justificativas são modelos de interpretação da realidade
em que o homem está inserido.
Dentro deste bojo efervescente de ideias e de teorias, emerge
também o Espiritismo, alinhado ao seu tempo, e tal como as outras
interpretações teóricas dos oitocentos, procurará responder a
muitas das perguntas levantadas, mas de maneira diferenciada,
açambarcando um conjunto mais amplo dos campos de
conhecimento, aliando à ciência a religião, demonstrando que elas
são duas vertentes não antagônicas, mas complementares, unindo
à fé a razão, ou seja, a fé raciocinada, que representa um dos
argumentos basilares da doutrina.


39
- TARNAS, Richard. A Epopeia do Pensamento Ocidental. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999, p. 343.



ϭϵ


PSICANÁLISE A LUZ DO ESPIRITISMO

Nascido em 06 de maio de 1856 e morto em 23 de setembro


de 1939, Sigmund Freud foi médico neurologista e é considerado o
pai da Psicanálise. Nascido em uma família judaica na localidade
hoje pertencente à República Tcheca, na época em questão fazia
parte do grande Império Austro-Húngaro. Freud acreditava que
o desejo sexual era a energia motivacional primária da vida
humana, conhecida como libido, assim como em suas técnicas
terapêuticas. Em suas obras surgiram novas compreensões do ser
humano como um animal dotado de razão imperfeita influenciado
por seus desejos e sentimentos, criando na mente destes um
tormento pela contradição entre esses impulsos e a vida em
sociedade era vista como sendo biopsicossocial para o ser
humano.
Pois bem, efetuando uma pequena análise, os termos
utilizados tais como o Id, o Ego e o Superego são, em outras
palavras, o Subconsciente, o Consciente e o Superconsciente.
Empregando o tempo, podemos também caracterizá-los como o
Passado, o Presente e o Futuro. Entendamos.
Em uma paVVDJHPGROLYUR³1R0XQGR0DLRU´GH$QGUp/XL]
psicografado por Chico Xavier, no capítulo 03 intitulado de Casa
Mental, o Instrutor Calderaro afirma que o homem possui um
castelo edificado em seu cérebro composto de três andares,
divididos em três regiões distintas. No primeiro residem os impulsos
automáticos, simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados;


ϮϬ


no segundo o domicílio das atuais conquistas, onde se erguem e se


consolidam as qualidades nobres que estamos a edificar e, por fim,
a casa das noções superiores, ou melhor dizendo, as eminências as
quais temos que ainda almejar.
Em suma, no subconsciente, o passado, aquilo ao qual
residem o hábito e o automatismo, no consciente, o esforço e a
vontade e no último o ideal e a meta superior ser alcançada.
Com isso, pode-se perceber que o hábito e o automatismo se
constituem em nosso maior empecilho, pois temos que vencer
tendências e inclinações que nos acompanham há milênios.
Paulo escrevendo aos Efésios, capítulo 06, versículo 12,
disse; ³ SRUTue a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e
sim, contra os principados e potestades,
contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças
HVSLULWXDLV GR PDO QDV UHJL}HV FHOHVWHV´. Entendesse deste texto
que Paulo explicita que o homem está em uma luta continua contra
as suas baixas inclinações e que os nossos maiores obsessores
estão dentro de nós mesmos.
A batalha interna é muito maior do que a externa e para tal
desiderato, a maior viagem da qual o homem tem que realizar é
dentro de si mesmo, imbuído de que com este propósito
atingiremos o ápice de nossas potencialidades.
Lucas asseverou que a realização do Reino de Deus está em
nós mesmos, pois seu Reino não vem com aparência exterior
(Lucas 17:20-21). O nosso subconsciente é o porão da
individualidade repleto de uma vasta extensão de sombras, quase a
nos dirigir-nos por completo, sendo este um amontoado de sucatas
sem quase nenhum valor, das quais temos que diariamente nos


Ϯϭ


esforçarmos para nos desvencilhar, rumo às conquistas das quais


jazem latentes e inermes dentro de cada um.
Embora ciente das contribuições dadas por Freud, não se
pode negar que ele não inventou a psicanálise, mas a sistematizou,
pois textos advindos desde o Bhagavad Gita (texto religioso surgido
na Índia por volta do século IV a.C., sendo a essência do
conhecimento védico), Sócrates (filósofo grego que viveu entre 469
a 399 a.C.) e até as prédicas de Jesus, o conhecimento de si
mesmo é apregoado e, principalmente, de que carregamos
escondidos em nossos refolhos conscienciais, as atitudes
repetitivas que nos fazem perdurar nos erros pretéritos.
Somente tomando consciência de si mesmo, é que cada um
direcionará o leme de sua vida, ciente de que para cada dia o seu
mal (Matheus 6:34).


ϮϮ


O SER HOLÍSTICO

O homem sempre foi objeto de estudo na história mediante


ele próprio. Com isso, as diferentes correntes filosóficas procuraram
e procuram ainda ofertar ao homem opções que possibilitem um
melhor caminho no logro da felicidade plena.
O ser humano, embora seja o topo da evolução no planeta,
tendo desenvolvido, no passar dos évos, um cabedal de
monumentais obras em todos os setores da vida, permanece à
mercê dos elementos naturais que, infrutiferamente, tenta domá-los
e que, vez ou outras, explodem em fúria reclamando seus devidos
direitos. Por mais que externamente apresentemos uma compleição
forte e saudável, estamos sujeitos a qualquer momento a
tombarmos nos proscênios da vida.
Além dos elementos exógenos, o homem apresenta
hodiernamente o esforço pautado na aquisição da experiência de
sua própria identidade como ser, levando-o ao valioso processo de
introspecção interior, passível de ser realizada pelo
autodescobrimento, sendo esta pessoal e intrasferível.
A expansão da consciência interior está levando o homem a
se descobrir como parte indissociável do todo e, indo mais além,
está descobrindo seu papel na realidade integral, além dos limites
dimensionais ao qual estamos sujeitos, entrando em contato com o
absoluto, a Grande Consciência.
Verifica-se que o ser humano ainda não se conhece
realmente, pois identifica e persegue suas metas exteriormente,
posições estas pautadas na aquisição de conquistas pecuniárias,


Ϯϯ


de colocações superiores dentro da hierarquia social, sem, no


entanto, estar preparado para as vicissitudes que a todos
acometem nos proscênios da vida.
O homem é detentor de admiráveis recursos interiores que
ainda se encontram em fase preliminar de exploração, dormitando a
mônada espiritual em estado latente, pronta para desabrochar
quando da maturidade mental do indivíduo, efetuando assim, a
maiêutica do espírito.
Para tal desiderato, o homem precisa se ver originado de
procedência divina, gerado no caudilho do Amor de Deus, pois
somente com a experiência do Amor é que ser-nos-á possível
romper as couraças do ego, arraigados no primitivismo que ainda
predomina na natureza humana.
Nós estamos todos interconectados, mas somente no reto
proceder, para conosco e com o próximo, é que teremos condições
de acessar esta rede de informações que está armazenada no
interior pessoal, em um mundo de não localidade, transcendental,
pois ocorre fora do espaço-tempo conhecido no mundo manifesto,
material.
O homem é o único animal ético existente, sendo somente ele
que pode apresentar uma consciência criativa e abstrata, que lhe
possibilita, após o autodescobrimento de si, vivenciar estes valores
latentes, propiciando o senso de liberdade e o gozo da vida em sua
plenitude.
Vivemos ainda cercados e cerceados por dogmas e crenças
que retardam e atrapalham o desenvolvimento do ser como um
todo, pois desde Descartes, separamos a matéria do espírito e, a
cada dia, vemos que tal realidade não se sustenta, pois somos e


Ϯϰ


estamos todos ligados e interligados a mente Divina, fazendo parte


da grande família cósmica.
Este caos espiritual em que vivemos é produto da
efervescência de ideias extremistas inculcadas por mentes
pautadas na intolerância de convívio para com os outros e também,
de entender, que cada um se movimenta dentro da relatividade das
luzes das quais já tenha logrado alcançar.
A teoria especulativa serve para pensar; o próximo passo é o
sentir, pois, ao absorvemos tais conceitos, fazendo-os reverberar
em todo nosso ser, estaremos dando os primeiros passos para a
autotransformação, iniciando o autoconhecimento. O segundo
passo é a prática, vital e intensiva, imprimindo força interior, geratriz
da necessária conscientização e sensibilização dos aspectos
viciosos dos quais temos que transformar e que ainda persistem em
habitar nossa intimidade consciencial.
Esta é a difHUHQoDHQWUH³WHU´RFRQKHFLPHQWR WHRULDlogos) e
³VHU´ R FRQKHFLPHQWR SUiWLFDSUi[LV  SRLV D PHQWH KXPDQD p SRU
filiação divina, um fragmento da mente universal.
Possuímos um Cristo Interior, pronto para ser lapidado, mas
para tal possibilidade se materializar, depende do grau de
maturação do homem, que ainda se acha sepultada nas próprias
entranhas do ser, protegida e resguardada por camadas protetoras,
impossibilitando a visualização e utilização de todas as suas
potencialidades.
Cada um de nós tem condição de conhecer os extraordinários
recursos internos, pois, somente assim nos tornaremos como o
timoneiro que segue no comando do leme de seu navio, sendo o


Ϯϱ


condutor do seu próprio destino no rio da vida, construindo o forjar


da sua realização interna, mediante o conhecimento de si próprio.
Essa é a trajetória integral do ser holístico, ciente de todas as
suas potencialidades, amadurecendo paulatinamente em direção à
luz do equilíbrio, sabedor de que a evolução não dá saltos, sendo
esta proporcional ao estágio evolutivo em que cada um se encontra.


Ϯϲ


DIALÉTICA CULTURAL ESPIRALADA

O presente trabalho tem como preocupação principal explicitar


como se processou a necessidade da criação do constructo
³'LDOpWLFD &XOWXUDO (VSLUDODGD´ QR LQWXLWR GH QD GLVVHUWDomR GH
PHVWUDGR³$UTXLWHWXUDGDV,GHLDV± A dessacralização da sociedade
ocidental e o advento da fé raciocinada no contexto europeu da
VHJXQGDPHWDGHGRVpFXOR;,;´GHIHQGLGDHPGH]HPEURGHH
transformada em livro no ano subsequente. Para tal desiderato,
exponho nas páginas iniciais, formulações sobre o conceito de
conceito. Em seguida, ter-se-á a decomposição dos termos no
intuito de melhor esclarecê-los, ou seja, historicizar os conceitos
efetuando, ao final, a argamassa metodológica da explanação
teórica.

1 ± CONCEITO DOS CONCEITOS


A denominação de constructo que aqui é utilizado se refere ao
tipo de conceito construído possuidor de um nível mais elevado de
abstração, diferente do conceito propriamente dito que tem os seus
elementos mais facilmente observados ou mensurados, vindo,
portanto, a ser construído mediante a utilização de outros conceitos
PHQRUHV -RVp '¶$VVXQomR %DUURV VH GHEUXoD VREUH R DVVXQWR
reiteradas vezes em seus livros e artigos. Segundo Barros,

Em alguns casos, o pesquisador não deve hesitar em reformular ele


mesmo algumas definições, já refletidas a partir do que dizem os textos
especializados, mas adaptando-os a partir do seu próprio senso crítico.
Também ocorre com alguma frequência a necessidade de criar um


Ϯϳ


conceito inédito, e consequentemente de defini-lo da maneira mais


apropriada possível para o leitor 40.

Assunção postula que o termo conceito designa formulações


abstratas e gerais que os indivíduos se utilizam no intuito de tornar
alguma coisa inteligível aos seus aspectos essenciais e cotidianos.
Ao formularmos os conceitos observamos que estes respondem a
noções gerais no sentido de defini-los, através da representação ou
de características que os identificam.
Utilizamos constantemente diversos conceitos no cotidiano
sem atentar, por exemplo, que ao dialogarmos sobre família,
estabelecemos formulações abstratas e gerais para explicarmos
sobre seu significado. Para tanto, observar-se-á que os conceitos
são instrumentos que atendem não somente a comunidade
científica como também são fundamentais na própria vida cotidiana.
Contudo,

(...) o conhecimento científico exige um vocabulário de segundo nível, ou


seja, um vocabulário técnico. Para o pensamento teórico da ciência ou da
filosofia, não bastam os significados imediatos da linguagem comum.
Conceitos e termos adquirem um significado unívoco, bem preciso e bem
delimitado. Às vezes são mantidos os mesmos termos, mas as
significações são alteradas para uma compreensão bem definida 41.

Tais pressupostos estão ligados as representações que


trazemos do meio social ao qual estamos inseridos, sem que, com
isso, possamos perceber que a definição atende somente ao
período histórico em que vivemos, desconsiderando as realidades
anteriores e outros modelos não ocidentais.

40
- %$5526 -RVp '¶$VVXQomR O projeto de pesquisa em história. Petrópolis:
Vozes, 2005, p.151.
41
- SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo:
Cortez & Moraes, 1978, p.145.


Ϯϴ


*HUDOPHQWHWUDEDOKDPRVFRPFRQFHLWRV³LPSRUWDGRV´RXVHMD
gerados por intelectuais estrangeiros e os adaptamos as nossas
realidades e necessidades, objetivando por meio de uma proposta
WHyULFDIRUPXODUXPREMHWR6HJXQGR$QW{QLR6HYHULQR³RFRQFHLWR
é a imagem mental por meio do qual se representa um objeto, sinal
imediato do objeto representado. O conceito garante uma referência
GLUHWDDRREMHWRUHDO´42.
Por serem abstratos, os conceitos fazem referência a uma
teoria, sendo por isso, uma construção lógica objetivando a
construção de um determinado conhecimento da realidade. Tem-se
aqui a clareza de que sem ele uma pesquisa não poderia ser
erigida, sendo a teoria que nos permite explicar realidades
históricas diferentes daquela que vivemos.
&RQIRUPH H[SOLFLWD 3URVW ³RV FRQFHLWRV KLVWyULFRV WrP XP
alcance maior: eles incorporam uma argumentação e referem-se a
XPD WHRULD´ 43. Dentro desta mesma linha de raciocínio Koselleck44
postula que

Sob um conceito, a multiplicidade da experiência histórica, assim como


uma soma de relações teóricas e práticas, são subsumidas em um único
conjunto que, como tal, é dado e objeto de experiência somente por meio
desse conceito.

Os dois autores são uníssonos em afirmar que uma palavra


para se transformar em um conceito é necessário que ela venha a
possuir uma gama de significações e de experiências, tornando-se,
portanto, polissêmico.

42
- Ibid., p. 144.
43
- PROST, Antoine. Doze lições sobre a História. São Paulo: Autêntica, 2008, p.121
44
- KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado ± Contribuição à semântica dos
tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC, 2012, p.109


Ϯϵ


As teorias fazem parte do grande arcabouço de evolução45


do pensamento humano, passando por diferentes fases
caracterizadas por paradigmas 46 diversos que reinaram nos mais
diversos campos do conhecimento humano, acumulando o saber
das anteriores (mesmo que com rupturas e permanências) e
fazendo com que este conhecimento se reestruture gradativamente,
reformulando as hipóteses antigas, as quais são expressas numa
nova linguagem, mais adequadas à época em questão. Destarte, as
bases que formulam novas ideias são aquelas que antes
sustentavam o saber humano, porém compreendidas sob a luz de
novos paradigmas.
Cada época tem os seus teoristas, que organizam os
conhecimentos acumulados em novos terrenos e que com isso,
SURYRFDP UXSWXUDV FRP RV ³YHOKRV´ &RQIRUPH H[SUHVVD 7DUQDV 47,

45
- O conceito de evolução sucinta diversas críticas e interpretações desde o
propalado por Charles Darwin, mas o que postulo é o evolucionismo espiritualista,
teoria qual une o darwinismo com o espiritualismo, a crença na existência de um ser
imaterial e imortal, o espírito como responsável pela condução das formas biológicas.
Para maiores esclarecimentos sobre o assunto recomendam-se os seguintes livros;
ANDRÉA, Jorge. Dinâmica Espiritual da Evolução. Rio de Janeiro: Editora Caminho
da Libertação, 1977. ELGIN, Duane. A Dinâmica da Evolução Humana. São Paulo:
Cultrix, 2003. FREIRE, Gilson. Arquitetura Cósmica vols 1 e 2. Dos Mitos da
criação à visão unitária do Universo. Belo Horizonte: Inede, 2006. PINHEIRO, Luiz
Gonzaga. O Perispírito e suas Modelações. São Paulo: Editora EME, 2009. PIRES,
J. Herculano. O Espírito e o Tempo. Introdução Antropológica ao Espiritismo. São
Paulo: Paidéia, 2005. UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. Síntese e Solução dos
problemas da ciência e do espírito. Rio de Janeiro: Lake, 2001. Sobre o aspecto
propriamente cultural pode-se indicar: CHILDE, Vere Gordon. A Evolução Cultural do
Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1966 e FONTANA, Josep. A História dos Homens.
São Paulo: EDUSC, 2004.
46
- KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo:
Perspectiva, 2000. O ensaio lançado em 1962 pelo físico e historiador da ciência
preconiza as ciências exatas e naturais, mas o autor dá um cunho sociológico ao
FRQFHLWR TXDQGR VH UHIHUH DR SDUDGLJPD FRPR ³FRQMXQWR GH FUHQoDV YDORUHV H
técnicas comuns a um grupo que pratLFD XP PHVPR WLSR GH FRQKHFLPHQWR´ -XOLR
ARÓSTEGUI também faz alusão ao conceito de paradigma de Kuhn ± A Pesquisa
Histórica ± Teoria e Método. São Paulo: EDUSC, 2006, p. 99.
47
- TARNAS, Richard. A Epopeia do Pensamento Ocidental. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999, p.13.


ϯϬ


³FDGD JHUDomR GHYH H[DPLQDU e repensar, sob uma perspectiva


privilegiada própria, as ideias que moldaram sua concepção de
PXQGR´ 7RGR SHUtRGR KLVWyULFR SRU PDLV ³HVWiWLFR´ TXH SDUHoD IRL
caracterizado por determinada mudança no seu clima intelectual 48.
Isso propicia constantemente não a um simples perpassar de
novidades, mas a profunda transformação do pensamento, de como
o homem se vê e enxerga o mundo que o rodeia.
A história do homem é, portanto, marcada por diversas
transformações ideológicas 49 que mudaram e moldaram para
sempre o rumo de sua evolução. Ao voltar o olhar para trás, propõe-
se, com isso, entender o que levou o homem a repensar sua
maneira de viver, traçando novas rotas, vislumbrando novas
convicções, estabelecendo novas ideias, conceitos e teorias. Tais
proposições são essenciais a uma visão de mundo que visa abarcar
todos os interesses cardinais do homem, transportando-nos através
de um universo de inconcebível riqueza cultural 50 criada por ele.
6HJXQGR3DXO9H\QH³  FDGDFRQFHLWRTXHFRQTXLVWDPRV
refina e enriquHFHQRVVDSHUFHSomRGRPXQGR  ´ 51. Com isso, o
conceito que proponho parte da junção da dialética, da cultura e da
forma espiral. Para melhor explicitá-los, ter-se-á a decomposição
dos termos no intuito de melhor esclarecê-los, ou seja, historicizar


48
- TRATTNER, Ernest B. Arquitetos de Ideias. As Grandes Teorias da
Humanidade. Porto Alegre: Globo, 1956.
49
- Para maiores informações sobre o tema verificar; CHAUI, Marilena. O que é
Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1995 e GEERTZ, Clifford. A Interpretação das
Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, cap. IV.
50
- Todo o arcabouço construído pelo homem faz parte de sua cultura e neste bojo
incluímos os esquemas de vida familiar, debates políticos, observâncias religiosas,
inovações científicas, literatura, artes, enfim, aspectos de criação humana em
oposição aos processos físicos e biológicos.
51
- VEYNE, Paul. O Inventário das Diferenças. São Paulo: Brasiliense, 1983, pg30.


ϯϭ


os conceitos52, tendo consciência de que para cada um deles existe


uma pluralidade de definições, não sendo passível de examiná-los
em sua totalidade, mas segundo o melhor entendimento do
constructo e a posteriori, sua utilização no desenvolvimento da
dissertação.

2 - DIALÉTICA
Etimologicamente, dialética53 vem do grego dia, que
expressa a ideia de dualidade, troca e lektikós significa apto a
palavra, dando o entendimento de diálogo, pois no diálogo sempre
há mais de uma opinião, mas que transcurso ao longo da história
assumiu vários sentidos54.
Vindo desde os pré-socráticos como Heráclito de Éfeso
(século VI a.C.) e Zenão de Eléia (V a.C.), passando pelos sofistas,
Sócrates, Platão, a dialética acabou ficando esquecida na Idade
Média, vindo a ressurgir no período do Renascimento. A noção de
dialética chega ao mundo contemporâneo através de Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) que formulou a questão em
torno de três movimentos. Esta estrutura do real, entendido como
processo, envolve o do dado, da tese, o da negação, da antítese e
por fim o de negação da negação, da síntese. Denominada de
GLDOpWLFD LGHDOLVWD RX VHMD ³   HP FHUWR PRPHQWR GD PDWXUDomR
nervosa, que em sua totalidade, encontra sua causa na etapa

52
- PROST, 2008, p.128.
53
- GORBY, Ivan. Vocabulário Grego da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
54
- Para uma melhor apreciação dessas mudanças aconselham-se os seguintes
trabalhos: LUCE, J.V. Curso de Filosofia Grega ± do séc. VI a.C. ao séc. II d.C. Rio
de Janeiro: Zahar, 1994 - ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena
Pires. Filosofando. Introdução a Filosofia. São Paulo: Moderna, 1988, pp 49/50 e
KONDER, Leandro. O que é Dialética. Coleção Primeiros Passos nº23. São Paulo:
Brasiliense, 1987.


ϯϮ


precedente e que, apesar de tudo, a ultrapassa e instaura uma nova


PDQHLUD GH VHU´ 55, por se tratar do conjunto de conhecimentos,
ideias e conceitos elaborado e reelaborado pelo homem, cada qual
adequado ao seu momento histórico. Conforme Mesquita,

O idealismo é a corrente de pensamento que, dando primazia à


consciência, reduz o real à ideia, ao pensamento, ou, por outras palavras,
que considera a ideia, o pensamento, como sendo a essência da realidade
56
.

Hegel foi muito influenciado pelo cristianismo e sua


interpretação demonstra a revelação do Deus dialético, uno e trino
ao mesmo tempo57. A dialética hegeliana embora sendo idealista,
deu origem à dialética materialista do materialismo histórico criada
pelo economista e filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), em
colaboração com o político e pensador alemão Friedrich Engels
(1820-1895). Segundo Marcondes,

a interpretação hegeliana do processo histórico e da formação da


consciência restringe-se ao plano das ideias e representações, do saber e
da cultura, não levando em conta as bases materiais da sociedade em que
este saber esta cultura são produzidos e em que a consciência individual é
formada 58.

Diferente da proposta efetuada por Hegel, a dialética


materialista histórica passa a ter o cerne central de análise no


55
- CHATELET, François. Logos e Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972, pgs
22/23.
56
- MESQUITA, José Marques. A Dialética Espiritualista. Rio de Janeiro: Mandarino,
1985, p.19.
57
- GRINGS, Dadeus. História Dialética do Cristianismo. Porto Alegre: EST, 1981.
58
- MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar,
1997, p.228.


ϯϯ


trabalho59 ³R SURFHVVR DXWRWUDQVIRUPDGRU GD HVSpFLH KXPDQD p


condicionado, o que vai contra a ideia hegeliana de um movimento
60
GR $EVROXWR´ dando a dialética um constante movimento no
transcurso da humanidade. Mesquita também enfoca que a dialética
materialista

é a aplicação da dialética, sob o ponto de vista materialista, na análise da


evolução da matéria (natureza), bem como no desenvolvimento da
consciência e da sociedade humana, análise essa em que se funda o
materialismo dialético, da teoria marxista 61.

Uma última análise sobre a dialética é a de Karel Kosik 62


(1926-2003), filósofo checo de tradição marxista, onde o mesmo
postula que o pensamento dialético efetua uma distinção entre
UHSUHVHQWDomR DSDUrQFLD  H FRQFHLWR HVVrQFLD  GD ³FRLVD´
UHDOLGDGH  $ ³FRLVD HP VL´ GH TXH WUDWD j GLDOpWLFD QmR VH
manifesta imediatamente ao homem, à sua compreensão, pois, sua
primeira atitude frente à realidade não é investigativa ou
examinatória, mas sim, um exercício prático-sensível, fazendo com
TXH R LQGLYtGXR FULH ³VXDV SUySULDV UHSUHVHQWDo}HV GDV FRLVDV
(pensamento comum) e elabore um sistema correlativo de noções,
que capta e fixe o aspecto fHQRPrQLFRGDUHDOLGDGH´
Concluindo, a dialética é a concepção da realidade que como
um todo está em permanente transformação, sendo sua contradição
determinante no movimento que condiciona todo o processo do
desenvolvimento humano.


59
- MARX & ENGELS. Manifesto do Partido Comunista ± 1848. São Paulo: L&PM
Pocket, 2001.
60
- MARCONDES, 1997, p.229.
61
- MESQUITA, 1981, p.61.
62
- KOSIK, Karel. A dialética do concreto. Petrópolis: Paz e Terra, 1976, p. 14.


ϯϰ


3 - CULTURA
Já o teUPRFXOWXUDIRL ³HPSUHVWDGR´GDDQWURSRORJLDYLQGRD
definir o conjunto de atitudes e códigos de comportamento próprios,
sendo que a primeira definição de cultura foi formulada por E. Tylor,
no primeiro parágrafo do seu livro Primitive Culture (1871). Segundo
Geertz,

Os padrões culturais ± religioso, filosófico, estético, científico, ideológico -


VmR ³SURJUDPDV´ HOHV IRUQHFHP XP JDEDULWR RX GLDJUDPD SDUD D
organização dos processos sociais e psicológicos, de forma semelhante
aos sistemas genéticos que fornecem tal gabarito para a organização dos
processos orgânicos. 63.

Clifford Geertz defende o conceito de cultura essencialmente


semiótico, estando o homem amarrado a teias de significados que
HOH PHVPR WHFHX $WUDYpV GH XP FRQMXQWR GH ³VLVWHPDV
entrelaçadRVGHVtPERORVLQWHUSUHWiYHLV´YLQGRDVHUHPFRQVWUXtGRV
historicamente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as
LQVWLWXLo}HV RX RV SURFHVVRV UHPRGHODQGR ³R SDGUmR GDV UHODo}HV
VRFLDLV´HVWDEHOHFLGRV
Já segundo Marshall Sahlins 64, a cultura é historicamente
reproduzida e alterada na ação de seus interlocutores. Assim
sendo, a cultura inserida na História está em constante movimento,
ID]HQGR FRP TXH HVVH PRYLPHQWR SURGX]D XPD ³WUDQVIRUPDomR
HVWUXWXUDO´ SRLVDDOWHUDomR GH DOJXQVVHQWLGRV PXGDDUHlação de
SRVLomR HQWUH DV FDWHJRULDV FXOWXUDLV KDYHQGR DVVLP ³XPD
PXGDQoD VLVWrPLFD´ VHQGR HVWH SURFHVVR KLVWyULFR GHQRPLQDGR
SHOR DXWRU GH ³UHDYDOLDomR IXQFLRQDO GH FDWHJRULDV´ &RP LVVR j


63
- GEERTZ, 2008, p. 123.
64
- SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.


ϯϱ


medida que há o contato entre diferentes culturas, elas reproduzem-


se a partir do encontro de uma com a outra, efetuando inúmeras
variações ao longo do tempo e do espaço em que se conheceram.
Ruth Benedict65 explicita que a cultura é como uma lente
através da qual o homem vê e enxerga o mundo que o rodeia.
Homens de culturas diferenciadas usam lentes diversas e, por isso,
têm visões díspares das realidades das coisas. Segundo Roque
Laraia66,

O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os


diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são
assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação
de uma determina cultura.

Para finalizar o entendimento do conceito de cultura (sem


querer fechar o assunto), Cassirer67 expressa que

a característica mais notável do homem, a marca que o distingue, não é


sua natureza metafísica ou física ± mas seu trabalho. É este trabalho, o
sistema das atividades humanas, que define e determina o círculo de
humanidade. A linguagem, o mito, a religião, a arte, a ciência, a história
são os constituintes, os vários setores desse círculo.

Portanto, todo o arcabouço construído pelo homem faz parte


de sua cultura e neste bojo incluímos os esquemas de vida familiar,
debates políticos, observâncias religiosas, inovações científicas,
literatura, artes, linguagem, enfim, aspectos de criação humana em
oposição aos processos físicos e biológicos.


65
- BENEDICT, Ruth. O Crisântemo e a Espada. São Paulo: Perspectiva, 1972.
66
- LARAIA, Roque de Barros. Cultura ± Um Conceito Antropológico. Rio de
Janeiro: Zahar, 1997, p. 70.
67
- CASSIRER, Ernst. Antropologia Filosófica. São Paulo: Mestre Jou, 1972, p. 116.


ϯϲ


4 ± ESPIRAL
Por fim, a forma espiral 68. Apoiado no conceito de
³FLUFXODULGDGH´ 69 propalado por Ginzburg e Bakthin, onde ambos os
historiadores visam demonstrar a movimentação das ideias tanto na
cultura popular quanto na erudita, vejo que embora as ideias
circulem, a forma espiral designa de que maneira estas mesmas
ideias atingem patamares diferenciados na compreensão do ser
humano, criando e ampliando os novos conceitos encaixados nas
proposições de seu tempo.
A espiral é um símbolo de evolução e de movimento
ascendente, progressivo, normalmente positivo, encontrada em
todas as culturas, relacionada à própria progressão da existência.
Sua forma está associada à base da vida 70 sendo encontrada desde
o macro (galáxias) ao micro (DNA).
Portanto, a espiral está presente em todo o Universo, sendo
responsável pelo fenômeno simétrico da natureza, sejam nas flores,
árvores, ondas, conchas, furacões, no do rosto simétrico do ser
humano, em suas articulações, seus batimentos cardíacos e em
seu DNA. Também na refração da luz proporcionada pelos elétrons
dos átomos, nas vibrações e em outras mais manifestações como
nas galáxias do universo imensurável.


68
- Quando utilizo a forma geométrica da espiral em detrimento da forma circular, não
pretendo estabelecer o entendimento de modo a posicionar como positivo/negativo,
ascendente/descendente ou qualquer outra designação, pois ela não tem conotação
valorativa mas, para explicar o próprio movimento das rupturas e permanências que se
sucedem na história e que com isso abrem novos horizontes conceituais aos homens.
69
- GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011
e BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade Média e no Renascimento. O
contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010.
70
- MOORE, Ruth. A Espiral da Vida. São Paulo: Cultirx, 1961.


ϯϳ


5 ± APLICABILIDADE DO CONCEITO
Ao propor o referido conceito vislumbro que sua aplicabilidade
não tem que ficar necessariamente somente atrelado a pesquisa
em si desenvolvida no mestrado, mas que também terá serventia
para que outros pesquisadores o utilizem de maneira profícua.
Conforme explanado, a Dialética Cultural Espiralada visa
demonstrar como as ideias foram retrabalhas dialeticamente
criando todo um novo universo conceitual. Toda esta mudança é
fruto do processo cultural em que o homem está inserido e a forma
como este interpreta o ambiente em que vive. A forma geométrica
espiral visa somente dar a visão de que estas mudanças
paradigmáticas levam o conhecimento a novos patamares de
entendimento do pensamento humano, estabelecendo novas
sinapses e ampliando seus horizontes conceituais.
A constante dialética cultural visa elucidar as diferentes
construções arquitetônicas das ideias elaboradas dentro de
determinado corte temporal comparando-as entre si, ou melhor,
estabelecendo as conectivas históricas71 que se comunicam entre si
e acabam estabelecendo novos olhares, sendo estas
constantemente retrabalhadas pela circularidade num movimento
espiralado do saber72, pois além de circular, as ideias acabam se
transformando em algo novo, mediante uma curva plana que gira
em torno de um ponto central (chamado pólo), dele se afastando ou
se aproximando, num constante reagrupar das ideias, efetuando as
transformações estruturais no interior da sociedade ocidental,

71
- Expressão adotada pelo historiador Sanjay Subrahmanyam onde o mesmo visa
demonstrar que estas histórias estão ligadas e que se comunicam entre si.
72
- UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. Síntese e solução dos problemas da
ciência e do espírito. Rio de Janeiro: Lake, 2001.


ϯϴ


levando o homem a tecer o entrelaçamento das ideias com a cultura


numa constante simbiose.

6 ± CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, dialética cultural espiralada, diferente das
proposições anteriores, cria um novo universo de entendimento, um
QRYR WLSR GH GLiORJR DWUDYpV GH XPD ³WHQVmR FXOWXUDO´ JHUDWUL] GH
processos de transformações estruturais que levam o homem a
procura de novos arcabouços simbólicos, efetuando este mesmo
homem releituras da realidade em que está inserido.
A costura das ideias nos diferentes campos de saber do
homem é acompanhada, portanto, com a base conceitual da
dialética cultural espiralada, pois, ao retrabalhar a forma de pensar,
estas ideias vão tecendo todo um arcabouço ideológico, num
movimento contínuo, criando um conjunto arquitetônico de
incomparável beleza que é o próprio caminhar do ser humano na
busca da sua autossuperação.

7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Janeiro: Editora Caminho da Libertação, 1977.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires.
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Paulo: EDUSC, 2006.


ϯϵ


BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade Média e no


Renascimento. O contexto de François Rabelais. São Paulo:
Hucitec, 2010.
%$5526 -RVp '¶$VVXQomR O projeto de pesquisa em história.
Petrópolis: Vozes, 2005.
BENEDICT, Ruth. O Crisântemo e a Espada. São Paulo:
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1972.
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Janeiro: Zahar, 1966.
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Cultrix, 2003.
FONTANA, Josep. A História dos Homens. São Paulo: EDUSC,
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FREIRE, Gilson. Arquitetura Cósmica vols 1 e 2. Dos Mitos da
criação à visão unitária do Universo. Belo Horizonte: Inede, 2006.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro:
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GRINGS, Dadeus. História Dialética do Cristianismo. Porto
Alegre: EST, 1981.


ϰϬ


KONDER, Leandro. O que é Dialética. Coleção Primeiros Passos


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KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado ± Contribuição à
semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC, 2012.
KOSIK, Karel. A dialética do concreto. Petrópolis: Paz e Terra,
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KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São
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LARAIA, Roque de Barros. Cultura ± Um Conceito
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LUCE, J.V. Curso de Filosofia Grega ± do séc. VI a.C. ao séc. II
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PINHEIRO, Luiz Gonzaga. O Perispírito e suas Modelações. São
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PIRES, J. Herculano. O Espírito e o Tempo. Introdução
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PROST, Antoine. Doze lições sobre a História. São Paulo:
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SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho
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TARNAS, Richard. A Epopeia do Pensamento Ocidental. Rio de


Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
TRATTNER, Ernest B. Arquitetos de Ideias. As Grandes Teorias
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UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. Síntese e solução dos
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VEYNE, Paul. O Inventário das Diferenças. São Paulo:
Brasiliense, 1983.
ZAHN, Maurício. Sequência de Fibonacci e o Número de Ouro.
Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2011.


ϰϮ


DOENÇAS EXPURGOS

Em minhas leituras, me deparei com o livro do Robson


3LQKHLUR FKDPDGR GH ³$ $OPD GD 0HGLFLQD´ H FRPHFHL D Or-lo. No
ViEDGR UHFHEL D UHYLVWD ³6XSHU ,QWHUHVVDQWH´ TXH HP VHX
frontispício tinha exatamente algumas das proposições, além do
OLYUR GR ,QiFLR )HUUHLUD SVLFRJUDIDGR SRU &DUORV %DFFHOOL ³2 ÒOWLPR
&HLWLO´ 3DUD WDQWR LUHL FRPSDUWLOKDU FRP RV OHLWRUHV QDV OLQKDV TXH
se seguem e como as impressões ficaram um pouco elásticas, tive
que dividi-los em duas partes.
Todos nós nascemos e vivemos imersos em mundo que não
nós são visíveis. As bactérias, vírus, fungos e outros tantos seres
nos acompanham a vida toda. Temos em nosso corpo, uma imensa
colônia de bactérias que nos são extremamente necessárias para
um bom funcionamento da máquina corporal. Exemplo disso é a
chamada flora bacteriana que todos temos para efetuar o processo
digestivo do qual sem eles nos seria impossível viver.
Na condição chamada de saúde, estamos sempre com o
corpo em harmonia, ou seja, os elementos que teoricamente seriam
benéficos, agindo de maneira desordenada, acabam criando o
desajuste corporal, incutindo no que identificamos como doença.
O mais interessante é que muitos dos elementos exógenos,
quando estamos com baixa imunidade, produzem diversos
processos de resposta no corpo somático. Pelo entendimento do
Espiritismo, tem-se a prerrogativa de que, como vivemos em um
mundo de Provas e Expiações, estaríamos retirando as mazelas
perispirituais, drenando-as no corpo físico.


ϰϯ


Para compreender isso, na revista Super Interessante, o


artigo que me chamou a atenção foi que eles catalogaram uma
série de doenças consideradas raras e sem nenhum tipo de
tratamento e até de entendimento de como acontecem.
Ligando esta leitura ao do livro do Robson, pude entender que
determinadas manifestações no físico não são para terem cura,
digo, o corpo como último estágio de matéria mais grosseira, estaria
expurgando os males do espírito, efetuando a devida limpeza do
perispírito.
É compreensível que chegar até este raciocínio, as pessoas
passam por diferentes graus de revolta, indignação e possivelmente
de resignação referentes ao que estão sofrendo. Mais do que
compreensível, mas também o devido entendimento de que a
doença que lhe acomete é fruto de um beneplácito divino que está
permitindo que ele, como espírito, tenha a possibilidade de drenar
seus corpos espirituais, no mínimo é reconfortante.
Outra possível reflexão parte do fato de que tal processo faz
parte de algo maior, ou seja, o corpo nada mais é do que o veículo
de manifestação do espírito naquela determinada encarnação e
que, o que lhe acomete é passageiro e fruto somente de um
período de um lapso no tempo.
Somos prisioneiros de nossas próprias células, pois fomos
nós que as viciamos. A causa é de ordem mental, espiritual e física,
pois como somos nós mesmos os responsáveis, nos os
programamos conforme nossas atitudes, pois o desenlace carnal
apenas nos retira o fardo de um corpo, mas os outros nos
acompanham na Erraticidade e na volta, assim como todas nossas
idiossincrasias.


ϰϰ


Ao reencarnar, o espírito se vê preso inicialmente ao


encarceramento da carne e depois as células perispirituais as do
corpo das quais ele próprio corrompeu. A genética espiritual terá
imensa dificuldade em descondicionar àquilo que por hábito tenha
sido alvo de ações atávicas.
Utilizando a prédica cristã, de que colhemos o que plantamos,
as doenças das quais estamos sujeitos, seriam instrumentos divinos
para resgate dos erros pretéritos e para tal, o corpo físico utilizado
como captação destas doenças. O corpo físico é também campo de
colheita e plantio. A doença no corpo é simplesmente o
extravasamento de um mal que vem se acumulando nas células e
nos órgãos.
As doenças, quaisquer que sejam, não possuem remédios.
Eles criam a ilusão que foi ele que curou, quando na verdade ele
apenas nos sugestionou para que, por nós mesmos, tivéssemos
capacidade de mobilizar a chamada autocura. Este ponto é crucial.
Somente nós é que podemos ser os artífices de nossa felicidade e
não o outro. Acaso estivesse eu resfriado, adiantaria alguém tomar
um remédio por mim?? Faria diferença ou me melhoraria? Claro
que não, portanto, eu sou o meu maior responsável.
Esse é inclusive um dos meus argumentos quando ouço
alguém dizer TXH ³HQFRQWURX -HVXV´ PDV R LQWHUPHGLiULR IRL
determinada Igreja. Bem, a fé simbolizada em Jesus foi que
movimentou as forças divinas existentes em nós, forças essas que
se sobrepõem àquelas que nós mesmos desencadeamos ao
corromper e degenerar nossos organismos físicos e perispirituais e
ele, somente ele, foi o responsável pela mudança, sem necessitar


ϰϱ


de intermediários para isso. Infelizmente ainda não chegamos ao


ponto de fazermos tudo sozinho.
Após a morte, ou seja, quando a vestimenta carnal perde sua
finalidade de manifestação do espírito e fica esgotado das forças
anímicas que o mantêm, ele entra em processo de desagregação
molecular, também conhecida como entropia, pois aquilo que
mantinha as células unidas, o espírito, deixou de vivificar o corpo.
&RPLVVR RFRUSRUHWRUQDDR ³Sy´OHYDQGRFRPHOH RV GHVDMXVWHV
que o acometeram.
Jesus com suas palavras tácitas nos advertia mediante os
débitos adquiridos perante e Lei Divina que jaz grafada na
consciência, afirmando que não haveremos de nos isentar de
nossas culpas enquanto não as houvermos sanado completamente.
Com isso, qualquer enfermidade quando se exterioriza, está
na realidade chegando a sua fase terminal. A pior doença
caracteriza-se por se esconder nos refolhos da personalidade e nas
entranhas das células, pois até que se manifeste, o espírito ainda
estará preso dentro das amarras do débito que caracterizam o
retorno ao corpo até que tenha pago o último ceitil (menor parte da
moeda romana de cobre, o denário).
O espírito, livre da expiação, tem uma caminhada a seguir, já
isento daquela prova. Em futura encarnação, o postulante virá a ter
sua matéria bruta melhor formada, isenta dos males pretéritos, isto
é, conforme também asseverou Jesus, caso não volte a cometer os
PHVPRVGHVDWLQRV³YiH QmR SHTXHV´SRLVVHLVWR DFRQWHFHUVHX
corpo viria a sofrer com seus desajustes morais.


ϰϲ


Bem, conforme sempre assevero, estas são reflexões


pessoais e que, não significam necessariamente a verdade,
simplesmente uma forma de ver e entender a vida.


ϰϳ


A QUESTÃO DA MORTE NO OCIDENTE


NA VISÃO FILOSÓFICA,
HISTÓRICA
E ESPÍRITA

A vida realmente nos demonstra a dinâmica em que estamos


inseridos. A questão da morte sempre me causou profunda
introspecção, levando-me, consequentemente, a refletir o modo de
como a sociedade ocidental encara o momento, no intuito de
compreender a humanidade da morte e a especificidade do humano
frente à mesma.
Herança ancestral trazida de nossas memórias atávicas em
que homenageamos aqueles que nos procederam na ida ao túmulo,
não existe qualquer grupo, por mais arcaico que fosse, que
abandonasse seus mortos ou que os deixasse sem os ritos
funerários, sendo, por isso, a sepultura como o primeiro dado
fundamental e universal sobre a morte humana. Esta morte seria,
portanto, um prolongamento da vida, apenas sobre outra forma.
Esta mesma consciência negava a morte como aniquilamento
e a reconhecia como acontecimento, considerando o funeral como
um conjunto de práticas que simultaneamente consagram e
determinam a mudança de estado do morto, refletindo na
continuidade da presença dele no círculo dos vivos.
Dois tipos de práticas de sepultamentos existiam e coexistem
até hoje. A incineração e o sepultamento através do enterro. O
domínio da prática da incineração perpassava as antigas
civilizações asiáticas e Escandinavas e o sepultamento, no Egito,


ϰϴ


no Mediterrâneo, China, Europa e América contemporâneas.


Embora práticas contraditórias, tinham como princípio basilar evitar
o contato com as impurezas do corpo, embora possa ser
considerado que a tendência crematista visava à destruição
imediata do corpo, onde somente as cinzas eram conservadas,
facilitando a transmigração das almas e o sepultamento seria mais
propício à ideia da ressureição dos corpos.
Desde o Paleolítico que os mortos nos acompanham, vivendo
como os vivos, acompanhados de suas armas e dos alimentos dos
quais faziam uso. No mundo ocidental, consta que desde pelo
menos o século VIII antes de Cristo, era prática se evocar os
ancestrais mortos pedindo que os mesmos protegessem aqueles
que ainda permaneciam na terra. O culto aos mortos fez parte da
cultura grega e depois da romana estando intimamente ligada ao
cotidiano desses povos no passado. Ritos e evocações eram
entoados em nome daqueles que já tinham partido. A importância
era tamanha que quem dirigia a solenidade era o ancião da família,
responsável pela execução perfeita das fórmulas sacramentais.
No Egito Antigo a morte também exercia tremendo fascínio
em seus habitantes, tendo esta civilização fantástica criada até o
Livro dos Mortos, um verdadeiro compêndio de comportamentos
pós-morte.
Poderíamos particularizar cada povo que ascendeu em nosso
planeta e explanar sobre como cada um via a morte, mas tal evento
traduzir-se-ia em um livro e como não temos essa disponibilidade,
vamos nos concentrar na ritualística que estamos imersos em
nossa sociedade.


ϰϵ


Duas grandes crenças acompanham o homem referente à


morte. A primeira diz respeito à morte-renascimento por
transmigração e a outra a morte-sobrevivência do duplo. O que
cada uma destas teorias significam? Bem, o duplo significa a
sobrevivência individual e as forças de renascimento da morte
encontram-se nas religiões de salvação, forças de ressurreição do
individuo, para que em si próprio, a eternidade o transforme.
Para compreender melhor a questão, a salvação implica na
intervenção externa, um deus que arranca os homens da morte e
este deus de salvação é aquele cujo poder de ressurreição é
utilizado no processo de ressuscitar ele próprio. Independente de
quem seja este deus, ele é fundamental no drama do próprio
mistério da luta contra a morte. Esta salvação é identificada como
fé, sendo a recusa da própria fé como recusa da morte e o crente
quer ser salvo dela.
O cristianismo é uma religião espiritualista salvacionista,
melhor dizendo, acredita em algo mais após o desenlace carnal. O
modelo de sobrevivência é essencialmente uma espera e esta se
faz em paz e repouso, sendo tal modelo uma das formas mais
tenazes das velhas mentalidades, pois está pautado no pecado
original formulado por Agostinho (354 ± 430), respondendo pelo
sentimento da presença constante do mal. Utilizamos até hoje a
réplica quando da morte de alguém ± ³4XH GHVFDQVH HP SD]´
parafraseando o velho refrão.
A questão da presença da culpabilidade será concentrada no
cristianismo e para resgatá-la somente com a morte, pois a morte
não é mais do que o castigo do pecado, ou melhor dizendo, do ato


ϱϬ


sexual adâmico, transformando a salvação de até então, pela


redenção da carne, sendo esta o resgate da morte.
Ideia contida em gérmen no Gênesis mosaico, que
juntamente com a fábula do pecado original, fez com que o
cristianismo fosse uma religião em que o aguilhão da morte fosse o
pecado (Paulo), se enraizando na mente dos incautos, expondo a
sexualidade e pregando a abstinência e o celibato, pois por mais
puro que seja o homem, ele não pode fugir de si mesmo, do qual é
fruto.
Observemos o duplo agora. A questão da transmigração tem
na reencarnação totêmica o que depois deu origem a
metempsicose, ou seja, o renascer em corpo de animal. Nas
crenças indígenas e dos autóctones é muito comum a sua
visualização. O sacrifício se explicaria através da apropriação da
própria imortalidade, pois morte é fecundidade e vice-versa, sendo
o sacrifício à exploração mágica, sistemática e universal da força
fecundante da morte.
Exemplos não faltam, mas vejamos somente a questão da
refeição sacrificial. Inicialmente, comia-se a carne do morto familiar,
depois na refeição totêmica, o animal do antepassado e por fim, na
eucaristia, se consome a carne de Deus mediante a hóstia. Todos
têm em comum regenerar a carne dos vivos e assegurar o
renascimento.
O duplo tem, em uma das suas manifestações, a presença da
sombra. Percebemos isso até na nossa linguagem quando dizemos
que tal lugar é assombrado, representando vestígios do tabu em
que as sombras seriam sempre perniciosas e tentariam nos
prejudicar.


ϱϭ


Outra manifestação do duplo seria através do reflexo, que


pode ser visual assim como também auditivo (eco). Este aspecto
me faz lembrar a questão dos indígenas que ficaram maravilhados
com o seu próprio reflexo, lembrando que os gentios tinham como
concepção a continuidade do ser em sua comunidade.
O duplo faz parte do conjunto da tradição ocultista, escrita e
verbal, vinda de santuários, desde o Egito, Índia, Caldeus até os
mais recentes como os Rosa Cruz e Maçons. Todos postulam que o
homem é composto por três princípios, o corpo físico, o astral e o
espírito imortal. O duplo seria exatamente o astral, identificado por
diferentes nomes na literatura mundial em diferentes épocas e que,
hoje, com o espiritismo, diríamos que seria o perispírito, a parte do
homem que não morre, mantendo, com isso, sua individualidade.
Estes dois conceitos de morte traduzem em si a dialética
exigente da individualidade, ou seja, salvar-se da destruição, mas,
ao mesmo tempo, penetrar mais intimamente no mundo. O homem,
a partir do momento que tem consciência ou sentimento de sua
individualidade, vem a odiar a morte, pois ele, como espécie mais
desenvolvida, não tem poder sobre ela, nunca podendo penetrar em
seus domínios e vir a ressuscitar um Lázaro.
O homem moderno procura fugir da ideia de morte nas suas
atividades vinda a esquecer de si mesmo, ignorando que vai morrer
em algum momento. Seus ritos, práticas e crenças da morte
demonstram ser este ainda o setor mais primitivo de nossa
civilização.
Voltando ao cristianismo, com o tempo, tornado religião oficial,
se transformou em instrumento do Estado, da sociedade que a
governava mediante a classe dominante. Fez com que o indivíduo


ϱϮ


se transformasse em fiel servidor através do amedrontamento,


maculado pela máscara do divino, que lhe havia prometido a
imortalidade e agora o ameaçava com a condenação eterna. Esta
mesma religião que o adormeceu com medo da morte, mas o
manteve acordado com o desejo de imortalidade, com fins de
subserviência a este mesmo estado.
Desde o século primeiro, os cristãos rezavam pelos falecidos.
Costumavam visitar os túmulos dos mártires nas catacumbas para
rezar pelos que morreram sem martírio. No quarto século, já
encontramos a memória dos mortos na celebração da missa. No
século seguinte, a Igreja dedicaria um dia por ano para rezar por
todos os mortos, pelos quais ninguém rezava e dos quais ninguém
já se lembrava. Conforme os lugares, as comemorações ao dia dos
mortos ocorriam em datas diferentes, como por exemplo, 26 de
janeiro, 17 de dezembro (Santo Inácio) e na segunda feira de
Pentecostes.
O Abade da Ordem de Cluny, Santo Odilon, em 998, pedia
aos monges que orassem pelos mortos. No século XI, os papas
Silvestre II, João XVII e Leão IX obrigam a comunidade a dedicar
um dia específico aos mortos. Com isso, no século XIII, o dia
escolhido para comemorar fica estabelecido em 02 de novembro,
visto que, no dia 01, ser a Festa de Todos os Santos e se propagou
por toda a cristandade latina.
O Dia de Todos os Santos celebra todos os que morreram em
estado de graça, mas que não foram canonizados, e o dia 02, os
que morreram não estando em estado de graça total, mais
precisamente os que se encontram em estado de purificação de
suas faltas e assim necessitam de nossas orações.


ϱϯ


Com o advento do Protestantismo no século XVI, os mesmos


afirmaram que a oração aos falecidos é desprovida de fundamento
bíblico. Segundo a interpretação protestante, a Bíblia diz que a
salvação de uma pessoa depende única e exclusivamente da sua fé
na graça salvadora que há em Cristo Jesus e que esta fé seja
declarada durante sua vida na Terra e que após sua morte, a
pessoa passa diretamente pelo juízo e que vivos e mortos não
podem se comunicar de maneira alguma.
Os protestantes observam o dia de Finados para lembrar-se
das coisas boas que os antepassados deixaram como o legado de
um caráter, por exemplo, mas acreditam que as pessoas precisam
ser cuidadas, unicamente, enquanto estão vivas.
Um dado curioso a respeito do Feriado de Finados é que,
embora originado do Cristianismo, foi nomeado de forma diversa à
real celebração cristã. Na realidade, o cristianismo, ao contrário do
feriado brasileiro, celebra a lembrança dos fiéis defuntos e não o dia
de finados. Qual a diferença afinal?? No aspecto etimológico,
verificamos que a palavra finado significa em sua origem aquele
que se finou, ou seja, que teve seu fim, que se acabou, que foi
extinto. A palavra defunto, por sua vez, originada do latim, era o
SDUWLFtSLR SDVVDGR GR YHUER ³GHIXQJRU´ TXH VLJQLILFDYD VDWLVID]HU
completamente, desempenhar a contento, cumprir inteiramente uma
missão. Mais tarde, foi utilizada e difundida pelo cristianismo para
dizer que uma pessoa morta era aquela que já havia cumprido toda
a sua missão de viver. Modernamente virou sinônimo de cadáver.
Com isso, o dia dos Fiéis Defuntos é, portanto, o dia em que a
Igreja celebra o cumprimento da missão das pessoas queridas que


ϱϰ


já faleceram, através da elevação de preces a Deus por seu


descanso junto a Ele.
O dia 02 de novembro é, portanto, o dia elegido para lembrar-
se dos mortos, certo? Bem, vejamos por outro ângulo. Sem entrar
em divagações sobre o significado da morte que nos levaria a outra
vertente, vamos atentar ao costume de irmos ao cemitério com fins
de prestar reverência aos nossos entes falecidos ou então àqueles
que nos são caros por qualquer motivo.
Como o intuito é de cultivar a memória daqueles que já
partiram, podemos e devemos efetuá-los com a elevação de nossos
sentimentos. É bom sentirmos saudades. Significa que há amor em
nossos corações, o sentimento supremo que empresta significado e
objetivo à vida. O fato de instituir um dia específico para tal ato não
significa que devamos consagrar somente esse dia determinado e
sim que cultivemos a lembrança saudável do ente ausente
corporalmente.
A morte nos arrebata pessoas queridas e vemos como em
muitos o fardo de tal perda se torna quase que insuperável. Não
permitamos que a saudade se converta em motivo de angústia e
apreensão. Usemos os filtros da confiança e da fé, dulcificando-a
com a compreensão de que as ligações afetivas não se
interrompem com a sepultura. O amor, essência da Vida, estende-
se indestrutível as moradas do Infinito, ponte sublime que sustenta
indelevelmente a comunhão entre Terra e Céu.
A convencionalidade da sociedade que estabelece um padrão
comportamental com a ida aos cemitérios é puramente social.
Aqueles que fazem parte de nossas vidas sempre nos
acompanharão mergulhados em nossas memórias. Caso formos


ϱϱ


capazes de orar, contritos e serenos nesses momentos de


evocação, orvalhando as flores da saudade com a benção da
esperança, sentiremos a presença deles entre nós, envolvendo
suavemente nossos corações com cariciosos perfumes de alegria e
paz.
Voltando aos tempos atuais, um dos questionamentos era
referente ao espaço em que agora me encontrava, ou seja, o
hospital. O século XX representou uma mudança significativa do
espaço da morte. Antes, era uma morte pública, localizada no
ambiente familiar, cercada pelos familiares e amigos, mas com os
progressos obtidos no campo da higiene, das ideias de assepsia e
do maquinário pesado necessário para a internação do profitente, o
local da morte se transferiu para o hospital.
Entendamos. Mediante o progresso, principalmente pós-
segunda guerra mundial (1945), as técnicas cirúrgicas e médicas
necessitavam de material complexo além de pessoal qualificado.
Estas condições somente eram reunidas no espaço hospitalar,
fazendo com que o espaço físico não fosse somente o local do
saber médico, mediante observação e ensino, mas também de
concentração de serviços considerados auxiliares, tais como
laboratórios e de aparelhos específicos para diagnóstico de
determinadas sematologias.
Além disso, outra mudança na mentalidade das pessoas se
refere ao aspecto do mal. A doença era suja e as pessoas não
conseguiam mais conviver com isso. Na Idade Média, o cemitério
era local de encontro das pessoas, pois não existiam outros locais
possíveis de aglomeração. O convívio quase que diário da presença
da morte fazia com que os odores exalados fizessem parte do


ϱϲ


cotidiano destas pessoas. Todos conviviam com condições


consideradas hoje extremamente insalubres, motivo tal de tantas
epidemias das quais as populações eram acometidas.
O que antes não causava náuseas acabou virando um
espetáculo repugnante e mais ainda, inconveniente, com os
chamados atos biológicos do ser humano. As secreções do corpo
não podiam mais ser públicas, exceto a alguns íntimos, que
pudessem acompanhar no quarto o cheiro proveniente da urina,
suor, fezes, gangrena, etc. A morte fica escondida em um quarto de
hospital, pois o antigo quarto domiciliar se transferiu para lá, com a
anuência da família, visando uma adequação mórbida e também
pela vida frenética que levamos hoje, sem que haja tempo hábil
para se dedicar a um moribundo.
O hospital ainda tem outra característica. A questão de
atenuação ou supressão do sofrimento e da sensibilidade. Em casa,
tal procedimento não teria como ser efetuado, mas com as atuais
técnicas medicinais isso é possível. O hospital faz parte de uma
burocracia em que a estrutura de seu poder reside em disciplina,
organização e anonimato, constituindo um novo modelo de morte
medicalizada, ou seja, um style of dying.
O recurso ao médico se tornou condição sine qua non nesta
nova sociedade de faceta industrializada e urbana, vindo a substituir
o papel do padre nas últimas horas. A extrema unção foi
substituída, deixando de ser o sacramento dos moribundos para ser
o dos mortos. Essa característica é compreendida, pois, criou-se
uma postura pautada na mentira, em que a verdadeira situação em
que o doente se encontrava, era escondido, com o temor de
magoá-lo e o levar ao desespero. Os familiares dissimulavam a


ϱϳ


condição da gravidade em que o doente se encontrava e, este por


sua vez, também aceitava o jogo, cada qual cúmplice do outro.
Tem um pudor que faz com que as crianças sejam afastadas
do ambiente da morte, dissimulando o ocorrido com o parente
(geralmente pai e/ou mãe), cessando o enterro como espetáculo
familiar. A morte começou a ser tratada em segredo e de forma
velada.
Uma das imagéticas mais assustadoras hodiernamente é a
morte no hospital em que o profitente está eriçado de tubos,
sabedor do fim eminente. O ambiente é silencioso, não se pode
fazer barulho, frio, devido à conservação necessária do maquinário
e distante do aconchego do lar, cercado por profissionais da saúde
que se revezam no intuito de amenizar o sofrimento.
A bela morte é a morte na casa, cercado pelos recônditos
íntimos e familiares de nossa moradia. Tanto no catre da
enfermaria, como da clínica luxuosa, as vozes se elevam em coro
uníssono provenientes dos gritos dos moribundos em uma súplica
para que os levem para as suas casas para que arfem os últimos
suspiros lá.
O declínio do luto também foi outro fenômeno observado
sendo este substituído pelo culto da lembrança no lar. A dor da
saudade continua, mas as manifestações não mais podem ser
exaradas em público, regra esta adotada em todo o Ocidente.
Quem já não teve um parente próximo ceifado pela morte e ficou de
³OXWR´ FRP RV GLDV FRQFHGLGRV SHOR HPSUHJDGRU (VWH p R PRGHOR
atual, depois disso, vida que segue, pois a crise de choro ou de
nervos demonstra fraqueza de caráter.


ϱϴ


O luto exprime socialmente a inadaptação do indivíduo à


morte sendo, ao mesmo tempo, o processo social de adaptação
que é responsável pela cicatrização das feridas abertas nos
indivíduos que sobrevivem.
O convívio com a presença da morte era rotina antes dos
progressos conseguidos pela longevidade, pois fazia parte dos
riscos diários. O luto do período medievo era mais social do que
individual, isso porque a pessoa se via como grupo, pertencia à
cristandade e sua presença fazia parte do cotidiano do seu
ambiente. Com a mecanização e a urbanização, tais posturas
ficaram relegadas ao privado e a morte sem sentido do coletivo.
A morte já não pertence ao indivíduo e nem à família, mas
está regulada e organizada por esta burocracia da qual faz parte,
mesmo que na maioria das vezes inconsciente de sua condição,
traduz um contexto de sua época. Este dispositivo psicológico
retirava a morte da sociedade e a deixava reservada,
principalmente aos próximos.
A morte virou uma indústria e das mais movimentadas. Hoje
se disputa os mortos, os famosos, lógico. Tenho conhecimento de
artistas que ao exalarem o último suspiro, tiveram seus cadáveres
negociados pelos familiares com vários cemitérios, pois a presença
de determinada personalidade é capaz de atrair multidões e
multidões significam consumo e consumo é sinônimo de lucro.
Vejamos o exemplo do caixão. Usado inicialmente somente
como transporte dos corpos inertes para a vala comum, onde eram
jogados, foi aos poucos se modificando e se tornando objeto de
barganha. Os primeiros empresários, ou mais conhecidos como
agentes funerários, que a priori alugavam carruagens para fins de


ϱϵ


remoção e transporte do caixão, explorando o mercado da morte


como qualquer outro mercado econômico, sem maiores
considerações pela dor. Hoje, é possível verificar que pelo menos
um de nossos parentes mais velhos possuam túmulos reservados
e/ou planos assistenciais que se encarregam dos pormenores do
enterro.
Tratamos não mais dos indivíduos, mas das doenças que os
acometem. Afinal de contas, o que são as doenças? Como
podemos compreendê-las? Vejamos:
Todos nós nascemos e vivemos imersos em um mundo que
não nós é visível. As bactérias, vírus, fungos e outros tantos seres
nos acompanham a vida toda. Temos em nosso corpo uma imensa
colônia de bactérias que são extremamente necessárias para um
bom funcionamento da máquina corporal. Exemplo disso é a
chamada flora bacteriana que todos temos para efetuar o processo
digestivo do qual sem ela não seria impossível viver.
Na condição chamada de saúde, estamos sempre com o
corpo em harmonia, ou seja, os elementos que teoricamente seriam
benéficos, agindo de maneira desordenada, acabam criando o
desajuste corporal, incutindo no que identificamos como doença.
O mais interessante é que muitos dos elementos exógenos,
quando estamos com baixa imunidade, produzem diversos
processos de resposta no corpo somático. Pelo entendimento do
Espiritismo, tem-se a prerrogativa de que, como vivemos em um
mundo de Provas e Expiações, estaríamos retirando as mazelas
perispirituais, drenando-as no corpo físico. Prova disso é que existe
uma série de doenças consideradas raras e sem nenhum tipo de
tratamento e até de entendimento de como acontecem, pois


ϲϬ


determinadas manifestações no físico não são para terem cura,


digo, o corpo, como último estágio da matéria mais grosseira,
estaria expurgando os males do espírito, efetuando a devida
limpeza do perispírito.
Até chegar a este raciocínio, as pessoas passam por
diferentes graus de revolta, indignação e possivelmente de
resignação referentes ao que estão sofrendo. Mais do que
compreensível, mas também o devido entendimento de que a
doença que lhes acomete é fruto de um beneplácito divino que está
permitindo que ele, como espírito, tenha a possibilidade de drenar
seus corpos espirituais, no mínimo é reconfortante.
Outra possível reflexão parte da premissa de que tal
processo faz parte de algo maior, ou seja, o corpo nada mais é do
que o veículo de manifestação do espírito naquela determinada
encarnação e que, o que lhe acomete é passageiro e fruto somente
de um período de um lapso no tempo.
Somos prisioneiros de nossas próprias células, pois fomos
nós que as viciamos. A causa é de ordem mental, espiritual e física,
pois como somos nós mesmos os responsáveis, os programamos
conforme nossas atitudes, pois o desenlace carnal apenas nos
retira o fardo de um corpo, mas os outros nos acompanham na
Erraticidade e na volta, assim como todas nossas idiossincrasias.
Ao reencarnar, o espírito se vê preso inicialmente ao
encarceramento da carne e depois às células perispirituais do corpo
das quais ele próprio corrompeu. A genética espiritual terá imensa
dificuldade em descondicionar àquilo que por hábito tenha sido alvo
de ações atávicas.


ϲϭ


Utilizando a prédica cristã, de que colhemos o que


plantamos, as doenças das quais estamos sujeitos, seriam
instrumentos divinos para resgate dos erros pretéritos e, para tal, o
corpo físico utilizado como captação destas doenças. O corpo físico
é também campo de colheita e plantio. A doença no corpo é
simplesmente o extravasamento de um mal que vem se
acumulando nas células e nos órgãos.
As doenças, quaisquer que sejam, não possuem remédios.
Criam-se ilusões de cura, quando na verdade fomos apenas
sugestionados para que, por nós mesmos, tivéssemos capacidade
de mobilizar a chamada autocura. Este ponto é crucial. Somente
nós é que podemos ser os artífices de nossa felicidade e não o
outro. Acaso estivesse eu resfriado, adiantaria alguém tomar um
remédio por mim?? Faria diferença ou me melhoraria? Claro que
não, portanto, eu sou o meu maior responsável.
Esse é inclusive um dos meus argumentos quando ouço
DOJXpP GL]HU TXH ³HQFRQWURX -HVXV´ PDV D LQWHUPHGLiULD IRL
determinada Igreja. Bem, a fé simbolizada em Jesus foi que
movimentou as forças divinas existentes em nós, forças essas que
se sobrepõem àquelas que nós mesmos desencadeamos ao
corromper e degenerar nossos organismos físicos e perispirituais e
ele, somente ele, foi o responsável pela mudança, sem necessitar
de intermediários para isso. Infelizmente ainda não chegamos ao
ponto de fazermos tudo sozinho.
Com isso, qualquer enfermidade quando se exterioriza, está
na realidade chegando à sua fase terminal. A pior doença
caracteriza-se por se esconder nos refolhos da personalidade e nas
entranhas das células, pois, até que se manifeste, o espírito ainda


ϲϮ


estará preso dentro das amarras do débito que caracterizam o


retorno ao corpo até que tenha pago o último ceitil 73. O espírito, livre
da expiação, tem uma caminhada a seguir, já isento daquela prova.
Em futura encarnação, o postulante virá a ter sua matéria bruta
melhor formada, isenta dos males pretéritos, isto é, conforme
também asseverou Jesus, caso não volte a cometer os mesmos
GHVDWLQRV³YiHQmRSHTXHV´SRLVVHLVto acontecer, seu corpo viria
a sofrer com seus desajustes morais. Jesus com suas palavras
tácitas nos advertia mediante os débitos adquiridos perante e Lei
Divina que jaz grafada na consciência, afirmando que não
haveremos de nos isentar de nossas culpas enquanto não as
houvermos sanado completamente.
A proximidade da morte faz com que reflitamos sobre as
possibilidades do que encontraremos pela frente. Será o fim de
tudo? Um nada, conforme insistem os materialistas? Que nada mais
somos do que a reunião de átomos e que com o processo de
entropia, findamos nossa existência? Parece-me muito simplório tal
visão. Teríamos sido criados, ou conforme afirmam os
representantes desta corrente, fruto de simples coincidência e
aglomeração molecular fortuita, para então, depois de uma
existência, sermos riscados simplesmente do mapa?
A palavra átomo é derivada do grego. Seria, segundo eles, a
PHQRU SDUWH GD PDWpULD 2 SUHIL[R ³D´ VLJQLILFD DXVrQFLD H ³WRPR´
divisão, portanto, sem divisão. Daí, que vemos coleções de livros
um pouco mais antigas que têm em suas divisões tomo 1, tomo 2 e
por aí vai.


73
- Menor parte da moeda romana de cobre, o denário .


ϲϯ


Pegando o gancho a respeito da matéria, novamente


segundo o espiritismo, nas questões 25 e 27 do Livro dos Espíritos,
a mesma postula que existem dois elementos gerais no Universo
que são; o espírito e a matéria, mas para que a matéria possa ter
inteligência, é necessária a sua união com o espírito.
Antes de continuar, vale a pena ressaltar e explanar sobre o
que trata o Espiritismo. O Espiritismo é uma das doutrinas sociais
que proliferou na segunda metade do século XIX como uma das
respostas possíveis ao ambiente multiplural europeu. No bojo das
manifestações, pode-se ressaltar o socialismo utópico, o socialismo
científico com a publicação do manifesto Comunista de Karl Marx, o
positivismo de Auguste Comte, o evolucionismo de Darwin com A
Origem das Espécies, o anarquismo, o viés cientificista, etc..., enfim
uma profusão de propostas que assolaram os oitocentos e que
levou a uma fragmentação ainda maior no século XX.
Portanto, ainda hoje persistem muitas dúvidas frente ao
Espiritismo propalado por Kardec, identificado com isso como
kardecismo. Na realidade, espiritismo é só um, ou seja, aquele
codificado por Allan Kardec. O restante das correntes espiritualistas
são a umbanda, o candomblé, a teosofia e o próprio cristianismo,
pois acreditam em algo mais depois da morte física.
Inicialmente, O Livro dos Espíritos em sua primeira edição, é
lançado em 1857, contando com pouco mais de 500 perguntas e
respostas, sendo revisto e atualizado em 1860 no formato que
vigora até os dias de hoje com 1019 perguntas e respostas. Em
continuidade, tem-se O Livro dos Médiuns em 1861, O Evangelho
Segundo o Espiritismo em 1863, O Céu e o Inferno em 1865 e A


ϲϰ


Gênese em 1868. Estes, portanto, constituem o chamado


Pentateuco Kardequiano com as propostas basilares do espiritismo.
O Livro dos Espíritos se constitui numa reflexão filosófica que
abrange o passado da humanidade e do espírito, o presente e o
futuro, trazendo os seguintes ensinamentos; Criação Divina e Deus,
a vida do espírito no que tange à vida de encarnado, neste e em
outros planetas, quanto à vida espiritual, incluindo os sonhos e vida
do espírito durante o sono físico, relação entre homens encarnados
e desencarnados, as leis divinas que regem o universo, penas e
gozos futuros. A partir deste livro, ter-se-á uma ampliação dos
assuntos tratados nos subsequentes.
Livro dos Médiuns fala da relação entre espíritos encarnados
e desencarnados, tratando-se de profunda ciência. É o primeiro
compêndio sobre mediunidade, o primeiro livro que se propôs a ver
o fenômeno mediúnico como uma ciência, um caminho de luz para
a humanidade, abandonando o misticismo e adentrando os
caminhos da lógica.
O Evangelho segundo o Espiritismo trata das Leis Divinas, da
moral propriamente dita. Na Bíblia, ou mais especificamente no
Novo Testamento, tem-se um relato da vida e Jesus, desde o
nascimento até a morte. Kardec separou somente os aspectos
morais. O linguajar da época é comentado por diversos espíritos
que ajudam na codificação.
O Céu e Inferno desdobra a parte das penas e gozos futuros.
Trata da questão do céu e do inferno sobre outro prisma, ficando
claro que são na verdade estados da alma.


ϲϱ


Por fim a Gênese, o verdadeiro aspecto científico, discute


Deus, a criação divina, a formação da terra, os períodos de
formação, os milagres e as predições do Cristo.
A codificação, portanto, tem tratado filosófico (Livro dos
espíritos), científico (Livro dos Médiuns e a Gênese) e religioso com
o evangelho e o céu e inferno. Ciência, filosofia e religião. Mais
tarde 10 livros com a revista espírita e o livro Obras Póstumas com
recomendações essenciais para o futuro do espiritismo.
Com isso, a doutrina se inseria no ambiente plural europeu
apresentando respostas plausíveis aos anseios do homem no
momento em questão e alinhada às prerrogativas iluministas,
voltadas para a razão, e científicas, com a prática positivista, ou
seja, de experimento das principais manifestações, utilizando-se
dos jargões do momento.
Sua importância se faz sentir cada vez mais na penetração de
seus princípios filosóficos nos dias atuais e demonstra sua
precocidade ao tratar de assuntos que somente agora estão se
descortinando.
Se o século XX representou uma ruptura no espaço da
morte, desde a segunda metade do século XIX já se evidenciava
uma crise na chamada morte. O niilismo representado por Friedrich
Nietzsche (1844 ± 1900) formou o caldo das angústias, vendo a
morte como um nada, numa única decomposição, a morte, o fim.
Esta angústia continuou a se acentuar, vindo a se tornar
denominador comum nas filosofias de Soren Kierkegaard (1813 ±
1855), Martin Heidegger (1889 ± 1976) e Jean Paul Sartre (1905 ±
1980). A angústia é a própria morte, morte esta que representa o
fim, solitária e única. Por que isso?


ϲϲ


Na ciência moderna, o pensamento cartesiano (René


Descartes) separou a mente da matéria. Este modelo mecanicista,
sustentado posteriormente por Sir Isaac Newton, acabou se
tornando o alicerce da física clássica ocidental, diferente da oriental,
onde a mesma enfatiza a necessidade de uma visão holística do
homem, ou seja, a consciência da unidade do todo e de sua
interação para com todas as coisas.
Isaac Newton (1643 ± 1727) foi o fundador da Física
moderna. Segundo ele, todos os fenômenos celestes, em qualquer
de suas expressões, podiam ser estudados conforme rígidos e
lógicos princípios pré-estabelecidos. Com isso, o universo
converteu-se em uma gigantesca máquina e Deus era o seu
mecânico, garantindo a estabilidade e o perfeito movimento de suas
peças.
René Descartes (1596 ± 1650) foi o mais profícuo iluminista
francês e para ele o Universo era preenchido por vórtices fluídicos
que faziam rodopiar RVDVWURVFRPRUROKDVHPUHGHPRLQKRVG¶iJXD
O Universo cheio de fluidos de Descartes terminou por se unir
facilmente ao de Newton compondo uma unidade estática, eterna
no tempo e infinita no espaço.
A visão deísta, tendo como pilares Newton e Descartes,
sustentava que Deus criara o Universo, porém se apartara dele,
uma vez que este se auto-organizaria e se manteria por meio de
suas próprias e precisas leis.
Fritjof Capra coloca que a cultura ocidental é além de
mecanicista e fragmentária, extremamente valorizada pelo saber da
ciência academicista e coloca em plano inferior o conhecimento
intuito e filosófico.


ϲϳ


A visão holística do universo começa a ser desvelado


mediante as revelações da Física Quântica, à medida que os
diversos modelos subatômicos da matéria vão sendo percebidos
como interligados em mútua interação e interdependência entre
eles.
Stephen Hawking (1942 - ) nega a criação e se calca no fato
da imperfeição da matéria e no processo de entropia (desagregação
molecular), responsável pela decomposição da matéria orgânica.
Aceitar o nada é muito mais cômodo do que tentar explicar algo que
permeia as mentes mais brilhantes em todos os tempos.
Entendendo as premissas que levaram Hawking a negar
Deus, iremos explorar a lógica aristotélica para explicar Deus.
Sendo Deus a causa primária de todas as coisas, a origem de tudo
o que existe, a base sobre o qual repousa o edifício da criação, é
também o ponto que importa considerarmos antes de tudo.
Constitui princípio elementar que é pelos seus efeitos que se
julga uma causa, mesmo quando ela se conserve oculta. Ora, se
existe um efeito é porque existe uma causa, e se existe um efeito
inteligente é porque existe uma causa inteligente. Em toda parte se
reconhece a presença do homem pelas suas ações. Pois bem,
lançando o olhar sobre as obras da Natureza, notamos a
Providência, a sabedoria, a harmonia que presidem a essas obras,
reconhece o observador não haver nenhuma que não ultrapasse os
limites da mais portentosa inteligência humana. Ora, se o homem
não as pode produzir, é que elas são produto de uma inteligência
superior à Humanidade, a menos que se sustente que há efeitos
sem causa.


ϲϴ


Poderemos com tais observações encetar algumas dúvidas.


As obras ditas da natureza são produzidas por forças materiais que
atuam mecanicamente, em virtude das leis de atração e retração;
as moléculas dos corpos inertes se agregam e desagregam sob o
império dessas leis. As plantas nascem, brotam, crescem e se
multiplicam sempre da mesma maneira, cada uma na sua espécie,
por efeito daquelas mesmas leis; cada indivíduo se assemelha ao
de quem proveio; o crescimento, a floração, a frutificação, a
coloração se acham subordinados a leis materiais, tais como o
calor, a eletricidade, a luz, a umidade, etc. Portanto, segundo esse
raciocínio, as forças orgânicas da Natureza são puramente
automáticas, correto?
Tudo isso é verdade; mas, essas forças são efeitos que hão
de ter uma causa e ninguém pretende que elas constituam a
Divindade. Elas são materiais e mecânicas; não são de si mesmas
inteligentes, também isto é verdade; mas, são postas em ação,
distribuídas, apropriadas às necessidades de cada coisa por uma
inteligência que não é a dos homens. A aplicação útil dessas forças
é um efeito inteligente, que denota uma causa inteligente.
O que podemos constatar é que Deus não se mostra, mas se
revela pelas suas obras. A existência de Deus é, pois, uma
realidade comprovada não só pela revelação, como pela evidência
material dos fatos.
A negação de Hawking parte daquilo que ele crê, de que a
matéria sendo corruptível e deteriorável, não é possível que venha
a fazer parte da natureza de Deus. Entendo seu ponto de vista,
tendo como elemento a matéria, mas vale fazer uma ressalva. Se
nos atentarmos somente ao aspecto material, essa avaliação está


ϲϵ


corretíssima, mas se agregarmos algo mais, ou seja, o princípio


espiritual, veremos que a matéria na realidade serve de suporte
para a evolução do espírito.
Entendamos a entropia. A matéria em suas múltiplas
PDQLIHVWDo}HV RUJkQLFD WHP ³SUD]R GH YDOLGDGH´ 2OKHmos nossos
corpos. O processo ontogênico (crescimento desde a fecundação
do ovo até a fase adulta) repete a filogenia (desenvolvimento
específico de cada espécie). Por melhor que cuidemos do corpo,
ele sofre desgaste com o tempo, mas não ocorre a desagregação
das moléculas do corpo. Esse processo somente terá início quando
do fenômeno chamado morte. Nesse instante, o que mantinha
unidas as moléculas se desfaz e se tem início a entropia da matéria.
Pergunto a todos. Qual é o elemento que possibilita a união
molecular??? A resposta é simples e já conhecida desde a
Antiguidade, o Espírito.
Ao colocar o vazio da criação em cima do nada, Hawking
nega o aspecto mais fenomenal do homem como parte da criação e
torna a criação e nós mesmos como meros fantoches
representando na vida, pois de que serve tudo isso, afinal? Se
viemos do nada, para o nada voltaremos, certo?
A ciência, orgulhosamente, retirando Deus de seu caminho,
assume o controle da criação, enxergando-a como um imenso
maquinário submetido à independência das leis físicas. O
pensamento humano bifurcou-se, o corpo físico, apartado do
espírito, torna-se apenas matéria.
Quando tivermos compreendido e conjugado as forças que
nos regem, iremos com certeza olhar para trás e ver como éramos
atrasados e, ao encararmos a frente, teremos a certeza de que


ϳϬ


somos fruto do amor de Deus, criaturas geradas em seu seio


Divino, com a finalidade de crescermos e aprimorarmos nossas
qualidades inatas, somente esperando o campo fértil para o plantio.
André Luiz, no cap.3 do livro No Mundo Maior (1994:45)
coloca que

A crisálida da consciência, que reside no cristal a rolar na corrente do rio,


aí se acha em processo liberatório; as árvores que por vezes se aprumam
centenas de anos, a suportar os golpes do Inverno e acalentadas pelas
carícias da Primavera, estão conquistando a memória; a fêmea do tigre,
lambendo os filhinhos recém-natos, aprende rudimentos do amor; o símio,
guinchando, organiza a faculdade da palavra. Desde a ameba, na água
tépida do mar, até o homem, vimos lutando, aprendendo e selecionando,
invariavelmente.

Portanto, somos seres egressos da matéria primordial, o


átomo vivificado pela presença do princípio inteligente, que no
transcurso evolutivo chegou ao patamar de espírito/homem,
consciente e que continua até o anjo, identificado como o mais alto
grau de perfeição da criação.
Daí, tenho uma postulação; o ser humano tem
aproximadamente 7.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (são 27
zeros à direita). A gigantesca sequência é pronunciada como sete
octilhões e corresponde à quantidade de átomos que formam o
corpo humano. Essa é apenas uma das incríveis curiosidades a
respeito do que compõe a nossa matéria. O corpo humano possui
10 trilhões de células, mas as bactérias estão presentes em número
muito maior. Embora não sejam precisas, estimativas indicam a
existência de ao menos 10 microrganismos (entre bactérias, fungos,
amebas, vermes e parasitas) para cada célula.


ϳϭ


Estas bactérias são fundamentais para o equilíbrio do corpo.


³3RUH[HPSORQRFDVRGRVPLFURUJDQLVPos que são encontrados na
flora intestinal, podemos dizer que eles auxiliam no processo de
metabolismo dos nutrientes, produzindo inclusive algumas
vitaminas essenciais, facilitando a absorção e eliminando produtos
que poderiam ser tóxicos, mas seu crescimento exagerado pode
UHVXOWDU HP SUREOHPDV GH VD~GH´ HVFODUHFH o doutor em Ciências
Biológicas Pietro Ciancaglini, professor titular do Departamento de
Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).
Os átomos que compõem a matéria jamais se tocam. São
sete octilhões de átomos separados entre si. As ligações químicas
(ligações covalentes, metálicas, iônicas, etc.) possibilitam os
diferentes compostos. É o que forma a matéria. Tais ligações são
compartilhamentos de elétrons entre os diferentes átomos, os quais
passam a fazer parte não apenas da nuvem eletrônica de um único
átomo, mas dos dois átomos que agora estão unidos. Cada
molécula é a base da formação dos diferentes compostos, que, por
sua vez, compõem as diferentes células que constituem o corpo
humano.
Outro detalhe interessante é que os átomos são compostos
GHJUDQGHVHVSDoRV³YD]LRV´1RYHQWDHQRYHSRUFHQWRVHJXQGRD
física quântica. A sua estrutura é similar à do sistema solar: uma
parte central concentra a massa (núcleo/sol) e partículas giram ao
seu redor (elétrons/planetas). Os elétrons, porém, se movimentam
como ondas. Sua trajetória não é determinada por uma órbita
regular, mas por um cálculo de probabilidades. Como já diziam os


ϳϮ


antigos ³DVVLP FRPR p QR PDFUR p QR PLFUR´ QmR GL]HPRV QD
Oração do Pai Nosso ± ³$VVLPQD7HUUDFRPRQR&pX´
O corpo humano é constituído por trilhões de células,
compostas por octilhões de átomos, que se estruturam de forma
altamente organizada, em tecidos e órgãos. Para manter o
HTXLOtEULR H D YLWDOLGDGH GR RUJDQLVPR HODV SUHFLVDP ³FRQYHUVDU´
entre si. Isso acontece por meio de mensageiros químicos
denominados hormônios. Eles podem ser produzidos por glândulas
especializadas ou um órgão próprio.
Pois bem, se vamos do átomo ao anjo, isso significa dizer
que somos responsáveis pelos pensamentos e ações em nossas
labutas diárias, pois temos zilhões de filhos a zelar e de dar um
melhor exemplo de como proceder no processo evolutivo.
Como um educador, nossas atitudes ficaram gravadas
nestes átomos que levaram consigo uma pequena carga nossa
oriunda de ponderações pretéritas. Com isso, a questão da reforma
íntima atinge não somente a nós, mas a todo um batalhão de
futuros espíritos que se formarão ao chegarem ao nível
consciencial.
Fazendo analogia com a própria estrutura do organismo,
estamos em constante e mútua interdependência de tudo e todos.
O corpo que abriga o espírito consciencial, tem, por isso, o dever de
melhor se portar frente àqueles que posteriormente irão também
abrigar uma colônia de princípios inteligentes, edificando os
fundamentos espirituais da nova humanidade, fazendo com que, a
trajetória do espírito, após a saída do átomo logre o seu desiderato
final.


ϳϯ


Daí, passamos para a sobrevivência, não mais no Inferno,


mas para a glória da alma imortal. Após a morte, ou seja, quando a
vestimenta carnal perde sua finalidade de manifestação do espírito
e fica esgotado das forças anímicas que o mantém, ele entra em
processo de desagregação molecular, também conhecida como
entropia, pois aquilo que mantinha as células unidas, o espírito,
GHL[RX GH YLYLILFDU R FRUSR &RP LVVR R FRUSR UHWRUQD DR ³Sy´
levando com ele os desajustes que o acometeram. Mas para aonde
vai o espírito?
Ao deixar o corpo físico, o Espírito não fica em estado
letárgico, adormecido indefinidamente à espera do momento do
Juízo Final. Sua posição na chamada Erraticidade, ou seja, as
diversas camadas vibracionais existentes no mundo espiritual dar-
se-á mediante a substância exarada dos pensamentos de cada
mundo íntimo, fazendo com que sejamos atraídos, do mesmo modo
que um ímã, para as regiões das quais tenhamos maior afinidade.
Os caminhos astrais trilhados pelos andarilhos espirituais são
resultados do arcabouço mental-emocional em que se encontra o
recém-desencarnado.
Conforme se entende, todos os dias representam dias de
julgamento e o fato de se ter despojado do corpo físico, não nos faz,
de uma hora para outra, virarmos santos ou sermos capazes de
saber todos os segredos do Céu e da Terra.
Continuamos a existir com as mesmas mazelas psíquicas e
dúvidas que alimentávamos neste plano. A pedra fundamental da
filosofia desta doutrina se refere à questão da responsabilidade
pessoal, pois para cada ação, sofremos uma reação igual e em
sentido contrário. É conhecida como lei de causa e efeito ou Karma.


ϳϰ


Com este entendimento, a proposta de reencarnação se encaixa


dentro do princípio de responsabilidade pessoal, estabelecendo um
esquema de igual oportunidade evolutiva para todos que
poderíamos GHQRPLQDUGH³GHPRFUDFLDHVSLULWXDO´
A posição evolutiva da qual nos encontramos é resultado da
força de nossos pensamentos que modelam nossos atos. Nossos
erros de hoje resultarão nas dores de amanhã, pois o mundo que
habitamos nos serve de escola onde o Espírito aprende suas lições
mediante o palmilhar do longuíssimo caminho que nos leva à
perfeição, possível através do acúmulo das experiências e
sabedoria proporcionadas por um rosário imenso de vidas, que
começam desde o alvorecer dos primeiros clarões da consciência
indo até os mais elevados graus de conhecimento e moral.
As duas forças, morte-renascimento e morte-sobrevivência,
são, faces de uma mesma moeda, cada qual sendo parte integrante
da outra. A morte-renascimento mostra a necessidade do ciclo
morte-vida-morte no intuito de aprimoramento do Espírito imortal,
secundado pelo perispírito, seu duplo, vestimenta deste mesmo
espírito que o acompanha na escalada evolutiva. Portanto, ambas
as concepções estão corretas e são complementares.

BIBLIOGRAFIA
ARIÈS, Philippe. O Homem diante da Morte. São Paulo: Editora
Unesp, 2014.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. São Paulo: Lake, 2013.
MIRANDA, Hermínio C.. Reencarnação e Imortalidade. Brasília:
FEB, 2013.
MORIN, Edgar. O Homem e a Morte. Lisboa: Publicações Europa-


ϳϱ


América, 1970.
XAVIER, Francisco Cândido. No Mundo Maior. Rio de Janeiro:
FEB, 1994.


ϳϲ


COISIFICAÇÃO DO SER HUMANO

Em 23 de Fevereiro de 2017, meu primo, Michel Christos


Creatsoulas, do lado grego da família, exalou seu último hálito, aos
63 anos, idade considerada nova ainda pelos parâmetros atuais da
sociedade. Estava internado no hospital Miguel Couto há alguns
dias. Em seu obituário constava câncer de bexiga, o que levou a
falência dos rins e, consequentemente, a falência geral do corpo.
Neste exato momento, verto lágrimas pela perda de mais um
membro da família grega, que, aos poucos, vai se extinguindo no
Brasil. Ele, juntamente com minha prima Anna, saíram do Cairo,
Egito, novos, juntamente com seus pais, meus tios, para o Brasil,
em 1959, em busca de um futuro melhor, visto o país em que viviam
estar mergulhado com a política nacionalista do então presidente
Nasser, algo parecido com que o atual presidente dos EUA, Donald
Trump, está fazendo nas terras norte-americanas.
Refleti sobre o assunto mais verticalmente, premido pelas
canções gregas que ouço no momento. Pois bem, no meu caso,
todo filho de imigrante acaba herdando certa saudade de algo, da
qual ele não sabe e pode definir exatamente e sobre o que é, pois é
algo que não foi vivenciado na prática, mas, assim mesmo, algo da
qual se sabe da existência, mas que, ao mesmo tempo, se encontra
distante de meu atual mundo de atuação.
Esta persistência se traduz na ideia da existência de algo lá
ao longe que nos pertence e que, ao mesmo tempo, nós também
fazemos parte. Infelizmente, tal sentimento acaba sendo findado na
segunda ou, no máximo, na terceira geração. Vivi imerso na cultura


ϳϳ


grega representada pelas festas, liturgias, comidas, língua,


acompanhado de meus parentes.
Aprendi a ler, escrever e falar a língua natal de meu pai, com
persistência e dedicação, motivo de orgulho de meu pai que não
teve tempo hábil para me ensinar, pois, a labuta da sobrevivência o
absorvia de corpo e alma na manutenção da família e que, neste
ano, perfazem 20 anos que ele deixou este plano.
Mas, com a ação inexorável do tempo, aos poucos, os mais
velhos foram descendo ao túmulo e as novas gerações sucedendo-
os. Agora eu sou um dos mais velhos, com filhos que não possuem
a mesma carga de sentimento, gerada pela ausência destes
mesmos parentes que não mais se encontram no mesmo plano
vibracional que nós.
Os seus filhos, meus futuros netos, terão vaga lembrança
desta carga genética, possivelmente representada somente por um
sobrenome grande e de difícil pronuncia, mas também sou
consciente de que a culpa, se é que exista, não é deles, mas, com
certeza minha, pois não consegui transmiti para eles tal força de
sentimento.
Como educador, historiador e pensador posso afirmar, com
base em experiência própria, que os efeitos negativos da falta de
uma base familiar na sociedade hodierna é a razão de tanto conflito.
As pessoas não têm parâmetros, não sabem de onde vem, para
onde vão e o que são. Faltam-lhes bases sólidas lhe sirvam de
norteador, numa sociedade que globaliza e descaracteriza as
tradições.
Independente disso, o que mais que chamou a atenção, não
somente hoje, mas de algumas situações das quais estive presente


ϳϴ


é a maneira como coisificamos o ser humano. Ao morrer,


perdemos, igualmente a identidade, pois viramos corpo, em início
do processo de entropia, de desestruturação da matéria molecular,
dando origem a uma massa pútrida, a ser descartada no devido
lugar, o cemitério.
Observo tal fenômeno toda vez que alguém desencarna. O
nome da pessoa some e as referências são pautadas somente na
massa carnal. Será que tal proposição tem, como premissa mor, o
entendimento de que o corpo nada mais é do que o veículo de
manifestação do espírito, e que, ao se extinguir a força vital deste
veículo, cansado pelas intempéries da vida, ele já não tem mais
valia?
Schopenhauer escreveu com muita propriedade que ³$
morte anuncia-se abertamente como o fim do indivíduo, mas nesse
indivíduo reside o germe de um novo ser. Logo, nada do que morre
nele morreu para sempre: mas nada do que nasce recebe uma
existência fundamentalmente nova. O que morre, perece, mas um
germe persiste, do qual emerge uma nova vida, que inaugura a
existência, sem saber de onde vem e por que ela é justamente
DTXLORTXHp(VWHpRPLVWpULRGDSDOLQJrQHVH´
Lindas palavras com profundo ensinamento explicitando que
a morte do corpo é o renascimento em espírito, e que, por isso
mesmo, significa a continuação da caminhada que logramos todos
fazer.
Pois bem, primo, siga seu caminho. Em breve estaremos
todos juntos ceando com Hades, bebendo Ouzo, relembrando os
momentos vivenciados e das histórias de nossa família.
Que assim seja.


ϳϵ


A EVOLUÇÃO E A VISÃO ESPÍRITA

O conceito de evolução já era corrente nos oitocentos e


quando das formulações advindas das observações de Darwin,
estas acabaram por produzir um sentimento de vazio, vazio oriundo
pela retirada de Deus da criação, substituído, este, pela letra fria da
ciência.
Na análise espírita, este entendimento teve um aumento
substancial, ao agregar não somente o planeta Terra, mas englobar
o próprio Universo como um todo na ordem de evolução. Referente
a esta compreensão, Kardec (2013: Capítulo III ± Formação dos
Mundos) colocou que ³R 8QLYHUVR FRPSUHHQGH D LQILQLGDGH GRV
mundos que vemos e não vemos, todos os seres animados e
inanimados, todos os astros que se movem no espaço e os fluidos
TXH R SUHHQFKHP´ A assertiva de Jesus mediante às muitas
moradas na casa de meu Pai74, na visão espírita ³VmR RV PXQGRV
que circulam no espaço infinito e oferecem aos Espíritos
HQFDUQDGRV HVWDGRV DGHTXDGDV DR VHX DYDQoR´ (Kardec, 2007:
Capítulo III ± Item 02 - Diferentes Estados da Alma na Erraticidade).
Nesta passagem, o que chama a atenção é que, como os
espíritos evoluem, assim também suas moradas, e estas são
adequadas ao avanço moral que cada um possui em seu arcabouço
de aquisições. Portanto, estes diferentes mundos ³HVWmR XQV HP
relação aos outros, em condições muito diferentes quanto ao grau
GH DGLDQWDPHQWR RX GH LQIHULRULGDGH GH VHXV KDELWDQWHV´ (Kardec,
2007: Capítulo III ± item 03) sendo classificados por Kardec

74
- João, 14: 1 - 3.


ϴϬ


(2007:Capítulo III ± item 04) em diversas categorias conforme o


quadro abaixo;

Mundos Classificação segundo a ótica espírita


Primitivos Destinados às primeiras encarnações da
alma humana.
Provas e
Expiações Domínio do mal sobre o bem.
Regenerad Mundo do qual as almas ainda têm o que
os expiar, haurindo novas forças, repousando
inteiramente das fadigas da luta.
Felizes O bem supera o mal.
Celestes/Di Morada dos Espíritos depurados, nos
vinos quais o bem reina exclusivo.

O planeta Terra, por hora, se encontra, segundo o exposto na


doutrina espírita, na categoria de mundo de provas e expiações,
sendo este o motivo ao qual o homem está exposto a tantas
misérias, dores e lamentos, conforme é explicado no EVE (2007)
nos itens 13 a 15 do capítulo III 75.
Neste caminhar dos mundos, os espíritos acompanham
também mediante o evoluir pessoal. No item 19 (2007:Capítulo III)
tem-se a seguinte colocação;

O progresso é uma das leis da natureza. Todos os seres animados e


inanimados estão sujeitos a ele (...). Tudo morre para renascer, e coisa


75
- Pode-se compreender melhor a assertiva expressa em Matheus 16:27 da qual -
³Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e, então,
dará a cada um segundo as suas obras´


ϴϭ


alguma retorna ao nada. Ao mesmo tempo em que os seres vivos


progridem moralmente, os mundos que eles habitam progridem
materialmente. Quem pudesse acompanhar um mundo em suas diversas
fases, desde o instante em que se aglomeram os primeiros átomos que
serviram para constituí-lo, vê-lo-ia percorrer uma escala incessantemente
progressiva ± mas através de degraus insensíveis a cada geração, - até
oferecer a seus habitantes uma morada mais agradável, à medida que eles
próprios avançam no caminho do progresso. (...) A Terra, seguindo essa
lei, esteve material e moralmente num estado inferior ao de hoje, e atingirá,
sob esse duplo aspecto, um degrau mais avançado (...).

Segundo Chico Xavier (1991:152), os diferentes planos da


evolução

Assim como o Infinito é uma lei para os estados das consciências, temos o
infinito de planos no Universo e todos os planos se interpenetram dentro
da maravilhosa lei de solidariedade; cada plano recebe, daquele que lhe é
superior, apenas o bastante ao seu estado evolutivo, sendo de efeito
contraproducente ministrar-lhe conhecimentos que não poderiam suportar.
A evolução, sob todos os seus aspectos, deve ser procurada com afinco,
pois é dentro dessa aspiração que vemos a verdade da afirmação
evangélica ± ³DTXHPPDLVWLYHUPDLVVHUiGDGR´
À medida que o homem progride moralmente, mais se aperfeiçoara o
processo da sua comunhão com os planos invisíveis que lhe são
superiores.

portanto, ³RSURJUHVVRpDFRQGLomRQRUPDOGRVVHUHVHVSLULWXDLVH
D SHUIHLomR UHODWLYD p D ILQDOLGDGH TXH GHYHP DOFDQoDU´ (Kardec,
2001: Capítulo XI, item 9). Mediante os ditames do Espiritismo, a
finalidade da evolução seria o fio condutor da existência e o
propósito mor da caminhada nas muitas moradas de nosso Pai.
Além dos mundos, os espíritos evoluem. Até chegar ao
estágio em que se encontra (hominal), o princípio inteligente (já irá
se aclarar seu significado) percorreu uma trilha longa e ainda o
continuará até a perfeição relativa, passando por mineral, vegetal,
animal até o estágio hominal.
Ao ver vida em tudo, animada pelo princípio inteligente em
todos os reinos, suplanta-se a teoria de que a matéria é


ϴϮ


responsável pela organização e sustentação de si, sendo assim


capaz de criar vida. Esta é a visão materialista. O proposto pelo
Espiritismo criou um conjunto diferente e vasto do entendimento de
evolução.
Ao alçar o estado hominal, o espiritismo o classifica em dez
ordens, conforme expresso no LE (2013) na questão 101 até a 113.
Nesta classificação, existem três categorias principais, sendo
subdivididas em dez ordens, embora, tal distinção não seja absoluta
(Kardec, 2013: pergunta100).
Segundo Fellipeli76 (2012:67 a 70) são eles;

ESCALA ESPÍRITA
Ordens Classe Características
Divisões Caracteres Gerais Marcantes
Felicidade
Primeira Nenhuma inalterável; Não
Primeira Espíritos Puros influência da estão sujeitos
matéria sobre o às vicissitudes
espírito; da matéria;
Superioridade Dirigem os
intelectual e moral. espíritos
inferiores
percorrendo
todos os graus
da escala.

76
- Não está exatamente desta maneira, mas os dizeres internos sim.


ϴϯ


Segunda Reúnem a ciência,


Superiores sabedoria e a
bondade; sua
linguagem é Predomínio do
benévola, digna e espírito sobre a
Segunda elevada. matéria; desejo
Terceira Moral elevado; do bem; Uns
Prudentes conhecimento possuem a
limitado, mas ciência, outros a
julgam com sabedoria e a
precisão. bondade; unem
Quarta Amplitude de o saber as
Sábios conhecimento; qualidades
ligados mais a morais.
ciência; livre das
paixões inferiores.
Quinta Predomínio da
Benévolos bondade; ajuda
aos mais
necessitados;
moral mais que
intelectual.
Sexta Apegados à
Perturbadores matéria; agentes
da vicissitude.
Terceira Sétima Não suficientes
Neutros bons para fazerem Predominância


ϴϰ


o bem, nem da matéria


exclusivamente sobre o espírito;
maus para fazerem Propensão ao
o bem. mal; ignorância,
Oitava Conhecimentos orgulho,
Pseudossábios amplos, mas egoísmo, vícios,
julgam saberem malícia e
mais do que maldade; nem
sabem. todos
Ignorantes e essencialmente
Nona malignos; maus.
Levianos inconsequentes e
zombeteiros;
causam
contrariedades,
intrigas e induzem
ao erro.
Décima Inclinados ao mal;
Impuros linguagem
grosseira;
estimulam todas as
más paixões.

Após a distinção entre os níveis, o que será aclarado é o


entendimento de princípio inteligente e sua trajetória no processo
evolutivo.


ϴϱ


Comentar sobre evolução e não penetrar no ambiente da


biologia é que nem pedir um chesseburger sem queijo. Para tanto,
far-se-á uma pequena introdução, ínfima, no intuito de criar e
estabelecer o entendimento que se pleiteia, até a confrontação com
as ideias darwinianas.
Ao postular sobre os fluidos77, foi possível observar que todo o
universo é procedente do fluido primordial, denominado pelo
Espiritismo como Fluido Cósmico Universal 78.
Este fluido, como elemento formador da matéria em seus
múltiplos escalonamentos, desde a mais grosseira até a mais
diáfana, sofre as modificações inerentes à própria matéria, desde as
transformações físicas e químicas até o processo de desagregação
e posterior retorno à fonte de origem.
Para poder se manifestar na matéria, utiliza-se do princípio
material, iniciando um longo trabalho de elaboração através dos
évos. Mediante uma longa maturação, este princípio inteligente vai
galgando os patamares evolutivos, passando pelos mais diferentes
degraus até alcançar a consciência de si, como individualidade,
tornando-se a partir deste momento, Espírito. No LE (2013) tem-se
a seguinte indagação de Kardec;

607-a. ± A alma pareceria assim ter sido o princípio inteligente dos


seres inferiores da criação?


77
- Ver item 3.3.1.
78
- Somente como ilustração, a ciência hoje já delineia que o Universo não é vazio,
mas preenchido por um elemento denominado de energia negra, sendo que, o seu
componente principal, é de natureza desconhecida Sua presença é calculada em
aprox. 70% e o restante do Universo preenchido pelos compostos materias, como por
exemplo, os planetas. Sua existência tem a mesma idade da criação do Universo, ou
seja, aprox.13,7 bilhões de anos.


ϴϲ


R: - Não dissemos que tudo se encadeia na natureza e tende a unidade? É


nesses seres, que estais longe de conhecer totalmente, que o princípio
inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e ensaia para a vida,
como dissemos. É, de alguma sorte, um trabalho preparatório, como a
germinação, em seguida ao qual o princípio inteligente sofre uma
transformação e se torna Espírito. É então que começa para ele o período
de humanidade, e com este a consciência do seu futuro, a distinção do
bem e do mal e a responsabilidade dos seus atos. Como depois do
período da infância vem o da adolescência, depois a juventude, e por fim a
idade madura.

Pode parecer estranha a linguagem e o modo de como o


Espiritismo pontua o processo evolutivo, mas, para a doutrina, nós
não somos homens, nós estamos homens, ou seja, no estado
hominal e esta roupagem (corpo) são a vestimenta do Espírito, que
o utiliza no intuito de aprimoramento evolutivo. Cada fase significa
um manancial de aprendizado, que reunidos representam as
aquisições que ficam armazenadas no âmago de cada ser.
Chico Xavier no livro Mundo Maior (1983:41) assim se
exprimiu

Não somos criações milagrosas, destinadas ao adorno de um paraíso de


papelão. Somos filhos de Deus e herdeiros dos séculos, conquistando
valores, de experiência em experiência, de milênio a milênio. Não há
favoritismo no templo universal do Eterno, e todas as forças da criação
aperfeiçoam-se no infinito. A crisálida da consciência, que reside no cristal
a rolar na corrente do rio, aí se acha em processo liberatório; as árvores
que por vezes se aprumam centenas de anos a suportar os golpes do
inverno e acalentadas pelas carícias da primavera, estão conquistando a
memória; a fêmea do tigre, lambendo os filhinhos recém-natos, aprende os
rudimentos do amor; o símio, guinchando, organiza a faculdade da palavra.

Compreendendo este mecanismo, o processo evolutivo do


princípio inteligente se faz mediante o caminhar paulatino,
angariando as experiências no plano físico e estagiando em cada
elo da evolução. A evolução não se efetua na matéria somente,


ϴϳ


mas no intercâmbio entre os dois mundos, o físico e o espiritual,


conforme novamente as palavras de Xavier (2007:35),

Compreendendo, porém, que o princípio divino aportou na Terra, emanado


da esfera espiritual, trazendo em seu mecanismo o arquétipo a que se
destina, qual a bolota de carvalho encerrando em si a árvore veneranda
que será de futuro, não podemos circunscrever-lhe a experiência ao plano
físico, simplesmente considerado, porquanto, através do nascimento e
morte da forma, sofre constantes modificações nos dois planos em que se
manifesta, razão pela qual, variados elos da evolução fogem à pesquisa
dos naturalistas, por representarem estágios de consciência fragmentária
fora do campo carnal propriamente visto, nas regiões extrafísicas, em que
essa mesma consciência incompleta prossegue elaborando o seu veículo
sutil, então classificado como protoforma humana, correspondente ao grau
evolutivo em que se encontra.

Portanto, para o Espiritismo, a busca que os cientistas


realizam no intuito de encontrarem o chamado elo perdido seria
infrutífera, pois, o aperfeiçoamento genético não se faria no plano
material, mas sim, nas esferas invisíveis, impossibilitando, desta
maneira, a busca através do campo condensado (matéria).
Segundo Pinheiro (2009:44),

a ausência desses elos faltosos deve-se à evolução que se processa


também fora da matéria, podendo nesse estágio, onde o princípio
inteligente se encontra revestido somente de forma astral, sofrer
modificações adaptativas com as quais se materializam por ocasião de sua
volta ao plano terreno.

O surgimento da vida no planeta se processou a partir de uma


célula primitiva inicial, que conjugada ao fluido vital, possibilitou ao
princípio inteligente a oportunidade de se manifestar e a partir daí,
vencer as etapas evolutivas, cada vez mais se aperfeiçoando,
aprendendo o roteiro básico da sobrevivência, gravando na
memória todas as suas aquisições até a construção de um corpo
físico-perispiritual, dando o molde necessário para a caminhada do


ϴϴ


Espírito e a partir desta forma, incorporando também suas ações e


sentimento.
Seria esta a verdadeira beleza arquitetada pela Mente
Cósmica, em outras palavras, a criação de um princípio inteligente
tendo como finalidade a conquista dos bens imperecíveis através do
tempo, vindo ao final dessa epopeia, a se tornar um Espírito
Superior? Quem sabe...
Até atingir a fase de humanização, o princípio inteligente
percorreu um longo trajeto e ao alcançá-la, o agora chamado
Espírito, passa a ter a incidência do livre-arbítrio, fazendo com que
somente ele arque com a responsabilidade de seus atos. Esta
responsabilidade é compatível com o grau de conhecimento e
aquisições inerentes ao progresso do Espírito. Nessa fase, Kardec
explicou na GE (2001:Capítulo VI ± A Criação Universal ± item19)
que

aos que desejarem religiosamente conhecer e se mostrarem humildes


perante Deus, direi, rogando-lhe, todavia que nenhum sistema prematuro
baseiem nas minhas palavras, o seguinte: O Espírito não chega a receber
a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente com o livre-arbítrio e a
consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver passado pela série
divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais se elabora
lentamente a obra da sua individualização. Unicamente a datar do dia em
que o Senhor lhe imprime na fronte o seu tipo augusto, o Espírito toma
lugar no seio das humanidades.

Léon Denis (2006:119/120) apresentou o mesmo argumento e


da necessidade do Espírito trilhar a caminhada, pois eles contem

(...) no estado virtual, todos os germens dos seus desenvolvimentos


futuros. É destinada a conhecer, adquirir e possuir tudo. (...) Para realizar
os seus fins, tem que percorrer, no tempo e no espaço, um campo sem
limites. É passando por inúmeras transformações, no fim de milhares de
séculos, que o mineral grosseiro se converte em diamante puro, refratando


ϴϵ


mil cintilações. Sucede o mesmo com a alma humana. O objetivo da


evolução, a razão de ser da vida não é a felicidade terrestre, como muitos
erradamente creem, mas o aperfeiçoamento de cada um de nós, e esse
aperfeiçoamento, devemos realizá-lo por meio do trabalho, do esforço, de
todas as alternativas da alegria e da dor, até que nos tenhamos
desenvolvido completamente e elevado ao estado celeste. (...) Pouco a
pouco a alma se eleva e, conforme vai subindo, nela se vai acumulando
uma soma sempre crescente de saber e virtude. (...) Elevando-se cada vez
mais, não tarde a ligar-se por laços pujantes às sociedades do Espaço e
depois ao Ser Universal.

A evolução, bem mais do que se resumir a matéria, é alçada a


todo o Universo, sendo o princípio inteligente, a partícula divina.
Darwin em suas ponderações não estava errado, simplesmente não
levou em conta o aspecto espiritual e como homem de seu tempo,
manteve-se atrelado ao aspecto dito científico, não levando em
conta outras possibilidades. Pode-se dizer que, mediante os
postulados espíritas, tudo evolui. Referente aos limites da ciência
no estágio em que se encontra, Kardec levantou aos Espíritos
comunicantes a seguinte questão no LE;

19. ± O homem não poderá, pelas investigações da ciência, penetrar


alguns dos segredos da natureza?
R: - A ciência lhe foi dada para o seu adiantamento em todos os sentidos,
mas ele não pode ultrapassar os limites fixados por Deus.
Quanto mais é permitido ao homem penetrar nesses mistérios, maior deve
ser a sua admiração pelo poder e a sabedoria do Criador. Mas, seja por
orgulho, seja por fraqueza, sua própria inteligência o torna frequentemente
joguete da ilusão. Ele acumula sistemas sobre sistemas, e a cada dia que
passa mostra quantos erros tomou por verdades e quantas verdades
repeliu como erros. São outras tantas decepções para o seu orgulho.

Kardec também não estava isento da influência de sua época,


marcada pelo cientificismo, mas teve sensibilidade suficiente em
não se fechar a novos horizontes que lhe estavam sendo
desbravados. Com isso, pode-se verificar que, conforme a resposta
acima deixa claro, o homem ainda se encontra bem aquém de


ϵϬ


compreender o ambiente em que vive, postula suas ideias e


verdades em casulos herméticos, não aceitando outros pontos de
vista e carrega com isso, o orgulho e a vaidade inerentes a espíritos
ainda em fase primária de desenvolvimento.
Portanto, todo o Universo transpira e exala a evolução. Denis
(2006:124) deixa claro que

a evolução dos mundos e das almas é regida pela Vontade Divina, que
penetra e dirige toda a Natureza, mas a evolução física é uma simples
preparação para a evolução psíquica e a ascensão das almas prossegue
muito além da cadeia dos mundos materiais.

Segundo nos elucida Jorge Cerqueira (2010:02), ³QD


concepção espírita, tanto a teoria evolucionista quanto a criacionista
pecam pela falta de percepção do elemento que transcende à
matéria e que é o grande responsável pelo desenvolvimento da
vida: o princípio LQWHOLJHQWHRXHVSLULWXDO´.
Portanto, ao fundir as teorias chega-se ao seguinte
entendimento, assim representado esquematicamente;

Religião Criacionismo O que está sendo esquecido

A essência
E o mundo foi feito em 6 dias
Espiritual
Evolução

Ciência Evolucionismo Material

Evolução da matéria pela matéria

Síntese


ϵϭ


Aliando assim, as duas concepções, ou seja, a ciência e a


religião, o espiritismo demonstra que ambas não são distintas, mas
simplesmente cada um o lado de uma mesma moeda. Este aliar foi
expresso no ESE (2007: Capítulo 01 ± item 08) da seguinte forma;

A ciência e a religião são as duas alavancas da inteligência humana; uma


revela as leis do mundo material e a outra as leis do mundo moral. Mas
uma e outra, tendo o mesmo princípio que é Deus, não podem contradizer-
se (...). São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo têm
que ser completados; em que o véu intencionalmente lançado sobre
algumas partes desse ensino tem que ser levantado; em que a Ciência,
deixando de ser exclusivamente materialista, tem que levar em conta o
elemento espiritual e em que a Religião, deixando de ignorar as leis
orgânicas e imutáveis da matéria, como duas forças juntas que são,
apoiando-se uma na outra e marchando combinadas, se prestarão mútuo
concurso. Então, não mais desmentida pela Ciência, a Religião adquirirá
inabalável poder, porque estará de acordo com a razão, já se lhe não
podendo mais opor a irresistível lógica dos fatos (...).

Darwin e Kardec, ambos têm em seu objeto de estudo o


homem, compartilhando preocupações comuns, origem, evolução e
destino. A diferença entre eles está no modo em que cada um
efetuou suas abordagens; Darwin o direcionou para a evolução
biológica, enquanto que Kardec ampliou a evolução acrescendo os
planos espirituais, que se servem da evolução orgânica para a
manifestação do Espírito. O homem seria, portanto, um produto da
evolução espiritual, mas dependente dos processos biológicos
postulados por Darwin.
Conforme explica Souza (2002:29), ³D WHRULD GDUZLQLDQD
fundamentou-se no agente material, isto é, na evolução biológica da


ϵϮ


vida; e a espírita baseou-se inteiramente na evolução do espírito,


FXMRSURFHVVRHQYROYHXWDPEpPDHYROXomRRUJkQLFD´
No livro Mundo Maior (Xavier, 1983:40) tem-se a seguinte
transcrição da evolução do princípio espiritual conjugada com as
diferentes espécies orgânicas;

O Princípio Espiritual, desde o obscuro momento de sua criação, caminha


sem detença para frente (...). Saiu do seio dos oceanos, atingiu a
superfície das águas, moveu-se para a lama das margens, debateu-se no
charco, chegou à terra firme, experimentou formas na floresta, ergueu-se
do solo, contemplou os céus e após longos milênios, durante os quais
aprendeu a procriar, alimentar-se, escolher, lembrar e sentir, conquistou a
inteligência (...). Viajou pelo impulso, pela irritabilidade, pela sensação,
pelo instinto até chegar à razão.

O planeta foi modelado no transcurso de bilhões de anos e


todos os organismos viventes passaram pelas etapas evolutivas,
gradativamente, percorrendo e angariando as aquisições
necessárias no processo evolutivo.
A extrapolação do conceito de seleção natural, ou seja, de
que somente os mais fortes vencem, acabou gerando em nossa
sociedade um clima de competição exacerbada. Segundo Lipton
(2013:196),

O conceito de darwinismo social, termo cunhado pelo filósofo Herbert


SpenceU WDPEpP FRQKHFLGR SHOD IUDVH ³Vy RV PDLV IRUWHV VREUHYLYHP´ 
mostra bem as implicações da teoria darwinista, a qual incentiva o
melhoramento da humanidade por meio da purificação, referindo-se,
obviamente, à eliminação dos seres geneticamente inferiores e
desfavoráveis. Levada às ultimas consequências, a teoria darwinista se
transformou na sanção do Estado e missão científica do nazismo.


ϵϯ


Hoje, a ciência já derrubou alguns mitos que nos


acompanham desde esta época; primeiro de que só a matéria
existe79, o segundo ponto, de que somente os mais fortes
sobrevivem80, terceiro, de que somos produtos de nossos genes 81 e
por fim, de que a evolução é aleatória82.
Em breve, a dicotomia entre ciência e religião irá findar, pois
mesmo cada uma estando certa em suas proposições,
separadamente, representam simplesmente cada qual um lado da
mesma moeda. Tal tempo não está longe, aguardemos que estes
dois lados serão cindidos inaugurando um novo tempo na história
da humanidade.
Que assim seja.

Bibliografia

CERQUEIRA, Jorge Pedreira de. Cadernos Doutrinários.


Filosofia Espírita. Volume 2. A Caminho do mundo de
Regeneração. Rio de Janeiro: ICEB, 2010.
DENIS, Léon. O Problema do ser, do destino e da dor. Rio de
Janeiro: FEB, 2006.
FELIPELI, Milton. Espiritismo. Fundamentos Históricos e
Doutrinários. São Paulo: Letras & Textos, 2012.


79
- Sabe-se hoje através da física quântica que a matéria é composta, na realidade,
de luz coagulada e a solidez da matéria nada mais é que a velocidade dos átomos que
vibram mais rápidos ou mais devagar.
80
- Na realidade não é pela competição e sim pela colaboração que o homem
sobrevive.
81
- As características que trazemos são obra das aquisições morais que imprimimos
em nós mesmos e as características físicas, estas sim, heranças que são impressas
pelos genitores.
82
- O caminhar evolutivo segue um plano bem definido.


ϵϰ


KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2001.


______________. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de
Janeiro: EME, 2007.
______________. O Livro dos Espíritos. São Paulo: Lake, 2013.
LIPTON, Bruce H. e BHAERMAN, Steve. Evolução Espontânea.
São Paulo: Butterfly Editora, 2013.
PINHEIRO, Luiz Gonzaga. O Perispírito e suas Modelações. São
Paulo: Editora EME, 2009.
SOUZA, Hebe Laghi de. Darwin e Kardec. Um diálogo possível.
CampinDV&HQWUR(VStULWD³$OODQ.DUGHF´
XAVIER, Francisco Cândido. Emmanuel. Rio de Janeiro: FEB,
1991.

________________________. No Mundo Maior. Rio de Janeiro:


FEB, 1983.

________________________. O Consolador. FEB: Rio de Janeiro,


2001.
XAVIER, Francisco Cândido e VIEIRA, Waldo. Evolução em Dois
Mundos. Rio de Janeiro: FEB, 2007.


ϵϱ


POLITEÍSMO MODERNO

Reiteradas vezes me questiono referente às questões do


politeísmo/monoteísmo e das reminiscências que herdamos da
antiguidade e que ainda a perpetuamos, hodiernamente, em nossos
cotidianos sem nos apercebermos de como tal procedimento está
intrinsicamente arraigado em nossas mentalidades.
Como herdeiros do Judaísmo, o Cristianismo manteve em
suas bases o Deus Único, porém, diferente em sua acepção basilar
das origens judaicas, pois o judeu tem o Deus/vingador e já no
Cristianismo é o Deus/Pai. O monoteísmo moderno possui algumas
considerações e questionamentos a serem feitas que, no momento,
eu os compartilho com os leitores.
Na antiguidade oriental, as principais civilizações que
vigoraram, tanto na Mesopotâmia, quanto no Egito (principais
regiões de florescimento de centros populacionais urbanos), tiveram
em suas bases de poder, a religião e o poder temporal andando de
mãos dadas. Montado no tipo de governo denominado de teocrático
(do grego teo ± deus e kracia ± governo), o governante se
autodenominava como instituído no poder por determinação do
Deus principal da cada religião, ou, como no caso egípcio, o faraó
sendo o próprio deus encarnado.
Passando para o Ocidente, os gregos, também em sua
civilização, cultuaram uma plêiade de deuses, cada qual com
atuação em determinada área (exs: Ares ± Guerra, Athenas ±
Justiça e por aí vai...), mas, todos subordinados ao Deus principal e
neste caso me refiro a Zeus, principal representante do Olimpo.


ϵϲ


No Panteão Romano, Júpiter é o senhor do Universo, mas,


assim como nos gregos, mantinham uma infinidade de divindades
que atendiam aos consulentes em seus mais variados desejos e
situações.
Em todos, em seus templos de adoração aos deuses, várias
oferendas, desde comidas, flores e até sacrifícios de animais, eram
ofertadas em troca de proteção e de pedidos pessoais de influência
nas sociedades apresentadas.
A partir do crescimento do cristianismo, principalmente em
Roma e posterior substituição do politeísmo pela religião do Deus
único, iniciado por Constantino, no Edito de Milão, em 312 e
ratificado em 391 como religião oficial do Império, por Teodósio I, o
mundo ocidental assimilou a religião promulgada pela cidade
detentora do poder do mundo conhecido e execrou o paganismo de
suas plagas.
Levando com mãos de ferro, implantou com sangue, suor e
controle das mentes, seu domínio durante os últimos quase 1600
anos. Pois bem, a partir daqui começam as reflexões que exarei no
início.
Conforme dito, somos, ou nos consideramos monoteístas,
pois acreditamos em um só Deus, entretanto, se pararmos para
pensar melhor, em nossa sociedade, principalmente as de caráter
mais predominantemente católico, a atuação dos chamados santos,
em muitas das vezes, suplanta a devoção a Deus. Explicarei
melhor.
O feriado de São Jorge, realizado em 23 de Abril, no estado
do Rio de Janeiro, faz parte de uma tradição importada, sendo
incorporada pelas religiões de matriz afras (Umbanda e Candomblé)


ϵϳ


com uma roupagem diferente, que lhe proporcionou status de maior


importância na cultura nacional. Vejamos como se deu este
sincretismo.
O termo sincretismo visa identificar a fusão de diferentes
doutrinas para a formação de uma nova, seja de caráter filosófico,
cultural ou religioso. O sincretismo absorve e mantém
características típicas de todas as suas doutrinas-base, sejam
rituais, superstições, processos, ideologias e por aí vai.
Etimologicamente, a palavra "sincretismo" se originou a partir
do grego sygkretismós, que significa "reunião das ilhas de Creta
contra um adversário em comum", vindo a ser traduzido
posteriormente para o francês como syncrètisme, dando origem,
com isso, à sua variante na língua portuguesa, ou seja, sincretismo.
O processo de sincretismo está intrinsecamente ligado às
relações de comunicação entre grupos sociais heterogêneos, ou
seja, com diferentes culturas, costumes e tradições. Quando ocorre
o contato e se desenvolve um convívio entre estes grupos distintos,
surgem, digamos, "adaptações" nos vários aspectos culturais,
fazendo com que aconteça a absorção de um grupo do sistema de
crenças do outro.
O processo de sincretismo mais conhecido e também o mais
estudado é o sincretismo religioso. Entendamos; O sincretismo
religioso significa a mistura de uma ou de mais crenças religiosas
em uma única doutrina. Este modelo de sincretismo, assim como o
cultural, nasceu e nasce a partir do contato direto ou indireto entre
crendices e costumes distintos, de povos conquistados e
assimilados.


ϵϴ


Pode-se citar, como exemplo deste processo, à adaptação e


absorção que o cristianismo fez de conceitos das religiões pagãs na
Europa durante a consolidação da Igreja Católica no continente. O
nascimento de Jesus em 25 de dezembro foi apropriado pela Igreja
a partir de uma festa pagã, muito comum e popular pelos soldados
no Império Romano e "cristianizaram" a data, vindo a comemorar o
nascimento de Jesus pela primeira vez no ano 354 (embora haja
divergências entre a data).
A tal festa pagã, chamada de Natalis Solis Invicti ("nascimento
do sol invencível"), era uma homenagem ao deus persa Mitra e foi
estipulado no ano de 350, através do Papa Júlio I, sendo mais tarde
oficializado como feriado pelo Imperador Justiniano em 529.
Portanto, a Igreja utilizou os costumes e tradições dos
pagãos em benefício da doutrina cristã, reconstruindo os discursos
já estabelecidos nas sociedades pagãs em nome do cristianismo.
No Brasil, o sincretismo religioso nasceu desde a chegada
dos primeiros colonizadores portugueses e se intensificou com a
presença dos escravos africanos, que, em contato com as
populações nativas do Brasil (os indígenas), disseminou os seus
costumes, rituais e tradições.
Voltemos ao exemplo de sincretismo no culto de São Jorge.
Envolto em mistério desde seu berço (os documentos que
comprovariam sua trajetória foram destruídos ao longo de dois
séculos pela própria Igreja), tem-se, na versão mais aceita, de que
ele nasceu em 280 na Capadócia (Turquia atual), mudando-se com
a mãe para a Palestina ainda adolescente, vindo a se alistar no
exército romano. Ao questionar ordens sobre as perseguições aos
cristãos, foi preso e torturado, morrendo no dia 23 de abril de 303


ϵϵ


sem se converter ao paganismo. Sua tumba está até hoje em uma


igreja na cidade de Lod, Israel.
Mediante a ausência de comprovação científica dos seus
milagres, em 1960, sua celebração foi redefinida pelo papa João
XXIII como apenas uma comemoração. Nove anos depois, Paulo
VI, afirmou que o dia 23 de Abril seria postulado como de memória
facultativa (assim como Jesus), vindo em 2000, com João Paulo II,
a recuperar a importância de status na Igreja.
O santo no Brasil foi adaptado. Os escravos fingiam adorar
um santo da Igreja, mas, na verdade, estavam cultuando o orixá
correspondente àquele santo, ou seja, Ogum, o orixá da guerra, do
combate, do ferro e da metalurgia.
Esta mudança consolidou-o como um dos santos mais
populares no Brasil, embora, na Bahia, ele esteja associado com
Oxóssi, responsável pela proteção das florestas e dos animais.
O exemplo de São Jorge demonstra como nos apropriamos e
redefinimos padrões já existentes com um discurso próprio, sem
que, muitas das vezes, saibamos dizer sua origem e o modo como
tal discurso veio a fazer parte de nossas vidas.
Em cada santo, a representatividade de suas atuações. São
Cristóvão para os caminhoneiros, Santo Antônio para as titias
solteironas, Nossa Senhora de Aparecida como padroeira do Brasil,
a festa do Círio de Nazaré em Belém que arrasta multidões, sem
contar com as bases sincréticas, como no Brasil das religiões afro-
brasileiras, referente à Iemanjá, só para citar uma delas.
O que me chama a atenção é o seguinte raciocínio: Conforme
eu escrevi, cada civilização tinha seus deuses, mas em todas elas,
um era considerado como principal, ou seja, era a divindade maior.


ϭϬϬ


Cada um destes pequenos deuses tinham suas áreas de atuação


específicas. Se observarmos melhor, seguimos os mesmos
preceitos, pois, temos uma divindade maior e vários de seus,
digamos, dignitários, exercendo suas ingerências nas áreas de
influenciação específicas.
3RUWDQWR SHUJXQWR ³2 TXH PXGRX""´ 5HDOPHQWH DQDOLVDQGR
com esta premissa que postulei, nada. Continuamos a ter vários
deuses, no caso moderno, santos, que são os intermediários de um
Deus maior. Quem faz o milagre é o santo; a quem se cultua e é
devoto, é o santo. Deus permanece inacessível a nós, pobres
mortais, daí a utilização destes seres mais próximos de nós.
Pensemos em outro detalhe. A questão das oferendas.
Existem preconceitos oriundos da falta de informações referentes
ao assunto. Quando vemos alguém colocando algum tipo de
alimento na rua ou na mata, não raro tem outro que grita ³Wi
DPDUUDGR´1RYDPHQWHHXSHUJXQWR³1mRFRORFDPRVHDFHQGHPRV
velas nas igrejas??? Não depositamos flores em túmulos??? Qual a
diferença??? Quando vamos aos templos de pedra, não efetuamos
as mesmas solicitações de nossos ancestrais??. Portanto, nada
mudou, somente a roupagem externa, mas a interna, permanece,
daí meus pequenos questionamentos.
Vivemos em sua sociedade monoteísta com roupagem
politeísta ou uma sociedade politeísta disfarçada de
monoteísta???? O que realmente mudou nestes 10 mil anos? Vejo
que o conhecimento de determinadas leis da física nos abriu o
campo das antigas manifestações míticas; somos uma sociedade
mais industrializada e urbana, com certeza, mas ainda amarrada a
preceitos antigos de mentalidade, principalmente quando se refere


ϭϬϭ


ao campo religioso. Achamo-nos muito modernos, mas ainda


repetimos as mesmas operações de tempos idos.
Caso colocasse em um quadro esquemático, ter-se-ia a
seguinte representação;

TEMPO ANTIGO MODERNO


Espaços Templos Igrejas/Sinagogas
Dirigentes Sacerdotes Padres/Pastores/Rabinos
Oferendas Animais/Flores/Comidas Dízimo (Dinheiro)/Velas
Pedidos Proteção/Amor/Família Proteção/Amor/Família
Intercessor Deus Principal Deus Principal
Intermediários Deuses Secundários Santos
Culto Politeísta Monoteísta

No quadro simples acima, algumas considerações. Antes


como agora, as pessoas iam aos templos homenagear o deus
principal, levando oferendas diversas, em forma de alimentos
(grãos, animais, etc.), entregando-os aos sacerdotes, solicitando
proteção e favorecimentos, para si e para a família. Nas
residências, existiam os altares dos deuses familiares e,
dependendo do que exerciam, ainda professavam a interferência de
outra entidade, neste caso, ao deus específico do que queriam.
Hoje, vamos aos templos modernos, homenagear Deus e aos
deuses menores, os santos, professando nossos medos e
ansiedades aos representantes modernos do céu na terra, levando,
além das súplicas, as devidas benesses pecuniárias, para que
nossas rogativas sejam atendidas.


ϭϬϮ


Os representantes, ou se quiserem, os intermediários entre a


divindade maior e a multidão incauta continuam ao bem querer
daqueles que detém o poder mediante uma suposta capacidade de
serem artífices do contato divino e, regulando, com isso, os anseios
e desejos dos fieis, submissos aos caprichos dos dignitários do
sagrado.
Para mim, me parece bem claro que mantemos as mesmas
bases e estruturas mentais, mudando somente a roupagem exterior
e nomes, mas que no fundo, representam os mesmos ideários de
nossos antecessores.
Bem, este é apenas um pequeno material para refletirmos
sobre nós mesmos e que somos produtos de nossos ancestrais,
mais do que imaginamos.


ϭϬϯ


ESPIRITISMO EM FASES
PENSAR ± SENTIR ± AGIR

O Espiritismo é uma das doutrinas sociais que proliferou no


ambiente multiplural europeu da segunda metade do século XIX.
Século rico em manifestações e ideias, pode-se ressaltar o
socialismo utópico, que findou com a supressão das revoltas em
1848, o socialismo científico com a publicação do manifesto
Comunista de Karl Marx, mais tarde identificado como marxismo, o
positivismo de Auguste Comte, o evolucionismo de Darwin com A
Origem das Espécies, o anarquismo, o viés cientificista, etc..., enfim
uma profusão de propostas que assolaram os oitocentos e que
levou a uma fragmentação do conhecimento ainda maior no século
XX.
Referente ao Espiritismo, o mesmo teve na figura de Allan
Kardec, pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804 -
1869), o seu codificador, isto porque, segundo ele, foram os
espíritos quem ditaram os ensinamentos, ficando a seu cargo a
função de compilá-los, no que ficou conhecido como a estrutura
basilar da doutrina.
Rivail era bem conhecido em Paris, pois exercia o
magistério, tendo uma quantidade razoável de livros publicados,
mas, além disso, se interessava pelo magnetismo, técnica trazida
por médico alemão Franz Anton Mesmer (1734 ± 1815), que
introduziu no campo acadêmico no século XVIII a possibilidade de
se comprovar cientificamente a sobrevivência da alma e a
comunicação com os mortos. Segundo ele, existiria no ser humano,


ϭϬϰ


assim como em toda a natureza, uma energia magnética passível


de ser manipulada pela vontade e pelo uso das mãos e da
possibilidade desta energia ser posta a serviço da Medicina.
A questão é que na época em questão, no início dos anos 50
dos oitocentos, Paris, assim como em toda a Europa, fervilhava
com uma novidade advinda dos Estados Unidos; as mesas girantes.
Para entendê-las, temos que recuar um pouco. Vejamos:
Em 31 de março de 1848, no condado de Hydesville, um
típico vilarejo do Estado de Nova York, aconteceram as primeiras
manifestações com batidas. A casa era habitada por uma família
metodista de sobrenome Fox e após várias incidências, conseguiu-
se verificar que os sons não eram produzidos por demônios ou
Deus, mas sim pelo espírito de um homem. Charles Rosma se
comunicou, informando as indicações de sua passagem pela
residência, o qual foi morto pelo anterior proprietário, sendo
enterrado no subsolo. A comunicação só se fez possível devido à
mediunidade das irmãs Fox e foi estabelecida mediante o uso de
EDWLGDVDWUDYpVGHSHUJXQWDV³VLPRXQmR´
Após este episódio, começou-se a especular o que seria tal
fenômeno. Produzia-se mediante a formação de uma cadeia
magnética ocasionada pelos participantes? A mesa além de girar,
redarguia a perguntas das pessoas mediante batidas. Embora
encarada com frivolidade, o fenômeno das mesas que giravam,
saltavam e corriam acabaram chamando a atenção do cientista
Rivail, que entrevia, naquelas aparentes futilidades e no
passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de
sério, como que a revelação de uma nova lei, a qual ele foi estudar
a fundo.


ϭϬϱ


Os fenômenos das mesas girantes não se limitaram a Paris,


pois ocorriam em outras cidades da França, como Nantes e
Marselha. As indagações de Rivail o levaram a busca da causa das
mesas girantes, participando com mais assiduidade das sessões no
transcurso do ano de 1855 e que acabaram culminando na
aplicabilidade efetiva do método experimental, e, mediante este
processo, o professor Rivail compreendeu a gravidade da tarefa a
empreender e para tal, se cercou de cuidados para não se iludir,
reconhecendo como um dos primeiros resultados de suas
observações, a fabilidade dos espíritos comunicantes, pois os
mesmos não eram senão homens despojados de sua veste carnal.
Em cada sessão realizada, Rivail apresentou uma série de
perguntas preparadas e metodicamente arranjadas e recebeu de
volta respostas precisas, profundas e lógicas. À medida que o
material se avolumava, começou a se inquirir na publicação do
material, no intuito de torná-los públicos, para instrução de todos.
Nascia, assim, o Livro dos Espíritos, entregue à publicidade
em 18 de Abril de 1857. Três anos mais tarde, surgiu a segunda
edição, sendo esta revista e aumentada para a edição atual,
contendo 1018 e/ou 1019 questões. A partir deste momento, Rivail
adotou o pseudônimo de Allan Kardec, fazendo referência à
encarnação ocorrida na Gália, no período da invasão romana tendo
a frente Júlio César e tal procedimento, segundo sua colocação,
seria de o livro era obra dos espíritos, sendo estes, portanto, seus
verdadeiros autores.
Ele é considerado como o codificador da doutrina. O termo
codificador é utilizado para Allan Kardec devido o mesmo ter
organizado e sistematizado os conteúdos da doutrina espírita. O


ϭϬϲ


entendimento de codificar vem do latim, codice + fic, variante de


facere. Isto significa que reunir, compilar, coligir ou transformar em
sequência de sinais determinados códigos, dando o entendimento
do proposto do título de Kardec.
Dando continuidade ao empreendimento, dez meses após a
edição do Livro dos Espíritos, Kardec promoveu um veículo capaz
de circular e popularizar as ideias espíritas. Tal veículo foi um jornal
com feição de revista com o título ± ³5HYXH 6SLULWH´ ± Journal
³'¶(WXGHV3V\FKRORJLTXHV´, lançado em 1º de Janeiro de 1858. Em
1º de Abril do ano corrente foi fundado a Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas após o pedido formal efetuado e autorizado pelo
Senhor Prefeito de Polícia de Paris.
O Livro dos Espíritos se constituiu numa reflexão filosófica
que abrange o passado da humanidade e do espírito, o presente e
o futuro, trazendo os seguintes ensinamentos; Criação Divina e
Deus, a vida do espírito no que tange à vida de encarnado, neste e
em outros planetas, quanto à vida espiritual, incluindo os sonhos e
vida do espírito durante o sono físico, relação entre homens
encarnados e desencarnados, as leis divinas que regem o universo,
penas e gozos futuros. A partir deste livro, os outros acabaram se
constituindo em uma ampliação dos assuntos tratados neste.
O Livro dos Médiuns explicita a relação entre espíritos
encarnados e desencarnados, tratando-se de profunda ciência,
sendo o primeiro compêndio sobre mediunidade e o primeiro livro
que se propôs a ver o fenômeno mediúnico como uma ciência, um
caminho de luz para a humanidade, abandonando o misticismo e
adentrando os caminhos da lógica.


ϭϬϳ


O Evangelho segundo o Espiritismo trata das Leis Divinas, da


moral propriamente dita. Na Bíblia, ou mais especificamente no
Novo Testamento, tem-se um relato da vida e Jesus, desde o
nascimento até a morte. Kardec separou somente os aspectos
morais. O linguajar da época é comentado por diversos espíritos
que ajudaram na codificação.
O Céu e Inferno desdobra a parte das penas e gozos futuros.
Trata da questão do céu e do inferno sobre outro prisma, ficando
claro que são na verdade estados da alma.
Por fim a Gênese, em seu aspecto científico, discute Deus, a
criação divina, a formação da terra, os períodos de formação, os
milagres e as predições do Cristo.
A codificação, portanto, tem tratado filosófico (Livro dos
Espíritos), científico (Livro dos Médiuns e a Gênese) e religioso com
o Evangelho e o Céu e Inferno. Ciência, filosofia e religião. Mais
tarde 10 livros com a revista espírita e o livro Obras Póstumas, com
recomendações essenciais para o futuro do espiritismo.
O professor Rivail utilizou o método científico 83 para realizar
os seus experimentos, fazendo uso da razão e da lógica como
instrumentos para a experimentação, observação e conclusão dos
estudos. A diferença está no objeto de estudo. Para Kardec foram
os espíritos que vivem fora do corpo e que se comunicavam em
reuniões preparadas especialmente para esta finalidade (Felipeli,
2012:24).

83
- O desenvolvimento do método científico tem em seus primórdios os gregos sendo
os primeiros a refletir sobre a distinção de conhecimento vulgar e saber científico, mas
é a partir do Renascimento que esta distinção se torna mais evidente, pois, ter-se-á
um conhecimento filosófico e outro científico. Passa, então, a ser exigido um método
no intuito de garantir a exatidão do conhecimento que se adquiri. Hodiernamente é
extremamente difícil aceitar as verdades que não se enquadrem neste preceito.


ϭϬϴ


A Doutrina Espírita caracteriza-se, portanto, pelo tríplice


aspecto em que se pronuncia, sendo este o seu alicerce. Segundo
Públio de Paula (2002:14/15)84

O caráter científico está justamente na observação sistemática e metódica


dos fenômenos, de cuja experimentação foi deduzido e comprovado todo o
edifício filosófico. O aspecto filosófico repousa solidamente na lógica dos
ensinos obtidos dos espíritos a respeito da origem, destino e natureza dos
espíritos, da criação e do universo que, juntos, conspiram em sua
harmonia para a evolução e progresso e o aspecto religioso, consequente
das conclusões filosóficas, impele o homem na direção de Deus,
consciente de quem é, porque está na Terra, qual a razão das
experiências que vive.

Bem, a partir do momento de edificação do corpo doutrinário


até os dias atuais, o Espiritismo teve três momentos distintos. O
primeiro pautado, dentro das próprias premissas do século em que
nasceu, um viés mais evidenciado na parte prática, científica; o
segundo momento dentro de sua característica mais religiosa, ou
seja, na prática caritativa e, por fim, o momento da qual estamos
vivendo, o entendimento da aplicabilidade de sua filosofia no
cotidiano de nossas vidas.
O trinômio pensar, sentir e agir é evidenciado dentro das três
proposições exaladas pelo Espiritismo ± os aspectos científico,
religioso e filosófico. No aspecto científico, a construção do
conhecimento que veio a iluminar grande quantidade de fenômenos
até então, desconhecidos em sua operacionalidade; no âmbito
religioso, a visão do outro, reconhecido como extensão de nós
próprios, irmãos em criação emanados de uma mesma fonte divina


84
- Na Introdução do Livro dos Espíritos escrito por J. Herculano Pires, redigida em 18
de Abril de 1957 quando do 1º centenário, tais elucidações são exaradas pelo autor
explicitando o tríplice aspecto da doutrina.


ϭϬϵ


e, terminando, a questão filosófica, onde após o conhecimento e fé,


o aplicamos em nós mesmos, em nossas labutas diárias.
Portanto, mediante um quadro esquemático, teríamos a
seguinte proposição;

ESPIRITISMO

Ciência Pensar Conhecimento Iluminação Ideia

Religião Sentir Fé Sustenta Função

Filosofia Agir Autoamor Constrói Forma

Com praticamente 160 anos de existência85, a doutrina teve


períodos bem definidos, cada qual enfocando os aspectos acima
salientados. Conforme expresso na parte introdutória, Kardec se
interessou pelas mesas girantes, pois reconheceu algo a mais do
que a simples diversão, mas o fenômeno começou realmente em
1848. Destarte, poder-se-ia caracterizar o primeiro momento de
Fenomenológico, onde vários cientistas do período se debruçaram
no estudo da ectoplasmia, levitação, materializações, entre outros
tantos aspectos. O período se estendeu até o ano de 1923, ano da
fundação Internacional Spiritualist Federation (ISF), em Liège,
Bélgica.
Após os primeiros Congressos realizados respectivamente
Barcelona (1888), Paris (1889) e Liverpool (1901), conseguiu-se em
1923, a criação do órgão, principalmente após o término da Grande
Guerra (1914 ± 1918), da qual pereceram milhares de pessoas.

85
- O artigo foi escrito em Janeiro de 2017.


ϭϭϬ


Num segundo momento, de 1924 até 1999, temos o que


poderíamos chamar de período caritativo, principalmente no Brasil,
tendo como figura basilar, Francisco Cândido Xavier (1910 ± 2002),
mais conhecido como Chico Xavier, que dedicou sua vida ao
próximo. Segundo a antropóloga Sandra Jacqueline Stoll
((2003:61), o Espiritismo, por ser uma religião importada, ao
adentrar o Brasil

se difunde no país confrontando-se com uma cultura religiosa já


consolidada, hegemônica e, portanto, conformadora do ethos nacional.
Sua difusão, como postulam certos autores, foi em parte favorecida pelo
fato das práticas mediúnicas já estarem socialmente disseminadas, de
longa data, no âmbito das religiões de tradição afro. No entanto, em
contraposição a estas, o espiritismo define sua identidade, elegendo como
sinais diacríticos elementos do universo católico. Deste, porém, não
endossa apenas (...) certas práticas rituais. O espiritismo brasileiro assume
XP ³PDWL] SHUFHSWLYHOPHQWH FDWyOLFR´ QD PDQHLUD HP TXH LQFRUSRUD j VXD
prática um dos valores centrais da cultura religiosa ocidental: a noção
cristã de santidade.

A vida e obra de Chico foram exclusivamente dedicadas à


divulgação e propagação da mensagem espírita, sendo responsável
pelo enorme vulto que veio a tomar em nosso país. A data de
término deste período coincide com o fim da atividade psicográfica 86
de Chico, tem sidos seus últimos livros escritos e lançados nesta
data.
Por fim, a partir de 2000, entramos no período filosófico, ou
seja, a aplicabilidade na vida cotidiana dos preceitos espíritas, daí
entende-se a assertiva de Kardec de que, o Espiritismo, seria uma

86
- Acordo definição que se encontra no vocabulário espírita, a psicografia é a escrita
dos espíritos pela mão de um médium. Outro termo a ser aclarado é o de médium:
Aquele que serve de intermediário entre os espíritos e os homens. Referente à
psicografia verificar no LM (capítulos XIII - itens 152 a 157) e XV (itens 178 a 182),
assim como na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita no LE ± Item V ±
Desenvolvimento da Psicografia.


ϭϭϭ


ciência, pautada em preceitos filosóficos que acabam gerando


atitudes com maior moralidade e ética.
Na bibliografia espírita é possível verificar tais divisões, não
necessariamente a bibliografia da época, mas a que trata da época
analisada. Entendamos;
Charles Robert Richet (1850 ± 1935) foi um dos
pesquisadores iniciais dos fenômenos espíritas, vindo depois a
publicar seu Tratado de Metapsíquica, em 1922, assim como
William Crookes (1832 ± 1919), físico e químico britânico, que
postulou em 1872 a existência proveniente às emanações do
rádium (alfa e gama) e às oriundas dos raios X. Vale a pena
ressaltar que o pesquisador inglês começou a verificar os diversos
fenômenos espíritas na busca de fraude e de explicações no campo
material. Após anos de pesquisa, acabou creditando a autenticidade
das manifestações e veio a se tornar um espírita dos mais
influentes em sua época devido ao caráter científico de suas
pesquisas realizadas.
Chico Xavier, em seus mais de 400 livros impressos, sempre
direcionou seu discurso para a prática do bem e da caridade, sendo
sua vida o exemplo maior de doação.
O foco atual, da qual os livros mais recentes tratam, recai em
outro tema bem debatido nas lides espíritas. A chamada reforma
íntima, em que o profitente assume as devidas responsabilidades
pelos seus atos perante o tribunal Divino.
Cada período foi dividido em períodos de 75 anos,
simplesmente como procedimento didático, sabedor de que, mesmo
com as referidas ênfases em cada período analisado, os outros


ϭϭϮ


aspectos se entremearam, mesmo que um tenha se sobressaltado


frente aos demais.
Ciência, religião e filosofia. O tripé em que se sustenta o
arcabouço teórico do Espiritismo, poderia ser entendido mediante
esta divisão, mesma que sujeita a revisão, mas propicia um olhar
mais atento ao conteúdo impresso divulgado nos livros espíritas,
privilegiando, cada qual, uma retórica em questão.
Em suma, conforme diria meu amigo Sérgio de Lima Hage, o
conhecimento ilumina, a fé sustenta, mas o amor constrói. O
conhecimento é a ciência, que nos dá o entendimento dos fatos
mediante o uso da razão, o pensar; a fé, a religião, não a religião
dogmatizada e castradora, mas o sentimento espiritualizado de que
fazemos parte de algo maior, estando tudo junto e conectado, o
sentir; por fim, a filosofia, que após as etapas de pensar e sentir, faz
com que apliquemos em nós e a nós, os conhecimentos adquiridos
com fé, o autoamor que todos temos que ter conosco mesmo, o
agir.

BIBLIOGRAFIA

CERQUEIRA, Jorge Pedreira de. Cadernos Doutrinários. Volume


1 ± Ciência Espírita ± Espiritismo, Metodologia, Fé e Ciência.
Rio de Janeiro: Edilar, 2007.
_________________________. Cadernos Doutrinários. Filosofia
Espírita. Volume 2. A Caminho do mundo de Regeneração. Rio
de Janeiro: ICEB, 2010.
DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. São Paulo: Editora
Pensamento, 2011.


ϭϭϯ


FELIPELI, Milton. Espiritismo. Fundamentos Históricos e


Doutrinários. São Paulo: Letras & Textos, 2012.
KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2001.
______________. O Céu e o Inferno. Rio de Janeiro: FEB, 1994.
______________. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de
Janeiro: EME, 2007.
______________. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1999.
______________. O Livro dos Espíritos. São Paulo: Lake, 2013.
______________. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB,
2000.
PAULA, Públio Carísio de. Noções Gerais de Espiritismo.
Araguari: Minas Editora, 2002.
STOLL, Sandra Jacqueline. Espiritismo a Brasileira. São Paulo:
Edusp, 2003.
THEODORIDIS, Nicolas. Arquitetura das Ideias. A
Dessacralização da Sociedade Ocidental e o advento da fé
raciocinada no contexto europeu da segunda metade do século
XIX. Jundiaí ± São Paulo: Paco Editorial, 2015.


ϭϭϰ


CIBERJIHAD

O que leva os jovens da Europa a se alistarem nas fileiras do


Estado Islâmico (EL)? Quais são os processos motivacionais que
estão atraindo estes mesmos jovens, que, em vários casos, não
possuem descendência islâmica, a se tornarem radicais na
exacerbação dos preceitos religiosos?
Uma das respostas possíveis é de que a propaganda do
grupo extremista está pautada em um sentimento profundo nos
jovens no sentido de se libertarem do peso da liberdade ofertada
pelo mundo ocidental. O que o Islã radical teria a oferecer seria a
salvação, ou pelo menos, propósitos na forma de uma vida regrada
com estritos padrões morais, hábitos diários determinados e mais
uma vez a rejeição inequívoca da liberdade. Mas por que a
liberdade individual, conquistada mediante árduas lutas passou a
ser um peso na vida dos jovens modernos?
A tradição europeia, tendo como legado os ideais propalados
pela Revolução Francesa (1789), tem, em seus pontos basilares, a
ideia a liberdade humana como um de seus postulados, e que,
acabaram gerando, em contrapartida, uma degeneração paulatina
dos costumes e um processo de dessacralização da sociedade,
pois libertou as pessoas das amarras impostas pela tradição e das
restrições advindas da religião, ponto fulcral no entendimento do
movimento jihadista.
Interessante observar é que, mesmo com toda esta retórica
de submissão aos códigos religiosos, o Estado Islâmico se utiliza de
uma interpretação distorcida do seu livro sagrado, o Corão, para


ϭϭϱ


justificar a existência de escravas sexuais, capturadas a força e


utilizadas ao bel prazer dos instintos primários dos combatentes.
O estupro de milhares de garotas adeptas de religiões
diferentes do Islã ganhou, com isso, uma nova roupagem,
transvestida com atos de devoção religiosa, pois ao praticá-lo, o
jihadisWDHVWDULDVHJXQGRVXDFRQFHSomRPDLVSUy[LPRGH³'HXV´
$ UHIHUrQFLD TXH ID]HP p UHODWLYD j IUDVH ³DTXHODV TXH VmR
PmR GLUHLWD SRVVXL´ LQWHUSUHWDGD SRU VpFXORV FRPR ³PXOKHUHV
HVFUDYDV´ $ OHLWXUD VHOHWLYD TXH R (O ID] GR &RUmR QmR DSHQDV
justifica a violência, mas celebra cada ataque sexual como
³HVSLULWXDOPHQWH EHQpILFR H DWp YLUWXRVR´ VHMD Oi R TXH LVWR
representa...
Tal prática tem sido posta em ação desde agosto de 2014,
depois da conquista pelo El, das vilas situadas no flanco sul do
Monte Sinjar, localizadas no norte do Iraque, lar dos yazidis, uma
minoria religiosa que representa menos de 1,5% da população do
país.
Outro possível entendimento seria que, com o
desencantamento político, assoberbado com escândalos e
corrupção nos altos escalões governamentais, acabou
³HPSXUUDQGR´ HVWHV MRYHQV SDUD R VHLR GD UHOLJLmR LVOkPLFD HP
busca de respostas. Esta despolitização acarretou no crescimento
do extremismo, pois o distanciamento da política trouxe de volta o
sentimento de pertencimento étnico e religioso, que leva à
sensação de proteção, autoestima e dignidade, antes ofertada pelo
sistema político e que, foi se dissipando paulatinamente, fruto das
incongruências dos atuais representantes do poder.


ϭϭϲ


Tal posição reafirma o cenário atual de desintegração dos


partidos laicos pelo mundo, verificável inclusive no Brasil, com a
ascensão de correligionários ligados as correntes de cunho
religioso, principalmente protestantes, que estão em crescimento
vertiginoso, cada vez mais invadindo as bancadas políticas, com
representantes nas esferas municipais, estaduais e federais.
O Ciberjihad seria, portanto, parte deste processo de
chamamento dos jovens ao redor do mundo. Tendo uma postura
fincada em uma violenta rejeição da modernidade, mas não de
todas as suas ferramentas, o El se utiliza da mídia eletrônica, a
Internet, para passar suas mensagens e recrutar os simpatizantes
para suas fileiras, além de contar com uma interpretação extrema e
literal de certos ensinamentos do Islã sunita, que combinado entre
si, acabam sendo de apelo irresistível.
Portanto, a ideologia jihadista, faz parte desse novo universo
cultural, em que o homem, desprovido de Deus, se viu perdido,
mergulhado na materialidade e sem objetivos relevantes para a
vida, criando terreno propício e fértil para o crescimento do
extremismo religioso nos dias atuais.
O conceito de ideologia não vem de Marx, ele apenas o
retomou. Ele foi inventado por um filósofo francês pouco conhecido,
Destutt de Tracy, que em 1801 publicou um livro chamado
³(OHPHQWVG¶,GpRORJLH´. Quando Marx, na primeira metade do século
XIX, encontrou o termo nos jornais, revistas e debates, sendo usado
no sentido metafísico daqueles que ignoram a realidade. É nesse
sentido que Marx vai utilizá-lo a partir de 1846 em seu livro
chamado ³$,GHRORJLD$OHPm´.


ϭϭϳ


Conforme definido no livro ³)LORVRIDQGR´, a ideologia, seria,


portanto, um conjunto lógico, sistemático e coerente de
representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de
conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o
que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e
como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o
que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo
explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de
caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos
membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação
racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais
atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir
das divisões na esfera da produção.
Portanto, a função da ideologia é assegurar uma determinada
relação dos homens entre si e com suas condições de existência,
adaptando os indivíduos às tarefas prefixadas pela sociedade.
As classes dominantes utilizam desse arcabouço ideológico
para dominar as massas o que lhes permite exercer como natural
sua dominação, aceitando como universais os valores específicos
de sua classe.
Essa universalidade das ideias e dos valores é abstrata
porque na realidade concreta o que há são classes particulares com
interesses divergentes e a ideologia de uma sociedade coesa oculta
a divisão de classes.
Vamos às considerações. O homem, quando se diz incapaz
de lidar com a liberdade, pode-se compreender mediante nossa
conduta de negação, pois é muito mais fácil incutir a culpa de
nossos erros aos outros do que assumi-los. Vejamos quando somos


ϭϭϴ


crianças; quando pegos em alguma transgressão, a primeira atitude


que temos é a de negarmos a autoria e quando mais velhos, ao
assumimos determinado erro, dizemos que fomos levados por
alguém, ou que alguma situação exógena e alheia à vontade,
³IRUoRX´DH[HFXomRGHGHWHUPLQDGRDWR
Na tradição judaico-cristã, no primeiro livro da Bíblia, o
Gênesis, conta que o primeiro casal de seres humanos, criados por
Deus, pelo ato de sua desobediência, são expulsos do Paraíso
Terrestre, e destinados a sofrer as intempéries de sua atitude,
dando origem aos males que afligem a humanidade desde então.
Fruto da desobediência, a atitude deles foi causada pelo uso
do livre-arbítrio, selando o destino e provocando a abertura da
Caixa de Pandora (mito grego), espalhando as dores e doenças,
assim como também das atitudes provenientes do ato, como as
ações beligerantes da raça humana.
Pois bem, a violência poderia ser erradicada caso o uso do
livre-arbítrio fosse controlado, levando os seres humanos a uma
postura de passividade frente aos desígnios divinos. Isso somente
seria possível através da posse da semente original do fruto
RULJLQDGRGD³ÈUYRUHGRFRQKHFLPHQWRGR%HPHGD0DO´XPDGDV
iUYRUHV FRORFDGDV QR -DUGLP GR eGHQ D RXWUD HUD D ³ÈUYRUH GD
9LGD´
Nós, ocidentais e adeptos do cristianismo (entendido aqui com
todas as suas subdivisões, mas que seguem o Novo Testamento),
ainda apregoamos que Jesus morreu na cruz em prol de nossos
pecados, nos redimindo, desta maneira, frente aos olhos do
Criador, nos eximindo de nossos atos pecaminosos e suas
posteriores consequências. Portanto, o que se pode esperar destes


ϭϭϵ


jovens que simplesmente delegam ao outro o seu livre-arbítrio??


Realmente é muito mais fácil e cômodo do que assumir suas
responsabilidades e tomadas de posição.
O código moral exarado pelo cristianismo é de pureza
cristalina, mas, para tal, é exigido do postulante, atitudes
condizentes de conduta frente a si, aos outros e a vida em geral,
condições que acabam sendo um fardo para as pessoas imaturas
mentalmente.
O livro sagrado dos muçulmanos é de extrema beleza,
inclusive o Jihad, traduzido e interpretado erroneamente desde as
campanhas militares dos muçulmanos, iniciado após a morte de
Maomé, 632, e, posteriormente, com os europeus, a partir do século
XI, no intuito de reconquista da cidade de Jerusalém, representa a
OXWDGRKRPHPLQWHUQRFRPRH[WHUQRHQmRFRQWUDR³LQILHO´RXVHMD
aquele que não segue os ensinamentos de Maomé, enfatizando
que os enfrentamentos a qual estamos imersos diariamente e o
controle de nossas sombras interiores, representam as reais metas
a serem perseguidas.
São os homens que distorcem os ensinamentos mediante
interpretações de cunho partidárias, assim como fizera com
diversas passagens da Bíblia, das quais serviram para apoiar as
Cruzadas (convocada pelo Papa Urbano II no Concílio de Chermont
em dezembro 1095), a Inquisição, o massacre dos índios nativos
das Américas, entre outras tantas barbáries.
Em suma, segundo os especialistas, esta tendência de
captação de jovens ocidentais para ingressar nas lides radicais
islâmicas, tende a se fortalecer no cenário mundial, ocasionado pela
desfragmentação da família ocidental, da falta de diretriz destes


ϭϮϬ


jovens, órfãos de um fio condutor que propicie um objetivo real a


suas vidas. Mas, qual a importância da família ou, melhor dizendo,
de sua ausência?
Inicialmente, o conceito família advém desde o grupamento
dos homens em torno de seu núcleo familiar. Eu escrevo conceito,
pois é uma ideia elaborada, trabalhada e posta em aplicabilidade na
vida cotidiana e a mesma vem sofrendo modificações no transcorrer
da caminhada do homem nas paragens terrestres.
Na Antiguidade, conforme explicitado no livro de Fustel de
Coulanges, ³$&LGDGH$QWLJD´, a figura central estava localizada no
pater, aquele que era o patriarca daquele grupamento. Ele como
figura mais velha ficava encarregado das decisões jurídicas do
grupo, sendo responsável pelo bem viver da comunidade. Quando
do ingresso no seio familiar de um escravo, este passava a ser um
membro da família e outra maneira era no enlace matrimonial no
qual a mulher deixava de pertencer a sua família de origem para
prestar homenagem ao Deus familiar do seu marido.
Explico essa passagem, pois cada família tinha um Deus
familiar visto a multiplicidade de Deuses existentes e ao fazer parte
da família do marido, a mulher abandonava o culto dos Deuses
familiares de seu grupamento para reverenciar o do seu escolhido.
O culto aos manes (espíritos dos mortos familiares) far-se-ia dentro
da ritualística presidida pelo pater familiar, algo parecido com o
praticado pelo Xintoísmo no Japão de hoje.
O que consideramos como democracia, tendo sua criação
situada na Grécia Clássica, na realidade é a reunião dos demos
(grupos) tendo por figura responsável o patriarca do grupamento em
prol da cracia (governo) da Cidade Estado.


ϭϮϭ


Podemos constatar que o conceito de família centrado na


figura do pater sofre modificações no avançar dos evos e que não
necessariamente a consanguinidade era a argamassa do seio
familiar. Quando da formação do Estado Moderno, a
responsabilidade privada do pater é transferida para a ingerência
pública, tendo com isso uma interferência cada vez mais acentuada
do poder público no privado, fato qual facilmente verificável de
como nossas vidas são afetadas pelas ações governamentais.
Alvin Toffler no livro ³$ 7HUFHLUD 2QGD´ demonstra bem esse
enxugamento da família moderna em torno do núcleo atômico no
seu dizer composto pelo casal e dos filhos. Uma mudança sentida
nos relacionamentos modernos, diferente da composição atômica
proposta por Toffler, é formada pela reunião dos filhos oriundos de
FDVDPHQWRV GHVIHLWRV FULDQGR ³RV PHXV RV VHXV H RV QRVVRV´
ampliando o leque familiar.
Outro aspecto notado é que aquilo que consideramos como
reunião familiar transcende o simples congregar de elementos
centrados nos laços consanguíneos e sim naqueles que se reúnem
oriundos de interesses provenientes de inúmeras situações. Essa
ligação se dá pela questão da afinidade que possuímos em relação
a uns em detrimento de outros. O modo de pensar e agir frente aos
nossos semelhantes é determinante como elemento chave de
aproximação ou de repulsa que assumimos em nossas relações
diárias e mesmo nos aspectos de parentela não poderia ser
diferente, pois independente da proximidade exigida pelas
convenções sociais, vamos eleger aqueles que fazem parte de
nosso metiê no convívio mais íntimo.


ϭϮϮ


Podemos exemplificar essa situação em que por vezes somos


tão diferentes de nossos irmãos de sangue, em gostos, atitudes,
maneiras de pensar e agir, mas nos identificamos com outros fora
do seio familiar que nos são especiais no trato diário.
Na reunião em questão, essas nuanças são identificadas pelo
fato de congregarmos além do núcleo familiar, aqueles que nos são
aprazíveis no convívio, fazendo parte dessa maneira da festa e
outros da dita família são afastados pela falta de identificação
proveniente de seu caráter comportamental.
A família ainda hoje é o núcleo da sociedade, onde os
preceitos de um bom encaminhamento devem ser exarados pelos
pais que são responsáveis pela formação de um caráter alicerçado
em bases morais com intuito de construção do homem de bem. Tal
qual o câncer em que a célula doente se multiplica comprometendo
a saúde do organismo, a família como célula da sociedade, tem a
responsabilidade de orientar os rebentos pelo reto proceder na
sociedade, centrada nas ações para consigo e com o próximo.
Muitas vezes, mesmo não nos identificando com os pareceres
pessoais, cabem a nós, homens de bom senso, sabermos
reconhecer que cada qual é portador de individualidade cabível ao
nível intelectual e moral, não sendo, portanto de bom alvitre, julgar
pelas nossas premissas e sim reconhecermos que cada qual está
em um patamar de entendimento do mundo de acordo com suas
visões e experiências do mundo, procurando utilizar o ensinamento
do Mestre Galileu de que com a mesma medida que julgarmos,
seremos também julgados (Matheus 7:1 e 2).
Esse entendimento propicia um melhor viver conosco e com
os nossos, pois evidencia que ninguém é passível de atirar a


ϭϮϯ


primeira pedra, pois estamos todos imersos em visões relativas de


uma mesma verdade.
A vida em comunidade requer que reavaliemos nossas
posturas arraigadas em preceitos axiomáticos de que detemos a
razão, sendo que a dita razão pode ter outra face para o outro.
Tendo esse entendimento bem assimilado, com certeza nosso
convívio social assumirá novas dimensões no trato com nossos
irmãos de caminhada.
Fruto da ignorância e da cegueira espiritual, ainda estamos
longe de nos vermos como irmãos fraternos, sem fazermos uso do
real entendimento do significado do conceito de alteridade, ou seja,
de procurar compreender o outro mediante sua visão de mundo.
O que nos resta é que, independente de qualquer bandeira
hasteada, seja religiosa, seja partidária, do seu time de qualquer
modalidade esportiva, de gênero, ou qualquer outra coisa, cada
pessoa respeite a opinião do outro e procure não fazer julgamentos
etnocêntricos, mediante sua própria cultura.
Com isso em mente, com certeza, muitos dos atuais conflitos
que grassam pelo planeta, seriam sanados e resolvidos.


ϭϮϰ


ENTROPIA SOCIAL:
FINAL DOS TEMPOS
OU
PRELÚDIO DE UM
NOVO ALVORECER?

INTRODUÇÃO

O mundo que vivemos torna-se cada vez mais complexo.


Estamos todos conectados a tudo, imersos dentro de um
emaranhado, como que envoltos em uma rede. A construção desta
rede é a responsável por todo o desenrolar e desenvolvimento da
humanidade, visto que, mediante a interligação propiciada pelos
fatos e eventos, onde tudo e todos estão amarrados, a rede cresce
cada vez mais, prendendo novos pontos, estendendo a densidade
dos filamentos, tornando-se, com isso, cada vez mais complexos os
emaranhados. A cada transformação de uma dessas pequenas
partículas, automaticamente as outras são afetadas, independente
de tempo e espaço.
Na mitologia budista, a Rede de Indra87 vem a significar a
divindade homônima, onde a mesma criou o mundo, tecendo-o
mediante uma teia e que, em cada um dos encontros dos fios desta
teia, existiria uma pérola amarrada, significando tudo o que já
existiu ou que existe, não somente materialmente, mas também as

87
- A construção desta rede pode ser relacionada com a interdependência existente
nas sociedades modernas, em seus múltiplos aspectos, principalmente depois do
advento da Internet, que nos conectou em uma aldeia global.



ϭϮϱ


ideias. Cada pérola está amarrada a outra demonstrando a


interligação existente entre tudo e todos. Qualquer modificação
acaba interferindo o restante das outras.
Hoje, em consonância com a teoria do Big Bang, se admite na
física moderna, que a matéria foi criada a partir de um único ponto,
portanto, conectada a este ponto inicial, acarretando na
interconexão que liga tudo a todos, servindo de base para muitas
explicações que a ciência moderna não consegue resolver
mediante seus atuais parâmetros de investigação, pautados
somente na matéria.
Norbert Elias (1897 ± 1990) já nos chamava a atenção na sua
sociologia histórica, que em cada padrão de época, a
autoconstrução pessoal não ocorre à margem dos preceitos
vigentes e em voga na sociedade. Esta rede de relações na
construção pessoal é visível e vinculada nos outros, pois,
influenciamos e somos por eles, influenciados.
Segundo as palavras de Elias (1994, p. 35),

nessa rede, muitos fios isolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem
a totalidade da rede nem a forma assumida por cada um de seus fios,
podem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos
eles, isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da
maneira como eles se ligam, de sua relação recíproca. Essa ligação
origina um sistema de tensões para o qual cada fio isolado concorre, cada
um de maneira um pouco diferente, conforme seu lugar e função na
totalidade da rede. A forma do fio individual se modifica quando se alteram
a tensão e a estrutura da rede inteira. No entanto essa rede nada é além
de uma ligação de fios individuais; e, no interior do todo, cada fio continua
a constituir uma unidade em si; tem uma posição e uma forma singular
dentro dele 88.


88
- A escrita em itálico de rede é de minha autoria no intuito de chamar a atenção
mediante a explanação anterior da ³5HGHGH,QGUD´


ϭϮϲ


Ao visualizar as sociedades humanas verificar-se-á que,


segundo as palavras de Souza, (2002, p. 24),

cada qual com sua cultura, religião, seu modo particular de viver e de
entender o mundo, (...) existindo um comportamento natural do ser
humano que é o de se escorar nos princípios que acredita serem
verdadeiros, e negar outros que possam ser contraditórios, rejeitando
totalmente quaisquer outras ideias, sem pensar, pelo menos, no que elas
poderiam conter de razoável ou de lógica.

Referente a cultura, Barzun indaga da sua importância,


fazendo, também, citação de que

(...) a cultura é uma teia de múltiplos fios; nenhum é tecido sozinho nem
qualquer deles é cotado numa data claramente fixada, como o caso das
guerras e dos regimes. Eventos comumente tidos como aqueles que
possuem a marca da novidade no pensamento ou da mudança na cultura
nada mais são do que enfáticos postes indicadores, não muralhas que
anunciam fronteiras intransponíveis. (2002, p. 09).

O panorama intenso e dinâmico que compõe a complexa


sociedade em que vivemos se consolidou nas cidades, que para
tanto teve que acomodar um número cada vez maior de pessoas,
principalmente após o século XIX, fruto da Revolução Industrial.
A tecnologia se faz presente em cada lar, o papel
representado pela mulher após a revolução sexual a tornou
independente e ativa no mercado, as expectativas de vida
aumentaram e ficaram de melhor qualidade. As legislações,
acompanhando as mudanças, incorporaram vários adendos nas
promulgadas leis de cada país e os padrões de antes ficaram
ultrapassados na tentativa de explicar as novas relações e
interações, resultado das mudanças acontecidas nas imbricações
socias.


ϭϮϳ


Destarte, estas transformações se processaram de maneira


gradual, enquanto que outras se sucederam mais abruptamente,
mas, independente disso, aconteceram. Como são processos
culturais, sua assimilação demora a ser digerida pelo todo, mas faz
parte do entendimento de como reelaboramos conceitos arraigados
com o tempo mediante as mudanças que se sucedem a cada
momento.
Toda sociedade humana tem que ser entendida como um
empreendimento de construção do mundo, ou seja, um produto
humano que acaba acarretando um fenômeno dialético que
retroage sobre o seu produtor, resultado de processos sociais das
quais o indivíduo participa ativamente.
Conforme asseverou Stewart (s/d, p. 45),

Sociedade é ação em concerto, é cooperação; é fruto do comportamento


propositado do homem. A origem da cooperação, da sociedade e da
civilização, que transformaram o homem animal num ser humano, se deve
ao fato de o trabalho realizado sob o signo da divisão do trabalho isolado,
e ao fato de que a razão humana foi capaz de perceber essa verdade,
essa realidade.

A sociedade, sendo preexistente a ele, continuará a existir


após sua passagem, mas o fator mais importante, é que, ele está
inserido dentro de determinada cultura, sendo esta ainda uma forma
de expressão e tradução da sua realidade, conferindo significados
às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais que se
apresentam de forma cifrada, portanto, por serem possuidores de
significado e uma apreciação valorativa específica, já dada, pois,
³GHVGHRQDVFLPHQWRH[HUFHSUHVVmRQRVHQWLGRGHTXHFHUWRVWLSRV


ϭϮϴ


GH FRPSRUWDPHQWR DGPLWLGRV FRPR RV PHOKRUHV VHMDP DFDWDGRV´


(RIZZINI, 2014, p. 294).
Cada identidade é construída em torno de elementos de
positividade, que agregam as pessoas em torno de atributos e
características valorizadas, rendendo reconhecimento social a seus
detentores. Toda e qualquer trajetória de vida individual, vem a
refletir episódios da história da sociedade, pois os desdobra em
uma série de acontecimentos dentro desta realidade
(HALBWACHS, 2011).
Portanto, cada memória pessoal vem a representar um
complexo sistema de relações que determinam um papel essencial
na formação da consciência coletiva de cada grupamento humano,
³PXLWR mais do que a reprodução de uma sequência prévia de
DFRQWHFLPHQWRV´ )217$1$S 
Esta sociedade confere ao indivíduo, não somente um
conjunto de papéis, mas também, a sua própria identidade,
entendida como fenômeno objetivamente real do mundo social em
que vive, embora saibamos que sejam produções puramente
humanas, radicados no fenômeno da exteriorização. O mundo
social, com suas instituições, papéis e identidades, acabam sendo
absorvidos ativamente pelo indivíduo, fazendo-o se reconhecer
como tal e o estimula a ser um coprodutor do mundo social e,
portanto, de si mesmo.
Neste sentido é interessante observar que a desorganização
mediante a morte é um dos traços fundamentais do funcionamento
da sociedade, da organização do sistema, pois a existência da
cultura, isto é, de um patrimônio coletivo de saberes, de normas e
regras institucionais, etc., somente adquirem sentido porque as


ϭϮϵ


gerações são sucedidas por outras, tornando assim necessário


transmiti-las às novas gerações. O sentido pleno somente acontece
em função da morte.
Ao vislumbrar a morte, buscamos entendê-la mediante a
Segunda Lei da Termodinâmica, a Entropia. Entendamos; a matéria
HPVXDVP~OWLSODVPDQLIHVWDo}HVRUJkQLFDWHP³SUD]RGHYDOLGDGH´
Olhemos nossos corpos. O processo ontogênico, ou seja, da
fecundação do ovo até a fase adulta, repete a filogenia,
desenvolvimento específico de cada espécie. Por melhor que
cuidemos do corpo, ele invariavelmente irá sofrer desgaste com o
tempo, mas, mesmo assim, não ocorre a desagregação das
moléculas do corpo. Esse processo somente terá início quando do
fenômeno chamado morte. Nesse instante, o que mantinha unidas
as moléculas se desfaz e se tem início a entropia da matéria.
Mesma analogia pode se inferir a sociedade.
A complexidade da hodierna sociedade criou laços
indissociáveis entre os seus membros e, consequentemente,
quando uma destas engrenagens não funciona devidamente, o todo
é afetado. Na imagética da Entropia Social, vejo que, da mesma
maneira das engrenagens, se considerarmos a sociedade com um
todo, um organismo vivo, cada indivíduo seria representado por
uma molécula, representando cada um a sua atuação social.
Sendo o indivíduo, parte integrante de determinado (s)
arcabouço (s) cultural (is) erigido (s) pelo homem, este vem a
assumir uma ³VHJXQGD QDWXUH]D´, sendo alguns deles materiais e
outros não. Com todo este escopo, quando os indivíduos não
atendem mais as premissas basilares da sociedade em questão,


ϭϯϬ


fatalmente ela será levada a um estado de entropia, neste caso,


social.
Um estado anárquico, criado pela dissociação de seus
elementos constituintes, representa, da mesma maneira, o que se
sucede no corpo humano quando as moléculas e átomos entram
em processo de desagregação. Na sociedade, o fato ocorre quando
os indivíduos não possuem mais hierarquia a seguir, entrando esta
mesma sociedade em completo estado de desestruturação social.
Hodiernamente, estamos em uma crise coletiva de identidade,
mais precisamente, uma crise espiritual, ou melhor dizendo, do
vazio em seu centro, aliado a falta de propósitos mais elevados, do
que simplesmente a busca dos bens terrenos. Esta sociedade é
vista como materialista, gananciosa, sem sentidos mais refinados e
com valores morais e éticos empobrecidos.
Através da Sociologia 89 é que conseguimos analisar as
transformações da sociedade. A Sociologia se notabilizou como
ciência no século XIX, tendo em seu arcabouço teórico e
metodológico, regras e métodos que a identificam e a diferenciam
com tal. A análise das relações interpessoais é passível de se
verificar através das intensas mudanças que ocorrem na
complexidade de uma sociedade, como a nossa, e que acabam
levando constantemente a novos padrões de comportamento,
H[LJLQGR XP ³XSJUDGH´ FRQWtQXR QDV LQIRUPDo}HV 7+(2'25,',6
2014a, pp. 52 a 54).


89
- Os trabalhos de Martins (1982), Longo (1975) e de Bouthoul (1966) serviram de
base para o estudo do nascedouro e compreensão da formação da Sociologia como
ciência e de sua área de atuação.


ϭϯϭ


De acordo com a Sociologia, a sociedade a qual interagimos é


de forma dinâmica pela interação de seus integrantes, modificando
a forma de se relacionarem entre si e a maneira de como esses
mesmos integrantes veem a sociedade. Cada cultura tem um tipo
peculiar de encarar a realidade, tendo, por exemplo, num país como
o Brasil, de dimensões grandiosas, múltiplos enfoques regionais
diferenciados.
Para ilustrar o modo de análise e interpretação da sociologia
UHSURGX]R R WH[WR ³$QDWRPLD GD 6RFLHGDGH´ 7+(2'25,',6
2014a, p. 14 a 17) que enfoca o caso do goleiro Bruno através do
prisma sociológico para que possamos compreender além do ato
em si e como se explica a repercussão do ocorrido e a atenção
desenvolvida nesse período pela população em geral.
Vamos começar exarando algumas considerações voltadas
para a elucidação de conceitos sociológicos para que possamos
compreender a intenção precípua do texto em questão.
Vivemos num organismo dinâmico denominado sociedade.
Esse sistema social é um sistema de interação de uma pluralidade
de pessoas, o qual se analisa tomando-se por base de referência a
teoria da ação, ou melhor dizendo, como os atores sociais se
interagem entre si. Cada um de nós desempenha um papel social e
cada papel dentro desse sistema social é carregado de determinado
status. O papel é o setor organizado da orientação de um ator que
constitui e define sua participação num processo de interação. O
status concedido ao indivíduo é ao mesmo tempo, caracterizado e
limitado pela maneira segundo ele (indivíduo) preenche os papéis
associados a esse status.


ϭϯϮ


Portanto, podemos constatar que a razão de se atribuir ao


status uma posição de importância no sistema social deve-se ao
fato de ser o status do indivíduo um dos mais poderosos
determinantes do seu comportamento e também ao fato de possuir
o status uma origem claramente social. Com isso, quem determina
o valor para cada papel e o status que esse papel representa dentro
da sociedade somos nós mesmos.
&RPR DWRUHV VRFLDLV ³YHVWLPRV´ YiULDV SHUVRQDOLGDGHV GR
grego persona que significa máscara, daí sua origem no teatro
grego, onde o ator interpretava vários papéis), cada qual dentro do
grupo social ao qual interagimos. Cada grupo tem suas
peculiaridades e assim agimos de acordo com as regras postadas
em cada um.
Traduzindo todos esses conceitos para a vida prática,
observamos que desempenhamos vários papéis tais como, pai,
filho, marido, irmão, empregado, patrão, sócio de algum grupo,
pertencimento a algum grupo de estudo, afiliado a alguma
agremiação religiosa, etc. Poderíamos completar esta linha de
raciocínio somente com as subdivisões aos quais nos interagimos.
Em cada um desses subgrupos, temos condutas diferenciadas,
embora muitas das vezes sutis, mas cada qual exige um
determinado padrão de comportamento. No fundo somos nós
(individualidade), mas perante a sociedade somos quem a
VRFLHGDGH GHILQH FRPR ³SROLWLFDPHQWH FRUUHWR´ SHUVRQDOLGDGH 
mascarados com o verniz social. Quando fugimos ao padrão,
ficamos a margem.
Os padrões culturais que nos norteiam são orientados por
valores que vão atuar na estrutura social. São esses padrões


ϭϯϯ


valorativos, institucionalizados pela estrutura social, que vão pautar


a conduta dos membros adultos da sociedade, por meio dos
mecanismos dos papéis, em combinação com outros elementos.
Dentro dessa expectativa de comportamento, qualquer
movimento contrário ao grupo em questão exerce sobre o indivíduo
pressão da sociedade. Temos expectativas de aplicabilidade de
vários papéis na sociedade. Por exemplo, aqueles que exercem a
atividade educativa na sociedade têm em seu papel social a
transmissão de conhecimento. O não cumprimento de seu papel
acarretará tensão, podendo o mesmo ser destituído de suas
funções visto que as expectativas que a sociedade espera de sua
atuação profissional não estão sendo preenchidas adequadamente.
Com isso, o grupo irá excluir o indivíduo de seus quadros.
Esse processo se adéqua a todos e a tudo. Estamos tão
profundamente imersos dentro desse complexo organismo que não
nos atentamos as sutilezas de sua engrenagem de funcionamento.
No caso do status, esse mesmo profissional da educação
caso somente tenha o curso superior, terá um status menor do que
um que detenha uma pós-graduação Latu Sensu, por exemplo. Este
também terá seu status menor em comparação ao que detenha um
Mestrado ou Doutorado e assim por diante. Verificamos que quem
determina o status é a sociedade, elegendo um maior prestígio a
um em detrimento do outro. Daí o prestígio do status ser sempre
referente no confronto de indivíduo para indivíduo.
No caso de Bruno, ele desempenha, como ator social, um
papel de status elevado pela posição que a sociedade atribui ao
jogador de futebol. Esse prestígio é mais elevado ainda pelo fato do
pertencimento do jogador a uma instituição (Flamengo) que agrega


ϭϯϰ


ao seu redor o maior número de torcedores, criando com isso uma


carga maior de expectativa ao seu redor. A expectativa gera com
isso determinado tipo de comportamento esperado por todos.
Vemos que o personagem Bruno é um e o homem é outro. Na
aplicabilidade de seu papel social ele possui um status destacado e
exaltado pela sociedade e como individualidade revela as mazelas
do ser humano, eivado de fraquezas e vícios.
O caso que acometeu o goleiro é dos tantos que grassam ao
redor do mundo, descortinando aos nossos olhos a animalidade que
ainda reina em nós.
O caráter de status que atribuímos as pessoas não
corresponde à realidade íntima que trazemos. Daí quando uma
GHWHUPLQDGD ³FHOHEULGDGH´ Ve vê envolta em um caso de
repercussão como o do Bruno, a sociedade se debruça em volta,
expedindo todos os quais seus comentários e tentando entender
como isso é possível. Se partirmos de outra premissa, veremos que
quem atribui determinada expectativa pelo outro somos nós, através
do papel social que esse indivíduo exerce, mas que não condiz com
o estado íntimo que ele carrega dentro de si.
Afinal, quem é este homem? Por que cada vez mais
promulgamos a decadência da sociedade ocidental? Quais são os
valores que se esvaem na conjuntura atual? Estaremos, então,
vivenciando o decantado fim dos tempos, o apocalíptico bíblico, ou,
ao invés disso, o alvorecer de um novo prelúdio?
Bem, vamos entender como o conceito de decadência de
nossa sociedade teve início e suas conotações no mundo atual.

FINAL DOS TEMPOS


ϭϯϱ


Desde meados dos oitocentos ao início do século vinte, a


noção de decadência começou a grassar mais enfaticamente na
sociedade ocidental, mas as referências podem ser identificadas
bem anteriormente. ³'HFDGrQFLDVLJQLILFDOLWHUDOPHQWHGLVVROYHU  
mas, (...) também a relação de declínio dos padrões intelectuais e
PRUDLV´ +(50$1S YLQGRDVHUXPPRYLPHQWRGHFLPD
para baixo, em que os governantes são exemplos negativos de
conduta, expressando o baixo nível que grassa a população, em
geral.
A mais antiga descrição está na obra de Hesíodo (2010), onde
o poeta grego do século VII a. C., contemporâneo de Homero
GHVFUHYH TXDWUR LGDGHV ³PHWiOLFDV´ GD KXPDQLGDGH VHQGR HODV
respectivamente Ouro, Prata, Bronze e Ferro, sendo cada uma
delas marcada pelo declínio moral em relação à anterior. Destarte,
a primeira, a chamada Idade de Ouro é representada pelo controle
do Titã Cronos (Tempo), que governava o mundo, tendo toda a
abundância de bens e paz compartilhada entre as pessoas. Com o
tempo, a sociedade foi se degenerando até a Idade de Ferro,
caracterizado pela própria época do poeta em que a violência e a
busca indiscriminada do lucro prevaleciam sobre a justiça.
O processo imagético desta Idade gloriosa perpassou a
mentalidade no transcurso da história, influenciando não somente
os gregos, como também os romanos e, posteriormente, sendo
retomadas no pensamento europeu no contexto renascentista,
servindo de estímulos as viagens interoceânicas e influenciando as
formas de interpretação destas descobertas.
O conceito de apogeu e reino dos céus foi importante na
afirmação do cristianismo primitivo e teve, no estoicismo, a apologia


ϭϯϲ


da igualdade social, fortalecendo a religião cristã nos seus


primórdios, embora a visão dos estoicos romanos, pertencentes à
classe alta, não era relacionada à busca do Reino dos Céus, mas
olhavam com saudosismo o passado perdido da Idade aurífera.
O milenarismo ou a segunda vinda do Cristo para governar
este reino universal, alimentou a visão apocalítica de decadência da
civilização ocidental, principalmente com o Livro de São João no
Novo Testamento, ou simplesmente, o Livro do Apocalipse.
Cada vez que uma catástrofe de grande magnitude ocorre no
planeta, diversas correntes elevam suas vozes anunciando suas
versões para o ocorrido. Para os religiosos afeiçoados ao Novo
Testamento, o fato é ligado ao Apocalipse de João Evangelista e as
manifestações da Natureza representam os avisos de Deus frente à
visão teleológica da qual essa corrente apregoa.
Outra postura é relativa aos materialistas que contrários às
explicações puramente religiosas, se atentam aos eventos
analisando-os mediante o entendimento exarado pela ciência, com
explanações relativas aos aspectos técnicos, procurando salientar
os efeitos de tais eventos somente dentro de uma postura racional.
Os místicos representam um grupo onde se verifica que a
associação dos acontecimentos está intimamente ligada a eventos
cósmicos dentro de uma realidade universal ao qual fazemos parte.
Em todas essas vozes que se levantam para explicar, cada
qual dentro de suas prerrogativas, os acontecimentos nefastos que
acometem nosso planeta, é passível de verificar o quanto ainda
somos insipientes na prevenção de acidentes dessa magnitude e
quanto que os eventos representam na imagética da população em


ϭϯϳ


geral. Mas como é que podemos compreender a civilização


ocidental? Quais suas bases? Vejamos;
Segundo Theodoridis (2014b, pp. 10 a 14), a civilização
ocidental foi erigida, através dos tempos, mediante três pilares
basilares. Esses pilares constituem a visão de mundo e a forma de
compreensão da maneira de como vivemos e interagimos.
O primeiro pilar é o pensamento filosófico grego, o segundo, o
direito romano e, por fim, a religião cristã. Estes são os
sustentáculos básicos do grande arcabouço ideológico construído e
adaptado nas várias reconstruções sofridas através do tempo,
oriundo dos contatos entre as diferentes culturas existentes,
resultados de processos de simbiose constantes entre vencedores
e vencidos.
A formação do pensamento filosófico visou à busca racional
das causas primeiras e do entendimento do homem frente ao
mundo que o cerceava, acontecendo, em seus primórdios, no que
hoje denominamos como Grécia, no século VI a.C., pois na
antiguidade, não existia unidade política entre as diversas cidades-
Estado, espalhadas entre o continente europeu e asiático, mas,
tendo entre elas, elementos de identificação, tais como a língua
grega e o culto aos mesmos deuses. O primeiro filósofo, na
acepção da palavra, foi Tales de Mileto (625-545 a.C.), cidade
localizada na Jônia, na Ásia Menor.
As bases filosóficas do período medieval têm seus expoentes
centrados primeiro em Santo Agostinho (354 ± 430) e
posteriormente em Tomás de Aquino (1225 ± 1274). Ambos
construíram seus postulados teológicos utilizando-se da filosofia
grega, adaptando-as, mais uma vez, ao entendimento cristão. O


ϭϯϴ


primeiro teve na filosofia platônica a contribuição da


fundamentação, da necessidade de uma ética rigorosa, da
abdicação do mundo, do controle racional das paixões e a
predileção pelo suprassensível. O período em questão, conhecido
como patrística, ficou assim conhecido devido a filosofia se achar
contida nos trabalhos dos chamados Padres da Igreja. A Cidade de
Deus tornou-se o fundamento do cristianismo no Ocidente no
período do medievo.
Já em Aquino, o desenvolvimento da Escolástica foi um nome
derivado devido ao surgimento das escolas no transcorrer do
Renascimento Carolíngio no século IX. Suas bases tiveram em
Aristóteles o manancial filosófico, onde as questões da fé foram
abordadas pela luz da razão. Esta associação ficou conhecida
como filosofia aristotélico-tomista.
O homem, induzido pelo viés religioso, foi levado a crer que
seria a imagem e semelhança do Pai Criador (Gênesis 1: 26 e 27),
e com esta prerrogativa de exclusividade, veio a se considerar
como o centro da criação, único e absoluto, e a Terra localizada no
centro do Universo, obviamente. A cidade de Jerusalém era o
centro do mundo conhecido, sendo considerada sagrada para as
três maiores religiões monoteístas do planeta, o Cristianismo, o
Judaísmo e o Islamismo.
A filosofia é a busca da verdade e não sua posse, já exarava
o filósofo Jaspers. Para isso, temos que ter capacidade de
problematizar no intuito de descortinar aquilo que está escondido,
por a nu a verdade integral, não se acomodando com realidade
parciais e compostas dentro do entendimento dos homens, que são
fruto de seu tempo.


ϭϯϵ


A partir do movimento renascentista, estas verdades


começaram a ser questionadas. Deixamos de ser o centro do
Universo (Galileu), já aceitamos a pluralidade de vidas extraterrenas
*LRUGDQR %UXQR  H FRP R ³GHVHQFUDYDPHQWR SODQHWiULR 90´ WHUPR
cunhado por Pierre Chaunu (1976), em que a visão do mundo foi
ampliada da tradicional europocêntrica para uma perspectiva mais
ampla.
Hoje, sabemos que não estamos mais no centro do Universo,
pois nossa galáxia, entre outras milhares, está na periferia e o
tamanho da Terra é bem pequeno em comparação com outros
planetas. O comportamento inerente ao ser humano, de se achar
mais do que é e de se considerar superior aos outros, acalenta
muitas mazelas nas relações interpessoais, pois, através dessa
atitude comportamental, acabamos sobrepondo os outros mediados
por falsas concepções de superioridade, geralmente utilizando
valores puramente sociais.
O relativismo cultural enfatiza que cada sociedade tem seus
padrões culturais estabelecidos por regras e convencionalidades
peculiares a cada uma, mas nem por isso, alguma é superior à
outra SHOR VLPSOHV IDWR GH VH DFKDU ³HVWUDQKR´ GHWHUPLQDGR
costume.


90
- O ³GHVHQFUDYDPHQWR SODQHWiULR´ termo cunhado por Pierre Chaunu, visa
demonstrar como que se abriram as portas para o abraço entre todos os continentes
mediante a expansão marítima ocorrida a partir do século XV. Estas se referem ao
período das grandes navegações, iniciadas pelos portugueses, que estabeleceram
rotas oceânicas de comércio e intercâmbio cultural entre os diversos povos,
começando a desvendar a verdadeira geografia do planeta. O descobrimento do
continente americano, por sua vez, proporcionou novos recursos e horizontes para a
expansão da civilização ocidental. Para maiores informações sobre o assunto ver:
Chaunu, (1984 e 1969).



ϭϰϬ


A partir da Renascimento e do movimento humanista, a


sociedade Ocidental adentrou um período que dura até hoje, de
crescente dessacralização ou secularização, sendo estas formas de
entendimento que levam a diversos sentidos, sendo estes conceitos
multidimensionais, sabedor de que seu resultado é fruto de um
processo abrangente de emancipação do homem frente à tutela
eclesial e as imposições da Instituição Igreja, que acabaram tendo
seus poderes diminuídos em contraposição ao aumento das
instituições sociais laicas e da transmutação do elemento regulador
da sociedade, passando da religião para a ciência (GUIMBELLI,
2002, pp. 26 a 28).
O período da modernidade é, com certeza, o período de
consenso gestacional da ideia de dessacralização e, de que, a partir
deste ponto, a religião deixaria de ser a instância integradora da
sociedade, perdendo suas funções e poder, sendo, por isso,
necessário para entender o poder de penetração da ciência e de
como as ideias vão transformando e secularizando a sociedade
europeia.
O legado romano está centrado no direito. Povo
extremamente pragmático, construído através da força e dos
movimentos de conquista, criou um imenso território, tendo Roma
como sua capital. Para conseguir manter o controle de suas
possessões, estabeleceu códigos de conduta que constituem as
bases jurídicas de nossa civilização ocidental, sendo que muitos
destes ainda continuam vigentes na área jurídica.
O direito romano, embora útil na aplicabilidade das leis,
somente se reporta a lei dos homens, se adequando as
necessidades exigidas por cada época e, por isso, consegue-se


ϭϰϭ


entender as tantas alterações, tantas constituições e tantas


ressalvas que, no transcorrer do tempo, sofrem as Cartas Magna
dos países.
Podemos verificar que a premissa de uma legislação penal se
fez necessário para regular essa dinâmica desde muito tempo atrás.
O primeiro código civil do qual se tem conhecimento é o de
Hamurabi, rei babilônico, que instituiu no século XVIII a.C. normas
de conduta visando uma melhor interação de seus membros. O
IDPRVR³2OKRSRUROKRGHQWHSRUGHQWH´DGYpPGHVVHFyGLJRRQGH
seus artigos exigiam uma postura peremptória de seus habitantes
com intuito de coibir abusos e fazer justiça correspondente à época
em questão.
Com o advento do decálogo mosaico, uma nova
regulamentação de postura é evidenciada exigindo do povo hebreu
uma reta conduta frente ao próximo, instituindo normas rígidas,
apropriadas ao homem do tempo, em que concomitante as Leis de
Deus, recebidas por Moisés, foram acrescidas uma normatização
civil de penas e leis, tais como o apedrejamento das adúlteras entre
outras tantas.
Quando Jesus exarou que não veio destruir a lei, mas aplicá-
la (Matheus, 5:17 e 18), ele, na realidade, reafirmava o decálogo,
acrescendo a lei de amor, onde os homens deveriam exercer o
³DPDU DR SUy[LPR FRPR D VL PHVPR´ HP TXH DV UHODo}HV
interpessoais deveriam ser permeadas de respeito de um para com
o outro, respeitando cada qual de seu modo, sem julgar,
observando que cada um está em um determinado patamar
evolutivo de entendimento intelectual e moral das verdades e que


ϭϰϮ


cabe aquele com mais entendimento de passar a frente seu


conhecimento.
O código Justiniano, herança do Império Romano do Oriente,
ainda hoje é ensinado e utilizado nas Universidades e nos tribunais
de nosso país, mostrando a necessidade do processo coercitivo
penal nas relações interpessoais.
Nosso tipo de sociedade exige uma legislação penal,
procurando regulamentar as relações, pois o que permeia são
casos e casos onde o mais fraco acaba ficando sempre com o
prejuízo. Temos que ter uma codificação que legisle as leis com
intuito de coibir abusos, mas como a própria imagem da balança da
justiça vendada demonstra, ela pode pender tanto para um lado
como para outro.
A ciência, praticada nos dias atuais, teve o seu nascedouro na
filosofia, sendo também o instrumento de construção que auxilia o
trabalho da teologia. Apoiada nos aspectos transcendentais, o
corpo doutrinário religioso se serviu dos postulados filosóficos para
compor seu entendimento do mundo, ou pelo menos, do que
acreditavam serem as suas verdades.
A formulação do escopo que serve de base ao judaísmo foi
construída através dos tempos, mediante o contato com diferentes
culturas. Vários elementos que compõem a teologia judaica
encontram interpretações análogas em outros povos da
antiguidade. O cristianismo, oriundo deste tronco, também se
apropriou de vários elementos para compor seus postulados. Um
dos mais visíveis é a data em que se comemora o nascimento de
Jesus.


ϭϰϯ


O dia 25 de Dezembro era originalmente comemorado a Mitra


e devido a sua grande penetração no Império Romano,
principalmente nos militares, foi devidamente modificado para
representar a chegada do Cristo no mundo. A Igreja nascente se
utilizou destes artifícios no intuito de se adaptar aos cultos já
constituídos.
Somos ainda muito egocentristas em nossos interesses,
SURFXUDQGR ³SX[DU D VDUGLQKD SDUD QRVVR EUDVHLUR´ PHVPR TXH
isso acarrete em prejuízo para o outro. Do momento que
observarmos que ao nos movimentarmos dessa maneira, estamos
agindo contrários ao homem de bem e que este visa uma conduta
reta em seu proceder procurando alinhar uma consciência
desprovida de mácula com uma vida em sociedade calcada nas
premissas de que devemos agir com o próximo da mesma
proporção que gostaríamos que agissem conosco.
Nesse momento, a sociedade não necessitará de leis
coercitivas para regular suas relações interpessoais, pois o homem
terá consciência de seus deveres e direitos, respeitando e entendo
os limites de que, quando o seu direito termina, começa o do outro.
Cada um dos pilares basilares foi determinante na construção
do pensamento ocidental, mas das três, a filosofia é a geratriz das
outras, inclusive da moderna ciência que teve seu gérmen nos
filósofos gregos da antiguidade. A filosofia propicia a possibilidade
da transcendência humana, ou seja, a capacidade do homem
superar a sua imanência, entendida como a situação dada e não
escolhida. Portanto, pela transcendência, o homem surge como um
ser de projeto, capaz de erigir o seu destino, capaz de utilizar seu


ϭϰϰ


livre-arbítrio, capaz de usufruiu de liberdade em seus múltiplos


aspectos.
Diferente da filosofia, a ciência experimental calcou seu
conhecimento através do método positivista, dando margem à
criação do mundo vigente, que tem suas bases voltadas ao
materialismo, pois tudo tem que ser medido, pesado, visualizado,
cheirado, etc. De igual maneira, as religiões criaram em seus
postulados, dogmas, axiomas, que, ao invés de libertar o homem,
somente o aprisiona ainda mais na expressão de sua liberdade e
limita a visão do mundo mediante expressões cerceadoras do
pensamento humano.
Para se entender toda esta dinâmica, foi criado um constructo,
a Dialética Cultural Espiralada (THEODORIDIS, 2015b, pp. 23 a
36), visando demonstrar como as ideias foram retrabalhas
dialeticamente, criando todo um novo universo conceitual. Toda
mudança é fruto do processo cultural em que o homem está
inserido e a forma como este interpreta o ambiente em que vive. A
forma geométrica espiral, anexada ao constructo, tem como
premissa basilar, ampliar a visão de como estas mudanças
paradigmáticas permitem levar o conhecimento a novos patamares
de entendimento do pensamento humano, estabelecendo, com isso,
novas sinapses e ampliando os horizontes conceituais.
O constructo elaborado visa, portanto, dar um entendimento
mais claro, efetuando o que poderia ser chamado de revisão de
crenças paradigmáticas, causado por uma profunda mudança,
modificações estas que ocorreu mediante um intenso processo de
dessacralização do pensamento, concomitante a ascensão da
ciência e das diferentes doutrinas sociais tais como o positivismo, o


ϭϰϱ


socialismo científico (marxismo), o evolucionismo entre outras, das


mudanças socioeconômicas efetuadas pela Revolução Industrial e,
por fim, da circulação das ideias advindas do Iluminismo e da
Revolução Francesa.
À medida que a população assimila uma consciência diferente
e mais estruturada, invariavelmente, com o tempo, estes novos
conceitos sobrepujando os anteriores, sendo, então, elevados a
verdades canonizadas, endurecendo e criando uma rigidez
comportamental na sociedade. Estas mesmas crenças acabam
invariavelmente sendo desafiadas e declinam quando confrontadas
com novas perspectivas, daí que cada sociedade tem que ser
entendida dentro de seu tempo, pois cada uma tem as suas
próprias verdades.
A constante dialética cultural visa elucidar as diferentes
construções arquitetônicas das ideias, estabelecendo as conectivas
históricas que se comunicam entre si e acabam estabelecendo
novos olhares, vindo a serem constantemente retrabalhadas pela
circularidade num movimento espiralado do saber, pois, além de
circular, as ideias acabam se transformando em algo novo,
efetuando uma curva plana que gira em torno de um ponto central
(chamado pólo), dele se afastando ou se aproximando, efetuando
constante reagrupar das ideias e das transformações estruturais no
interior, levando o homem a tecer o entrelaçamento das ideias com
a cultura numa constante simbiose.
Utilizando a metáfora da rede, pode-se compreender o
entrelaçamento da circularidade das ideias com a cultura que é
historicamente alterada, pois analogamente aos fios vertical e
horizontal, que dão forma total à peça, assim também os sinais ou


ϭϰϲ


indícios da investigação histórica são assumidos como elementos


reveladores de fenômenos socioculturais que afloraram na
sociedade cristã latina europeia.
Este processo dialético tem como diretriz dar ênfase na
harmonia dos contrários, visando um novo modelo de criação, pois,
diferente de preconizar a luta dos opostos, define-se em seu
aspecto mais fecundo, efetuando um processo de fusão necessária
da tese e da antítese, na produção de uma nova ideia ou tese,
neste caso, um novo entendimento da sociedade e seu modus
operandi.
Portanto, a Dialética Cultural Espiralada, tem, como
desiderato, criar um novo universo de entendimento, mediante um
inovador diálogo, possibilitado através de uma tensão cultural,
geratriz de processos de transformações estruturais, levar o homem
a procura de novos arcabouços simbólicos, através de releituras da
realidade em que está inserido.
O método dialético é resultado do processo natural do evolver
humano, mediante o uso do pensamento e da reflexão nos atos
cometidos no transcurso da vida. A cultura é fruto do arcabouço
construído pelo homem em sua jornada e a forma espiral cria um
novo patamar de entendimento elevando as ideias a outro nível de
compreensão, ajustado ao momento do homem em sua época.
Estas permanências observadas, até hoje, ressaltam a
importância do entendimento de como se processou a construção
do homem moderno. Muitas destas estruturas têm, em suas
origens, o pensamento dos antigos filósofos e de suas teorias
cosmogônicas, retomadas constantemente pela ciência moderna e
da influência da religião crista oriunda das apropriações efetuadas


ϭϰϳ


pelos seus principais pensadores que determinam o esqueleto


central da religião.
Entendamos como funciona na ciência o construto da
Dialética Cultural Espiralada.
A teoria de Charles Darwin (1809 ± 1882), publicada em 1859,
QR OLYUR ³$ 2ULJHP GDV (VSpFLHV´ DFDERX VHQGR JHUDWUL] GH XP
acirrado debate entre duas correntes distintas que são os
evolucionistas (predominantemente aliada às bases científicas que
vigoram em nossa sociedade) e os criacionistas (de base religiosa),
sustentados na Gênese Mosaica, pois, o impacto das ideias
darwinianas no contexto europeu se pautou, não pelo processo
evolutivo propriamente dito, pois as propostas evolucionistas já
coexistiam desde o início da centúria (XIX), mas pelo fato de retirar
um fim (telos), presente na mente divina desde o início dos tempos.
Ao abolir essa espécie de evolução teleológica, Darwin deixou
de reconhecer algum objetivo real na existência, posto de antemão
por Deus ou pela natureza. Ao invés disso, a seleção natural e
somente ela, seria a responsável pelo surgimento gradual, mas
regular, de organismos mais elaborados. Um processo que
avançava com regularidade desde o início primitivo, sem, contudo
encaminhar-se a algum objetivo.
Através destas visões díspares, ter-se-á um aumento de
articulação e especialização do saber científico moderno, tendo
como resultado, um intenso processo de dessacralização do
pensamento. A ascensão da ciência triunfa sobre a fé, culminando
na sociedade da qual convivemos, pautada na superficialidade da
vida e no consumo exacerbado dos bens materiais.
Conforme as palavras de Herman (1999, p. 122),


ϭϰϴ


A evolução significaria que a história natural das espécies, incluindo os


seres humanos, não seria mais fixa e imutável. O estudo da evolução
poderia traçar não apenas a ascensão das espécies no decorrer do tempo,
mas ainda como acontecera com antigos impérios e civilizações, seu
declínio e queda.

O reflexo do encaminhamento do pensamento humano na


infabilidade da ciência acabou levando o homem ao descrédito das
religiões como modelos de explicação, mas as consequências mais
aterradoras estão inseridas em cada um de nós, pois o resultado foi
que assumimos o estilo do ³FDUSH GLHP´, sem maiores
preocupações morais, evidenciados pelo aumento de doenças
existenciais, tal como a depressão e pelo descaso ao próximo, pois
suas principais premissas partem do entendimento de que tudo
termina na vida presente.
Na ciência moderna, o pensamento cartesiano (René
Descartes - 1596 - 1650) separou a mente da matéria. Este modelo
mecanicista, sustentado posteriormente por Sir Isaac Newton (1643
± 1727) veio a se tornar o alicerce da física clássica ocidental,
diferente da oriental, pois esta enfatiza a necessidade de uma visão
holística do homem através da conscientização da unidade do todo
e de sua interação para com todas as coisas.
Fritjof Capra (1939 - ) coloca que a cultura ocidental é, além
de mecanicista e fragmentária, extremamente valorizada pelo saber
da ciência academicista e coloca em plano inferior o conhecimento
intuito e filosófico.
A visão holística do universo começa a ser desvelado
mediante as revelações da Física Quântica, à medida que os
diversos modelos subatômicos da matéria vão sendo percebidos


ϭϰϵ


como interligados em mútua interação e interdependência entre


eles.
Vejamos o corpo humano. Cada qual possui 10 trilhões de
células, tendo bactérias presentes em número muito maior e,
segundo estimativas, cada organismo são domicílio de pelo menos
10 microrganismos (entre bactérias, fungos, amebas, vermes e
parasitas) para cada célula. Estas bactérias são fundamentais para
o equilíbrio do corpo (THEODORIDIS, 2017, pp. 208/209).
Referente aos átomos que compõem a matéria, eles jamais se
tocam. São sete octilhões de átomos separados entre si. As
ligações químicas (ligações covalentes, metálicas, iônicas, etc.)
entre eles possibilitam os diferentes compostos. É o que forma a
matéria. Tais ligações são compartilhamentos de elétrons entre os
diferentes átomos, os quais passam a fazer parte não apenas da
nuvem eletrônica de um único átomo, mas dos dois átomos que
agora estão unidos. Cada molécula é à base da formação dos
diferentes compostos, que, por sua vez, compõem as diferentes
células que constituem o corpo humano.
Outro detalhe interessante é que os átomos são compostos
GHJUDQGHVHVSDoRV³YD]LRV´1RYHQWDHQRYHSRUFHQWRVHJXQGRD
física quântica. A sua estrutura é similar à do sistema solar: uma
parte central concentra a massa (núcleo/sol) e partículas giram ao
seu redor (elétrons/planetas). Os elétrons, porém, se movimentam
como ondas. Sua trajetória não é determinada por uma órbita
regular, mas por um cálculo de probabilidades. Como já diziam os
antigos assim como é no macro, é no micro, não dizemos na
Oração do Pai Nosso ± ³$VVLPQD7HUUDFRPRQR&pX´


ϭϱϬ


O corpo humano é constituído por trilhões de células,


compostas por octilhões de átomos, que se estruturam de forma
altamente organizada, em tecidos e órgãos. Para manter o
HTXLOtEULR H D YLWDOLGDGH GR RUJDQLVPR HODV SUHFLVDP ³FRQYHUVDU´
entre si. Isso acontece por meio de mensageiros químicos
denominados hormônios. Eles podem ser produzidos por glândulas
especializadas ou um órgão próprio.
Pois bem, se vamos do átomo ao anjo, isso significa dizer que
somos responsáveis pelos pensamentos e ações em nossas
labutas diárias, pois temos zilhões de filhos a zelar e de dar um
melhor exemplo de como proceder no processo evolutivo.
Fazendo analogia com a própria estrutura do organismo,
estamos em constante e mútua interdependência de tudo e todos,
pois afinal, não estamos envoltos em uma rede? Ela não é somente
por fora, mas também por dentro de cada ser. O corpo que abriga o
espírito consciencial, tem, por isso, o dever de melhor se portar
frente aqueles que posteriormente irão também abrigar uma colônia
de princípios inteligentes.
O status de ciência permeia amplos setores da sociedade,
estabelecendo parâmetros de aceitabilidade, somente baseados
nos experimentos realizados segundo os moldes ditos científicos,
ou seja, mediante comprovações laboratoriais, embora, esta mesma
ciência, abandonou as velhas ilusões, pois,

Descobriu que o Universo era muito mais complexo que o relógio cósmico
de Newton e Laplace e que o determinismo e a capacidade de prever
correspondiam a um mundo de abstrações e, não, ao de uma realidade em
que a ciência não pode calcular com exatidão sequer o movimento de três
corpos relacionados entre si. (FONTANA, 2004, p. 475).


ϭϱϭ


Paradoxalmente, esta mesma sociedade atual, que rejeita a


futurologia de videntes e sensitivos de modo geral, aprecia
previsões climáticas e, talvez com mais ardor, econômicas. Tem-se
a impressão de que, em razão de economia e meteorologia
gozarem do status de ciência, as predições que fazem se revestem
automaticamente de credibilidade perante o público, que presume
haver em todas elas embasamento, critério e rigor, unicamente
porque se apresentam como fruto de análise científica.
A mitologia da verdade científica parece tão sedutora na
sociedade moderna que conseguiu dissociar a validade de
determinado campo científico da concretização ou do sucesso de
suas previsões.
No fenômeno profético, ao contrário, temos predições e
previsões espalhadas, por exemplo, na Bíblia. Ao contrário do que o
senso comum tende a supor, a validade de uma previsão não está
necessariamente associada a datas anunciadas com precisão para
o cumprimento daquilo que se prediz. Isto se pode ser explicado
pelo fato de que o tempo para o vidente é o presente; o espaço e a
duração não existem para ele.
Nesse aspecto, a física quântica já explora os pontos de
universos paralelos, com corpos estando no mesmo espaço e
tempo, ocupados por diferentes camadas dimensionais e o tempo
nada mais é do que uma criação de nossa maneira tridimensional
de enxergar o mundo.
Portanto, somos seres egressos da matéria primordial, o
átomo vivificado pela presença do princípio inteligente, que no
transcurso evolutivo chegou ao patamar de espírito/homem,


ϭϱϮ


consciente e que continua até o anjo, identificado como o mais alto


grau de perfeição da criação.
Compreendermos quem somos hoje e a maneira de como
vislumbramos o mundo, passa, na realidade, pelo entendimento de
como esta visão foi construída. Conhecer o passado não é
simplesmente decorar datas e nomes, mas sim a possibilidade de
saber que somos frutos de continuidades e descontinuidades no
transcurso da história, oriundo dos choques entre os povos do
passado, não apenas materialmente, mas, também, cultural. Com
uma visão mais apurada e crítica, temos como olhar em volta de
nós e sermos sabedores dos elementos forjadores de nossa
mentalidade.
Achamos que a época atual é sempre de caráter negativo e
que as experiências que vivemos no passado refletem uma pureza
perdida há muito tempo. Na verdade, embora estejamos à volta
com várias situações que não convivíamos no passado, cada tempo
é fruto de suas próprias incongruências.
A sociedade como um organismo vivo, se modifica e se
adequa a cada momento, exigindo que se acompanhe o processo
de mudança, caso não queira ficar ultrapassado. Denominamos
HVWH IHQ{PHQR GH ³FKRTXH GH JHUDomR´ RQGH RV DQWLJRV VLVWHPDV
globais explicativos passam a ser denunciados, pois, após a
Segunda Guerra, a realidade parecia mesmo querer escapar a
enquadramentos redutores, tal a complexidade instaurada no
mundo.
Este é um dos aspectos da repulsa pela religião, de um modo
geral, hodiernamente. Suas estruturas continuam fincadas na Idade
Média, não sofrendo adaptação e pior ainda, não propiciando uma


ϭϱϯ


finalidade aos ensinamentos aprendidos. Sua principal finalidade é


descortinar um novo entendimento de vida e, infelizmente, o único
caminho que se descortina é sair da religião, aquela dogmática para
a simples religiosidade, colocando este aprendizado em suas vidas,
seus cotidianos e relacionamentos múltiplos ofertados pela
sociedade multifacetada da qual estamos imersos, independente de
credo religioso ou de filiação partidária, pois estes são apenas
rótulos socias que exaramos aos outros como forma de
identificação social, mas, no cotidiano, aquilo que nos diferencia, é
a prática do bem.
Segundo Theodoridis (2016, 09 a 12), o ato da cidadania
significa a prática da convivência social, respaldada na cooperação
e na cumplicidade, assim, como também, na formação de uma
cosmovisão da vida advinda de uma ótica universal, vindo a nos
integrar no ecossistema planetário e o princípio estrutural é a
natureza interdependente do homem em sua caminhada evolutiva.
Ao analisarmos por este aspecto, a palavra sociedade tem seu
conceito ampliado e adquiri uma identidade cósmica, em que tudo e
todos estão correlacionados, atestando o esplendor de viver como
cidadãos do Universo.
A cultura da sociedade ocidental tem, segundo Barzun (2002,
p. 13), sofrido um longo processo de declínio, ocasionado por uma
³LQWHUPLQiYHOVpULHGHRSRVWRVVHMDQDUHOLJLmRSROtWLFDDUWHPRUDO
H FRVWXPHV´ ID]HQGR FRP TXH GHVGH D 5HQDVFHQoD SHUtodo de
alvorada das artes pautada na redescoberta dos valores greco-
romanos, o homem tenha sofrido uma paulatina decadência destes
mesmos valores e costumes, evidenciados na sua postura frente ao


ϭϱϰ


mundo, marcado por desilusões no futuro e do grande pessimismo


que grassa na humanidade atual.
Por ora, voltemos ao século XIX para entendermos alguns dos
pensamentos correntes e como que essas ideias foram se
adequando e se transformando de tese em antítese até a síntese e
daí passando a outro patamar de compreensão de acordo com o
construto da Dialética Cultural Espiralada.
Uma das teorias que sustentavam o chamado declínio da
sociedade ocidental foi pautada na teoria das Raças e do
SHVVLPLVPR GR TXDO ³D FLYLOL]DomR DFDED QXP HVWiJLR ILQDO GH
regeneração, (...) sendo a pureza racial uma questão de
UHMXYHQHVFLPHQWRSHVVRDOHGHVDOYDomRFROHWLYD´ +(50$1
p. 81).
Chamado pai das teorias racistas, Arthur de Gobineau (1816 ±
1882), concebia a diferenças das intituladas raças primitivas
(branca, amarela e negra) de maneira qualitativa, sendo as mesmas
diferentes entre si em valor absoluto, assim como também nas suas
aptidões particulares.
Quer na França ou na Inglaterra, a palavra raça começou a
mudar seu significado no século XIX, pois o termo anteriormente
era utilizado no sentido de linhagem e as diferenças entre elas
seriam derivadas das circunstâncias de suas histórias. A mudança
do termo veio a significar uma qualidade física inerente, pois os
povos passaram a ser vistos como biologicamente diferentes,
criando as prerrogativas de que determinada raça seria superior à
outra. Portanto, o novo uso da palavra raça fazia dela uma
categoria física.


ϭϱϱ


O racismo teve maior incidência fora da Europa no século


XIX, se desenvolvendo associado à dominação europeia por duas
razões complementares, sendo, inicialmente o surgimento do
nacionalismo oficial e da russificação colonial, elemento primordial
SDUD D FRQFHSomR GH ³LPSpULR´ TXH FULRX R DPiOJDPD HQWUH D
legitimidade dinástica e a comunidade nacional (BANTON, 1977).
Nesse palco de intransigência, temos até hoje os efeitos da
arrogância do homem que em sua visão relativa, com suas
preferências eleitas como as melhores sempre do que o do outro e,
qualquer interpelação contrária a sua posição, ocasiona atritos de
natureza animalizada.
Para se ter ideia, o médico norte-americano George Morton
(1799 ± 1851) lançou em 1839 o livro ³&UDQLD$PHULFDQD´, na qual
foi disseminada a teoria da superioridade racial corroborada pelo
estudo dos crânios. Segundo Morton, os caucasianos teriam um
sinal inegável de inteligência e maior capacidade de raciocínio
sendo por isso, mais avançada das demais raças (como ele as
classificava), ou seja, raças mongol, malaia, americana (populações
nativas do continente americano) e etíopes (populações de origem
africana). O autor utilizou a técnica da litografia para conceber
imagens sobre uma pedra calcária, criando texturas refinadas e
conseguindo reproduzir os contornos sutis de cada crânio.
Desta forma, Morgan estabeleceu, no processo comparativo,
a base de sua argumentação. O livro fez enorme sucesso na
Europa, vindo a ser utilizado em 1876 como base no trabalho de
Cesare Lombroso (1835 ± 1909) na identificação de criminosos com
base nas características físicas do crânio (HERMAN, 1999, pp. 125
a 129).


ϭϱϲ


A teoria das raças fez com que a cor da pele se tornasse um


emblema de civilização, em que a cor branca significaria maior
³YLWDOLGDGH LQWHULRU H FDSDFLGDGH GH ID]HU DYDQoDU D FLYLOL]DomR
FRQWUD D LQHYLWiYHO FRQWUDFRUUHQWH GD GHJHQHUDomR´ +(50$1
1999, p. 200). Este argumento levou a expansão imperialista da
segunda metade dos oitocentos das nações europeias frente à
África e a Ásia. O etnocentrismo racial foi o epítome da civilização
branca, que elevou ao grau mais superlativo a pretensa
superioridade de um povo em relação ao outro (ROCHA, 1988).
O conceito de raça ariana teve neste mesmo período, ou seja,
o século XIX e início do XX, seu auge com a descoberta da família
de línguas indo-europeias, , o que levou a alguns etnólogos a arguir
que todos os povos europeus de etnia branco-caucasiana seriam
descendentes do povo ariano, juntando-os em uma alma coletiva,
³IRUPDGD SRU IUDJPHQWRV GH PLWRV GR SDVVDGR H H[SHULrQFLDV TXH
XPSRYRUHWpPHWUDQVPLWHDVHXVGHVFHQGHQWHV´ +(50$1
p. 213).
Esta interpretação levou as correntes de caráter nacionalista a
abraçaram a argumentação sugerida. Na Alemanha, o Partido
Nacional Socialista foi quem tratou com maior efusividade o
assunto, conjugando o princípio da unidade étnica com a elevação
da moral e orgulho do povo germânico após a derrota da grande
guerra, pois afinal, as genealogias constituem o fundamento da
ideologia que domina.
A degeneração da sociedade ocidental perpassou todos os
pensadores do período, desde Nietsche (1844 ± 1900), identificado
como o grande profeta do pessimismo cultural, aos gêneros
literários, entre estes se pode identificar Robert Louis Stevenson


ϭϱϳ


(1850 ±   FRP R VHX ³2 PpGLFR H R 0RQVWUR´ $UWKXU &RQDQ


Doyle (1859 ± 1930), mediante seu principal personagem, Sherlock
Holmes, identificando criminosos mediante evidências através das
teorias de Lombroso e Bram Stocker (1847 ± 1912), com seu
Drácula. Todos estes citados mostram os efeitos da degeneração
na sociedade industrial.
Em Charles Dickens (1812 ± 1870), o mais popular
romancista da era vitoriana inglesa91, autor de renomados sucessos
VHQGR R PDLV IDPRVR ³2OLYHU 7ZLVW´ WDPEpP HVFUHYHX RXWUR EHP
IDPRVR³8P&RQWRGH1DWDO´  SXEOLFDGRHPHPTXHD
Inglaterra, mesmo contando com o enorme desenvolvimento
industrial, começava a sofrer os efeitos da industrialização
desenfreada, com a proliferação das mazelas sociais já conhecidas
em nossas sociedades.
A desigualdade social começa a grassar mais enfaticamente,
levando milhares ao túmulo oriundo das péssimas condições de
vida a que eram submetidos. Famílias inteiras tinham que trabalhar
para poderem ter um mínimo de sustento. Neste contexto é que
teremos Dickens elevando seus escritos contra a exploração das
classes menos favorecidas.
Numa sociedade capitalista que preconiza o dinheiro, o
consumo exacerbado, a individualidade acima do coletivo e a
desigualdade social, a crítica de Dickens se mostra extremamente
atual e ao repassarmos nossas vidas, veremos que ainda temos
condições de fazer dela algo especial, para si e para os outros.

91
- A chamada era vitoriana marcou o período do reinado da Rainha Vitória, indo de
1837 até o início do século XX, período de expansão do império britânico, bem como o
auge da revolução industrial e o surgimento de inovações tecnológicas que
transformaram a Inglaterra na maior potência da época.


ϭϱϴ


Nas academias, Émile Durkheim (1858 ± 1917) retratava a


hipercivilização do homem moderno, que levavam o homem a
degeneração. Oswald Spengler (1880 ±   SXEOLFRX ³$
'HFDGrQFLD GR 2FLGHQWH´FRQFOXtDTXHD KLVWyULD VHULDIUXWRGHXP
processo natural levado pela inexorada ação do tempo, causada
pelos interesses e aspirações humanas que consequentemente
caminhavam para o declínio do homem ocidental. Já Arnold
Tonybee (1889 ± 1975) identificou três fases para a decadência,
observando o fim da civilização ocidental e creditando ao
nacionalismo o maior perigo a enfrentar.
A ascensão do nacionalismo era um fenômeno novo, ocorrido
no início do século XIX, favorecida pela Revolução Francesa e do
movimento romântico. No caso dos românticos a descoberta dos
sentimentos caracterizou-se pela busca de um passado nacional
assim como de uma história que pudesse revelar a escrita das
origens de um povo, gerando, com isso, uma consciência e uma
sensibilidade que seriam próprias de determinada comunidade,
construindo, desta maneira, a história nacional.

Segundo Theodoridis (2017, pp. 30 e 31)

As concepções nacionalistas, sentimento este criado no processo


expansionista no século XIX, partem do pressuposto de que, as principais
concepções que identificam o território de determinado país está na
delimitação efetuada por barreiras geográficas (geralmente), sendo estas
criadas artificialmente. Com isso, a pessoa se identifica como brasileiro ou
qualquer outra nacionalidade simplesmente pelo fato de ter nascido dentro
desta delimitação geográfica.
A ideia prometia que todo homem teria uma nacionalidade como atributo
natural e o direito de ser governado apenas como membro de sua nação,
implicando nisso que o Estado deveria obrigatoriamente coincidir com a
nação, fazendo com que as minorias deveriam ser separadas e juntar-se
aos indivíduos respectivos de cada nação.


ϭϱϵ


Se ao invés de nos ativer simplesmente ao espaço geográfico,


nos olhássemos como integrantes de um planeta, que, para
continuar a nos prover, necessita de uma maior conscientização do
uso de seus recursos naturais, pois somos todos dependentes de
todos, vivendo dentro de uma rede global de interdependência, não
WHUtDPRV VRPHQWH XP VHQWLPHQWR GH ³SHUWHQoD´ GH XP HVSDoR
delimitado por disposições políticas, mas, na realidade, de um
habitante das estrelas.
O desenvolvimento da sociedade, pautada na
92
industrialização e tendo o capitalismo como forma econômica,
criou um novo tipo de relação das pessoas para com as máquinas,
que se mostrou desde o início de maneira conflituosa, levando a
cabo de várias manifestações (HOBSBAWN, 2000) 93 e a destruição
das mesmas. Os sentimentos de desconfiança e de cólera frente ao
maquinário e as suas inovações vinham do medo da perda de seus
meios de sobrevivência, já bastante precários.
O capitalismo, a grosso modo, seria, segundo a definição da
maioria dos autores, identificado como um sistema em que os
meios de produção, entendidos como as máquinas, ferramentas,
matéria prima e demais materias auxiliares, como propriedades
privadas de uma pessoa e/ou grupo de pessoas que investem um
determinado valor (capital). Segundo Araújo,

Essa pessoa ou esse grupo, isto é, o capitalista, contrata o trabalho de


terceiros para a produção de bens que, depois de vendidos, lhe permitem
recuperar o investimento e ainda obter uma quantia excedente, que é o


92
- Para melhor entendimento do processo de formação e desenvolvimento do
capitalismo, aconselha-se o livro de Dobb (1983).
93
- Ver o capítulo 02 ± Os Destruidores de Máquinas ± (pp. 17 a 49.) e Mantoux
(s/data) pp. 407 a 451.


ϭϲϬ


lucro. Obviamente, o objetivo final do capitalista é obter o lucro. (In


SADER, 1999, p. 131).

Acostumados a trabalhar em seus domicílios ou em


pequenas oficinas, a labuta na fábrica, mediante uma rotina
exaustiva, contando com uma rígida disciplina e uma quantidade de
horas que variava entre 12 a até 18 por dia, faziam com que os
homens identificassem a fábrica como um quartel ou prisão
(MANTOUX, p. 418). O uso de mulheres e crianças se tornou
norma comum entre os empregadores94. Hobsbawm se debruçou
sobre as condições do operariado nesta etapa inicial da
industrialização, observando as diferentes fontes disponíveis para
análise e levantou ponderações interessantes sobre suas reais
situações (HOBSBAWM, 2000)95.
Ter-se-á uma hegemonia das cidades frente ao campo, isto é,
as classes sociais urbanas e descontentamento com o monopólio
do poder político-econômico gerado pelas novas estruturas de
poder, calcadas no modelo capitalista.
No nível estrutural, novos desenvolvimentos da divisão social
do trabalho estão ocorrendo. A cidade se caracterizará por ser o
centro do sistema nacional de organização, especialmente de
urbanização e industrialização.
Temos dentro deste crescimento urbano, a migração interna
como elemento maior do que o crescimento natural e a urbanização

94
- Verificar também em Hobsbawn (2000:67). Acordo ambos, o uso das crianças e
mulheres se deveu a docilidade destes no trato, diferentes dos homens mais
inflexíveis frente as condições de trabalho nas fábricas.
95
- Ver o capítulo 05 ± O padrão de vida inglês de 1790 a 1850 ± (pp. 83 a 129), o 06
± A História e as ³6DWkQLFDV)iEULFDV(VFXUDV´ ± (pp. 131 a 147) e o 07 ± O Debate do
padrão de Vida: um Pós-escrito ± (pp. 149 a 154). Já Mantoux é mais enfático,
realçando a triste realidade de todos os que estavam submetidos ao empregador nas
fábricas.


ϭϲϭ


e a industrialização podem ser encaradas como processos sociais


relacionados nos países ocidentais.
Bem, o sentimento de pessimismo adentrou o século XX,
SHUtRGRHPTXHVHJXQGRDVSDODYUDVGH6DGHU S ³  
os homens e mulheres se sentem cada vez menos capazes de
entender o que lhes acontece, de controlar sua vida de programá-la,
GH YLYHU FRP PHQRV DQVLHGDGH´ FRQVROLGDQGR D KHJHPRQLD GR
capitalismo, sendo que em muitos países de maneira extremamente
agressiva, que combinou o consumismo, o egoísmo e a depredação
do meio ambiente.
Um século breve, datado, segundo Hobsbawn, entre o início
da primeira guerra mundial, 1914 e terminando em 1991, com o
desmantelamento da União Soviética, em concórdia com outro
historiador, desta feita de nacionalidade francesa, René Rémond,
que também data o início do século XX em 1914, mas, Hobsbawn
afirma que o século XX foi marcado por extremos sendo ele

o século mais assassino de que temos registros, tanto na escala, na


frequência e na extensão da guerra (...) como também pelo volume único
das catástrofes humanas que produziu, desde as maiores fomes da
história até o genocídio sistemático (2000, p. 22).

Os efeitos da industrialização nos centros urbanos moldaram


as relações no século XX, mas, de certa forma, levou também aos
aparecimentos de novas mazelas sociais. Frei Betto (In SADER,
1999, p. 14) a identifica com um dos pecados capitais, a avareza,
SRLV HOD ³p D DOPD GR VLVWHPD FDSLWDOLVWD D SDL[mR SHOR GLQKHLUR´
pois concentra a renda em pouquíssimos e excluí milhões de
pesVRDV S   FODVVLILFDQGR R FDSLWDOLVPR FRPR ³XP IHQ{PHQR
SVLFRVVRFLDO´ S 


ϭϲϮ


Outro efeito é referente a competividade acirrada e desumana


a que estamos submetidos. Agimos como que em uma guerra
declarada, apontando como único caminho de existência possível o
vencer na vida a qualquer preço e este vencer se refere ao acúmulo
de bens pecuniários.
Leonardo Boff (In SAER, 1999, p. 36) olha a lógica do capital
mediante a exploração, fazendo com que cometamos o ecocídio, o
biocídio e o genocídio de nosso planeta, pois a Terra seria somente
vista como um reservatório a ser utilizado ao bel prazer dos
mandatários do poder econômico.
Segundo Araújo (In SADER, 1999, pp. 151 a 152), o novo
sistema gerou uma globalização neoliberal, em que

Os países ricos enriquecem mais a cada dia, e os países pobres, a cada


dia, empobrecem mais. Em comum entre ricos e pobres, a crescente
apreensão ± em muitos casos, o desespero ± dos trabalhadores para
conseguir um novo emprego ou manter o antigo, se ainda o tiver, mesmo
sabendo que é menor o salário da nova vaga, e que não haverá reajustes
para a vaga antiga. (...) que inclui ainda a exportação de empregos (...)
onde cresce o risco quanto à subsistência de família, a incerteza quanto ao
estudo dos filhos, a ameaça de violência urbana.

Os efeitos devastadores destas incongruências do capitalismo


foi objeto de estudo e pesquisa de um grupo de sociólogos
franceses, tendo a frente Pierre Bourdieu 96 (2012), em que cada
um, mediante a utilização do registro gravado e depois transcrito,
deu vozes a esses homens e mulheres que têm tanto problema na
vida e tão poucos meios de se fazer ver e ouvir. Esta equipe de
sociólogos se debruçou durante três anos na busca de


96
- O trabalho de Bourdier teve como objeto de estudo as relações na França, mas
podem ser estendidas a todo o mundo capitalista e os efeitos do modo
capitalista/urbano em que nos encontramos hoje.


ϭϲϯ


compreender as condições em que vivem duas ou até três gerações


de franceses, indo desde o conjunto habitacional, a escola, o
universo das fábricas e de seus funcionários, dos camponeses,
artesãos e da família, criando pequenas crônicas cada um expondo
as suas dificuldades, esperanças, desilusões e aspirações.
O ambiente desanimador reinante no continente europeu após
R WpUPLQR GD 6HJXQGD *XHUUD ³PHUJXOKDGD QDV VHTXHODV GR
conflito, sufocada numa crise geral (política, social, econômica,
PRUDO ILQDQFHLUD HWF ´ 3(1+$ S  WHYH FRPRH[SRHQWH
de expressão a corrente denominada de Existencialismo,
caracterizando os sentimentos reinantes na juventude, descrente
dos valores reinantes na sociedade.
O movimento existencialista surgiu e se desenvolveu neste
momento histórico e respondeu aos anseios na busca das reflexões
a cerca da existência humana dentro de uma realidade de extrema
incerteza e de reconstrução do mundo abalado pela destruição
FDXVDGD SHOD JXHUUD VHQGR XPD ILORVRILD ³FHQWUDGD QD DQiOLVH GR
KRPHPSDUWLFXODULQGLYLGXDOFRQFUHWR´ 3(1+$S 
Seu primeiro expoente e que serviu de base para seus
seguidores foi Kierkegaard (1813 ± 1855), ainda no século XIX, mas
já antecipando os efeitos de desencanto da sociedade da época
seguinte, seguido de Edmund Husserl (1859 ± 1938), que com sua
fenomenologia procurou desenvolver análises do agir moral, da vida
social, da experiência religiosa, da estética e de várias outras
esferas da experiência humana devida principalmente as mudanças
de interação entre os homens.
Martin Heidegger (1889 ± 1976) e o considerado maior
expoente da corrente existencialista Jean-Paul Sartre (1905 ±


ϭϲϰ


1980), sendo também o que despertou maior polêmica, todos com


viés centrado na angústia do ser, pois o existencialismo de Sartre
define bem o ateísmo do momento, em que Deus é substituído pela
ciência, criando com isso uma angústia permanente na existência
do ser humano.
Outra corrente foi o estruturalismo que teve uma influência
marcante em vários pensadores. Um deles foi Michel Foucault
(1926 ± 1984), sendo este um crítico da tradição moderna, em que
questiona seus pressupostos epistemológicos e problematiza a
concepção de filosofia como tendo por tarefa a fundamentação do
conhecimento, da ética e da política.
Conforme se pode notar, a sociedade se encontra em um
paradoxo, uma encruzilhada da qual não sabe para onde ir e o que
fazer. Vivemos imersos nos conflitos gerados por uma sociedade
altamente competitiva, levando muitos jovens a se verem frustrados
em suas prerrogativas de vida, não acalentando sonhos e
possibilidade de ascensão. Na mesma proporção, no texto de Louis
Pinto sobre as carreiras destruídas, pode-se entender o desespero
de quem fica desprovido de seu ganho pecuniário, pois

O fato de ser despedido, isola os indivíduos por um tempo indefinido, e faz


desmoronar as expectativas: além da diminuição da renda, invalida as
aspirações sobre o futuro, que anula ou desvaloriza grande parte das
possibilidades criadas com a situação profissional anterior. Perder o
emprego, entre outras consequências dolorosas, desmente aquele
narcisismo que a própria empresa favorece. (...). Ser despedido questiona
o conjunto de coisas no qual as pessoas apostavam (...) tornando o futuro
incerto, o desemprego obriga a fazer um inventário dos recursos
disponíveis, e evidencia, em alguns casos, carências até então reprimidas
ou mascaradas. (2012, p. 467).


ϭϲϱ


Vivemos policrises97, segundo Morin (2015, p. 19) pautada em


cima de duas carências cognitivas; uma a de que o conhecimento
fragmentado, mediante a especialização e a outra de que o
ocidentalocentrismo nos ilude de possuir um saber ilimitado e
XQLYHUVDO GHQWUR GH ³GRLV VLVWHPDV WRWDOLWDULVWDV LQVDFLiYHLV R GR
FDSLWDOLVPRILQDQFHLURHRGRIDQDWLVPRHWQRUUHOLJLRVR´ S 
Possivelmente, todo este desencanto com a vida, este
declínio da sociedade nos seus costumes e moral, associada às
catástrofes, sejam naturais ou tendo a ingerência do homem, tem
levado aos homens, principalmente aos filiados as crenças
religiosas de matriz cristã (entendidas como o catolicismo e as
diferentes vertentes protestantes existentes) a citarem o final dos
tempos e o apocalipse coma total exterminação da civilização.
Citado no último livro que compõe o Novo Testamento na
Bíblia, o Apocalipse (1982, pp. 1342 a 1357) diz que no fim dos
tempos Jesus virá, sendo as nações julgadas e quem for salvo irá
morar com Ele no Céu para sempre (Matheus 24: 30-31). Os
crentes (aquele que crê) devem estar preparados, pois pode
acontecer a qualquer hora e Jesus deixou a mensagem
98
especificando os sinais do fim dos tempos que poderemos ver.


97
- Morin identifica uma multiplicidade de crises, a saber; Ecológica, das sociedades
tradicionais, demográfica, urbana, rural, política e religiosa.
98 - Jesus disse em Mateus 24, Marcos 13 e Lucas 21 que os sinais do fim do mundo
são:
Falsos cristos e falsos profetas ± muitos dirão que são o Cristo ou profetas de Cristo e
enganarão muitas pessoas; Guerras e rumores de guerras ± nações entrarão em
conflito; Fomes e terremotos ± acontecerão desastres naturais em vários lugares;
Perseguição aos cristãos ± todos nos odiarão e alguns serão mortos; Traição e
rebelião ± haverá divisões e lutas até dentro de famílias; Ódio e maldade ± por causa
da maldade, o amor de muitos esfriará; Pregação do evangelho em todo o mundo ±
todas as nações ouvirão o evangelho; Sofrimento, instabilidade e guerra em Israel ±
haverá morte, sacrilégio e destruição; Uma grande tribulação ± um tempo de
sofrimento como nunca houve antes no mundo, mas que será abreviada; Sinais no


ϭϲϲ


A segunda vinda de Jesus e o fim do mundo são temas muito


falados na Bíblia e, conforme se pode asseverar pelos sinais, o
mundo hodierno preenche as especificações acima, daí as pessoas
se atentarem ao fato e repetirem freneticamente que estamos
vivendo o final dos tempos.
Em Theodoridis (2015a, pp. 71 a 72) o apocalipse, ou a ideia
de extinção do mundo como o conhecemos, teve um substancial
acréscimo em torno da profecia do fim do mundo, através do
surgimento, nos anos 1970, do achado de um monumento do
século VII d.C., em um sítio arqueológico de Tortuguero, no estado
mexicano de Tabasco. O monumento datava a criação do mundo
em 13 de agosto de 311 4 a.C., tendo seu término em 21 de
dezembro de 2012 ou conforme afirmam outras correntes no dia 23.
Quando da descoberta e posterior interpretação do
monumento, o principal enfoque, seria, mais uma vez, o hecatombe
mundial que poria fim ao planeta. Apocalipse significa revelação, e
a revelação que está para se evidenciar se refere ao homem como
parte integrante do Cosmos.
Por sermos uma sociedade que preconiza o material, o
visível, ou seja, tudo que se refira ao ser humano está embasado na
matéria e em nada mais. Portanto, é natural que, ao se enfocar


céu ± o sol e a lua deixarão de brilhar e as estrelas cairão do céu; Agitação do mar ±
as pessoas ficarão perplexas com sua agitação fora do normal; Medo e lamentação ±
por causa das desgraças e do julgamento. Apostasia ± muitas pessoas abandonarão a
fé na verdade da Bíblia para seguir ensinamentos falsos ± 2 Tessalonicenses 2:3; 1
Timóteo 4:1; O anticristo, ou homem do pecado ± será um homem usado por satanás,
que se exaltará como Deus e enganará a muitos; ele será destruído por Jesus na sua
segunda vinda ± 2 Tessalonicenses 2:4; Perversidade e tempos terríveis ± as pessoas
se entregarão a todo tipo de pecado, rejeitando a Deus ± 2 Timóteo 3:1-5;
Zombadores ± pessoas zombarão do evangelho e dirão que a vinda de Jesus é uma
mentira ± 2 Pedro 3:3-4; 2 Pedro 3:9-10.


ϭϲϳ


sobre o aniquilamento do planeta, as pessoas associassem tais


predições ao fim do mundo conhecido.
O homem postula seus entendimentos mediante sua
concepção de entendimento do mundo, ou seja, através da
natureza de aspecto material, que, para ele, tem uma natureza
indiscutível de realidade de forma. Com isso, aqueles que não
conseguem verificar que o homem é muito mais que a simples
natureza material, o olhar fica somente voltado para a destruição
física, mas, ao ampliarmos nossos horizontes, podemos adentrar
aos elementos mais sublimes da Criação e em níveis macro e
micro.
Diferente do ocorrido em Chernobyl, onde as autoridades
soviéticas esconderam até não poderem mais o acidente nuclear,
somente detectado pelas equipes suecas através do alto nível de
radiação trazida pelos ventos polares até aquele país, no Japão,
tem uma abertura ampla de monitorização das condições em que
apresentam as condições físicas da usina. Agora, podemos supor
se tal evento se sucedesse no Irã, ou na Coréia do Norte, como
seria o procedimento desses países onde o grau de censura é
elevado a um grau superlativo?
Os fatos, que diariamente se evidenciam, tais como efeito
estufa, gazes tóxicos, poluição dos rios e mares, entre outros tantos
afetam diretamente o ecossistema do planeta. O processo de
conscientização que acomete os homens ainda se encontra
incipiente, remetido a grupos como o Greenpeace e ONGS que
apregoam a utilização racional das fontes do planeta. Esses
mesmos grupos ficam restritos devido ao poderio econômico


ϭϲϴ


reinante dos grandes conglomerados multinacionais que comandam


a economia global.
O momento atual da civilização se encontra num ponto de
inflexão, onde claramente se verifica que a atuação desenfreada do
homem na Natureza, através da alteração das condições de vida no
planeta, acaba trazendo consequências que de tempos em tempo.
Gaia, nome dado ao planeta como elemento vivo, reclama seus
direitos, pois sofre as consequências da imprevidência do homem
na exploração de seus recursos naturais. - Mas, que culpa tem o
homem num terremoto e posterior tsunami? Realmente, não é
ingerência do homem na manifestação do fato em si, mas o
resultado com a ameaça de uma usina nuclear que ficou avariada
pelo terremoto. Essa sim é consequência da ação direta do homem.
Vejamos as proposições de renovação deste mesmo homem
e as vias que podem ser construídas para dar argamassa a novo
civilização do terceiro milênio.

NOVO ALVORECER

O homem em sua romagem terrestre erigiu grandes


monumentos, alguns dos quais ainda se encontram bravamente
com seus alicerces suspensos, resistindo à ação do tempo, mas
não soube erigir os alicerces da própria alma, pois, seu olhar
sempre foi para fora e não para dentro de si mesmo.
O homem produz instrumentos de toda espécie até aonde a
sua imaginação pode alcançar e, por meio deles, modifica o seu
ambiente físico, vergando a natureza aos seus caprichos. Além
disso, produz também a linguagem, sobre a qual construiu seus


ϭϲϵ


alicerces em um imponente edifício de símbolos, que acabaram


permeando todos os aspectos de sua vida em sociedade, ou seja,
produzimos valores e forjamos instituições com suas estruturas
controladoras e intimadoras.
O mundo antigo acreditava que a Terra era um organismo
vivo, chamado de Gaia e o distúrbio do equilíbrio das forças vivas
da natureza seria capaz de causar o revolver das entranhas da
terra, acusando dessa maneira que o trato com a Mãe Terra deveria
ser revisto.
Tal qual nós que ao abusarmos de alguma coisa ou algo que
perturbe nosso equilíbrio somático temos como consequência as
doenças, a Terra também sofreria abalos com a utilização errônea
do homem e para tal reajuste são necessárias as manifestações
que assolam o planeta.
Como fazer isso? Será realmente o fim dos tempos ou temos
condições de reverter o atual estado das coisas? Vamos indagar as
possibilidades e as vias para a humanidade seguir em frente na
construção de uma nova civilização.
Edgar Morin (1921 ± ) é um destes pensadores que propõem
WRGDXPDUHIRUPXODomRQRQRVVRDWXDOPRGRGHYLGD1ROLYUR³$YLD
SDUD R IXWXUR GD +XPDQLGDGH´   QRV VmR DSUHVHQWDGRV XPD
variedade enorme de possibilLGDGHV RQGH ³FDGD UHIRUPD Vy SRGH
progredir se as outras progredirem. As vias reformadoras são
FRUUHODWLYDV LQWHUDWLYDV H LQWHUGHSHQGHQWHV´ &RQIRUPH DVVHYHUD R
filósofo francês judeu de origem sefardita 99, vivemos dentro de uma
rede em comum dependência entre tudo e todos.

99
- Sefarditas é o termo usado para referir aos descendentes de judeus originários de
Portugal e Espanha.


ϭϳϬ


Uma das primeiras sugestões é baseada numa política da


humanidade em que acontece uma simbiose entre o mundo
ocidental e as outras culturas cada qual contribuindo com o seu
melhor, criando em uníssono uma nova civilização, pois conforme
assevera, não existe cultura pura que tenha mantido sua
integridade inicial (descontando a língua e costumes), pois
acabaram se mesclando com outras influências (2015, p. 61 a 63).
Isso foi visto, por exemplo, no capítulo 01 referente ao nascimento
de Jesus e sua apropriação ao culto existente no Império Romano.
No aspecto demográfico e a questão alimentícia uma atenção
especial ao processo migratório e ao crescimento da população.
Conforme asseverou Theodoridis (2014a, pp. 98 a 100), vivemos
em um período de intensa preocupação com o meio ambiente. De
acordo com os especialistas, após termos alcançado sete bilhões
de almas encarnadas, em 2050 esse número chegará a nove
bilhões, ou seja, nove bilhões de bocas para alimentar em um
espaço cada vez mais saturado e explorado pelo homem. Por isso,
várias alternativas em múltiplos campos se abrem através das
pesquisas realizadas ao redor do mundo no intuito de minorar tais
efeitos. Seguem abaixo algumas dessas novidades, pautadas
principalmente no campo da alimentação.
Símbolo da culinária brasileira, o tradicional feijão teve
aprovado em 2012 a produção de sementes transgênicas liberadas,
com possibilidade de outros alimentos seguiram o mesmo caminho.
A Embrapa (Empresa Brasileira de pesquisa Agropecuária) analisa
as vantagens de tais medidas. O novo feijão é resistente ao vírus do
mosaico dourado, que contamina de 90 a 280 mil toneladas da
produção. A empresa hoje tem cerca de 180 projetos ligados ao


ϭϳϭ


aumento da produtividade no campo. Outro trabalho adiantado se


refere à fixação biológica destinada as culturas de soja, que
³SX[DP´ R QLWURJrQLR SDUD D SODQWD HYLWDQGR GHVVD PDQHLUD D
utilização de fertilizantes. O uso de menos produtos químicos faz
com que o mesmo seja mais natural, degradando menos os rios,
preservando os ecossistemas.
Na Universidade de Oxford, a pesquisadora Hanna Tuomisto
dedica-se ao estudo do desenvolvimento de carne cultivada, feita
através de células-tronco. No processo, as células-tronco são
cultivadas junto a nutrientes e vitaminas essenciais para que
cresçam na quantidade desejada. O gosto da carne, sua textura e o
teor de gordura podem ser controlados com a ingerência de tais
fatores, um processo parecido do cultivo hidropônico, onde os
vegetais são controlados em ambientes fechados (estufas),
recebendo a carga de nutrientes regularmente. Tal projeto visa à
diminuição dos impactos ambientais gerados pela agropecuária,
com possibilidade de ampliação da cobertura florestal do planeta. O
que se estuda ainda são os custos de tal produção, pois se tem a
diminuição da utilização de terras, água e da emissão dos gases-
estufa, oriundo dos flatos dos ruminantes, em contrapartida se tem
a utilização de mão-de-obra especializada em laboratórios e
pesquisadores, fazendo com que o custo comercial da carne
cultivada seja considerável.
Em Brasília, o pesquisador Antônio Arraes, desenvolve em
seu laboratório de nanotecnologia uma película comestível. O
plástico é um material que demora aproximadamente 100 anos para
se degradar totalmente na natureza, portanto extremamente
prejudicial ao ecossistema do planeta. A película comestível tem a


ϭϳϮ


vantagem de acondicionar os alimentos sem alterar seus gostos e


ainda ser passível de ser ingerida. Os primeiros textos efetuados
tiveram êxito.
A FAO (Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação)
efetuou, em Roma, uma conferência sobre entomofagia, ou seja, a
introdução de insetos na dieta humana. A ingestão de insetos é
praticada em muitos países asiáticos e africanos e o é aqui, no
Norte, pelas populações ribeirinhas e várias etnias indígenas. Para
uso comparativo, o conteúdo proteico da carne bovina é de 20%, do
farelo de soja, 43% e do ovo de percevejo, 68%. Por ser mais de
aspecto cultural e social, temos obviamente uma resistência grande
à utilização de insetos em nossa alimentação.
Outro alimento muito consumido, principalmente na China,
são as algas marinhas. O Brasil tem um grande potencial a ser
explorado, ainda a espera por liberação do Ibama do cultivo de
determinadas espécies de algas exógenas ao litoral. Também é
alvo de preconceito quanto sua ingestão por não fazer parte de
nossa cultura.
Estes enfim são alguns dos projetos em andamento, voltados
ao crescente aumento populacional e consequente diminuição dos
espaços. O Brasil é um dos países que mais desperdiça comida,
exatamente pela grande demanda que oferece. Um absurdo se
considerarmos que pelo menos 01 bilhão de pessoas enfrenta a
fome diariamente no mundo.
Uma dos alertas visa a manutenção das etnias minoritárias,
tal como os indígenas colocando que


ϭϳϯ


o patrimônio cultural não é feito apenas de monumentos, de arquitetura, de


arte, de paisagens; ele é feito, também, da existência das sociedades
humanas mães, ricas em qualidades que perdemos e que poderíamos,
que deveríamos recolher delas. Sua existência, que é em si mesma a
resistência à barbárie da civilização evoluída, é uma resistência
civilizadora. (MORIN, 2015, p. 97).

O processo ecológico, como não deveria deixar de ser, tem


papel fundamental na transformação desta nova sociedade, onde a
degradação da biosfera está alterando em níveis vertiginosos, a
vida no planeta, relevando a necessidade da reforma de nosso
pensamento no modo de encarar a relação da humanidade para
com a natureza, estabelecendo uma ecopolítica planetária.
Uma destas mudanças seria o desenvolvimento das energias
renováveis e mais limpas, que não poluem o ambiente e a
educação das pessoas em torno do consumo, do uso dos veículos
automotivos e do turismo ecossustentável (2015, pp. 98 a 116).
Outras atividades desenvolvidas em prol da sustentabilidade
do planeta com tecnologias de ponta, demonstrando a preocupação
crescente do homem frente ao seu endereço sideral. Vejamos as
boas.
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma) apontou uma virada na produção de energia no
planeta. Os investimentos em fontes renováveis como a biomassa
(utilizada na produção de energia a partir de processos como
a combustão de material orgânico produzido e acumulado no
ecossistema), eólica (vento) e solar, bateram recorde em 2015
atingindo a marca de US$ 286 bilhões.
O motivo está relacionado à crise econômica mundial e a
crescente preocupação voltada para as mudanças climáticas,


ϭϳϰ


fazendo com que a produção da chamada energia limpa esteja


cada vez mais em pauta nas agências governamentais.
No Brasil, o uso de energia eólica multiplicou o seu uso nos
últimos cinco anos, mas a possibilidade de maior e melhor utilização
ainda são refreadas devido ao forte investimento na ampliação de
fontes de matriz energética a partir das hidrelétricas.
Referente à energia solar, um de seus maiores entraves é
referente ao alto preço dos painéis solares. Na Suíça, foi
desenvolvido por cientistas da Escola Politécnica Federal de
Lausanne (EPFL), um novo material que promete mudar este
cenário. Através da engenharia molecular de FDT (sigla em inglês
para fluoreno-ditiofeno dissimétrico) o material se mostra capaz de
transportar cargas positivas para dentro dos painéis solares. O
funcionamento das placas depende desta função e os
transportadores de carga são a parte mais custosa do programa.
O FDT além de custar um quinto do preço dos outros
produtos, ainda eleva a eficiência dos 14% atuais para 20,2% e
permite a produção de vários modelos por ser facilmente
modificado.
Acordo o coordenador da campanha Clima e Energia do
Greenpeace, Ricardo Baitelo, outras pesquisas em curso visam o
aumento da eficiência do uso da energia solar em até 40%.
No Brasil, todos os equipamentos são importados, o que faz
com que seu uso seja caro, além da tradicional burocracia e da falta
de incentivos fiscais, mas já existe a possibilidade de fabricação
própria o que acarretaria o seu barateamento.
Outra técnica que me chamou a atenção refere-se ao
processo de transformar garrafas plásticas em combustível.


ϭϳϱ


3XEOLFDGRQDUHYLVWDDPHULFDQD³6FLHQFH$GYDQFHV´RDUWLJRPRVWUD
a pesquisa liderada por Yiangqing Jia, do Instituto de Química
Orgânica de Xangai, em que o essencial da técnica é a reação
TXtPLFDFRQKHFLGDFRPR³PHWiWDVH´HPTXHGRLVUHDJHQWHVJHUDP
dois produtos.
Dispensando o uso de altas temperaturas a técnica batizada
GH³&$0´PLVWXUDFRPSRVWRVHQFRQWUDGRVQRVSOiVWLFRVUHVXOWDQGR
na quebra do polietileno, utilizando reagentes de baixo custo, como
o éter, viabilizando a possibilidade de conversão dos plásticos em
combustíveis líquidos e ceras. A técnica viabiliza o caminho para a
destinação de milhões de toneladas de plásticos produzidos
anualmente, liberando o meio ambiente de um agente de poluição
de longo prazo.
Uma preocupação recorrente no mundo atual diz respeito à
emissão de gases (CO2) na atmosfera do planeta, responsáveis
pelo famoso efeito estufa. O efeito é um mecanismo natural do
planeta para a manutenção da temperatura, sem o qual o clima
seria muito mais frio, mas o problema é que a interferência do
homem está potencializando o aumento da temperatura pela
decorrente da queima de combustíveis fósseis, tais como derrubada
das árvores, queimadas, uso da gasolina e óleo diesel, entre outros.
Na Islândia, um grupo de pesquisadores da Universidade de
Southampton, no Reino Unido, tendo como coordenador Juerg Matter,
conseguiram injetar 220 toneladas de gás carbônico e água no interior
de rochas vulcânicas, que reagiram com os minerais nas camadas
profundas de basalto, convertendo o dióxido de carbono em sólido
estável, aproximando-se da consistência de giz.


ϭϳϲ


O dado mais interessante foi o tempo levado para isso. De


acordo com a publicação na UHYLVWD ³6FLHQFH´ R JUXSRLQIRUPRXTXH
em apenas quatro meses todo o gás já estava transformado, criando
uma boa expectativa de sua futura utilização e preservação da
atmosfera terrestre, carregada de poluição.
Como podemos observar, embora as pessoas em muitos casos
se mostrem pessimistas e renitentes frente ao futuro do planeta, outros
ao invés de ficaram se lamuriando, buscam alternativas viáveis para a
manutenção da vida, cientes de que fazemos parte de um organismo
vivo, que age e reage frente às intempéries do homem, conhecida
pelos antigos como Gaia.
Conforme visto no capítulo 01, o capitalismo, embora tenha seus
méritos, levou ao homem a exacerbar frente ao seu próximo em uma
disputa frenética de ter seu lugar ao sol, mesmo que por vias nem
sempre usando de lisura. A via econômica tem 17 itens apresentados
pelo autor no capítulo 09 (pp. 127 a 140) entrando nos aspectos das
desigualdades e da pobreza, em a que a busca recairia em uma nova
solidariedade pública e uma economia solidária, pois estas vias estão
indissociáveis entre si (2015, pp. 141 a 159).
Continuando, a burocracia é alvo de atenção. Surgida na
formação dos Estados Nacionais, elas obedecem aos mesmos
princípios gerais de organização que são; a centralização, a hierarquia
e a especializaçmR$EXURFUDFLDHDFRPSHWLWLYLGDGH³VmRGRLVyUJmRV
atrofiados de nosso tipo de sociedade. O primeiro ignora as pessoas
FRQFUHWDV R VHJXQGR DV PDQLSXOD´ S   8PD GHVEXURFUDWL]DomR
passaria por três práticas; o diálogo em equipe, o desenvolvimento
pessoal e uma visão holística para cada membro do grupo.


ϭϳϳ


Outro trinômio indissociável é a justiça-polícia-prisão, pois ele


está no cerne da própria civilização ocidental, mas para isso, seria
necessário uma

ação conjugada e perseverante das diversas vias de reforma da política, do


pensamento, da sociedade, da vida, que provocará a redução das barbáries de
civilização, elas mesmas interdependentes, que são os crimes e as barbáries
próprios às contrabarbáries da repressão. (2015, p. 177 e 178).

Estas medidas são apontadas nas páginas 178 a 180.


Entender o atual momento parte da compreensão do outro.
Theodoridis (2014a, pp. 23 a 25) ressalta um evento da qual fez
parte.
Estando no domingo qualquer, compartilhando com vários
companheiros de ideal em comum, no caso em questão assistindo
a uma partida de futebol, num clássico regional, pude manter
minhas observações quando da reunião dos grupos contrários, de
um lado, agrupados e trajados a rigor, os torcedores de um time e
perfilados no canto oposto, os componHQWHV³DGYHUViULRV´WDPEpP
vestidos a caráter, representando todos dessa maneira seus gostos
e preferências, cada qual gritando frases de incentivo e hinos além
de gesticularem uma coreografia própria de cada torcida.
O ambiente, além de estar com uma capacidade interna e
externa muito aquém de suas diminutas reservas, contava ainda
com mais um ingrediente que ao longo de pelo menos seis mil anos
participa das comemorações do homem. Esse componente é o
álcool. Portanto, reunidos num espaço geográfico restrito, um
número excessivo de pessoas tendo seus estados de normalidade
alterados, tanto pelo zelo ao time eleito como pela ingestão


ϭϳϴ


desenfreada de bebidas alcoólicas que acabam fazendo com que


as paixões se tornem mais exacerbadas no fulgor das emoções.
O jogo de futebol em si acaba sendo apenas um pretexto para
que esse transpirar de ódio ao outro extravase em contendas
verbais, dilacerações a integridade das pessoas, sugestões nada
simpáticas alusivas aos genitores entre outras tantas. Podemos
observar que cada qual se acha com a razão olhando para o outro
com desdém e prepotência. Tudo isso somado ao consumo de
cerveja e outros similares fazem com que o resultado não possa ser
outro do que o conflito belicoso entre os grupos que pelas citadas
razões acima, se acham detentores de uma superioridade frente ao
oponente, cada qual defendendo suas cores exaltando e cantando
versos contrários ao oponente que com as mesmas armas
respondem a provocação do grupo rival.
No final do confronto, quem sai perdendo é a humanidade,
pois mais uma vez a animalidade deu vazão à racionalidade,
tornando pessoas com discernimento mental em simples bestas
arrastadas pelo impulso egoico de uma suposta superioridade
frente ao outro.
Retornando ao circo romano, no Império da Águia, onde nas
corridas de bigas o público contava com quatro cores primárias,
cada qual torcendo e enaltecendo seus prediletos na arena, os
bárbaros da atualidade se digladiam entre si colocando suas
preferências e predileções acima de qualquer noção de civilização
transformando os ambientes em locais de batalhas e todas essas
atitudes calcadas em cima do orgulho ferido e da não aceitação do
outro que é detentor de concepções diferentes oriundos muitas das
vezes, como no caso em questão, de cores de uma camisa.


ϭϳϵ


O que chamamos de civilização atual é na realidade barbárie,


pois, segundo Ubaldi (1992, p. 10)

no fundo o homem moderno é primitivo e inconsciente, pobre fantoche


completamente ignorante, presunçoso e prepotente quase sempre cego e
rebelde, e, apesar disso, sem o saber e querer, obediente à lei que o guia,
e que tudo sabe, tudo faz por ele, manobra-o como autômato e, sem que
ele o saiba, traça-lhe a história, prepara os acontecimentos, entrosa os
choques, apresenta as soluções, impõe as conclusões, elevando os
líderes, edificando e destruindo, exaltando e abatendo, de acordo com
sabedoria desconhecida pelo homem.

Nesse universo de intransigência que vivemos, vemos o


homem se confrontar com seu semelhante pelos motivos mais
descabidos, seja por natureza religiosa, propalando as guerras
santas, seja por questões políticas, filosóficas, e outras tantas que
muitas das vezes podemos parar para pensar se realmente
podemos nos considerar civilizados ou simplesmente pouco
diferimos do Neandertal, extinto há 30 mil anos atrás, que diferente
de nós lutava diariamente para sua sobrevivência. Até quando
iremos nos colocar como detentores de uma superioridade que não
possuímos e de acharmos que somos melhores que o outro
simplesmente porque pensamos diferente.
A demonstração efetuada no exemplo em questão é apenas
uma ínfima parte de como ainda nós estamos cegos pela falsa
crença de que alguém ou alguma coisa é melhor do que outra. Tudo
e todos têm sempre algo para acrescer ao outro e se soubermos
aproveitar os aspectos que transcendem a pura vulgaridade,
estaremos enriquecendo nossos cabedais de educação com
valores cada vez mais avantajados, enaltecendo então o ser


ϭϴϬ


humano como ser integrante e corresponsável do ambiente que ele


vive.
Isso é mudança de mentalidade e de reforma do pensamento.
Com isso, se compreende como que o constructo da Dialética
Cultural Espiralada modifica e leva a cultura para outro patamar,
PDVQmRVRPHQWHDFXOWXUD8EDOGL S SRVWXODXPD³QRYD
forma mental, orgânica e harmônica, que substitui a antiga,
LQRUJkQLFDHFDyWLFD´
Com este viés, Morin começa sua segunda parte do livro
(p.183) mostrando como estamos, de um lado com
superabundância de informações e, do outro lado, fragmentados
com tal conhecimento, sem conseguir contextualizar, organizar e
compreender esta gama de conhecimentos.
Entendamos; informação, conhecimento e sabedoria são
partes de um processo, mas diferentes entre si. A (s) informação
(ões) no mundo tecnológico que habitamos são abundantes e
extremamente diversificados. Encontramos no Google tudo o que
quisermos saber. Theodoridis alerta sobre o assunto das

transformações que a Internet inseriu no contexto da sociedade moderna


na última década são inegáveis. A facilidade e a rapidez com que se
encontram informações na rede, sobre qualquer assunto e a qualquer
momento que se deseje, estão provocando alterações nos processos de
cognição do cérebro.
As toneladas de informações que nos são ofertadas continuamente pelos
sites de buscas, blogs e redes de relacionamento, são em sua grande
maioria, lixo mental, que nada acrescentam as pessoas. (2014a, p. 36.)

Estas toneladas de informações nos são empurradas pela


mídia a todo o momento, mas em nada nos acrescentam, na
maioria das vezes. O conhecimento já é diferente. Embora seja


ϭϴϭ


também uma informação, ele tem validade e utilidade para aquele


que a detém, podendo ser usado a qualquer momento. A sabedoria
vai além. Ela também é uma informação que gera conhecimento,
mas diferente dos dois estágios anteriores, a sabedoria faz com que
apliquemos em nós.
Exemplificando; temos várias informações sobre os malefícios
do tabagismo, conhecimento de suas ações, mas muitos de nós
não utilizamos sabiamente estas informações e o conhecimento,
pois continuamos a fumar. Amplie este exemplo para tudo na vida e
YHUHPRVFRPRRGLWDGR³IDoRRTXHHXGLJRQmRIDoDRTXHHXIDoR´
é mais verdadeiro do que parece.
Uma das reformas mais premente e necessária é a reforma
da educação (pp. 191 a 204). Segundo Theodoridis (2014 a, 63)

a palavra educação advém do latim educatione que significa ato de criar,


instrução, sendo estas voltadas na ação de desenvolver as faculdades
psíquicas, intelectuais e morais, tendo como resultado dessa ação
conhecimento e prática dos hábitos sociais e de boas maneiras.

Inclusive mostrando que devemos ter a continuidade nos


estudos, pois a evolução rápida dos conhecimentos necessita que
os profitentes mantenham o foco nas devidas atualizações em suas
áreas de atuação.
No século XIX, a fragmentação do saber científico e filosófico
foi pautada no modelo cartesiano e se expandiu para o social, se
associando com o evolucionismo de Darwin e o positivismo de
Auguste Comte criando o darwinismo social, numa alusão ao
SURFHVVRGHHYROXomRSHUPDQHQWHGRKRPHP³2UGHPH3URJUHVVR´
lema da nossa bandeira nacional, exemplifica claramente a diretriz
tomada pelo homem.


ϭϴϮ


O conhecimento científico tem uma excepcional expansão


oriunda das diversas descobertas encetadas em âmbito mundial. As
tecnologias acompanham em ritmo frenético o caminhar das
invenções. Palavras até então desconhecidas começaram a
aparecer nos vocábulos; trem, navio a vapor, telégrafo, telefone,
lâmpada, aço, entre outras tantas iniciam sua escalada na aventura
humana.
Os habitantes, fossem da cidade ou do campo, tinham suas
vidas regradas, passando muitas delas a vida inteira aonde
nasciam. O desenrolar de suas atividades raramente sofria
alteração e essas eram oriundas de desastres naturais (seca,
chuva, etc.) ou exógenas (invasão). Fora isso, aquela mesma
monotonia. Outro exemplo que posso acrescer é referente à
entrada dos automóveis nas cidades. O número de atropelamentos
era enorme e a velocidade dos autos era de 20 a 40 km/hr. Por
mais incrível que pareça, as pessoas não tinham noção da distancia
que o carro estava e quanto tempo ele levaria para chegar ao local
em que estaria.
Os valores centrais da modernidade, a ênfase na ciência
como modelo de saber, a ênfase na problemática da verdade e do
conhecimento, a importância da política institucional, a formulação
de grandes sistemas e quadros teóricos, a tarefa legitimadora da
filosofia, todos estes elementos são considerados esgotados,
devendo ser postos de lado em nome de um saber que valorize
mais a criatividade, a inspiração e o sentimento, em que os valores
estéticos passam a tomar o lugar do científico e do político na
acepção tradicional. (THEODORIDIS, 2014b, pp. 45 a 48).


ϭϴϯ


A educação, entendida num contexto amplo, possibilita ao


homem um entendimento do meio em que interage, agindo e
reagindo as diversas situações do cotidiano com um olhar mais
instrumentalizado do que as demais pessoas que se movimentam
através do senso comum, das opiniões desprovidas de maior
análise crítica.
O educador em qualquer sociedade de qualquer tempo
sempre foi ponto de referência pela sua sapiência e também servia
de modelo para os mais jovens. Não me refiro somente ao
conhecimento acadêmico, mas ao saber adquirido ao labor do
tempo que faz com que mesmo sem formação escolar, as pessoas
desenvolvam uma experiência de vida capaz de nortear um grupo
inteiro. (CANHOTO, 2003)
No mundo contemporâneo, desprovido de valores morais, a
educação assumiu um valor que maior equivalência, pois as
gerações mais novas estão carentes de conhecimento real, fruto de
suas vivências calcadas no mundo virtual, onde permeia uma gama
de cultura inútil, marcada ainda pelos principais vinculadores de
informações que preenchem o cérebro com apelos voltados ao
consumo desenfreado e pela crescente apelação ao erotismo
barato. A sociedade produz cada vez mais especialista em
inúmeras áreas do conhecimento humano, mas não está
produzindo homens plenos e conscientes. Tornamo-nos experts,
mas somente naquilo que elegemos, ficando com um mundo a
descortinar por inteiro.
Ao debruçarmos no teclado no intuito de produzir um texto
que será veiculado num jornal de penetração, o profissional se


ϭϴϰ


esmera em transmitir conhecimento, cultura, que fará com que os


leitores tenham a oportunidade de refletir a cerca de suas ideias.
Essa sociedade de informação foi alvo de análise de Morin,
HP TXH R DXWRU DILUPD TXH ³D ,QWHUQHW p D PHOKRU H D SLRU GDV
FRLVDV´ SS08 a 209). Concordo com ele, vejamos algumas
colocações a respeito do assunto.
Os cientistas da Academia de Ciências da China em Wuhan
analisaram as imagens das funções cerebrais de 35 voluntários
entre 14 e 21 anos e constataram anomalias na substância branca
do cérebro, acarretando impacto na capacidade de raciocínio, como
também em prestar atenção em alguma coisa. Em outra pesquisa,
feita por britânicos foi analisado os resultados das alterações
cerebrais com o uso excessivo da Internet como também ligado aos
videogames.
Nos dois estudos, as primeiras conclusões indicam o que os
cientistas suspeitavam a tempo considerável; anomalias na
substância branca no córtex órbito-frontal e outras áreas cerebrais
estão associadas não somente à dependência em substâncias
químicas, tais como o álcool e a cocaína, por exemplo, mas
também em comportamentos ditos compulsivos, como a obsessão
por Internet e aparelhos eletroeletrônicos, inclusive os celulares e
smartphones.
O segundo estudo está calcado também na popularização da
web, mas com enfoque diferenciado. Acordo o autor, as principais
fontes de conhecimento com que todos contavam eram os livros,
como também a memória do que se aprendia no transcurso da vida.
A entrada da internet modificou inteiramente esse panorama. Por
exemplo, a leitura em profundidade foi substituída pela massa de


ϭϴϱ


informações que em sua maioria são superficiais e a memória


perdeu relevância pela disponibilidade de acesso à rede.
1D YLVmR GR FLHQWLVWD EUDVLOHLUR 0LJXHO 1LFROHOLV ³R FpUHEUR p
uma orquestra sinfônica em que os instrumentos vão se
PRGLILFDQGRDPHGLGDTXHVmRWRFDGRV´)UDVHJHQLDOTXHHOXFLGDR
aspecto metafórico entre orquestra e cérebro, designando que caso
não façamos uso das estruturas cognitivas, as mesmas tendem a
se atrofiarem.
As transformações que a Internet inseriu no contexto da
sociedade moderna na última década são inegáveis. A facilidade e
a rapidez com que se encontram informações na rede, sobre
qualquer assunto e a qualquer momento que se deseje, estão
provocando alterações nos processos de cognição do cérebro.
As televisões hoje, juntamente com a Internet, possuem um
poder de penetração extremamente forte e sabedores dessa força,
imputam um enorme cabedal de informações que nos é despejado
todos os dias pelas emissoras de tele transmissão.
Mediante essa força de penetração de informações na
população em geral, ela nos é traduzido como elementos
subliminares que atuam no inconsciente coletivo dos homens
levando-os a uma inversão de valores no tocante aos elementos
realmente significativos ao bem viver. Podemos atentar ao fato de
que nas novelas existe toda uma gama de tramas onde nos é
passado uma falsa imagem das relações entre os homens
realçando as divergências existentes e elevando um estilo de vida
calcado na riqueza material, onde todos somente são felizes
quando atingem os patamares de elevação social, muitas das


ϭϴϲ


vezes, passando por cima de valores éticos e morais que deveriam


ser os norteadores das relações humanas.
Essa atitude cria uma ansiedade de consumo e uma imagem
de que para ser feliz é preciso possuir, incutindo na mentalidade do
povo a imagem do homem vencedor através da quantidade de bens
acumulados. Esse exemplo direcionado as novelas pode ser
ampliado ao nosso universo de imagens e apelos aos quais
estamos imersos, pois essas falsas riquezas promulgadas criam
uma caricatura despersonalizada da realidade cotidiana da grande
maioria de nós. Os reflexos podem ser sentidos em nosso dia a dia
compreendendo o alto índice de criminalidade de nossas
metrópoles, pois os jovens, principalmente, assumem essa
identificação de valores querendo por vias tortas ingressar no
mundo que para eles denota a real felicidade.
O computador, conjugado com a Internet, faz parte da vida
moderna em seus múltiplos aspectos. Tomemos por exemplo os
bancos e supermercados que mantém interligado seus sistemas.
Qualquer problema que acarrete a supressão dos serviços tais
como queda do sistema, falta de luz, etc., causam um intenso
atraso nas relações de serviço, gerando desconforto e irritação nas
pessoas. Quem já não foi ao banco e ouviu aquela famosa
H[SUHVVmR ³R VLVWHPD HVWi IRUD GR DU´" 1mR DGLDQWD VH H[DVSHUDU
nessas situações e o melhor a fazer é procurar enfrentar o
momento com bom humor, coisa que dificilmente acontece devido
ao intenso fluxo da vida atual, exigindo sempre agilidade nas
relações.
As malhas aéreas, férreas e rodoviárias dependem do arsenal
tecnológico para o bom funcionamento de seus serviços e qualquer


ϭϴϳ


falha no sistema transforma nossas vidas mergulhando a todos num


inferno digno de Dante.
Outro artigo de consumo tecnológico que faz parte desse
pacote é o celular. Hoje qualquer um tem acesso ao telefone portátil
e estamos tão condicionados de tal modo ao seu uso que quando a
bateria descarrega ou estamos sem VLQDOILFDPRV³LQFRPXQLFiYHLV´
com o mundo, parecendo que alguma parte de nosso corpo está
vazia.
No ambiente doméstico temos uma parafernália de aparelhos
que propiciam facilidades no trato em geral. Quando enguiça a
máquina de lavar, só o pensamento de lavar as roupas na mão
acaba desanimando os mais fortes. O chuveiro elétrico quando
entra em curto a melhor opção é fazer que nem os franceses,
bastante perfume, ainda mais para quem reside em cidades como
Teresópolis. A televisão é outro objeto de uso indispensável e
quando suprimidos de seu uso ficamos como baratas tontas sem
saber o que fazer.
O avanço tecnológico no transcorrer da centúria passada
propiciou ao homem moderno um conforto material nunca antes
sentido na história. Para se ter ideia disso, o vaso sanitário (embora
não seja eletrônico, óbvio), foi considerada a invenção do século
XX, pois o aspecto sanitarista da população era extremamente
precário, ficando os dejetos humanos ao céu livre e criava com isso
condições favoráveis à proliferação de várias doenças.
O homem hoje reúne um cabedal estupendo de produtos de
facilitam à vida de todos, mas da mesma maneira que ajuda,
acabam nos tornando refém de seus usos, principalmente os jovens
que já nascem imersos nesse mundo eletrônico onde a falta de


ϭϴϴ


qualquer desses itens é motivo para amarrar a cara. Ninguém hoje


pede uma bola dente de leite de presente e sim um ipod ou mp4. O
hábito da leitura se torna cada vez mais raro e as relações
interpessoais se distanciam, envoltas no cipoal eletrônico.
Na terceira parte do livro, o enfoque é voltado as reformas de
sociedade (p. 211 em diante). A primeira é referente a medicina (pp.
213 a 241) e seus múltiplos decorrentes, tais como o hospital, a
indústria farmacêutica e as despesas com saúde, onde o autor
propõe uma simbiose com as outras medicinas vilipendiadas e o
retorno aos tratamentos considerados não convencionais. Melhoria
na alimentação e na qualidade de vida, na necessidade de se
desenvolverem sistemas preventivos e regenerar as solidariedades.
Em todos estes aspectos, pode-se notar a preocupação frente a
ganância das indústrias, neste caso a farmacêutica capitalista e
uma postura relacionar entre as pessoas.
Em toda a terceira parte, a preocupação com a alimentação
e o consumo. Referente ao assunto, Theodoridis também escreveu
suas preocupações (2017, pp. 138 a 143). Infelizmente o que
observamos é um desvario no trato alimentar de maneira geral.
Tratamos nosso corpo com um descaso enorme, somente
acalentando maiores atenções ao exterior em detrimento ao interior.
O homem hodierno está preso nas garras de Belzebu, o demônio
da gula, o senhor das moscas.
Um dos sete pecados capitais, a gula é um pecado sensorial,
mas tudo que é proibido é mais procurado e desejado. Daí a queda
de primeiro casal. Podiam comer o que quisessem, mas escolheram
exatamente aquela que estava interdita por Deus. Resultado, aqui
estamos...Bem, a gula é sinônimo de pecado, pois quando


ϭϴϵ


transportamos prazer para a mesa e não para a obra de Deus, isto


é um tipo de idolatria, tendo a pena no Inferno no terceiro círculo,
cercado de lama e chuva, tendo ainda a companhia de Cérbero, o
cachorro de três cabeças que tem por prazer despedaçar as almas
dos gulosos.
Nossa sociedade tem sua base alimentar pautada em
açúcar, carboidratos e carne. Não se consome frutas, verduras e
legumes em quantidades satisfatórias e os alimentos são, na sua
grande maioria, industrializados. O desgaste efetuado pelo luta
diária da sobrevivência causa nas pessoas o stress, levando muitos
à depressão profunda. O uso da tecnologia moderna expõe a todos
a uma imensa gama de radiações, sem falar nos hábitos dos jovens
que estão trocando o dia pela noite para ficar em frente ao
computador nos chats virtuais.
Bem, segundo ficou demonstrado pela pesquisadora Ashley
Gearhardt, professora-assistente de Psicologia do Food and
Addiction Science and Treatment (FAST), da Universidade de
Michigan, USA, alimentos como chocolate, pizza, batata frita,
sorvete, refrigerantes, entre outros, viciam e causam dependência
tanto quanto o álcool e a nicotina. Pasmem vocês, mas é isso
mesmo...Quando as pessoas entoam aos sete ventos suas
naturezas imaculadas, mal sabem que, na realidade, algum dos
itens citados, fazem parte de suas dietas cotidianas e são
responsáveis da dependência que causam aos pobres mortais.
O famoso junk food DTXHOHVODQFKLQKRVQRV 0F'RQDOG¶V GD
vida) é considerado uma bomba relógio, pois, a pessoa não come
somente o sanduiche, mas ele é acompanhado por refrigerante,
batatas fritas e um sundae para finalizar a derrocada do organismo.


ϭϵϬ


Ao terminar esta orgia alimentar, saímos pensando em quando


voltaremos...
O açúcar é um dos piores alimentos que utilizamos,
altamente industrializado, quase totalmente desprovido de algo
positivo para o organismo e ainda retira nutrientes quando ingerido.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) publicou recentemente
novas diretrizes em relação ao seu consumo, estabelecendo que a
ração diária seja de até 10%, ou seja, o equivalente a um quarto de
xícara, alertando sobre os produtos industrializados que utilizam em
sua composição o açúcar (até pasta de dente tem açúcar, o que é
um contrassenso, pois o açúcar retira o cálcio dos dentes).
De acordo com o psiquiatra Arthur Kaufman, docente no
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, o vício no consumo de chocolate é explicado pela
presença em sua composição da tiamina, uma vitamina do
complexo B, que produz energia e é um neuromodulador de
sinapses do cérebro, atuando similarmente como anfetamina.
Como modificar tais comportamentos? Verificamos que
nossa mente é detentora de um determinado chaveamento que,
FDVRQmRVHMD ³DOLPHQWDGR´SHUPDQHFH HPUHSRXVROHWiUJLFRPDV
ao primeiro deslize, o start é ligado e as conexões neurais
novamente são ativadas, fazendo com que o indivíduo repita os
atos viciosos anteriores. Daí a citação do AA em que prega que se
deve evitar o primeiro gole.
O ser humano é moldado mediante seus hábitos. Efetuamos
continuamente determinadas rotinas que podem se perpetuar até a
descida na última morada, o túmulo. Pode-se constatar tal assertiva
visualizando mínimos e despercebidos atos que praticamos


ϭϵϭ


diariamente, pois efetuamos determinados rituais desde o momento


de levantar até o retorno aos nossos leitos, mantendo rotinas que
perdura toda uma encarnação. Até os animais domésticos
constroem rotinas nos lares e nos roteiros dos caminhos que traçam
em seus passeios.
Nossa sociedade moderna alterou em muito os padrões
alimentares, no transcorrer do século passado com as inovações
tecnológicas, através de componentes químicos nas lavouras, na
vacinação das criações de animais em geral e que hoje fazem parte
de nossa cultura e outros complementos vitamínicos. O resultado
dessa pandemia foi o aparecimento de mutações genéticas que
eclodem no ser humano refletindo a interferência desses padrões
que regulam o bom funcionamento do corpo em geral.
Para exemplificar o assunto em questão basta observarmos
como a obesidade tornou-se crônica nos Estados Unidos, fazendo
com que a população apresente níveis alarmantes de indivíduos
que tem a chamada obesidade mórbida (+ de 40% do peso
estimado como normal) e como a alimentação desse povo está
centrada em alimentos repletos de calorias vazias, chamados de
obesogênicos, ou seja, aqueles que somente saciam o apetite sem
verdadeiramente alimentar.
A quantidade de produtos artificialmente produzidos e em
igual proporção os utilizados com fins diversos enchem nossos
lares. Basta ter a curiosidade de pegar um produto qualquer na sua
despensa e começar a ler o rótulo. É de desanimar qualquer um.
Imagine que você está sorvendo tudo aquilo para dentro, dia após
dia, enchendo seu organismo de coisas que você nem sabe o que
são e principalmente muito menos o que fazem lá por dentro.


ϭϵϮ


Nossas crianças se empanturram de besteiras o dia todo,


criando hábitos alimentares cada vez mais distantes de uma dieta
centrada em frutas, legumes e verduras. Nas refeições no lar, o
que é verificável é que a alimentação está centrada nas carnes,
batatas fritas e refrigerante, tendo como complemento as
sobremesas calcadas em açúcar, verdadeiro veneno do organismo.
Os passeios modernos terminam numa lanchonete de Shopping
Center onde verdadeira enxurrada de porcarias são ingeridas não
somente pelas crianças, mas também pelos adultos. Como quem
deveria dar o exemplo não dá, o que se verifica é que a geração de
adolescentes cresce hoje sem parâmetros, utilizando
indiscriminadamente uma variedade crescente de produtos que
intoxicam nossos organismos.
Toda essa mudança alimentar do homem moderno fez
crescer um número em igual proporção de mazelas físicas e
psíquicas que atormentam nossas vidas, pois a brusca mudança
dos moldes que trazemos desde gerações passadas foi passada
para modelos modernos em que o homem vive assolado, criando
ambientes diferentes do que estava acostumado.
Exemplo maior dessa mutação são os chamados alimentos
transgênicos que na realidade contém em cada grão um enxerto de
inseticida próprio que impede as pragas de danificar a plantação. A
única coisa que se esquece é que o resultado de tal mutação ainda
não foi testado convenientemente no homem e seria necessário um
período de pelo menos uma geração (30 anos) para se ter uma
ideia de seus resultados.
O processo de evolução do homem passando pelas diversas
fases até o homo sapiens revela que estamos na era do ³+RPR


ϭϵϯ


,QWHVWLQDOLV´ devido ao aumento proeminente da barriga do homem


moderno. Embora usado de maneira depreciativa, o termo
neolinguístico visa alertar os perigos da mesa farta aos quais
estamos diariamente convivendo. A flora bacteriana não aguenta
tanto produto químico, sendo constantemente afetada. Os efeitos
aparecem no corpo que precisa expurgar tais dejetos, dando ensejo
às doenças modernas, de difícil diagnóstico e tratamento. Como
nossa medicina ainda perlustra em combater os sintomas do que as
causas, as pessoas vão passando de especialistas em
especialistas, vivendo com um incômodo aqui, outro ali.
Quem não conhece alguém que diz assim. ³1mR FRQVLJR
ILFDU VHP XP GRFLQKR´ RX HQWmR XP FKRFRODWH 3RLV EHP WDLV
pessoas sofrem de crise de abstinência, igual aos usuários de
drogas, fumantes, etc... Nos não sabemos que o peixe morre pela
boca. Serão somente eles???? Eu posso atestar a esta pergunta
respondendo que infelizmente não são somente os peixes, mas
todos nós que somos escravos dos desejos.
No passado, a lipofobia, ou seja, o horror à gordura, tinha
relação com o aspecto religioso, mas nos tempos atuais, a luta
contra a gordura continua, só que não mais nos mosteiros, mas nas
academias modernas. De qualquer maneira, o corpo continua
sendo alvo do moralismo, seja pela imposição religiosa ou então
pelos padrões de beleza e moda que imperam com opressão
massiva da mídia, fazendo com que, em momentos mais radicais,
optemos por intervenções cirúrgicas para alcançar o tão desejado
desiderato, construído artificialmente pelas normas da sociedade
atual.


ϭϵϰ


Na quarta e última parte (pp. 327 a 392) as reformas de vida,


moral, família e as fases que passamos no transcurso do
nascimento a morte. Bem, conforme asseverado no início, todas
estão interligadas, e, a meu ver, todas passam pelo crivo da moral,
moral esta entendida de acordo com Rizzini (2014, p. 306) que é

um sistema de princípios e regras que objetivam orientar o uso da


liberdade pessoal por meio da distinção entre o bem e o mal, de modo que
a conduta não dê origem a perturbações que venham a ser causas de
sofrimentos futuros. Trata, portanto, do relacionamento da pessoa consigo
mesmo e dela com os semelhantes, ensinando a evitar conflitos internos
(consigo mesma) e externos (com os outros). Na prática, é sinônimo de
moralidade em vista da sutileza da distinção.

Neste sentido, Morin descreve que

A reforma moral deve, portanto, desenvolver prioritariamente o autoexame


permanente e a atitude de compreensão para com o outro. É evidente que
ela precisa ser conjugada com a reforma da educação e com a reforma da
vida, que, por sua vez, devem conjugar-se às outras reformas. (2015, p.
355).

Oliveira (2008) trata do assunto da reforma que cada um tem


que fazer. Travamos ao iniciarmos a renovação de nós mesmos
uma batalha entre o ego e a consciência, pois quem busca o
aprimoramento de si mesmo tem como primeiro desafio o encontro
consigo mesmo. Com isso podemos constatar que reforma íntima
não deve ser entendida apenas como contenção de impulsos
inferiores e sim um compromisso de trabalhar pelo desenvolvimento
dos lídimos valores humanos na intimidade.
Contenção é a aglutinação de forças de defesa contra a rotina
mental dos reflexos do mal em nós que se repetem arraigados em
nossa psique, sendo que somente através da edificação dos valores


ϭϵϱ


morais cristãos propalados pelas bem aventuranças tornar-se-á


possível a paz interior e o serviço de libertação definitiva para além-
muros da morte corporal, ou seja, tomarmos em nossas mãos as
rédeas do destino sabedores do caminho a percorrer. Conter o mal
é parte do processo transformador, mas construir o bem é a etapa
nova que nos aguarda.
Senso crítico é, portanto um dos pilares essenciais para a
formação da autoconsciência, o qual nos permitirá desvendar as
trilhas em direção aos tesouros divinos incrustados em pleno
coração dessa selva de imperfeições que trazemos dos évos. Sem
uma incursão sincera no mundo de nós próprios, a fim de aquilatar
o que somos e principalmente o que não somos, levantando as
máscaras da ilusão, não estaremos transpondo o maior obstáculo
que é o interesse pessoal, o conjunto de viciações do ego repetido
durante várias existências e que cristalizaram a mente no domínio
do personalismo.
Por isso a reforma íntima é um trabalho processual, obedece
a uma sequência, pois a natureza não dá saltos. Não existe reforma
sem sofrer, mas martírio é uma forma de autopunição. A melhoria
íntima ocorre pelo processo de conscientização e martírio é o
excesso que nasce da incapacidade de gerir com equilíbrio o
mundo emotivo. Também não confundamos com sacrifício, pois
esse é um ato que ocasiona dores intensas com objetivo de
alcançar alguma meta ou superar alguma dificuldade. A condição
psíquica de martirizar-se é o fato de se crer no desenvolvimento de
qualidades que de fato, não estão sendo trabalhadas na intimidade.
A questão não é lutar contra nós e sim conquistar essa parte
enferma, recuperá-la.


ϭϵϲ


Reforma íntima deve, portanto ser considerada como melhoria


de nós mesmos e não a anulação de uma parte de nós considerada
ruim. Entretanto para levar o homem ao aprimoramento, o
autodescobrimento exige uma nova ética nas relações consigo e
com a vida: é a ética100 da transformação, sem a qual a incursão no
mundo íntimo pode estacionar em mera atitude de devassar a
subconsciência sem propósitos de mudança para melhor. Uma
proposta de aperfeiçoamento gradativo cujo objetivo maior é a
nossa felicidade.
Claro que esta transformação não se faz abruptamente e por
meio de leis drásticas. Rizzini (2014, p. 296) coloca que é preciso
LQLFLDOPHQWH ³PRGLILFDU-se interiormente, o que acarretará
automaticamente a modificação das condições do meio
FRPXQLWiULR´ VHQGR QHFHVViULR Dgir primeiro sobre a inteligência e
consciências das pessoas, pois as origens das mazelas humanas
HVWmRQD³LJQRUkQFLDHQDLQIHULRULGDGHPHQWDO´
Concluindo, a reforma íntima é o serviço gradativo da
instauração das virtudes celestes, a aquisição da consciência desse
tesouro, o qual todos somos convocados a tomar posse perante a
lei natural do progresso. Estamos aprendendo a descobrir nossas
sombras, essa é uma etapa do processo. Convém-nos, portanto,
laborar pela outra parte, a de aprender a fazer luz e construir a
harmonia interior.
Um novo alvorecer, um novo homem que surge mediante as
cinzas da velha organização social ocidental. Desta vez, quem


100
- Ética vem a ser a reflexão sobre a moralidade. Objetiva esclarecer e sistematizar
as bases e os princípios da moral. É um produto artificial do pensamento humano.
(RIZZINI, 2014, p. 307).


ϭϵϳ


mostra os caracteres do homem do Bem é Allan Kardec 101,


codificador da doutrina espírita 102, que no Livro dos Espíritos, expõe
os progressos reais da qual seria possível reconhecer este homem
do terceiro milênio, das quais

O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor


e de caridade na sua mais completa pureza. Se interrogar sua consciência
sobre os atos praticados, perguntará se não violou essa lei, se não
cometeu nenhum mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém teve de se
queixar dele, enfim, se fez para os outros tudo o que queriam que lhe
fizessem.
O homem possuído pelo sentimento de caridade e de amor ao próximo faz
o bem pelo bem, sem esperança de recompensa, e sacrifica o seu
interesse pela justiça.
Ele é bom, humano e benevolente para todos, porque vê irmãos em todos
os homens, sem exceção de raças ou de crenças.
Se Deus lhe deu p poder e a riqueza, olha essas coisas como um depósito
do qual de usar para o bem, e disso não se envaidece porque sabe que
Deus, que os deu também poderá retirá-los.
Se a ordem social colocou homens sob sua dependência, trata-os com
bondade e benevolência porque são seus iguais perante Deus; usa de sua
autoridade para lhes erguer a moral e não para esmagar com o seu
orgulho.
É indulgente para com as fraquezas dos outros porque sabe que ele
mesmo tem necessidade de indulgência e se recorda destas palavras do
&ULVWR³4XHDTXHOHTXHHVWLYHUVHPSHFDGRDWLUHDSULPHLUDSHGUD´
Não é vingativo: a exemplo de Jesus, perdoa as ofensas para não se
lembrar senão dos benefícios, porque sabe que lhe será perdoado assim
como tiver perdoado.

101
- Pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail, pensador francês que organizou a
doutrina espírita.
102
- Doutrina surgida na França a partir de 1857 com a publicação de ³2/LYURGRV
(VStULWRV´ e republicado em edição ampliada em 1860. Livro dos Espíritos é
composto de apenas um volume, mas o mesmo é subdividido em quatro partes assim
compostas; Livro Primeiro ± As Causas Primárias; Livro Segundo ± Mundo Espírita e
dos Espíritos; Livro Terceiro ± As Leis Morais e por fim Livro Quarto ± Esperanças e
Consolações. Portanto, no livro terceiro temos as leis ± 1º Divina/Natural, ± 2º
Adoração, ± 3º Trabalho, ± 4º Reprodução, ± 5º Conservação, ± 6º Destruição, - 7º
Sociedade, - 8º Progresso, - 9º Igualdade, - 10º - Liberdade, - 11º Justiça, Amor e
Caridade e por fim, 12º Perfeição Moral. Na sequência, Kardec publicou mais cinco
obras; ³2TXHpHVSLULWLVPR´ (1859), ³2/LYURGRV0pGLXQV´ (1861), ³2(YDQJHOKR
VHJXQGRR(VSLULWLVPR´ (1864), ³2&pXHR,QIHUQR´ (1865) e por fim, ³$*rQHVH´
(1868). Os seis livros são considerados como sendo as obras basilares da doutrina
espírita. Sinônimo de Espiritismo. Após o seu desencarne, em 1869, foi lançado o livro
³2EUDV3yVWXPDV´ em 1890.



ϭϵϴ


Respeita, enfim, nos seus semelhantes, todos os direitos decorrentes da


lei natural, como desejaria que respeitassem os seus. (2013, pp. 304 e 305
± Livro Terceiro ± Capítulo XII ± Perfeição Moral).

A grande mudança que se evidencia mostra que o homem se


encontra no limiar de uma nova era. Ubaldi (1992, p. 17) atesta que
temos que nos civilizar, significando que o olhar do homem deve e
tem que mudar seu olhar para seu próximo, fazendo isso com
compreensão, superando o egoísmo e a ferocidade advinda da
DQFHVWUDOLGDGH&RPLVVR³DPDLRULDGRVLQ~WHLVDWULWRVVRFLDLVWmR
graves para o funcionamento de toda a máquina, que assim se
move com dificuldade, e da qual cada indivíduo deve suportar sua
SDUWH´ $ VRFLHGDGH KXPDQD p XP RUJDQLVPR YLYR GDt D HQWURSLD
social, pois ela é cheio de lutas internas em que cada engrenagem
tem que estar azeitada, pois senão degenera e acaba degenerando.
Qual conclusão chegamos? Vejamos o resultado.

CONCLUSÃO

Temos que ampliar nossos horizontes e perspectivas sobre o


verdadeiro significado de uma simples palavra ± Vida. Somos seres
em estágio evolutivo e que agora nos encontramos no âmbito
hominal. Já fomos átomos, moléculas, seres unicelulares, minerais,
plantas e animais, indo em direção ao mundo angelical. Para tal
desiderato, temos que modificar muitas de nossas supostas
convicções e pensamentos, pautados em crenças limitadoras,
dogmáticas e castradoras.
Todos os seres possuem direitos idênticos de acesso à
elevação sob qualquer prisma, sendo, portanto, preciso considerar


ϭϵϵ


que os deveres graduam as vantagens, dentro da vida. No caminho


da evolução, desse modo, a teoria igualitária absoluta é invariável
utopia que nenhum sistema político poderá materializar. A
experiência e o esforço pessoal são as duas alavancas da
diferenciação a cuja influência decisiva não conseguirá fugir, pois
cada qual se encontra em determinado patamar evolutivo.
Na esfera do cotidiano é exatamente onde precisamos manter
o padrão vibratório a partir da conscientização adquirida com o
labor do trabalho e da maturação espiritual. Sim, a labuta diária é
onde enfrentamos as lutas profissionais, as dificuldades de
relacionamento familiar, na violência e na pressa tão comuns em
nossos dias, fazendo com que tenhamos à vigilância e a atenção
redobradas no intuito de evitar cair nas armadilhas que surgem em
nossas vidas.
Quando nos reportamos ao nosso cotidiano, temos a
possibilidade de vislumbrar uma miríade de verdades nas pessoas,
cada qual vivendo dentro de suas premissas e prerrogativas de
realidades. Cada qual estabelece sua visão de mundo calcado em
seus anseios e necessidades. Nesse mundo globalizado e voltado
para o consumo aleatório, nossas perspectivas ficam apregoadas a
aquisição de bens materiais e valores propostos para a realidade
induzida como o real.
Padrões de comportamento e de expectativas nos são
cobrados, mas fugimos a esse padrão, nos tornamos seres à
margem da normalidade. Mas quem garante que a realidade
imposta a nós é realmente a verdadeira? Se partirmos por
personalidade da história, figuras como Jesus, Buda, Gandhi,
Francisco de Assis, Madre Teresa entre outros foram pessoas


ϮϬϬ


totalmente fora do padrão estabelecido por suas épocas. Hitler, por


exemplo, acreditava na superioridade da raça ariana propalada por
ele e foi seguido por uma multidão, acreditando nos seus ideais.
Para os alemães, a realidade estava voltada para a limpeza étnica e
a reconstrução do mundo em cima de seus valores. Essa era a sua
verdade.
As pessoas encaminhadas para Instituições psiquiátricas
sofrem desse tipo de distúrbio de não adequação a realidade
proposta pela sociedade, sendo isoladas do convívio social por
causa disso. Muitos desses apresentam interpretações diferentes a
respeito do mundo, mas não necessariamente são loucos.
Cada problema, cada aflição e cada prova, por mais rude e
árdua que seja, representam pontos vivos de ascensão das quais
podemos aproveitar, em favor do próprio aprimoramento.
Aprendamos com estas oportunidades a respeitar o próximo e
auxiliá-lo, na convicção de que, ao amparamos os nossos irmãos na
condução do caminho, na verdade, auxiliamos a nós mesmos, de
vez que adquiriremos o tesouro da experiência, que nos
enriquecerá com a visão dos cimos que nos cabe alcançarem.
Para todos os problemas existenciais, entretanto, temos que
reconhecer que só o bem puro e espontâneo se constitui no o
remédio justo e eficaz para a plenitude da vida. Somos, em
verdade, moldados pela influência que aliciamos como quem
apenas recolhe da gleba plantada aquilo que nós próprios
semeamos. Os acontecimentos da vida são resultado dos atos
praticados e, para tanto, preservaremos a nossa lavoura
compromissada contra a hera daninha.


ϮϬϭ


As provas colocam em teste o aprendizado absorvido, até


então, com finalidade de se avaliar até que ponto realmente nos
tornou melhor na elaboração do labor de nosso foro íntimo, pois os
erros são débitos que temos que acertar com a nossa própria
consciência, este sim o nosso maior juiz. Ao ferirmos a harmonia do
Universo mediante nossos pensamentos e ações, acabamos
incomodando as estrelas, assim como no simples ato de tocar uma
flor, interferindo na beleza da criação.
Viktor Frankl (1905 ± 1997) fundou a logoterapia na qual sua
diretriz visava em dar um sentido à vida. Sua vida daria um livro. De
família judia, Viktor foi feito prisioneiro no campo de concentração
de Theresienstadt e, ao adentrar neste inferno, tomou uma decisão
pessoal de conservar a integridade de sua alma, não deixando o
espírito ser abatido pelos carrascos do veículo físico. Sua
inspiração era alimentada no fato de reencontrar sua esposa e a
profissão. Este era o segredo de muitos destes homens que
permaneceram resignados, mas não submetidos aos desmandos,
fosse qual fosse este sentido da vida, de missão, obrigação ou
religiosa.
Ao sair do campo, veio a tornar-se diretor do Hospital
Policlínico de Viena, vindo a escreveu vários livros e fundando a
logoterapia, tendo como base de seu arcabouço teórico e
metodológico, suas experiências e constatações práticas. Seu lema;
³2KRPHPSRGHVXSRUWDUWXGRPHQRVDIDOWDGHVHQWLGR´
A neurose noogênica é de causa espiritual, entendida
mediante o sentimento de vacuidade da vida, em outras palavras, a
pessoa que não tem vontade de viver, pois para ela, a vida é sem
sentido e objetivo. Viktor alcançou resultados significativos onde


ϮϬϮ


procurou demonstrar aos pacientes que a cura de suas neuroses


estão neles mesmos e que somente eles são os artífices de sua
cura.
A falta de perspectiva é uma triste realidade, pois está
pautada na pura materialidade da vida, propalada por cientistas que
acalentam que somos simplesmente um composto de átomos e
moléculas e toda e qualquer dita experiência espiritual pode ser
explicada por determinada reação química.
Por fim, e talvez o mais importante seja a questão do sentido
da vida. Ao colocar que a vida termina na morte do corpo, o ser se
DFKD SHUGLGR VHP RULHQWDomR H VDEHU R TXH UHDOPHQWH p ³$V
perguntas fundamentais da filosofia se fazem presentes novamente
± ³4XHPVRX´³3DUDRQGHYRX´&RPTXDOREMHWLYR´HQHVWHSDUHFHU
imbuído da visão espiritualista, podemos olhar para frente e termos
respostas que, se não corretas, pelo menos significam algo mais
que a pobre visão materialista.
O homem sempre foi objeto de estudo na história mediante
ele próprio. Com isso, as diferentes correntes filosóficas procuraram
e procuram ainda ofertar ao homem opções que possibilitem um
melhor caminho no logro da felicidade plena.
O ser humano, topo da evolução no planeta, desenvolveu no
passar dos évos, um cabedal de monumentais obras em todos os
setores da vida, mas, independente disso, permanece à mercê dos
elementos naturais que infrutiferamente tenta domá-los e que, por
sua vez, explodem em fúria reclamando seus devidos direitos. Por
mais que externamente apresentemos uma compleição forte e
saudável, somos vulneráveis aos elementos exógenos, ficando a
mercê de, a qualquer momento, tombarmos nos proscênios da vida.


ϮϬϯ


Na busca de sua própria identidade como ser, galgamos


continuamente o valioso processo de introspecção interior, passível
de ser realizado pelo autodescobrimento, sendo este pessoal e
intrasferível.
O ser humano ainda não se conhece realmente, pois,
identifica e persegue suas metas exteriormente, posições estas
pautadas na aquisição de conquistas pecuniárias, de colocações
superiores dentro da hierarquia social, sem, no entanto, estar
preparado para as vicissitudes da vida que a todos acometem.
Sendo detentor de admiráveis recursos interiores, que ainda se
encontram em fase preliminar de exploração, eles ainda dormitam
na mônada espiritual em estado latente, pronta para desabrochar
quando da maturidade mental do indivíduo, efetuando assim, a
maiêutica do espírito.
Para tal desiderato, o homem precisa se ver originado de
procedência divina, gerado no caudilho do Amor de Deus, pois,
somente com a experiência do Amor, é que ser-nos-á possível
romper as couraças do ego, arraigados no primitivismo que ainda
predominam na natureza humana.
O homem é o único animal ético existente, apresentando uma
consciência criativa e abstrata, que lhe possibilita, após o
autodescobrimento de si, vivenciar estes valores latentes,
propiciando o senso de liberdade e o gozo da vida em sua
plenitude, vivendo ainda cercado e cerceado por dogmas e crenças
que retardam e atrapalham o desenvolvimento do ser como um
todo.
Este caos espiritual em que vivemos é produto da
efervescência de ideias extremistas inculcadas por mentes


ϮϬϰ


pautadas na intolerância de convívio para com os outros e também,


de entender, pois cada um se movimenta dentro da relatividade das
luzes das quais já tenha logrado alcançar.
A teoria especulativa serve para pensar; o próximo passo é o
sentir, pois, absorvemos tais conceitos, fazendo-os reverberar todo
nosso ser e a prática, que é vital e intensiva. Esta é a diferença
HQWUH³WHU´RFRQKHFLPHQWR WHRULD H³VHU´RFRQKHFLPHQWR SUiWLFD 
pois a mente humana é, por filiação divina, um fragmento da mente
universal, colocando em prática os ensinamentos propalados pela
logosofia.
Possuímos um Cristo Interior, pronto para ser lapidado, mas
para tal possibilidade se materializar, dependemos do seu grau de
maturação, mas, este ainda se acha sepultada nas próprias
entranhas do ser, protegida e resguardada por camadas protetoras,
impossibilitando a visualização e utilização de todas as suas
potencialidades.
Cada um de nós tem condição de conhecer os extraordinários
recursos internos, pois, somente assim, nos tornaremos o timoneiro
que segue no comando do leme de seu navio, sendo o condutor do
seu próprio destino no rio da vida, construindo o forjar da sua
realização interna, mediante o conhecimento de si próprio.
Conforme assevera Ubaldi (1992, p. 246), na entropia, a
destruição incide apenas na forma, mas não na substância, pois
nenhuma substância pode ser destruída e acaba ressurgindo de
outra maneira.

O fenômeno da entropia não representa, pois toda a evolução, mas


apenas o período destrutivo da forma de uma fase evolutiva, período que
constitui a aparência e o efeito de íntima elaboração a ele correspondente


ϮϬϱ


na intimidade do fenômeno, e representa correlato período reconstrutivo,


cujo resultado é o nascimento da nova forma, mas em safe mais
adiantada. Assim a evolução recomeça a marcha e, em meio da destruição
da forma, a substância progride desse aparentemente misterioso meio de
recuperação de energia, que outra coisa não é senão a resultante dos
equilíbrios das forças do sistema. A entropia, portanto, é apenas aparente
a aparência assumida pela realidade do transformismo evolutivo.

Observemos. A entropia social não é o fim dos tempos, mas


simplesmente o processo dialético de uma fase evolutiva que está
chegando ao fim dando origem a outra. Assim como a dialética
cultural das ideias segue o caminho se adequando aos novos
tempos, estamos vivendo o nascimento da nova civilização do
WHUFHLURPLOrQLR6HJXQGRSUySULR8EDOGL³DKLVWyULDHVWiSURQWDRV
tempos, maduros. Quer dizer: no ritmo da sinfonia dos
acontecimentos humanos (...) o caminho do tempo está próximo
dessa maturidade e a vida não pode recusar-se a percorrer e
FRQFOXLUHVVDHYROXomR´ S 
Portanto, a entropia social significa, realmente, o fim de um
tempo, mas marca obrigatoriamente o começo de outro. O homem,
nesta jornada, se encontra na linha divisória, da civilização de
cunho materialista para o alvorecer do espírito. O despertar já se
faz sentir, basta ter sensibilidade suficiente para senti-lo. Essa é a
evolução integral do ser holístico, ciente de todas as suas
potencialidades. Este é o próximo patamar a ser galgado.

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ϮϭϬ


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Ϯϭϭ


ENTENDENDO A MICROCEFALIA

Doença rara que ganhou notoriedade nas manchetes


brasileiras pela incidência de casos que se alastram nas terras
tupiniquins em profusão, contando hoje (Jan/2016) com 3.174 casos
registrados em 21 Estados do país.
A palavra, formada por dois radicais gregos, significa em
tradução literal, cérebro pequeno, ocasionado pela má formação do
referido órgão que não cresce o suficiente, fazendo com que o
crânio não atinja o tamanho considerado normal. Geralmente, o
perímetro da cabeça do recém-nascido acometido pela microcefalia
não passa dos 32 centímetros.
Num estudo realizado por pesquisadores na Universidade de
'XNHQD&DUROLQDGR1RUWH(8$HSXEOLFDGRQDUHYLVWD³1HXURQ´
afirmam que essa malformação se deve ao fato da lentidão no
processo de divisão de células progenitoras que se transformaram
em neurônios. Segundo os pesquisadores da Universidade, as
células que se formam têm mais chance de morrer.
O atraso na mitose (reprodução celular) das células
progenitoras ocasiona a divisão de células intermediárias reduzidas,
inclusive com neurônios nascendo defeituosos. Com esta taxa de
geração de neurônios menor, o cérebro não se desenvolve
normalmente, fazendo com que o cérebro não se cresça da maneira
adequada.
O estudo norte americano se debruçou sobre esta anomalia
ocasionada por deficiência genética e, com isso, diferentes fatores


ϮϭϮ


podem e devem estar associados nas falhas detectadas no


desenvolvimento celular.
No caso do Brasil, o Ministério da Saúde declarou estado de
emergência devido ao surto e da propagação da doença no
Nordeste e informou que o vírus zika, transmito pelo Aedes Aegypti,
³SRGH´ provocar a microcefalia, sendo, neste entendimento, o
causador mais provável pelo alastramento dos registros pelo país.
Observem bem que, tal assertiva, parte do pressuposto de
que o vírus seria o responsável, mas não se sabe como se opera tal
interferência na formação das células, ou seja, na velocidade da
divisão celular. Este mecanismo de ação ainda é desconhecido,
sendo por tanto, uma hipótese que o vírus realmente possa agir
desta maneira.
Sendo ele ou não o vilão da história, o certo é que conforme
DDVVHUWLYDGRVPDLV DQWLJRV³pPHOKRU SUHYHQLUGR TXHUHPHGLDU´
que todos tenhamos consciência do dever de evitar a proliferação
dos mosquitos mediante atitudes consideradas basilares no
combate a proliferação do inseto.
Fazendo um link com os estudos baseados no Espiritismo,
poderia arriscar mais uma consideração. Vamos lá.
Acordo várias fontes espíritas, vivemos um período de
transição. Explico melhor, tudo evoluí no universo, inclusive os
planetas na escala de mundos e para tal crescimento acontecer,
tem que se separar o joio do trigo, segundo a assertiva de Jesus.
Como acontece o processo??
Para o planeta evoluir, sua população também acompanha o
processo, daí saímos de um plano de provas e expiação, onde o
mal predomina nas paixões humanas e entramos no período de


Ϯϭϯ


regeneração, invertendo a atual situação, ou seja, o bem


prevalecerá sobre o mal.
Espíritos recalcitrantes em erro estão tendo uma última
oportunidade de reencarne no planeta e caso permaneçam
arraigados em seus comportamentos de revolta contra os desígnios
divinos, serão devidamente expurgados para as muitas moradas de
nosso pai, planetas estes em estágios vibratórios semelhantes aos
apresentados por tais espíritos.
Bem, muitos destes irmãos em criação são seres com
elevado conhecimento técnico-científico, mas com pouca
moralidade, utilizam seus conhecimentos em prejuízo do próximo e
somente em beneficio próprio.
Tais espíritos após estarem imantadas as regiões de acordo
com seus padrões energéticos (onde está seu coração aí está seu
tesouro), estão sendo resgatados e tendo oportunidades de
mudança. Para que aconteça tal desiderato, eles têm apresentar
arrependimento das atitudes anteriores e deste modo, mudarem
suas perspectivas de pensar e agir. Como forma de retração dos
impulsos mais primitivos e da aplicabilidade da inteligência mais
uma vez para o mal, uma das possibilidades seria aplicar ao veículo
somático uma limitação, no caso apresentado, a microcefalia.
Desta maneira, além da explicação física, agrega-se o do
plano espiritual, via qual todos estamos imersos.
Conforme explanei antes, essa é somente uma hipótese, da
mesma forma que o vírus zika seria uma possibilidade do atraso da
mitose celular nos fetos. Ninguém precisa concordar com minha
ideia.
Boas reflexões a todos.


Ϯϭϰ


GENES DA INTELIGÊNCIA

3XEOLFDGR QD UHYLVWD ³1DWXUH 1HXURVFLHQFH´ D SHVTXLVD


efetuada por um grupo internacional de estudiosos da Imperial
College, em Londres, na qual eles afirmam ter descoberto duas
redes de genes, batizadas de M1 e M3, nas quais elas seriam as
responsáveis da memória, atenção e velocidade da função
cognitiva, influenciando outras habilidades, diferenciando as
pessoas por maior ou menor grau de inteligência, o chamado QI.
Fazendo uma comparação com o futebol, seria como se um
time de futebol tivesse seus jogadores (genes) alinhados em campo
de maneira correta (cérebro), cada qual desempenhando suas
funções de maneira excelente. Isto acarretaria, na prática, a uma
pessoa com alta velocidade de raciocínio e de bom raciocínio. Em
contrapartida, uma desorganização na ordem tática dos genes
levaria ao indivíduo a dificuldades de memória, aprendizado,
chegando até mesmo a sérios problemas de cognição.
Segundo o cientista Michael Johnson, principal autor do
estudo e professor de Medicina na Imperial College, com a
identificação destes genes, seria possível, no futuro, manipular todo
o conjunto de genes ligados à inteligência humana, eliminando
algumas mazelas que afligem a raça humana, tais como o autismo,
a epilepsia, entre outros, no intuito de modificar a inteligência.
Mediante este raciocínio, o que conta é a herança genética
transmitida ao ser, principal responsável pelo melhor agrupamento
dos genes, responsável em percentagem entre 54 a 65% de seu


Ϯϭϱ


desempenho, tendo os fatores ambientais (estímulo dos pais, lugar


de moradia e convívio e a qualidade da escola e ensino) com
apenas 14 a 21% de influência no desenvolvimento da inteligência.
2V³JHQHVGDLQWHOLJrQFLD´VHULam, mediante a pesquisa, fruto
somente da carga hereditária, transmitida na gestação, que viria a
privilegiar uns em detrimento de outros. Com isso, o fato de alguém
ser mais inteligente do que o outro, ou melhor dizendo, ter melhor
aparelhamento de compreensão diferenciando-o do outro se torna
somente um fator físico. Vejamos por outro ângulo.
Ao analisar somente o fator físico, ficamos presos à
concepção materialista da vida, mas se estendermos ao âmbito da
espiritualidade ela alça voos maiores e de melhor compreensão
frente às habilidades de cada um.
Entendamos. O homem, no atual estágio de evolução (não no
sentido darwiniano, mas no dizer holístico, isto é, espiritual) traz em
sua bagagem (no dizer de Platão, reminiscências da alma) os
valores conquistados em priscas eras, das quais serão
responsáveis pela construção de um melhor aparelhamento do
corpo físico, destinado a servir ao espírito na sua manifestação do
plano mais denso que é o que vivemos na atualidade. Cada
indivíduo, diferente em sua trajetória evolutiva, reúne em si os
valores herdados por si mesmo.
Com isso, ao reencarnar, mediante as provas que tenhamos
que cumprir, sejam por mérito ou desmérito, viabilizam o escafandro
da carne com melhores condições ou não. No caso da epilepsia,
por exemplo, o espiritismo postula que o ser reencarnante tem as
crises provocadas pela aproximação de antigos rivais e que,


Ϯϭϲ


quando isso acontece, desencadeia uma reação química no


cérebro, levando o indivíduo as crises de convulsão.
Portanto, o fator genético dos pais seria manipulado pelo
espírito na adequação de suas provas no tempo de gestação,
atendendo as necessidades reencarnatórias do momento e não
simplesmente a um fator físico. O que acontece, na realidade, que o
físico é consequência e não causa. A causa está no espírito. Daí
resulta que a visão científica está emborcada buscando os efeitos e
não a causa proveniente do grau evolutivo de cada ser.
Somente assim pode-se compreender e vislumbrar as
diferenças, pois se Deus é justo, como se explicaria, somente pela
matéria, que uns fossem mais agraciados do que outros e também
que gênios pudessem nascer vindos de pessoas classificadas como
³FRPXQV´'HRQGHYLULDDWDOKHUDQoDJHQpWLFD""
Concluindo, os genes da inteligência são resultado de
avatares encarnações resultando num melhor aparelhamento do
escafandro carnal, propiciando ao espírito uma melhor adequação a
atual encarnação. Somente assim compreendemos as diferenças.


Ϯϭϳ


O ESPIRITISMO NO BRASIL OITOCENTISTA:


ANTECEDENTES, INTRODUÇÃO, PROPAGAÇÃO,
CONFLITOS E MÍDIA

O Espiritismo103 aflorou no panorama europeu do oitocentos e


teve como principal articulador, a figura de Allan Kardec 104. O
espiritismo fez parte de um movimento de ressurgimento do
movimento espiritualista no contexto europeu, advindo desde a
centúria anterior.
O primeiro expoente foi Emmanuel Swedenborg (1688 ±
1772). Místico sueco, homem de notável conhecimento 105, que teve
seu despertar psíquico aos 25 anos. Suas ideias vieram a antecipar
as proposições centrais do espiritismo, principalmente no tocante ao
contato entre os mundos físico e espiritual. Ao afirmar que estava


103
- Doutrina surgida na França a partir de 1857 com a publicação de ³2/LYURGRV
(VStULWRV´ e republicado em edição ampliada em 1860. Livro dos Espíritos é
composto de apenas um volume, mas o mesmo é subdividido em quatro partes assim
compostas; Livro Primeiro ± As Causas Primárias; Livro Segundo ± Mundo Espírita e
dos Espíritos; Livro Terceiro ± As Leis Morais e por fim Livro Quarto ± Esperanças e
Consolações. Portanto, no livro terceiro temos as leis ± 1º Divina/Natural, ± 2º
Adoração, ± 3º Trabalho, ± 4º Reprodução, ± 5º Conservação, ± 6º Destruição, - 7º
Sociedade, - 8º Progresso, - 9º Igualdade, - 10º - Liberdade, - 11º Justiça, Amor e
Caridade e por fim, 12º Perfeição Moral. Na sequência, Kardec publicou mais cinco
obras; ³2TXHpHVSLULWLVPR´ (1859), ³2/LYURGRV0pGLXQV´ (1861), ³2(YDQJHOKR
VHJXQGRR(VSLULWLVPR´ (1864), ³2&pXHR,QIHUQR´ (1865) e por fim, ³$*rQHVH´
(1868). Os seis livros são considerados como sendo as obras basilares da doutrina
espírita. Sinônimo de Espiritismo. Após o seu desenlace, em 1869, foi lançado o livro
³2EUDV3yVWXPDV´ em 1890.
104
- Pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804 ± 1869), pensador francês
que organizou a doutrina espírita.
105
- Segundo Arthur Conan Doyle (1859 ± 1930) (2011:34), Swedenborg foi
engenheiro militar, autoridade em Física e em Astronomia, autor de importantes
trabalhos sobre as marés e sobre a determinação das latitudes. Foi também zoologista
e anatomista, financista e político, sendo também um estudioso da Bíblia. Doyle
dedica o primeiro capítulo do livro para ele. Outra obra a destacar é a de CARNEIRO
(1996:159 a 162).


Ϯϭϴ


sempre comungando com o mundo espiritual, Swedenborg


reacendeu a chama do oculto na mentalidade dos homens.
Outro movimento que teve grande poder de penetração na
Europa foi o mesmerismo. O médico alemão Franz Anton Mesmer
(1734 ± 1815) introduziu no campo acadêmico no século XVIII a
possibilidade de se comprovar cientificamente a sobrevivência da
alma e a comunicação com os mortos. Segundo ele, existiria no ser
humano, assim como em toda a natureza, uma energia magnética
passível de ser manipulada pela vontade e pelo uso das mãos e da
possibilidade desta energia ser posta a serviço da Medicina.
A chegada de Mesmer a Paris ocorreu em fevereiro de 1778 e
HOH DQXQFLRX ³VXD descoberta sobre um fluido ultrafino que
SHQHWUDYD H FHUFDYD WRGRV RV FRUSRV´ (DARNTON, 1988:13/14).
Segundo análise de Darnton (1988:42) o mesmerismo encontrou
forças na sociedade pré-revolucionária (1780) devido expressar sua
fé no Iluminismo e

(...) na razão levado ao extremo, um Iluminismo desenfreado que


posteriormente iria provocar um movimento para o extremo oposto, sob a
forma do romantismo. O mesmerismo também desempenhou um papel
neste movimento: ele mostrou o ponto em que os dois extremos se
tocavam.

O fluido de Mesmer necessitava de caminho livre na


circulação pelo corpo humano e que, quando de seu
interrompimento, ocasionaria as doenças. Para o retorno da saúde,
aplicavam-se imãs nas partes afetadas e que posteriormente foi
modificado pela imposição das mãos. Interessante notar que as
pessoas quando magnetizadas apresentavam fortes crises, mas
também,


Ϯϭϵ


grande parte das crises provocadas durante o processo de tratamento


apresentava-se em forma de ataques convulsivos, mas nem todas elas
ocorriam dessa maneira. Alguns pacientes mergulhavam em sono
profundo e, nesse estado, ficavam com as percepções ampliadas,
podendo enxergar o interior do próprio corpo, detectar e diagnosticar
alguma doença, e predizer a data de sua recuperação, além de
desenvolver outros poderes, como o da clarividência e o de fazer contato
com pessoas distantes ou já mortas (DAMÁZIO, 1994:80).

Outro expoente na medicina que irá contra os tratamentos


convencionais106 será Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755
±   ³FULDQdo um novo tipo de tratamento, a homeopatia, cujo
princípio de cura é a similitude dos sintomas (similia similibus
curantur)´ -(686   107
, cujas orientações seguiam o
princípio que, para funcionamento harmônico do corpo, é
necessário que a energia vital (fluido) percorra o organismo sem
interrupção ou de maneira desajustada. Caso isso não
acontecesse, a doença se estabeleceria, sendo necessário
restabelecer o equilíbrio mediante a ingestão de substâncias que
teriam similaridades de ação em um homem sadio.
Tanto o mesmerismo quanto a doutrina homeopática não
puderam ser comprovadas cientificamente pelos padrões vigentes
da época por estarem fora de alcance do escopo acadêmico,
estando ambas assim ligadas ao contexto em voga de contraponto
ao pensamento materialista, corrente nos proscênios europeus,
vindo desde os setecentos.
Segundo Damazio (1994:83/84),


106
- O tratamento preconizado na antiga medicina utilizava métodos baseados na ação
contrária a doença (contraria contrarius curanter).
107
- Para maiores informações sobre a homeopatia ver também o artigo de Elizabeth
Pinto Valente de Souza (2004:251 a 267).


ϮϮϬ


Filosoficamente a homeopatia é um sistema vitalista, ou seja, um sistema


que defende a ideia da existência de um princípio vital, não comprovável
empiricamente por ser imaterial, mas que é a causa explicativa da
atividade que anima todo o organismo. A força vital é o princípio
intermediário entre o corpo físico (princípio material) e o espírito (princípio
espiritual). Com tal postulado, Hahnemann superou o dualismo matéria x
espírito, herdado do racionalismo. A animação do organismo, isto é, a vida,
não se devia à matéria nem ao espírito, mas sim a um terceiro princípio,
imaterial e dinâmico, que ligava aqueles dois. Espiritualistas e materialistas
acataram o vitalismo explicativo de Hahnemann. No primeiro caso,
partindo do conceito de Espírito enquanto um sopro divino, transcendental
e eterno; no segundo, a Razão, a Inteligência, enquanto produto da
matéria.

Nascido em 1804 na cidade francesa de Lyon, Hippolyte Léon


Denizard Rivail recebeu as primeiras letras em sua cidade natal,
vindo a completá-los no famoso Instituto de Educação Pestalozzi,
em Yverdon, Cantão de Vaud, localizado na Suíça, se tornando um
dos principais discípulos e dos mais fervorosos de Pestalozzi108.
Estabelecido na cidade de Paris, na década de 1820, o
SURIHVVRU5LYDLO³FRPHoRXDHVFUHYHUXPDVpULHGHREUDVGHFXQKR
pedagógico, umas voltadas às ciências exatas e naturais, outras à
gramática francesa, além de verter para o francês alguns livros
HVWUDQJHLURV´ $55,%$6 .
Ele era bastante conhecido no meio cultural da cidade de
3DULV FRQVWDQGR FRP ³PDLV GH  OLYURV GLGiWLFRV DGRWDGRV SRU
HVFRODVHXQLYHUVLGDGHVGD)UDQoD´ 0$,25 . Seu contato
com as mesas girantes aconteceu em 1854 conforme ele próprio
explica no livro Obras Póstumas (KARDEC, 1999:265 em diante) a
sua iniciação no Espiritismo,

108
- Johann Heinrich Pestalozzi (1746 ± 1827) não foi apenas o mestre de Kardec,
pois suas obras e ações dentro da prática pedagógica são ponto de referência para
qualquer educador sincero e ardente em cumprir sua função. Autor de mais de 40
obras tinha como preocupação principal a educação e o homem, este entendido na
plenitude da palavra. Propagou ideias como a educação integral e ativa,
demonstrando na prática, através do Instituto por ele criado, o escopo de seu sistema
educacional.


ϮϮϭ


foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes. Encontrei
um dia o magnetizador, Senhor Fortier, a quem eu conhecia desde muito
tempo e que disse: Já sabe da singular propriedade que se acaba de
descobrir no Magnetismo? Parece que já não são somente as pessoas que
se podem magnetizar, mas também as mesas, conseguindo-se que elas
girem e caminhem à vontade.

Advindo da América do Norte109, a moda das mesas


girantes110 começou a se espalhar pelos salões europeus. Este
fenômeno se produzia mediante a formação de uma cadeia
magnética produzida pelos participantes. A mesa além de girar,
redarguia as perguntas das pessoas mediante batidas.
Para Lévi (1971:153),

Os fenômenos que ultimamente agitaram a América e a Europa, a


propósito das mesas falantes e das manifestações fluídicas, outra coisa
não são senão correntes magnéticas que começam a formar-se e,
solicitações da natureza que nos convida, para a salvação da humanidade,
a reconstituir as grandes cadeias simpáticas e religiosas.

Na década de 1850, as mesas girantes tornaram-se febre em


Paris e acabaram levando muitos cientistas sérios a tentar decifrar
como se produziam tais fenômenos. Entre estes pesquisadores, um
deles foi Hippolyte Léon Denizard Rivail.


109
- Neste ponto vale a pena ressaltar que em 1848, no condado de Hydesville, um
típico vilarejo do Estado de Nova York, aconteceram as primeiras manifestações com
batidas. A casa era habitada por uma família metodista de nome Fox e após várias
incidências, conseguiu-se verificar que os sons não eram produzidos por demônios ou
Deus e sim pelo espírito de um homem. Charles Rosma se comunicou por este
método de batidas, informando as indicações de sua passagem pela residência na
qual foi morto pelo anterior proprietário, sendo enterrado no subsolo. A comunicação
só se fez possível devido à mediunidade das irmãs Fox. Para maiores informações
verificar DOYLE (2011: Capítulo IV), onde o autor aborda o acontecimento. Ver
também MAGALHÃES (1998:69 a 72), LANTIER (1971:41 a 51) e BARBOSA (1987:42
a 45).
110
- DOYLE (2011) onde o autor relata diversos casos em vários capítulos, WANTUIL
(1978) e as manifestações das mesas em diversas partes do continente europeu e nos
Estados Unidos e Barbosa (1987:45 a 49).


ϮϮϮ


Posteriormente a este contato inicial, Rivail veio a ter contato


presencial somente no ano subsequente ao ser convidado a casa
da Sra. Plainemaison pelo Sr. Pâtier, sendo a sua primeira reunião
marcada para o dia primeiro de maio às oito horas da noite.

Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que
giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não deixavam lugar
para qualquer dúvida. (...) eu entrevia naquelas aparentes futilidades, no
passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério,
como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo
(KARDEC, 1999:267).

O que Rivail acabou fazendo, o acompanhou até o final de


sua jornada, onde mediante criteriosa pesquisa, seguida da
observação e da análise prática, acabou culminando na teoria
elaborada nas obras espíritas.
Os fenômenos das mesas girantes não se limitaram a Paris,
pois ocorriam em outras cidades da França, como Nantes e
Marselha e também no Brasil, conforme será elucidado mais a
frente. As indagações de Rivail o levaram a busca da causa das
mesas girantes, participando com mais assiduidade das sessões no
transcurso do ano de 1855 e que acabaram culminando na
aplicabilidade efetiva do método experimental que segundo as suas
palavras (KARDEC, 1999:268)

(...) nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente,


comparava, deduzia consequências; dos efeitos procurava remontar às
causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo
por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da
questão.

Mediante este processo, o professor Rivail compreendeu a


gravidade da tarefa a empreender e para tal, se cercou de cuidados


ϮϮϯ


para não se iludir, reconhecendo como um dos primeiros resultados


de suas observações, a fabilidade dos espíritos comunicantes, pois
os mesmos não eram senão homens despojados de sua veste
carnal.
A maneira da comunicação já não se fazia somente pelas
batidas na mesa, mas mediante a escrita numa ardósia, auxiliada
por uma cesta. No Livro dos Médiuns (KARDEC, 2000: itens 60 a
71), são descritos o início das observações que acabaram
propiciando o surgimento da doutrina espírita.
No item 60, Kardec postula as suas primeiras observações a
respeito do fenômeno

Dá-se o nome de manifestações físicas às que se traduzem por efeitos


sensíveis, tais como ruídos, movimentos e deslocação de corpos sólidos.
Umas são espontâneas, isto é, independente da vontade de quem quer
que seja; outras podem ser provocadas. Primeiramente só falaremos
destas últimas. O efeito mais simples, e um dos primeiros que foram
observados, consiste no movimento circular impresso a uma mesa. Este
efeito se produz com qualquer outro objeto, mas sendo a mesa o móvel
com que, pela sua comodidade, mais se tem procedido a tais experiências,
a designação de mesas girantes prevaleceu, para indicar esta espécie de
fenômenos.(...) Como quer que seja, as mesas girantes representarão
sempre o ponto de partida da Doutrina Espírita (...) e o estudo das causas
que os produzem ficará facilitado e, uma vez firmado, a teoria nos
fornecerá a chave para a decifração dos efeitos mais complexos.

As fontes destes relatos visam a familiarizar os termos


HVSHFtILFRV FRPR ³PHVDV IDODQWHV´ Sranchetas, ardósia, cesta de
bico e assim por diante até o aperfeiçoamento das comunicações
via psicografia111. ³$ HVFULWD VREUHWXGR WHP D YDQWDJHP GH


111
- Acordo definição que se encontra no vocabulário espírita, a psicografia é a escrita
dos espíritos pela mão de um médium. Outro termo a ser aclarado é o de médium:
Aquele que serve de intermediário entre os espíritos e os homens. Referente à
psicografia verificar no Livro dos Médiuns (capítulos XIII - itens 152 a 157) e XV (itens
178 a 182), assim como na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita no Livro dos
Espíritos ± Item V ± Desenvolvimento da Psicografia. Outro autor a apresentar os


ϮϮϰ


assinalar, de modo mais material, a intervenção de uma força oculta


e de deixar traços que se pode conservar, como fazemos com a
QRVVD FRUUHVSRQGrQFLD´ (KARDEC, 2000: item 152). Até este
momento, não existia espiritismo, mas tão somente fenômenos
mediúnicos.
Em cada sessão realizada, Rivail apresentou uma série de
perguntas preparadas e metodicamente arranjadas e recebeu de
volta respostas precisas, profundas e lógicas. À medida que o
material se avolumava, começou a se inquirir na publicação do
material, no intuito de torná-los públicos, para instrução de todos.
Nascia, assim, o Livro dos Espíritos, entregue à publicidade
em 18 de Abril de 1857. Três anos mais tarde, surgiu a segunda
edição, sendo esta revista e aumentada para a edição atual 112. A
partir deste momento, Rivail adotou o pseudônimo de Allan
Kardec113 SRLV VHJXQGR VXD FRORFDomR ³R OLYUR HUD REUD Gos
HVStULWRV VHQGR HOHV SRUWDQWR VHXV YHUGDGHLURV DXWRUHV´
(FELIPELI, 2012:34), vindo a ser considerado como o codificador 114
da doutrina.
Dando continuidade ao empreendimento, dez meses após a
edição do Livro dos Espíritos, Kardec promoveu um veículo capaz
de circular e popularizar as ideias espíritas. Tal veículo foi um jornal


diferentes tipos de escrita mediúnica e suas características é DELANNE (2009:293 a
316).
112
- A primeira edição do Livro dos Espíritos continha 501 perguntas e respostas e a
edição posterior (1860) passou a conter 1019.
113
- O nome faz referência à uma encarnação pretérita, ocorrida na Gália, no período
da invasão romana tendo a frente Júlio César.
114
- O termo codificador é utilizado para Allan Kardec devido o mesmo ter organizado
e sistematizado os conteúdos da doutrina espírita. O entendimento de codificar vem do
latim, codice + fic, variante de facere. Isto significa que reunir, compilar, coligir ou
transformar em sequência de sinais determinados códigos, dando o entendimento do
proposto do título de Kardec.


ϮϮϱ


com feição de revista com o título ± ³5HYXH 6SLULWH´ ± Journal


³'¶(WXGHV 3V\FKRORJLTXHV´ lançado em primeiro de Janeiro de
1858. Em primeiro de Abril do ano corrente foi fundado a Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas após o pedido formal efetuado e
autorizado pelo Senhor Prefeito de Polícia de Paris.
Conforme as explicações de Felipeli (2012:35/36),

Até esta data as reuniões eram realizadas na casa de Allan Kardec à Rua
dos Mártires, nº8. Após esta data, a Societé passou a se reunir às terças-
feiras, em uma sala da Galeria de Valois, no Palais Royal. Um ano depois,
em 1º de abril de 1859, mudou-se para a Galeria Montpensier, em um
salão do restaurante Douix, de onde se transferiu definitivamente para a
Passassage Saint-Anne, 59.

A codificação, portanto tem tratado filosófico (Livro dos


Espíritos), científico (Livro dos Médiuns e a Gênese) e religioso com
o Evangelho e o Céu e Inferno. Ciência, filosofia e religião. Mais
tarde 10 livros foram organizados com as publicações da revista
espírita e o livro Obras Póstumas, com recomendações essenciais
para o futuro do espiritismo.
O professor Rivail utilizou o método científico 115 para realizar
os seus experimentos, fazendo uso da razão e da lógica como
instrumentos para a experimentação, observação e conclusão dos
estudos. A diferença está no objeto de estudo. Para Kardec foram
os espíritos que vivem fora do corpo e que se comunicavam em
reuniões preparadas especialmente para esta finalidade (FELIPELI,
2012:24).

115
- O desenvolvimento do método científico tem em seus primórdios os gregos sendo
os primeiros a refletir sobre a distinção de conhecimento vulgar e saber científico, mas
é a partir do Renascimento que esta distinção se torna mais evidente, pois, ter-se-á
um conhecimento filosófico e outro científico. Passa, então, a ser exigido um método
no intuito de garantir a exatidão do conhecimento que se adquiri. Hodiernamente é
extremamente difícil aceitar as verdades que não se enquadrem neste preceito.


ϮϮϲ


A Doutrina Espírita caracteriza-se, portanto, pelo tríplice


aspecto em que se pronuncia, sendo este o seu alicerce. Segundo
116
Públio de Paula (2002:14/15)

O caráter científico está justamente na observação sistemática e metódica


dos fenômenos, de cuja experimentação foi deduzido e comprovado todo o
edifício filosófico. O aspecto filosófico repousa solidamente na lógica dos
ensinos obtidos dos espíritos a respeito da origem, destino e natureza dos
espíritos, da criação e do universo que, juntos, conspiram em sua
harmonia para a evolução e progresso e o aspecto religioso, consequente
das conclusões filosóficas, impele o homem na direção de Deus,
consciente de quem é, porque está na Terra, qual a razão das
experiências que vive.

O Espiritismo atravessou fronteiras e oceanos. Estabeleceu-


117
se em terras tupiniquins cedo (Oliveira, 2008:63/64) e teve com o
catolicismo brasileiro um sincretismo religioso, formando aquilo que
Sandra Stoll (2003) classificou como ³(VSLULWLVPRD%UDVLOHLUD´ Para
a antropóloga (2003:61), o espiritismo, por ser uma religião
importada, ao adentrar o Brasil

se difunde no país confrontando-se com uma cultura religiosa já


consolidada, hegemônica e, portanto, conformadora do ethos nacional.
Sua difusão, como postulam certos autores, foi em parte favorecida pelo
fato das práticas mediúnicas já estarem socialmente disseminadas, de
longa data, no âmbito das religiões de tradição afro. No entanto, em
contraposição a estas, o espiritismo define sua identidade, elegendo como
sinais diacríticos elementos do universo católico. Deste, porém, não
endossa apenas (...) certas práticas rituais. O espiritismo brasileiro assume
XP ³PDWL] SHUFHSWLYHOPHQWH FDWyOLFR´ QD PDQHLUD HP TXH LQFRUSRUD j VXD
prática um dos valores centrais da cultura religiosa ocidental: a noção
cristã de santidade.


116
- Na Introdução do Livro dos Espíritos escrito por J. Herculano Pires, redigida em
18 de Abril de 1957 quando do 1º centenário, tais elucidações são exaradas por
Herculano explicando o tríplice aspecto da doutrina.
117
- Ver também ARRIBAS (2010:53 em diante).


ϮϮϳ


Feita esta parte introdutória do surgimento da doutrina


espírita, vamos retratar a entrada das ideias kardequianas através
dos livros, suas repercussões na imprensa brasileira até o
surgimento da FEB (Federação Espírita Brasileira) em 1884.
O fenômeno das mesas falantes foi noticiado pela primeira
vez na imprensa brasileira no Jornal do Commercio, do Rio de
Janeiro, em sua edição de 14 de Junho de 1853 e no dia 30 do
FRUUHQWH PrV H DQR R PHVPR MRUQDO FRQVWDWDYD ³TXH D IHEUH GDV
PHVDV JLUDQWHV Mi VH WRUQDUD FU{QLFD QD &RUWH´ 0$&+$'2
1983:45) com os seguintes dizeres

Anteontem, véspera de São Pedro, entrei em duas ou três casas, contando


divertir-me com a interessante leitura das sortes e com a moagem dos
roletes de cana, e em todas elas vi as famílias e os convidados silenciosos,
em grupos, uns em derredor de uma mesa, outros de um chapéu, outros
de um livro, todos com as mãos estendidas sobre estes objetos e
formando cadeias digitais.

&RP LVVR ³FRP R PHVPR FDUiWHU HSLGrPLFR FRP TXH


grassava na Europa, o fenômeno foi praticado em todo o Brasil
GXUDQWH R DQR GH ´ 0$&+$'2   2 Diário de
Pernambuco foi outro jornal a noticiar, inclusive com apontamentos
visando ensinar as pessoas o modo correto de se proceder à frente
das comunicações.
O Cearense em 19 de Maio de 1854 comentou as novas
experiências que eram realizadas na Europa, explicando toda a
fenomenologia das mesas dançantes

Hoje, porém, amestradas pela experiência, instruídas pelas lições de


hábeis professores, e tendo já ascendido ao ponto mais culminante da
ciência, as mesas se põem em relação com os mortos, coligem-lhe os


ϮϮϴ


pensamentos e transcrevem lhe as palavras. A evocação se faz por


intermédio de um iluminado, a quem se dá o nome de médium118.

O que chama a atenção no referido artigo é o emprego da


palavra médium, citada pela primeira vez na imprensa brasileira.
Esta precocidade do espiritismo cearense foi citada por João do
5LR RQGH HOH UHFRQKHFH TXH RV ³SULPHLURV HVStULWDV EUDVLOHLURV
DSDUHFHUDP QR &HDUi DR PHVPR WHPSR TXH HP )UDQoD´
(1976:156), embora oficialmente, o primeiro centro começou na
Bahia, Salvador, em 17 de setembro no ano de 1865, com a
formação do grupo Familiar do Espiritismo, tendo a frente, Dr. Luís
Olímpio Teles de Menezes119, membro do Instituto Histórico da
Bahia (MACHADO, 1983:68).
A precocidade baiana também foi atestada por Pugliese em
artigo publicado na Revista Reformador de setembro de 2010, no
qual ele postula que

O berço do Espiritismo foi a França, mas podemos considerar que, no


Brasil, a nascente dos fenômenos provocados pelos espíritos foi a Cidade
do São Salvador, na Bahia, desde os idos de 1853, antes mesmo da
iniciação do Codificador, no mês de maio de 1855, em torno dos episódios
das mesas girantes ± que seriam considerados por ele como o ponto de
partida da Doutrina Espírita (...) Desde 1853, enfatizamos, já aconteciam
noticiários, na antiga Província da Corte Brasileira, sobre os fenômenos
das tables mouvantes ou tables parlantes, que agitavam, desde 1850, a
Europa e os Estados Unidos (...). Há, porém, registros de ocorrência de
intercâmbio com os mortos desde 1845, no antigo Distrito de Marta de São
João, hoje município, distante 62 km de Salvador (...).

Embora a primazia da história recaia sobre os baianos, o Rio


de Janeiro foi à porta de entrada das ideias espíritas devido à

118
- Negrito do autor
119
- Luís Olímpio Teles de Menezes (1825 ± 1893), baiano de Salvador, professor das
séries iniciais e latim, foi também o responsável pela fundação do primeiro periódico
GH FXQKR HVStULWD GR %UDVLO HP MXOKR GH  ³2 (FR G¶$OpP-7~PXOR´ WUrV PHVHV
após a morte de Kardec. Maiores informações verificar (WANTUIL, 1981:563-590).


ϮϮϵ


colônia francesa aí residente, sendo que, nos dizeres de Machado,


achar que ³R HVSLULWLVPR QD &RUWH HP VHXV LQtFLRV VHU XP TXDVH
monopólio da colônia francesa (...) sendo as primeiras reuniões
domésticas e as sessões: as primeiras de puro kardecismo
UHDOL]DGDVQR%UDVLO´  SHUGLGDVSRUQmRWHUHPWLGRUHJLVWUR
de espécimHDOJXP HPERUD $EUHXFLWH TXH³R JUXSRHVStULWDPDLV
antigo que se teria reunido no Rio de Janeiro, foi o de Melo Morais,
KRPHRSDWDHQRWiYHOKLVWRULDGRU  SRUYROWDGH´  
Conforme dito anteriormente, o Brasil fez parte quase que
simultaneamente das manifestações espiríticas que surgiram em
meados de 1853 nos EUA, na Europa e parte da Ásia, assim como
³QD&RUWHGR5LRGH-DQHLURQR&HDUiHP3HUQDPEXFRHQD%DKLD´
:$178,/   SRLV GH DFRUGR FRP 'LRQLVL   ³R
fenômeno das mesas girantes e falantes despertava a curiosidade,
tanto do povo simples quanto das classes sociais mais abastadas,
LQWHOHFWXDOHILQDQFHLUDPHQWHIDODQGR´
Os livros da doutrina, todos em francês, encontraram respaldo
na elite social, fazendo adeptos nas classes mais elevadas, sendo
bem recebidos principalmente, devido ao fato da presença de
importantes homeopatas, em terras brasileiras desde 1818
(ABREU, 2001:27), sendo que, na observação de Dionisi
 ³DFXUDUHDOPHQWHID]SDUWHGDKLVWyULa do Brasil desde
os tempos em que se principiou o movimento de introdução do
(VSLULWLVPR QR %UDVLO´ 3RUWDQWR D KRPHRSDWLD H R PDJQHWLVPR GH
Mesmer, abriram caminho para a posterior penetração das ideias
kardequianas no Brasil nos extratos sociais mais elevados. Esta
camada da sociedade na década de 60 era composta de muitos


ϮϯϬ


engenheiros, médicos, advogados, militares e artistas conforme


informa Wantuil, onde

os adeptos, isolados a princípio, puseram-se a formar grupos íntimos para


estudo das obras kardequianas e para experiências mediúnicas. Foi
principalmente na classe esclarecida da sociedade que o Espiritismo fez,
aqui, seus primeiros progressos, posto que as obras fundamentais, por
ainda não se acharem traduzidas para o vernáculo, não podiam ser lidas
pelas classes menos instruídas (1981:565).

Por isso, no período logo posterior, Abreu destaca que

Em 1860, apareceram os dois primeiros livros em português: o do


professor Casimir Lieutaund, Os tempos são chegados, o primeiro talvez
da América do Sul, e o Espiritismo na sua expressão mais simples,
sem nome do tradutor que só apareceu na terceira edição, em 1862,
professor Alexandre Canu (2001:31).

Uma série de comentários em jornais da época elucida a


penetração das ideias espíritas, tanto a favor quanto
contrariamente. Vejamos; O Jornal do Commercio, em 23 de
setembro de 1863, se pronunciava de maneira favorável as ideias
espíritas e em 26 de setembro de 1865 foi publicado o primeiro
comentário desfavorável ao espiritismo no jornal Diário de Bahia,
sendo replicado por Luís Olímpio de Teles de Menezes e
companheiros no dia posterior, sendo citado inclusive por Kardec na
5HYXH 6SLULWH GH QRYHPEUR GH  VRE R WtWXOR ³2 (VSLULWLVPR QR
Brasil ± ([WUDWR GR 'LiULR GD %DKLD´ FRQIRUPH VHJXH WUDQVFULWR
abaixo,

Sob o título de A Doutrina Espírita, o Diário da Bahia, de 26 e 27 de


setembro de 1865, contém dois artigos que não são senão a tradução em
português daqueles publicados, há seis anos, pelo doutor Déchambre na
Gazette médicale de Paris. A segunda edição de O Livro dos Espíritos
vinha de aparecer, e foi dessa obra da qual o Sr. Déchambre fez um


Ϯϯϭ


relatório meio burlesco. Mas, a esse propósito, ele prova historicamente, e


por citações, que o fenômeno das mesas girantes e que batem está
mencionado em Teócrito, sob o nome de Kosskinomantéia, adivinhação
pelo crivo, porque então se servia de um crivo para esse gênero de
operação; de onde ele conclui, com a lógica comum de nossos
adversários, que esse fenômeno, não sendo novo, não tem nenhum fundo
de realidade. Para um homem de ciências positivas, aí está, é preciso nisto
convir, um singular argumento. Lamentamos que a erudição do Sr.
Déchambre não lhe tenha permitido remontar ainda mais alto, porque o
teria encontrado no antigo Egito e nas índias. Retornaremos um dia sobre
esse artigo que tínhamos perdido de vista, e que faltava em nossa coleção.
Perguntaremos somente, à espera disso, ao Sr. Déchambre, se é preciso
rejeitar a medicina e a física modernas, porque se encontram seus
rudimentos misturados às práticas supersticiosas da Antiguidade e da
Idade Média? Se o sábio químico de hoje não teve seu berço na alquimia,
e a astronomia o seu na astrologia judiciária? Por que, pois, os fenômenos
Espíritas, que não são, em definitivo, senão fenômenos naturais dos quais
não se conheciam as leis, não se encontrariam também nas crenças e
práticas antigas? Esse artigo, sendo reproduzido pura e simplesmente,
sem comentários, nada prova da parte do jornal brasileiro uma hostilidade
sistemática contra a Doutrina; é mesmo provável que não a conhecendo,
acreditou nele encontrar uma apreciação exata. O que o provaria, é sua
pressa em inserir, no número seguinte de 28 de setembro, a refutação que
os Espíritas da Bahia lhe dirigiram, e que está assim concebida:

"Senhor redator,
"Como estais de boa fé, no que concerne à doutrina do Espiritismo,
rogamos consentir em publicar, também no Diário uma passagem de O
Livro dos Espíritos, pelo Sr. Allan Kardec, livro que já chegou à sua décima
terceira edição, a fim de que vossos leitores possam apreciar, em seu justo
valor, a reprodução que fizestes de um artigo da Gazette medicalle, de
Paris, escrito há mais de seis anos, contra essa mesma Doutrina, pelo
doutor Déchambre, e no qual se reconhece que o supradito doutor não foi
fiel nas citações que fez de O Livro dos Espíritos, tendo em vista depreciar
essa Doutrina.
"Somos, senhor Redator, vossos amigos e agradecidos,
"LUIZ OLYMPIO TELLES DE MENEREZ.
"JOSÉ ALVARES DE AMARAL.
"JOAQUIM CARNEIRO DE CAMPOS."

Segue, como resposta e refutação, um extrato bastante


extenso da introdução de O Livro dos Espíritos.

As citações textuais das obras espíritas são, com efeito, a melhor


refutação das deturpações que certos críticos fazem a Doutrina sofrer. A
Doutrina se justifica por si mesma, é por isto que ela não sofre com isso.
Não se trata de convencer seus adversários de que ela é boa, isto seria, o
mais frequentemente, trabalho perdido, porque em boa justiça, são
perfeitamente livres de achá-la má, mas simplesmente de provar que ela


ϮϯϮ


disse o contrário daquilo que se lhe faz dizer; cabe ao público imparcial o
julgamento,
pela comparação, se ela é boa ou má; ora, como, apesar de tudo aquilo
que se pode fazer, ela recruta sem cessar novos partidários, é uma prova
de que ela não descontenta a todo o mundo, e que os argumentos que lhe
opõem são impotentes para desacreditá-la. Pode-se ver por esse artigo
que ela não tem nacionalidade, e que faz a volta ao mundo (Revista
Espírita, 1996:221-222).

Em 1869, nosso primeiro jornDO ³2 (FKR '¶ $OpP 7~PXOR


PRQLWRU GR (VSLULWLVPR QR %UDVLO´ IRL IXQGDGR HP MXOKR $%5(8
2001: 32, MACHADO, 1983:68 e DIONISI, 2013:136) sendo citado
na Revista Espírita de Outubro de 1869 no capítulo intitulado
³%LEOLRJUDILD± Novos Jornais Estrangeiros´QRVVHJXLQWHVWHUPRV

2 (FKR G¶$OpP 7~PXOR DSDUHFH VHLV YH]HV SRU DQR HP FDGHUQRV GH 
páginas in-4o., sob a direção do Sr. Luiz Olympio Telles de Menezes, ao
qual nos apressamos imediatamente a endereçar vivas felicitações, pela
iniciativa corajosa de que nos dá prova. É necessário, com efeito, uma
grande coragem, a coragem da opinião, para lançar num país refratário
como o Brasil um órgão destinado a popularizar os nossos ensinamentos.
(2005:199-200).

Uma série de troca de acusações através da mídia, entre a


Igreja baiana e os espíritas, acirrou o final dos anos 60 e na visão
de Machado,

sem ter consciência do fato, o público baiano assistia ao primeiro ato da


polêmica entre católicos e espíritas, que se prolongaria até nossos dias,
assumindo algumas vezes uma rudeza de linguagem que não hesitaria em
descer ao puro insulto e à grosseira chacota (1983:87).

Com a propagação do espiritismo em terras baianas, foi


tentado em agosto de 1871, a primeira regulamentação de
reconhecimento oficial, para o funcionamento da Sociedade Espírita
Brasileira, esbarrando na Constituição do Império em seu 5º artigo,
que definia o catolicismo como religião oficial e permitia somente a


Ϯϯϯ


existência de outras religiões em caráter privado. Para tanto, foi


tentado o subterfúgio da sociedade em se manifestar como
³DVVRFLDomR OLWHUiULD H EHQHILFHQWH´ DR TXDO IRL QHJDGD VXD
existência (MACHADO, 1983:98). O Grupo Familiar do Espiritismo
decidiu alterar seu nome em 28 de setembro de 1873 para
Associação Espirítica Brasileira, embora mantendo todas as suas
disposições iniciais (DIONISI, 2013:136-137). Neste mesmo
período, era visível o deslocamento do núcleo inicial da Bahia para
a Corte do Rio de Janeiro.
A dois de agosto de 1873, surgia na Corte, à primeira
sociedade kardecista com reconhecimento oficial, a Sociedade de
Estudos Espiríticos ± Grupo Confucius, presidida pelo jornalista
Antônio da Silva Neto (WANTUIL, 1981:118, DIONISI, 2013:137-
138, ABREU, 2001:35 e MACHADO, 1983:107). Embora o grupo
tenha tido uma existência curta 120, realizou inestimáveis serviços à
GLYXOJDomRGDVLGHLDVHVStULWDVHQWUHHODV³DSULPHLUDWUDGXomRGDV
obras de Kardec; a primeira assistência gratuita homeopática; a
primeira revelação do nome do guia do Espiritismo no Brasil 121´
(ABREU, 2001:36-37), sendRRJUXSRYROWDGRDRHVWXGRGR³2/LYUR
GRV(VStULWRV´ H³2/LYURGRV0pGLXQV´FRQVLGHUDGRSRULVVRFRPR
espiritista puro, que com isso, levou a muitas reclamações dos
NDUGHFLVWDVGHYLGRDRQmRHVWXGRGROLYUR³2(YDQJHOKRVHJXQGRR
(VSLULWLVPR´
Vale aqui uma ressalva; no pós-morte de Kardec, ter-se-á um
período marcado por dissenções e brigas no Espiritismo brasileiro,


120
- Menos de três anos.
121
- Aqui se refere ao anjo Ismael, tido no espiritismo como aquele que é o
responsável espiritual do Brasil.


Ϯϯϰ


entre os grupos e oriundo de diversas interpretações de cada um


destes grupos, relativo ao entendimento da doutrina. Transcrevo
abaixo estas diferenças utilizando as palavras Dionisi (2013:139)
sobre as visões destes grupos

x Os Espíritas que encaravam o Espiritismo como religião


HUDPGHQRPLQDGRVGH³PtVWLFRV´
x Os que encaravam o Espiritismo como ciência:
³FLHQWtILFRV´
x RV ³(VStULWDV´, na época, eram os que aceitavam
apenas o O Livro dos Espíritos;
x (QTXDQWR TXHRV³NDUGHFLVWDV´ dedicavam-se a toda a
obra kardequiana.

Abreu (2001:55 ± Nota da editora) também destacou estas


GHQRPLQDo}HV H LQIRUPRX TXH ³HVVDV UDPLILFDo}HV QmR PDLV
existem, pois atualmente emprega-se o vocábulo espírita para
identificar os que aceitam o Espiritismo ou Doutrina Espírita como
XPWRGRHPVHXWUtSOLFHDVSHFWRGHFLrQFLDUHOLJLmRHILORVRILD´
Além destes quatro grupos descritos, poder-se-ia acrescer
outro; o grupo dos roustainguistas, que embora não fosse distinto
por si, entremeava com os grupos acima o estudo das obras de
Kardec e as de Roustaing.
Jean-Baptiste Roustaing (1805 ± 1879) foi contemporâneo de
Kardec, lendo suas obras e em maio de 1866, ficou pronta a
SULPHLUD HGLomR GH ³2V 4XDWUR (YDQJHOKRV ± A Revelação da
5HYHODomR´ VHJXLGR GRV PDQGDPHQWRV H[SOLFDGRV HP HVStULWR H


Ϯϯϱ


YHUGDGH SHORV HYDQJHOLVWDV DVVLVWLGR SHORV DSyVWRORV H 0RLVpV´


(MARTINS, 1983:29-30 e ABREU, 2011:100), recebido e
coordenado por ele.
Entre as principais ideias e teses que dividiam os kardecistas
e os roustainguistas pode-se citar; a primeira, em relação à tese
central do livro, ou seja, o corpo fluídico de Jesus, ou seja, o
docetismo122, sobre a qual o codificador retornou em seu último
livro, A Gênese, publicado em 1868, onde condenou definitivamente
esta tese; a segunda, a prolixidade da obra, que poderia ser
reduzida a apenas um único volume. Outra contradição flagrante
entre as duas obras é o princípio da metempsicose123 combatido por
Kardec e defendido por Roustaing. Por fim, outro ponto bastante
conflitante da obra de Roustaing foi quando este afirmou que Jesus
era demasiado puro para utilizar um corpo de carne, partindo do
princípio que todo espírito encarnado ou já faliu ou deve falir, desta
forma é culpado. Assim, Jesus não encarnou, e com isso, colocaria
por terra um dos principais postulados do Espiritismo, ou seja, a
encarnação e a reencarnação, através das quais operam as leis da
evolução de causa e efeito124HVWDEHOHFLGDQR³/LYURGRV(VStULWRV´
(AMORIM).
Com a dissolução do grupo Confucius, nasceu, em 26 de abril
de 1876, a Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e


122
- Docetismo (do grego - doke, "para parecer") é o nome dado a uma doutrina cristã
do século II, que defendia que o corpo de Jesus Cristo era uma ilusão, e que sua
crucificação teria sido apenas aparente. Interessante observar que esta foi à primeira
heresia do cristianismo e se tornou também o primeiro embate no espiritismo.
123
- Doutrina segundo a qual uma mesma alma pode animar sucessivamente corpos
diversos, homens, animais ou vegetais; Seria também uma forma de punição, pois se
foi uma má pessoa retornaria no corpo de um animal e caso contrário, continuaria a
reencarnar como homem; transmigração.
124
- Livro dos Espíritos - Questão 133.


Ϯϯϲ


Caridade, vinda esta também a se dividir, pois os místicos saíram e


fundaram a Sociedade Espírita Fraternidade em dois de março de
1880 e os que ficaram transformaram-VHHP³6RFLHGDGH$FDGrPLFD
'HXV &ULVWR H &DULGDGH´, de caráter eminentemente científico.
Quatro meses ocorreu nova separação nos místicos, quando
Antônio Luiz Sayão125 IXQGRX R ³*UXSR GRV +XPLOGHV´ FXMR
SURJUDPD HUD R HVWXGR GH ³2V 4XDWUR (YDQJHOKRV´ 5RXVWDLQJ 
Posteriormente, em setembro de 1885, o grupo passa a se chamar
Grupo Ismael ou Grupo dos Estudos Evangélicos do Anjo Ismael,
mantendo o mesmo programa, sob a direção de Sayão e
Bitencourt126 (MARTINS, 1987:40 ± 43); (ABREU, 2001: 39-40,
AMORIM e DIONISI, 2013:138-139). No interior da Fraternidade,
RQGH R HVWXGR GH ³2 (YDQJHOKR 6HJXQGR (VSLULWLVPR´ GH .DUGHF
era obrigatório, ocorreu a mais antiga divergência entre kardecistas
e roustainguistas, quando estes, após fracassarem na tentativa de
imporem suas teorias, abandonaram a sociedade e foram para o
Grupo do Anjo Ismael (ABREU, 2001: 48).
Como se pode observar, as dissenções e brigas, levaram
vários grupos a serem criados e posteriormente, subdivididos. Além
dos problemas entre os praticantes espíritas, eles também se
confrontavam com os agentes externos, principalmente com a Igreja
católica que começou a segurar seu rebanho através de ataques
vHLFXODGRV QD PtGLD S~OSLWRV H MRUQDLV  ³SULQFLSDOPHQWH ³2


125
- Antônio Luiz Saião (1829 ± 1903), advogado, foi um dos fundadores do Grupo dos
Humildes, depois Grupo Ismael da Federação Espírita Brasileira, destacou-se como
um dos grandes pioneiros do Espiritismo. Pertenceu ao Grupo Ismael e foi um
Roustainguista declarado, sendo seu grande defensor. Maiores informações ver
WANTUIL, 1981:139-168.
126
- Francisco Leite de Bittencourt Sampaio (1834 ± 1895). Maiores informações ver
WANTUIL, 1981:244-264.


Ϯϯϳ


$SyVWROR´ e da distribuição de duas Pastorais do bispo do Rio de


Janeiro ao Episcopado brasileiro, em 1881 e 1882, que
DQDWHPDWL]DYDP RV DGHSWRV GD QRYD GRXWULQD H GH VXD SUiWLFD´
(DAMAZIO,1994:111) também, da confusão feita pelo povo em
colocar toda atividade mediúnica em um balaio de gatos, criando o
famoso sincretismo religioso, conforme palavras de Machado

não seria como catalizador de purificação espiritual que a nova doutrina se


popularizaria. Sua ressonância entre o povo resultaria, sobretudo de seu
propalado poder de descerrar o véu que encobre o futuro, a morte, tudo
que é oculto ao homem (1983:108-109) (...), pois, se as formulações
kardecistas ainda eram quase desconhecidas, a prática espírita, em
processo cada vez mais acelerado de sincretismo, já era uma
intranquilizante realidade cotidiana em nossa sociedade (1983:111).

As ideias espíritas eram restritas a uma elite intelectual, pois


os livros eram em francês, mas contava com publicações em jornais
e pequenos periódicos como o fundado por Antônio da Silva Neto
SUHVLGHQWH GR JUXSR &RQIXFLXV  HP MDQHLUR GH  D ³5HYLVWD
(VStULWD´ XPD SXEOLFDomo mensal de Estudos Psicológicos, que
durou somente seis meses, mas serviu para conscientizar os
adeptos da seriedade da doutrina e da tentativa de desvinculação
das práticas mágicas e de feitiçaria (MACHADO, 1983:118).
No mesmo ano, talvez o evento mais importante para a
propagação da doutrina espírita foi o lançamento pela livraria
*DUQLHU GD ³SULPHLUD WUDGXomR EUDVLOHLUD GH XPD REUD GH $OODQ
Kardec, O Livro dos Espíritos, traduzida por Fortúnio, pseudônimo
GR 'U -RDTXLP &DUORV 7UDYDVVRV´ 0$&+$'2 :114),
recebendo pela ousadia da tradução e do lançamento do livro, uma
chuva de impropérios da mídia, segundo Momesso,


Ϯϯϴ


A livraria de B.L Garnier, localizada na Corte, constituiu a maior


fornecedora de livros (...). Instalada na Rua do Ouvidor, desde 1844,
anunciava de modo habitual no Jornal do Commercio e elaborava
catálogos contendo as mais recentes publicações europeias. Os catálogos
geralmente ofereciam livros publicados em língua francesa, incluindo
autores de outras nacionalidades e estavam divididos por assuntos
(2013:174-175).

O fato da livraria ter se disponibilizado a traduzir e vender os


exemplares, demonstra bem a poder de penetração das ideias
NDUGHFLVWDVHGRDOFDQFHGRS~EOLFRDVHUDOPHMDGRSRLV³TXDLVTXHU
que fossem as reações, porém, a realidade era que, afinal, a obra
do Codificador deixava de ser editada em pequenas tipografias
provincianas, ganhando o prestígio do nome do maior editor do
SDtV´ 0$&+$'2 
A crescente difusão do espiritismo era, portanto, verificada
com o aumento de oferta e procura das obras doutrinárias, fazendo
com que muitas livrarias na Corte viessem a vender os livros
HVStULWDV FRPR SRU H[HPSOR R ³GR OLYUHLUR 6HUDILP -RVp $OYHV QD
Rua Sete de Setembro, 83, tornou-se um ponto de convergência de
espíriWDV´ 0$&+$'2 
Outro veículo de propagação das ideias espíritas foi a revista
O Reformador. Lançada em 21 de janeiro de 1883, por Augusto
Elias da Silva127 (1848 ± 1903), que tinha como proposta a
renovação dos costumes, com seções consagradas às corporações
científicas, filosóficas e literárias, mas talvez a principal realização
tenha sido a promulgação da união dos espíritas em torno de um
órgão central. Com isso, em 1º de Janeiro de 1884, nascia a FEB
(Federação Espírita Brasileira), ligando à revista a entidade em 15


127
- Ver WANTUIL, 1981:169 a 197.


Ϯϯϵ


de janeiro de mesmo ano (DIONISI, 2013:140-141, ABREU,


2001:42-43 e DAMAZIO, 1983:112 a 114).
Seguiu-se um período de adesões dos grupos a FEB, que
teve papel primordial na condução do espiritismo brasileiro, embora
os problemas doutrinários referentes aos postulados de Roustaing
permanecessem por longo período aceso. A ascensão de Bezerra
de Menezes em 1895 a presidência da FEB concretizou a opção
dos kardecistas brasileiros na vertente mística, popularizando-se o
Espiritismo cristmR WHQGR FRPR FRUROiULR ³D SUiWLFD GD FDULGDGH
DWUDYpVGRDWHQGLPHQWRDRVQHFHVVLWDGRV´ '$0$=,2 

CONCLUSÃO

O surgimento do Espiritismo foi fruto de um revigorar da


mentalidade mística, intrínseca ao homem, que desabrochou com
força redobrada, exatamente no período marcado pelo clamor do
uso de maior potencial da racionalidade advinda do movimenta
Iluminista. O movimento espírita encontrou lufadas em todos os
terrenos que penetrou e no Brasil não foi diferente. Encontrou aqui,
uma elite intelectual que absorveu com ênfase os ensinamentos
preconizados na doutrina, divulgando através da mídia escrita,
panfletos, jornais, revistas e livros traduzidos, todo o cabedal das
ideias espíritas. Tiveram problemas com a jurisdição, com a
intolerância católica, mas mesmo assim continuaram a formar
agremiações de estudo e atendimento aos mais necessitados.
Mediante um processo sincrético, que se desenvolvera no
transcurso do período colonial, integrou e modificou o catolicismo
popular e a religião negra, sendo que agora, incorporando os


ϮϰϬ


elementos da razão e da ciência, mas atuando em uma camada


mais popular, preconizando a caridade.
As trocas de acusações foram, muitas das vezes, labaredas
que levaram mais longe o interesse popular no conhecer o
desconhecido e ao descortinar o outro lado e a possibilidade de
comunicação com os mortos, o espiritismo venceu as resistências
do período e seguiu adiante.

Fontes
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_________________. 30 de Junho de 1853.
_________________. 23 de Setembro de 1863
O Diário de Pernambuco. 13 de Julho de 1853
O Cearense. 19 de Maio de 1854.
Diário de Bahia. 26 de Setembro de 1865.
_____________. 27 de Setembro de 1865.

Revistas
Revista Reformador. Setembro de 2010

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Ϯϰϰ


ANEXOS

ANEXO I ± Capa Primeira Edição do Livro dos Espíritos em


18/04/1857.

ANEXO II ± Jornal do Commercio ± 30/06/1853 ± Edição 180.


Ϯϰϱ


ANEXO III ± )URQWLVStFLRGR-RUQDO³2&HDUHQVH´RQGHDSDUHFHSHOD


primeira vez a palavra médium


Ϯϰϲ


ANEXO IV ± )URQWLVStFLRGR³2eFKR'¶$OrP-Tumulo

ANEXO V ± Capa da Revista Reformador de 1903


Ϯϰϳ


TOMORROWLAND

Assisti recentemente ao filme homônimo do artigo na


companhia de minha esposa e no aconchego do lar, salpicado de
pipoca e mate. Achou estranho o mate? Cada um na sua. Enfim, o
filme tem um enredo interessante que obviamente me levou a
efetuar várias digressões a respeito do mesmo. Aviso que não irei
contar o filme todo, apenas perpassar algumas considerações,
portanto, para aqueles que ainda não o viram, uma boa perspectiva
de ler minhas anotações e tirar suas próprias conclusões.
Bem, inicialmente o enredo da película baseia-se em uma
cidade que reúne as mentes mais brilhantes, só que em outra
dimensão. Primeira observação, hoje sabemos de pelo menos 11
dimensões diferentes, através da teoria das cordas e da física
quântica, cada qual se interpenetrando, diferenciando-se pelo grau
de tangibilidade da matéria, ou seja, quanto mais matéria, mais
denso o ambiente.
As diferentes dimensões podem ser penetradas, mas somente
de cima para baixo (utilizando a escatologia cristã de céu e inferno),
significando que os espíritos que habitam regiões mais elevadas
HVSLULWXDOPHQWH SRGHP GLJDPRV ³GHVFHU´ PDV RV TXH KDELWDP
UHJL}HVPDLVGHQVDVQmRSRGHP³VXELU´GHYLGRDGHQVLGDGHGHVHX
corpo espiritual. Se pararmos para pensar um pouquinho, quando
alguém mergulha no mar, não tem que se equipar para outra
atmosfera ou o astronauta que entra no espaço. Em tudo tem que
haver adequação do soma, indiferente de qual atmosfera irá
penetrar.


Ϯϰϴ


De qualquer maneira, o filme mostrou outra dimensão na


própria Terra, através de um rasgo dimensional. Beleza. Esta
diferença de tangibilidade da matéria é que faz com que não
possamos ver a multidão de pessoas desencarnadas que atuam
junto de nós.
1R ILOPH ³1RVVR /DU´ p PRVWUDGR D FLGDGH HVSLULWXDO HP
posição acima do Rio de Janeiro, somente em outra realidade
dimensional. Assim como ela, existem outras em diferentes níveis
vibratórios e, nesse caso, elas podem ser mais evoluídos
moralmente ou não. Daí as determinações de Umbral, Inferno,
Trevas, etc... O que vocês acham que significa o relato de Dante no
OLYUR³$'LYLQD&RPpGLD´
Continuando, as mazelas humanas continuam a grassar pela
tela, ou seja, ódio, desejo pelo poder, interesse voltado para os
propósitos de uma minoria e por aí vai, mas em contrapartida, a
esperança é capaz de mudar o destino da humanidade. Crer e não
desistir de seus propósitos mesmo quando as adversidades se
mostrem, naquele momento, intransponível. O desejo de fazer algo
com o intuito de não deixar o mundo se autodestruir mostrou que
diferente das probabilidades, somos nós os arquitetos de nosso
destino, controlando o timão de nossos barcos no rio chamado vida.
Não aceitar por tem que ser, se acomodar, mas lutar, sempre.
O destino é construído a cada dia pelas nossas ações no
hoje. O futuro é consequência de nossas escolhas no cotidiano.
Vejamos um exemplo simples: a pessoa fuma um maço por dia,
sofre de pressão alta e está acima do peso considerado como
aceitável nos moldes atuais. Esta pessoa pode continuar no mesmo
ritmo e, possivelmente, ser acometido por um infarto em poucos


Ϯϰϵ


anos ou resolver mudar sua atitude frente à vida, parar de fumar,


começar a caminhar e diminuir de peso. Com isso, as escolhas do
presente determinaram o futuro.
Após os tradicionais embates, o bem volta a reinar na cidade
e, um grupo de androides está sendo enviado aos recantos do
mundo recrutando pessoas que possuam a capacidade de
acreditar. Simplesmente acreditar e procurar fazer algo que faça a
diferença. Qualquer um tem esse potencial dentro de si, uns mais
outros menos, mas o recado do filme é que mantenhamos sempre
viva a chama da esperança e de dias melhores, pois depende
apenas de nós querermos ou não queremos fazer a diferença.
Quando eu escrevo atentando sobre que façamos algo,
significa que qualquer atitude de conscientização é relevante.
Separar o lixo, plantar uma árvore, coletar o óleo utilizado, enfim,
qualquer tarefa.
Mais uma vez, utilizando-me como exemplo, eu deixo o que
faço. Simples; o que vocês estão lendo neste exato momento.
Minha tarefa; alertar, fazer pensar, refletir, ver o mundo com outros
olhos. Por isso, tenho tanto prazer em escrever, em ler, em estudar,
pois me possibilita aumentar os conhecimentos que irei transmitir
aos leitores.
Que cada um de nós possa ter sua atitude de renovação do
mundo em que vivemos, sempre acalentando a esperança, amor e
respeito ao próximo.


ϮϱϬ


O MITO DE ADÃO
EA
DESOBEDIÊNCIA
HUMANA

Na tradição judaico-cristã, no primeiro livro da Bíblia, o


Gênesis, conta que o primeiro casal de seres humanos, criados por
Deus, pelo ato de sua desobediência, acaba expulso do Paraíso
Terrestre e, destinados a sofrer as intempéries de sua atitude, dão
origem aos males que afligem a humanidade desde então.
Fruto da desobediência, a atitude deles foi causada pelo uso
do livre-arbítrio, selando o destino e provocando a abertura da
Caixa de Pandora (mito grego), espalhando as dores e doenças,
assim como também das atitudes provenientes do ato, como as
ações beligerantes da raça humana.
Pois bem, a violência poderia ser erradicada caso o uso do
livre-arbítrio fosse controlado, levando os seres humanos a uma
postura de passividade frente aos desígnios divinos. Isso somente
seria possível através da posse da semente original do fruto
RULJLQDGRGD³ÈUYRUHGRFRQKHFLPHQWRGR%HPHGD0DO´XPDGDV
iUYRUHV FRORFDGDV QR -DUGLP GR eGHQ D RXWUD HUD D ³ÈUYRUH GD
9LGD´
(VWH p R HQUHGR GR ILOPH ³$VVDVVLQ¶V &UHHG´ KRP{QLPR GH
uma série de jogos eletrônicos criados pela Ubisoft, contando hoje
com nove games, em que dois grupos se digladiam ³DGSHUSHWXDP´
pelo controle da semente. Um dos grupos se intitula como defensor,
os assassinos, que protegem do outro grupo, os Templários, que


Ϯϱϭ


visam se apropriar da referida semente como forma de controle da


massa.
Além, obviamente, do anacronismo dos grupos envolvidos,
(os Templários são uma ordem nascida no início do século XII),
alguns aspectos me chamaram a atenção.
Um deles foi a presença de Tomás de Torquemada (1420 ±
1498). Considerado como o Grande Inquisidor na Espanha e levou
para a fogueira pelo menos mais de 2.200 pessoas, sendo
conhecido com sua campanha contra judeus e muçulmanos.
O corte temporal abordado no filme foi um ano emblemático
no nascimento da nação Espanha, 1492. Data em que o último
reduto mouro foi derrubado, a cidade de Granada, e da chegada de
Colombo a América, personagem retratado do qual irei me eximir de
explicar com intuito de não ser desagradável com quem ainda não
assistiu a película, seja na telona, ou na telinha.
A outra questão que me chamou atenção se refere ao uso da
ciência e da maneira como foi retratada. Os Templários buscavam a
localização da semente e para isso precisavam das memórias do
último assassino que esteve com a semente em mãos. Mediante
uma série de intensas buscas, conseguiram chegar a um
descendente direto de Aguilar, o nome de tal protetor, ou seja, o
acesso das memórias foi possível através da descendência
genética. Bem, aí tenho que fazer um adendo.
O que realmente aconteceu não foi o acesso de uma memória
de um ancestral genético, mas foi possível pelo fato do personagem
ter sido o próprio Aguilar, do qual agora recordava dos fatos desta
encarnação, em peculiar. O processo aconteceu mediante


ϮϱϮ


regressão induzida, sendo utilizada para este desiderato uma


máquina desenvolvida pela cientista responsável.
A maneira como o filme retrata o fato, faz com que pensemos
ser possível, mediante descendência genética, o reviver dos fatos
de nossos descendentes, coisa que somente poderíamos ter
acesso caso tivéssemos vivido juntamente e isso acontece porque
estaríamos encarnados na época em questão.
Este pequeno detalhe, mas de enorme repercussão, acaba
criando uma confusão epistemológica a respeito de já tão debatido
DVVXQWR $ UHHQFDUQDomR DLQGD VRIUH GH ³EXOOLQJ´ HP GLIHUHQWHV
segmentos da sociedade, principalmente, no âmbito religioso, daí
acredito que, ao enfocar o mito do primeiro casal, a questão do
livre-arbítrio, colocado por alguns considerados santos de Igreja e a
violência inata da raça humana, o autor deixa clara sua convicção
ideológica, pois a ressureição da carne faz parte do cânone cristão
e, não a palingênese.


Ϯϱϯ


OS GENES DE JÚPITER

Assisti o filme ³2'HVWLQRGH-~SLWHU´ e várias proposições me


vieram à mente, mas uma em especial eu irei compartilhar com os
leitores.
O filme em si, embora ficcional, repete os velhos jargões:
intriga, traição, morte, busca do poder e o ingrediente que nunca
falta, o enlaçe entre a mocinha e o herói, este sempre
incompreensível e sozinho em sua busca de si mesmo.
Pois bem, o desenrolar do filme se processa em torno da
tentativa dos três irmãos em eliminar uma mulher da Terra, que
segundo as explicações exaradas, seria a mãe dos três. A grande
questão é que, nesta explicação, a terráquea teria os genes da
genitora falecida, dando início à corrida desenfreada para eliminá-
la. Segundo esta mesma explicação, este processo seria conhecido
como reencarnação.
Vamos às considerações.
Na antiguidade, Gens na Roma Antiga, era um grupo de
pessoas ou clã que compartilhavam o mesmo nome de família. Os
diferentes ramos do mesmo gens tinham um sobrenome comum.
O conjunto de famílias que se encontravam ligadas
politicamente a uma autoridade em comum, o pai da gente (Pater
Gentis). Usavam um nome em comum por se julgar descendentes
de um antepassado comum. A gens tinha seu equivalente
na Grécia com o nome (genos), que se formava a partir de uma
grande família consanguínea e com um antepassado em comum. A
gens ou genos é a unidade. Várias gens constituem uma fratia e


Ϯϱϰ


várias fratrias uma tribo. Além de tudo são pessoas que se juntam
para um objetivo em comum.
A palavra terá conotação moderna com o advento da segunda
guerra mundial, mais precisamente no morticínio dos judeus. O
µJHQRFtGLR¶ IRL XPD SDODYUD FULDGD SDUD GHILQLU D WHQWDWLYD GH
eliminação dos judeus (genos) pelos alemães.
Atualmente, gene, segundo definição da genética clássica, é a
unidade fundamental da hereditariedade. Cada gene é formado por
uma sequência específica de ácidos nucleicos - as biomoléculas
mais importantes do controle celular, pois contêm a informação
genética. Existem dois tipos de ácidos nucléicos: ácido
desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA). O ser
humano possuí aproximadamente nos seus 46 cromossomos entre
20 000 e 25 000 genes.
Hoje, dentro da genética moderna, o gene é uma sequência
de nucleotídeos do DNA que pode ser transcrita em uma versão de
RNA. O termo gene foi criado por Wilhem Ludvig Johannsen. Desde
então, muitas definições de gene foram propostas. O gene seria um
segmento de um cromossomo a que corresponde um código
distinto, uma informação para produzir uma determinada
proteína ou controlar uma característica, por exemplo, a cor dos
olhos.
Com isso, o que nos é transmitido por hereditariedade, por
nossos pais, são os genes físicos, os caracteres fisionômicos.
Portanto, os filhos são parecidos com os pais, ou com avós, têm
marcas características, biótipos próprios. Determinadas doenças
passam a ter maiores possibilidades de probabilidade de que os
filhos as herdem de seus pais. Um exemplo disso é a pressão alta,


Ϯϱϱ


mas não herdamos o lado belicoso do pai, ou a angelitude da mãe.


Cada um é único, com suas individualidades peculiares.
Muito bem. Vamos entender o que as falas do filme quiseram
passar. Segundo a noção de reencarnação passada na película, os
genes da mãe ficaram incólumes e com este código genético,
³UHHQFDUQRX´QDWHUUiTXHD3RUWDQWRDQRomRGHUHHQFDUQDomRQmR
é espiritual e sim genética, ou seja, essencialmente material,
passando de corpo a outro corpo simplesmente.
Esta visão é totalmente errônea, pois quando ocorre à morte
física, o corpo inicia o processo de entropia, ou seja, de
desagregação molecular, levando a decomposição de todos os
elementos materiais do corpo físico, inclusive os genes, ficando na
realidade, somente o aspecto espiritual.
Na ótica espírita, o que levamos da última encarnação,
responsáveis pela personalidade, são os bens imateriais, e o que
agregamos no todo se chama de individualidade. Com isso, a
proposta de que os genes ficariam vagando até achar outro corpo é
nos considerar somente como um amontoado de carne e
moléculas, sem maiores considerações pelo espírito, real
depositário das potencialidades divinas.
O tema reencarnação ainda sucinta muitas dúvidas e leva a
risos os incrédulos, mas a ideia é tão antiga quanto às primeiras
religiões, vindo o espiritismo simplesmente resgatar tais
proposições. O que posso dizer a respeito do assunto é que, sem
as premissas trazidas pela ideia da reencarnação, todas as
considerações das que acometem as sociedades do mundo, não
poderiam ser entendidas e compreendidas pelo simples viés
materialista.


Ϯϱϲ


Bem, independente das opiniões de cada um, estas foram às


ideias que quis compartilhar com os leitores.


Ϯϱϳ


FUGACIDADE DO HOMEM

No dia 21/05/2016 participei da solenidade de posse na


Academia Teresopolitana de Letras, na Casa de Cultura Adolph
Bloch, em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, Brasil,
vindo a assumir a cadeira de número 14. A solenidade, cercada de
elementos cerimoniais, legitimou meu ingresso na referida
Instituição. Quais as observações e indagações a respeito do
evento e de sua relevância na vida, não somente minha, mas do
meu convívio para com meus semelhantes e a postura que
devemos assumir.
Inicialmente, poderíamos nos indagar das origens e objetivos
de uma Academia de Letras. Pois bem, seguindo o modelo
Académie Française, fundada em 1635 por Richelieu no reinado de
Luís XIII na França, composta por 40 membros, a Academia no
Brasil seguiu os mesmos moldes, vindo a ser criada no final do
século XIX por intelectuais brasileiros inspirados na matriz francesa.
Fundada em 20 de junho de 1897, tendo em sua presidência
Machado de Assis, teve as 40 cadeiras ocupadas por membros
efetivos e perpétuos, conhecidos como imortais, pois o cargo é
YLWDOtFLR H[SUHVVR SHOR OHPD ³$G ,PPRUWDOLWHQ´ H D VXD VXFHVVmR
somente acontece pela morte do ocupante da cadeira.
Em nossa cidade, a Academia de Letras foi fundada em abril
de 1961, estando com 55 anos de existência. O modelo de
organização é o mesmo, ou seja, iniciou com 40 membros
considerados perpétuos, sendo renovadas as cadeiras com o
desligamento decorrentes de morte de seus integrantes.


Ϯϱϴ


Cada cadeira tem um patrono específico, referente aos


imortais que ocuparam a Academia Brasileira de Letras. No meu
caso específico, fui empossado na cadeira de número 14, tendo
como patrono da mesma Graça Aranha (1868 ± 1931).
O processo seletivo aconteceu por meio de edital propalado
na mídia Teresopolitana, atendo a várias prerrogativas. Após
análise do currículo, os candidatos considerados aptos
comparecem para declamar suas produções culturais diante dos
membros e após, em deliberação fechada, decidem qual candidato
está à altura de ingressar nos quadros da Instituição.
Na cerimonia de posse, os futuros imortais são devidamente
apresentados, cada qual pelo seu padrinho, membros do quadro
efetivo da Academia e da qual foram escolhidos pelos candidatos,
geralmente por afinidade.
Para o dia tão esperado da posse, após os devidos convites
aos familiares e amigos, os postulantes a cadeira são devidamente
apresentados ao público, sendo seus currículos declamados para
os presentes por meio de seus padrinhos e após a apresentação,
convidados ao púlpito para apresentar uma pequena biografia do
patrono de sua cadeira, assim como de seu antecessor.
Após esta etapa, dá-se continuidade ao cerimonial com a
colocação da vestimenta do fardo da Academia, de cor verde-
escura com bordados de ouro que representam os louros,
complementados com uma medalha, broche e um pequeno ícone,
representativos dos símbolos da Academia Teresopolitana de
Letras.
A questão da imortalidade eu vim a entender no transcurso do
processo de posse. Ao tomar posse de uma cadeira, acabamos por


Ϯϱϵ


nos tornar parte da Instituição e, da mesma maneira da qual eu me


referi ao patrono e a minha antecessora, quando eu vier a falecer, a
referida cadeira virá a ser ocupada por outro postulante, que ao
efetuar o discurso de empossamento, virá a se referir ao patrono e
ao antigo ocupante, discursando as realizações por minha pessoa
efetuadas.
Portanto, meu nome está deste então, registrado nos anais da
Academia Teresopolitana, gravado na cadeira que me foi
designada, para todas as gerações posteriores. Este é o postulado
da imortalidade.
Após todo o cerimonial, a certeza que fica refere-se à
responsabilidade inerente ao cargo ocupado, não somente uma
representação simbólica, mas um compromisso assumido de
propalar a cultura em nossa cidade, levando o nome da Instituição
em todas as atividades da qual seus membros venham a participar.
Este é o maior compromisso que elegemos em nossas
caminhadas no intuito de levar a cultura e o nome da Instituição em
qualquer lugar da qual venhamos a fazer parte.
Esses denominados ritos de passagem comportam elementos
que fazem com que o indivíduo assuma determinadas posturas e
seja visto de maneira diferenciada pelos componentes do
grupamento social.
Reflitamos; inicialmente o homem estabeleceu através do
tempo nas sociedades aos quais foi moldado, padrões de
comportamento que o identificam frente às normas vigentes.
Nas sociedades mais primitivas, existia o ritual de passagem
de criança para a fase adulta. Em determinada idade, os
adolescentes da aldeia eram submetidos a provas para que


ϮϲϬ


pudessem ter aos olhos da comunidade o direito de serem


acolhidos como homens. Em várias sociedades indígenas tal
aspecto cultural foi durante muito tempo utilizado.
Na Grécia Antiga tal procedimento era também feito com
intuito de demonstração do jovem frente à sociedade. A cidade ±
Estado de Esparta é um exemplo, pois os jovens eram submetidos
a duras provas tendo no final que demonstrarem sua capacidade de
sobrevivência em ambientes hostis. Roma também assumiu normas
que identificavam a passagem do jovem para a fase adulta.
No Egito identificamos claramente o rito de passagem do
recém-falecido ao mundo dos mortos. Todo um ritual era efetuado
com fins de transpor o caminho e ser aceito para seguir na jornada
além-túmulo.
Na Idade Média o que mais chama a atenção é a entrada para
as Ordens. Os Templários tinham todo um ritual na qual a pessoa
se despia de suas posses materiais e jurava obediência aos
preceitos da Ordem.
O casamento ainda é hoje uma das formas mais expressivas
de demonstração de justificativa frente à sociedade ao qual se faz
parte de um ritual de passagem. A partir daquele momento, a
identificação do casal far-se-á para todos. Muitos ainda apregoam o
casamento como forma legal de união entre as pessoas. Embora os
padrões de comportamento tenham sofrido modificações através do
tempo, o casamento ainda é visto como um comprometimento
maior.
As religiões, nas sociedades de maneira geral, têm em seus
procedimentos, ritos para identificação de determinados postos
eclesiásticos. Basta atentar quando da escolha do novo papa.


Ϯϲϭ


A conclusão de um curso universitário determina à pessoa a


possibilidade de ingresso na vida Profissional. A festa de colação,
ao qual se tem a entrega simbólica do diploma assume frente aos
olhos da sociedade uma marca ao qual determina o fim de um
período para início de outro.
No evento citado no início, tive o privilégio de ser empossado
na Academia de Letras, mas, independente disso, o ritual teve
como premissa, aos meus olhos, a aquisição de bens imateriais,
simbolizada nas ações realizadas no cotidiano, exercidas na cidade
de domicílio.
Todos esses rituais assumidos pelo homem no transcorrer das
eras teve e têm o intuito de demonstração frente ao sistema social
ao qual o homem está imerso. Seja qual for o papel assumido, o
que realmente interessa é como reagimos e interagimos em nossas
realidades, conosco e com o próximo.
Portanto, a importância que muitos creditam e que outros
menosprezam, não está na posse da cadeira, mas nos cabedais
imperecíveis que o acompanham, sem mesmo as pessoas se
darem conta deste outro tipo de valor.
O ritual em si somente adquire valor identificável quando
propicia uma mudança no ambiente psíquico da pessoa, fazendo
com que ela se engrandeça e tenha a possibilidade da
aplicabilidade desses novos valores, pois ao ser agraciado com o
troféu, é como se o indivíduo/empresa, assumisse um compromisso
para consigo próprio de continuar a trilhar no caminho e satisfeito
com o reconhecimento deste mesmo esforço.


ϮϲϮ


Independente de como a sociedade preconize tais


postulados, temos todos dentro de nós o principal elemento de
discernimento que é nossa consciência.
Conforme já preconizado por Jesus, que possamos nos
rejubilar pelos bens imperecíveis, aqueles que as traças não
comem, não cria ferrugem e não se deteriora e não pode ser
roubado por ladrões, pois serão somente estes bens que nos
acompanharam na transição ao mundo espiritual.
Afinal, o que somos realmente? Nossa constituição, desde o
alijamento do ventre materno, é frágil e nos coloca sempre em
posição de cuidados recorrentes. Ao menor descuido, o organismo
dá vazão a algum elemento exógeno que culmina em transtorno
orgânico. No transcorrer de nossas vidas, estamos sempre sitiados
de micróbios, vírus, viroses (nome bastante utilizado hoje em dia
para identificar qualquer patologia diferente) e outros agentes que
submetem ao desequilíbrio nosso frágil soma. Por mais que
externamente apresentemos uma compleição forte e saudável,
estamos sujeitos a qualquer momento a tombarmos nos proscênios
da vida.
O ser humano embora seja o topo da evolução no planeta,
tendo desenvolvido no passar dos évos um cabedal de
monumentais obras em todos os setores da vida, permanece à
mercê dos elementos naturais que infrutiferamente tenta domá-los e
que vez ou outras explodem em fúria reclamando seus devidos
direitos.
Com isso tudo, ainda por ignorância nos tratamos
desigualmente, efetuando distâncias calcadas em desníveis sociais,
econômicos, acadêmicos, da coloração da epiderme, entre outros.


Ϯϲϯ


Quando iremos aprender a nos respeitar e enxergarmos que somos


frágeis e que de um momento para outro todas as nossas
idiossincrasias desaparecem do mapa da nossa arrogância
provendo o devido nivelamento a todos no momento da morte.
Mesmo com todo desenvolvimento tecnológico que marcou a
centúria passada, ainda vivemos imersos na cegueira de uma
superioridade que ao menor lufar dos ventos desvanece ao luar das
ilusões.
A devida extrapolação tem como premissa basilar a
determinadas situações que a vida nos constrange. Estes
acontecimentos servem de material de reflexão interna e para tanto,
o escrever é uma excelente ferramenta que possibilita o extravasar
dos sentimentos e ideias.
Comecemos. Inicialmente, ao voltar o olhar para trás, de
minha trajetória de vida nesta encarnação, paro e me pergunto o
porquê de determinadas situações aos quais ficamos expostos e,
querendo ou não, tornamo-nos partícipes do mesmo.
Desde cedo, acalentei o desejo de enveredar pela via
acadêmica, mas vários percalços retardaram meu desiderato.
Sempre fui uma pessoa estudiosa, leitor ávido e com amplo
espectro de interesses, não me fixando em uma coisa somente.
Após muito retardo, consegui retornar ao meio acadêmico,
dando continuidade os projetos anteriores, mas desta vez com
perspectivas reais de um objeto de trabalho, que me possibilita
exatamente o adentrar em outros vários redutos, mas conforme
colocado na assertiva inicial, mais uma vez, vejo meus objetivos
cortados, ou pelo menos, adiados por situações das quais acabo
envolvido.


Ϯϲϰ


Entendamos. No meio acadêmico, cada pesquisador tem sua


área de interesse, que com o passar do tempo, vai cada vez mais
se verticalizando. Portanto, na história, acabamos nos especializado
em determinadas áreas de estudo e aprofundando tais pesquisas.
Quem, como eu, tem interesse em história das religiões, acaba
descortinando em seu objeto de predileção, pesquisas que giram ao
seu redor.
Mas, o que pude observar é que, embora eu fosse levado ao
tema de estudo como forma de propagação das ideias das quais
acredito, outros o utilizam somente como forma de análise e
desconstrução.
Tornando mais claro o que quero dizer, vou me apropriar das
palavras do teólogo Huberto Rohden (1893 ± 1981), que no livro ³$
mensagem Viva do Cristo´, pg. 17, se utiliza da seguinte assertiva:
³2 KRPHP SURIDQR Vy VH LQWHUHVVD SHOR FRUSR GR (YDQJHOKR
procurando analisar, anatomizar, viviccionar palavra por palavra,
matando a alma transcendente da mensagem, lembrando um
cientista que analisa em laboratório uma flor, destruindo-a. Analisar
é a palavra grega para dissolver; quem apenas analisa, dissolve,
mata a vida da mensagem divina. Mas quem, em vez de ser ego-
pensante, permite ser (cosmo) espírito-pensante, esse absorve os
fluidos divinos da revelação do Cristo, assimilando intuitivamente a
DOPDGDOHWUD´
O que ele quis dizer é que os acadêmicos, em sua grande
maioria, como cientistas sociais, não estão preocupados com a
essência e sim, em analisar a letra, sendo, portanto, estudiosos da
religião simplesmente, sem maiores considerações.


Ϯϲϱ


Paulo de Tarso ao escrever em I Coríntios 8, 1-3, postula que


³R FRQKHFLPHQWR WUD] RUJXOKR PDV R DPRU HGLILFD 4XHP SHQVD
conhecer alguma coisa, ainda não conhece como deveria. Mas
quem ama a Deus, este é conhecido por 'HXV´ (P RXWUDV
palavras, abstrair pelo conhecimento, intelecto, é completamente
diferente de compreender pelas vias do espírito genuinamente.
Com isso, observei in loco tal proposição ao ser arrolado em
determinada situação ao qual acabei sendo, digamos, cúmplice.
Sem fazer papel de vítima, ninguém pode e tem o direito de saber o
que vai do coração de qualquer pessoa, vindo com isso, a se tornar
artífice como juiz e querer ser mediador do certo e do errado.
Aquele que não tem pecado, que atire a primeira pedra. Não
foi este um dos principais ensinamentos do Mestre da Galileia?
Como que alguém pode querer ser o detentor da verdade absoluta?
Daí segue outras proposições ao verificar o que acontece na
Academia, em que, os chamados bens imaginários, fazem mais mal
ao homem do que achamos; as riquezas esvaziam o coração; as
honras fazem-no inchar; os prazeres o fazem oco. Em tudo isso
segue a vaidade e o orgulho do ser que se acha maior do que o
outro pelas titulações da Terra.
As lições que apreendo do acontecido são que para conviver
QR PHLR GD TXDO HVFROKL WHQKR TXH VHU ³VLPSOHV FRPR D SRPED
PDV SUXGHQWH FRPR DV VHUSHQWHV´ 0W   SRLV SLVDPRV HP
ninhos de vaidade, neste caso a intelectual e com certeza, o
referido corte, me foi um aviso para não ter a soberba de querer ser
mais ou melhor do que ninguém.
Que possamos então acalentar uma melhor compreensão
entre nós e convivermos respeitando nossas diferenças, sabedores


Ϯϲϲ


que de um momento para outro podemos estar nos despedindo do


cenário terrestre.



Ϯϲϳ

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